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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE CONTOS DE FADAS: AJUDANDO A ENCONTRAR SENTIDO NA VIDA Por: Carmelia Abrahão Assaf Orientadora Prof. MARY SUE CARVALHO PEREIRA Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

CONTOS DE FADAS:

AJUDANDO A ENCONTRAR SENTIDO NA VIDA

Por: Carmelia Abrahão Assaf

Orientadora

Prof. MARY SUE CARVALHO PEREIRA

Rio de Janeiro

2008

FOLHA DE ROSTO

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

CONTOS DE FADAS:

AJUDANDO A ENCONTRAR SENTIDO NA VIDA

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre, da Universidade Cândido Mendes, como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Educação Infantil e Desenvolvimento.

Por: Carmelia Abrahão Assaf

AGRADECIMENTOS

A Deus, ao meu Mestre Jesus, à minha família, ao Corpo

Docente da Instituição A Vez do Mestre, à professora

Mary Sue, pela revisão dos textos, a todos que de alguma

forma contribuíram para a realização deste trabalho e, em

especial, às minhas sobrinhas Danielle Assafin Vieira e

Giselle Assafin Vieira.

DEDICATÓRIA

Às crianças de todo o mundo e de todas as idades, com

muito amor e carinho.

RESUMO

Os contos de fadas ajudam a criança a enfrentar e resolver seus difíceis

problemas interiores.

As adaptações feitas aos contos de fadas, ditas “politicamente corretas”,

apenas dificultam e mesmo impedem que a criança venha a encontrar recursos

e soluções para vencer as situações de conflito e traumas internos.

A forma original do conto de fadas apresenta o verdadeiro encantamento

para a criança. As adaptações suavizadas feitas por adultos impedem a criança

de elaborar fantasias, limitando sua capacidade de organizar seus sentimentos

e de compreender o mundo, chegando mesmo a confundi-la, pois, na vida real,

ela vivencia experiências agradáveis e desagradáveis.

É importante alertar os pais, professores e responsáveis pela formação

da criança, em geral, quanto à necessidade de resgatar os contos de fadas em

sua forma original, conferindo-lhes, novamente, o papel central que tiveram

durante séculos, por suas grandes e positivas contribuições psicológicas na

promoção do crescimento interno da criança.

O conto de fadas não se refere ao mundo exterior. A natureza irrealista

desses contos, e não aquela apresentada pela mente limitada dos

racionalistas, é o mais importante, pois a preocupação do conto de fadas não é

uma informação útil sobre o mundo exterior, mas sobre os processos que

ocorrem no interior do indivíduo.

Bruno Bettelheim, em seu livro “A psicanálise dos Contos de Fadas”,

referindo-se aos contos de fadas, afirma:

Esses contos fornecem percepções profundas que

sustentam a humanidade através das longas vicissitudes

de sua existência, uma herança que não é transmitida

sob qualquer outra forma tão simples e diretamente, ou

de modo tão acessível, às crianças.

E, mais adiante, acrescenta:

As figuras e situações dos contos de fadas também

personificam e ilustram conflitos internos, mas sempre

sugerem sutilmente como estes conflitos podem ser

solucionados e quais os próximos passos a serem dados

na direção de uma humanidade mais elevada.

METODOLOGIA

O estudo limita-se a considerar os contos de fadas tradicionais dos

autores Charles Perrault, Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen.

Como procedimento metodológico, foi utilizada a pesquisa bibliográfica.

Os livros utilizados durante a pesquisa aparecem indicados na

Bibliografia.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9

CAPÍTULO I: CHARLES PERRAULT................................................................... 13

CAPÍTULO II: IRMÃOS GRIMM........................................................................... 16

CAPÍTULO III: HANS CHRISTIAN ANDERSEN .................................................. 25

CAPÍTULO IV: A BELA ADORMECIDA ............................................................... 34

CONCLUSÃO....................................................................................................... 49

ANEXOS .............................................................................................................. 56

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 59

ATIVIDADES CULTURAIS................................................................................... 61

ÍNDICE ................................................................................................................. 63

FOLHA DE AVALIAÇÃO ...................................................................................... 64

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INTRODUÇÃO

A tarefa mais importante e também mais difícil na criação de uma

criança é ajudá-la a encontrar significado na vida.

É preciso, portanto, procurar desenvolver na criança recursos interiores,

para não deixá-la ficar à mercê dos acasos da vida, de modo que emoções,

imaginação e intelecto se ajudem e se enriqueçam mutuamente.

Se as crianças fossem criadas de modo que sua vida fosse significativa,

elas não necessitariam de ajuda especial para promover sua capacidade de

encontrar sentido dentro da realidade que as cerca.

Para essa tarefa, nada é mais importante que a atuação dos pais e de

todos aqueles que cuidam da criança; em segundo lugar, vem a herança

cultural, se transmitida à criança de maneira correta.

Quando as crianças são novas, é a literatura que canaliza melhor esse

tipo de informação, principalmente os contos de fadas, que conseguem

estimular e alimentar os recursos de que as crianças mais necessitam para

lidar com seus difíceis problemas interiores.

Para prender a atenção de uma criança, a história deve não só entretê-la

e despertar sua curiosidade, mas também estimular sua imaginação, ajudando-

a a reconhecer suas dificuldades e a encontrar soluções para os problemas

que a perturbam.

Os contos de fadas falam das pressões internas graves das crianças de

um modo que elas, inconscientemente, compreendem e, ao mesmo tempo,

oferecem exemplos tanto de soluções temporárias quanto permanentes para

dificuldades prementes existentes em suas vidas.

A mensagem transmitida pelos contos de fadas à criança mostra que

uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da

existência humana, mas se a pessoa não se intimida e se defronta de modo

firme com as pressões inesperadas e muitas vezes injustas, então, ela

dominará todos os obstáculos e, ao final, sairá vitoriosa.

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Muitos pais, entretanto, acreditam que somente a realidade consciente

ou imagens agradáveis e otimistas deveriam ser apresentadas à criança, mas a

vida real não e só agradável.

Daí a incongruência de certos autores ao fazerem adaptações, ditas

“politicamente corretas”, nos contos de fadas, visando a retirar delas as

situações complexas, não mencionando, por exemplo, nem a morte, nem o

envelhecimento, nem as bruxas, nem as madrastas, nem o abandono, nem a

traição, nem a pobreza e tantos outros problemas humanos universais.

As histórias modernas escritas para as crianças evitam esses problemas

existenciais, apesar de eles serem questões cruciais para todos nós.

Para a criança, particularmente, é necessário que lhe sejam dadas

sugestões em forma simbólica, de como ela pode lidar com essas questões e,

assim, crescer a salvo para a maturidade.

Nos contos de fadas, o mal é tão presente quanto a virtude, já que bem

e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presentes

em todo homem.

Os contos de fadas são, portanto, de grande importância no

desenvolvimento das crianças.

Pais, professores e educadores em geral deveriam conceder aos contos

de fadas esse papel central na vida da criança, por suas contribuições

psicológicas de tal forma grandes e positivas em seu crescimento interno, o

que vem sendo confirmado através dos tempos, por vários séculos, desde a

sua origem.

Como autores mais famosos dos contos de fadas, citaremos:

• Perrault: um erudito e acadêmico francês, autor de vários livros para

adultos, mas que se tornou célebre e imortal através de seu único

volume de contos para crianças.

• Irmãos Grimm, Jacob e Wilhelm: estudiosos e pesquisadores que

viajaram por toda a Alemanha, conversando com o povo, levantando

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suas lendas e sua linguagem e recolhendo um farto material oral que

transcreviam à noite, sem pretensão, no início, de escrever para

crianças.

• Andersen: filho do povo, dinamarquês, seus contos brotam de sua

própria infância.

Os contos de fadas falam de medos, de amor, de carências, de

autodescobertas, de perdas e buscas, e, principalmente, da dificuldade de ser

criança.,,,

Fanny Abramovich, em seu livro “Literatura Infantil – Gostosuras e

Bobices”, apresenta-nos o seguinte texto:

A criança sabe que é pequena, fraca, frágil, e que, para

enfrentar os desígnios adultos, só imaginando que outras

forças estarão a seu lado, protegendo-a e facilitando o

confronto (em geral, com cartas marcadas...). Aliás, pelo

sim, pelo não, adultos bem crescidos andam com seus

amuletos, com suas fitas de pedidos e desejos, invocam

proteção daqueles nos quais crêem, realizam seus

pequenos ritos para que nada de mal aconteça à sua

casa, etc ...

Apresenta, também, o compadecido alerta de Dom Héder Câmara:

Tem pena Senhor

Tem carinho especial

com as pessoas muito lógicas

muito práticas

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muito realistas

que se irritam

com quem crê

no cavalinho azul.

É de Bruno Bettelheim, em seu livro “A Psicanálise dos Contos de

Fadas”, o seguinte texto:

Há um tempo certo para determinadas experiências de

crescimento, e a infância é o período de aprender a

construir pontes sobre a imensa lacuna entre a

experiência interna e o mundo real. Os contos de fadas

podem parecer sem sentido, fantásticos, amedrontadores

e totalmente inacreditáveis para o adulto que foi privado

da fantasia do conto de fadas na sua própria infância, ou

que reprimem estas lembranças. Um adulto que não

conseguiu uma integração satisfatória dos dois mundos,

o da realidade e o da imaginação, se desnorteia com

estes contos. Mas um adulto que na sua própria vida é

capaz de integrar a ordem racional com a ilogicidade de

seu inconsciente será suscetível à forma como o conto de

fadas auxilia a criança nesta integração. Para a criança e

para o adulto que, como Sócrates, sabe que ainda existe

uma criança dentro do indivíduo mais sábio, os contos de

fadas exprimem verdade sobre a humanidade e sobre a

própria pessoa.

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CAPÍTULO I: CHARLES PERRAULT

Charles Perrault nasceu em Paris, em 12 de janeiro de 1628, e sempre

viveu nessa cidade, onde morreu aos 75 anos, em 16 de maio de 1703.

Quinto filho de Pierre Perrault e Paquette Le Clerc, da alta burguesia,

completou seus estudos sozinho, por ter se desentendido com um professor.

Iniciou seus estudos em 1637, no Colégio de Beauvais, que viria a concluir aos

quinze anos, tendo demonstrado um certo talento para línguas mortas.

Claude Perrault, seu irmão, tornou-se um renomado arquiteto.

Charles Perrault, em 1643, ingressa no curso de Direito e, em 1651, com

apenas vinte e três anos, consegue o seu diploma, tornando-se advogado.

Em 1654, Perrault torna-se funcionário, junto ao seu irmão mais velho

Pierre, cobrador geral do Reino.

Depois de ter publicado uma série de odes dedicadas ao rei, torna-se

assistente de Colbert, o famoso conselheiro de Luís XIV.

Em 1665, passou a ser superintendente das obras públicas do reino e,

dois anos mais tarde, em 1667, ordena a construção do Observatório Real, de

acordo com as plantas de seu irmão Claude.

No ano de 1671, é eleito para a Academia Francesa de Letras e, no dia

de sua posse, permitiu ao público presenciar a cerimônia, privilégio mantido

ainda hoje, em nossos dias.

No ano seguinte, em 1672, é nomeado Chanceler da Academia.

É nesse ano, também, que ele se casa com Marie Guichon, com quem

teve quatro filhos, uma menina e três meninos.

Marie Guichon morreu em 1678 e Perrault, então com pouco mais de 50

anos, troca o serviço ativo pela educação dos filhos.

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Movido por esse desejo, começou a registrar as histórias da tradição oral

contadas, principalmente, pela mãe, ao pé da lareira, e aquelas ouvidas pelas

damas nos salões parisienses.

Na Academia Francesa de Letras, Perrault protagonizou uma longa

disputa intelectual, batizada de Querela dos Antigos e dos Modernos.

Os Antigos eram escritores que acreditavam na superioridade da

antiguidade greco-romana sobre toda e qualquer produção francesa.

Os Modernos, entretanto, defendiam que a produção literária francesa

não era inferior aos clássicos do passado.

Perrault liderava o grupo dos Modernos e tentou provar a superioridade

da literatura do seu século, com as publicações Le Siècle de Louis le Grand

(1687) e Paralèlle des Anciens et des Modernes (1688-1692).

Em 1695, aos 67 anos, perdeu seu posto como secretário. Idoso,

resolveu publicar as histórias que vinha registrando, ouvidas de sua mãe e nos

salões parisienses.

O livro, lançado em 11 de janeiro de 1697, quando contava quase

setenta anos, recebeu o nome de Histórias ou Contos do Tempo Passado com

Moralidades, mas, também, era chamado de Contos da Velha e Contos da

Cegonha, ficando conhecido, porém, como Contos da Mamãe Gansa.

Assim, a História da Literatura registra que a primeira coletânea de

contos infantis foi publicada no século XVII, em 1697, na França, durante o

faustoso reinado de Luís XIV, o rei Sol, por Charles Perrault.

No livro Contos da Mãe Gansa, Perrault reuniu oito histórias, recolhidas

da memória de seu povo.

São elas:

1. A Bela Adormecida no Bosque (“La Belle au Bois Dormant”)

2. Chapeuzinho Vermelho (“Le Petit Chaperon Rouge)

3. O Barba Azul (“La Barbe Bleue”)

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4. O Gato de Botas (“Le Maître Chat ou Le Chat Botté”)

5. As Fadas (“Les Fées”)

6. Cinderela ou A Gata Borralheira (“Cendrillon” ou “La Petite Pantoufle

de Verre”)

7. Henrique de Topete (“Riquet à La Houppe”)

8. O Pequeno Polegar (“Le Petit Poucet”)

A coletânea de oito histórias foi, posteriormente, acrescida de mais três

títulos:

1. Pele de asno (“Peau d’Âne”)

2. Grisélidis

3. Os Desejos Ridículos

Com redação simples e fluente, as histórias eram adaptações literárias

que traziam, ao final, conceitos morais em forma de poesia.

Os Contos da Mamãe Gansa falam de princesas, bruxas e fadas e são

histórias que habitam, até hoje, o imaginário infantil, como “A Bela

Adormecida”, “Chapeuzinho Vermelho”, “Cinderela”, dentre outros.

Enfim, Charles Perrault foi um escritor e poeta francês do século XVII,

que estabeleceu bases para um novo gênero literário, o conto de fadas, além

de ter sido o primeiro a dar acabamento literário a esse tipo de literatura.

Este feito conferiu-lhe o título de Pai da Literatura Infantil.

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CAPÍTULO II: IRMÃOS GRIMM

Jacob Grimm e Wilhelm Grimm nasceram na Alemanha, em 4 de janeiro

de 1785 e em 24 de fevereiro de 1786, respectivamente.

A família é originária da cidade de Hanau no Estado de Hessen. Avós e

bisavós eram protestantes. Os pais, Philipp Wilhelm e Dorothea Grimm, tiveram

nove filhos, dos quais apenas cinco sobreviveram, entre estes, claro, Jacob e

Wilhelm, os Irmãos Grimm.

A casa onde os irmãos nasceram está localizada na antiga praça das

armas da cidade de Hanau.

Em janeiro de 1781, o pai de Philipp foi nomeado funcionário na sua

cidade natal, Steinau, em Kinzing, onde a família instala-se. Em 1796, o pai

morre com 45 anos de idade. A mãe, a fim de assegurar aos dois irmãos todas

as chances de conseguir avançar na carreira jurídica, envia os dois filhos para

junto se sua tia em Kassel.

Jacob frequenta a Universidade de Marburg e estuda Direito, como o

pai, enquanto seu irmão Wilhelm junta-se a ele um ano depois no mesmo

curso. Um dos seus professores, Friedrich Carl von Savigny, abriu sua

biblioteca privada para os jovens estudantes ávidos pelo saber.

Jacob aceita, em janeiro de 1805, o convite de Savigny para ajudá-lo em

suas pesquisas sobre a História do Império Romano, que desenvolvia em Paris

desde 1804. Como ajudante, Jacob volta-se durante vários meses para a

literatura jurídica, afastando-se dos temas jurídicos a partir desta data. Em sua

correspondência, ele diz querer apenas consagrar-se à pesquisa sobre a

“magnífica literatura da Alemanha antiga”.

Os irmãos decidiram dedicar-se aos estudos da história e linguística,

recolhendo, diretamente da memória popular, as antigas narrativas, as lendas

ou sagas germânicas, conservadas pela tradição oral.

Jacob Grimm retorna a Kassel, onde sua mãe já havia se instalado.

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Em 1806, Wilhelm Grimm termina seus estudos em Marburg. Eles vivem

com a mãe em Kassel.

Jacob consegue um cargo de secretário na escola de guerra de Kassel.

Pouco depois de sua nomeação, começam as guerras napoleônicas contra a

Prússia e a Rússia, que colocam Kassel sob a influência de Napoleão. A escola

de guerra é reformada e Jacob torna-se encarregado do abastecimento das

tropas combatentes, o que o desagrada e o leva a abandonar seu posto.

Wilhelm Grimm, de saúde frágil, estava na época sem emprego.

Desse período nebuloso, mas que os encontra muito motivados, datam

as primeiras compilações de contos e histórias que nos chegaram hoje.

Em 27 de maio de 1808, com o falecimento de sua mãe, na qualidade de

primogênito, Jacob fica encarregado de toda a família. Aceita, então, um cargo

de diretor da biblioteca privada de Jérome Bonaparte, irmão de Napoleão

recentemente feito rei do jovem reino da Vestfália.

Ocupa, durante o ano de 1809, um cargo de assessor no conselho de

Estado, embora não tenha sido obrigado a essa posição e dedicasse grande

parte de seu tempo aos estudos.

Wilhelm, em 1809, por causa de sua doença, faz um tratamento em

Halle, que deve ter sido financiado por Jacob. Ele passa a residir no castelo de

Giebichenstein, que pertenceu ao compositor Johan Friedrich Reichardt, e,

depois, em Berlim, onde encontra Clemens Bretano, através de quem ele

conhece escritores e artistas berlinenses como, por exemplo, Ludwig Achim

von Arnim. Durante a volta para Kassel, Wilhelm encontra também Johann

Wolfgang von Goethe, que aprova os seus “esforços em prol de uma cultura

vasta e esquecida”.

Desde 1806, os Irmãos Grimm tinham reunido contos e desde 1807

tinham publicado artigos em revistas sobre mestres trovadores. A partir de

1810, os Irmãos Grimm encontram-se novamente juntos em Kassel e, em

1811, Jacob publica sua primeira obra sobre os “mestres cantores alemães”

(Über den altdeutschen Meistergesang).

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Após a batalha de Leipzig em 1913, o reino da Vestfália foi desfeito e o

colégio eleitoral de Hesse restaurado. Jacob Grimm perde, por isso, seu cargo

de diretor da biblioteca real, mas logo encontra um emprego junto ao príncipe-

eleitor, como secretário da legação. Nessas novas funções diplomáticas, ele

retorna a Paris em 1814, onde emprega seu tempo livre em novas pesquisas

na biblioteca. Se ele gostava das viagens, sentia, entretanto, o afastamento

das pesquisas literárias no seu país por causa dos afazeres.

Wilhelm Grimm, nesse meio tempo, havia publicado o seu primeiro livro

em 1811, com traduções de lendas dinamarquesas antigas (Altdänische

Heldenlieder).

A primeira obra comum dos dois irmãos, sobre o Heildebrandslied e o

Wessobruner Gebet, foi publicada em 1812, seguida, em dezembro do mesmo

ano, da primeira coletânea, Contos da Criança e do Lar (Kinder und

Hausmärchen), com tiragem de 900 exemplares. O primeiro manuscrito da

compilação de histórias data de 1810 e apresentava 51 narrativas.

Os dois irmãos escreviam também uma edição alemã do Eddas, assim

como uma versão alemã do Romance de Renart (o Reineke Fuchs), um

conjunto de poemas medievais, trabalhos que ficaram, no entanto, durante

muito tempo, incompletos.

De 1813 a 1816, os irmãos contribuíram, igualmente, para a revista

Altdutsche Wälder, dedicada à literatura alemã antiga, mas que só dura três

números.

Em 1814, Wilhelm Grimm torna-se secretário da biblioteca do museu de

Kassel e instala-se no Wilhelmshöher Tor, um alojamento pertencente à casa

do príncipe-eleitor de Hesse, onde Jacob se junta a ele, quando volta de Paris.

Em 1815, Jacob Grimm assiste ao Congresso de Viena na qualidade de

secretário da delegação de Hesse e, em seguida, retorna a Paris para uma

missão diplomática em setembro de 1815. Logo depois, abandona a carreira

diplomática para poder dedicar-se exclusivamente ao estudo, à classificação e

ao comentário da literatura e da história. Neste mesmo ano, ao lado de uma

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obra de estudos mitológicos, ele publica uma seleção de antigos romances

espanhóis.

É ainda em 1815 que os Irmãos Grimm produzem o segundo volume

dos Contos da Criança e do Lar, reimpresso em forma aumentada em 1819.

As notas sobre os contos dos dois volumes foram publicadas em 1822.

Uma nova publicação, que condensava os outros três volumes em um

único, surge em 1825 e contribui grandemente para a popularidade dos contos.

Essa edição foi ilustrada pelo irmão deles Ludwig Emil Grimm.

A partir de 1823, apareceu uma edição inglesa ilustrada dos Contos da

Criança e do Lar.

Durante toda a vida dos irmãos, apareceram sete impressões, da edição

completa em três volumes dos contos, e dez, da edição reduzida a um volume

único.

A quinquagésima edição, última com os autores vivos, já totalizava 181

narrativas.

Algumas dessas histórias são de fundo europeu comum, tendo sido

também recolhidas por Charles Perrault, no século XVII, na França, o que

remete à existência de uma fonte comum.

Entre os anos de 1816 e 1818, seguem-se os dois tomos de lendas

recolhidas (Deutshe Sagen). O conjunto de lendas não conseguiu grande

sucesso e não foi, por isso, reimpresso durante a vida dos irmãos.

Na idade de 30 anos, Jacob e Wilhelm já haviam conseguido uma

posição de destaque por suas numerosas publicações. Eles viviam juntos em

Kassel, com o modesto salário de Wilhelm durante um tempo. Apenas em abril

de 1816, Jacob tornou-se segundo bibliotecário em Kassel, ao lado de Wilhelm,

que já trabalhava há dois anos como secretário.

O trabalho deles consistia em emprestar, procurar e classificar as obras.

Simultaneamente as suas funções oficiais, eles podiam realizar as próprias

20

pesquisas, que foram condecoradas em 1819 por um doutorado honoris causa

da Universidade de Marbourg.

Os Irmãos Grimm não teriam podido publicar tanto durante estes anos

sem encorajamento nem proteções. Primeiramente, eles foram sustentados

pela princesa Wilhelmine Karoline de Hesse. Depois de sua morte em 1820 e a

do príncipe-eleitor em 1821, os irmãos mudaram-se com a irmã deles,

Charlotte, para um alojamento mais simples, não sem consequências

embaraçosas para o trabalho deles. A irmã casar-se-ia pouco depois, deixando

os dois irmãos, que se mudariam várias vezes e levariam uma vida de solteiros

durante muitos anos ainda.

É nesse período criativo que se dá o trabalho de Jacob na sua

Gramática Alemã. O primeiro tomo tratava de flexão, o segundo, da formação

das palavras. Jacob trabalha intensamente, sem deixar um manuscrito

completo, fazendo imprimir folha após folha, à medida que escrevia texto

suficiente. A impressão do primeiro tomo estendeu-se de janeiro de 1818 ao

verão de 1819, a duração exata do trabalho dele em sua obra. Até 1822, ele

trabalhará novamente no primeiro tomo, de maneira a incluir apenas estudo

dos sons. Como antes, ele escreve e faz imprimir as páginas, princípio que ele

segue, também, para o segundo tomo, surgido em 1826.

Wilhelm publicava, durante esse período, vários livros sobre as runas e

os cantos heróicos alemães (Deutsche Heldensage), considerados como suas

obras primas, surgidos em 1829.

A vida dos dois irmãos veio a ter alguma estabilidade somente após o

casamento de Wilhelm Grimm com Henrietta Dorothea Wild em 1825.

Continuaram a viver juntos apenas até o nascimento das crianças de Wilhelm e

“Dortchen”.

Em 1829, depois de 13 e 15 anos de serviço na biblioteca de Kassel, os

dois irmãos demitem-se.

Os Irmãos Grimm aceitam a proposta da biblioteca da Universidade de

Göttingen em Hanôver. Eles vivem novamente juntos. Jacob trabalhava como

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professor titular, Wilhelm, como bibliotecário e, a partir de 1835, também como

professor.

Jacob publica dois tomos suplementares de sua gramática até 1837.

Termina, em 1834, o trabalho começado em 1811 sobre Reineke Fuchs

(Romance de Renart). Compôs também uma obra sobre a mitologia germânica

(Deutsche Mythologie, 1835).

Wilhelm encarregou-se sozinho da terceira impressão dos Kinder und

Hausmärchen (Contos da Criança e do Lar) em 1837.

Nesse mesmo ano, morre Guilherme IV, rei de Hanôver, da Grã-

Bretanha e da Irlanda. A coroa de Hanôver passa para seu irmão Ernest

August I, de tendências autoritárias, que, rapidamente, revoga a constituição

relativamente liberal de seu predecessor, à qual os funcionários haviam

prestado juramento. Sete professores da Universidade de Göttingen, entre os

quais Jacob e Wilhelm, assinam uma carta de solene protesto. O rei replica,

exonerando os professores e exilando três deles de seu estado, entre os quais

Jacob Grimm. Graças a isso, Os Sete de Göttingen (o Göttinger Sieben)

ganham grande repercussão na Alemanha.

Os irmãos retornam a Kassel, onde ficam sem empregos até que o rei

Frederico Guilherme IV da Prússia convida-os para trabalhar como membros

da academia de ciências e professores na Universidade de Humboldt. Os dois

aceitam essa oferta e instalam-se definitivamente em Berlim. Jacob, no

entanto, empreendeu diversas viagens ao estrangeiro e foi, depois, deputado

no Parlamento de Frankfurt, em 1848, junto com vários de seus antigos

colegas de Göttingen.

Durante esse período em Berlim, os dois irmãos consagram-se,

principalmente, a uma obra colossal: a escrita de um dicionário histórico da

língua alemã, que apresentaria cada palavra com sua origem, sua evolução,

seus usos e sua significação. Os dois, porém, haviam subestimado o trabalho a

ser feito. Ainda que tenham começado essa tarefa em 1838, após a volta de

Göttingen, o primeiro volume aparece apenas em 1854 e somente alguns

volumes puderam ser editados durante a vida deles. Várias gerações de

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germanistas darão continuidade a esta obra e, cento e vinte e três anos depois,

em 4 de janeiro de 1961, o trigésimo segundo volume do dicionário foi, enfim,

publicado. Em 1957, uma nova revisão desta obra gigantesca foi iniciada e o

primeiro volume do trabalho, publicado em 1965. Em 2004, o conjunto do

dicionário foi editado em forma de CD-ROM pelas Edições Zweitausendeins

(Frankfurt am Main).

Após a morte de Wilhelm Grimm, em 16 de dezembro de 1859, Jacob

Grimm deu continuidade, sozinho, à obra deles, até morrer em 20 de setembro

de 1863.

Os dois irmãos descansam juntos no cemitério de Matthäus em Berlim-

Schöneberg.

As obras comuns mais significativas de Jacob e Wilhelm Grimm são: a

reunião de contos para crianças, a coleção de lendas, assim como o dicionário.

Jacob Grimm trouxe contribuições de primeira importância para a

linguística alemã então nascente, que ajudaram a fundar a gramática histórica

e comparada. É na segunda edição de sua Gramática Alemã que Jacob

descreve as leis da fonética que regulam a evolução das consoantes nas

línguas germânicas, conhecidas depois sob o nome de Lei de Grimm. Ele é,

também, o autor de uma História da Língua Alemã (Geschichte der Deutschen

Sprache).

Assim, buscando encontrar as origens da realidade histórica de seu

país, os Irmãos Grimm encontram a fantasia, o fantástico, o mítico em temas

comuns da época medieval.

Tinham dois objetivos básicos em suas pesquisas: o levantamento de

elementos linguísticos para fundamentação dos estudos filológicos da língua

alemã e a fixação dos textos do folclore literário germânico, expressão

autêntica do espírito nacional. De qualquer forma, surge uma grande literatura

infantil para encantar crianças de todo o mundo.

Na tradição oral, as histórias compiladas não eram destinadas ao público

infantil e sim aos adultos. Foram os Irmãos Grimm que as dedicaram às

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crianças por sua temática mágica e maravilhosa. Fundiram, assim, esses dois

universos: o popular e o infantil. O título escolhido para a coletânea já evidencia

uma proposta educativa. Alguns temas considerados mais cruéis ou imorais

foram descartados do manuscrito de 1810.

O Romantismo trouxe ao mundo um sentido mais humanitário. Assim, a

violência, presente nos contos de Charles Perrault, cede lugar a um

humanismo, onde se destaca o sentido do maravilhoso da vida. Duas

temáticas, em especial, perpassam pelas histórias, de forma suave: a

solidariedade e o amor ao próximo.

A despeito dos aspectos negativos que continuam presentes nessas histórias,

o que predomina, sempre, são a esperança e a confiança na vida.

É possível observar essa diferença, confrontando-se os finais da história

de Chapeuzinho Vermelho em Perrault, que termina com o lobo devorando a

menina e a avó, e em Grimm, onde o caçador abre a barriga do lobo, deixando

que as duas fiquem vivas e felizes, enquanto o lobo morria com a barriga cheia

de pedras que o caçador ali colocara.

Vários críticos afirmam serem as histórias dos Irmãos Grimm

incentivadoras do conformismo e da submissão. Ainda assim, a permanência

dessas narrativas, oriundas da tradição popular, justifica o destaque conferido a

estes autores alemães.

O duradouro sucesso também se deveria, segundo a sociedade, à

qualidade linguística dos textos. Wilhelm Grimm, especialmente, teria

emprestado um tom narrativo super estilizado, tipicamente romântico às

histórias. Quem não conhece as fórmulas: “Era uma vez...” ou “E eles viveram

felizes para sempre”?

Em 21 de junho de 2005, os contos dos Irmãos Grimm foram decretados

Patrimônio da Humanidade, dentro do programa Memória do Mundo da

Unesco, o braço cultural das Nações Unidas.

Entre os contos mais famosos, podemos citar:

1. A Bela Adormecida

24

2. Branca de Neve

3. Cinderela

4. João e Maria

5. Rapunzel

6. Os Músicos de Bremen

7. Chapeuzinho Vermelho

25

CAPÍTULO III: HANS CHRISTIAN ANDERSEN

Hans Christian Andersen nasceu em 2 de abril de 1805, em Odense,

uma pequena cidade da Dinamarca.

Seu pai era sapateiro e a mãe, lavadeira. Eram muito pobres. Viviam

todos num único cômodo. Às vezes, a mãe precisava mendigar para conseguir

alguma coisa para eles comerem.

Talvez para esquecer a pobreza, Andersen deixava-se levar pelos

sonhos. Quando menino, adorava inventar histórias. No minúsculo quintal de

sua casa, com o avental da mãe sobre a cabeça para se abrigar do sol,

inventava peças de teatro para seus bonecos e até construiu um teatro de

brinquedo para eles.

Nunca brincava com outros meninos, porque eles eram muito grosseiros:

zombavam de suas pernas compridas e de suas histórias esquisitas. Ele

preferia ficar sozinho, lendo livros ou brincando com seu teatro de bonecos.

Aos 7 anos, assiste à sua primeira peça teatral de verdade, no teatro de

Odense. Esse foi um dos momentos mais importantes da vida de Andersen.

O porteiro do teatro deixava Andersen entrar e lhe dava os programas

das peças em troca da ajuda do menino na limpeza do teatro.

Com os programas das peças, Andersen inventava diálogos e peças

inteiras para os personagens.

Aos 14 anos, Andersen decidiu partir sozinho para a capital do país,

Copenhague, para tentar realizar seu grande sonho: tornar-se um grande

artista do palco.

Seu pai havia morrido três anos antes, com apenas 33 anos de idade. A

vida da família ficou mais difícil ainda, porque a mãe tinha de trabalhar muito

para garantir sozinha a sobrevivência deles. Além disso, naquela época,

26

principalmente nas famílias muito pobres, um garoto de 14 anos já era

considerado um adulto e já tinha de começar a pensar em trabalho.

A mãe achava que ele fosse ficar assustado longe de casa e que voltaria

antes mesmo de chegar a Copenhague. Ela estava enganada. Andersen

sentiu-se, pela primeira vez, como um herói das aventuras que tanto amava.

Sofreu muito no início, passando por uma série de frustrações e

dificuldades. Ninguém queria saber dele.

Andersen foi tentar um emprego no Teatro Real de Copenhague, mas o

gerente disse que ele era magro demais e muito desajeitado para ser ator.

Outros também achavam que ele não era muito bom da cabeça e até

zombavam do garoto esquisito, que usava um chapéu largo, camisa frouxa e

botas enormes.

Andersen alugou um minúsculo quartinho numa pensão do bairro mais

pobre da cidade. Mesmo assim, o pouco dinheiro que havia levado não

demorou a desaparecer. Não tinha como se manter na capital nem como voltar

para Odense.

Como última tentativa, Andersen foi, certa noite, até a casa de um

músico famoso, um italiano que dirigia a Escola Real de Canto. Nesse dia, por

coincidência, o músico estava dando uma festa, onde estavam presentes

diversas pessoas ligadas ao mundo das artes e do teatro. Andersen foi

convidado a entrar depois de ter falado de suas dificuldades.

Desde criança, Andersen tinha encantado as pessoas com sua voz de

flauta doce. Achou que uma boa maneira de cativar aquelas pessoas na festa

seria cantando para elas. E assim fez. Cantou, recitou poemas, ensaiou alguns

passos de dança. No final, acabou caindo em lágrimas, porque realmente

estava passando por grandes apuros.

Todos aplaudiram muito e um dos convidados até disse que ele poderia

ter um belo futuro como artista. Fizeram uma coleta de dinheiro entre os

presentes e Andersen acabou recebendo uma quantia sete vezes maior do que

aquela trazida de Odense.

27

O músico prometeu-lhe aulas gratuitas de canto.

Andersen esforçava-se, ia às aulas de canto e até aprendeu a dançar,

mas não havia jeito. Todos diziam que ele não tinha a graça nem a beleza para

se tornar um ator ou um bailarino de sucesso.

Parece até que sua própria vida tenha inspirado Andersen ao escrever a

história do Patinho Feio.

O sonho estava indo por água abaixo. Pensou, então, que talvez

pudesse se tornar um escritor famoso, pois era muito bom em inventar

histórias.

Escreveu uma peça, depois outra e outra, mas ninguém gostou delas.

Tudo o que ele escrevia era muito confuso e sua ortografia, um

verdadeiro desastre.

Andersen não tinha frequentado regularmente a escola, por causa de

sua infância pobre e difícil. Ele não conseguia ajeitar direito no papel suas

idéias, por melhores que fossem.

Apesar de todas as suas dificuldades, Andersen não desistia, não queria

abandonar o sonho de se tornar um artista famoso.

A sua vida, durante os três primeiros anos que passou em Copenhague,

foi extremamente dura. Só conseguia sobreviver graças às pessoas que se

comoviam com sua história e pressentiam nele um talento especial, dando-lhe,

por isso, alguma ajuda em dinheiro.

Aos 17 anos, Andersen tentara chegar aos palcos por três caminhos:

como cantor, como dançarino e como autor.

As pessoas, que por ele se interessavam, insistiam em lhe dizer que só

conseguiria desenvolver seus talentos se procurasse recuperar o tempo

perdido fora da escola. Ele, porém, não conseguia pensar em nada que não

fosse a vida no teatro. Teimoso, escreveu uma nova peça de teatro e

apresentou o texto a algumas pessoas.

28

Alguém achou que aquela peça merecia atenção e conseguiu marcar

uma entrevista de Andersen com Jonas Collin, um dos homens mais

importante de Copenhague naquela época.

Jonas Collin era Diretor do Teatro Real de Copenhague. Tinha ótimas

relações com a família real e era conhecido como um homem rico, porém

austero e modesto, e que costumava ajudar pessoas em dificuldade, como no

caso de Andersen.

O diretor de teatro, ao ler a peça daquele jovem ambicioso, disse ser ela

“inútil para o palco”, e a ajuda que Collin resolveu dar a ele era bem diferente

do que ele esperava, deixando-o surpreso e frustrado.

Collin decidiu conceder a Andersen uma bolsa de estudos para

frequentar uma escola primária, pois também acreditava que ele jamais seria

alguém na vida se não recebesse uma boa educação.

Andersen não tinha escolha. Ou pegava aquela chance, ou voltava para

casa, a pobreza, longe dos encantos da cidade grande e da vida nos meios

artísticos.

A escola para onde Andersen deveria ir não ficava, porém, em

Copenhague, mas num lugar do interior da Dinamarca, chamado Slagelse.

Começava, então, um dos períodos mais difíceis e sofridos de toda a vida dele.

Na escola, frequentava a mesma sala de aula com garotos muito

menores do que ele. Andersen mal cabia na carteira.

Seu professor Meisling era um homem tão terrível, que o pobre

Andersen vai passar o resto da vida tendo pesadelos com ele. Era um homem

extremamente raivoso e temperamental, que tratava seus alunos com desprezo

e fúria.

Andersen teve de suportar o professor Meisling por cinco anos

intermináveis. Pior ainda, tinha de viver na mesma casa com o professor, a

mulher e os filhos pequenos, de quem tinha de cuidar como se fosse um

serviçal da família.

Aprendeu muita coisa, mas o preço que pagou foi muito alto.

29

O próprio Collin, que o colocou naquela situação com as melhores das

intenções, teve pena dele e permitiu que ele deixasse a vida no interior, na

casa do terrível mestre.

De volta a Copenhague, Andersen começou a ter aulas particulares,

sempre com a ajuda de Collin, e, mais tarde, foi estudar na universidade.

Collin trouxe Andersen para o convívio de sua própria casa. Ele se

tornou grande amigo dos filhos de seu protetor. A partir daí, a vida se tornou

muito mais agradável. Pela primeira vez, Andersen tinha uma família de

verdade. Morava num pequeno apartamento, sozinho, mas aparecia na casa

dos Collin praticamente todos os dias.

Andersen usava todo momento livre para escrever.

Aos 24 anos, publica seu primeiro livro, que vendeu bem. Afinal, teve

sucesso. Em seguida, uma de suas peças foi encenada no maior teatro da

cidade. Pela primeira vez, ele começava a ganhar seu próprio dinheiro.

Em 1829, Andersen ganhava dinheiro suficiente para tirar férias. Fez

uma longa viagem pela Dinamarca. Passando pela casa de um amigo, ele

conheceu uma linda moça, por quem se apaixonou perdidamente. O romance

foi breve, pois ela decidiu casar-se com outro, o que deixou Andersen muito

magoado.

Andersen teve outros amores, mas nunca se casou, nunca teve filhos,

apesar de gostar muito de crianças e de escrever histórias para elas.

Seus famosos contos de fada ainda estavam para ser escritos. Os livros

que lhe deram alguma fama como escritor foram escritos para adultos.

Antes de começar a escrever os livros voltados para as crianças,

Andersen viajou para fora da Dinamarca, para conhecer outros países da

Europa.

Em Paris, a capital da França, a arte florescia. Andersen encontrou-se

com escritores e artistas franceses renomados. Alguns de seus livros tinham

sido traduzidos para o francês e conseguido atrair muitos leitores.

30

A cidade de Roma foi para Andersen uma descoberta ainda mais

deslumbrante. Permaneceu quatro meses inteiros na Cidade Eterna, visitando

as igrejas, os monumentos, as ruínas antigas, entre elas o célebre Coliseu.

Conheceu também o carnaval romano, quando as multidões enchiam as ruas

dançando, cantando, desfilando com fantasias e atirando confetes uns nos

outros.

De volta a Copenhague, depois das longas viagens, alugou um pequeno

apartamento aconchegante, onde morava sozinho. Já estava próximo dos 30

anos de idade e sua vida de miséria e pobreza ficara para trás. Agora, era

famoso em toda a Europa. Alguma coisa dentro dele, entretanto, estava

pedindo sua atenção. Uma vontade de ser realmente original, de criar um tipo

novo de literatura, alguma coisa diferente, nunca tentada outrora.

Antes dele, Charles Perrault e os Irmãos Grimm publicaram contos que

as pessoas já conheciam de ouvir contar, mas Hans Chiristian Andersen foi o

primeiro escritor a produzir contos de fadas originais, nascidos de sua própria

imaginação. É verdade que, para escrever alguns deles, ele se inspirou em

lendas tradicionais do folclore dinamarquês, coisas que ele ouviu da boca de

mulheres velhas, quando ainda era menino, lá em Odense. Mesmo assim, os

personagens, as tramas, a linguagem, tudo foi criação dele.

O primeiro livro de contos foi publicado em 1835 e continha quatro

histórias:

1. O Isqueiro Mágico

2. Nicolau Grande e Nicolau Pequeno

3. As Flores da Pequena Ida

4. A Princesa e o Grão de Ervilha

As crianças logo se apaixonaram pelas histórias de Andersen, porque,

até então, os livros destinados às crianças eram muito sérios, queriam dar

lições de moral e de boa educação, não despertavam a imaginação, não

faziam sonhar.

31

As histórias de Andersen atraíam os meninos e as meninas por estarem

recheadas de coisas mágicas e de personagens fantásticos, por falarem de

coisas que nunca poderiam acontecer de verdade.

Atualmente, todo mundo aceita que os livros infantis tragam histórias

mirabolantes, com seres imaginários, lugares que não existem, mundos que

funcionam segundo leis contrárias às da vida real. Até a época de Andersen,

porém, nada disso aparecia nas obras escritas especialmente para as crianças.

É claro que Andersen não agradou a todos. Alguns diziam que as

histórias eram cruéis e violentas demais para as crianças. Há duzentos anos,

imagine-se a reação das pessoas ao lerem a história da Sereiazinha, que, para

conquistar seu amado príncipe e poder andar em terra, desistiu da própria voz

e passou a sentir dores terríveis nos pés, como se estivesse pisando em mil

pontas de facas.

Andersen não importou com esse tipo de comentário e continuou

escrevendo seus contos por anos a fio.

Foi assim que, finalmente, depois de todos aqueles fracassos, ele pôde

realizar seu sonho de menino pobre: tornar-se famoso, respeitado e conhecido

em todo o mundo.

Ele sempre guardou no coração as lembranças e os sentimentos de sua

vida de criança infeliz e soube usá-los na hora de escrever seus contos. A

literatura tornou-se sua grande razão de viver. Só uma outra coisa deixava

Andersen tão feliz quanto escrever: viajar. Para ele, não havia coisa mais

empolgante que ir de um lugar a outro, sem parar. Ver gente diferente, coisas

novas, ter experiências inesperadas. Tudo isso, é claro, também alimentava a

sua imaginação e as coisas que ele escrevia.

Em 1840, então aos 35 anos de idade, ele partiu novamente para uma

grande e longa aventura. Na Itália, toma um navio a vapor para a Grécia, e,

depois, em outro navio, segue na direção do Oriente.

No verão de 1844, passa alguns dias com o rei e a rainha da Dinamarca.

Jantava com os reis todas as noites e lia em voz alta suas histórias.

32

Sua literatura havia conquistado não só o público em geral, mas também

a nobreza de diversos países.

Depois dessa temporada com os reis da Dinamarca, viajou pela

Alemanha, onde se hospedou com um duque, depois com um príncipe, depois

um bispo e depois outro rei.

Em 1847, Andersen faz sua primeira visita à Inglaterra e à Escócia,

países onde seus livros estavam se tornando populares. Foi convidado a

festas, jantares e bailes quase todo dia. Todos queriam conhecê-lo. Ele

mesmo, porém, queria conhecer uma pessoa em especial: o grande romancista

inglês Charles Dickens, de quem era grande admirador.

De fato, certa noite, durante um grande jantar, os dois famosos

escritores cumprimentam-se calorosamente e logo se tornam bons amigos.

Quando Andersen tinha 11 anos, ele visitou uma mulher que, em sua

cidade natal, todos acreditavam que fosse uma espécie de adivinha ou

feiticeira. Ela disse ao menino que um dia toda a cidade de Odense ficaria

iluminada em homenagem a ele.

Ela acertou completamente, pois, em dezembro de 1867, o povo de

Odense fez uma cerimônia especial em honra de Hans Christian Andersen. Ele

se tornara o filho mais ilustre da cidade.

Uma banda de música pôs-se a tocar e logo todas as pessoas

começaram a cantar uma espécie de hino, uma canção composta pelo próprio

Andersen: “Na Dinamarca eu Nasci”.

Quando a música terminou, apareceu a figura de um homem alto e

magro numa das janelas da fachada da Prefeitura. A multidão, imediatamente,

começou a aplaudir e a gritar seu nome.

Foi uma grande homenagem.

Para alguém que saiu de sua terra na miséria e retornou no meio de

tanta glória e aclamação, sua própria vida foi um verdadeiro conto de fadas.

33

Andersen morreu em 4 de agosto de 1875, enquanto dormia, em

Copenhague, onde foi enterrado.

O povo da Dinamarca ergueu uma estátua de Andersen para

homenagear o maior contador de histórias de todos os tempos.

Graças à sua contribuição para a literatura infanto-juvenil, a data de seu

nascimento, 2 de abril, é considerada hoje o Dia Internacional do Livro Infanto-

Juvenil.

O mais importante prêmio internacional do gênero tem seu nome.

Anualmente, a International Board on Books for Young People (IBBY) oferece a

medalha Hans Christian Andersen para os maiores nomes da literatura infanto-

juvenil. A primeira representante brasileira a ganhá-la foi Lygia Bojunga, em

1982.

34

CAPÍTULO IV: A BELA ADORMECIDA

Existem mais de 150 versões para esse tradicional conto de fadas.

“A Bela Adormecida” é mais conhecida hoje em duas versões diferentes:

a de Charles Perrault e a dos Irmãos Grimm.

No livro “Contos e Fábulas”, de Charles Perrault, com tradução de

Marcio Laranjeira, editado pela Iluminuras, de São Paulo, em 2007, nas

páginas 83 a 90, encontramos a versão “A Bela Adormecida no Bosque”, que

apresentamos a seguir:

Era uma vez um Rei e uma Rainha que estavam tão

aborrecidos por não terem filhos, tão aborrecidos que

nem se pode dizer. Tinham ido a todas as estações de

águas do mundo; votos, peregrinações, devoçõezinhas

miúdas, tudo foi posto em prática, e nada resolvia.

Finalmente, entretanto, a Rainha ficou grávida e deu à luz

uma filha: foi feito um belíssimo Batizado; deram como

Madrinhas à Princesinha todas as Fadas que foi possível

encontrar no País (encontraram sete), a fim de que cada

uma delas lhe fizesse um dom, como era costume das

Fadas naquele tempo, de modo que a Princesinha teve

todas as perfeições imagináveis. Depois das cerimônias

do Batismo, todo o cortejo voltou para o Palácio do Rei,

onde havia um grande festim para as Fadas. Diante de

cada uma delas foram postos talheres magníficos, com

um estojo de ouro maciço, onde havia uma colher, um

garfo e uma faca de fino ouro, incrustado de diamante e

de rubis. Enquanto cada uma ia se colocando em seu

lugar à mesa, eis que entra uma velha Fada que não

tinha sido convidada porque fazia mais de cinqüenta anos

35

que ela não saía de uma Torre e se pensava que tinha

morrido, ou tinha sido encantada. O Rei mandou que lhe

dessem talheres, mas não houve meio de lhe dar um

estojo de ouro maciço, como às outras, porque só tinham

mandado fazer sete para as sete Fadas. A velha

acreditou que a estavam desprezando e resmungou

algumas ameaças entre os dentes. Uma das Fadas

jovens que se encontrava perto dela ouviu-a falar e,

achando que ela podia fazer algum dom nocivo à

Princesinha, foi, logo que as pessoas saíram da mesa,

esconder-se atrás da tapeçaria, a fim de falar por último e

de reparar, tanto quanto possível, o mal que a velha teria

feito. Entrementes as Fadas começaram a fazer seus

dons à Princesa. A mais jovem lhe deu como dom que

ela seria a pessoa mais bela do mundo; a que veio

depois, que ela teria o espírito como de um Anjo; a

terceira, que teria graça admirável em tudo que fizesse; a

quarta, que ela dançaria perfeitamente bem; a quinta, que

ela cantaria como um Rouxinol e a sexta, que ela tocaria

todos os instrumentos com a maior perfeição. Chegando

a vez da Fada velha, ela disse, balançando a cabeça

mais ainda por despeito do que por velhice, que a

Princesa iria furar o dedo com o fuso e morreria disso.

Esse terrível dom fez estremecer todos os presentes e

não houve quem não chorasse. Nesse momento, a Fada

jovem saiu de trás da tapeçaria e disse bem alto estas

palavras: “Ficai tranqüilos, Rei e Rainha, vossa filha não

morrerá disso; é verdade que não tenho poder bastante

para desfazer inteiramente o que a mais velha fez. A

Princesa vai furar a mão com um fuso; mas em vez de

morrer, ela apenas cairá num sono profundo que durará

cem anos, ao fim dos quais o filho de um Rei virá acordá-

la”. O Rei, para tentar evitar a desgraça anunciada pela

velha, mandou publicar um Edito pelo qual ficava proibido

a todas as pessoas de fiar com fuso ou ter fusos em casa

36

sob pena de morte. Ao cabo de uns quinze ou dezesseis

anos, como o Rei e a Rainha tivessem ido a uma de suas

casas de descanso, aconteceu que um dia, correndo pelo

Castelo e subindo de quarto em quarto, a Princesa

chegou até o alto de uma torre num quartinho de despejo,

onde uma boa Velhinha estava sozinha fiando na roca.

Essa mulher não tinha ouvido falar das proibições que o

Rei havia feito de fiar com fuso. “Que está fazendo aí,

boa senhora?” disse a Princesa. – “Estou fiando, minha

bela menina”, respondeu-lhe a velha, que não a

conhecia. – “Ah! Como é bonito”, retomou a Princesa,

“como é que a senhora faz? Dê aqui, quero ver se

consigo fazer tão bem.” Mal ela pegou o fuso que, como

era muito viva, um pouco estouvada mesmo, e aliás o

Decreto da Fadas assim ordenava, ela furou a mão e caiu

desmaiada. A boa velhinha, em apuros, grita pedindo

socorro: chega gente de todos os lados, jogam água no

rosto da Princesa, desapertam-lhe as roupas, batem-lhe

nas mãos, esfregam-lhe as têmporas com vinagre da

Rainha da Hungria; mas nada a fazia voltar a si. Então o

Rei, que subira com o ruído, lembrou-se da predição das

Fadas e, achando que era preciso que isso acontecesse,

já que as Fadas haviam dito, mandou colocar a Princesa

no mais belo aposento do Palácio, sobre o leito de ricos

bordados de ouro e prata. Parecia um Anjo, de tão bonita

que ela estava, pois o desmaio não lhe havia tirado as

cores vivas da pele: as maças do rosto estavam

encarnadas, e os lábios como coral; apenas estava com

os olhos fechados, mas ouvia-se a sua respiração suave,

o que mostrava que não estava morta. O Rei ordenou

que a deixassem dormir sossegada, até que chegasse a

sua hora de despertar. A boa Fada que lhe havia salvado

a vida condenando-a a dormir cem anos, estava no Reino

de Mataquim, a doze mil léguas dali, quando aconteceu o

acidente com a Princesa; mas foi avisada num instante

37

por um Anãzinho, que calçava botas de sete léguas

(eram botas com as quais se podia dar passos de sete

léguas). A Fada partiu imediatamente e foi vista ao cabo

de uma hora numa carruagem toda de fogo, puxada por

dragões. O Rei foi dar-lhe a mão para ela descer da

carruagem. Ela aprovou tudo o que ele havia feito; mas

como era muito previdente, pensou que, quando a

Princesa viesse a acordar, ficaria muito atrapalhada

estando sozinha naquele velho Castelo. Ela fez o

seguinte: tocou com a varinha tudo que estava no

Castelo (menos o Rei e a Rainha), Governantas, Damas

de Honra, Camareiras, Fidalgos, Oficiais, Mordomos,

Cozinheiros, Auxiliares de cozinha, Mensageiros,

Guardas, Suíços, Pajens, Lacaios; tocou também todos

os cavalos que estavam nas Estrebarias, os

Palafreneiros, os grandes mastins no pátio, e a pequena

Pufe, cachorrinha da Princesa, que estava perto dela na

cama. Logo que os tocou, adormeceram todos, para só

acordar junto com sua Senhora, a fim de estarem prontos

para servi-la quando precisasse; mesmo os espetos que

estavam no fogo cheios de perdizes e de faisões

adormeceram, e o fogo também. Tudo isso se fez num

momento; as Fadas não eram demoradas em seu

trabalho. Então o Rei e a Rainha, depois de terem beijado

a filha querida sem que ela acordasse, saíram do castelo

e mandaram publicar proibições a quem quer que fosse

de se aproximar do local. Tais proibições não eram

necessárias, pois um quarto de hora depois cresceu em

torno do parque tão grande quantidade de árvores

grandes e pequenas, de urzes e espinheiros entrelaçados

uns aos outros, que nem bicho nem homem poderia

passar por ali: de sorte que não se viam senão as altas

Torres do Castelo, mesmo assim só de bem longe. Não

se duvidou de que, também nisso, a Fada tivesse feito

um trabalho de sua profissão, a fim de que a Princesa,

38

enquanto dormisse, não tivesse nada a temer dos

Curiosos.

Passados Cem anos, o Filho do Rei que então reinava, e

que era de outra família que não a da Princesa

adormecida, tendo isso caçar por aqueles lados,

perguntou o que eram aquelas Torres que ele via por

cima da grande mata muito espessa; cada qual

respondeu segundo tinha ouvido falar. Uns diziam que

era um velho Castelo onde apareciam Assombrações;

outros, que todos os Feiticeiros da região faziam ali o seu

sabá. A opinião mais comum era de que um Bicho Papão

morava lá, e para lá levava todas as crianças que

conseguia roubar, para comê-las à vontade, e sem que

se pudesse segui-lo, sendo ele o único capaz de abrir

caminho através do matagal. O Príncipe não sabia mais o

que pensar quando um velho Camponês tomou a palavra

e disse: “Meu Príncipe, há mais de cinqüenta anos, ouvi

meu pai dizer que havia naquele Castelo uma Princesa, a

mais bela do mundo; que ela devia ficar dormindo ali por

cem anos, e que seria despertada pelo filho de um Rei, a

quem estava reservada”. O jovem Príncipe, diante do

que ouviu, sentiu-se todo afogueado. Acreditou sem

pestanejar que ele poria fim a tão bela aventura; e,

conduzido pelo amor e pela glória, resolveu ir ver no local

o que de fato havia. Mal ele avançou mata adentro, todas

aquelas grandes árvores, urzes e espinheiros se

apartaram por si mesmos para deixá-lo passar: ele

caminhou na direção do Castelo que avistava no fim de

uma grande avenida na qual entrou, e o que o deixou um

pouco surpreso foi que nenhum de seus homens pôde

segui-lo, porque as árvores se juntaram de novo logo que

ele passou. Nem por isso deixou de prosseguir em seu

caminho: um Príncipe jovem e enamorado é sempre

39

valente. Entrou num grande pátio frontal onde tudo que

viu era de molde a gelá-lo de temor: era um silêncio

pavoroso, a imagem da morte apresentava-se por toda a

parte, e só havia corpos estendidos de homens e de

animais que pareciam mortos. Reconheceu, entretanto,

pelo nariz espinhoso e pela face vermelha dos Suíços

que estavam apenas dormindo, e suas taças, que ainda

continham umas gotas de vinho, mostravam que tinham

adormecido bebendo. Atravessa um grande salão

pavimentado de mármore, sobe a escada, entra na sala

dos Guardas, que estavam dispostos em fileiras, de

carabina ao ombro, e roncando forte. Atravessa vários

quartos cheios de Fidalgos e de Damas, todos dormindo,

uns de pé, outros sentados; entra num quarto todo

dourado e vê numa cama, cujas cortinas estavam abertas

de todos os lados, o mais belo espetáculo que jamais

tinha visto: uma Princesa que parecia ter quinze ou

dezesseis anos, e cujo brilho resplandecia com algo de

luminoso e de divino. Aproximou-se a tremer e admirado,

e pôs-se de joelhos ao lado dela. Então, como chegara o

momento do fim do encantamento, a Princesa acordou; e

olhando-o com olhos mais ternos do que uma primeira

vista parecia permitir: “Sois vós, meu Príncipe?” disse ela,

“vós me fizestes esperar muito”. O Príncipe, encantado

com essas palavras, e mais ainda pela maneira como

foram ditas, não sabia como testemunhar-lhe sua alegria

e felicidade, garantiu-lhe que a amava mais do que a si

mesmo. Essas falas foram mal-arranjadas, por isso

mesmo agradaram mais: pouca eloqüência, muito amor.

Ele estava mais embaraçado do que ela, o que não deve

surpreender; ela havia tido tempo de sonhar o que iria

dizer porque, parece (embora a História não diga nada a

esse respeito), a boa Fada, durante tão longo sono, lhe

havia proporcionado o prazer dos sonhos agradáveis.

Afinal havia quatro horas que estavam conversando e

40

ainda não tinham dito nem a metade das coisas que

tinham para se dizer.

Entretanto todo o Castelo havia despertado juntamente

com a princesa; cada qual pensava em cumprir a sua

tarefa, e como nem todos estavam apaixonados, estavam

morrendo de fome; a Dama de Honra, apressada como

os outros, perdeu a paciência e disse bem alto à Princesa

que a refeição estava servida. O Príncipe ajudou a

Princesa a levantar-se; ela estava toda vestida e

magnificamente; mas ele evitou dizer-lhe que ela estava

vestida à moda da vovó e ainda usava uma gola alta do

tempo antigo; nem por isso ela estava menos bela.

Passaram para um Salão de espelhos e ali jantaram,

servidos por Oficiais da Princesa; os Violinos e os Oboés

tocaram velhas árias, mas excelentes, embora não

fossem tocadas havia mais de cem anos; e após o jantar,

sem perder tempo, o Capelão-mor, casou-os na Capela

do Castelo, e a Dama de Honra abriu para eles as

cortinas do leito nupcial: dormiram pouco, a Princesa não

precisava muito disso, e o Príncipe deixou-a logo cedo

para voltar à Cidade, onde seu Pai devia estar

preocupado com ele. O Príncipe lhe disse que, estando a

caçar, perdera-se na floresta,e que tinha dormido na

cabana de um Carvoeiro, que lhe havia dado para comer

pão preto e queijo. O Rei, seu pai, que era homem

simples, acreditou, mas sua Mãe não ficou muito

persuadida e, vendo que quase todo dia ele ia caçar, e

que sempre tinha um motivo à mão para se desculpar,

quando ele tinha já dormido fora umas duas ou três

noites, não teve mais dúvida de que ele tinha arranjado

algum amorico: pois ele viveu com a Princesa mais de

dois anos inteiros e teve com ela dois filhos, o primeiro

dos quais, que foi uma menina, se chamou Aurora, e o

41

segundo filho, que se chamou Dia, porque parecia ainda

mais belo do que a irmã. A Rainha disse várias vezes ao

filho, para fazê-lo explicar, que era preciso procurar ficar

contente na vida, mas ele nunca quis confiar-lhe o seu

segredo; ele a temia, embora a amasse, pois ela era de

raça Ogra, e o Rei só a tinha desposado por causa da

abundância de seus bens; dizia-se até, a boca pequena,

na Corte, que ela possuía as tendências dos Ogros e

que, ao ver passar crianças, tinha a maior dificuldade do

mundo para se conter e não se atirar sobre elas: assim, o

Príncipe nunca quis dizer-lhe nada. Mas quando o Rei

morreu, o que aconteceu ao cabo de dois anos, e ele se

viu senhor, declarou publicamente o seu Casamento e

foi, em grande cerimônia, buscar a Rainha, sua mulher,

no Castelo dela. Fizeram-lhe uma recepção magnífica na

Velha Capital, onde entrou ladeada de seus dois filhos.

Algum tempo depois o Rei foi guerrear contra o

Imperador Cantalabute, seu vizinho. Deixou a regência

do Reino à Rainha sua mãe e lhe recomendou muitíssimo

sua mulher e seus filhos; ele devia ficar na guerra todo o

Verão e, logo que partiu, a Rainha-Mãe enviou sua Nora

e as crianças a uma casa de campo no bosque, para

poder melhor saciar o seu horrível desejo. Depois de

alguns dias foi para lá e disse uma tarde a seu Mordomo:

“Amanhã quero comer a pequena Aurora no jantar”. –

“Ah! Senhora”, disse o Mordomo. – “Eu quero!” disse a

Rainha (e o disse num tom de Ogra que quer comer

carne fresca), e quero comê-la ao Molho Robert. Esse

pobre homem, vendo que não devia brincar com uma

Ogra, tomou do facão e subiu para o quarto da pequena

Aurora; esta tinha na época uns quatro anos e veio,

saltitante e risonha, atirar-se ao seu pescoço pedindo

bombons. Ele se pôs a chorar, o facão lhe caiu das mãos,

e ele foi ao terreiro cortar o pescoço de um cordeirinho, e

fez um molho tão bom que a senhora garantiu nunca ter

42

comido nada tão bom. Ao mesmo tempo levara embora a

pequena Aurora e a entregara à sua mulher para que a

escondesse num alojamento que tinha no fundo do

terreiro. Oito dias depois a Rainha má disse ao Mordomo:

“Quero comer no jantar o pequeno Dia”. Ele não replicou,

resolvido a enganá-la como da outra vez; foi buscar o

pequeno Dia e encontrou-o com um floretezinho na mão

e com ele estava lutando com um enorme Macaco; só

tinha, no entanto, três anos, levou-o para sua mulher e

escondeu-o junto com a pequena Aurora,e serviu, no

lugar do pequeno Dia, um cabritinho bem tenro, que a

Ogra achou admiravelmente bom.

Até então tudo se passara muito bem; mas, uma tarde,

aquela malvada Rainha disse ao Mordomo: “Quero comer

a Rainha com o mesmo molho das crianças”. Foi então

que o coitado do Mordomo perdeu a esperança de poder

continuar enganando-a. A jovem Rainha tinha vinte anos

completos, sem contar os cem anos em que tinha

dormido: a pele dela estava um pouco dura, ainda que

branca e bonita; e como iria encontrar entre a Criação um

animal tão duro assim? Para salvar a própria vida, tomou

a resolução de cortar o pescoço da Rainha, e subiu ao

quarto ela, com a intenção de fazer isso de uma só vez;

fazendo esforço para ficar furioso, entrou no quarto da

jovem Rainha de punhal na mão. Não quis, entretanto,

surpreendê-la, e disse-lhe, com muito respeito, a ordem

que havia recebido da Rainha-Mãe. “Fazei o que é de

vosso dever”, disse ela, apresentado-lhe o pescoço; “eu

irei rever os meus filhos, os meus pobres filhos que amei

tanto”; porque ela creditava que eles estavam mortos

desde quando os haviam levado sem nada lhe dizer.

“Não, não, minha Senhora”, respondeu o Mordomo

enternecido, “não morrereis e não deixareis de ir rever os

43

vossos filhos queridos, mas será na minha casa, onde os

escondi, e enganarei de novo a Rainha, dando-lhe para

comer uma corça em vosso lugar”. Logo levou-a ao seu

quarto e, deixando-a abraçar os filhos e chorar com eles,

foi arranjar uma corça, que a Rainha comeu no jantar,

com o mesmo apetite como se fosse a jovem Rainha.

Sentia-se bem contente de sua crueldade e preparava-se

para dizer ao Rei, quando ele voltasse, que os lobos

ferozes tinham devorado a Rainha sua mulher e seus

dois filhos.

Uma tarde, enquanto andava como de costume pelos

pátios e quintais do Castelo para farejar alguma carne

fresca, ela ouviu numa sala baixa o pequeno Dia a

chorar, porque a Rainha sua mãe queria dar-lhe umas

chicotadas, por ele ter feito alguma má-criação, e ouviu

também a voz da pequena Aurora que pedia perdão pelo

irmão. A Ogra reconheceu a voz da Rainha e de seus

filhos e, furiosa por ter sido enganada, ordena logo na

manhã seguinte, com uma voz horrenda que fazia tremer

toda gente, que se trouxesse para o meio do pátio uma

grande cuba, que ela mandou encher de sapos, víboras,

cobras e serpentes, para dentro dela lançar a Rainha e

seus dois filhos, o Mordomo, a mulher e a criada dele:

tinha dado ordem para que fossem trazidos com as mãos

amarradas atrás das costas. Eles estavam ali, e os

carrascos se preparavam para lançá-los na cuba quando

o Rei, que não era esperado tão cedo, entrou pátio

adentro em seu cavalo; ele tinha viajado com cavalos de

posta, e perguntou espantado o que queria dizer aquele

horrível espetáculo; ninguém estava com coragem de

dizer-lhe, quando a Ogra, enraivecida por ver o que via,

lançou-se ela própria de cabeça dentro da cuba, e foi

devorada de imediato pelos bichos horríveis que ela

44

mandara colocar lá. O Rei não deixou de ficar aborrecido

com isso: era mãe dele; mas logo se consolou com sua

mulher e filhos.

MORAL

Algum tempo esperar para ter um Esposo

Rico, meigo, galante, gracioso,

Coisa bastante natural;

Mas dormir e esperar cem anos, certamente,

Não se encontra mais essa tal

Mulher que durma assim tranqüilamente

A Fábula parece ainda nos mostrar

Que os laços do Himeneu freqüentemente,

Adiados, até ficam mais atraentes,

E não se perde em esperar;

Mas a mulher com tanto ardor

Aspira ao voto conjugal,

Que não tenho coragem nem fervor

Para pregar-lhe esta moral.

No livro “Contos de Fadas”, dos Irmãos Grimm, com tradução de

Celso M. Paciornik, editado também pela Iluminuras, de São Paulo, em

sua 5ª edição de 2005, reimpressa em 2006, encontramos, das páginas

43 a 45, a seguinte versão de “A Bela Adormecida”:

45

Era uma vez um rei e uma rainha que não tinham filhos e

muito se lamentavam por isto. Certo dia em que a rainha

passeava à beira do rio, um peixinho levantou a cabeça

de dentro da água e disse: “Seu desejo será realizado e

em breve terá uma filha”. A previsão do peixinho logo se

realizou e a rainha teve uma menininha tão linda que o rei

não se cansava de olhar para ela de tanta alegria. O rei

ordenou, então, a realização de uma grande festa, para a

qual ele convidou não só seus parentes, amigos e

vizinhos, mas também todas as fadas para que

pudessem ser boas e compassivas com sua filhinha. Mas

havia treze fadas em seu reino e ele só tinha doze pratos

de ouro para servi-las, por isso foi obrigado a deixar uma

das fadas sem convite. As outras vieram e, ao final da

festa, cada uma ofereceu seu dom mais precioso à

princesinha: uma deu-lhe a virtude, outra a beleza, outra

riquezas, e assim por diante até ela ter tudo que era

excelente no mundo. Quando onze delas já a haviam

abençoado, a décima terceira, que estava furiosa por não

ter sido convidada, chegou decidida a vingar-se

exclamando, “Quando a filha do rei completar quinze

anos, ela se ferirá num fuso e cairá morta”. Então, a

décima segunda fada, que ainda não havia concedido o

seu dom, avançou e disse que o perverso desejo teria de

se cumprir, mas que ela o atenuaria e a filha do rei não

morreria, porém ficaria adormecida durante cem anos.

Mas o rei, querendo salvar a filha querida da calamidade

ameaçada, ordenou que todos os fusos do reino fossem

trazidos e destruídos. Enquanto isso, todos os dons das

fadas se cumpriam, pois a princesa era tão bela, bem

comportada, gentil e sábia que todos que a conheciam a

amavam. Aconteceu então, que no dia em que ela

completou quinze anos o rei e a rainha não estavam em

46

casa. Como estava sozinha no palácio, ela saiu

perambulando por todo o local, espiando em todos os

quartos e salas até chegar, finalmente, a uma velha torre

alcançada por uma escada estreita que terminava numa

portinha. Na porta havia uma chave de ouro e, quando

ela a girou, a porta se abriu; e no interior do quartinho

estava uma velha entretida em fiar. “Ora, vejam,

mãezinha”, disse a princesa, “o que está fazendo aqui?”

“Fiando”, disse a velha fazendo um aceno com a cabeça.

“Como esta coisinha gira bonito!”, disse a princesa

pegando um fuso e começando a fiar. Mal tinha

encostado no fuso, porém, a profecia se cumpriu e ela

caiu, sem vida, no chão.

Não estava morta; caíra apenas num sono profundo. E o

rei e a rainha, que tinham acabado de voltar para casa

com toda sua corte, caíram no sono também; e os

cavalos dormiam nos estábulos, e os cães no pátio, e os

pombos no telhado e as moscas nas paredes. Até

mesmo o fogo do fogão parou de crepitar e adormeceu; e

a carne que estava assando ficou parada; e a cozinheira,

que naquele exato momento estava arrastando um

ajudante de cozinha pelo cabelo para lhe dar um puxão

de orelha por alguma coisa que fizera de errado, largou-

o, e ambos caíram no sono. E assim tudo ficou

paralisado, em sono profundo.

Uma grande cerca viva de espinheiros logo cresceu ao

redor do palácio e a cada ano foi ficando mais alta e

espessa até cercar e ocultar todo o palácio, de tal forma

que nem mesmo o telhado ou as chaminés podiam ser

vistos. Mas correu, por toda a região, a notícia da Bela

Adormecida e, de tempos em tempos, muitos filhos de

reis vinham tentar atravessar o matagal cerrado até o

47

palácio. Mas nunca conseguiam, pois os espinhos e

arbustos se agarravam neles como se tivessem mãos, e

ali se enredavam e morriam miseravelmente.

Depois de muitos e muitos anos, chegou à região o filho

de um rei, e um velho contou-lhe a estória do matagal de

espinheiros, como existia um lindo palácio por trás dele

onde uma maravilhosa princesa chamada Bela

Adormecida estava adormecida com toda sua corte.

Contou-lhe, também, como ouvira seu avô narrar, que

muitos e muitos príncipes haviam tentado atravessar o

matagal, mas tinham ficado enredados e morreram. O

jovem príncipe disse então, “Nada disso vai me assustar;

eu entrarei e verei Bela Adormecida”. O velho tentou

dissuadi-lo, mas ele persistiu em sua idéia.

Ora, naquele mesmo dia completavam-se os cem anos, e

quando o príncipe chegou no matagal, viu apenas belos

arbustos florescentes através dos quais foi passando sem

dificuldade, mas que se fechavam às suas costas depois

de ele passar. Finalmente, o jovem príncipe chegou ao

palácio e ali, no pátio, estavam os cachorros dormindo, e

os cavalos nos estábulos, e sobre o telhado pousavam as

pombas adormecidas com as cabeças enfiadas debaixo

das asas. E quando entrou no palácio, as moscas

dormiam sobre as paredes, e a cozinheira na cozinha

ainda estava com a mão erguida como se fosse bater no

garoto, e a criada estava sentada com uma ave negra na

mão pronta para ser depenada.

Ele seguiu em frente e tudo estava tão silencioso que

podia ouvir a própria respiração, até que finalmente

chegou à velha torre e abriu a porta do quartinho onde

48

estava Bela Adormecida. Ali estava ela mergulhada em

sono profundo; e lhe pareceu tão bela que ele não

conseguia desviar o olhar, e inclinando-se, beijou-a. Mas

no momento em que a beijou, ela abriu os olhos e

despertou, sorrindo para ele. Então, saíram juntos e o rei

e a rainha também despertaram, assim como toda a

corte, e eles se entreolhavam cheios de admiração. Os

cavalos se levantaram e se sacudiram; os cães saltaram

e latiram; os pombos tiraram as cabeças debaixo das

asas e olharam ao redor e voaram para os campos; as

moscas sobre as paredes voaram zumbindo; na cozinha,

o fogo ardeu cozinhando o jantar enquanto a carne

assada recomeçava a girar; a cozinheira deu um puxão

de orelha no garoto, que gritou, e a criada seguiu

depenando a ave. E celebrou-se então o casamento do

príncipe com Bela Adormecida e eles viveram felizes para

sempre.

Analisemos algumas diferenças entre as duas versões.

Perrault era um cortesão que cantava histórias para distrair princesas.

Partia de temas antigos, que, por envolverem situações não apropriadas a

serem contadas para a corte francesa, eram modificadas por ele. Essas

alterações não eram muito convincentes para um conto de fadas. Seu interesse

maior, entretanto, não estava na apresentação da história e sim no apêndice

agradável ou moralista, feito em verso, que acrescentava ao final de cada

conto.

Os Irmãos Grimm construíram uma versão mais suave, eliminando as

cenas cruéis e trágicas, como, por exemplo, a existência da rainha ogra.

Quando eles passam a escrever para crianças, há uma preocupação de estilo,

usando, então, seu material fantástico de forma sensível, conservando a

ingenuidade popular, a fantasia, e o poético em suas narrativas.

49

CONCLUSÃO

Nos contos de fadas, cada elemento tem um papel significativo,

importantíssimo e, se retirado, suprimido ou atenuado, vai impedir que a

criança compreenda integralmente o conto. Ao retirar-lhes os conflitos

essenciais, tira-se, também, toda a sua densidade, significado e revelação. É

preciso manter-se a integridade das histórias, que conduza a uma leitura rica e

bela dos originais.

Os contos de fadas, pela sua riqueza, têm servido como fonte de estudo

para psicanalistas, sociólogos, antropólogos, psicólogos, cada qual dando sua

interpretação e se aprofundando de acordo com seu eixo de interesse.

Os psicanalistas, por exemplo, encontram nos contos de fadas uma

fonte muito rica para estudos e interpretações do comportamento e anseios

humanos.

As análises, feitas por Freud ou seus seguidores, em relação aos contos

de fadas, aplicaram-se não a interpretar a matéria narrativa maravilhosa, mas à

possível influência de sua simbologia ou memória nos pacientes psiquicamente

perturbados. Os contos de fadas, por serem criações coletivas, não poderiam

interessar aos freudianos como campo de pesquisa, pois, para eles, só o

individual interessa.

A maior repercussão das análises de natureza psíquica deu-se na linha

junguiana, que se volta para o psiquismo coletivo. Jung ultrapassa os limites

individuais estabelecidos por Freud, representando a psique como um vasto

oceano (o inconsciente) do qual emerge uma pequena ilha (o consciente).

Entre as análises da matéria arquetípica encontrada nos contos de

fadas, realizadas por Jung e por sua maior discípula, Marie-Louise von Franz,

ressalta a ligada à realização da alma humana, em busca de seu centro, sua

unidade (self).

50

Além do interesse que os contos de fadas possam ter para a Psicologia

Analítica, existe aquele que surge na área da Pedagogia e da Didática, hoje

empenhadas na descoberta de novos caminhos para a orientação das crianças

e jovens. Um dos caminhos a ser percorrido, certamente, está em redescobrir

os contos de fada, a fim de se encontrar outro sentido para a vida.

No livro “Fadas no Divã”, de Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso,

encontramos o seguinte texto:

A ficção, infantil ou adulta, supre os indivíduos de algo

que não se encontra facilmente em outros lugares: todos

precisamos de fantasia, não é possível viver sem escape.

Para suportar o fardo da vida comum, é preciso sonhar.

Mas não devemos confundir a oferta de fantasia através

da ficção, que fornece traumas capazes de alimentar

devaneios e brincadeiras, com uma educação alienante,

que confunde infância com puerilidade, desmerece a

curiosidade das crianças e pinta o mundo em tons

pastéis. Os assuntos complicados costumeiramente

evocados pelos contos de fadas, assim como algumas

tramas que demonstramos serem subjacentes às

histórias infantis contemporâneas, provam que as

crianças não se esquivam de assuntos cabeludos,

inclusive às vezes os enfrentam de forma bem ousada. É

bem por isso que tantas dessas narrativas permanecem

conosco pelo resto da vida, graças à riqueza que

emprestaram e seguem oferecendo como auxílio diante

de encruzilhadas e dificuldade que continuam se

interpondo no caminho.

Gianni Rodari, em seu livro “Gramática da Fantasia”, ao abordar o tema

“Imaginação, Criatividade, Escola”, apresenta a seguinte observação, por ele

feita a partir de dicionários filosóficos e enciclopédias consultadas: as palavras

51

“imaginação” e “fantasia” pertenceram, por muito tempo, exclusivamente à

história da Filosofia, a jovem Psicologia começou a ocupar-se delas há poucas

décadas.

E afirma:

Não é, portanto, de se admirar que a imaginação nas

nossas escolas, ainda seja tratada como parente pobre,

em desvantagem com a atenção e com a memória; que

escutar pacientemente e recordar escrupulosamente

constituam até agora as características do modelo

escolar, o mais cômodo e maleável.

E, adiante, prossegue:

Mas devemos a Hegel a implantação definitiva da

distinção entre imaginação e fantasia. Ambas são, para

ele, determinações da inteligência; mas a inteligência

como imaginação é simplesmente reprodutiva; como

fantasia é, ao contrário, criativa.

Além disso, faz um alerta:

Se uma sociedade baseada no mito da produtividade (e

na realidade do lucro) precisa de homens pela metade –

fiéis executores, diligentes reprodutores, dóceis

instrumentos sem vontade própria – é sinal de que está

mal feita, é sinal de que é preciso mudá-la. Para mudá-la,

52

são necessários homens criativos, que saibam usar sua

imaginação.

Ao fazer a apresentação da Edição Brasileira desse livro de Gianni

Rodari, Ruth Rocha declara:

Neste apelo, o autor nos lembra que a criatividade é uma

característica do homem e não um dom concebido a

poucos. A divisão injusta do trabalho, a educação

concedida apenas aos privilegiados, a falta de estímulos

adequados no ambiente em que cresce a maioria das

crianças é que faz com que a criatividade pareça

manifestar-se apenas em poucas pessoas.

Em educação, como de resto em muitas atividades

humanas, o grande erro, a grande armadilha, é que

freqüentemente, na preocupação de fazer-se um belo

trabalho, perde-se de vista nossos verdadeiros objetivos.

E o objetivo do verdadeiro educador deve ser um só:

educar pessoas que possam mudar esse mundo, tão

voltado para coisas sem nenhuma importância, tão

esquecido da felicidade de todos, tão cheio de injustiças!

Mais ainda, referindo-se a Gianni Rodari:

E nos mostra que os setores mais poderosos da

sociedade realmente não têm nenhuma intenção de

privilegiar a imaginação e a criatividade, pois não

desejam que as pessoas aprendam a pensar, já que o

pensamento criativo seria a arma mais eficaz de

53

transformação do mundo e, portanto, de ameaça a uma

ordem social conhecida, estabelecida e vantajosa para

eles.

Marly Amarilha, em seu livro “Estão Mortas as Fadas?”, apresenta a

seguinte consideração:

No meu entender, os contos de fada, com seu rico

referencial simbólico, ressaltam o papel que a literatura

deve ter para a criança. O de tornar accessível ao leitor

experiências imaginárias que sejam catalisadoras dos

problemas do desenvolvimento humano e assim

proporcionar autoconfiança sobre o seu próprio

crescimento. Quando os professores entenderem a

importância de dar oportunidade às crianças para

assistirem e participarem de conflitos de heróis tão

inexperientes quanto elas próprias, talvez os contos de

fadas sejam mais presentes nas salas de aulas. É essa a

minha expectativa.

Em seu livro “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, Bruno Bettelheim

demonstrou, exaustivamente, a relação existente entre os tipos encontrados

nos contos de fadas e os conflitos internos dos pequenos leitores ou ouvintes.

Através da “leitura”, a criança identifica sua realidade interna com alguma

experiência existente no conto: a atitude de um personagem, a solução de

algum conflito, a angústia presente na narrativa...

Segundo Bruno Bettelheim, o valor do conto de fadas para a criança é

destruído se alguém detalha os significados. Os bons contos de fadas têm

significados em muitos níveis; só a criança pode saber quais significados são

importantes para ela no momento. A criança descobre, à medida que cresce,

novos aspectos dos contos já conhecidos, o que lhe dá a convicção de que

54

realmente amadureceu em compreensão, pois a mesma história lhe revela,

agora, muitas coisas novas.

Como ele afirma:

Isto só pode ocorrer se a criança não ouviu uma narrativa

didática do assunto. A história só alcança um sentido

pleno para a criança quando é ela quem descobre

espontânea e intuitivamente os significados previamente

ocultos. Esta descoberta transforma algo recebido em

algo que ela cria parcialmente para si mesma.

O seguinte texto de Bruno Bettelheim, também citado por Fanny

Abramovich em seu livro “Literatura Infantil – Gostosuras e Bobices”,

acrescenta:

Explicar para uma criança por que um conto de fadas é

tão cativante para ela, isso destrói, acima de tudo, o

encantamento da história, que depende, em grau

considerável, da criança não saber exatamente por que

está maravilhada.

E, ao lado do confisco deste poder de encantar, vai

também uma perda do potencial da história em ajudar a

criança a lutar, por si só, e dominar exclusivamente, por

si só, o problema que fez a história significativa para ela.

As interpretações adultas, por mais corretas que sejam,

roubam da criança a oportunidade de sentir que ela, por

sua própria conta, através de repetidas audições e de

ruminar acerca da história, enfrentou com êxito uma

situação difícil.

55

Nós crescemos, encontramos sentido na vida e

segurança em nós mesmos por termos entendido ou

resolvido problemas pessoais por nossa conta, e não por

eles nos terem sido explicados por outros.

56

ANEXOS

Anexo I: Foto de Charles Perrault

57

Anexo II: Foto dos Irmãos Grimm

58

Anexo III: Foto de Hans Christian Andersen

59

BIBLIOGRAFIA

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil – Gostosuras e Bobices. São Paulo:

Editora Scipione, 1993.

AMARILHA, Marly. Estão Mortas as Fadas?. Rio de Janeiro: Editora Vozes,

1997.

ANDERSEN, Hans Christian. Contos de Grimm. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

2006.

BAGNO, Marcos. Uma Vida de Contos de fadas: a História de Hans Christian

Andersen. São Paulo: Editora Ática, 2005.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1980.

COELHO, Nelly Novaes. O Conto de Fadas. São Paulo: Paulinas, 2008.

CORSO, Diana Lichtenstein e CORSO, Mario. Fadas no Divã: Psicanálise nas

Histórias Infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.

FRANZ, Marie-Louise Von. A Interpretação dos Contos de Fadas. São Paulo:

Paulus, 1990.

IRMÃOS GRIMM, Jacob e Wilhelm. Contos de Fadas. São Paulo: Iluminuras,

2005.

________. Contos de Grimm. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.

LA FONTAINE, Jean de. Fábulas de La Fontaine. . São Paulo: Madras, 2004.

MEDEIROS, Adriana e BRANCO, Sonia. Contos de Fada. Vivências e

Técnicas em Arteterapia. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2008.

PERRAULT, Charles. Contos e Fábulas. São Paulo: Iluminuras, 2007.

60

RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo: Summus, 1982.

VIGOTSKY, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

61

ATIVIDADES CULTURAIS

62

63

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO................................................................................................ 2

AGRADECIMENTOS ............................................................................................. 3

DEDICATÓRIA....................................................................................................... 4

RESUMO................................................................................................................ 5

METODOLOGIA..................................................................................................... 7

SUMÁRIO............................................................................................................... 8

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9

CAPÍTULO I: CHARLES PERRAULT................................................................... 13

CAPÍTULO II: IRMÃOS GRIMM........................................................................... 16

CAPÍTULO III: HANS CHRISTIAN ANDERSEN .................................................. 25

CAPÍTULO IV: A BELA ADORMECIDA ............................................................... 34

CONCLUSÃO....................................................................................................... 49

ANEXOS .............................................................................................................. 56

Anexo I: Foto de Charles Perrault ........................................................................... 56

Anexo II: Foto dos Irmãos Grimm............................................................................ 57

Anexo III: Foto de Hans Christian Andersen ........................................................... 58

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 59

ATIVIDADES CULTURAIS................................................................................... 61

ÍNDICE ................................................................................................................. 63

FOLHA DE AVALIAÇÃO ...................................................................................... 64

64

FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

EDUCAÇÃO INFANTIL E DESENVOLVIMENTO

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

CONTOS DE FADAS:

AJUDANDO A ENCONTRAR SENTIDO NA VIDA

Por: Carmelia Abrahão Assaf

Orientadora

Prof. MARY SUE CARVALHO PEREIRA

Data de aprovação: ____/ ____/ ____ Conceito: ________

Examinadora:

________________________________________________ MARY SUE CARVALHO PEREIRA

Professora da Universidade Cândido Mendes