UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · (Henry Ey) 4 RESUMO Esse trabalho abordará a...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “TERAPIA DE FAMÍLIA” AVM FACULDADE INTEGRADA ALGUNS ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO CORPORAL EM REICH Por: Jocinete Souza Alves Orientadora Prof. Fabiana Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “TERAPIA DE FAMÍLIA”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ALGUNS ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO

CORPORAL EM REICH

Por: Jocinete Souza Alves

Orientadora

Prof. Fabiana

Rio de Janeiro

2012

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AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho exigiu muito esforço, dedicação e tensões

musculares. Sua conclusão representa além do fruto colhido após meses de

empenho, o encerramento do ciclo acadêmico vivenciado ao longo de vários

meses.

Agradeço aos meus amigos por acreditarem, apoiarem afetivamente e

financeiramente minhas escolhas.

Agradeço minha família, especialmente meus filhos Juliane e Célio, por

me incentivarem e a quem recorri nos vários momentos de desespero

vivenciados este semestre.

Agradeço a minha orientadora Fabiana pela paciência e oportunidade

de me orientar com seu farto conhecimento e experiência.

E, sobretudo, agradeço a Deus por atender minhas rogativas e por me

conceder inspiração e perseverança.

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Nada do que sinto, do que quero, do que sou, do que

penso, nenhum projeto, nenhum lamento, nenhuma

ideia, nenhuma palavra, nada existe para mim ou para

reflexão de alguém sobre mim que não passe por este

lugar geométrico, este nó vital da minha existência.

(Henry Ey)

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RESUMO

Esse trabalho abordará a comunicação corporal com base na teoria de

Wilhelm Reich. Médico austríaco e polêmico, por seu envolvimento político e

ideias avançadas para época, fez importantes descobertas no campo das

terapias corporais, a partir da análise do caráter e como suas resistências

atuam sobre o corpo, formando padrões corporais característicos. A partir da

teoria de Reich sobre a comunicação corporal, será estudado como os padrões

musculares e posturais refletem os conflitos psíquicos e atuam como barreiras

na contenção de afetos recalcados. Será considerado, como as desordens

psíquicas exercem influências diretas nas desordens orgânicas, analisando-se

por que os fatores psicológicos desencadeiam os sintomas. E a partir de tais

considerações, será abordado como as contribuições sobre a comunicação

corporal, podem ser úteis na compreensão do sujeito.

Palavra-chaves: corpo; comunicação; caráter; reclaque; expressão;

conflito; afeto.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 6

1. BIOGRAFIA DE WILHELM REICH ................................................................. 8

2. CARÁTER ..................................................................................................... 13

2.1 Formação do Caráter .................................................................................. 15

2.2 Tipos de Caráter ......................................................................................... 17

2.2.1 Caráter histórico ....................................................................................... 17

2.2.2 Caráter compulsivo .................................................................................. 18

2.2.3 Caráter fálico-narcisista............................................................................ 19

2.2.4 Caráter passivo-feminino ......................................................................... 20

2.2.5 Caráter masoquista .................................................................................. 21

3. O QUE O CORPO REVELA .......................................................................... 23

4. EXEMPLOS DE DESORDENS ORGÂNICAS DE CARÁTER PSIQUICO .... 34

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 37

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 39

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INTRODUÇÃO

O corpo é o representante físico das constituições psíquicas, nele se

expressam modos de ser, tentativas de não ser, modos de amar, de não amar-

se, atitudes frente ao mundo, tentativas de se impor e de se esconder.

Nos animais, tendo a comunicação corporal como principal meio de

expressão, esta é genuína e claramente entendida. No homem, no entanto, a

linguagem verbal impera sobre a comunicação corporal, mas não a invalida.

Com um olhar atento, algumas vezes é possível ver claramente a contradição

entre o que se fala e o que o corpo expressa e vice-versa.

Com base nesse conceito, este trabalho será fundamentado na teoria

de Wilhelm Reich, com sua análise dos mecanismos psíquicos e físicos que

engedram a expressão corporal.

O objetivo deste trabalho consiste em estudar o corpo como sendo um

veículo de comunicação direta com o mundo, considerando os afetos que

subjazem às expressões corporais em vários níveis.

As manifestações corporais, como sendo veículos de comunicação

através das quais é possível captar e compreender o sujeito, considerando as

variáveis psíquicas e orgânicas que fundamentam a expressão, constituem o

foco central a partir da qual se realizará este trabalho.

No primeiro capítulo, será apresentado um breve relato sobre a

biografia de Wilhelm Reich, sua vida pessoal, seu envolvimento político, a

trajetória de sua carreira como psiquiatra e acontecimentos marcantes que

influenciaram o desenvolvimento de sua teoria acerca da constituição psíquica.

No segundo capítulo, será abordado a teoria reichiana da análise do

caráter, com a descrição das circunstâncias que a formam e as peculiaridades

dos tipos de caráter, formando comportamentos característicos a serviço da

defesa do ego.

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O terceiro capítulo consiste na descrição detalhada dos segmentos do

corpo relacionados às ‘’couraças’’, como postulou Reich, os sentimentos

envolvidos e os padrões corporais adotados para contê-los.

No quarto e último capítulo, será considerado, como as desordens

orgânicas atuam como veículos de expressões da psique e como estão

relacionadas ao conflito psíquico.

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A BIOGRAFIA DE WILHELM REICH

Wilhelm Reich nasceu em 24 de março de 1897, em Galícia, Áustria.

Seu pai, Leon Reich, era um fazendeiro judeu não praticante. Por isso, Reich

não recebeu educação religiosa. Seu pai, era um homem inteligente, severo e

autoritário, chegando a ser, algumas vezes, tirano em relação aos camponeses

e aos filhos. Era extremamente ciumento e possessivo com sua mulher.

Reich era fascinado por sua mãe, Cecília Roninger Reich, que sofria

terrivelmente com os ciúmes do marido. O casal teve mais filhos, Robert, três

anos mais novo que Reich. Os dois cresceram isolados das outras crianças,

pois o pai não permitia que brincassem com os filhos de camponeses e por

falarem alemão, afastavam-se das crianças judias locais, que falavam iídiche.

Não frequentavam escolas e tinham professores particulares.

Aos 12 anos, Reich flagrou um encontro amoroso entre sua mãe e seu

professor. E noite após noite, Reich espiava os encontros clandestinos dos

amantes em sua própria casa. Em sua autobiografia, Reich confessou ter

sentido, certa vez, sensações eróticas, ao imaginar os amantes juntos.

O pai, desconfiado, pressionou Reich, que revelou o segredo de sua

mãe. Dois anos depois, ela se suicidou com veneno, por não suportar mais as

torturas físicas e morais que sofria do marido. Poucos anos depois, seu pai não

suporta e morre de tuberculose. Em sua autobiografia Reich disse que sentia-

se culpado pela morte dos dois.

Nesta ocasião, Reich estava com 17 anos e ficou responsável pela

administração da fazenda e pelo irmão mais novo, que morre aos 26 anos,

também de tuberculose.

Em 1915, aos 18 anos, Reich alista-se no exército austríaco e é

enviado para a guerra na Itália. No ano seguinte, a guerra destrói sua cidade

natal e devasta sua propriedade.

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Em 1918, Reich ingressa na Universidade de Viena para cursar

medicina. Devido em parte, à sua história familiar, apresentava muito interesse

sobre sexualidade e procura Sigmund Freud, que desenvolvera sua teoria

brilhantemente sobre o assunto. Reich candidata-se e é aceito na Sociedade

Psicanalítica de Viena, em 1920, com o trabalho: “O conflito da libido e a ilusão

de Peer Gynt.”

Envolve-se em política e tenta conciliar as teorias de Freud e Marx.

Recebe o diploma de médico em 1922 e foi o primeiro assistente clínico de

Freud em sua clínica psicanalítica. Reich era visto por muitos, como o “príncipe

herdeiro” de Freud. Durante o período psicanalítico, Reich contribui com o

aprimoramento da teoria das resistências analíticas. Freud já apontara a

importância da análise das resistências nos pacientes.Entretanto, Reich

demonstrou como detectar e analisar as resistências, que de acordo com a sua

visão, podiam ser percebidas na maneira como o paciente se expressa. Reich

direcionava atenção especial às expressões corporais de seus pacientes. Para

ele, o modo como o paciente expressava suas emoções e a mudança de

comportamento após ser desfeita a resistência, era tão importante quanto o

conteúdo de seus relatos. Essas variáveis analíticas que compunham a técnica

de Reich, não recebiam atenção dos psicanalistas da época. Reich casa-se

com Annie Pink e têm com ela dois filhos, Eva e Lore.

Reich, tenta em 1927, iniciar a análise pessoal com Freud, que recusa

por ser este membro do círculo psicanalítico. Gera-se a partir daí, um sério

conflito entre eles, que depois aumentaria com o crescente envolvimento

político de Reich e a teoria que a insatisfação sexual era a principal causa das

neuroses.

A partir de sua implicação política, Reich possuía uma concepção

ampla da construção do homem, em relação às etapas sócias-políticas, pelas

quais, segundo ele, é influenciado. Reich acreditava que a psicanálise tinha um

papel imprescindível nessa análise ampla da construção psíquica, uma vez que

ela era sutilmente moldada, provocando um desvio da originalidade das

pessoas. Defendia ainda , que com intuito de manipulação, valores e padrões

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de comportamento foram infiltrados nas bases familiares e reproduzidos na

educação das crianças, impregnados de normas de condutas e moralidade

sexual, que barravam e não satisfaziam as necessidades instintuais, motivo

crescente de sintomas neuróticos.

Reich acreditava que a formação da estrutura libidinal estava

diretamente relacionada à imposição de ordem social. Desse modo, defendia

que os fatores da organização social, não fossem dissociados na compreensão

pela psicanálise da análise da organização psíquica do sujeito. Esses ideais

defendidos por Reich, geraram grande insatisfação por parte do movimento

psicanalítico da época.

Em 1928, Reich se torna um membro ativo do partido comunista. E em

1931, com apoio do partido elabora programas de políticas sexuais para

trabalhadores que propõe reformas nas leis sobre aborto, homossexualidade e

matrimônio; distribuição de anticoncepcionais; educação sexual através de

meios de comunicação em massa, visando à aprendizagem de jovens e

crianças. As propostas de Reich eram muito ousadas para os costumes da

época, causando muita polêmica. Em um jornal dinamarquês, Reich foi

acusado de pornografia.

Reich foi expulso do partido comunista alemão em 1933 por não

tolerarem suas críticas contra o autoritarismo reinante, que o remetia à criação

recebida por seu pai, e seu enfático interesse radical em educação sexual.

No ano seguinte, Freud preocupado com o futuro da psicanálise e aflito

com a insistência de Reich no orgasmo como sendo a solução da neurose, e

após a leitura da teoria de Reich sobre “O Caráter Masoquista”, decide

desligado da psicanálise. Esta foi a única expulsão da história da psicanálise.

Em 1933, Reich muda-se para a Dinamarca e separa-se de sua

primeira mulher por conflitos políticos e pessoais. Tempos depois encontra a

dançarina Elsa Lindemberg e casa-se pela segunda vez.

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Reich é expulso da Dinamarca e Suécia por causa de suas polêmicas

teorias. Foi expulso de duas afiliações profissionais, políticas e movimento

psicanalítico e de três países diferentes em um período de seis meses.

Reich se muda para Oslo e vive um momento tranquilo. Pessoas

respeitáveis o apoiam e decidem estudar com ele. É acolhido pelo grupo do

psicanalista Ola Raknes, que no futuro se torna um discípulo de Reich. Em seu

livro sobre a orgonomia, Raknes descreve Reich como um homem obstinado,

dedicado ao trabalho e extremamente honesto.

Raknes atribuiu suas inúmeras expulsões por seu caráter hostil,

quando sentia que ia ser atacado, chegando a ser algumas vezes injusto com

seus opositores. Demonstrava sua agressividade ao ser contrariado.

Ainda na Noruega, Reich faz algumas de suas mais importantes

descobertas: o reflexo do orgasmo; elaborou a vegetoterapia analítica; fez

estudos sobre o câncer e descobriu a energia orgânica na matéria viva. Em

1938, Reich é alvo por parte dos psiquiatras e cientistas que atacam suas

teorias sobre as causas sexuais das neuroses e suas experiências com o

orgone, com campanhas contra Reich publicadas em jornais. Ele é impedido de

renovar o visto de permanência na Noruega.

A partir de 1934, Reich tentou apoiar suas teorias psicológicas e

sociológicas com base na filosofia , biologia e física.

A “Análise do Caráter” com base na teoria psicanalítica passou a ser

considerada “vegetoterapia” com base na biologia e física.

Reich inicia suas experiências em “Bions”, em 1939 na tentativa de

descobrir a natureza física da libido e descobre o “orgone” e o define como a

energia básica que atua nos indivíduos.

Em 1940, Reich é convidado a trabalhar na New School for Social

Research, de Nova York, para trabalhar como professor de psicologia médica e

muda-se para os EUA. Funda o Instituto Orgon, onde desenvolve suas

pesquisas, constrói o acumulador de orgône. Descobriu que o fluxo inadequado

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de energia orgônica no indivíduo, era capaz de produzir doenças, essa energia

inadequada, podia ser restabelecida pela exposição de energia orgônica dos

acumuladores. No mesmo ano separa-se de Elsa e passa a viver com sua

assistente de laboratório Ilse Ollendorf e tem com ela um filho, Peter. A união

durou 15 anos.

Em 1954, A Food and Drug Administration, obteve ordem judicial para

proibir a distribuição de acumuladores de orgone, alegando que eram falsos os

resultados de cura de doenças com acumuladores de energia orgônica. Livros

e revistas também tiveram a circulação suspensa.

Reich desrespeitou as proibições e continuou os experimentos

científicos e foi preso por desacato à autoridade, sendo fiel às suas ideias e

coerente com uma das suas principais características, a obstinação. Ele

continua escrevendo na prisão. Seus escritos foram lacrados e enviados à

fundação com o pedido para que fossem abertos 50 anos após sua morte.

Em 1957, Reich morre na cadeia de enfarte do miocárdio.

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CARÁTER

De acordo com Reich (1989), os tipos de caráter são costumes, hábitos

e posicionamentos adotados pelo indivíduo e consistem nas maneiras como

este se apresenta na vida. São comportamentos padrões adotados em

resposta ás mais diversas situações. São características como a agressividade,

timidez, etc..

Os tipos de caráter também se manifestam no corpo através de

posturas, movimentação corporal e expressões faciais habituais. Esses

posicionamentos psíquicos e corporais se consolidam e constituem modos de

reações automáticas, independentes da vontade consciente do indivíduo.

Freud, em 1908, foi o pioneiro a discutir a análise do caráter em

Caráter e Erotismo Anal. A partir da teoria de Freud sobre o assunto, Reich foi

o primeiro psicanalista a utilizar em seus pacientes a técnica de análise do

caráter, ao invés de analisar os sintomas.

Segundo Reich (1989), certos posicionamentos como pessoas muito

calmas e/ou severas, temperamentais e insensíveis, servem como defesa, ou

como ele chamou, encouraçamento do ego. Esse encouraçamento tem a

finalidade de proteger o ego dos perigos do mundo exterior e das exigências

pulsionais do id.

O caráter se torna crônico, formando uma couraça que protege o ego

de ameaças internas e externas.

A formação do caráter se inicia como uma forma de superação do

complexo de Épico, na qual os desejos emitidos pelo id, se chocam com o ego

fraco, que por medo de ser punido, desenvolve mecanismos de defesa. Neste

caso, temos padrões de comportamento, destinados a amparar o medo, com a

utilização de posicionamento diante da realidade, para evitar o contato com

situações perigosas que ameacem a estabilidade do ego.

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Reich (1989) salienta que os conflitos sexuais infantis e o complexo de

Épico, não são suficientes para gerar o encouraçamento do caráter, mas a

maneira como estas etapas são tratadas pelos pais, uma vez que a doença do

sujeito é fruto do conflito familiar.

Certos traços de caráter são sintomas que refletem conflitos psíquicos.

Assim como os sintomas neuróticos, são canais por onde a angústia deságua;

os traços de caráter servem como forma de evitar reações correspondentes à

determinados impulsos do id, fortalecendo dessa forma, as defesas do ego. A

diferença consiste no fato de os traços de caráter serem considerados como

partes integrantes da personalidade e não assumem um quadro patológico,

como os sintomas neuróticos.

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FORMAÇÃO DO CARÁTER

Outros fatores determinam a formação de caráter, além do choque

entre a pulsão e a frustração. De acordo com Reich (1989), deve-se considerar:

• A fase de desenvolvimento durante a qual o impulso é frustrado;

• A frequência e intensidade das frustrações;

• O impulso relacionado à frustração; a correlação entre liberação e

frustração;

• O sexo da principal pessoa responsável pela frustração e

• As contradições nas próprias frustrações.

Todas as estruturas de caráter são frutos do conflito que nasce da

relação crianças-pais e construídos como uma tentativa de resolução desses

conflitos e de defesas contra sentimentos ambivalentes em relação aos pais.

Há uma identificação em relação a pessoa causadora da frustração, irá

influenciar no efeito do recalcamento. Se por exemplo, ela ocorre nas fases

iniciais de desenvolvimento, o recalque do impulso é quase que completo, o

que acarretará posteriormente, danos graves na estrutura da personalidade.

Se a frustração do impulso ocorre no auge de seu desenvolvimento,

este não pode ser completamente recalcado, tornando-se desse modo um

conflito indissolúvel entre a proibição e impulso.

Uma vez estando o impulso completamente desenvolvido, ao se

deparar com a frustração, a proibição não é inteiramente aceita. Neste caso, a

personalidade se torna impulsiva, desenvolvendo na criança sentimentos de

culpa.

Segundo Reich (1989), o ego utiliza defesas na forma de padrões de

comportamento, para evitar situações nas quais esses sentimentos do conflito

infantil possam ser reavivados e impedindo assim que o impulso infantil

recalcada emerja. Reich classificou os tipos de caráter de acordo com a fase

do desenvolvimento do impulso infantil.

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TIPOS DE CARÁTER

1. Caráter histérico

Reich (1989) define a característica mais marcante do caráter histérico,

comum a homens e mulheres, como “uma atitude sexual inoportuna”.

Nas mulheres é observado no modo de andar, olhar ou falar, uma

tentativa de provocar admiração do outro. Nos homens, comportamentos

femininos são observados na expressão facial, na delicadeza e cortesia

excessivas. Os movimentos deste tipo de caráter são flexíveis e sexualmente

provocantes. Dentre os traços ocultos, é possível enumerar a instabilidade de

reações, forte tendência ao desapontamento, facilidade de ser persuadido e

imaginação vívida, onde experiências fantasiadas podem ser interiorizadas

como se fossem reais. Há uma forte tendência de somatizar conflitos

Psíquicos.

Reich ( 1989) comenta que no caráter histérico, o impulso é frustrado

na fase genital do desenvolvimento infantil e este impulso está vinculado com o

desejo de sedução para com o genitor do sexo oposto. O impulso genital

dirigido ao objeto amado é recalcado pelo mesmo, ocasionando então uma

grande frustração na criança e um conflito entre o amor, o desejo que ainda

existe e o ódio, ou o medo de ser punido. Uma grande angústia é gerada com o

resultado desta frustração. Neste traço de caráter o ego se defende dos

investimentos do id pelo desejo genital incestuoso e para isso coloca a

sexualidade genital a serviço da própria defesa.

“... o caráter histérico tem impulsos

genitais fortes excepcionalmente fortes e não satisfeitos, que estão

inibidos pela angústia genital. Assim, ele se sente sempre à mercê de

perigos que correspondem a seus medos infantis. O impulso genital

original é usado, por assim dizer, para explorar a fonte, a magnitude e a

proximidade do perigo“. (REICH, 1989, p 193)

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Há uma intensa angústia genital, gerada pela inibição da função

genital, o que ocasiona no caráter histérico de graves perturbações sexuais. A

agilidade sexual nesse tipo de caráter está a serviço do ego, que não seguiu

seu curso natural. No caráter histérico a libido que não encontra satisfação

sexual é em parte, descarregada em inervações somáticas ou em parte

transformada em medo ou angústia.

2. Caráter compulsivo

Reich (1989) descreve o caráter compulsivo, como tendo um sentido

de ordem pedante, ou seja, o possuídos desse traço de caráter, vive de acordo

com um padrão preconcebido por ele. Não pratica atos espontâneos, que o

levariam a burlar seu esquema de padrões rígidos. Mudanças geram extrema

angústia nesse indivíduo. O compulsivo possui a expressão pesada e dura

como uma máscara, forte reserva e autodomínio. São econômicos em suas

manifestações de amor ou ódio, chegando a refletir, por algumas vezes, um

bloqueio de afetos.

O caráter compulsivo possui sua base, como afirmou Reich (1989), na

fase anal do desenvolvimento infantil e representa reações do erotismo anal,

durante o período de aprendizagem da higiene. Durante esse período, há uma

fixação central na fase sádico-anal e a rígida aprendizagem da higiene e

controle dos esfíncteres desenvolvem na criança uma poderosa tenacidade

anal, mobilizando os impulsos sádicos a se fortalecerem. Esclarece Reich:

O sadismo contido no bloqueio de

afetos não é somente seu objeto, mas também o meio que ele emprega

para evitar a analidade. Assim, os interesses em funções anais são

também evitados com a ajuda de energia agressiva. Todas as expressões

vivas e afetivas despertam no inconsciente as antigas excitações que

nunca se resolveram, I resultado é uma angustia permanente de que

aconteça uma desgraça, de que alguma coisa possa impedir o

restabelecimento do autodomínio. ( REICH, 1989, p. 200)

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A rigidez se apresenta como principal meio de defesa do ego, nesse

tipo de caráter. A rigidez afetiva, que se reflete na rigidez muscular,

especialmente da região pélvica e facial, serve como barreira contra os

impulsos sádicos recalcados no conflito infantil, na tentativa forçada do controle

anal e consequente medo de punição. O que justifica também no caráter

compulsivo o bloqueio afetivo, como defesa do ego contra os afetos e

excitações que nunca se resolveram, para que essas emoções não

desequilibrem o autodomínio.

3. Caráter fálico - narcisista

De acordo com Reich (1989), pessoas que possuem o caráter fálico-

narcisista, são autoconfiantes, chegando a arrogância, inflexíveis, enérgicos e

com comportamentos inoportunos devidos a seu gosto pelo exibicionismo. São

facilmente provocados e reagem muito agressivamente. Costumam ocupar

postos de liderança e seu narcisismo faz com que sintam prazer em ostentar

sua superioridade. Possuem físico atlético em sua maioria, com traços fortes e

feições masculinas. Em alguns casos, apresentam, apesar do físico atlético,

feições delicadas. O homem fálico-narcisista endereça atitudes sádicas e de

menosprezo à mulheres com as quais se relaciona. No ato sexual, são

violentos e utilizam, inconscientemente, o pênis mais como forma de agredir e

se vingar, do que de obter orgasmos.

Entre as mulheres, em pequeno número, também é possível

encontrarmos esse tipo de caráter. Costumam ser homossexuais ativas e

ostentam fantasias de possuir um pênis.

Para Reich (1989), esse traço de caráter, possui uma base fálica em

que, na infância, o interesse genital e o exibicionismo foi fortemente frustrado

pelo genitor do sexo oposto a quem eram endereçados investimentos libidinais.

A inibição do desenvolvimento ulterior do amor do objeto genital na

infância, devido a uma profunda frustração das atividades genitais e

exibicionistas, no auge de seu desenvolvimento, causada pelo

ascendente ou tutor em quem os interesses genitais começam a se

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concentrar, resulta uma identificação como essa pessoa em nível genital.

(REICH, 1989, p. 205)

Após a frustração, a criança redirecionou seu interesse para o genitor

do mesmo sexo e o desejo genital, antes direcionado ao outro genitor, passa a

ser ódio e desejo de vingança. No homem, ele é reavivado durante o sexo com

mulheres, onde a penetração simboliza uma perfuração. Por outro lado, a

mulher, durante o ato sexual com homens, projeta sua vingança genital,

simbolicamente, castrando-o e colocando seu parceiro no lugar de impotente e

passivo.

A defesa do ego, no caráter fálico-narcisista, consiste na agressão; o

sadismo que é dirigido essencialmente ao objeto de desejo incestuoso que

frustrou este sentimento transformou-se em ódio e é projetado em parceiros

heterossexuais na vida adulta. Os sentimentos ambivalentes em relação ao

objeto amado, ocasionado pela frustração e repressão do impulso de exibir-se,

como meio de seduzir o objeto, geram grande angústia e desejo de vingança.

Os traços deste tipo de caráter, tais como a agressividade e o gosto pelo

exibicionismo, são dedicados a defesa do ego, se tornando crônicos, a fim de

impedir que os impulsos frustrados emirjam.

4. Caráter passivo-feminino

O caráter passivo-feminino, como o nome sugere, consiste em uma

atitude de passividade, observada nos homens em relações à mulheres, devido

à identificação com a mãe de personalidade masculina e rigorosa.

Reich (1989) aponta também como características deste tipo de

caráter, a delicadeza, brandura e dificuldade em sustentar opiniões.

No caráter passivo-feminino, há uma identificação com a mãe em uma

base anal do desenvolvimento. Esse caráter de passividade em relação a

mulheres serve como defesa do ego, contra o medo de castração pela mãe

rigorosa, para quem foram endereçados desejos fálicos.

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De outro modo, há um tipo de caráter passivo-feminino, no qual a

identificação com a mãe, resulta da passividade diante do pai excessivamente

rígido, recuando então da fase fálica (ativa) para a fase anal (passiva).

As atitudes mencionadas acima, como passividade e delicadeza, são

neste caso, dirigidas à figuras de autoridade. São utilizadas pelo ego para

conter os impulsos masculinos e o ódio pelo pai.

O medo é o sentimento que permeia os dois casos, tanto na frustração

do impulso pela mãe rigorosa, quanto pelo pai excessivamente autoritário.

Esse medo gera intensa angústia, a atitude de passividade e suposta

obediência é utilizada como mecanismo de defesa do ego a fim de se proteger

da iminente punição.

Lowen (1977) descreve o homem do caráter passivo-feminino, como

possuidor de modos gentis, com voz e expressão facial suave, corpo com

contornos arredondados e ombros estreitos. Mostram-se solícitos,

extremamente gentis e humildes.

Lowen (1977) se refere ao conflito, nesse tipo de caráter, entre impulso

genital e a frustração intensa desse impulso, por uma educação autoritária, na

qual a agressividade genital desse sujeito é reprimida pelo medo de castração.

Como defesa, o ego exibe tendências femininas, a partir do recuo da

identificação do pai, com a mãe. E a nível genital, é masculino apesar de

manter-se passivo, pois sua agressividade masculina frustrada foi reprimida.

5. Caráter masoquista

Reich (1989) aponta o traço do caráter masoquista, como um

sentimento crônico de sofrimento, que acompanha uma tendência para se

queixar, assim como tendências a causar dor a si próprio, autodepreciação e

auto-humilhação.

Nas relações com pessoas, demonstra insegurança, falta de

naturalidade, movimentos corporais descoordenados e desajeitados.

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Segundo Lowen (1977), fisicamente, o caráter masoquista apresenta

musculatura bem desenvolvida, a fim de reter impulsos negativos e barrar os

impulsos genuínos.

A formação do caráter masoquista tem sua origem na história infantil,

com base no início da fase genital. Os impulsos genitais, dirigidos ao objeto de

amor incestuoso, é manifestado através do exibicionismo do órgão genital.

A frustração desse impulso genital de exibir-se é causada pela

proibição desse ato prazeroso de sedução, gerando desse modo, o medo de

punição pela desaprovação de seu comportamento pelo objeto amado.

Em consequência deste fato, o ego utiliza-se da autopunição de modo

a aliviar a angústia que resulta do sentimento de culpa. Ou seja,

inconscientemente, o sujeito se sente merecedor de sofrimento, punição por ter

se “comportado mal”.

No caráter masoquista a dor física e moral traz prazer, a partir do

momento em que alivia a angústia.

De acordo com Lowen (1977) o indivíduo que apresenta o caráter

masoquista foi submetido a experiências de humilhação e repreensão que o

desqualificaram, na tentativa de seus pais e educadores no treino à higiene, no

controle dos esfíncteres e quanto a automanipulação e exibição das partes de

seu corpo. O sentimento de culpa resultante de impulsos severamente

repreendidos gera uma agressividade voltada para si mesmo. As submissões

masoquistas giram em torno da necessidade inconsciente de buscar

aprovação.

A tendência a se queixar, mencionada acima, resulta em uma

constante busca por ser amado e também uma forma de demonstrar sua

infelicidade. Elogios despertam no possuidor do caráter masoquista uma

tendência exibicionista e para contê-la, ele procura se autodepreciar e auto-

humilhar-se para barrar esse impulso que o remete aos conflitos infantis.

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O QUE O CORPO REVELA

Durante o seu período de orientação claramente psicanalítica, as

expressões corporais, nuances faciais e posicionamentos posturais, já eram

considerados por Reich como aspectos de extrema relevância na interpretação

analítica. Com a descoberta de reflexo do orgasmo, em 1935, o tratamento

analítico era direcionado para os aparelhos psíquicos e físico, sendo a

harmonia entre mente e corpo fundamental para se atingir a potência do

orgasmo.

Após a descoberta, em 1939, o orgone, como a energia presente em

todo organismo vivo e que expressa-se tanto nas emoções, como no

funcionamento biofísico dos órgãos, Reich (1989) passou a considerar em sua

técnica, a relação direta entre as emoções e os movimentos corporais, sendo

aquelas o resultados deste.

Reich (1989) aponta que os movimentos expressivos como reflexo de

sensações, são observáveis nos seres mais primitivos que o homem, como as

amebas, por exemplo.

Spencer (apud. Darwin, 2001, pg. 77) se refere a uma força nervosa

existente no organismo que é originária da irritação de uma célula nervosa.

Essa força produz o estado de sentimento, que procura uma válvula de escape

para ser gasta. Se a força nervosa é muito intensa, o meio para ser despendida

será através de pensamentos ativos, movimentos violentos e aumento da

atividade glandular.

Para Reich (1989) o organe, que é a base orgânica da libido, mobiliza

os sentimentos e o organismo como um todo. Sendo assim, um bloqueio

psíquico, “couraça do caráter”, é refletido em um bloqueio físico, (couraça

muscular), correspondente ao afeto bloqueado. A couraça do caráter que se

desenvolveu como resultado da frustração de um impulso na fase genital, por

exemplo, terá reflexo na pélvis, cujo movimento e balanço é por vezes

24

transformado em rigidez, a fim de conter e reforçar a defesa contra o impulso

reprimido no passado.

Esses bloqueios impedem o fluxo de energia normal no corpo. Assim

como na couraça do caráter, a couraça muscular serve como mecanismo de

defesa, destinado a conter sentimentos reprimidos no conflito infantil.

A orgonoterapia tem como objetivo liberar a energia estagnada nas

couraças musculares, através da liberação de afetos reprimidos. As técnicas

reichianas da orgonoterapia não serão aqui aprofundadas, tendo em vista

apenas a compreensão das manifestações psíquicas através do corpo.

A couraça muscular se apresenta na forma hipertonia ou hipotonia

muscular e facial, imobilidade em certas articulações, entre outras

características das quais a pessoa não tem consciência. Estas atitudes e

padrões musculares fixos refletem-se, intensificam-se e sustentam-se

mutuamente.

De acordo com Reich (1989) a expressão total do organismo

encouraçado é de retração. Descobriu através de anos analisando e estudando

seus pacientes, que a couraça está disposta em segmentos e funciona de

maneira circular,semelhante a um anel. Esses segmentos compreendem

sequencialmente a couraça ocular, oral, a do pescoço, a torácica, a do

diafragma, abdômen e finalmente a couraça pélvica. Cada uma delas

corresponde a afetos que em algum momento da vida do sujeito, precisaram e

precisam ser contidos e recalcados, impedindo desse modo, o fluxo livre de

energia no corpo e estagnando-a em partes encouraçadas que formam

barreiras inconscientes utilizadas pelo ego como defesa desses afetos e do

mundo externo que possam vir a estimular a emergência de tais impulsos.

25

Segmento Ocular

De acordo com Reich (1989), esse segmento é composto pela testa, os

olhos e a região do malar.

Lowen (1982) define os olhos como janelas que revelam os

sentimentos interiores. E como tais, podem estar abertas ou fechadas. Os

olhos têm além de visão, a função de estabelecer contato com o mundo e

refletem os estados interiores. Tal afirmativa, como considerou Tustin (1990),

pode ser observada nos olhos de uma criança autista, que se mostram

distantes e vazios, refletindo seu estado psíquico. A dificuldade de estabelecer

contato nessas crianças, também pode ser observada na inexistência de um

olhar direto nos olhos das outras pessoas.

Em muitas ocasiões, os olhares conseguem transmitir com mais

clareza e intensidade certos sentimentos, do que se fossem expressos

verbalmente. Os olhares não se constituem apenas dos olhos mas também das

demais partes do rosto que compõem a expressão, como as sobrancelhas, a

testa e os músculos oculares. São facilmente compreendidos os olhares de

fúria, nos quais os olhos parecem emitir “raios destrutivos” e claramente

interpretados na expressão “fuzilar com os olhos”. Ou ainda na expressão de

felicidade, onde os olhos se tornam brilhantes, como se a energia fluísse

livremente. O contrário também pode ser captado na expressão de tristeza,

onde os olhos se tornam opacos e o olhar parece acompanhar todo o corpo

que tende a esmorecer.

Em algumas pessoas, certos afetos são tão frequentemente

vivenciados, que a expressão dos mesmos, acaba por se tornar crônica e são

inconscientemente adotados, formando tensões como barreiras contra tais

sentimentos.

Lowen (1982) explica que o olho arregalado, o globo ocular

proeminente, característico da miopia, também são típicas na expressão do

sentimento de medo. Nesse caso, os músculos da região occipital e do maxilar,

se tornam tensos e bloqueiam o fluxo de sentimentos relacionados aos olhos.

26

De acordo com Reich (1989), a couraça do segmento ocular, reflete-se

na rigidez dos músculos dos globos oculares, das pálpebras, da testa e da

glândula lacrimal. Neste segmento, os olhos e pálpebras são fixos e

inexpressivos. Em alguns casos, se perde a capacidade de derramar lacrimas,

mantendo-se os olhos constantes, seja qual for a situação, impedindo dessa

forma, a expressão facial, uma vez que as sobrancelhas e testa também se

mantêm imóveis, como se uma máscara fosse utilizada para impedir que

determinados sentimentos aflorassem.

Esse tipo de expressão fixa como uma máscara, é um comum no

caráter compulsivo, no qual o autodomínio está a serviço da contenção de

impulsos reprimidos.

27

Segmento Oral

Nesse segundo segmento, Reich (1989) inclui a musculatura do

queixo, da faringe e o occipital, incluindo os músculos em torno da boca. Reich

(1989) salienta, que na couraça oral estão reprimidas as expressões

emocionais de morder furiosamente, chorar, gritar, sugar, entre outros afetos

relacionados à oralidade.

Navarro (1995) comenta que a estagnação de energia no segmento

oral está relacionado à fase oral do desenvolvimento infantil, no qual o bebê

perde o acesso precocemente ao seio materno, desenvolvendo a partir de

então, um estado depressivo e de frustração. Na fase oral, o bebê experimenta

o primeiro contato com o outro. Há um impulso de incorporar objeto amado e a

sensação de prazer através da saciedade da fome. Quando o seio é de certa

forma negado, há um comprometimento do desenvolvimento do contato com o

outro, bem como uma sensação de insatisfação constante, que ele

compensará futuramente com abusos alimentares, cigarro, álcool entre outros.

Navarro (1995) aponta ainda, que esses indivíduos comumente

apresentam problemas na fala, como gagueira, por exemplo, que estão

relacionados à imaturidade da função oral.

Prestera e Kurtz (1989) salientam que a mandíbula projetada para a

frente, nesse segmento, reflete a agressividade oral reprimida, formando uma

estagnação da energia. Atenção na mandíbula se refere ao impulso sádico-oral

frustrado, podendo ocasionar disfunções como bruxismo.

Reich (1989) atribui a esse segmento da couraça oral barreiras contra

os afetos associados à fase oral do desenvolvimento infantil, incluindo o

impulso de chorar que é barrado com a tensão dos músculos da boca e do

queixo.

28

Segmento do Pescoço

O terceiro segmento é definido por Reich (1989), como uma tensão

localizada na musculatura profunda do pescoço, os músculos platisma e

estemolidomastoideo, incluindo também a língua.

A postura do pescoço e da cabeça indicam como o sujeito se posiciona

frente ao mundo, sua atitude de imponência, insegurança, submissão, etc..

A variação de voz também é observada na couraça do pescoço, uma

vez que a voz transmite a carga afetiva da expressão verbal.

Nesse segmento, a couraça muscular impede que os afetos aflorem,

sendo possível observar o movimento do pomo-de-adão, que mantém relação

direta com a língua, quando o indivíduo executa o movimento de engolir, em

situações onde inconscientemente, os afetos recalcados são evocados,

formando o chamado “nó na garganta”.

Navarro (1995) define o pescoço como sendo a ligação entre a cabeça

e o resto do corpo, de modo que o bloqueio, provocará uma ruptura energética.

Refere-se ele ao narcisismo como principal emoção envolvida no segmento da

couraça do pescoço.

O encouraçamento do pescoço pode gerar alteração na voz,

dificuldades para vomitar e chorar, sendo os sentimentos a ele relacionados,

barrados pela tensão muscular. São observáveis também tensões na região

cervical, como torcicolo, artrose cervical e distúrbios posturais.

29

Segmento Torácico

De acordo com Reich (1989), o quarto segmento compreende o tórax

como um todo, os músculos intercostais, os músculos do peito, os músculos

dos ombros e a musculatura da caixa torácica.

O tórax representa o modo como o sujeito entra em contato com o

mundo externo, sendo lugar de troca direta com a atmosfera, através da

inspiração e expiração.

Reich (1989) assinala que a couraça torácica é manifestada por uma

elevação crônica do tórax, a respiração é superficial, de modo que o tórax

mantém-se imóvel. A couraça torácica está relacionada com atitudes de

autocontrole e reserva. Juntamente com a couraça do pescoço, a couraça do

tórax reflete ideal de nobreza e inacessibilidade.

Segundo Prestera e Kurtz (1989), quando respiramos profundamente

entramos em contato com nosso âmago e com os sentimentos mais profundos.

“A respiração é um meio de comunicação e de expressão

independente da palavra: a tristeza diminui a profundidade da respiração, o

prazer a aumenta”. (NAVARRO, 1995 p.75).

Na couraça torácica, a respiração superficial serve como barreira do

contato com a angústia, à raiva, à frustração, recordações traumáticas de

maus-tratos na infância e desilusões amorosas, que Reich (1989) define como

os sentimentos que estão por trás da formação desse tipo de couraça.

Aponta ainda, que na couraça torácica, os ombros estão puxados para

trás, refletindo uma postura de retraimento. Os movimentos dos braços

também são inibidos, devido à estagnação da energia no tórax.

Na couraça torácica há uma tendência para desenvolver problemas

cardíacos e pulmonares.

30

Segmento do Diafragma

De acordo com Reich (1989), o quinto segmento é composto,

essencialmente, do diafragma, estômago, pâncreas e fígado. Nesse segmento

há um bloqueio parcial, que ocorre no ato da inspiração. Esse bloqueio está

relacionado com o sentimento de ansiedade, que corta a respiração,

preparando o corpo para uma possível ação.

Navarro (1995) aponta que a couraça do diafragma corresponde à

ansiedade gerada pelo medo de punição vivenciado no conflito infantil, na fase

genital, onde a masturbação é iniciada e proibida pela educação conservadora

dos pais. A criança a partir de então se esconde para realizar o impulso

masturbatório, vive o conflito entre o prazer e a ansiedade resultante do medo

de punição.

O medo crônico vivido na couraça do diafragma é, de acordo com

Navarro (1995, p.97) “... o sinal de que uma tendência reprimida está prestes a

emergir na consciência, ameaçando a sua integridade”. Nesse caso o ego

utiliza o bloqueio como defesa.

Reich (1989) argumenta que os sintomas desenvolvidos a partir da

couraça do diafragma são além da incapacidade de vomitar, reações

relacionadas à ansiedade, como náuseas constantes e problemas

gastrintestinais.

31

Segmento Abdominal

Reich (1989) define o sexto segmento como couraça abdominal, que é

formada pelos músculos abdominais, músculos das costas e os músculos do

tronco.

A couraça abdominal é manifestada através da contração dos

músculos abdominais, formando cordões musculares rígidos e doloridos.

Segundo Navarro (1995), o segmento abdominal está relacionado com

a fase anal do desenvolvimento infantil, quando o prazer gerado pela

possibilidade de controlar as fezes é interrompido pela repressão por parte dos

pais e educadores, impondo um ritmo e horários para a evacuação, em tronco

de recompensas.

A formação da couraça abdominal corresponde ao protesto agressivo à

frustração da autonomia do controle dos esfíncteres.

Como resultado desse bloqueio, são geradas no organismo

encouraçado, prisão de ventre ou diarreias, que representam respectivamente,

uma forma de não se dar e conter a agressividade e a outra, uma expressão de

angústia de pessoas que se sentem muito cobradas e precisam “dar” algo.

Reich (1989) se refere a dores lombares, acentuadas pela curvatura da

coluna “corcunda”, como possivelmente ocasionadas pela couraça do

segmento abdominal.

32

Segmento Pélvico

De acordo com Reich (1989), o sétimo e último segmento é a couraça

pélvica e composto pelos músculos de pélvis e dos membros inferiores.

Nesse segmento os músculos abdominais, as coxas, ficam doloridos,

há contração dos músculos anais e retraimento do ânus e dos glúteos.

As coxas também são contraídas, refletindo no caminhar travado e sem

movimento pélvico.

Segundo Prestera e Kurtz (1989) a pélvis destravada balança

livremente ao se caminhar, sugerindo uma liberdade sexual.

Navarro (1995) define a couraça pélvica como um bloqueio

inconsciente da sexualidade genital, ocasionada por uma educação moralista,

representada por um superego rígido que impede o movimento pélvico, que

incita à sexualidade genital. Nesse segmento, a pélvis é “morta” e inexpressiva,

refletindo dessa forma a sexualidade reprimida do sujeito.

O afeto envolvido nessa couraça é o medo da castração como punição.

O caráter relativo a está couraça é o histérico, que tende a somatizar seus

conflitos.

Reich (1989) esclarece que o bloqueio de energia da pélvis gera

insensibilidade nesta região, como ausência de sensações e excitação. Nos

homens, há impoteência sexual ou ejaculação precoce. Nas mulheres, pode

haver insensibilidade vaginal, ou eventualmente vaginismo.

A couraça pélvica retém impulsos de raiva e angústia, resultando o

conflito edipiano. Nesse indivíduo, quando ocorrem relações sexuais, as

sensações de prazer são convertidas em raiva, ocasionando espasmos

musculares.

Para Reich (1989) a estagnação de energia na couraça pélvica, pode

resultar em sintomas como prisão de ventre devido à contração do ânus,

33

tumores e inflamação nos ovários, útero, enfermidades na uretra e próstata,

entre outros.

Para ele, a dissolução dos segmentos das couraças podem ser

executados de acordo com suas disposições e as respectivas superações dos

bloqueios musculares.

Como já afirmado anteriormente, o objetivo deste trabalho não inclui as

técnicas de tratamento desenvolvidas por Reich, consistindo, ao contrário, em

estudar e examinar os movimentos e bloqueios corporais, a partir da teoria

reichiana. No capítulo seguinte, serão abordadas as manifestações psíquicas

na forma de conversões orgânicas.

34

EXEMPLOS DE DESORDENS ORGANICAS DE CARÁTER PSIQUICO

No capítulo anterior, foi possível perceber que diversas enfermidades

estão relacionadas aos segmentos das couraças. Reich (1989) se refere as

couraças musculares como sendo destinadas à defesa do ego contra impulsos

outrora reprimidos e que estão diretamente relacionados com as partes do

corpo encouraçadas. Sendo assim, padrões musculares rígidos ou

excessivamente flácidos, posturas corporais e possíveis enfermidades, estão

relacionadas e à serviço da contenção de afetos reprimidos.

Essa afirmação pode ser observada no segmento da couraça do

pescoço, por exemplo, onde a energia estagnada e o esforço para conter a

expressão dos afetos, gera torcicolo, artrose cervical, entre outros. De acordo

com Reich (1989), tais fenômenos são ocasionados, além do bloqueio

energético, pela constante tensão da musculatura que se torna crônica.

No segmento torácico, a respiração superficial é insuficiente, destinada

à impedir o contato direto com o sentimento de angústia, acarretando danos à

capacidade dos pulmões que trabalham irregularmente.

Outro exemplo, pode ser observado na couraça pélvica, onde a

barreira muscular dessa região, que tem como finalidade conter impulsos

relacionados a sexualidade, pode ocasionar, pela estagnação de energia e

contração muscular crônica, problemas como vaginite, enfermidades no útero,

uretra, ovários e próstata.

Freud (1987) descreve, nos casos clínicos de pacientes histéricas

como, Anna O. e Miss Lucy, entre outras, fenômenos de conversão, nos quais

partes do corpo como os membros de Anna O. e o sentido do olfato de Miss

Lucy, foram bloqueados devido ao fato de estarem de alguma forma,

relacionados ou sendo utilizados no momento em que afetos foram

inconscientemente recalcados de modo a evitar que o conteúdo afastado da

consciência possa emergir.

35

Segundo Schilde (1994) “...a conversão é a expressão do conflito

psíquico na esfera do corpo, quando uma energia psíquica, que foi impedida de

se expressar, vai para o campo somático.” (SCHILDE, 1994, p.156) O corpo

materializa o que a mente acredita e em alguns casos, essa materialização

pode ser claramente expressa em alguns sintomas físicos que se manifestam

sem uma base orgânica que os justifiquem.

O autor exemplifica essa afirmação quando diz, que se imaginarmos

uma situação aterrorizante, é possível que sintamos os efeitos orgânicos do

medo como pulsação e batimentos cardíacos alterados e pupilas dilatadas.

De acordo com Darwin (2001), o organismo possui uma peculiar

sabedoria, destinada à autopreservação e que foi se adaptando de acordo com

a evolução das espécies e necessidades fisiológicas de sobrevivência.

Portanto, para Dethlefesn e Dahlke (1999), a mente está diretamente

relacionada ao funcionamento orgânico, de modo que um desequilíbrio das

funções psíquicas, acarretará danos ao funcionamento normal do corpo,

ocasionando desse modo os sintomas orgânicos.

...a doença significa perda relativa da harmonia, ou o questionamento de uma

ordem até então equilibrada. A perturbação da harmonia, no entanto, acontece

na consciência e não âmbito da informação e se mostra pura e simplesmente no

corpo. Assim sendo, o corpo é a apresentação ou o âmbito de concretização da

consciência e, consequentemente também de todos os processos modificações

que nela ocorrem.

(DETHLEFSEN E DAHLKE, 1999, p. 14)

É o caso, por exemplo, do sentimento de tristeza, que causa a

diminuição do sistema imunológico, tornando o corpo mais susceptível às

infecções.

36

Dethlefsen e Dahlke (1999) consideram o sintoma como uma

manifestação que objetiva atrair a atenção do sujeito para algo interno que

precisa ser visto e analisado, podendo este ser um sentimento que foi negado

à consciência.

Sendo o sintoma uma manifestação associada ao conflito psíquico e

sinalizador de algo que necessita ser revisto, ele pode ser solucionado ao se

ampliar a consciência e aceitar os sentimentos até então negados.

Segundo Reich (1989) a liberação da energia estagnada nas couraças

é possível somente quando os afetos recalcados, relacionados às mesmas,

retornem à consciência através da análise caracteriológica, sendo as

resistências psíquicas ao processo e as resistências musculares que impedem

tais liberações utilizadas como veículo de comunicação para a compreensão da

engrenagem complexa que é o psiquismo.

Os objetivos desse capítulo não são os de analisar em particular as

inúmeras manifestações orgânicas de ordem psíquica, visto que as mesmas

variam de acordo com as idiossincrasias de cada conflito, da constituição

psíquica e orgânica dos indivíduos. O interessante é considerar essas

manifestações psíquicas através do corpo como sendo veículos, através das

nos quais se é possível captar as mensagens que revelam algo sobre os

estados psíquicos do sujeito.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desse trabalho, foi possível compreender como os conflitos

psíquicos se expressam diretamente no corpo; A mente está para o corpo,

assim como o motor está para a máquina, sendo a harmonia e a captação dos

comandos emitidos, condição sine qua non para o seu bom funcionamento.

Segundo Reich (1989), na mente onde os sentimentos fluem sem

grandes repressões, a energia acompanha o fluxo da mente e o corpo

apresenta movimentos livres e músculos soltos. Com base no conteúdo deste

trabalho, não restam dúvidas de que através do corpo é possível captar

mensagens implícitas e explícitas sobre os sentimentos e posicionamentos

frente ao mundo. Mas sem a interpretação do mais aparentemente simples

movimento não sendo considerados as circunstâncias nas quais este acontece,

seria uma medida selvagem.

Este trabalho não consiste em precisar que sentimos geram quais

movimentos ou de que forma os afetos relacionados aos bloqueios musculares

devem ser liberados a parti da sua dissolução, e em consequência, a

supressão definitiva do conflito psíquico, como postulou Reich (1989).

Seu objetivo é o de considerar a comunicação corporal, tão importante

quanto o discurso do sujeito, para a compreensão do mesmo, possibilitando ao

psicólogo, uma visão mais ampliada, uma vez que não se dissociam o corpo e

a mente, é possível vermos o sujeito em sua totalidade.

O estudo da comunicação corporal, não se apresenta como tema

popular na graduação em psicologia e sua importância, muitas vezes é

subestimada. Baseado nas considerações sobre o assunto, feitas ao longo

deste trabalho, uma questão se configura: Será que a comunicação corporal

recebe a relevância merecida na formação do psicólogo?

O tema do trabalho em questão pode ser percebido e analisado por

diversos prismas e abordagens psicológicas, nas quais tem-se o sujeito como

38

objeto de estudo. Uma vez que o corpo é a representação física da

subjetividade e através do qual é possível ser, sentir e expressar-se, quais

razões justificam a negligência no estudo de suas manifestações na terapia?

Esperam-se que o conteúdo deste trabalho tenha contribuído para

melhor compreensão da teoria reichiana sobre a comunicação corporal,

destacando juntamente, sua importância para ampliação da percepção acerca

do sujeito e os mecanismos envolvidos na expressão da subjetividade.

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REFERÊNCIAS

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