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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A FAMÍLIA BRASILEIRA E SUA DIVERSIDADE :
Do Descobrimento a Atualidade
Por: Renata Ribeiro de Alencar
Orientador
Profª.: Maria Poppe
Rio de Janeiro
2004
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A FAMÍLIA BRASILEIRA E SUA DIVERSIDADE:
Do Descobrimento a Atualidade
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”
em Terapia de Família.
Por: Renata Ribeiro de Alencar.
3
AGRADECIMENTOS
....a Deus, pela minha vida, a meus
familiares e amigos, que sempre me
incentivaram e professores que me
transmitiram conhecimentos que serão
fundamentais para minha vida
profissional.
4
DEDICATÓRIA
....a minha família pelo apoio e carinho.
5
RESUMO
A história da família brasileira sempre foi perpassada por um constante
conflito entre os modelos de família predominantes na sociedade; instituídas no
imaginário social como formas ideais de família, marginalizando todos os
outros modelos de famílias e trazendo à consciência de que tais formas
constituem uma organização familiar desestruturada por fugirem do modelo
predominante.
A família é um fato cultural e historicamente condicionado que está
estabelecida por uma dinâmica de negociações diárias, por isso a
necessidade de melhor compreender a evolução histórica das famílias
brasileiras, sua organização, especificidades e as características dos seus
diversos modelos e de sua relação com a sociedade.
A abordagem das diferentes configurações e rearranjos pelos quais
tem vivenciado a família é importante para poder compreender a família como
uma instituição social, que como tal sofre com as mudanças que ocorrem na
sociedade, e com as transformações que ocorrem em seu meio.
A rede social e de solidariedade que se formou em torno das famílias
populares tem sido uma alternativa encontrada por essas famílias como forma
de enfrentamento a realidade de marginalidade social em que vivem.
6
METODOLOGIA
O estudo dos textos, artigos, estatísticas, reportagens que abordam
sobre a família brasileira, seus conflitos, sua história, organização e estrutura,
foi base para a realização desta pesquisa.
Estes recursos foram fundamentais para a realização deste estudo, pois
possibilitou, realizar um breve traçado, da família brasileira, suas primeiras
manifestações, e as mudanças que teve no decorrer dos anos, arranjos,
estrutura e dinâmica.
Os dados estatísticos serviram de base para visualizar, mesmo que
fragmentado, os modelos de arranjos familiares, e a proporção de cada um, em
diferentes épocas da sociedade.
As reportagens, os textos e os artigos possibilitaram uma visão de como
o estudo das famílias brasileiras ainda é muito fragmentado; e de como este
assunto ainda gera um dicotomia em relação a visão dos autores sobre a
família; e da idéia, e do ideal de família que é reproduzido e está incrustado no
pensamento social brasileiro.
Tais recursos possibilitaram ver a pluralidade de arranjos familiares,
existentes desde a formação do povo brasileiro, até os dias atuais e as
influências internas e externas sofridas pela família, que vem ao longo dos
anos provocando sua transformação.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - A “Família” Em Transformação 12
CAPÍTULO II - As Famílias Brasileiras 20
CAPÍTULO III – A Família Brasileira Hoje 31
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA 41
ÍNDICE 46
FOLHA DE AVALIAÇÃO 47
8
INTRODUÇÃO
Espera-se poder chamar a atenção para os modelos plurais de famílias
presentes no pensamento social brasileiro que muitas vezes estão invisíveis
nos estudos e análises críticas sobre o estudo das famílias no Brasil.
A família é o espaço permanente e privilegiado de socialização, de
divisão de responsabilidades, de socialização, de prática de tolerância, de
busca coletiva de estratégias de sobrevivência e lugar inicial para o exercício
da cidadania, do respeito e dos direitos humanos.
Mesmo estando sobre discussões sobre a seu enfraquecimento e
desagregação, a família ainda é o espaço indispensável para a garantia da
sobrevivência, de desenvolvimento e da proteção integral de seus membros,
independente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. Ela
propicia o aporte afetivo, e materiais necessários ao desenvolvimento e bem-
estar dos seus componentes.
A família detém um papel decisivo na educação formal e informal, pois
é em seu espaço; que são absorvidos valores, éticos e humanitários, onde se
constroem as marcas entre gerações e são observados valores culturais, e
onde se aprofundam os laços de solidariedade.
A família tem uma dinâmica de vida própria, afetada pelo processo de
desenvolvimento sócio-econômico e pelo impacto da ação do Estado através
de suas políticas sociais e econômicas.
A situação das famílias é também caracterizada por problemas sociais
de natureza diversa. Faz-se necessário um contínuo acompanhamento do
processo de mudanças que as afetam, bem como abordagens teóricas que
possibilitem o seu entendimento, cobrindo não somente os aspectos
9
relacionados ao mundo intra-familiar, como também os relacionamentos à
dinâmica das políticas sociais no país.
É consenso que a vulnerabilidade das famílias encontra-se diretamente
associada à sua situação de pobreza e ao perfil de distribuição de renda no
país. Os programas de ajustes macro-econômicos e de transição econômica;
tem funcionado como um fator desagregador das famílias.
A família precisa ser percebida não como o simples somatório de
comportamentos, anseios e demandas individuais, mas sim como um
interagente da vida e das trajetórias individuais de cada um de seus
integrantes; compreensão da questão familiar além das portas do privado
percebendo-a também como dinâmica pública cumpridora de papéis e
responsabilidades que geram impactos no conjunto da sociedade.
À família, novos membros se agregam; da família, saem alguns para
constituírem outras famílias e enfrentar o mercado de trabalho. Nas famílias
mais pobres, estas trajetórias e movimentos ocorrem, muitas vezes, de forma
traumática; ditados pelas condições, e a luta pela sobrevivência individual e
familiar.
A família, da forma como vem se modificando e estruturando nos
últimos tempos; impossibilita identificá-la como um modelo único ou ideal. Pelo
contrário, ela se manifesta como um conjunto de trajetórias individuais que se
expressam em arranjos diversificados e em espaços e organizações
domiciliares peculiares.
Aborda-se no primeiro capítulo, como se deu a transformação da
família ao longo dos tempos e do surgimento e organização dos arranjos
familiares que se tornaram modelo para a sociedade.
10
No segundo capítulo, fala-se das famílias brasileiras, suas
configurações, arranjos e organização que são característicos da realidade
econômica e social de cada período da sociedade.
As formas de organização decorrentes da estratégia de sobrevivência
da própria população para a realidade em que se encontram, exclusão de
bens, direitos, saúde e educação, são trabalhadas no terceiro capítulo.
11
CAPÍTULO I
A FAMÍLIA EM TRANSFORMAÇÃO
12
O CONCEITO
A sociedade, seus hábitos e costumes refletem o momento histórico na
qual esta se encontra, e essa sociedade provoca transformações no seio da
família, que constantemente se reestrutura, para se adaptar as mudanças. É
nesse contexto que podemos observar o movimento de seus agentes frente a
realidade atual, que tem forçado a inserção de todos os componentes da
família no mercado de trabalho, onde todos têm um papel fundamental na
contribuição para a manutenção da família.
A inserção desses agentes no mercado de trabalho, muitas vezes se dá
de forma precária: no mercado informal, sem a garantia de direitos trabalhistas
e com baixa remuneração.
As transformações no mundo do trabalho, a precariedade e a ausência
de políticas públicas eficazes, principalmente de políticas de atenção à família,
têm levado os componentes da unidade familiar a buscarem estratégias de
sobrevivência, forçando não somente a mulher e as crianças a se inserirem no
mercado de trabalho, pela necessidade de manutenção da família, mas
também os idosos a retornarem ao mercado de trabalho, como mão-de-obra
barata, pois não dão despesas aos empregadores e não os obriga a terem
vínculo e responsabilidades trabalhistas, pois muitos já se encontram
aposentados e retornam ao mercado de trabalho para complementarem a
renda de sua família.1
As transformações pela qual a família vem passando têm provocado
profundas mudanças nas relações de gênero entre os agentes, no núcleo
1 Percebe-se que, com enorme facilidade dada a peculiaridade do mercado de trabalho no Brasil, a “nova” reestruturação produtiva na verdade, recupera as “velhas” formas de exploração da mão-de-obra.
13
familiar, alterando a lógica da divisão sexual do trabalho, tanto no espaço
privado quanto no espaço público, com reflexos no mercado de trabalho.
Frente à precariedade das relações de trabalho, a diminuição das
oportunidades de emprego, do crescimento de postos de trabalho que
requerem cada vez mais trabalhadores especializados, as chances de inserção
em uma ocupação remunerada são cada vez mais difíceis, principalmente para
homens que se vêem em dificuldades para manterem sozinhos a família,
abalando com isso seu status de chefe da família, pois já não estão mais
sozinhos no sustento da família, dividindo esta tarefa com outros componentes
da família, principalmente com as mulheres, gerando muitas vezes um
desconforto para os homens, que vêem seu domínio ameaçado. Esta é apenas
uma das mudanças que vêm ocorrendo no seio da família, que mostra as
mudanças de comportamento, as relações entre seus agentes e suas
atribuições dentro da dinâmica familiar.
Lopes (1994), traz importantes considerações acerca das
transformações que as famílias vêm passando que ele descreve como
“desestruturação da família”. Trabalha as mudanças de postura: quebra nas
relações de parentesco nas relações de gênero; as influências externas
sofridas pela sociedade como a imposição de novos padrões de
comportamento, disseminados pelas relações de consumo. A postura adotada
pelos indivíduos frente a essas mudanças, as novas formas de organização
adotadas por eles, e as relações de conflito, instaladas no núcleo familiar e na
dinâmica da família com a sociedade, são pautadas por ele em seu texto.
Considerando as mudanças e recombinações constantemente sofridas
pelo núcleo familiar, importa considerar que não podemos nos pautar em um
único modelo de família, como modelo ideal e único aceitável tomado por base
em um modelo inspirado na realidade européia, mas sim, considerar a
diversidade de arranjos familiares existentes em nossa sociedade. Famílias
14
consideradas não apenas a partir dos laços de consangüinidade e parentesco,
mas também através das relações de sociabilidade e solidariedade.
Assim podemos observar que existem vários tipos de família, desde o
modelo de família moderna, composta por pai e mãe com ou sem filhos, nas
suas várias organizações até as famílias monoparentais constituídas por um
dos pais e filhos.
1.1- DO MODELO PATRIARCAL AO NUCLEAR MODERNO
O modelo patriarcal foi por muitos anos o modelo de organização familiar
tida pela sociedade como modelo estrutural “ideal de família” .
Um modelo Europeu de família que se instalou no Brasil juntamente com
a colonização portuguesa, e foi hegemônico nas regiões agrárias de produção
tais como engenhos de açúcar, plantações de café e fazendas de criação.
A família patriarcal se mantinha através da indivisibilidade de bens e
poder, e tinha o “senhor” como figura principal desta organização, que detinha
as funções de chefe da família, de pai, e marido, tendo os demais membros
sob seu julgo; a mulher auxiliava o marido e se mantinha em uma posição de
invisibilidade e inferioridade.
“Gilberto Freyre, se acentua a submissão da mulher,
repetindo a famosa frase de Capistrano para definir a
família colonial (“pai, taciturno, mulher submissa, filhos
aterrorizados”)... (CORRÊA, 1993:30)
15
Com grande número de integrantes, composta de parentes
consanguíneos e não consanguíneos, servos, protegidos, agregados, e
rodeada de escravos, a família patriarcal era formada. Habitava em grandes
casarões com vários cômodos, que serviam pára agregar o grande número de
habitantes e visitantes. A privacidade quase não existia e a vida em sociedade
era muito intensa, sendo esta uma extensão da vida em família.
A transmissão de valores e conhecimentos não era responsabilidade da
família, que afastavam suas crianças quando completavam sete anos, do
convívio em família, para serem educadas por outra família, onde passavam a
viver como aprendizes e recebiam conhecimentos como, regras de
sociabilidade, valores, aprendizagem de serviços domésticos.
A família estava voltada para a transmissão do nome e de bens, bens
estes que estavam destinados ao primogênito, que assumia os bens e o
comando da família, com a morte ou incapacidade do pai (senhor).
Neste modelo de família a procriação e a satisfação dos desejos sexuais
aconteciam muito mais fora que dentro da família.
Os conventos eram destino certo as filhas dos senhores quando não
conseguiam pretendentes desejados ou aceitáveis. A aceitação deste destino
pela mulher, dava-se por sua situação de inferioridade e submissão, que era
legitimada pela igreja, assim como a inferioridade do negro e dos filhos
ilegítimos.
A família patriarcal não existiu sozinha, mas coexistiu juntamente com
outras formas de organização familiar no Brasil, que figuravam na
marginalidade social, pois não se estruturavam conforme o “modelo ideal de
família”; e que estudiosos e autores acabaram por reafirmar essa
marginalidade, ao tomarem um único modelo como modelo ideal.
16
“...assim como a família patriarcal instituiu, na prática, a
marginalização de outras formas familiares, os autores da
história da família brasileira vêm sistematicamente
instituindo teoricamente essas possibilidades alternativas
em formas marginais.” (CORRÊA,1993:36)
Com o fim das grandes propriedades rurais e a industrialização a família
patriarcal foi gradativamente substituída por outro modelo de organização
familiar, a “família conjugal moderna”.
A família conjugal moderna é constituída somente pelo casal e seus
filhos, onde o casamento não é mais para a manutenção dos bens ou por
interesses políticos; e tem a satisfação sexual e afetiva como questões
importantes neste tipo de organização familiar.
O papel de cada membro, dentro deste modelo, de organização familiar
está bem definida, assim como seus papéis na sociedade, determinados palas
relações de gênero; o pai como provedor financeiro, que está no topo da
hierarquia familiar, e têm suas relações, voltadas para o espaço público; a
mulher como dona de casa, que exerce o papel de mãe, esposa e de
cuidadora do lar, sendo seu mundo voltado para a privacidade do lar; os filhos
solteiros vivendo sobre o mesmo teto.
Essa nova concepção de família traz o afeto, e a cumplicidade entre
seus componentes e a privacidade do lar, como foco central deste tipo de
organização.
17
A escola se fortaleceu e passou a ter um papel importante na
socialização e educação das crianças, que deixaram de ser enviadas para
viverem em outras famílias como aprendizes.
“A presença constante da criança na escola, a partir do
final do século XVII, pode ser interpretada como um dos
dispositivos do grande movimento de moralização dos
homens promovidos pelos reformadores católicos ou
protestantes, pelo Estado, com o apoio de medicina
higiênica, e ainda mais recentemente, auxiliados pelos
profissionais do campo da ‘psi”.(MELMAN,2002:43)
O acesso à escola se deu inicialmente somente para os homens das
classes médias da população; as mulheres, os artesãos, e operários estavam
ausentes da escola.
O modelo de família conjugal moderna foi, gradativamente imposta a
todas as classes sociais a partir do século XVIII. E passou a sofrer influência
da medicina, da psicologia, e da psiquiatria que ditaram normas de disciplina e
intervenções dentro do seio da família, como meio de tratamento das questões
que afligiam e desestruturavam o bom funcionamento da família, tais como os
altos índices de mortalidade infantil, a sexualidade, a doença mental,
problemas escolares, etc.
“Como podemos perceber, a família, às voltas com suas
profundas transformações, mergulhada em suas
dificuldades, pede ajuda e muitos se dispõem a ajuda-la.
Inicialmente os padres detinham o mandato. Geriam a
sexualidade sob o ângulo da moralidade religiosa. Depois
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chegaram os médicos higienistas, com suas campanhas
de higienização dos corpos e da sexualidade como parte
de um dispositivo geral de prevenção de doenças sociais.
A seguir os psiquiatras, os pedagogos, os psicanalistas e,
mais recentemente, os terapeutas de família.”
(MELMAN,2002:53)
Esta nova concepção de família se instituiu mediante o ritual do
casamento religioso e civil em conformidade com a moral e os valores, como
proibição do incesto. Um dos objetivos desse modelo familiar, além de unir
duas pessoas “até que a morte os separe”, é o de servir à procriação, ou seja,
criar descendentes e herdeiros.
Os pais se amam e aos filhos, por sua vez os filhos cultivam para com
seus progenitores este mesmo sentimento. Como micro unidade de consumo e
de subsistência, a família luta pela sobrevivência, que corresponde à luta pelo
“poder” para consumir.
Com predominância da divisão sexual do trabalho, ao homem cabe o
trabalho assalariado, e a mulher a tarefa de cuidar da educação dos filhos e do
trabalho da casa. O pai, ao realizar o trabalho assalariado, tem a função de
garantir o sustento da família e a socialização dos futuros cidadãos, enfim, a
reprodução social.
Esse modelo de família faz parte da nossa cultura, e ainda é
reproduzido; por intermédio dos diversos “espaços de socialização” e/ou
diversos aparelhos “ideológicos”, como por exemplo, escola, igreja, etc. As
pessoas desde crianças aprendem como “deve” e “tem” que ser uma família.
Dessa forma, a família nuclear moderna, tida por muitos como “ideal”
ainda é o modelo para a maioria das pessoas. Vem daí a pressão para que os
19
outros membros da sociedade também a constituam, conforme aqueles rituais
e características.
20
CAPÍTULO II
AS FAMÍLIAS BRASILEIRAS
O CONCEITO
21
A família como espaço de afeto, de socialização, de respeito, união pelo
amor e de proteção está no imaginário social e tem dificultado pensar a família
enquanto instituição social, que como tal é atravessada por relações de
dominação e poder e se modifica a medida em que a sociedade se transforma
adquirindo particularidades em diferentes sociedades.
Falar da família brasileira é falar antes de tudo, na história das famílias
no Brasil, na família de forma plural, pois esta é formada pela multiplicidade
etinocultural e religiosa, que é característico na formação do povo brasileiro.
Os índios, primeiros habitantes do território brasileiro, viviam em
comunidade onde cabiam as mulheres o trabalho na agricultura e na produção
de alimentos; aos homens, era destinada a caça; e o cuidado com os filhos e
os rituais religiosos, compartilhados por homens e mulheres.
Após o descobrimento da terra brasileira Portugal enviou seus
degredados para trabalharem na exploração das riquezas existentes no
território brasileiro. Foram estes portugueses que deram origem, a primeira
geração de “brasileiros” 2 ,crianças filhas de pais portugueses e mães índias.
“No entanto, esses meninos, filhos de pais brancos, não
eram mais, a rigor, índios Tupi. Nem eram cem por cento
portugueses. Eram mescla, e, nesse sentido – etino,
cultural e lingüístico -, parte inicial de um processo que iria
se tornar, nos séculos seguintes, a principal característica
do Brasil.” (LEONARDI,1996:243)
Somente muito tempo após a criação das capitanias hereditárias é que
as mulheres brancas passaram a desembarcar em terras brasileiras; mulheres
de colonos e sesmeiros. A maioria dos homens brancos, viviam em mancebia
com as índias e mamelucas, nas quais tinham filhos.
22
As mulheres negras começaram a chegar a partir de 1538, época em
que o casamento ainda era pouco freqüente; o concubinato e outras formas de
vida em comum eram muito freqüentes.
No Brasil colônia era comum que as mulheres (índias, mestiças, negras)
criassem seus filhos e os filhos de seus companheiros com outras mulheres,
tendo em muitos casos, que criarem sozinhas as crianças, pois seus
companheiros viviam muito tempo se aventurando pelos sertões.
Entre as mulheres escravas a taxa de natalidade era muito baixa, mas
pesada para aquelas que conseguiam levar a gravidez até o fim, pois além do
trabalho forçado, ainda tinham que se desdobrarem com os cuidados com a
maternidade e lactação. Também era comum entre as escravas o aborto e o
infanticídio como forma livrarem seus filhos da escravidão.
Além das guerras entre brancos e índios, da escravização de muitos
índios e da “posse” de homens brancos sobre as índias, o que acabou por
desestruturar a organização das famílias indígenas; a catequização trouxe uma
perda ainda maior para as mães índias que perdiam espiritualmente seus
filhos.
Para LEONARDI, a situação do povo indígena; principalmente da índia,
na colonização do território brasileiro, não pode ser esquecido nos estudos
sobre a família no Brasil.
“Estudar a formação social do Brasil sem levar em conta
essas dimensões sutis da situação da mulher índia, na
Colônia e no Império, é deixar de lado uma dimensão
fundamental de nossa história. A mulher índia e os
meninos brasis deram origem a muitos caboclos, caipiras,
2 Como define LEONARDI (1996), a palavra “brasileiros”, tem que ser utilizada entre aspas, porque não
23
mamelucos e outros trabalhadores rurais do sertão do
Brasil.” (LEONARDI,1996:252)
A partir dos anos 10, 20 e 30 do século XX, as mudanças na família
dessa época se deram em decorrência do aumento da demanda por
trabalhadores no setor industrial, onde as mulheres começaram a
desempenharem atividades fora de casa e preencherem funções no comércio.
As mulheres passaram a ter um maior acesso a educação, o que influenciou o
status da mulher. A participação da mulher na educação e em atividades
remuneradas fora de casa, fosse como operárias, fosse como profissionais de
nível médio e superior, aparecia como um primeiro desafio, a um sistema de
hierarquia sexual.
A partir da década de 1970, o movimento feminista se organiza e
impulsiona estudos sobre as mulheres, retirando-as da invisibilidade a que
foram relegadas. Houve também um crescimento da participação feminina no
mercado de trabalho formal, principalmente no âmbito urbano, que a cada dia
vêm tomando proporções cada vez maiores.
As razões pelas quais as mulheres têm se inserido no mercado de
trabalho, são diversas, BRUSCHINI (1994), mostra que, houve profundas
mudanças na economia do país o que obrigou mulheres das várias camadas a
contribuírem financeiramente para a renda familiar, face a queda nos salários,
e declínio da renda familiar, provocadas pela política econômica e pela
mudança nos hábitos de consumo.
A década de 1980 foi palco de uma profunda crise econômica de
grandes proporções, alterando a qualidade de vida do trabalhador. Nesse
contexto cresce o setor terciário na economia brasileira, que concentrou a
maioria dos postos de trabalho.
havia ainda uma sociedade brasileira, ou uma cultura brasileira.
24
Conforme mostra MONTALI (2000), em pesquisa realizada entre 1980 e
1994, houve aumento do desemprego, a precarização das relações de
trabalho, mudanças na inserção dos diferentes componentes da família no
mercado de trabalho e deterioração da renda familiar.
É importante reter aspectos do momento conjuntural da economia, das
transformações por que passa a família e também as características da relação
homem-mulher predominante na sociedade, que definem tanto as atribuições
de ambos na família quanto às representações acerca de sua inserção no
mercado de trabalho.
2.1- CARACTERÍSTICAS E CONFIGURAÇÕES NOS DIVERSOS
MOMENTOS DA SOCIEDADE.
Os trabalhos escritos acerca deste assunto focalizam a família nuclear
patriarcal como modelo único de família e conceituam as organizações
familiares que não seguem esse modelo, de famílias desestruturadas,
ocultando-as das estatísticas e estudos sobre esse assunto.
Para Neder (2000:28), “Pensar as famílias de forma plural pode significar
uma construção democrática baseada na tolerância com as diferenças com o
outro.”
Podemos observar que o patriarcado não foi o único modelo dessa
instituição, pois a história da família brasileira é perpassada por uma
pluralidade e diversidade de arranjos familiares, que se caracterizam segundo
25
influências regionais particulares, de tempo, espaço e dos diversos grupos
sociais.
A família tradicional patriarcal (de origem ibérica) retratada por Gilberto
Freire em Casa Grande e Senzala, foi absorvida pela sociedade como o
modelo da família brasileira, que mais tarde foi desconstruída por alguns
autores ao mostrarem as famílias do sul do Brasil, das Minas Gerais e de São
Paulo, onde cada uma delas apresentavam características diferenciadas.
Em seu estudo, Souza e Botelho (2001), fazem uma crítica ao modelo
único de família e, pautados em estudos de diferentes autores, retratam a
pluralidade da família brasileira. Para compreendermos a diversidade de
famílias brasileiras, situaremos os principais “tipos” descritos pela literatura.
A família patriarcal, que se consolidou em torno da atividade bandeirante
na formação de São Paulo, teve sua base em cruzamentos raciais próprios;
não era forte a presença da escravidão africana. A pequena propriedade e o
comunitarismo eram o regime social característico dessa região.
O entrecruzamento de raças, do branco, índio e do mameluco, foram
,pano de fundo para constituição da gente paulista, que tinha residência fixa e
famílias numerosas. As mulheres conduziam o lar quando os maridos seguiam
em expedições e desbravamentos.
Já nas Minas Gerais, o povo foi produto da miscigenação indígena,
africana e européia, com predomínio da raça lusitana.
A família mineira era o centro da sociedade, tendo a hierarquia do
patriarcado centro da vida privada, onde a lei do homem era a lei da vida
mineira e a mulher detinha discreto poder de decisão na ordem doméstico. Na
família rural mineira, nos anos de influência da mineração, a matriarca teve
uma função nucleadora; cabendo a ela comando da propriedade, a educação
26
dos filhos, o cuidado com os doentes, a economia doméstica, a atenção aos
bichos e a distribuição dos serviços.
As mulheres pobres circulavam nas regiões de mineração, “negas de
tabuleiro”, vendeiras, doceiras; ajudavam os escravos a retirarem pedras
preciosas e ouro das minas em seus tabuleiros, pois circulavam livremente e
detinham importante função no abastecimento de alimentos nas minas.
Essas mulheres estavam inseridas nas mais diversas atividades, como
forma alternativa de garantir o sustento de suas famílias. A complexidade e a
importância econômica e social do trabalho feminino nas minas gerais podem
ser avaliadas pelas medidas repressivas tomadas para controla-las.
No nordeste, a família patriarcal, tinha como característica a vida
centrada nas grandes propriedades, sustentada pela exploração da escravidão
africana, as famílias eram grandes e numerosas, concentrando várias
gerações, e a igreja detinha grande poder de fluência.
“O parâmetro da família patriarcal é construído,
sobretudo, pela revelação do modo como se davam as
relações entre brancos e negros sob a autoridade do
senhor branco proprietário e chefe de família.”
(Souza & Botelho, 2001:2)
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A escravidão africana marcou a sociedade brasileira e a formação das
famílias africanas no Brasil e esta também foi marcada pela diversidade de
línguas, religiosas e de tradições.
A existência, não de uma família africana, mas de vários tipos de
organização familiar entre os milhões de africanos trazidos para o Brasil, faz
obrigatória a reflexão acerca da pluralidade das várias culturas africanas
características dessas famílias. Mas são poucos os trabalhos, como o de
Venâncio (1997) e Neder (2000), que traçam o quadro etnográfico dos
africanos na sociedade brasileira.
A família escrava sofreu influência do autoritarismo e da violência da
escravidão, que foi responsável pela separação entre casais, pais e amigos,
de parentes e amigos, trazendo a perdas de vínculos, crises de identidade e
teve sua organização afetada, com a perda das raízes e das tradições. As
crianças eram desprezadas pelos “senhores” que preferiam os escravos
adultos e esta criança encontrava referência na comunidade de escravos pois
em muitas vezes o laço familiar era rompido pelo comércio de escravos.
Esse padrão autoritário imprimiu uma continuidade dessas perdas para
as classes populares, mesmo após cem anos do fim da escravidão.
Os laços familiares de solidariedade, o compadrio e o companheirismo
no trabalho, fizeram parte da realidade das famílias escravas, que representava
uma manifestação da capacidade de resistência popular ao autoritarismo e ao
escravismo.
Na família africana, os laços familiares não são determinados, só por
consangüinidade, mas sim por pertencerem, a mesma comunidade ou mesma
etnia. Já na família escrava essas tradições e raízes foram perdidas, o que
propiciou um conjunto de condicionantes desfavoráveis para a família escrava.
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Nas famílias afro-brasileiras o papel da figura feminina é muito forte,
principalmente nas famílias de origem matrilinear, onde as tias ocupam lugar
de destaque (como guias espirituais e religiosas e líderes comunitárias).
A Proclamação da República influenciou modificações no plano
econômico manteve o padrão de controle político e social excludente. A
organização da “nova família”, que visava a constituição da família moderna
pautada no padrão de organização da família burguesa, modernizando também
as concepções sobre o lugar da mulher nos alicerces da moral familiar e social
onde ela deveria receber uma educação voltada para o cuidado e a educação
dos filhos e de suporte ao marido.
Segundo Vaitsman (1994), a modernização trouxe mudanças no modo
de vida da sociedade nos seus relacionamentos e organização e houve uma
invisibilidade da atividade produtiva das mulheres.
Com parâmetro de aburguesamento das elites, as relações familiares
sofreram modificações, impostas pela difusão das normas da disciplina do
médico-higienista, que normalizou a sexualidade e o amor entre homem e
mulher dentro do casamento, como norma de saúde.
“...Criou um novo código de relações entre homens e
mulheres, porém código coercitivo, na medida em que as
obrigações entre marido e a mulher deveriam seguir as
regras estabelecidas pelo contrato amoroso, cabendo ao
indivíduo a culpa pelo fracasso da relação a e
responsabilidade pela dissolução da família”.
(Vaitsman,1994:54)
29
Segundo Vaitsman (1994), por volta da década de 70, a família conjugal
moderna sofreu uma crise provocada pelos rumos da modernização. O
argumento de Vaitsman é que entre os segmentos das classes médias onde
se considera que a família tenha se modernizado, a família moderna vem
desaparecendo, substituída por relações com novos conteúdos e
institucionalizando-se sob novas formas.(1994: 18)
Em “Famílias em transformação...” Freitas, traz importantes
contribuições para a reflexão a cerca do conceito de família:
“Entendo que falar de famílias significa estar falando de
uma realidade em constate transformação...pressupõe
seu entendimento enquanto um fenômeno que abrange as
mais diferentes realidades”.(Freitas, 2000:2 )
As transformações que vêm ocorrendo na economia, no processo produtivo,
têm modificado o mercado de trabalho, e vêm provocando, também,
transformações na unidade familiar e no papel dos indivíduos dentro da família.
As relações dos indivíduos no seu grupo familiar e com a sociedade têm
se modificado freqüentemente: a definição de papéis já não segue o padrão da
família “moderna”, mas especificidades e características próprias.
O enxugamento da máquina pública, frente ao projeto neoliberal, que
preconiza o Estado “mínimo”, a insuficiência de políticas públicas, a
precarização no mundo do trabalho, com o desemprego, baixa remuneração e
instabilidade, tem forçado as famílias a buscarem alternativas de sobrevivência,
e esta tem sofrido profundas transformações na sua estrutura, na sua
dinâmica, nas relações entre seus atores, nas relações de gênero, na
hierarquia familiar e um severo empobrecimento da família.
30
A sociedade brasileira ainda se funda no modelo europeu de família
patriarcal como modelo ideal de família, da qual deriva da família nuclear
burguesa que se caracterizou pela naturalização da divisão sexual do trabalho
e da distinção de papéis entre o homem como provedor e a mulher como
cuidadora, e que se consolidou em meados do século XVIII, e que ainda é
referência para a sociedade hoje.
O homem detinha autoridade e poder sobre a mulher e era responsável
pelo sustento da esposa e dos filhos e a mulher definida a partir dos papéis
femininos tradicionais, atuação no mundo doméstico cuidando da casa, dos
filhos, e do marido, o que consolidou mulher, centrada na dimensão do cuidar;
cuidar do outro, que foi valorizado como atributo natural e exclusivo da mulher
e tomado como aspiração feminina.
31
CAPÍTULO III
A FAMÍLIA BRASILEIRA HOJE
O CONCEITO
A família vem se apresentado ao longo da história em diversas
características, composições e modelos, embora haja um modelo que
predomine.
Para CALDERÓN e GUIMARÃES (1994), uma das principais
dificuldades dos trabalhadores sociais diz respeito a como trabalhar com as
famílias no cotidiano. Essa dificuldade surge, principalmente, devido à
existência de novos arranjos familiares que fogem e contestam os padrões
estabelecidos com base na hegemonia do modelo da família burguesa.
32
As últimas décadas foram palco do surgimento de outros arranjos
familiares, principalmente nas grandes cidades. Estes arranjos têm
características diversas, são famílias monoparentais com chefia feminina ou
masculina decorrentes de diversas situações; mulheres que optam pela
produção independente sem o convívio e o casamento com o pai da criança;
família formada por casais homossexuais; famílias com base em uniões livres,
sem o casamento civil ou religioso; divórcio, separação e/ ou abandono do
componente masculino; mães adolescentes solteiras que assumem seus filhos;
famílias ampliadas, que a agregando novos componentes; lares unipessoais.
O processo de mudança que vem ocorrendo em torno da família
contemporânea, têm sido recebida, com grande restrição, onde há choque de
valores, preconceitos e negação desses novos arranjos.
Os novos arranjos familiares não se constituem em famílias erradas; é
importante não tomarmos esses arranjos como desestruturados.
“Destarte, seja na estrutura atual, com a moderna
sociedade industrializada, seja em outro período histórico,
as famílias das classes populares têm encontrado
dificuldades (evidentemente que também de ordem
econômica - não se descarta este argumento) mas,
sobretudo, de ordem política e ideológica. Política, pela
resistência que têm de empreender contra o autoritarismo
e a perversidade do sistema. Ideológica, uma vez que as
diferenças étino-culturais que embasam as diversas
formas de organização familiar não são respeitadas.”
(NEDER, 2000:43)
A realidade e organização interna desses arranjos também são
determinadas pelas mudanças comportamentais determinadas pela atual
33
conjuntura política, econômica e social, tais como as conquistas femininas nos
campos do trabalho e da política que diversificam e ampliam o papel social da
mulher; a vida pública publica modificando as percepções de espaço e tempo
da mulher,; crescimento das mudanças nas relações conjugais operadas pela
vida pública feminina, e os questionamentos à idéia de mãe e maternidade.
Há a necessidade de valorização das famílias enquanto local de
produção de identidade social básica para qualquer criança, tendo em vista a
formação de uma cidadania ativa. A construção desta identidade, individual e
coletiva, deve, contudo, passar pela tolerância com a diversidade humana.
As políticas sociais devem levar em conta o apoio a ser dado às
mulheres nas famílias dos setores populares e também para a valorização
enquanto suporte político e psicológico, o qual lhes é culturalmente atribuído
dentro do núcleo familiar.
Em vez de tentar compreender a família com base na sua composição,
tomando como referência-padrão a família nuclear, deve-se procurar
compreende-la, pelas relações afetuosas e os valores que estão impregnados
na estrutura familiar.
”...qualquer projeto que realmente pretenda fortalecer a
família deverá estar imbuído de uma concepção que fuja a
qualquer visão moralista e preconceituosa. Deverá ter
presente que cada família tratada possui configuração e
características próprias, constituindo-se em um caso
particular e específico... deve-se procurar compreendê-la
pelos valores nela existentes, bem como pelas relações
de afeto, respeito, dependência, reciprocidade e
responsabilidade que possam existir.”(CALDERÓN E
GUIMARÃES, 1994:33)
34
3.1- A REDE SOCIAL E DE SOLIDARIEDADE COMO
ALTERNATIVA FRENTE À REALIDADE.
No contexto dos grupos familiares de baixa renda importa falar sobre as
redes sociais que se formam em torno dessas famílias. Uma realidade que é
formada como estratégia de sobrevivência, onde as relações de cooperação
entre esses personagens são muito fortes.
O universo social humano é perpassado pelas teias de relações
humanas que acompanham o homem aonde quer que ele vá e é constituída
pelo relacionamento de pessoas que tenham afinidades em comum: vizinhos,
igrejas, etc, formam a rede de solidariedade que vai estar presente por toda a
vida do homem e a que ele vai recorrer nas mais diversas situações,
principalmente aquelas mais difíceis.
A mulher representa a principal figura na trama de rede de relações
sociais, pois é ela que estabelece os sentidos de parentesco entre pais e filhos
com diferentes paternidades, e de sobrevivência.
É nessa rede de solidariedade que ocorre a “circulação de crianças”,
pertencentes a esses grupos ou comunidades. Nessa rede de cooperação há
participação de amigos, vizinhos e familiares. Essa rede de relações é uma
característica muito forte nas classes populares, que sem condições de
subsistência e carentes de políticas sociais, recorrem muitas vezes a terceiros,
no cuidar ou no sustento, assim a criança acaba passando mais tempo com
essa família do que com sua família de origem.
35
“A circulação de crianças é o exemplo de uma dinâmica
alternativa; é indicação de formas familiares em grupos
populares que, longe de serem uma etapa anterior à
família moderna, vem crescendo e se consolidando ao
mesmo tempo que ela”. (Fonseca,1990:38)
Essa rede de cooperação se apresenta como único recurso para esses
grupos. Nesse contexto, as avós tem tido uma grande participação nessa
dinâmica: muitas cuidam de seus netos integralmente, enquanto seus filhos
trabalham para prover o sustento de suas famílias porque estes não contam
com creches.
A participação da avó, no cuidar dos netos, tem se tornado cada vez
mais constante. Os netos, em alguns casos, passam a residir em suas casas e
elas passam a assumir toda a responsabilidade. Não somente porque suas
filhas trabalham fora, mas também por conseqüência dos rearranjos familiares:
por causa de separações quando suas filhas retornam para casa de suas mães
trazendo seus filhos; ou porque suas filhas se tornaram mães solteiras.
A identificação com a figura da avó fica muito forte, pois ela está mais
presente que a mãe, onde os laços se estreitam e vai alem da relação
avó/neto.
Na circulação de crianças, ocorre também a participação comunitária, da
rede social que se forma em torno dessa dinâmica familiar. Vizinhos cuidam
dos filhos dos vizinhos, amigos cuidam dos filhos dos amigos enquanto eles
trabalham, característica muito comum em comunidades populares.
Tais estratégias vêm como prática à falência do Estado na questão das
políticas sociais, que não conseguem atender as demandas da população em
36
suas necessidades mais básicas; e esta se vê cada vez mais desprovida de
recursos, tendo que sozinha encontrar meios, criar estratégias para contornar,
amenizar a situação em que vive.
O universo familiar e social dessas crianças, se amplia, pois não há uma
“unidade” como no modelo “tradicional”. A comunidade, os grupos de convívio
passam a ser a extensão de suas casas, sua família, pois tais relações
apresentam uma dinâmica familiar peculiar e pouco comum.
“A unidade familiar é porosa, perpassada por outros
grupos (de vizinhança, de parentela), e regida por uma
dinâmica social que pouco tem em comum com a do
modelo ‘moderno”. (Fonseca,1990:33)
Diante do seu estado de carência, a família tem na rede de
solidariedade, um meio de garantir sua sobrevivência, pois compartilha com o
grupo social e comunitário, a mesma realidade: a pobreza e, juntos, buscam
alternativas.
Para Carvalho (1994), solidariedade conterrânea e parental é
condição primeira para a sobrevivência e existência de famílias em situação de
pobreza. No grupo familiar extenso é criado um vínculo com o agregado de
parentes e conterrâneos.
As famílias de baixa renda que estão nos grandes centros urbanos,
absorvem novos valores e padrões de reprodução social: gerar menos filhos, a
mulher como força de trabalho e a diferenciação entre chefe e provedor.
37
Outro fator importante na sobrevivência destas famílias é a
solidariedade apadrinhada, que assegura um canal de doações: de roupas,
remédios, bens de consumo, que para as famílias pobres é fundamental.
A solidariedade missionária também é um componente de
sobrevivência dessas famílias, onde as seitas afro-brasileiras, Igreja católica,
Protestante e Espírita compõem o projeto de reprodução social das famílias
pobres.
A exclusão social de bens, cultura, saúde e lazer; é reforçada pelas
políticas sociais, que não produzem possibilidades e ferramentas para que os
grupos populares saiam da situação de exclusão, mas contribuem para que
essa exclusão se perpetue e se agrave, aumentando cada vez mais a distância
cultural, social e econômica entre ricos e pobres.
A rede de parentesco tem um papel primordial na rede solidariedade,
dando apoio material, moral, na troca de favores, abrigo, e cuidado com as
crianças.
"A solidariedade conterrânea e parental é condição
primeira para sobrevivência e a existência de famílias em
situação de pobreza e descriminação".
(Carvalho,1995:96)
38
CONCLUSÃO
Há a necessidade de um maior aprofundamento acerca do
conhecimento das características, peculiaridades e especificidades que
perpassam pela história das famílias brasileiras e seus desdobramentos . A
família como espaço de inserção dos indivíduos e também como espaço de
reprodução de desigualdades e violência. Reflexo da ordem social vigente nos
diversos períodos da história do Brasil influenciadas pelas várias culturas dos
povos que contribuíram para a fundação da sociedade brasileira.
Reconhecer a família como uma instituição social é reconhecer que,
assim como a sociedade, ela é palco de um movimento de produção e
reprodução das relações sociais entre os indivíduos que a constituem.
Há a necessidade de valorização das famílias enquanto local de
produção de identidade social básica para qualquer criança; tendo em vista a
formação de uma cidadania ativa, com tolerância a diversidade humana, na
construção da identidade individual e coletiva. Enxergar as diferenças étnico-
culturais que estão presentes na sociedade brasileira e evitar a concepção
preconceituosa de família regular x família irregular.
A rede de solidariedade tem desempenhado um papel fundamental nas
estratégias de sobrevivência das famílias populares, determinada pela
ausência de políticas sociais públicas. Mas a solidariedade familiar pode não
suportar os efeitos da ausência de políticas públicas de proteção social
voltadas para os setores mais vulnerabilizados da nossa sociedade.
É urgente a criação de políticas de proteção social diante da
necessidade de inclusão das famílias em programas sociais, que lhe permita
39
condições básicas de subsistência, de inserção social e cidadania, que lhes
permita cumprir o papel social que lhes é atribuída.
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44
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
45
CAPÍTULO I
A FAMÍLIA EM TRANSFORMAÇÃO 12
1.1- Do modelo Patriarcal ao Nuclear Moderno 14
CAPÍTULO II
AS FAMÌLIAS BRASILEIRAS 20
2.1- Características e Configurações nos Diversos Momentos da
Sociedade 24
CAPÍTULO III
A FAMÍLIA BRASILEIRA HOJE 31
3.1- A Rede Social e de Solidariedade Como Alternativa Frente
à Realidade 34
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA 41
ÍNDICE 46
46
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Universidade Candido Mendes
“A família Brasileira e Sua Diversidade: Do descobrimento a Atualidade”.
Renata Ribeiro de Alencar
27 de setembro de 2004
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Avaliado por: Conceito:
Conceito Final: