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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO: sua importância para a defesa dos direitos coletivos e a Lei nº 12.016/2009. Por: Maria Gorety Pereira Morgado Orientador Prof. José Roberto Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO: sua importância para a

defesa dos direitos coletivos e a Lei nº 12.016/2009.

Por: Maria Gorety Pereira Morgado

Orientador

Prof. José Roberto

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO: sua importância para a

defesa dos direitos coletivos e a Lei nº 12.016/2009.

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção do grau

de especialista em Direito Processual Civil

Por: Maria Gorety Pereira Morgado

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AGRADECIMENTOS

Aos Professores de Pós-Graduação do

Instituto a Vez do Mestre, em especial,

pelo auxílio na definição do tema do

presente trabalho, ao Professor Rogério

Rodrigues.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais – Augusto e Graciete – que

entenderam e souberam transmitir a todas

as filhas o valor do conhecimento,

importante chave para abrir portas e criar

oportunidades.

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RESUMO

O direito processual civil contemporâneo vem buscando sua efetividade,

precipuamente, através de dois princípios: o do acesso à Justiça e o da duração

razoável do processo. No que tange ao princípio do acesso à justiça, é inegável a

importância dos processos coletivos, apontados por MAURO CAPELETTI e

BRYAN GARTH como uma das ondas renovatórias do processo civil

contemporâneo para atingir seus objetivos. Esse princípio tem, ainda, relação

direta com o princípio da duração razoável do processo. À luz dessas premissas é

inconteste o prestígio do instituto do mandado de segurança, seja o individual ou

o coletivo, como instrumento hábil para se atingir a efetividade do direito

processual. Especificamente, quanto ao mandado de segurança coletivo a

relevância é resultante, na visão do Professor ALUISIO GONÇALVES DE

CASTRO MENDES, de três marcos processuais, quais sejam: o controle dos atos

do Poder Público pelo Judiciário, o mandado de segurança como procedimento

simples e célere e a evolução dos processos coletivos. Sob esse prisma, a

análise da Lei nº 12.016/2009, que regulamentou o mandado de segurança, teve

por escopo examinar se todas as questões pertinentes ao instituto coletivo relativo

ao mandado de segurança – cuja lacuna persistia desde a sua criação pela

Constituição de 1988, em razão da ausência de regra legal expressa sobre o seu

procedimento – foram suficientemente aclaradas pelo referido diploma legal. O

estudo, entretanto, concluiu que a Lei nº 12.016/2009, ao disciplinar de forma tão

restritiva o instituto do mandado de segurança coletivo, reservando-lhe apenas

dois artigos, ademais de desperdiçar a oportunidade de esclarecer e positivar

pontos sensíveis aos processos coletivos, destoou das conquistas que o direito

brasileiro tem galgado nas últimas décadas, tanto na perspectiva constitucional

quanto na processual, principalmente no que tange aos processos coletivos.

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METODOLOGIA

A questão central proposta no presente estudo foi definida durante uma

das aulas ministradas pelo Professor Rogério Rodrigues para a Turma K193, do

ano de 2010, referente ao módulo Ações Rescisórias e Medidas Constitucionais.

A partir desse momento, a metodologia empregada para a confecção da

monografia, basicamente, consistiu na pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e de

artigos publicados sobre os seguintes temas: processos coletivos, mandado de

segurança coletivo e a Lei nº 12.016/2009.

A seleção do material utilizado como referência e fundamento para o

trabalho, arrolado na bibliografia, é fruto da investigação, sobre os temas acima

mencionados, efetivada na biblioteca do Tribunal Regional Federal da 2ª Região,

nas livrarias jurídicas e nos sítios eletrônicos dos Tribunais Superiores e de

instituições jurídicas, bem como reflete a indicação bibliográfica recomendada

pelo corpo docente do Instituto a Vez do Mestre.

Por fim, cumpre registrar que os principais autores utilizados na realização

deste estudo foram FREDIE DIDIER JR, HERMES ZANETTI JR, PEDRO

LENZA, ADA PELLEGRINI GRINOVER, ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO

MENDES e LUIZ FUX.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

Dos Processos Coletivos 10

CAPÍTULO II

Do Mandado de Segurança 22

CAPÍTULO III

Do Mandado de Segurança Coletivo 32

CAPÍTULO IV 50

A Lei nº 12.016/2009

CONCLUSÃO 69

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71

ÍNDICE 73

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INTRODUÇÃO

O direito processual civil contemporâneo vem buscando sua efetividade,

precipuamente, através de dois princípios: o do acesso à Justiça e o da duração

razoável do processo.

O princípio do acesso à Justiça, nos ensinamentos da Professora ADA

PELLEGRINI GRINOVER, “não indica apenas o direito de acender aos tribunais,

mas também o de alcançar, por meio de um processo cercado das garantias do

devido processo legal, a tutela efetiva dos direitos violados ou ameaçados. Na

feliz expressão de Kazuo Watanabe, o acesso à justiça resulta no ‘acesso à

ordem jurídica justa’”.1

Ainda sobre esse princípio, merece destaque a obra de MAURO

CAPELLETI e BRYANT GARTH – Acesso à Justiça – onde os autores

discorreram sobre três pontos essenciais para se incrementar a busca da

proteção jurídica, denominados ondas renovatórias do direito processual, que

podem ser assim resumidos: (a) o relevante papel da assistência judiciária, com o

objetivo de possibilitar o acesso à justiça do hipossuficiente, (b) a importante

função dos processos coletivos para a solução de conflitos relacionados

aos interesses difusos da sociedade e de grupos, permitindo que os

grandes conflitos de massa sejam submetidos aos tribunais e (c) a utilização

de meios alternativos, isto é, mecanismos judiciais e extrajudiciais que possam,

com justiça, levar à pacificação e resolução dos conflitos surgidos no seio da

sociedade.2

1 GRINOVER, Ada Pellegrini: Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de

Processos Coletivos, org. Ada Pellegrini Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Kazuo Watanabe, 1ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, pág. 12.

2 Mauro Capelletti e Bryant Garth, apud GRINOVER, Ada Pellegrini; Op.cit., pág. 12. Mauro Capelletti e Bryant Garth, 1988, apud, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro, Teoria

Geral do Processo, 1ª ed, LumenJuris, Rio de Janeiro, 2009, pág. 57/58.

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Por outro lado, na lição de FREDIE DIDIER JR. e HERMES ZANETI JR., o

acesso à justiça tem relação direta com o princípio da duração razoável do

processo, posto que “a justiça só será efetiva se garantido o acesso à justiça em

tempo hábil para o seu devido aproveitamento”3. Essa é a razão pela qual o

princípio da duração razoável do processo ganhou no cenário jurídico nacional

status de direito fundamental através da EC nº 45/2004, que introduziu o inciso

LXXVIII, ao art. 5º da CF/88.

À luz dessas premissas é inegável a importância do instituto do mandado

de segurança, seja o individual ou o coletivo, como instrumento hábil para se

atingir a efetividade do direito processual. Especificamente, quanto ao mandado

de segurança coletivo a relevância é resultante, na visão do Professor ALUISIO

GONÇALVES DE CASTRO MENDES, de três marcos processuais, quais sejam:

o controle dos atos do Poder Público pelo Judiciário, o mandado de segurança

como procedimento desembaraçado, concentrado e documental e a evolução dos

processos coletivos.4

Sob esse prisma, o presente trabalho tem por escopo examinar se a Lei nº

12.016/2009, que regulamentou o mandado de segurança, foi suficiente para

aclarar todas as questões pertinentes ao instituto coletivo relativo ao mandado de

segurança, cuja lacuna persistia desde a sua criação pela Constituição de 1988,

em razão da ausência de regra legal expressa sobre o seu procedimento. Noutro

dizer: se a Lei nº 12.016/2009 trouxe avanços ou retrocessos no que tange ao

mandado de segurança coletivo.

Para a consecução deste objetivo, são desenvolvidos quatro capítulos.

3 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Curso de Direito Processual Civil; 3ª ed, JusPODIVM, Salvador, 2008, vol.04, pág.116.

4 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Mandado de Segurança Individual e Coletivo – A Lei nº 12.016/2009 Comentada, 1ª ed, Ímpetus, Niterói, 2010, pág. 123.

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O primeiro dedica-se aos processos coletivos, sua evolução e valor para o

direito processual, bem como as noções fundamentais sobre a matéria.

O segundo trata do instituto do mandado de segurança em sua

integralidade.

O terceiro aborda, especificamente, as peculiaridades sobre o tema

mandado de segurança coletivo.

Finalmente, o quarto capítulo examina e comenta a Lei nº 12.016/2009 no

que tange à regulamentação do mandado de segurança coletivo.

Feitas essas considerações, passa-se ao desenrolar do estudo.

CAPÍTULO I

DOS PROCESSOS COLETIVOS

1.1 Breve histórico das ações coletivas.

Nas lições de FREDIE DIDIER JR. e HERMES ZANETI JR., as ações

coletivas sempre foram constantes na história jurídica da humanidade, a despeito

de terem adquirido a configuração constitucional de direitos fundamentais

somente no século XX (v.g., art. 5º, incisos XXXV, LXX, LXXIII e art. 129, inciso

III, ambos da CF/88).

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Segundo esses autores, as ações coletivas remontam a duas fontes: (a) o

antecedente romano da ação popular e (b) as ações coletivas das “classes”,

existentes na prática judiciária do direito inglês há mais de oitocentos anos.5

Observaram, ainda, que o quadro histórico não se manteve linear, ressaltando

que:

“(...) muitas foram as oscilações políticas e filosóficas na história do processo civil. O direito ao processo como conhecemos hoje, foi fortemente influenciado pelo liberalismo e o iluminismo. A partir do século XVII, com a difusão do método cartesiano e da lógica ramista na Europa continental, foi cristalizada a idéia da propriedade individual, da autonomia da vontade e do direito de agir como atributos exclusivos do titular do direito privado, único soberano sobre o próprio destino do direito subjetivo individual (base de todo o sistema). Só ao titular do direito lesado cabia decidir se propunha ou não a demanda. Era o início dos Estados-Nação, da vinculação da jurisdição à soberania estatal e da futura ‘Era dos Códigos’. Neste projeto jurídico não havia mais espaço para o direito da coletividade no sistema, as preocupações sistemáticas voltavam-se apenas para o indivíduo, a formação da sua personalidade jurídica, seus bens, suas relações familiares e a sucessão patrimonial”. 6

No que tange à trajetória brasileira sobre a evolução das ações coletivas, o

Professor ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES, de forma muito

apropriada, resumiu o tema da seguinte forma:

“No Brasil, a história das ações coletivas passa, em um primeiro momento, pela elaboração de esporádicos estatutos legais prevendo a legitimação de associações e de instituições para a defesa em juízo dos associados ou interesses gerais da profissão, bem como da previsão da ação popular, inicialmente na Constituição de 1934 e depois ampliada e regulamentada pela Lei 4.717, de 1965.

O desabrochar legislativo ocorre em 1985, com a aprovação da Lei da Ação Civil Pública, refletindo a participação e as mudanças renovadoras ocorridas no seio da sociedade. A consagração da incorporação das ações coletivas ao

5 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág. 25/26. 6 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág. 26/27.

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ordenamento nacional foi marcada pelas duas inovações que se seguiram: a Constituição de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor, que se fizeram rodear de vários institutos específicos, protegendo, entre outros, as pessoas portadoras de deficiência, os investidores, a criança e o adolescente e a ordem econômica e a economia popular. A presença e a importância da doutrina e das leis brasileiras passam a ocupar lugar destacado no contexto mundial da tutela coletiva.

Sob o ponto de vista formal, é de notar que, com exceção da previsão genérica da possibilidade de uma legitimação extraordinária decorrente de lei expressa, art. 6º, o Código de Processo Civil não contém absolutamente nada em termos de normas voltadas para a tutela coletiva. Em termos legislativos, a construção de um arcabouço para os processos coletivos foi modelada pelo Código de Defesa do Consumidor, que passou a ter aplicabilidade, em conjunto com a Lei da Ação Civil Pública, não apenas para os processos relacionados com a proteção do consumidor em juízo, mas também, em geral, para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, por determinação expressa do art. 21 da Lei 7.347/85, acrescentado em razão do art. 117 da Lei 8.078/90.”7

Cumpre destacar, ainda, o mérito dos doutrinadores brasileiros, dentre eles

BARBOSA MOREIRA, KAZUO WATANABE, ADA PELLEGRINI GRINOVER e

WALDEMAR MARIS OLIVEIRA JUNIOR (influenciados diretamente pelos estudos

dos processualistas italianos na década de setenta, e em virtude do quadro

político e social da década de oitenta – redemocratização e valorização da

atividade do Ministério Público nas ações cíveis), no desenvolvimento pioneiro no

país da tutela jurisdicional coletiva.8

7 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código

Brasileiro de Processos Coletivos, org. Ada Pellegrini Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Kazuo Watanabe, 1ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, pág. 16/17

8 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág. 31.

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1.2 A ESTRUTURA MOLECULAR DO LITÍGIO COLETIVO.

O sistema do processo civil brasileiro tem como base a ação individual, isto

é, somente ao titular do direito é permitido reclamar o seu cumprimento por meio

da ação (art. 6º do CPC).9

Todavia, ressaltam os estudiosos do processo coletivo, dentre eles os já

citados FREDIE DIDIER JR. e HERMES ZANETI JR., que o direito tende à

publicização em virtude de uma crescente preocupação com o desenvolvimento

da pessoa humana, da cidadania e dos direitos sociais e coletivos, havendo

necessidade de se transmutar a postura individualista, assente no Código de

Processo Civil, para uma postura mais aberta na percepção, no tratamento e na

solução dos conflitos decorrentes de situações de direito que envolvem cada vez

mais a sociedade de massa, situações essas geradoras de demandas de massa.

Na convicção dos autores acima mencionados:

“Essa mudança de visão fez com que fossem percebidos os defeitos ou dificuldades; melhor dizendo, os limites de aplicação de determinados dogmas processuais às situações de direito com titulares indeterminados e de ‘litigiosidade de massa’, principalmente àquelas em que apenas um legitimado move ação em benefício de um todo coletivo, determinado ou não (ações coletivas).

O problema em relação aos direitos coletivos se coloca no confronto entre a posição de ‘tratamento atomizado’ (tratar do conflito como se fosse um átomo), disposta no art. 6º do CPC como ‘técnica de fragmentação dos conflitos’ e os textos integrados do CDC e da LACP que impõem um tratamento ‘molecular’ aos conflitos coletivos ‘lato sensu’.”10 (grifos apostos)

9 Art. 6º Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado

por lei. 10 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág. 35.

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1.3 DIFERENÇA ENTRE O LITISCONSÓRCIO PREVISTO NO

CPC E A AÇÃO COLETIVA.

Considerando a previsão contida na lei processual civil, que possibilita a

formação de litisconsórcio, necessário se faz diferenciar este instituto da ação

coletiva.

O litisconsórcio, que tem por escopo possibilitar o exercício conjunto da

ação por pessoas distintas, nos moldes previstos nos arts. 46 a 49 do CPC, não

configura ação coletiva. Noutro dizer, o litisconsórcio apenas proporciona a união

de litigantes em uma mesma ação, seja no polo ativo ou passivo, para a defesa

dos direitos subjetivos individuais, refere-se, portanto, a estrutura subjetiva do

processo.

A ação coletiva, por sua vez, surge em consequência de uma peculiar

relação entre a matéria litigiosa, que não se confunde com a estrutura subjetiva

do processo (litisconsórcio), e a coletividade que busca a tutela jurisdicional para

a solução do conflito.

A matéria litigiosa nas ações coletivas envolve, geralmente, “novos direitos

e novas formas de lesão que tem uma natureza comum ou nascem de situações

arquetípicas”, fato que leva a transferência de uma estrutura atômica para uma

estrutura molecular.11

1.4 O MICROSSISTEMA PROCESSUAL COLETIVO

A doutrina aponta a existência de um microssistema processual para a

tutela coletiva. Nas lições de RODRIGO MAZZEI, citado por FREDIE DIDIER JR.

e HERMES ZANETI JR.:

11 Kazuo Watanabe, apud, DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 36.

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“Com a certeza da importância dos ‘microssistemas’ para o direito privado, tema que desperta o interesse de grandes juristas a respeito, papel de destaque há de ser dado também no ‘direito processual civil’ quanto à possibilidade da formação de ‘sistema especial’ concernente à tutela coletiva. Aferindo-se pois a existência do ‘microssistema coletivo’, que cuidará, com regras e princípios próprios, processualmente da tutela de massa à margem do Código de Processo Civil, pelo caráter individual deste...”12

No sistema processual civil brasileiro, até o momento, é o Código de

Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/90) – que representa o elemento

harmonizador do microssistema da tutela coletiva. Ao estabelecer e esclarecer,

pela primeira vez na legislação nacional, o conceito de direitos difusos, direitos

coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, ademais de alterar e ampliar a

tutela da Lei da Ação Civil Pública (LACP), o CDC introduziu significativas

alterações processuais, que passou a ter aplicabilidade não só para os processos

relacionados à proteção do direito do consumidor como também, em geral, para a

defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos,

acabando por criar um microssistema processual para as ações coletivas.

Contudo, o CDC não é capaz de solucionar todas as controvérsias relativas

ao processo coletivo, motivo pelo qual é forte o entendimento doutrinário da

premente necessidade de ser elaborado um Código Brasileiro de Processo

Coletivo – CBPC. A propósito, importante frisar a existência de um projeto de lei

em trâmite no Congresso Nacional – PL nº 5.139/2009 – que pretende

estabelecer as normas pertinentes à ação civil pública e às demais ações

coletivas.13

A jurisprudência também reconhece a existência de um microssistema dos

processos coletivos. Nesse sentido, confira-se o seguinte acórdão do eg. STJ:

12 DIDIER, Fredie e JUNIOR, Hermes Zaneti: Op. Cit., pág 48. 13 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Op. Cit.,pág. 125.

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“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MICROSSISTEMA DE TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS (EM SENTIDO LATO). ILEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DOS ARTS. 9º DA LEI N. 4.717/65 e 5º, § 3º, DA LEI N. 7.347/85. POSSIBILIDADE. ABERTURA PARA INGRESSO DE OUTRO LEGITIMADOS PARA OCUPAR O PÓLO ATIVO DA DEMANDA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MEDIDA DE ULTIMA RATIO. OBSERVAÇÃO COMPULSÓRIA DAS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA ABSOLUTA. 1. Trata-se, na origem, de ação civil pública ajuizada pelo Conselho Regional de Medicina da Seccional do Rio Grade do Sul (CREMERS) contra o Estado do Rio Grande do Sul para discutir o direito de pacientes que escolherem pelo atendimento do SUS à opção de pagamento da chamada "diferença de classe" e à abstenção da exigência prévia de que passem por triagem em posto de saúde a fim de que seja, portanto, viabilizado o atendimento pelo médico escolhido pelos próprios pacientes. 2. (...) 3. (...) 4. O motivo de rever o entendimento sufragado pela sentença reside unicamente no fato de que, por se tratar de demanda que envolve direitos coletivos em sentido lato, há atração do microssistema específico, formado basicamente - mas não exclusivamente – pelas Leis n. 4.717/65 (LAP), 7.347/85 (LACP) e 8.038/90 (CDC). (...) 15. Recurso especial não provido.” (STJ – Resp 1177453/RJ – 2ª Turma – Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES – publicado in DJ-e de 30.09.2010)

1.5 DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU E SUAS ESPÉCIES.

Os direitos coletivos lato sensu são os direitos coletivos entendidos como

gênero, dos quais são espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto

sensu e os direitos individuais homogêneos.

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1.5.1 DIREITOS DIFUSOS

Os direitos difusos são definidos no inciso I, do parágrafo único, do art. 81,

do CDC. Nos ensinamentos de FREDIE DIDIER JR. e HERMES ZANETI JR.:

“(...) reputam-se direitos difusos (art. 81, par.ún.,I, CDC) aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a uma coletividade), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individualização) ligadas por circunstâncias de fato, não existindo um vínculo comum de natureza jurídica, ‘v.g’, a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através da imprensa falada, escrita ou televisionada, a afetar número incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma relação jurídica base, a proteção ao meio ambiente e a preservação da moralidade administrativa.”14

1.5.2 DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU.

Previstos no CDC, no inciso II, do parágrafo único, do art. 81 foram

classificados como direitos transindividuais (idêntico significado acima descrito),

de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas

(inicialmente indeterminadas, mas determináveis enquanto grupo, categoria ou

classe) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base.

Exemplo: advogados inscritos na OAB (classe de pessoas), assinantes de uma

linha de celular de determinada operadora (grupo de pessoas). Importante

destacar, ainda, que a relação base deve ser anterior à lesão.

A diferença crucial entre os direitos difusos e os direitos coletivos stricto

sensu encontra-se, portanto, na “determinabilidade e a decorrente coesão como

grupo, categoria ou classe anterior à lesão”.15

14 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 76. 15 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 77.

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1.5.3 DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

O inciso III, do parágrafo único, do art. 81, do CDC define o conceito de

direitos individuais homogêneos como “aqueles decorrentes de origem comum, ou

seja, os direitos nascidos em consequência da própria lesão ou ameaça de lesão,

em que a relação jurídica entre as partes é ‘post factum’ (fato lesivo)”.16 Exemplo:

vítimas de um acidente aéreo, aquisição por diversos consumidores de um

produto nocivo à saúde.

Nessa espécie de direito coletivo, impende destacar que a possibilidade de

poder identificar individualmente os lesados não afasta a pertinência da ação

coletiva, permanecendo “o traço distintivo: tratamento molecular nas ações

coletivas, em relação à fragmentação da tutela (tratamento atomizado)”.17

Relevante, ainda, a observação didática de FREDIE DIDER JR. e

HERMES ZANETI JR. sobre essa espécie de direito coletivo. Confira-se:

“(...) os direitos individuais homogêneos podem ser objeto de um processo individual instaurado pelas vítimas em consórcio por afinidade (art. 46, IV, CPC). Podem, ainda, ser objeto de ações individuais propostas pelas vítimas isoladamente; essas ações que se multiplicarão, poderão dar ensejo à situação prevista no art. 285-A, CPC, que permite o julgamento liminar de improcedência, quando o magistrado deparar-se com ‘causa repetitiva’, semelhante a uma sobre a qual já se pronunciou pela improcedência. Essas ‘causas repetitivas’ são exatamente as causas individuais propostas por vítimas isoladas ou em litisconsórcio, que se acumulam no Judiciário. São exemplos as causas previdenciárias (reajustes de benefícios previdenciários), tributárias (não pagamento de determinado tributo), consumeristas (não aplicação de determinada cláusula abusiva de um contrato-tipo) etc. Tudo isso reforça a importância da ação coletiva sobre direitos individuais homogêneos: evita a proliferação de causas ‘atomizadas’,

16 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 78. 17 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 78/79.

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‘molecuralizando’ a solução do conflito e impedindo a prolação de decisões divergentes”18

1.6 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO COLETIVO

Ademais de um interesse público primário (isto é, de um interesse que se

refere ao resguardo da harmonia e à realização dos objetivos constitucionais da

sociedade e da comunidade), os principais elementos que caracterizam um

processo coletivo são: a legitimidade para agir, a afirmação de um direito coletivo

lato sensu e a extensão subjetiva da coisa julgada.

Dos três elementos apontados, dois são tidos pela Professora ADA

PELLEGRINI GRINOVER como “grandes pontos sensíveis” do processo coletivo.

São eles: a legitimidade para agir e a extensão subjetiva da coisa julgada.19

No que tange à legitimidade, o sistema rígido da legitimação no processo

individual não tem espaço quando se trata de processo coletivo, “que passa a

adotar uma legitimação autônoma e concorrente aberta, múltipla, composta.”20

Nas lições de FREDIE DIDIER JR e HERMES ZANETI JR verifica-se que

são três as técnicas que foram adotadas no Brasil para definir os legitimados

ativos21. Confira-se:

1. Legitimação do particular (qualquer cidadão, por exemplo, na ação

popular – Lei nº 4.717/65);

18 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 81. 19 ADA PELLEGRINI GRINOVER, 2000, apud LENZA, Pedro: Teoria Geral da Ação Pública, 3ª ed,

Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, pág. 209/210. 20 GRINOVER, Ada Pellegrini: Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro

de Processos Coletivos, org. Ada Pellegrini Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Kazuo Watanabe, 1ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, pág. 14.

21 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 217.

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2. Legitimação de pessoa jurídica de direito privado (sindicatos,

associações e partidos políticos);

3. Legitimação dos órgãos do Poder Público (Ministério Público na

ação civil pública – Lei nº 7.347/85)

Quanto à legitimação passiva na ação coletiva, cumpre frisar que há

intensa polêmica a respeito desse tema. Parte da doutrina entende que os direitos

e interesses coletivos só poderiam vir afirmados no polo ativo da demanda

judicial, em virtude do disposto no art. 82 do CDC, que apenas autoriza a

legitimação ativa dos entes ali arrolados.

Contudo, há quem admita a ação coletiva no Brasil. Dentre esses

doutrinadores destacam-se ADA PELLEGRINI GRINOVER, PEDRO LENZA e

ANTÔNIO GIDI.22

Sobre o instituto da coisa julgada, restrita às partes no processo individual,

e um dos pontos sensíveis no processo coletivo, extraem-se as observações

contidas nos estudos de PEDRO LENZA. Confira-se como alguns aspectos do

tema é por ele abordado:

“Quando a ação objetivar a proteção de interesses difusos (art. 81, parágrafo único, I, do CDC), como regra geral, a imutabilidade do comando da sentença produzirá efeitos ‘erga omnes’, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova (art. 103, I, do CDC).

Tratando-se de ação coletiva para a proteção de interesses coletivos (art. 81, parágrafo único, II), a coisa julgada será ‘ultra partes’, restrita ao grupo, categoria ou classe de pessoas, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de prova, nos mesmos termos da hipótese

22 DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 220/221.

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anterior (art. 103, II, do CDC), podendo ser reproposta a ação por qualquer dos legitimados.

(...)

Por outro lado, sendo a ação julgada procedente, a autoridade da coisa julgada, observadas as peculiaridades do art. 104 do CDC, (...), a todos atingirá, beneficiando, em maior ou menor intensidade; ou seja, de modo amplo (‘erga omnes’), quando se estiver diante de bens e interesses difusos, ou de maneira restrita ao grupo, categoria ou classe (‘ultra partes’), quando o objeto material for a proteção de interesses coletivos.

(...) o art. 103, III, do CDC estabelece que nas ações coletivas para a proteção de ‘interesses transindividuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III, do CDC), a autoridade da coisa julgada se formará ‘erga omnes’, em caso de ‘procedência’ do pedido e para ‘beneficiar’ as vítimas e seus sucessores.

Na medida em que o escopo da ação coletiva em sede de ‘interesses individuais homogêneos é defender, de modo molecular, os próprios interesses individuais decorrentes de origem comum, desde que preenchidos os requisitos específicos da ‘prevalência’ das questões de direito e de fato comuns sobre as questões de direito e de fato individuais e da ‘superioridade’ da tutela coletiva sobre a individual, em termos de Justiça e eficácia da sentença, importante incentivar-se a ‘participação’ do indivíduo no processo coletivo”.23

1.7 CONCLUSÃO

As temáticas abordadas neste capítulo nem de longe encerram todas as

questões atinentes ao processo coletivo. Porém, tem como objetivo destacar que

as profundas transformações estruturais da sociedade contemporânea, cada vez

mais globalizada e de massa, causam grandes impactos na ciência jurídica.

Essa metamorfose exerce influência clara na forma mais ampla do direito e

dá azo a “novos direitos e novas formas de lesão que tem uma natureza comum

23 LENZA, Pedro: Teoria Geral da Ação Civil Pública, 3ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo,

2008, pág. 227/233.

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ou nascem de situações arquetípicas”24. Em consequência, o direito busca

acompanhar e jurisdicionalizar essas mudanças.25

Sob esse prisma, é inegável a importância dos processos coletivos,

apontados por MAURO CAPELETTI e BRYAN GARTH como uma das ondas

renovatórias do processo civil contemporâneo na busca da sua efetividade,

principalmente, conforme ressaltado na introdução do presente estudo, através de

dois princípios: o do acesso à justiça e o da duração razoável do processo.

Por outro lado, o tema processo coletivo é tão caro aos olhos dos

processualistas contemporâneos que cumpre destacar a afirmação da Professora

ADA PELLEGRINI GRINOVER “de que nasceu um novo ramo da ciência

processual, autônomo na medida em que observa seus próprios princípios e

institutos fundamentais, distintos dos princípios e institutos do direito processual

individual”.26

CAPÍTULO II

DO MANDADO DE SEGURANÇA

O Mandado de Segurança foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro

pela Constituição de 1934. Suprimido da Constituição de 1937, ressurgiu na

Constituição de 1946, seguida pela carta autoritária de 1967. A partir da

Constituição de 1988, ora em vigor, foi ampliado e passou a assumir duas feições:

a individual e a coletiva, esta última objeto de reflexão do presente trabalho.

24 Kazuo Watanabe, apud, DIDIER JR, Fredie e ZANETI JR, Hermes: Op. Cit., pág 36. 25 LENZA, Pedro: Op. Cit, pág. 30. 26 GRINOVER, Ada Pellegrini: Op. Cit., pág. 11.

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Antes, porém, de se adentrar nas peculiaridades do mandado de

segurança coletivo, importante se faz compreender o instituto como um todo,

abrangendo os dois gêneros – individual e coletivo.

A aplicação do Mandado de Segurança é delineada pelo art. 5º, no inciso

LXIX, da Constituição Federal/88, do seguinte teor:

“LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas data’, quando o irresponsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

Feitas essas considerações, passa-se a destacar alguns pontos sobre o

Mandado de Segurança.

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O Professor BERNARDO GONÇALVES FERNANDES define Mandado de

Segurança como:

“(...) uma ação constitucional de natureza civil e procedimento especial, que visa proteger direito líquido e certo lesionado ou ameaçado de lesão, não amparado por ‘habeas corpus’ ou por ‘habeas data’, em virtude de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas.”27

Sob esse enfoque, na visão de MAURO LUÍS ROCHA LOPES, o Mandado

de Segurança, por força constitucional, se apresenta como uma das garantias

fundamentais do cidadão atinentes ao Estado Democrático de Direito e constitui

27 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Remédios Constitucionais na Doutrina e na

Jurisprudência do STF e STJ, 2ª ed, JusPODIVM, Salvador, 2010, pág.11.

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uma “(...) verdadeira cláusula constitucional pétrea ou imodificável, do que resulta

que emenda tendente a aboli-lo sequer poderá ser deliberada (CF, art. 60, §4º,

inciso IV)”.28

2.2 REQUISITOS

A doutrina aponta quatro requisitos identificadores do Mandado de

Segurança, que podem ser assim resumidos:

1º - Ato comissivo ou omissivo de autoridade praticado pelo Poder Público

ou por particular decorrente de delegação do Poder Público - deve-se entender

por autoridade pública “todo o agente público que detém o poder de decisão e é

titular de uma esfera de competência. Nesse sentido são autoridades públicas os

representantes da administração pública direta (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios) e os agentes da administração indireta (autarquias e fundações).” 29

O conceito de autoridade pública, para fins de mandado de segurança,

alcança também “os agentes que desempenham atividades em nome de pessoas

jurídicas de direito privado cujo capital social seja majoritariamente titularizado

pelo Poder Público”30, isto é, os agentes vinculados às sociedades de economia

mista e às empresas públicas quando praticarem atos regidos pelo direito público.

A Lei nº 12.016/2009, que regulamenta o Mandado de Segurança, em seu

§ 1º, do art. 1º, equiparou às autoridades “os representantes ou órgãos de

partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os

dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições

28 LOPES, Mauro Luís Rocha: Mandado de Segurança Individual e Coletivo – A Lei nº

12.016/2009 Comentada, org. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, 1ª ed, Ímpetus, Niterói, 2010, pág. 2. 29 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 13. 30 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 13.

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do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.”. Frise-se

que é condição sine qua non a necessidade de o particular atuar por delegação

do poder público, isto é, de que o ato seja realizado no exercício da função

pública delegada.

A ressalva ao dispositivo acima referido é feita no § 2º, do art. 1º, da Lei

12.016/2009, ao estabelecer que ato de gestão comercial praticado por

administradores de empresas públicas, sociedades de economia mista e

concessionárias de serviços públicos, não será objeto de mandado de segurança.

2º Ilegalidade ou abuso de poder – é necessário que o ato seja eivado de

ilegalidade (violação de alguma norma) ou de abuso de poder (uma arbitrariedade

ou exigência que vai além dos parâmetros e limites permitidos por lei).

3º Lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo – o mandado de

segurança poderá ser repressivo (para cessar uma lesão) ou preventivo,

(para evitar a lesão a direito líquido e certo). Nesse último caso, é

necessário que a lesão seja iminente e concreta.

4º Caráter subsidiário – o ato de ilegalidade ou abuso de poder que

lesiona não pode ser amparado por habeas corpus ou habeas data.

2.3 DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

Direito líquido e certo, na lição de ALEXANDRE DE MORAES, “é o que

resulta de fato certo, é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por

documentação inequívoca”.31 Cumpre salientar que o direito já existe, isto é, deve

31 MORAES, Alexandre de: Direito Consttucional, 15ª ed, Atlas, São Paulo, 2004, pág.167.

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estar previsto normativamente. O que deve se provado, de plano, é a situação

fática (inequívoca) que está ocorrendo e que inviabiliza o direito.32

Assim sendo, não há dilação probatória em Mandado de Segurança, ante a

necessidade da prova pré-constituída na inicial.

A propósito, confira-se o acórdão relativo ao julgamento do REsp

1172088/SP, de relatoria do Ministro CASTRO MEIRA, publicado no DJ-e de

21.10.2010:

“PROCESSUAL CIVIL. REVALORIZAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS. POSSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. (...) 2. 3. O mandado de segurança é ação de rito especial em que se exige do impetrante a comprovação de plano do direito líquido e certo violado, não sendo admitida dilação probatória. 4. Ao entender que caberia ao ente público comprovar a legalidade da multa aplicada, o Tribunal a quo contrariou o princípio da presunção de legitimidade do ato administrativo, além da sistemática probatória da ação mandamental, que exige a comprovação do direito vindicado por meio de prova pré-constituída. 5. Recurso especial provido.”

Essa regra, todavia, comporta exceção quando “o documento necessário à

prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público ou em poder

de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro”33. Nessa

hipótese, prevista no § 1º, do art. 6º, da Lei nº 12.016/2009, o juiz poderá

determinar a apresentação do documento em cartório no prazo de dez dias. Essa

ordem deve ser cumprida pelo destinatário “sob pena de incidir nas sanções do

32 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 18. 33 § 1º, do art. 6º, da Lei nº 12.016/2009

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art. 26 da Lei, inclusive penal e administrativa, sem prejuízo de o magistrado

deferir a busca e apreensão da documentação exigida e aplicar a punição do

parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, por força do inciso V do

aludido artigo.”34

Ademais, outro ponto lembrado pela doutrina e jurisprudência, é o de que o

juiz não pode deixar de conhecer o mandamus , ou denegá-lo, sob o argumento

de complexidade da causa. A questão encontra-se inclusive sumulada pelo STF,

através do verbete 625 do seguinte teor: “Controvérsia sobre matéria de direito

não impede concessão de mandado de segurança”.

2.4 CABIMENTO

Em princípio, cabe Mandado de Segurança quando preenchidos os seus

requisitos. Todavia, seja por previsão legal ou construção jurisprudencial, existem

hipóteses em que o mandamus não pode ser manejado.

Em resumo, não cabe mandado de segurança contra35:

1. Ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo,

independentemente de caução (inciso I, do art. 5º, da Lei nº

12.016/2009);

2. Decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo (inciso II,

do art. 5º, da Lei nº 12.016/2010);

3. Decisão judicial transitada em julgado (inciso III, do art. 5º, da Lei nº

12.016/2009);

4. Lei em tese (Súmula 266/STF);

34 NEIVA, José Antônio Lisboa: Mandado de Segurança Individual e Coletivo – A Lei nº

12.016/2009 Comentada, org Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, 1ª ed, Ímpetus, Niterói, 2010, pág. 2. 35 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 20/28.

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5. Matéria interna corporis das Casas Legislativas (posicionamento

majoritário no STF), com a observação de que não são interna corporis

os atos que digam respeito ao processo legislativo previstos em normas

constitucionais.36

Além disso, o Mandado de Segurança, ex vi das Súmulas 101 e 269, do

STF, respectivamente, não substitui a ação popular e não pode ser substitutivo de

ação de cobrança.

2.5 LEGITIMIDADE

O legitimado ativo para a impetração do mandado de segurança é o titular

do direito líquido e certo alegado como violado. A Lei nº 12.016/2009, ao permitir

em seu art. 1º que pessoas físicas e jurídicas impetrem mandado de segurança

deve ser interpretada de modo a açambarcar nesse permissivo as universalidades

reconhecidas por lei, tais como massa falida e espólio. Nada impede, também,

que pessoa jurídica de direito público ou mesmo órgãos públicos sem

personalidade jurídica (exemplos: Chefia dos Executivos, Chefia do Tribunal de

Contas e Mesa do Senado) sejam sujeitos ativos na relação processual do

mandado de segurança.37

Não se pode deixar de mencionar que também o Ministério Público, no

exercício de suas atribuições constitucionais (art. 129, da CF), tem legitimidade

para impetrar mandado de segurança contra ato abusivo do Poder Público

(Exemplos: no processo penal ou nas hipóteses de lesão a direito do menor (art.

210, I, do ECA)).

36 LOPES, Mauro Luís Rocha: Op. Cit., pág. 12. 37 LOPES, Mauro Luís Rocha: Op. Cit., pág. 14 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 28.

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A legitimidade passiva no mandado de segurança recai sobre a autoridade

coatora, ou seja, aquela que pratica o ato impugnado pela via do mandamus.

Dos ensinamentos do Professor BERNARDO GONÇALVES FERNANDES,

extrai-se a informação de que parte da doutrina e diversos julgados dos Tribunais

Superiores tem entendido que a pessoa jurídica na qual está inserida a autoridade

coatora também é legitimada para integrar o polo passivo no mandado de

segurança, pelos seguintes motivos: 1) é a pessoa jurídica que suporta o ônus da

decisão, 2) também é a pessoa jurídica que recorre na hipótese de decisão

desfavorável e 3) o inciso II, do art. 7º, da Lei nº 12.016/2009, positiva a

participação da pessoa jurídica à qual está vinculada a autoridade impetrada.38

A propósito, pode-se citar o seguinte julgado:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRARIEDADE AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. SENTENÇA CONCESSIVA. INTIMAÇÃO REALIZADA À AUTORIDADE COATORA. IRREGULARIDADE. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. 1. (...) 2. No que se refere à legitimidade para recorrer de julgado proferido nos autos de mandado de segurança, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que tem legitimidade recursal a pessoa jurídica que suportará o ônus da decisão concessiva da segurança, e não a autoridade impetrada. 3. No mandado de segurança a intimação dos atos processuais deve ser endereçada à pessoa jurídica de direito público a quem está vinculada a autoridade coatora. Precedentes. 4. Recurso especial provido.” (STJ – 6ª Turma – Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA CASTRO – publicado in DJ-e de 11.10.2010)

38 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 29/30.

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2.6 PRAZO PARA IMPETRAÇÃO

Na forma prevista pelo art. 23, da Lei nº 12.016/2009, o prazo para

impetração do mandado de segurança é de cento e vinte dias, a contar da data

em que o interessado teve conhecimento oficial do ato da autoridade coatora a

ser impugnado. Esse prazo é decadencial e, portanto, não se interrompe e nem

se suspende.

Sobre o tema, cabem as seguintes observações39:

1) A interposição de recurso administrativo com efeito suspensivo, faz com

que o prazo de 120 dias seja obstaculizado de se iniciar. Somente após

a ciência da decisão do recurso administrativo é que se iniciará esse

prazo;

2) A impetração de mandado de segurança, no prazo previsto em lei, em

juízo incompetente, e sendo o mandamus posteriormente enviado ao

juízo competente, não gera a caducidade da medida, conforme

posicionamento jurisprudencial do STF;

3) Quando o mandado de segurança é impetrado em face de ato omissivo

da autoridade coatora podem ocorrer duas hipóteses: a) se a

administração não está sujeita a prazo para a prática do ato, não haverá

que se falar em prazo decadencial enquanto perdurar a omissão e b) se

a administração está sujeita a prazo para a prática de determinado ato,

somente findo esse sem a sua realização é que o prazo de 120 dias

começa a fluir;

4) No caso de mandado de segurança preventivo, enquanto perdurar a

ameaça, não há que se falar em prazo decadencial de 120 dias.

39 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 55/58.

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2.7 PROCEDIMENTO

No mandado de segurança o procedimento é especial, de rito sumaríssimo,

uma vez que não cabe dilação probatória.

Em linhas gerais, o procedimento se desenvolve da seguinte forma:

1) O legitimado ativo impetra mandado de segurança perante o órgão do

Poder Judiciário competente para apreciar a questão. A petição inicial

ademais de preencher os requisitos exigidos pela legislação processual,

deverá indicar a autoridade coatora, bem como a pessoa jurídica que

esta integra, e será apresentada em duas vias. A Lei nº 12.016/2009,

através do art. 4º, prevê a possibilidade de, em casos de urgência, ser o

mandamus impetrado por telegrama, radiograma, fax ou outro meio

eletrônico de autenticidade comprovada. Nessa hipótese, o original da

petição deverá ser apresentado nos cinco dias úteis seguintes à

impetração.

2) O magistrado, ao examinar a inicial, poderá: a) indeferir, de plano, do

mandado de segurança, b) determinar a emenda da inicial ou c)

havendo o pedido, apreciar a liminar, deferindo-a ou indeferindo-a. Na

hipótese de deferimento, é facultado ao juiz exigir do impetrante caução

fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à

pessoa jurídica.

3) Além disso, a autoridade coatora é notificada para prestar as

informações no prazo de dez dias e o órgão de representação da

pessoa jurídica interessada é cientificado da impetração.

4) Em seguida, é ouvido o Ministério Público que opinará como custos

legis também no prazo de dez dias.

5) Conclusos os autos para decisão, deverá o juiz, em 30 (trinta) dias,

proferir a sentença.

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2.8 CONCLUSÃO

Os pontos abordados neste capítulo, ainda que de forma resumida, e a

despeito de não compreender todas as questões concernentes ao instituto, tem

por escopo destacar o fato de o mandado de segurança, de há muito, ser um

valioso instrumento processual para se atingir a efetividade do processo,

principalmente em virtude do seu simples e rápido procedimento, fato que

possibilita a junção dos dois princípios inicialmente destacados no presente

trabalho: o do acesso à justiça e o da duração razoável do processo.

CAPÍTULO III

DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

A Constituição Federal de 1988 introduziu no ordenamento jurídico pátrio o

Mandado de Segurança Coletivo, através do inciso LXX, do art. 5º, refletindo, na

concepção do Ministro LUIZ FUX, “a influência dos movimentos de acesso à

Justiça e coletivização da tutela jurisdicional”.40 O citado dispositivo apresenta a

seguinte redação:

“LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) Partido político com representação no Congresso Nacional;

b) Organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;”

40 FUX, Luiz: Mandado de Segurança, 1ª ed, Forense, Rio de Janeiro, 2010, pág.111.

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No entender de ALEXANDRE DE MORAES, o legislador constituinte “quis

facilitar o acesso a juízo, permitindo que as pessoas jurídicas defendam o

interesse de seus membros e associados, ou ainda da sociedade como um todo,

no caso dos partidos políticos, sem necessidade de um mandato especial,

evitando-se a multiplicidade de demandas idênticas e consequente demora na

prestação jurisdicional e fortalecendo as organizações classistas.”41

Essa lição do ilustre jurista aponta a tríplice finalidade do mandado de

segurança coletivo, que pode ser assim sintetizada42:

1) Evitar o acúmulo de demandas idênticas;

2) Facilitar o acesso à justiça;

3) Fortalecer as entidades de classe.

Por outro lado, conforme ressaltado pelo Ministro LUIZ FUX, a

“Constituição, todavia, não se preocupou em definir o Mandado de Segurança

coletivo, mas apenas indicou os legitimados à sua proposição, deixando para o

intérprete o esforço exegético de conceituá-lo e aplicá-lo de forma imediata, na

esteira do texto constitucional que prescreve no § 1º do art. 5º, ‘in verbis’: ‘As

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata’”.43

O Ministro LUIZ FUX observa, ainda, que a previsão constitucional não veio

acompanhada de uma lei infraconstitucional que disciplinasse o mandado de

segurança coletivo, motivo pelo qual a alternativa encontrada consistiu na

aplicação, no que coubessem, dos dispositivos da Lei nº 1.533/51 para o

regramento necessário à utilização do mandado de segurança coletivo. Ademais,

como esse diploma era deficiente para dar conta das questões peculiares

41 MORAES, Alexandre de: Direito Consttucional, 15ª ed, Atlas, São Paulo, 2004, pág. 174. 42 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 60. 43 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 132.

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inerentes a um processo coletivo, aplicava-se, subsidiariamente, a disciplina das

ações civis públicas e das ações coletivas em geral.44

Somente em 2009, com o advento da Lei nº 12.016 é que o mandado de

segurança coletivo veio a ser regulamentado.

Segundo o Professor MAURO LUÍS DA ROCHA LOPES, “a peculiaridade

do mandado de segurança coletivo reside na ampliação da legitimidade ativa para

impetrar o ‘writ’, com reflexos no objeto da ação.”45

Com esses breves comentários, segue a abordagem de outros aspectos do

mandado de segurança coletivo.

3.1 CONCEITO

A conceituação é a mesma do mandado de segurança individual, com

exceção no que diz respeito àqueles que são atingidos pela proteção do

mandamus. Assim sendo, segundo ensinamento de BERNARDO GONÇALVES

FERNANDES, pode-se afirmar que o mandado de segurança coletivo é:

“(...) uma ação constitucional de natureza civil e procedimento especial, que visa proteger direito líquido e certo da coletividade (direitos difusos coletivos, difusos e individuais homogêneos), lesionados ou ameaçados de lesão, não amparados por ‘Habeas Corpus’ ou ‘Habeas Data’, em virtude de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente jurídico (privado) no exercício de atribuições públicas”.46 (grifos apostos)

3.2 CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DA AÇÃO

44 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 132/133. 45 LOPES, Mauro Luís da Rocha: Mandado de Segurança.Doutrina. Jurisprudência. Legislação,

2ª ed, Ímpetus, Niterói, 2007, pág. 101. 46 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 59/60.

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O mandado de segurança coletivo é sujeito a duas condições específicas,

quais sejam47:

1. Direito líquido e certo não amparável por habeas corpus ou habeas

data;

2. Ato coator imputado à autoridade pública ou agente delegado, eivado

de ilegalidade ou abuso de poder.

Sobre o direito líquido e certo atinente ao mandado de segurança coletivo,

ensina o Ministro LUIZ FUX:

“A primeira condição de admissibilidade do Mandado de Segurança, consistente no direito líquido e certo, não difere do Mandado de Segurança individual e se revela quando o direito ‘se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração’48

Outrossim, não basta que o direito seja líquido e certo, uma vez que, para esta espécie de Mandado de Segurança, o direito há de ser ainda coletivo, no sentido genérico do conceito, subdividindo-se em direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos.”49

Sobre as observações do Ministro LUIZ FUX, colhe-se a seguinte

jurisprudência:

“CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ART. 105, I, B, DA CF/1988. ADMINISTRATIVO. (...). AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA GLOBALIZADA. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE SITUAÇÕES INDIVIDUALIZADAS DOS SUBSTITUÍDOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. O mandado de segurança coletivo reclama a presença de prova pré-constituída globalizada, e não é servil para a análise de situações individualizadas dos substituídos.

47 MORAES, Guilherme Peña de: Op. Cit., pág. 653 48 MEIRELLES, Hely Lopes, apud, FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 136. 49 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 136/137.

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2. É que "o mandado de segurança coletivo, embora mantendo objeto constitucional e sumariedade de rito próprios do mandado de segurança individual, tem características de ação coletiva, a significar que a sentença nele proferida é de caráter genérico, não comportando exame de situações particulares dos substituídos e nem operando, em relação a eles, os efeitos da coisa julgada, salvo em caso de procedência". (REsp 707.849/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/03/2008, DJe 26/03/2008) 3. In casu, a presença de 22 (vinte e duas) empresas, representadas pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo - SETPESP, cada uma com os seus contratos e respectivas peculiaridades, conduz à conclusão de que a pretensão da tutela mandamental não é veiculável em sede de writ coletivo, vez que demanda a análise de várias situações individuais em uma verdadeira cumulação subjetiva de pedidos. 4. Mandado de segurança extinto sem resolução do mérito.” (STJ – MS nº 13.747/DF – 1ª Seção – Relator Ministro Luiz Fux – publicado no DJ-e de 08.10.2010)

3.3 NATUREZA JURÍDICA

Conforme os ensinamentos de GUILHERME PEÑA DE MORAES, o

mandado de segurança coletivo é revestido de natureza dúplice: (a) sob o

aspecto constitucional “é remédio constitucional para a tutela de direitos

metaindividuais, líquido e certo, não amparável por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas

data’, ameaçado ou lesado por ato de autoridade pública ou agente delegado,

eivado de ilegalidade ou abuso de poder”50 e (b) sob o aspecto processual “o

mandado de segurança é sumariado como ação civil, pela qual pretensão

metaindividual, coletiva ou individual homogênea, pode ser deduzida em juízo ou

tribunal, subordinada a procedimento especial de jurisdição contenciosa”.51

Ressalta, ainda, que:

“O Mandado de segurança coletivo e ação associativa são diferentes, eis que num há substituição processual, porque o

50 MORAES, Guilherme Peña de: Curso de Direito Constitucional. 3ª ed, Atlas, São Paulo, 2010,

pág. 652. 51 MORAES, Guilherme Peña de: Op. Cit., pág. 652/653.

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impetrante defende, em nome próprio, os direitos metaindividuais dos substituídos, sem a necessidade de autorização da associação, com fundamento no art. 5º, inc. LXX, ‘b’, ao passo que noutro há representação judicial, porquanto o autor defende, em nome alheio, os direitos individuais dos representados, com a necessidade de autorização dos associados com fulcro no art. 5º, inc. XXI, da CRFB.”52

3.4 OBJETO

O objeto do mandado de segurança coletivo se constitui em um tema

polêmico no qual se podem identificar diferentes correntes doutrinárias. Confira-se

o que o Professor GUILHERME PEÑA DE MORAES ensina sobre o tema:

“Athos Gusmão Carneiro, Ernani Fidélis dos Santos, José Joaquim Calmon Passos, Nelson Nascimento Diz e Teori Zavaski concluíam que o mandado de segurança coletivo era destinado somente ao resguardo de interesses individuais. Por conseguinte, mandado de segurança coletivo e ações coletivas, especialmente a ação popular e a ação civil pública, seriam diferenciados pelos interesses em jogo, de forma que o mandado de segurança coletivo seria emprestado para a tutela de interesse individual, em proveito dos membros das entidades associativas, à medida que as ações coletivas seriam empregadas para a tutela de interesse público ou metaindividuais, em proteção do Estado ou sociedade.

Antônio Gidi, Carlos Alberto Pimentel Uggere, Lucília Isabel Candini Bastos, Marcello Dantas e Rodolfo Camargo Mancuso, bem assim Ada Pellegrini Grinover, Ivan Carvalho, Lourival de Oliveira, Luiz Alberto de Faria e Nelson Neri Júnior, concordavam que o mandado de segurança coletivo era devotado também à salvaguarda de interesses coletivos e individuais homogêneos. Por consequência, mandado de segurança coletivo e ações coletivas, especificamente ação popular e ação civil pública, seriam distinguidos pela legitimidade ‘ad causam’, de modo que as ações coletivas seriam propostas por qualquer cidadão, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entidades autárquicas, fundações públicas, empresas

52 MORAES, Guilherme Peña de: Op. Cit., pág. 653.

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públicas, sociedades de economia mista, Ministério Público, Defensoria Pública e associações que estivessem constituídas a pelo menos um ano nos termos da lei civil e incluíssem a tutela do meio ambiente, consumidor, ordem econômica, livre concorrência e patrimônio artístico, estético, histórico, turístico ou paisagístico entre suas finalidades institucionais, ao passo que o mandado de segurança coletivo seria promovido por partidos políticos com representação no Congresso Nacional e organizações sindicais, entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, para a tutela de seus membros ou associados.”53 (grifos apostos)

O Professor GUILHERME PEÑA DE MORAES chama a atenção, ainda,

para a divergência existente sobre o tema também nos Tribunais. Destaca que,

antes do advento da Lei nº 12.016/2009 (art. 21, I e II):

“O Supremo Tribunal Federal, (...), deixou consignado que ‘o pressuposto da legitimação ativa das entidades associativas é que estejam em jogo os direitos – individuais – de associados seus. Não se cuida o mandado de segurança coletivo de uma nova garantia constitucional. Estamos diante do velho mandado de segurança, ampliado em termos de legitimação para a sua propositura. A toda evidência, o art. 5º, inc. LXX, se preocupa com apontar os sujeitos autorizados a segurança coletiva, sem definir o que seja o mandado de segurança coletivo, nem lhe indicar os pressupostos em termos diversos dos que foram prescritos, no inc. LXIX, para o mandado de segurança individual, na Constituição da República’. Pelo contrário, o Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deliberaram que ‘o mandado de segurança individual visa à proteção da pessoa, física ou jurídica, contra ato de autoridade que cause lesão, individualizadamente, a direitos subjetivos. Interesses metaindividuais são protegidos pelo mandado de segurança coletivo’, de sorte que ‘o objeto do mandado de segurança coletivo, exatamente porque coletivo, é a tutela judicial de direitos coletivos e individuais homogêneos, não a de interesses individuais, singulares ou plúrimos, dos membros da entidade e, ‘a fortiori’, os daqueles que dela não fazem parte’”. 54

53 MORAES, Guilherme Peña de: Op. Cit., pág. 654/655. 54 MORAES, Guilherme Peña de: Op. Cit., pág. 655/656.

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Por outro lado, a questão também se apresenta controvertida quanto à

possibilidade de defesa dos interesses difusos pela via do mandado de segurança

coletivo.55 A propósito, ensina o Professor MAURO LUÍS ROCHA MATOS:

“Luís Roberto Barroso, Ada Pellegrini Grinover e Alexandre de Moraes perfilham a tese do cabimento do mandado de segurança coletivo para a tutela de interesse difuso. Exemplificativamente, associação de logistas poderia impetrar mandado de segurança coletivo contra omissão do Poder Público no quesito segurança pública ou repressão aos camelôs, diante de prejuízos financeiros daí advindos, assim como associações de empresas de turismo marítmo do Rio de Janeiro teria a faculdade de pleitear, em ‘mandamus’ coletivo, decisão judicial a afastar a omissão do Poder Público na limpeza da baía de Guanabara.

A opinião encontra resistência de Uadi Lammêgo Bulos, para quem os interesses difusos são interesses espraiados, muito amplos, não havendo a possibilidade de caracterização de direito líquido e certo a justificar a utilização do mandado de segurança.”56

Ressalta, ainda, o ilustre Professor que a jurisprudência “parece estar

caminhando na direção da primeira corrente”57. Ademais, colaciona o seguinte

julgado do eg. STJ:

“A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública e o mandado de segurança coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. STJ, REsp 401964, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 11/11/02, p.155.”58

55 LOPES, Mauro Luís da Rocha: Op. Cit., pág. 109. 56 LOPES, Mauro Luís da Rocha: Op. Cit., pág. 109/110. 57 LOPES, Mauro Luís da Rocha: Op. Cit., pág. 110. 58 LOPES, Mauro Luís da Rocha: Op. Cit., pág. 109/110.

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Com efeito, o assunto é deveras polêmico tanto na doutrina quanto na

jurisprudência. O advento da Lei nº 12.016/2009, como será ressaltado no

próximo capítulo, trouxe novamente à tona as divergências apontadas.

3.5 LEGITIMIDADE

Segundo entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal a

legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo é extraordinária, isto é, os

legitimados postulam em nome próprio um direito da coletividade ou de um grupo,

classe ou categoria. É o que se chama de substituição processual.59

Nesse sentido, encontra-se o seguinte julgado:

“CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA: DESNECESSIDADE. OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. C.F., art. 5º, LXX, b. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE: NÃO CABIMENTO. Súmula 266-STF.

I. - A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. CF, art. 5º, LXX.

II. - Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inc. XXI do art. 5º, CF, que contempla hipótese de representação.

III. – (...)

IV. – (...)

V. - Mandado de Segurança não conhecido.” (grifos apostos)

(RE nº 22.132/RJ, Tribunal Pleno, Relator Ministro Carlos Velloso, publicado in DJU de 18.11.96)

Conforme previsão constitucional, a legitimidade ativa para os mandados

de segurança coletivos será: (a) do partido político com representação no

59 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 64/65.

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Congresso Nacional, (b) dos sindicatos, das entidades de classe e das

associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano

e para a defesa de seus membros e associados.60

A despeito de o rol ser reconhecido pelo eg. STF como taxativo61, a

doutrina entende que não há impedimento que terceiros sejam legitimados a

demandar coletivamente através do mandamus coletivo, como se verificará no

item 4.3. do presente estudo.

Sobre os legitimados pela Constituição Federal, algumas observações

merecem destaque.

3.5.1 PARTIDOS POLÍTICOS

Para que haja a legitimação para a impetração do mandado de segurança

coletivo, o texto constitucional exige apenas que o partido político tenha

representação no Congresso Nacional. “Como leciona Luís Roberto Barroso,

‘basta que o partido tenha um representante na Câmara dos Deputados ou no

Senado Federal e a exigência estará satisfeita’”.62

O texto constitucional, não limitou a atuação dos partidos políticos somente

para a defesa de seus filiados, como fez ao se referir aos sindicatos, entidades de

classe e associações na alínea “b”, do inciso LXX, do art. 5º da CF/88. Esse

entendimento restou corroborado no voto proferido, como relatora, pela Ministra

Ellen Gracie, no julgamento do RE nº 196.184/AM, cujo o seguinte excerto é

citado pelo Professor MAURO LUÍS ROCHA MATOS:

60 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 60/61. 61 FUX, Luís: Op. Cit., pág. 138/139. 62 BARROSO, Luís Roberto, apud, LOPES, Mauro Luís da Rocha: Mandado de

Segurança.Doutrina. Jurisprudência. Legislação, 2ª ed, Ímpetus, Niterói, 2007, pág. 102.

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“(...) se o legislador nacional dividiu os legitimados para a impetração do Mandado de segurança coletivo em duas alíneas, e empregou somente com relação à organização sindical, à entidade de classe e à associação legalmente constituída a expressão ‘ em defesa dos interesses dos seus membros ou associados’ é porque não quis criar esta restrição aos partidos políticos. Isso significa dizer que está reconhecido na Constituição o dever do partido político de zelar pelos interesses coletivos, independente de estarem relacionados a seus filiados. (...) Assim, se o partido político entender que determinado direito difuso se encontra ameaçado ou lesado por qualquer ato da Administração, poderá fazer uso do mandado de segurança coletivo, que não se restringirá apenas aos assuntos relativos à direitos políticos e nem a seus integrantes.”63

Sobre o julgamento acima referido, o Professor MAURO LUÍS ROCHA

MATOS tece as seguintes observações:

“Note-se que o objeto do julgamento envolvia apenas a análise da legitimidade do partido político para impugnar, através do ‘writ’ coletivo, exigência tributária relativa ao IPTU, o que acabou negado por ampla maioria, que considerou tratar a espécie de direito individual homogêneo.

As condições proferidas acerca da possibilidade de os partidos defenderem direitos outros – coletivos e difusos – que não apenas o de seus filiados decorreram do aprofundamento constante do voto da relatora sobre a matéria, tendo havido consenso de que o tema ficaria aberto para debate futuro, em recurso que se ocupasse especificamente do mesmo.”64

Por outro lado, a previsão constitucional também não estabeleceu qualquer

delimitação quanto à atuação do partido político nos processos coletivos à

pertinência temática, isto é, a atuação ligada a seus objetivos institucionais.

63 NORTHFLEET, Ellen Gracie, apud, LOPES, Mauro Luís da Rocha: Mandado de

Segurança.Doutrina. Jurisprudência. Legislação, 2ª ed, Ímpetus, Niterói, 2007, pág. 104. 64 LOPES, Mauro Luís da Rocha: Mandado de Segurança.Doutrina. Jurisprudência. Legislação,

2ª ed, Ímpetus, Niterói, 2007, pág. 105.

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Não obstante, ainda sob a égide da Lei nº 1.533/51, o eg. STJ assim se

manifestou:

“EMBARGOS DECLARATORIOS - MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – PARTIDO POLITICO. A EXEMPLO DOS SINDICATOS E DAS ASSOCIAÇÕES, TAMBEM, OS PARTIDOS POLITICOS SO PODEM IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO EM ASSUNTOS INTEGRANTES DE SEUS FINS SOCIAIS EM NOME DE FILIADOS SEUS, QUANDO DEVIDAMENTE AUTORIZADOS PELA LEI OU POR SEUS ESTATUTOS. NÃO PODE ELE VIR A JUIZO DEFENDER DIREITOS SUBJETIVOS DE CIDADÃOS A ELE NÃO FILIADOS OU INTERESSES DIFUSOS E SIM DIREITO DE NATUREZA POLITICA, COMO POR EXEMPLO, OS PREVISTOS NOS ARTIGOS 14 A 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMBARGOS REJEITADOS.” (grifos apostos) (MS nº 197/DF, 1ª Seção, Relator Ministro Garcia Vieira, publicado in DJU de 15.10.90, pág. 11.182)

O controle da pertinência temática em relação ao programa e ao estatuto

do partido político, bem como a possibilidade de o mesmo atuar coletivamente na

defesa dos direitos de seus membros, são previsões veiculadas pela Lei nº

12.016/2009, motivo pelo qual o tema será abordado no capítulo destinado à

análise do referido Diploma Legal.

3.5.2 ORGANIZAÇÕES SINDICAIS, ENTIDADES DE CLASSE E

ASSOCIAÇÕES.

A alínea b, do inciso LXX, do art. Art. 5º, da CF/88 prevê a legitimidade da

organização sindical, entidade de classe ou associação para impetração do

mandado de segurança coletivo.

Tanto o dispositivo constitucional acima mencionado, quanto o caput do art.

21, da lei n° 12.016/2009 estabelecem para as associações a exigência de que

estejam legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano.

Portanto, sindicatos e entidades de classe só precisam estar legalmente

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constituídos e terem como objetivo a defesa dos interesses de seus membros ou

associados.

Sobre o assunto, colhe-se a seguinte jurisprudência:

“LEGITIMIDADE DO SINDICATO PARA A IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO INDEPENDENTEMENTE DA COMPROVAÇÃO DE UM ANO DE CONSTITUIÇÃO E FUNCIONAMENTO. Acórdão que, interpretando desse modo a norma do art. 5º, LXX, da CF, não merece censura. Recurso não conhecido. (grifos apostos)

(RE nº 198.919/DF,1ª Turma, Ministro Ilmar Galvão, publicado in DJU de 24.09.99, pág. 43)

Importa destacar, também, considerando ser o regime do mandado de

segurança coletivo o da substituição processual (a entidade coletiva litiga em

nome próprio na defesa de interesse alheio), que não há necessidade da

autorização dos membros ou associados, nem relação nominal dos referidos

substituídos na petição inicial, para a impetração do mandamus coletivo.65

Nesse sentido, também caminharam os Tribunais Superiores. Confiram-se

os seguintes julgados, respectivamente, do STF e do STJ:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. C.F., art. 5º, LXX, "b".

I. - A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. C.F., art. 5º, LXX.

II. - Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do art. 5º da Constituição, que contempla hipótese de representação.

65 LOPES, Mauro Luís Rocha: Op. Cit., pág. 106.

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III. - O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe.

IV. - R.E. conhecido e provido.” (grifos apostos)

(RE nº 193.382/SP, Tribunal Pleno, Relator Ministro Carlos Velloso, publicado in DJU de 20.09.96, pág. 34547)

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO AO INCRA. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. INSTRUÇÃO DA INICIAL COM A RELAÇÃO NOMINAL DOS FILIADOS. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Esta Corte de Justiça, seguindo o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, firmou entendimento no sentido de que "(...) as entidades elencadas no inciso LXX, 'b', do art. 5º da Carta Magna, atuando na defesa de direito ou de interesses jurídicos de seus representados - substituição processual, ao impetrarem mandado de segurança coletivo, não necessitam de autorização expressa deles, nem tampouco de apresentarem relação nominativa nos autos" (REsp 220.556/DF, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 5.3.2001). 2. Agravo regimental desprovido.” (grifos apostos) (Ag Rg no REsp nº 1030488/PE, 1ª Turma, Ministra Denise Arruda, publicado in DJ-e de 25.11.2009)

A tese acabou sumulada pelo Excelso Pretório no Verbete nº 629, do

seguinte teor:

“A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”.

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Também é importante destacar “a desnecessidade de que a pretensão

contida no Mandado de Segurança coletivo corresponda, necessariamente, à

totalidade dos membros ou associados (...)”.66 Isso significa dizer que é possível a

impetração coletiva “para proteger apenas parte dos integrantes da classe, em

razão de o ato coator dizer respeito apenas à parcela da categoria.”67

A questão restou, também, sumulada pelo eg. STF através do Verbete nº

630. Confira-se:

“A entidade de classe tem legitimação para o Mandado de Segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”.

No entendimento do Ministro LUIZ FUX, reconhecer a possibilidade de

defesa de parte de membros de uma coletividade “implica em admitir que a

unidade do grupo, da categoria ou da classe não mais se dê pela relação jurídica

base e sim pela origem comum, que é característica dos direitos individuais

homogêneos.”68

3.6 LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA

No que tange à questão da litispendência, a doutrina e a jurisprudência são

pacíficas em afirmar que não ocorre a litispendência da ação individual em face

de ação coletiva anteriormente proposta.

Nesse sentido, confira-se o seguintes julgado:

“AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EXECUÇÃO. LITISPENDÊNCIA. AÇÃO COLETIVA. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTO DO

66 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 142. 67 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 142. 68 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 143.

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ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO INFIRMADO. SÚMULA Nº 283/STF. (...). 1. Não ocorre litispendência da ação individual em face da anterior propositura de ação coletiva por entidade de classe ou sindicato. 2. (...) 3. (...) 4. (...) 5. Agravo a que se nega provimento.” (STJ – AgRg no REsp nº 1089917/DF, 6ª Turma, Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), publicado no DJ-e de 19.10.2009)

A coisa julgada no mandado de segurança coletivo, ensina o Professor

GUILHERME PEÑA DE MORAES, “à semelhança do individual, é ‘qualificada

como ‘secundum eventum litis’, razão pela qual a sentença denegatória por

inexistência de liquidez e certeza do direito não é aparelhada pela coisa julgada

material (...)”.69

Noutro dizer, conforme menciona o Ministro LUIZ FUX:

“se a prova insuficiente for aquela destinada à verificação do direito líquido e certo, haverá sentença de improcedência, mas, o pedido é passível de renovação se sobejar, ainda o prazo de decadência, (...). Destaque-se, ainda, quanto aos direitos difusos e coletivos, que os efeitos da coisa julgada não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, que poderão promover ações pessoais de natureza individual .

Todavia, a despeito da proteção dos interesses e direitos individuais, se a improcedência não se der por ausência de prova, a coisa julgada será ‘erga omnes’ em relação aos legitimados extraordinários.”70

Ainda sobre o instituto da coisa julgada, cabe ressaltar que, segundo lição

do Ministro LUIZ FUX, antes do advento da Lei nº 12.016/2009, ao mandado de

69 MORAES, Guilherme Peña de: Op. Cit., pág. 659. 70 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 149.

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segurança coletivo se aplicavam as regras referentes à sentença e coisa julgada

previstas nos arts. 10371 e 104, do CDC c/c art. 21, da Lei nº 7.347/85.72

Sobre esse ponto, o Ministro LUIZ FUX ainda observa que, consoante às

regras do CDC, “os efeitos da coisa julgada sofrem variações de acordo com a

natureza do bem jurídico discutido, concedendo-se tratamento distinto aos direitos

difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos.”73 As lições que se

extraem de seus ensinamentos podem ser assim resumidas:74

Se o litígio versar sobre A coisa julgada se opera OBS

Direitos difusos erga omnes

Exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de

prova.

Hipótese em que qualquer legitimado poderá renovar a ação

com novas provas.

Direitos coletivos em estrito sensu ultra partes Limitada ao grupo, categoria ou classe.

Direitos individuais homogêneos erga omnes

Somente nos pedidos de procedência do pedido para

beneficiar todas as vítimas e seus sucessores.

Também abrangerá litisconsortes ou assistentes que intervierem no processo (art. 94, CDC), ainda

que o resultado da demanda seja de improcedência do pedido (art.

103, § 2º, CDC)

71 Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. § 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. § 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. § 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. 72 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 147.

73 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 148 74 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 147/148

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Sob a égide da Lei nº 1.533/51, a doutrina também apregoava que na

hipótese de coexistência de mandado de segurança individual e coletivo,

aplicava-se, subsidiariamente, a disposição do art. 104, do CDC.75 Isto é, como a

litispendência não ocorre entre as demandas coletivas e individuais, se o autor da

demanda individual não formulasse requerimento de suspensão do processo no

prazo de trinta dias a contar da ciência, nos autos, do ajuizamento da ação

coletiva, os efeitos da coisa julgada na demanda coletiva não lhe beneficiariam.76

Por fim, importa ressaltar que, segundo lição do Professor MAURO LUÍS

ROCHA LOPES, a coisa julgada “emanada do ‘mandamus’ coletivo alcança a

instituição impetrante, ainda que conte com novos associados. Assim, não é lícito

à entidade coletiva, derrotada em mandado de segurança coletivo, deduzir nova

impetração com o mesmo objetivo, invocando a entrada de outros membros em

seus quadros.”77

A propósito, confira-se o pronunciamento da jurisprudência sobre o tema:

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA. ASSOCIAÇÃO DE CLASSE. NOVOS SÓCIOS - Existência de coisa julgada tendo em conta que o mandado de segurança coletivo, impetrado por associação de classe no interesse dos seus representados na qualidade de substituta processual, versa sobre questão já decidida em ação anteriormente proposta pela mesma entidade. - Não prospera a alegação da posterior entrada de novos associados nos quadros da associação como justificativa para afastamento dos efeitos da coisa julgada. - Recurso desprovido.” (grifos apostos) (STJ – RMS 9624/MS, 5ª Turma, Ministro Félix Fischer, publicado in DJU de 06.09.99, pág. 100)

75 Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência

para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

76 FUX, Luiz: Op. Cit, pág. 149. 77 LOPES, Mauro Luís Rocha: Op. Cit., pág. 111.

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3.7 PROCEDIMENTO

O procedimento do mandado de segurança coletivo é basicamente o

mesmo do mandado de segurança individual. A diferença fica por conta da

apreciação da liminar que – em virtude da previsão da regra contida

anteriormente pelo art. 2º, da Lei nº 8.437/92, repetida no § 2º, do art. 22, da Lei

12.016/2009 – para a sua concessão, prevê a necessidade do pronunciamento

prévio do representante judicial da pessoa jurídica de direito público no prazo de

72 (setenta e duas) horas.78

3.8 CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988, ademais de preocupar-se em proteger os

direitos individuais, também deu ênfase à tutela dos direitos coletivos. O mandado

de segurança coletivo foi concebido constitucionalmente como um dos

instrumentos processuais – além da Ação Popular (Art. 5º, LXXIII) e da Ação Civil

Pública (Art. 129,III) – para oferecer a proteção adequada e eficiente da tutela dos

interesses coletivos. Especificamente, no entender do Professor ALUISIO

GONÇALVES DE CASTRO MENDES, por ser importante mecanismo resultante

de três marcos processuais, quais sejam: o controle dos atos do Poder Público

pelo Judiciário, o mandado de segurança como procedimento desembaraçado,

concentrado e documental e a evolução dos processos coletivos.79

CAPÍTULO IV

A LEI Nº 12.016/2009

78 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Op. Cit., pág. 66/67. 79 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Mandado de Segurança Individual e Coletivo – A Lei

nº 12.016/2009 Comentada, 1ª ed, Ímpetus, Niterói, 2010, pág. 123.

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A Lei nº 12.016, de 07.08.2009, que regulamenta o mandado de segurança

individual e coletivo, foi promulgada depois de tramitar por quase oito anos no

Congresso Nacional.80 Ao entrar em vigor na data de sua publicação – 10.08.2009

–, deixou para traz, em virtude de revogação expressa, a Lei nº 1.533/51 que, por

quase sessenta anos, disciplinou as regras atinentes ao mandado de segurança

no ordenamento jurídico pátrio.

Até o advento desse diploma legal, não existia nenhuma norma

infraconstitucional que disciplinasse o mandado de segurança coletivo.

Todavia, a falta de lei ordinária regulamentadora da matéria, não impediu a

utilização do instituto, em razão de as normas definidoras dos direitos e garantias

individuais possuírem aplicação imediata – nos termos do § 1º, do art. 5º, da

CF/88 –, bem como em consequência da aplicação das regras próprias para o

mandado de segurança individual e as relativas aos processos coletivos.81

No que diz respeito ao mandado de segurança coletivo, a Lei nº

12.016/2009 disciplinou a matéria em apenas dois artigos. Confira-se o teor dos

mesmos:

“Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

80 BUENO, Cassio Scarpinella: A Nova Lei do Mandado de Segurança – Comentários

Sistemáticos à Lei 12.016, de 7-8-2009, 2ª ed, Saraiva, São Paulo, 2010, pág 17. 81 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 131/132.

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Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante. § 1o O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva. § 2o No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

A leitura desses artigos revela que o novo estatuto dispôs apenas da

legitimação, do objeto, e das linhas gerais em termos de coisa julgada,

litispendência e necessidade de audiência prévia do representante judicial da

pessoa jurídica de direito público para a concessão da liminar.82

4.1 DA LEGITIMIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS

Não obstante o previsto no art. 5º, LXX, a, da CF/88, com relação aos

partidos políticos, o caput do art. 21 restringiu a sua legitimação aos casos em

que o mesmo defenda “seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à

finalidade partidária”.

82 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Mandado de Segurança Individual e Coletivo – A Lei

nº 12.016/2009 Comentada, 1ª ed, Ímpetus, Niterói, 2010, pág. 123.

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O controle da pertinência temática em relação ao programa e ao estatuto

do partido político, bem como a possibilidade de o mesmo atuar coletivamente na

defesa dos direitos de seus membros, foi tema assim abordado pelo Professor

ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO MENDES:

“(...) sob o prisma jurídico, o controle da pertinência temática em relação ao estatuto e programa encontra respaldo, quanto a sua atuação em geral, na determinação infraconstitucional. O juiz somente deve acolher a contrariedade manifesta entre o programa e a demanda. Junte-se a isso que sob o ponto de vista prático, os estatutos e programas são, em regra, extremamente amplos e compreensíveis, sendo muito difícil o controle efetivo da compatibilidade entre as bandeiras do partido e a postulação em concreto da demanda.

A Magna Carta não fixou qualquer limitação no sentido de que os partidos políticos estariam legitimados a defender apenas os seus filiados. A inexistência fica ainda mais nítida se efetuada a comparação entre o disposto nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso LXX do art. 5º da Constituição da República. A defesa dos interesses de seus membros ou associados encontra-se expressa tão somente na alínea ‘b’, ou seja, no que diz respeito com a legitimidade da organização sindical, entidade de classe ou associação. Por outro lado, a natureza dos partidos políticos não se coadunaria com o estabelecimento de uma atuação limitada ou preferencialmente voltada apenas para a defesa dos próprios filiados. Isso porque os partidos políticos não são grupos fechados e voltados apenas para a consecução de atividades internas de seus membros. É da essência do partido político com representação no Congresso Nacional, por mais hermético que seja, a atuação política, voltada para a sociedade, no sentido de granjear apoio e adesão as suas ideias ou líderes, disputando eleições e angariando adeptos. A possibilidade de participação no cenário judicial se coadunaria, assim, com essa atuação mais ampla, voltada para a defesa dos valores sociais contidos no seu programa.”83 (grifos apostos)

83 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Mandado de Segurança Individual e Coletivo – A Lei

nº 12.016/2009 Comentada, 1ª ed, Ímpetus, Niterói, 2010, pág. 127/128.

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Na visão de alguns doutrinadores, essa previsão infraconstitucional

consistiu em um retrocesso no que tange à atuação dos partidos políticos,

restringindo por parte desses a possibilidade de impetração do mandado de

segurança coletivo para a defesa, principalmente, de direitos ou interesses

difusos.

A propósito, confira-se a opinião dos Professores LUIZ GUILHERME

MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART:

“(...), as restrições postas no texto legal violam claramente o preceito constitucional, ao inviabilizar o uso da medida em diversos casos.

Quanto aos partidos políticos, a questão é evidente. Ao limitar a legitimação do ente à proteção de interesse de seus integrantes ou à finalidade partidária, o texto infraconstitucional acrescenta condições inexistentes ao art. 5º, LXX, da CR. Essas condições, ademais, restringem o cabimento do mandado de segurança coletivo, já que o instrumento praticamente só pode ser utilizado para a proteção de seus filiados ou para a proteção de interesses específicos e do próprio partido. Há, aí, clara ofensa à garantia constitucional, que jamais pretendeu que o mandado de segurança coletivo fosse transformado em forma privilegiada de ação coletiva, a ser empregada exclusivamente para a proteção dos interesses do partido político. (...). Aceitando-se a restrição posta no direito infraconstitucional, menospreza-se a medida, transformando-a em ação privilegiada para certos segmentos da sociedade.84

Contudo, há na doutrina quem proponha uma interpretação mais ampla

dessa regra. Essa é a opinião, por exemplo, do Professor CASSIO

SCARPINELLA BUENO:

“A melhor interpretação para a regra examinada é a de que ela não inova na ordem jurídica nacional. (...). Como a alínea ‘a’ do inciso LXX do art. 5º da Constituição Federal não faz

84 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz: Curso de Processo Civil -

Procedimentos Especiais, 2ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, vol.05, pág. 270.

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qualquer restrição ao direito (ou interesse) a ser tutelado pelo mandado de segurança coletivo quando impetrado por partido político, é equivocado, porque restritivo, o entendimento de que a lei poderia limitá-los à tutela jurisdicional dos direito (interesses) dos ‘membros’ dos partidos políticos. Isso seria tratar o partido político como mero ente associativo (...).

Assim, importa interpretar de forma ampla a primeira parte do art. 21, ‘caput’ da Lei nº 12.016/2009: o partido político tem legitimidade para a impetração do mandado de segurança coletivo tanto que o direito (interesse) a ser tutelado coincida com suas finalidades programáticas, amplamente consideradas, ‘independentemente’ de a impetração buscar a tutela jurisdicional (mesmo que coletiva) de seus próprios membros. (...). Só pode era esta e nenhuma outra, sob pena de violação do ‘modelo constitucional do mandado de segurança’, a compreensão da ‘pertinência temática’ do mandado de segurança coletivo impetrado pelos partidos políticos.”85(grifos apostos)

Por outro lado, para o Professor CASSIO SCAPINELLA BUENO, o

dispositivo em questão “é tímido. Ele deixa de enfrentar – e de responder – uma

série de questões que vêm sendo postas pelo dia a dia do foro. Assim, por

exemplo, persiste a legitimidade ativa do partido político se, durante o processo,

ele perde sua representação no Congresso Nacional? E em se tratando de partido

político que tenha representação somente nas casas legislativas estaduais,

distrital e/ou municipais: eles têm legitimidade para o mandado de segurança

coletivo quando aos atos questionados digam respeito àquelas esferas de

poder?”86

De fato, esses são questionamentos que restaram, até o momento, sem

respostas pela legislação infraconstitucional.

85 BUENO, Cassio Scarpinella: Op. Cit., pág. 161/162. 86 BUENO, Cassio Scarpinella: Op. Cit., pág. 163.

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4.2 DA LEGITIMIDADE DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS,

ENTIDADES DE CLASSE E ASSOCIAÇÕES.

A segunda parte do caput do art. 21 ocupa-se da legitimidade das

organizações sindicais, entidades de classe e associações.

A regra praticamente acolhe a interpretação que vinha sendo dada à alínea

b, do inciso LXX, ao art. 5º, da Constituição Federal. Em conformidade com a

previsão legal, pode-se dizer que a legitimidade destas instituições pressupõe

dois requisitos87:

1) Que estejam legalmente constituídas e em funcionamento a pelo menos

um ano;

2) Que a impetração do mandamus seja, necessariamente, para a tutela

jurisdicional de direitos líquidos e certos da totalidade ou de parte de

seus membros e associados, na forma dos seus estatutos e pertinentes

as suas finalidades.

Sobre o tema, portanto, é relevante frisar que a legitimidade dos sindicatos,

das entidades de classe e das associações pressupõe a existência de vínculo de

pertinência entre o objeto da impetração e a atividade desenvolvida pela

entidade.88 Nas lições do Ministro LUIZ FUX:

“É exatamente por isso que o ‘caput’ do art. 21 exige que a entidade aja ‘na forma de seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades. Estas determinações guardam coerência com a disciplina da substituição processual (inerente ao Mandado de Segurança coletivo), na medida em que se destina a garantir que os substitutos sejam ‘adequadamente representados’ em juízo pelo portador de sua pretensão.

Assim, é possível inferir-se que, concernentemente a estas instituições, os direitos difusos são excluídos da proteção

87 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 141. 88 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 141.

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coletiva via Mandado de Segurança, uma vez que o direito a ser protegido deve pertencer ao grupo, classe ou categoria dos legitimados e não a uma coletividade indeterminada, restrição explícita constitucionalmente sem espaço para outra exegese. Os direitos coletivos (em sentido estrito), no entanto, são claramente defensáveis pelo manejo do ‘mandamus’ coletivo por meio da atuação dos referidos legitimados, haja vista que os sindicatos, entidades de classe ou associações encerram a formação de grupos, classes ou categorias com interesses comuns. Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, também podem, e devem, ser tutelados por estes legitimados.”89(grifos apostos)

Quanto à necessidade de prévia constituição há pelo menos um ano – não

obstante ser uma exigência também prevista na Constituição Federal –, contudo,

fica a dúvida se este seria um requisito a ser preenchido apenas pelas

associações, considerando posicionamento jurisprudencial nesse sentido pelo eg.

STF (RE nº 198.919/DF).

Sobre esse pormenor, cabe ainda mencionar que a lei poderia, como

ocorreu na Lei da Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor,

dispensar essa exigência em casos devidamente justificados pelas circunstâncias

concretas.90 “Seu silêncio, contudo, deve ser entendido como negativa e, por ser

regra específica e mais recente, predomina sobre aquelas”, na opinião do

Professor CÁSSIO SCARPINELLA BUENO.91

No mais, as exigências contidas na segunda parte de art. 21 consagraram

legislativamente as orientações jurisprudenciais, como por exemplo, as contidas

nas Súmulas 629 e 630, do eg. STF.

89 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 141/142. 90 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 163. 91 BUENO, Cássio Scapinella: Op. Cit., pág. 163.

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4.3 DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA

DEFENSORIA PÚBLICA E DE OUTROS ENTES.

A despeito de a previsão constitucional contida no inciso LXX, do art. 5º,

bem como o caput, do art. 21, da Lei nº 12.016/2009, só mencionarem a

legitimidade para impetração do mandado de segurança dos partidos políticos,

das organizações sindicais, das entidades de classe e das associações, nada

impede, na visão de alguns doutrinadores, que terceiros, segundo o disposto na

própria Constituição e na lei estejam legitimados a demandar coletivamente

através de mandado de segurança.

A propósito, merece destaque os ensinamentos do Professor ALUISIO

GONÇALVES DE CASTRO MENDES. Confira-se:

“A legitimidade para o mandado de segurança coletivo deve, portanto, ser considerada com a mesma permissividade disposta no § 1º do art. 129, no sentido de que a previsão constitucional não impede a de terceiros, segundo o disposto na Constituição e na lei. Sendo assim, o mandado de segurança coletivo poderá ser impetrado por todos os que estiverem legitimados, constitucional ou legalmente, para a defesa dos direitos e interesses coletivos em sentido amplo. Portanto, o legislador infraconstitucional está autorizado, como o fez na Lei da Ação Civil Pública, a ampliar o rol dos legitimados. Desse modo devem ser tidas como legitimadas todas as pessoas autorizadas a defender os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, em conformidade com a legislação vigente, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, Municípios e órgãos despersonalizados, nos termos, dentre outros, da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor.”92

A jurisprudência do eg. STJ parece caminhar favoravelmente pelo menos

quanto à possibilidade de o Ministério Público poder impetrar o mandado de

segurança coletivo. É o que deixa transparecer o seguinte julgado:

92 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Op. Cit., pág. 131.

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“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 545 DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. USO IRREGULAR DO SOLO URBANO. ESTABELECIMENTO COMERCIAL SITUADO EM ÁREA RESIDENCIAL. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE AGIR DO PARQUET. ARTS. 127 E 129, III, DA CF/88, E 1º DA LEI 7.347/85. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. CONTROLE INCIDENTER TANTUM. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 471, I, DO CPC. LEI COMPLEMENTAR SUPERVENIENTE. AUSÊNCIA DE COMANDO NORMATIVO INSUFICIENTE PARA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO ESTADUAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 284/STF. CONTRARIEDADE AO ART. 535, II, CPC. INOCORRÊNCIA. 1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 2. A Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 4. Sob esse enfoque, a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF/1988, arts. 127 e 129). 5. (...) 6. (...) 7. (...) 8. (...) 9. Agravo regimental desprovido.” (grifos apostos) (AgRg no Ag nº 1249132/SP,1ª Turma, Ministro Luiz Fux, publicado no DJ-e de 09.09.2010)

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4.4 OBJETO – OS DIREITOS TUTELÁVEIS

O parágrafo único, do art. 21, da Lei n° 12.016/2009 classificou em duas

espécies os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo:

a. Os direitos coletivos, entendidos para os efeitos da lei, como os

transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou

categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma

relação jurídica básica;

b. Os individuais homogêneos, entendidos para os efeitos da lei como os

decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da

totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

A Lei nº 12.016/2009 silenciou a respeito dos direitos difusos, definidos no

inciso I, do parágrafo único, do art. 81, da Lei nº 8.078/90 (CDC), a despeito de o

eg. STF já ter se manifestado no sentido de reputar cabível a impetração do

mandamus coletivo para defender esta espécie de direito transindividual. (RE nº

196.184/AM)93

Esse fato, ademais de fazer ressurgir as discussões sobre a possibilidade

de impetração do mandado de segurança coletivo para tutelar os

direitos/interesses difusos, provocou inúmeras críticas por parte da doutrina.

Sobre esse ponto, destaca-se a opinião do Professor ALUISIO

GONÇALVES DE CASTRO MENDES:

“(...) A limitação não encontra amparo, todavia, no texto constitucional e, também, não se coaduna com o sistema processual vigente. Isso porque o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável as ações coletivas em conjunto com o (sic) a Lei da Ação Civil Pública, por determinação expressa do art. 21 desta última lei, estabelece que são admissíveis, para a proteção dos direitos e interesses protegidos por este Código, ou seja, dos direitos

93 FUX, Luis: Op. Cit., pág. 136.

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e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, nos termos do artigo 81 do CDC, ‘todas as espécies de ações, capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela’. Portanto, nos casos em que o mandado de segurança é o instrumento processual adequado, inclusive para os direitos ou interesses difusos, não pode o legislador infraconstitucional afastar arbitrariamente o cabimento do mandado de segurança.”94

Confiram-se, também, outras asserções sobre o assunto:

“Andou mal o legislador, data venia, ao tentar excluir – ou deixar de incluir – os direitos difusos dentre aqueles que podem ser protegidos através do mandado de segurança coletivo.” (Professores Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto)95

“Exclui a lei, sem razão plausível, os direitos difusos do objeto do mandado de segurança coletivo.

A exclusão é coerente com a opção, manifesta no ‘caput’ do art. 21, de transformar o mandado de segurança coletivo em forma de proteção especial dos associados ou dos vinculados aos legitimados. Porém, (...), essa maneira de ver o ‘writ’ constitucional é equivocada.” (Professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart)96

A despeito dessas críticas e do silêncio eloquente do art. 21 quanto à

possibilidade de impetração de mandado de segurança coletivo para proteger

direitos difusos, alguns doutrinadores aderem ao entendimento de que a omissão

do legislador é irrelevante, porquanto o texto constitucional (art. 5º, incisos LXIX e

LXX) não faz restrições a esta espécie de direito transindividual.

94 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro: Op. Cit., pág. 142/143. 95 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério: Comentários à Nova Lei do Mandado de

Segurança - Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, 1ª ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009, pág. 191. 96 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz: Op. Cit., pág. 271.

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Nesse sentido, comungam LUIZ FUX 97, NELSON NERY JUNIOR98, LUIZ

MANOEL GOMES JÚNIOR, ROGÉRIO FAVRETO99 e CÁSSIO SCARPINELLA

BUENO.100

4.5 COISA JULGADA E LITISPENDÊNCIA

O caput do art. 22, da Lei nº 12.016/2009, cuida dos limites subjetivos da

coisa julgada do mandado de segurança coletivo. Noutro dizer, disciplina quem

fica sujeito à imutabilidade da decisão de mérito transitada em julgado no

mandamus coletivo.101

A regra, de que a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros

do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante, encontra-se em consonância

com os direitos que são tutelados pelo mandado de segurança coletivo, ou seja:

os direitos coletivos stricto sensu e os individuais homogêneos, já que, por

definição, esses direitos pertencem a pessoas determináveis ou determinadas.102

Todavia, considerando a visão de alguns doutrinadores que admitem o

manejo do mandamus coletivo para proteger direitos difusos, no que tange à

coisa julgada, a conclusão a que se chega é a de que “a coisa julgada dirá

respeito a todos aqueles que estavam sujeitos ao ato questionado

independentemente de se entender, como quer a lei, tratar-se de direitos

‘coletivos’ ou ‘individuais homogêneos’. (...) A formação da coisa julgada aos

97 FUX, Luiz: Op. Cit., pág. 136 98 Prefácio do livro organizado por JUNIOR, Luiz Manuel Gomes: Comentários à Nova Lei do

Mandado de Segurança, 1ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009, pág. 17 99 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério: Op. Cit., pág. 192/193. 100 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 171/172. 101 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 173. 102 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 174.

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substituídos é ‘consequência’ da legitimidade adequada do impetrante, não sua

‘causa’”.103

Entretanto, para os Professores LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO

CRUZ ARENHART, a regra é despropositada já que em relação aos direitos

difusos a extensão da coisa julgada não pode ser limitada, devendo ser

compreendida com amplitude erga omnes.104

Por outro lado, a doutrina vem destacando que a restrição territorial da

coisa julgada, imposta às ações civis públicas pela Lei nº 9.194/97, não se aplica

ao mandado de segurança coletivo. O silêncio da Lei nº 12.016/2009 sobre o

tema deve ser interpretado como afastamento dessa limitação.105

No que tange à litispendência, o § 1º, do art. 22, da Lei nº 12.016/2009,

repete o modelo já existente de que o processo coletivo não induz à

litispendência.

Porém, o mesmo dispositivo, de maneira diversa do previsto no art. 104, do

CDC, estabelece que o impetrante do mandado de segurança individual, para se

beneficiar da coisa julgada coletiva, deve desistir da ação individual, no prazo de

trinta dias contados da ciência comprovada da impetração do mandamus coletivo.

Esse ponto mereceu severas críticas da doutrina. Na visão do Professor

CÁSSIO SCARPINELLA BUENO:

“(...) exigir que o impetrante individual, para se beneficiar da decisão proferida em sede coletiva, desista de seu mandado de segurança no prazo de trinta dias a contar da

103 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 174. 104 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz: Op. Cit., pág. 272. 105 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 176/177.

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comprovada ciência da impetração do mandado de segurança em sua forma coletiva, além de atritar com o modelo que vem sendo consagrado (e festejado) no direito brasileiro, é medida que atrita, a olhos vistos, com o ‘modelo constitucional do processo civil’

(...)

Inegável, destarte, a superioridade da solução dada à hipótese pelo art. 104 do Código de Defesa do Consumidor: pode o impetrante ‘individual’ requerer a ‘suspensão’ de seu processo para que se beneficie da decisão a ser proferida no âmbito coletivo. Nunca, contudo, ‘desistir’ dele, perdendo a possibilidade, dada pelo sistema, de se beneficiar ou pela impetração coletiva ‘ou’ pela impetração individual, já que é o próprio dispositivo em exame que assegura não haver litispendência entre os dois dispositivos”.106

4.6 PROCEDIMENTO – LIMINAR.

A Lei nº 12.016/2009 não tratou do assunto especificamente quanto ao

mandado de segurança coletivo. Aplica-se, portanto o regime procedimental

previsto para o mandado de segurança individual.107

A única regra atinente ao mandado de segurança coletivo que trata de

procedimento é a que diz respeito à apreciação do pedido de medida liminar.

O § 2º do art. 22 incorporou a regra do art. 2º da Lei nº 8.437/92. A

despeito de desnecessária, na visão dos Professores LUIZ MANOEL GOMES

JUNIOR e ROGÉRIO FAVRETO (ante a previsão já contida na referida Lei nº

8.437/92), a restrição mostra-se justificável “considerando a necessidade de

proteção do interesse público, especialmente pelos reflexos e efeitos da decisão

que deferir a medida liminar contra o Poder Público em se tratando de direitos

coletivos.”108

106 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 178. 107 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz: Op. Cit., pág. 271. 108 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério: Op. Cit. , pág. 210/211.

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Cumpre destacar, por oportuno, que o entendimento amplamente

majoritário da doutrina é de que essa regra deve ser aplicada com certo

temperamento, porquanto poderá haver situações que a observância do prévio

contraditório inviabilizará a medida de urgência pleiteada.109 110 111

4.7 CONCLUSÃO

Pode-se dizer que a Lei nº 12.016/2009 foi muito econômica na

regulamentação do mandado de segurança coletivo. Esse fato certamente exigirá

do intérprete da lei, mais uma vez, a conjugação das regras atinentes ao

mandado de segurança individual e, no que for cabível, as normas aplicadas no

sistema processual coletivo.

A bibliografia consultada para organizar o presente trabalho é unânime em

afirmar a deficiência da Lei nº 12.016/2009 no que diz respeito ao mandado de

segurança coletivo. Confiram-se as seguintes opiniões:

“Os arts. 21 e 22 da Lei n. 12.016/2009 buscam, finalmente, disciplinar o mandado de segurança coletivo. Pena que o façam de maneira tão restritiva, destoando das conquistas que o direito brasileiro tem, na perspectiva constitucional e processual civil, alcançado nas últimas décadas, inclusive no que diz respeito ao ‘direito processual coletivo’”.(Professor Cassio Scarpinella Bueno)112

“O texto da lei não é bom e contém muitas falhas, que podem causar mais problemas do que resolvê-los.” (Ministro Nelson Nery Junior)113

“(...) o ordenamento brasileiro continua necessitando de um tratamento mais sistematizado para os processos coletivos em geral e também para os procedimentos específicos, como o do mandado de segurança coletivo. Infelizmente,

109 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz: Op. Cit., pág. 272. 110 BUENO, Cássio Scarpinella: Op. Cit., pág. 182/183. 111 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério: Op. Cit., pág. 211. 112 BUENO, Cassio Scarpinella: Op. Cit., pág. 159. 113 Prefácio do livro organizado por JUNIOR, Luiz Manuel Gomes: Comentários à Nova Lei do

Mandado de Segurança, 1ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009, pág. 17.

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contudo, a Lei nº 12.016 foi extremamente tímida na regulamentação do mandado de segurança coletivo.” (Professor Aluisio Gonçalves de Castro Mendes)114

Alguns doutrinadores, entretanto, são mais veementes nas críticas em face

da tentativa da legislação em regulamentar o mandado de segurança coletivo.

Veja-se, a propósito, o seguinte comentário da Professora ADA PELLEGRINI

GRINOVER, apud, CASSIO SCARPINELLA BUENO:

“ ‘(...) Quero deixar bem claro que não tenho qualquer responsabilidade na elaboração da lei que, no mandado de segurança em geral, repete dispositivos da lei revogada, sem levar em conta a interpretação da doutrina e da jurisprudência que se formaram ao longo de 55 anos e que, quando inova, prejudica o cidadão (como, apenas para exemplificar na legitimação à apelação da autoridade coatora, que não é parte no processo). Em relação ao mandado de segurança coletivo, a nova lei distancia-se da doutrina e da lei no que tange ao microssistema brasileiro de processos coletivos (CDC e LACP), excluindo o mandado de segurança coletivo para a tutela de interesses ou direitos difusos, restringindo a legitimação até em relação à Constituição e disciplinando a coisa julgada de modo a limitá-la e a desconsiderar seu regime na tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos.

(...)

Gostaria que publicassem essa minha nota, pois é muito desconfortável para mim a ideia de que eu possa ter tido alguma participação na elaboração da lei.’”115 (grifos apostos)

Também são categóricos os Professores LUIZ GUILHERME MARINONI e

SÉRGIO CRUZ ARENHART:

“No campo infraconstitucional, a disciplina do mandado de segurança coletivo foi dada pela Lei 12.016/2009, não existindo regime próprio anterior. Talvez, aliás, fosse preferível permanecer com a omissão legislativa, diante do

114 MENDES, Aluísio Gonçalves de: Op. Cit., pág. 125. 115 GRINOVER, Ada Pellegrini, apud, BUENO, Cassio Scarpinella: A Nova Lei do Mandado de

Segurança – Comentários Sistemáticos à Lei 12.016, de 7-8-2009, 2ª ed, Saraiva, São Paulo, 2010, pág. 160.

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verdadeiro desastre operado pelo regime conferido ao mandado de segurança coletivo pela atual legislação. O tema foi tratado, apenas, em dois dispositivos (arts. 21 e 22, da LMS) e ambos estão permeados de diversas inconstitucionalidades manifestas.

(...)

Vê-se, portanto, que foi infeliz o legislador ordinário em relação à disciplina do mandado de segurança coletivo. Melhor seria ter ficado com o vácua anterior.”116

Em suma, do estudo empreendido pode-se extrair que os principais

retrocessos atribuídos pela doutrina à Lei nº 12.016/2009, no que diz respeito ao

mandado de segurança coletivo, residem em, pelo menos, três pontos:

1) Limitação no que tange à legitimação dos partidos políticos

Conforme explicitado, parte da doutrina entende que o controle da

pertinência temática em relação ao programa e ao estatuto do partido político,

bem como a possibilidade de o mesmo atuar coletivamente na defesa dos direitos

de seus membros, exigências não contempladas constitucionalmente, restringem

a atuação dos partidos políticos no que tange legitimidade para impetrar o

mandamus coletivo.

2) Limitação do objeto de proteção do mandado de segurança coletivo

aos direitos coletivos sticto sensu e individuais homogêneos, excluindo de

apreciação pelo mandado de segurança coletivo os direitos difusos.

A crítica sobre o tema mostra-se implacável, não obstante a conclusão de

alguns doutrinadores de que o silêncio da nova legislação no que tange aos

direitos difusos não impede o manuseio do mandamus coletivo para salvaguardá-

lo.

3) Limitação da coisa julgada

116 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz: Curso de Processo Civil -

Procedimentos Especiais, 2ª ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, vol.05, pág. 269/270 e 273.

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Os efeitos benéficos da coisa julgada no mandado de segurança coletivo,

ademais de ficarem limitados aos membros do grupo ou categoria substituídos, só

atingirá o impetrante individual caso haja a desistência do mandado de segurança

individual no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da impetração do

mandamus coletivo, o que vai de encontro ao previsto no art. 104 do CDC, que

prevê apenas a suspensão da ação individual.

Em linhas gerais, esses são os comentários e os pontos mais críticos

atribuídos à Lei nº 12.016/2009, no que diz respeito ao tema mandado de

segurança coletivo.

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CONCLUSÃO

Em um momento de grandes transformações no âmbito da sociedade

contemporânea – cada vez mais globalizada e de massa – que, como

consequência, provocam a evolução do direito material e processual, a Lei nº

12.016/2009, no que tange ao mandado de segurança coletivo, já nasceu

defasada, seja em virtude do tempo em que levou para ser promulgada (quase

oito anos), seja porque deixou de harmonizar o seu texto com a evolução

doutrinária e jurisprudencial sobre o tema.

O legislador, ao disciplinar o mandado de segurança coletivo de forma tão

restritiva, ademais de desperdiçar a oportunidade de esclarecer e positivar pontos

sensíveis aos processos coletivos, destoou das conquistas que o direito brasileiro

tem galgado nas últimas décadas, tanto na perspectiva constitucional quanto na

processual, principalmente no que tange aos processos coletivos.

É compreensível a decepção dos processualistas contemporâneos, e da

comunidade jurídica em geral, com a pífia regulamentação em termos de

mandado de segurança coletivo, ainda mais se considerarmos a relevância desse

instituto para se atingir a efetividade do processo. Especificamente, no entender

do Professor ALUISIO GOLÇALVES DE CASTRO MENDES, por ser este um

importante mecanismo resultante de três marcos processuais, quais sejam: o

controle dos atos do Poder Público pelo Judiciário, o mandado de segurança

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como procedimento desembaraçado, concentrado e documental e a evolução dos

processos coletivos.

Sob esse enfoque, se se considerar que não avançar é retroceder, pode-se

concluir que a Lei nº 12.016/2009 representa um retrocesso no que diz respeito

ao tema mandado de segurança coletivo. Por outro lado, caso se julgue ser esta

uma conclusão contundente, fato é que não se vislumbra no diploma em questão

nenhum avanço significativo sobre o tema merecedor de anotação favorável.

Com efeito, considerando o texto deficitário da Lei nº 12.016/2009 sobre o

tema mandado de segurança coletivo, a missão de preencher as lacunas

deixadas por esse diploma legal permanecem sob a responsabilidade da doutrina

e da jurisprudência, até que nova legislação sobre o assunto sobrevenha no

mundo jurídico.

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Salvador: JusPODIVM, 2008.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

DOS PROCESSOS COLETIVOS 10

1.1 – Breve histórico da ações coletivas 10

1.2 – A estrutura molecular do litígio coletivo 13

1.3 – Diferenças entre o litisconsórcio previsto no CPC e

a ação coletiva 14

1.4 – O microssistema processual coletivo 14

1.5 – Direitos coletivos lato sensu e suas espécies 16

1.5.1 – Direitos difusos 17

1.5.2 – Direitos coletivos stricto sensu 17

1.5.3 – Direitos individuais homogêneos 18

1.6 – Principais características do processo coletivo 19

1.7 – Conclusão 21

CAPÍTULO II

DO MANDADO DE SEGURANÇA 22

2.1 – Conceito e Natureza Jurídica 23

2.2 – Requisitos 24

2.3 – Direito líquido e certo 25

2.4 – Cabimento 27

2.5 – Legitimidade 28

2.6 – Prazo para impetração 30

2.7 – Procedimento 31

2.8 – Conclusão 32

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CAPÍTULO III

DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO 32

3.1 – Conceito 34

3.2 – Condições Específicas da Ação 35

3.3 – Natureza Jurídica 36

3.4 – Objeto 37

3.5 – Legitimidade 40

3.5.1 – Partidos políticos 41

3.5.2 – Organizações sindicais, entidades de classe

e associações 43

3.6 – Litispendência e coisa julgada 46

3.7 – Procedimento 50

3.8 – Conclusão 50

CAPÍTULO IV 50

A LEI Nº 12.016/2009

4.1 – Da legitimidade dos partidos políticos 52

4.2 – Da legitimidade das organizações sindicais,

entidades de classe e associações 55

4.3 – Da legitimidade do ministério público, da defensoria

pública e de outros entes 57

4.4 – Objeto – direitos tuteláveis 59

4.5 – Coisa julgada e litispendência 62

4.6 – Procedimento – liminar 64

4.7 – Conclusão 65

CONCLUSÃO 69

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71

ÍNDICE 73