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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS- GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE NOVOS PARADIGMAS PARA O ENSINO DA LITERATURA Silvia Regina de Souza Barreto Rio de Janeiro 2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

PROJETO A VEZ DO MESTRE

NOVOS PARADIGMAS PARA O ENSINO DA

LITERATURA

Silvia Regina de Souza Barreto

Rio de Janeiro

2006

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

PROJETO A VEZ DO MESTRE

NOVOS PARADIGMAS PARA O ENSINO DA

LITERATURA

Monografia de conclusão do curso

de pós-graduação lato senso

Docência Superior

Por

Silvia Regina de Souza Barreto

Professor orientador Celso

Sanchez

Rio de Janeiro

2006

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AGRADECIMENTOS

A Jesus, força que me impulsiona humildemente agradeço.

A meu marido Wanderley, aos meus filhos Eduardo e Rafael

e demais familiares, o meu obrigada pelo incentivo.

A meu amigo Marcelo – companheiro de difíceis e produtivas

jornadas – meu desejo de “eterna união”.

À professora Michele Sant' Ana Dantas, particularmente por

sua tenacidade, serei sempre grata pela ajuda.

Ao professor Fernando Gouveia – mestre na arte de ensinar com alegria – meu

muito obrigada por todos os momentos.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, sempre presentes, quero dedicar este

trabalho – símbolo de mais uma etapa vencida. Não esqueço

o quanto vocês me incentivaram.

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EPÍGRAFE

NARRATIVA

Andei buscando esse dia Pelos humildes caminhos

Onde se escondem as coisas Que trazem felicidade: Os amuletos dos grilos

E os trevos de quatro folhas... Só achei flor de saudade.

O arroio levava o tempo.

Ia meu sonho atrás da água. No chão dormiam abertas

minhas duas mãos sem nada. Se me chamavam de longe, se me chamavam de perto, era perdida, a chamada...

Viajei pelas estrelas,

dentro da rosa-dos-ventos. Trouxe prata em meus cabelos,

pólen da noite sombria... Mirei no meu coração,

vi os outros, vi meu sonho, encontrei o que queria.

Já não mais desejo andanças;

Tenho meu campo sereno, com aquela felicidade

que em toda parte buscava. O tempo fez-me paciente.

A lua, triste, mas doce. O mar, profunda, erma e brava.

Cecília Meireles

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RESUMO

As novas tecnologias se apresentaram ao século XXI como alternativas

de libertar o homem da rotina e do trabalho repetitivo que o consome.

Entretanto, observa-se que o crescimento tecnológico tem impedido a

qualificação das relações humanas: pais que trabalham muito, filhos

hipnotizados pela televisão, falta de diálogo, competição, individualismo. Definir

o papel da escola, na atualidade, não é tarefa fácil, pois cabe a ela contribuir

para a formação de um indivíduo capaz de transformar a realidade, a partir de

uma perspectiva dialógica e da integração de valores como solidariedade,

tolerância e igualdade. Este trabalho aponta a possibilidade de uma formação

qualificada através do ensino da literatura, por ser esta uma área do

conhecimento que supõe sensibilidade para compreendê-la. Seu objetivo é

superar a conotação linear que sempre esteve presente nas ciências humanas

até algumas décadas atrás. Sua trajetória tem início na abordagem histórica do

processo educacional e vai até a apresentação de um novo olhar para a

literatura, com a análise da obra Memórias de um Sargento de Milícias. Este

estudo faz parte de uma reflexão dos paradigmas e concepções que norteiam o

ensino da literatura, revelando novos rumos para prática educativa eficiente.

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METODOLOGIA

Considerando os aspectos relevantes da temática: a contextualização

histórica do processo de ensino, as contribuições de autores que tratam do

ensino da Literatura, a análise da obra literária Memórias de um Sargento de

Milícias, para a análise do tema apresentado, foram necessárias pesquisas

bibliográficas sobre o tema, a partir do levantamento de autores que

contribuem para o estudo e a compreensão do tema.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................9

CAPÍTULO 1

A visão histórica da educação e as práticas pedagógicas ...............................11

CAPÍTULO 2

Um novo olhar para o ensino da literatura.........................................................16

CAPÍTULO 3

O ensino da literatura através da obra Memória de um Sargento de Milícias de

Manuel Antônio de Almeida...............................................................................20

3.1 Ambiência Histórica.....................................................................................21

3.2 O Cenário.....................................................................................................22

3.3 O Cotidiano..................................................................................................23

3.4 Os Personagens..........................................................................................26

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................30

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INTRODUÇÃO

A sociedade atual tem sofrido transformações geradas pelo crescente

avanço tecnológico e pelas próprias mudanças estruturais do capitalismo pós-

moderno, principalmente no que diz respeito à configuração das forças

produtivas.

Essas mudanças têm sido alvo de muitas discussões por aqueles que

estão interessados em compreender a nova ordem social. Além disso, alertam

para a necessidade de um novo cidadão.

O novo milênio aponta para a necessidade de um fazer diferente,

contextualizado às exigências do próprio processo histórico. Daí a importância

do papel da educação. Cabe a ela a tarefa de contribuir para a formação de um

indivíduo crítico e que esteja preocupado com as questões sociais que o

cercam.

Entretanto, observa-se que ainda são arcaicos os paradigmas

pedagógicos de educação; os indivíduos estão envolvidos em propostas

educativas que se encontram desconectadas das novas demandas sociais. A

impressão que se tem é que a escola está mudando para continuar sendo a

mesma e que as pessoas, que deveriam estar atentas para as mudanças dos

paradigmas educativos, assistem passivas e inertes o fracasso da escola

enquanto instituição gerada pelo e para o atendimento das demandas da

sociedade.

Além disso, constata-se que a maioria dos estudantes tem a imagem de

que ler e conhecer a literatura são coisas sem sabor, que estão ligadas apenas

ao universo da obrigação, distantes dos prazeres instantâneos promovidos pela

televisão e pela Internet.

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Esta constatação pode parecer desanimadora quando levado em conta

o despreparo dos alunos não somente diante de um texto literário, mas diante

de qualquer texto, de situações consideradas desafiadoras, etc.

Assim, este estudo faz parte de uma reflexão sobre as concepções

paradigmáticas do ensino da literatura ao longo dos anos. Sua existência

justifica-se pela tentativa de contribuir para a busca de soluções para a

contextualização da literatura na sala de aula, visando redimensionar as

concepções teóricas e práticas que estão envolvidas no processo educativo. O

que se busca aqui é mostrar que uma nova proposta só ocorre a partir de uma

outra ordem de valores.

O objetivo deste trabalho é discutir pressupostos teóricos que norteiam a

ação educativa a partir de várias leituras sobre a problemática e da própria

experiência docente na sala de aula.

O primeiro capítulo aponta o panorama histórico do processo

educacional e do ensino da literatura, desde o século XVI, quando as propostas

educativas estavam subordinadas aos interesses religiosos, até a

contemporaneidade, quando foram dados passos significativos no sentido de

universalizar o acesso à educação básica.

A seguir, serão apresentados os novos paradigmas para o ensino da

literatura, onde as novas tendências conceituais da abordagem literária são

fundamentais para a construção de um novo cidadão.

E, por fim, a abordagem prática da obra literária Memórias de um

Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, a partir de uma

perspectiva crítica do ensino.

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CAPÍTULO 1

A VISÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO E AS PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS

A História da Educação não é uma História difícil de ser estudada e

compreendida. Ela evolui em rupturas marcantes e fáceis de serem

observadas.

Iniciando no século XVI, constata-se que a educação era controlada pela

igreja. A concepção de mundo estava submetida à fé. Somente os

predestinados tinham direito de freqüentar a escola, que se caracterizava por

ser essencialmente dogmática. A hegemonia católica encarregava-se de

impossibilitar o acesso à educação.

O Iluminismo do século XVII constituiu-se como movimento rico em

reflexões cujas idéias combatiam o dogmatismo religioso que impregnava a

educação. Havia preocupação com a instalação de uma educação pública e

laica. Calcadas nos ideais de igualdade, as idéias iluministas vislumbravam a

possibilidade de democratização do acesso à cultura por parte das massas

populares.

A nova ordem oriunda das significativas transformações nos modelos de

produção capitalista fortaleceu o poder burguês e também gerou mudanças na

política educacional da Europa no final do século XVIII e início do século XIX,

período da Revolução Industrial. Neste contexto, o ensino de caráter privado e

religioso professado pela igreja católica foi substituído por movimentos em

favor da instrução obrigatória, laica e gratuita. A escola deveria agora estar

submetida aos interesses da nova classe social e seria transformada no bojo

do processo de constituição e consolidação da sociedade burguesa, deixando

de ser prioritariamente particular, para tornar-se pública; de ser prioritariamente

religiosa para ser essencialmente laica e universal.

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A necessidade de uma rede escolar moderna, pública, laica e universal

deu início, ainda no final do século XIX, a uma escolarização mínima destinada

à maioria da população escolar em algumas sociedades burguesas. As novas

funções do Estado alteraram de forma significativa à organização escolar; o

Estado que há algum tempo era repressor, tornara-se agora educador. A nova

ordem burguesa buscava substituir a privatização do capital e socializar a força

de trabalho, sendo a escola um organismo de difusão desses ideais.

Com a consolidação dos estados nacionais, a escola passou a ser vista

como instituição capaz de garantir a unidade nacional através da transmissão

de valores culturais e conteúdos unificados que garantissem a consolidação do

poder.

No Brasil, os jesuítas foram os primeiros a se dedicar à pregação da fé

católica e ao trabalho educativo. Perceberam que não seria possível converter

os índios sem que estes soubessem ler e escrever. A escola não se limitava ao

ensino das primeiras letras; além do curso elementar foram mantidos os cursos

de Letras e Filosofia, considerados secundários, e o curso de Teologia e

Ciências Sagradas, de nível superior, para a formação de sacerdotes. Os

estudos literários tiveram grande importância no currículo escolar e fizeram

parte do modelo humanista de educação.

Os jesuítas permaneceram como mentores da educação brasileira

durante duzentos e dez anos, até 1759, quando foram expulsos de todas as

colônias portuguesas. Até então, o ensino brasileiro dedicou durante o período

colonial especial atenção às Ciências Humanas, optando por um modelo de

educação semelhante ao desenvolvido pelos europeus, desconsiderando

peculiaridades das crianças e de jovens nascidos no Brasil.

A educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais, pois

Portugal, diante das potências européias, encontrava-se em decadência. Ou

seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos

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interesses da fé, era preciso agora organizar a escola para servir aos

interesses do Estado.

Após a expulsão dos jesuítas, a educação brasileira passou por

período de "trevas", onde sobressaíram-se apenas a criação, no Rio de

Janeiro, de um curso de estudos literários e teológicos, em julho de 1776, e do

Seminário de Olinda, em 1798, por Dom Azeredo Coutinho, governador

interino e bispo de Pernambuco.

Com a Independência do Brasil, a Constituição de 1823 determinava a

criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e vilarejos; a

criação de escolas para meninas e a garantia de instrução primária gratuita a

todos.

Em 1827, um projeto de lei propôs a criação de pedagogias em todas as

cidades e vilas, além de prover o exame na seleção de professores para a

nomeação. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas. Os diversos

liceus provinciais constituíram-se como referência para o desenvolvimento do

ensino normal.

Entretanto, até a Proclamação da República, em 1889, praticamente

nada se fez de concreto pela educação brasileira, quando a partir de então se

iniciaram as reformas cujo objetivo era concretizar a laicidade, gratuidade,

universalidade e a ampliação do acesso à educação superior.

A preocupação com o ensino da Literatura, foco de análise deste

trabalho, também não era nova, desde 1858 o programa de Língua Portuguesa

já incluía conteúdos de História da Literatura, embora a disciplina com esse

nome, tenha sido introduzida apenas em 1870. A introdução da História da

Literatura nos programas do Colégio Pedro II, em 1860, foi resultado de

esforços de dirigentes e professores e o pontapé inicial para a modernização

do ensino da Língua Portuguesa.

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É importante saber que o percentual de analfabetos no ano de 1900,

segundo o Anuário Estatístico do Brasil, do Instituto Nacional de Estatística, era

de 75%. No que se refere à educação, foram realizadas diversas reformas de

abrangência estadual, como a de Lourenço Filho, no Ceará; a de Anísio

Teixeira, na Bahia; a de Francisco Campos e Mario Casassanta, em Minas; a

de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro).

Em 1925, a reforma do ministro João Luís Alves determinou que o curso

secundário passasse a ter seis anos e que fossem introduzidas diversas

cadeiras, dentre elas, a de Literatura Brasileira.

A partir de 1930, o Brasil entrou no cenário do mundo capitalista de

produção. Embora fosse um período de instabilidades políticas e de

acumulação de capital do período anterior, houve investimento no mercado

interno e na produção industrial.

A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra

especializada e, para tal, era preciso investir na educação. Sendo assim, neste

mesmo ano foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o

governo provisório sancionou decretos organizando o ensino secundário e as

universidades brasileiras, ainda inexistentes. Além disso, o Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova, em 1932, trouxe à tona o ideal de que a

educação é direito de todos.

Durante os anos 60 e 70, o modelo de escola de qualidade era aquele

difundido pelas igrejas que tinham como diferencial uma proposta de educação

calcada nos ideais éticos e morais, cuja concepção curricular não tinha

compromisso algum com a cultura e nem com a sociedade na qual ela e seus

alunos estavam inseridos, fato que gerava uma descontextualização das

propostas pedagógicas.

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Como se pôde notar o ensino da Literatura consolidou-se apenas entre

os meados do século XIX. Desde então, como as demais disciplinas do

currículo escolar, a Literatura esteve sujeita a influências de diferentes

contextos sociais e diferentes paradigmas educacionais.

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CAPÍTULO 2

UM NOVO OLHAR PARA O ENSINO DA LITERATURA

As mudanças ocorridas na conjuntura social provocadas pelo processo

de globalização fizeram emergir um novo modelo de cidadão e,

conseqüentemente, a necessidade de uma formação que possibilite à escola

atender à nova demanda social, permitindo a construção de uma ação

pedagógica eficiente.

O esvaziamento das relações sociais na escola, bem como o

individualismo e o excesso de trabalho, deixam a cargo da escola a tarefa de

promover a humanização entre os indivíduos. Para isso, é preciso repensar seu

papel como um espaço dialógico e formativo; considerá-la não apenas como

uma instituição transmissora de saberes e culturas, mas também produtora de

novos saberes e novas expressões culturais.

O aprender transcorre no seio de um vínculo humano, cabendo ao

ensinante criar referências significativas e buscar alternativas que visam

desprogramar dinâmicas políticas, históricas e semióticas que condicionam sua

ação sobre o meio em que vive e que se encarrega de promover a

fragmentação do conhecimento.

O papel do educador também deve ser concebido a partir de uma

perspectiva dialógica. O professor deve ser aquele que desafia os rótulos e a

suposta possibilidade de homogeneização; desafiar categorias que distinguem

os alunos mais capazes dos menos capazes, os ajustados dos desajustados,

entendendo que estas classificações são resultantes das relações de poder

estabelecidas fora do espaço de sala de aula com base na classe social, raça e

gênero.

Logo, a discussão sobre as metodologias a serem utilizadas no ensino

da Literatura exigirá do professor a adoção de um posicionamento diante delas:

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o professor pode assumir ser um mero transmissor do conteúdo ou um

mediador da aprendizagem de seu aluno. É preciso buscar uma teoria

abrangente para se pensar em um “tipo” de ensino que evite a estabilização

dos indivíduos em visões reducionistas de receptor de conhecimento.

Buscando atender às indagações que surgem na efetivação de uma

ação pedagógica para o ensino da Literatura resultante da apropriação de

teorias que contribuam de maneira eficaz para sua instauração, as

considerações apresentadas até aqui servem como referência nesta análise.

Partindo do pressuposto de que a Literatura é parte dinâmica do

processo cultural, convém promover um estudo que integre diferentes áreas do

conhecimento – a história, a história da arte, a história da literatura, a filosofia.

Uma abordagem dialógica para o ensino literário supõe a contextualização da

própria produção literária.

O que se observa, porém, é que os manuais didáticos voltados para o

ensino da literatura quase sempre se reduzem a uma coletânea de textos

expositivos de determinados autores a respeito de fatos históricos mais

relevantes à época do período enfocados. Os manuais de literatura encontram-

se “apoiados em pressupostos de pedagogia transmissiva, com forte tendência

à memorização, tendem a satisfazer uma realidade de ensino de literatura que

conta com professores sobrecarregados e malpreparados” (Cereja, 2005).

Como afirma Bakthin (1997), “a chamada vida literária de uma época,

cujo estudo se efetua sem referência ao estudo da cultura, resume-se a uma

luta superficial de tendências literárias”.

As habilidades necessárias para o estudo da literatura são complexas,

pois exigem a conjugação entre o que indivíduo aprendeu sobre a linguagem e

a discussão teórica acerca da própria produção cultural. A otimização de uma

prática eficaz para o ensino da Literatura está distante de ser uma tarefa

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simples, pois uma nova proposta para o ensino da Literatura deve despojar-se

de alguns conceitos que ainda encontram-se cristalizados no dia-a-dia nas

aulas.

O problema ocorre porque alguns objetivos traçados para o ensino da

Literatura, ainda no século XIX, permanecem intactos na atualidade:

a história da literatura surgiu no Brasil no século XIX, vinculada a duas esferas e em cumprimento a dois objetivos básicos: na esfera acadêmica, participando do projeto nacionalista romântico de definir e documentar as expressões da identidade nacional; na esfera escolar, assumindo um papel didático, e não menos ideológico, de formar jovens brasileiros a partir de textos considerados fundadores da cultura brasileira (CEREJA, 2005, p.131).

Nota-se que as aulas de Literatura ministradas nos bancos escolares

não contemplam aspectos fundamentais para a formação de indivíduos críticos

e comprometidos com a realidade que os cercam. Muitos jovens deixam o

ensino médio sem terem desenvolvido habilidades como: reconhecimento de

recursos estilísticos, relação entre forma e conteúdo de texto, relações entre os

elementos literários, quadro que se estende no ensino universitário.

Desse modo, o ensino da literatura não tem atingido seus os objetivos

essenciais: a formação de leitores competentes; a consolidação de hábitos de

leitura. Fato que também pode ser justificado pela própria diminuição da carga

horária do ensino de Literatura no Ensino Médio pela última reforma, reduzindo

as chances de se fazer um trabalho de qualidade.

Embora o discurso didático e metodológico que envolva o ensino da

Literatura nas salas de aula seja de dialogicidade, o que se vê, são práticas

desconectadas do que se teoriza: o texto literário é pouco trabalhado; o aluno

não consegue fazer a conexão de fatos; não se faz uma abordagem

interdisciplinar do texto literário.

O ensino da literatura não pode ser limitado à apresentação

historiográfica da literatura. Esta é também uma possibilidade de abordagem

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da obra literária, mas não uma camisa de força que impeça a aproximação de

textos de autores de diferentes épocas com vistas à observação do tratamento

dado a certo tema, gênero, tradição, linguagem, etc. A historiografia literária

pode dar início a significativas mudanças no ensino, uma vez que se constitui

como uma ferramenta útil para a construção de uma visão diacrônica da

literatura.

Mas a transposição didática e os objetos de ensino geram impasses,

não apenas no ensino da literatura, mas no ensino em geral, pois:

a produção científica não pode ser transposta diretamente para a esfera escolar, pois a escola tem objetos e objetivos diferentes dos da ciência. Além disso, a escola secundária não é nem nunca foi espaço próprio e específico da produção científica. Os objetos de ensino nela produzidos são, antes de tudo, discursos científico- pedagógicos, diferentes das práticas científicas e dos discursos científicos propriamente ditos, produzidos em outra esfera social e com finalidade distinta. (CEREJA, 2005, p.139).

A compreensão do fenômeno literário como prática constitutiva da

realidade social, permitiu sinalizar problemas que estiveram à sombra de

práticas discursivas hierárquicas privilegiadas. As transformações na esfera

epistemológica, estética e política apontam a necessidade do estudo das

literaturas.

Fica evidente que não há possibilidade de moldar os estudos literários

atuais a partir de paradigmas precisos e lineares, rotulados pelo nome de

escolas. Os estudos literários extrapolam as necessidades puramente

curriculares, pois o conhecimento por eles desenvolvidos estão, ou deveriam

estar, articulados às vivências fora de sala de aula.

Neste sentido, a Literatura deve intervir na releitura e na reelaboração de

propostas curriculares que tenham como objetivo apenas a apresentação de

obras literárias sem que estas sejam discutidas como ponto de partida para a

formação de leitores competentes, e mesmo de novos escritores: os próprios

alunos.

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CAPÍTULO 3

O ENSINO DA LITERATURA EXEMPLIFICADO

ATRAVÉS DA OBRA MEMÓRIAS DE UM SARGENTO

DE MILÍCIAS DE MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA

Desde o início dos tempos o ensino da literatura esteve ligado à mera

reprodução dos clássicos literários a partir de uma visão reducionista que

impede a compreensão do todo da obra.

Através de estudos relativamente recentes apurou-se que, nas aulas de

literatura, o texto literário tinha importância pequena. Em vez de ele ser o

centro das interações em sala de aula, na verdade cumpria o papel de discurso

didático sobre a historiografia literária. Levando em conta que a maioria dos

currículos apresentava uma abordagem historiográfica da literatura,

pretendemos ressaltar a necessidade de mudança, conforme a visão de

Antônio Cândido e Mikhail Bakhtin sobre as relações entre texto e contexto; e

ainda de acordo com Bakhtin e Hans Robert Jauss sobre historiografia literária

– elas são as bases teóricas para a formulação de uma nova proposta de

ensino da literatura.

Essa proposta de perspectiva dialógica do texto literário visa à

aproximação da abordagem sincrônica e diacrônica da literatura, priorizando a

leitura do texto e do desenvolvimento de habilidades de leitura.

Assim, procura-se situar como eixo de atividades o diálogo entre textos

de diferentes épocas a fim de compreender as relações entre as culturas de

diferentes épocas da história. O mesmo pode ser feito entre textos de

diferentes autores, línguas e culturas para a compreender as relações entre a

cultura brasileira e a cultura de outros povos e nações.

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Tomando como referência a obra Memórias de um Sargento de Milícias,

de Manuel Antônio de Almeida observa-se a possibilidade de elaboração de

proposta de análise a partir de uma perspectiva dialética.

3.1 Ambiência Histórica

Visando concretizar a derrocada da Inglaterra, detentora da hegemonia

mundial, o imperador francês Napoleão Bonaparte decretou, em 1807, o

Bloqueio Continental, uma verdadeira guerra indireta para ter em mãos o total

controle da Europa. Dificultou-se com isso a situação política de Portugal, que

dependia economicamente da Inglaterra e viu-se, então, num verdadeiro

impasse: obedecer ou não ao Bloqueio.

Consta, a partir desse momento, a transferência da Corte portuguesa

para o Brasil e o início do próprio processo de emancipação política. A respeito

desse fato excepcional, Sílvio Romero aplicou a expressão “a inversão

brasileira”; e, caracterizando melhor o acontecido, Boris Fausto citou “a colônia

se vestiu de Metrópole”.

O perfil econômico da colônia não fora alterado, principalmente por não

haver uma unidade nacional; mas, algumas regiões gozavam de certa

supremacia que se dera em função da importância econômica a partir de um

modelo agro-exportador. A aristocracia rural escravocrata do centro-sul,

organizada no Partido Brasileiro projetava-se favorecida pela Abertura dos

Portos e pelo Tratado de Comércio.

O Rio de Janeiro tornava-se a sede do Império, o que desencadeou uma

revolução contraditoriamente silenciosa e visível, pois era preciso, em questão

de dias, estruturar uma cidade para defrontar-se com os aspectos

“cosmopolitas” que surgiam todos os dias. Toda essa mudança gerou uma vida

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cultural: acesso a livros e uma relativa circulação de idéias, além de dobrar o

número de habitantes.

3.2 O Cenário

O Cenário de Memórias de um Sargento de Milícias é uma cidade que,

invadida pela Corte Portuguesa acrescida de empregados, apaniguados,

agregados e outros, obrigou-se a um crescimento urbano para o qual não

estava preparada. Os logradouros públicos tornavam-se testemunhas dos mais

variados acontecimentos, trazendo em sua memória, até hoje, os muitos

aspectos da vida da comunidade carioca que se confunde, por hora, com a do

próprio país.

O espaço urbano de Memórias é onde hoje se encontra localizado o

“centro nervoso do Rio”. A Rua do Ouvidor, muito favorecida com a

promulgação da liberdade do comércio após a vinda da Corte, tornou-se, por

cerca de um século, uma rua elegante por excelência. Estabeleceram-se ali

muitos negociantes estrangeiros que introduziram artigos, modas e costumes

das grandes capitais européias. Era uma espécie de “clube ao ar livre” que

atraía os mais variados tipos da sociedade. Localizava-se em uma de suas

esquinas com a Rua da Quitanda – nome oriundo da “Quitanda dos mariscos”,

que funcionava na esquina da Rua da Alfândega – o “Canto do tabaqueiro”,

local de reunião dos meirinhos, ao qual se refere o autor no início da narrativa

de Memórias.

O campo dos ciganos fora brejo alagadiço, abandonado e desprezado

onde estes ergueram seus casebres; pois, por determinação das autoridades,

só poderiam residir em bairros longínquos. Situava-se no final da Rua do Piolho

(mais tarde Rua da Carioca) e veio a se chamar Rossio, atualmente Praça

Tiradentes.

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A região conhecida por Campo, aonde Dona Maria e o Compadre foram,

com seus respectivos protegidos Luisinha e Leonardo assistir os “fogos”

chamou-se Campo de Sant’ Ana por ter sido a igreja de Sant’ Ana. Nesse local

celebravam-se as festas de Sant’ Ana e do Espírito Santo com grande

imponência. Atualmente, nesse espaço, temos a Praça da República.

Havia dois Impérios, um no Largo da Lapa e outro no Campo de Sant’

Ana; este, mais famoso e conceituado era vizinho da Igreja de Sant’ Ana. O

Império era um pavilhão de pedra e cal com uma capelinha ao fundo; na frente

tinha uma plataforma ou terraço, onde ficava o Imperador do Divino, em seu

trono, por ocasião das festas do Divino Espírito Santo.

A rua da Vala, onde era a casa de Vidinha – segundo amor de Leonardo

(filho) – ganhou esse nome devido a um sangradouro que, depois de

canalizado, recebeu o nome de Vala. Este canal, que determinou o traçado da

atual Rua Uruguaiana que ia desaguar na Prainha – onde morava Maria

Regalada, amor de Vidigal – hoje Praça Mauá.

Não sendo necessários maiores prolongamentos a título de localização

no espaço urbano registrado nessa obra, acrescentaremos apenas a Rua dos

Ourives, atual Miguel Couto e o Oratório de Pedra, ponto de acontecimentos

pitorescos desse romance de costumes (encontros amorosos e raptos de

moças) que resistiu até o início deste século em sua localização, na Rua da

Alfândega.

3.3 O Cotidiano

O dia-a-dia era muito monótono nesse tempo; poucos eram os meios de

entretenimento pelos quais o povo podia aliviar-se do peso dos deveres e

obrigações rotineiros, isso para quem não levava uma vida de vadio, ofício

muito encontrado nessa época. Ocupavam-se então, nas horas ociosas, a

fazer mexericos da vida alheia.

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As festas religiosas e suas procissões destacavam-se entre as diversões

populares, que provocavam alvoroço entre a gente daquela época, conforme

nos fala Manuel Antônio de Almeida: “Todos procuravam participação

enfeitando janelas e portas, concorrendo para o brilhantismo das festas

religiosas”. Demasiada conceituação nos leva a crer que se devia em grande

parte, à autoridade e ao prestígio de que gozava a Igreja Católica nesses anos.

Ela influía não só na vida espiritual, como nos atos da vida civil, nos costumes

e na própria legislação. Seus fiéis faziam-se presentes com fervorosa devoção

a essas tradições d’além mar que aqui se enraizaram e tomaram um brilho todo

especial. Cercavam-se de aparatos e pompas os acontecimentos festivos os

quais eram numerosos no decorrer do ano, pois numerosas também eram as

datas marcantes a serem comemoradas no calendário eclesiástico.

A procissão da quaresma ou procissão das cinzas seguia com grande

imponência, trazendo andores luxuosíssimos e figurantes representando

“anjos”, “virgens”, “personagens bíblicos”, guardas militares.

A procissão do ourives, que desfilava por esses tempos na Rua do

Ourives (hoje chamada, numa parte, de Rodrigo Silva e, noutra, de Miguel

Loreto), trazia um grupo de baianas assim descrito em Memórias: “... era

formado esse rancho por um grande número de negras vestidas à moda da

província da Bahia”. Usavam elas no lugar do vestido uma saia e uma camisa

finíssima ornadas de renda, turbantes na cabeça, colares de ouro, de corais ou

de miçangas. Atraíam, talvez mais, os olhares dos circundantes que os

próprios andores e santos; contudo, não deixam de parecer que exibiam-se de

maneira um tanto exótica para uma festa religiosa.

Outra festividade preferida do gosto fluminense era a do Divino Espírito

Santo. Tinha uma freqüência muito grande não só de pessoas pertencentes às

classes menos abastadas, como também das camadas mais privilegiadas da

sociedade – foi este o esboço feito pelo autor de Memórias: “...saíam nas ruas

da cidade um rancho de meninos de nove a onze anos, caprichosamente

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vestidos à pastora (...) Caminhavam formando um quadrado, no meio do qual

ia o Imperador do Divino...”. As famílias seguiam para ver o Império na Lapa ou

no Campo, onde estendiam esteiras, ceavam, conversavam, tocavam violas,

cantavam modinhas e, como ponto culminante da festa, acontecia o festival

pirotécnico.

Entretanto, ao religioso seguia o profano e ocorria que algumas

manifestações tornavam-se verdadeiras arruaças temperadas por ritos

africanos, resíduos judaicos dos cristãos novos e a rusticidade dos costumes

portugueses. Eram momentos prazerosos para os capoeiras, mulatos, vadios,

valentões e ciganos que não perdiam a oportunidade de promover uma

desordem.

Quando não havia festa sacra e era noite de luar, eram comuns os

passeios noturnos ou reuniões às portas das casas: “Naquele tempo, uma noite

de lua era muito aproveitada...”. Os batizados também eram muito festejados e,

como de acordo com os costumes, sempre havia súcia, rolavam pela noite

desafios, fados, modinhas acompanhadas por rabecas, violas e machetes.

Normalmente as mulheres das camadas urbanas ocupavam seus dias

em assistir às missas, cuidar dos bilros e rendas, dos afazeres domésticos, dos

filhos e de orientar os trabalhos dos criados. Enquanto aos seus maridos

cabiam ocupações externas. Algumas mulheres passavam pelo suplício por

que passou nossa “heroína” Luisinha ao casar-se com José Manuel, ver-se

enclausurada em sua própria casa e contra sua própria vontade, sujeitas à

tirania de um marido-dragão, somente vendo o ar das ruas às furtadelas.

Assim vivia o povo fluminense, entregue a maledicência, às demandas e

querelas, espiando a vida alheia para cumprir o ócio daqueles dias.

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3.4 Os personagens

O fluxo narrativo de Memórias de um Sargento de Milícias traz à cena,

de uma forma dinâmica e bem humorada, uma variedade de tipos

característicos daquele momento de transição pelo qual passava o Rio de

Janeiro. Os meios urbanos esboçados na obra expõem a estrutura de uma

sociedade que, se não era mais puramente colonial, estava longe do quadro

industrial burguês; propícia, portanto, ao surgimento de tão variados

personagens.

Desfilavam assim compadres, comadres, barbeiros, beatas, vadios,

ciganos e valentões, avaliados por Manuel Antônio de forma equilibrada e

objetiva, mas sem profundas análises psicológicas.

Inseridos numa determinada categoria, são identificados pelo todo, sua

função ou ocupação social e não por partes, suas peculiaridades. Apenas

alguns têm seus nomes revelados e, à medida que vão, em sua forma de

convivência, fazendo parte da trama; sendo, pois, tipos puramente sociais,

simbolizam um modo de existir, em lugar de um modo de ser, sofrem a

descrição imparcial e essencial do contador da história.

Logo no segundo parágrafo da obra, assim escreve Manuel Antônio:

“...Aí era o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que

gozava então de não pequena consideração)”. Essa era a classe a que

pertencia um dos principais personagens da narrativa – Leonardo Pataca –

igualado em atitudes e características aos outros da mesma classe, a classe

dos meirinhos que, no tempo em que a demanda podia ser considerada

elemento de vida, demandavam estes com os desembargadores.

Abre-se, então, uma variedade de tipos, muitos um tanto bizarros. Um

caboclo velho que tinha por ofício dar fortuna, elemento de respeito naquela

sociedade supersticiosa; Vidigal, temido e respeitado, rei absoluto, que

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imperava quando a organização policial ainda não tinha sido de todo resolvida

na cidade; os granadeiros, soldados de Vidigal que portavam grossas chibatas,

a fim de aplicá-las, se necessário fosse, em prol da lei e da ordem; os ciganos,

incluídos entre os infames e excluídos da comunidade, foram assim descritos

pelo autor: “Gente ociosa e de poucos escrúpulos.”; a comadre, a mais

desabrida papa-missa que se vestia e comportava-se como a maioria das

mulheres, ocupava também o ofício de parteira, por ela muito bem exercido; o

compadre, aliado da comadre na proteção de Leonardo (filho), como barbeiro,

já tinha garantida a sua forma de subsistência; o Mestre de Cerimônias,

representante dos costumes do sacerdócio da época, em sua relação com a

cigana, simbolizou o comportamento de uma classe; o pedagogo e o mestre de

rezas (sempre um velho). cego), gente veneradíssima naqueles tempos – o

primeiro, como detentor e transmissor do saber intelectual; o segundo, do

saber sagrado, faziam uso de uma palmatória como recurso didático e, sobre

seus atos, ninguém ousava fazer qualquer reprimenda, tamanho era o prestígio

social de que usufruíam. Ao contrário, quanto mais rigor aplicassem ao

exercício de suas funções, melhor impressão causavam e, por conseguinte,

mais respeito.

Segue-se ainda Dona Maria, exemplo de uma demandista bem

sucedida. Luisinha, típica moça da sociedade fluminense, que seguia os

padrões de moralidade vigentes; José Manuel verborrágico oportunista, dono

de um farto repertório de mentiras; Chiquinha, que assumiu importante papel

na trajetória dos Leonardos.

Adornando e atuando a seu tempo e modo, houve ainda os “primos”, as

duas “velhas”, o toma-largura, a “vizinha”, as “beatas”, a Vidinha – segundo

amor de Leonardo e Chico-Juca, valentão que tinha como meio de vida

distribuir socos e pancadas.

Finalmente, Leonardo (filho): o anti-herói dessas histórias que foram

contadas em Memórias, não escapa também de ser catalogado numa espécie.

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De menino traquina e endiabrado, vadio e agregado, chegou ao posto de

sargento de milícias – força auxiliar não-remunerada que prestava basicamente

o serviço de apoio às tropas de primeira linha. Somente os militares dessa

tropa podiam se casar e, talvez contrariando a profecia de sua madrinha, os

acontecimentos favoreceram Leonardo: que veio ao final, unir-se a Luisinha.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade tem passado por inúmeras transformações, as quais tem

geraram novas demandas para o sistema educativo. Os modelos científicos de

formação acadêmica que se fundamentavam apenas na objetividade e que

sempre estiveram presentes no processo educativo, já não dão conta de

atender aos anseios sociais.

Sob a perspectiva de transformação, a escola enfrenta o desafio de

compreender os novos tempos para atender às solicitações do mundo pós-

moderno e a tarefa do professor como transmissor do conhecimento, altera-se

para mediador da aprendizagem.

Logo, procurou-se neste trabalho traçar o caminho trilhado pela

Literatura enquanto disciplina integrante do currículo escolar, que busca a

qualificação do ensino.

Em tempos passados, a historicidade assumia o principal papel quando

se tratava de passar o conhecimento. Hoje a Literatura é vista como uma

alavanca para a compreensão da realidade.

Tenta-se, agora, o estudo crítico dos textos literários ou textos que, de

forma abrangente estejam ligados a outras áreas do conhecimento. Não há

como estudar, entender Literatura sem que ela seja encarada como um acervo

em constante mutação e evolução à luz de várias vertentes do pensamento.

Fazer e entender Literatura são tarefas análogas ao ato de sentir em sua

total plenitude.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Manuel Antônio. Memórias de um Sargento de Milícias. São

Paulo: Ática, 2000.

ALVES, Rubem. Educação dos Sentidos e mais. Campinas: Versus, 2005.

CANEN, Ana. MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa (Org.). Ênfases e omissões

no currículo. Campinas: Papirus, 2001

CEREJA, William Roberto. Ensino de Literatura: uma proposta dialógica para

o trabalho com literatura. São Paulo: Atual, 2005.

LOBO, Luiza (Org.). Globalização e Literatura: discursos transculturais. Rio

de Janeiro: Relume Dumará, 1999.

MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor

universitário. São Paulo: Summus, 2003.

ROSAS, Paulo. Educação superior brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1992.

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós-Graduação “Lato Sensu”

Título: Novos Paradigmas para o Ensino da Literatura

Data da Entrega: _____________________________

Auto-Avaliação:

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Avaliado por: ________________________________ Grau ______________.

Rio de Janeiro, _____ de ______________ de 200___.