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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A INFLUÊNCIA DA IMAGEM CORPORAL NO PROCESSO DE
PROTETIZAÇÃO DE MEMBRO INFERIOR
Por: Fernanda Costa Brito Ribeiro
Orientador
Professora Fabiane Muniz
Rio de Janeiro
2003
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
INFLUÊNCIA DA IMAGEM CORPORAL NP PROCESSO DE
PROTETIZAÇÃO DE MEMBRO INFERIOR
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”
em Psicomotricidade.
Por: Fernanda Costa Brito Ribeiro
AGRADECIMENTOS
3
A Deus por me dar força para
enfrentar as duras batalhas da vida,
possibilitando a realização de meu
trabalho, onde posso contribuir de
forma efetiva na vida de pessoas que
necessitam de Terapia Ocupacional.
Aos usuários do setor de Terapia
Ocupacional do Hospital Municipal de
Medicina Física e Reabilitação Oscar
Clark. Pessoas com experiências
riquíssimas que se fizeram importantes
na descoberta do meu papel como
terapeuta.
DEDICATÓRIA
4
Aos meus familiares. Obrigada
pela força que me deram, mesmo no
silêncio, mesmo na ausência. Vocês
foram peças essenciais nesta
conquista.
A Edgar Velloso. Obrigada pela
compreensão nos bons e maus
momentos, principalmente na elaboração
deste estudo.
RESUMO
O presente estudo visa explorar o tema da influência da imagem
corporal no processo de protetização de membro inferior, através do olhar de
5
uma Terapeuta Ocupacional cursando pós-graduação em psicomotricidade.
Onde o conhecimento adquirido neste curso, ajudou a elaborar uma forma mais
dinâmica de trabalhar a independência de pessoas que sofreram algum tipo de
amputação de membro inferior.
Para analisar esta questão será feito um estudo bibliográfico,
abordando a influência e a importância de se trabalhar a nova imagem corporal
de um amputado no processo de protetização de membro inferior e como a
Terapia Ocupacional utilizando os conhecimentos da psicomotricidade, trabalha
este corpo mutilado fazendo com que a prótese se torne funcional.
METODOLOGIA
Os métodos que levaram a execução deste trabalho foram pesquisa
bibliográfica e observação do objeto de estudo. Onde, no Hospital Municipal de
Medicina Física e Reabilitação Oscar Clark, houve a possibilidade de estar
6
acompanhando o processo de reabilitação protética e da independência de
pessoas que sofreram algum tipo de amputação de membro inferior.
Foram utilizadas bibliografias específicas de Terapia Ocupacional,
Filosofia, Reabilitação Física, Psicomotricidade, Psiquiatria e Psicanálise. Isso
porque o tema escolhido necessita ser abordado de diferentes formas, pois o
homem não é constituído somente por uma massa compacta, ele deve ser
olhado e entendido em todas suas especificidades. Levando em conta que ele
modifica o meio e sofre influência de todos os aspectos vivenciados, e assim
compreende-se que cada pessoa deve ter sua forma individual de ser
trabalhada e a resposta dada será particular.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
- Histórico da Amputação de Membro Inferior 10
7
CAPÍTULO II
- Construção da Imagem Corporal 15
CAPÍTULO III
- Amputado, Imagem Corporal e Estigma 20
CAPÍTULO IV - Terapia Ocupacional no Resgate da Imagem Corporal do Amputado para tornar a Prótese Funcional 26
CONSIDERAÇÕES FINAIS 37
BIBLIOGRAFIA 41
INTRODUÇÃO
Na graduação de Terapia Ocupacional, quando foi realizado o
estágio no Hospital Municipal de Medicina Física e Reabilitação Oscar Clark
(IOC), foi possível reconhecer a necessidade de elaborar um plano de
tratamento mais dinâmico no trabalho com amputados, onde fosse possível dar
ênfase aos aspectos emocionais nesta difícil construção de uma nova imagem
corporal. Com isso houve a possibilidade de realizar um estudo abordando o
tema da influência da imagem corporal no processo de protetização de membro
8
inferior, pois foi percebido que protetizar não é apenas usar uma prótese, e
sim, fazer com que esta se torne organismo e seja incorporada na alma de
quem irá usá-la.
Devido isso será problematizada a valorização de se trabalhar as
relações subjetivas de imagem corporal e protetização, porque é neste ponto
que se garante o sucesso e o fracasso do processo. Com as alterações que
irão surgir após uma amputação, a pessoa se sente estranha ao próprio corpo.
Ela precisará aprender a conviver com uma dinâmica corporal caracterizada
por gestos, atitudes e reflexos diferentes. O corpo físico do ser humano é
composto por órgãos, de sentimentos e de partes, é comparável ao corpo de
outros seres humanos. Ele é uma totalidade integrada segundo Merleau Ponty
(1972), através da experiência. Experiência que faz entrelaçar a unidade física,
comparável à unidade psíquica, que se une a totalidade, através de situações
históricas pessoais que não serão jamais comparáveis.
Dessa forma, por debaixo de qualquer movimento com um
objetivo ou finalidade, encontraremos sempre, um signo movimento pessoal
independente do objetivo ou finalidade exterior. Movimento que faz surgir a
imagem que a pessoa faz de si, e que a projeta cada uma de suas realizações.
A imagem corporal de uma pessoa mutilada pode influenciar no
processo de protetização se não for bem trabalhada. O Terapeuta Ocupacional
deverá atuar neste campo, pois cada pessoa inscreve em seu corpo a história
de vida, uma vez que mesmo sendo o corpo o órgão do possível, ele também é
conseqüência do inevitável.
Tentará-se demonstrar através deste trabalho, que neste ponto
crucial o terapeuta ocupacional se torna elemento importante de integração do
corpo na unidade do sujeito, e por isso temos a obrigação de saber atuar nesta
área, pois se tem embasamento teórico em saúde mental. A Terapia
Ocupacional complementada pelos conhecimentos de psicomotricidade ajudará
no equilíbrio interior da personalidade.
Este estudo se divide em cinco capítulos. O primeiro, “Histórico da
amputação de membro inferior e próteses”, será feito um resumo do percurso
histórico do ato de amputação e uso de prótese mencionando sua evolução.
9
No segundo, “Construção da imagem corporal”, será dado o
conceito de imagem corporal e como ela é construída no processo de evolução
do homem.
No terceiro, “Amputado, imagem corporal e estigma”, serão
abordados os aspectos sociais e emocionais que interferem no processo de
protetização, abordando as principais dificuldades vivenciadas por eles,
detectando de uma forma concreta esta influência da imagem corporal.
No quarto, ”Terapia Ocupacional no resgate da imagem corporal
do amputado para tornar a prótese funcional”, será enfatizado o trabalho da
Terapia Ocupacional, utilizando alguns recursos da Terapia Psicomotora. Neste
capítulo será apresentado material visual de pacientes que estiveram em
tratamento no hospital acima citado.
Para finalizar, será justificado o porquê deste estudo tecendo
algumas considerações sobre o objetivo principal deste trabalho, que é
demonstrar que a Terapia Ocupacional tem importância e pode atuar de forma
efetiva através do conceito da influência da imagem corporal no processo de
protetização de membro inferior e ter um sucesso garantido.
CAPÍTULO I
10
HISTÓRICO DA AMPUTAÇÃO DE MEMBRO INFERIOR
E PRÓTESE
“Não somos aquilo que somos
simplesmente porque pensamos, somos aquilo que
somos porque podemos lembrar que pensamos”. (Kandell e Laura pausine)
11
Histórico da Amputação de Membro Inferior e Próteses
Em qualquer livro de reabilitação de amputados se encontra
gravuras antigas que mostram o ato cirúrgico da amputação, em que se usava
desde ferramentas comuns para decepar o membro, até substituições com os
mais variados artifícios. Com o crescente número de amputações na
antigüidade, as próteses constituíram uma grande preocupação.
A referência mais antiga à prótese remota o ano de 500 a.C. A
primeira prótese conhecida foi a descrita por Heródoto ao registrar as proezas
de Hegistratos o qual, quando preso e condenado a morte no ano de 484 a.C.,
conseguiu escapar cortando seu próprio pé que estava preso a correntes.
Depois que a ferida sarou, ele fez para si próprio um pé de madeira e voltou a
servir o exército persa (Bocolini, 2000). Em 1858, desenterrou-se uma prótese
de madeira, reforçada com bronze, possivelmente do ano de 300 a.C.
Devido a necessidade de locomoção e independência, as
primeiras próteses foram de membro inferior, e assim os chamados pilões,
feitos geralmente de madeira, eram no século XVI, praticamente os únicos
suportes para o corpo.
Não é necessário citar cronologicamente os vários tipos de
próteses que apareceram, pois todas elas variavam a partir dos pilões, no
entanto, é importante mencionar os nomes de Ambroise Paré e Leonardo da
Vinci que embora não sendo médicos, desenharam e construíram próteses
para membro inferior ou superior. Eles constituem dois marcos na construção e
desenho de próteses, sendo responsáveis pelos mecanismos de
movimentação de dedos, travas de joelhos e outros artifícios.
12
Pilão feito de resina. Usado para treinamento de transferência de peso e equilíbrio de pé (na posição estática).
13
Assim, lentamente as coisas foram evoluindo e, com o advento
das guerras, com a necessidade de assistência aos soldados mutilados, as
próteses foram se tornando cada vez melhores e as técnicas cirúrgicas ficaram
mais avançadas e cuidadosas, permitindo que os cotos de amputação fossem
melhor construídos, conseqüentemente com maior facilidade para aplicação de
próteses. A evolução da cirurgia permitindo técnicas operatórias mais delicadas
e eficientes, coadjuvada pelo desenvolvimento da anestesia, trouxe como
resultado um estudo maior sobre os níveis de amputação nos diversos
segmentos, para que a marcha e sustentação se tornassem cada vez mais
eficientes.
Segundo Bocolini (2000), na Primeira Guerra Mundial, calculou-se
que os ingleses tiveram 42.000 amputados e a Europa 300.000. É fácil
imaginar a importância que foi dada a este especial campo pelas autoridades
responsáveis nos diversos países.
Foi na Segunda Guerra Mundial que se organizou programa de
pesquisas para membros artificiais. Por exemplo: sabe-se que nos E.U.A ,
17.130 homens necessitaram de próteses. Reconhecendo este fato, foram
encarregados institutos científicos tais como universidades americanas, de
construir uma comissão de estudos em componentes de próteses, conselhos
de pesquisas nacionais e grupos que se reuniam para estudos (Bocolini, 2000).
Destes estudos nasceram membros artificiais absolutamente
funcionais, aproveitando princípios da biomecânica exaustivamente
pesquisados, para ajudar na independência de pessoas que sofreram
amputação.
A maior parte das amputações adquiridas envolvem a extremidade
inferior. A maioria delas é necessária por causa de doenças das artérias
periféricas ou diabetes mellitus e envolve indivíduos com mais de sessenta
anos de idade. Muitos desses pacientes têm problemas adicionais de
neuropatia periférica, menor resistência a infecções bacterianas e fúngicas e
diminuição visual.
Atualmente, com a evolução das próteses, a duplicação dos
movimentos do membro inferior por uma prótese é tarefa mais fácil do que a
14
relativa ao membro superior. A biomecânica dos membros inferiores, suas
articulações e movimentos, sua função, são muito mais fáceis de serem
copiados e de serem supridos por próteses. Mesmo nas grandes próteses,
como as usadas para desarticulação coxofemoral e a hemipelvectomia, é mais
fácil a duplicação de movimentos e a biomecânica é mais aproximada.
Prótese de resina
Prótese para amputação coxofemoral com articulação de joelho.
(Atualmente pouco usada)
Próteses para amputação coxo-femoral
À direita, “esqueleto” de prótese (usada para treinamento de
adaptação).
À esquerda, prótese coberta e finalizada (pronta para o uso).
15
CAPÍTULO II
CONSTRUÇÃO DA IMAGEM CORPORAL
“Não basta, por tanto, introduzir a
dimensão das avaliações sociais e no mundo dos
valores e dos sentidos, mais e preciso determinar
”que e como“ produz novos valores em oposição aos
valores existentes”. (Lazzarato e Negri)
16
Construção da Imagem Corporal
Imagem corporal é o processo pelo qual o corpo se apresenta
para nós, ou seja, é a figura do nosso corpo formado em mente, no contato do
indivíduo consigo mesmo e com o mundo que o rodeia. Sob a superioridade do
inconsciente, existe em sua formação contribuições anatômicas, neurológicas,
fisiológicas, sociológicas, etc. Ela não é mera sensação ou imaginação, embora
tenha chegado através dos sentidos, não se trata de uma mera percepção, pois
existem representações mentais envolvidas.
A imagem corporal começa a ser formada desde o nascimento em
forma de sensibilidade, para que possamos perceber nossa constituição
corporal. A criança aos poucos torna-se consciente de sua própria forma
corporal, isso se for permitida a ela liberdade de movimentos, e também
através do contato corporal estreito com a mãe e pelos muitos contatos com os
objetos. Isso é observado em crianças normais desde as primeiras semanas
devido a presença dos reflexos de alinhar, sustentar e andar. Neste período a
criança começa a experimentar que ela e o mundo são duas coisas distintas.
Toda sensação contribui para formação da imagem corporal
porque existe um fator central carregado de intenções, lutas e desejos. Este
fator central (EGO) se utiliza de sensações e percepções. A percepção de uma
sensação tem uma resposta motora, assim um bom desenvolvimento
psicomotor é a base da construção do nosso EU corporal, que é tanto mental
quanto percepção. Segundo Schilder (1981), a personalidade central (EGO) é
formada por experiências sensoriais das atividades internas e pelas batalhas
libidinais.
O modelo postural de nós mesmos é constituído por muitas
alterações de posição, e este se modifica constantemente. “Cada nova postura,
ou movimento é registrada neste esquema plástico, e a atividade cortical cria
uma relação em cada novo grupo de sensações evocadas pela postura
alterada. O reconhecimento postural imediato acontece tão logo a relação
esteja completa”.(Schilder, 1981). Para que se construa a imagem corporal é
necessário que haja uma consciência do reconhecimento da postura, porque o
17
córtex sensorial armazena impressões, e estas podem surgir na consciência
como imagens, mas freqüentemente permanecem fora da consciência central.
Essas imagens formam os esquema. Então a formação desses esquemas
modificam os impulsos sensoriais que entram e a sensação final emerge na
consciência carregada de uma relação com alguma coisa que aconteceu antes.
Essa expressão do esquema do corpo pode ser exemplificada quando um
amputado de membro inferior sente o membro fantasma; ele ainda sente a
perna e tem a impressão que ela ainda está ali.
Para entendermos imagem corporal é preciso abordar
psicologicamente a relação entre impressões de nossos sentidos, nossos
movimentos e a motricidade em geral. Quando temos contato com um objeto,
não o sentimos apenas com o aparelho perceptivo, existe sempre uma
emoção, uma personalidade que o experimenta de um modo particular. Em
relação ao nosso corpo devemos esperar expressões de emoções fortes, pois
somos narcisistas e a configuração do modelo postural do corpo será a base
de atividades emocionais para com o corpo.
Do ponto de vista psicanalítico, a imagem corporal é construída
através da interação entre o EGO e o ID, em um jogo contínuo das tendências
egóicas com as tendências libidinais.
No indivíduo, há um interesse em seu próprio corpo desde a
infância até a idade adulta. Narcisicamente, a libido da criança se volta para
boca, isso porque ela revela atenção em si própria, com significação egóica
particular, concentrando a libido em partes do corpo. Então se pode dizer que a
imagem corporal começa a desenhar-se na boca. Ela começaria a vivenciar a
cabeça, os braços, as mãos, as pernas e os pés a partir desta zona oral.
A criança tenta incorporar o mundo externo através da boca. Ela
encontra satisfação no contato do objeto do mundo externo com a boca. Neste
período o objeto externo é percebido ao mesmo tempo em que a imagem
corporal inicial começa a ser compreendida.
O mundo externo interfere em nosso corpo desde o início de
nossas vidas e nos dão experiências cujas origens não podem ser atribuídas
exclusivamente ao corpo nem ao mundo externo. A imagem do corpo seria
18
construída aos poucos, com experiências contínuas guiadas pelas experiências
de vida.
O fluxo da energia libidinal da boca, por ser dinâmico, atinge o
ânus, podendo também mudar a imagem do corpo porque agora a
concentração libidinal se faz no extremo oposto do aparelho digestivo. Em
seguida os genitais, fonte de prazer especial; e as sensações uretrais
completam a imagem, configurando-a. É evidente que o erotismo muscular é
cutâneo, com sensações provenientes da pele, com significado para o
delineamento da superfície do corpo. (Capisano, 1990).
O indivíduo conhece seu próprio corpo através dos órgãos do
sentido, vinculado à dinâmica psíquica, principalmente pela visão e o tato (os
olhos constituem parte enfatizada da imagem corporal, pois através deles
ocorre a penetração do mundo externo; os orifícios são partes sensíveis
fazendo com que a pessoa tenha contato com o mundo externo).
Os orifícios auditivos, nasais, abertura dos olhos boca, ânus,
meato urinário e orifício vulvar, permitem trocas essenciais e nos coloca em
contato com o mundo, são pontos referencias do modelo postural, pois
constituem zonas sensoriais e eróticas de grande importância. Estes orifícios
aproximam o corpo da mente quando se faz referência anatômica com ênfase
psicossociais, pois estas aberturas são concentração de fantasias psíquicas.
A imagem corporal não é estática, pois como já foi dito
anteriormente, é parte do mundo externo e sofre influência dele. Ela pode
modificar-se pela maturação, dor, doença, mutilação, alterações fisiológicas
habituais e insatisfação que esteja ligada ao distúrbio libidinal. Porém, não se
pode esquecer que é necessária a atividade cortical para que ocorra a imagem
postural. Para que se forme a imagem do corpo, o córtex é importante para
haver uma integração final dos diferentes processos e ele condensa as
impressões, impulsos, sensações, memória, pensamento, etc.
Particularmente, não se pode dizer ao certo como se desenvolve
a imagem corporal, porém admite-se um desenvolvimento interno com
maturação das áreas da vida psíquica, ligadas as experiências de vida, não
afastando funções determinadas pela anatomia e pela fisiologia (determinadas
19
pelo mundo). O corpo é uma expressão de personalidade.
20
CAPÍTULO III
AMPUTADO, IMAGEM CORPORAL E ESTIGMA.
“Nos não somos os criadores de nossas
idéias, mas apenas seus porta-vozes; são elas que
nos dão formas... E cada um de nos carrega a tocha
que no fim do caminho outro levará”. (C.G.Jung)
21
Amputado, Imagem Corporal e Estigma.
Em relação à imagem corporal pode-se comparar um amputado
de membro inferior a uma criança na fase do estágio de espelho descrita por
Lacan. Esta fase ordena-se essencialmente a partir de uma experiência de
identificação fundamental, durante a qual, a criança faz a conquista da imagem
de seu próprio corpo. A identificação primordial da criança com esta imagem irá
promover a estruturação do “EU”, terminando com esta vivência psíquica
singular que Lacan designa como fantasma do corpo esfacelado. De fato, antes
do estágio do espelho, a criança não experimenta inicialmente seu corpo como
uma totalidade unificada, mas como uma coisa espalhada.
A pessoa após sofrer uma amputação de membro se sente desta
maneira descrita por Lacan. Ela se sente como se seu corpo estivesse
esfacelado, como se estivesse ocorrido uma desintegração agressiva,
favorecendo uma dispersão angustiante da unidade do corpo próprio.
Com isso a amputação é vista como um fator que aleija e aniquila,
destruindo tudo. Ela se vê com uma idéia de limitação em suas atividades,
além do corpo ferido (esquema corporal modificado) pela mutilação, também
sua imagem corporal será afetada desencadeando em sua personalidade
serissimas e marcantes mudanças nas reações psicológicas para com o meio
em que vive, especialmente para consigo mesmo.
Uma das reações psicológicas que irá surgir em um amputado e
interferir nesse processo de protetização é a sensação de membro fantasma.
Ela surge na maioria dos pacientes, especialmente logo após a cirurgia e é
uma das expressões mais claras da existência da imagem corporal, pois ela é,
no entanto, muito mais de ordem psíquica do que orgânica e pode ser
representada por ações táteis e cinestésicas.
No início a sensação de membro fantasma tem a forma da
extremidade perdida, porém no decorrer do tempo, começa a mudar de forma e
algumas de suas partes podem diminuir, por exemplo, quando há um fantasma
da perna, o pé pode se aproximar do joelho ou em casos extremos pode ficar
no lugar da amputação. A posição do membro fantasma pode ser rígida ou ser
22
na posição que a pessoa perdeu o membro. Isso pode ser explicado como se o
membro fantasma estivesse preservando o último momento em que o membro
estava presente. Apesar de olhar e ver que o membro não existe, ainda assim
a sensação continua.
A imagem corporal, como foi abordado no capítulo I, se
desenvolve especialmente em contato com o mundo externo, e as partes do
corpo que tem um maior contato com este mundo são mais importantes
psicologicamente. Isso tem relação com o tempo de persistência da sensação
fantasma de uma pessoa para outra e em membros diferentes, pois a
representação psicológica de algumas partes devem ser diferentes das
representações psicológicas de outras partes do corpo. O pé nos dá o toque
mais íntimo com a terra. Parece que o contato com a parte anterior do dedo do
pé é mais variado do que do contato do calcanhar e, conseqüentemente,
percebe-se que a sensação fantasma do calcanhar desaparece primeiro.
Mas, na sensação fantasma também existe um fator de ordem
física, pois há determinados casos em que a ablação de neuromas em nervos
de cotos terminais causa uma sensível melhora nesta sensação. Porém,
acredita-se que a origem psicológica soma muito mais elementos capazes de
provar sua veracidade, pois mesmo sem a presença de neuromas ou qualquer
causa irritativa, a sensação do membro fantasma está presente. Para remoção
do membro fantasma é necessário que haja uma manipulação periférica, mas
esta manipulação não é suficiente para explicar seu desaparecimento. Não há
duvida que este fenômeno só pode ser interpretado quando se aceita que a
imagem corporal e membro fantasma se baseiam em um complicado
mecanismo cerebral, as sensações periféricas são apenas um ativador.
O padrão da imagem corporal consiste em processos em que
constroem e criam com ajuda de sensações e da percepção, mas os processos
emocionais são a força e a fonte de energia destes processos construtivos e os
dirigem (Schilder, 1980), então o membro fantasma aparece pela reativação de
um padrão perceptivo dado pelas forças emocionais. As reações emocionais
dos indivíduos em relação ao próprio corpo é que vão denominar as grandes
variedades de sensações fantasmas.
23
Está claro que o quadro final de uma sensação fantasma depende
grandemente de fatores emocionais e da situação de vida. Provavelmente
como o esquema corporal é construído e aparece no fantasma esta
significância em geral. É o modelo de como está a vida psíquica em geral.
Alguma coisa está acontecendo na periferia do corpo. Mas somente a interação
entre a periferia e o centro cria a aparência final. O processo de modelagem
das experiências utiliza repetidamente as sensações reais. Mas o significado
real de uma experiência é devido a atitudes emocionais ou, em outras palavras,
a situação de vida. Nosso corpo e sua imagem certamente são o objeto das
emoções mais fortes. Depois da amputação o indivíduo tem que enfrentar uma
nova situação, mas como reluta em aceitá-la, tenta manter a integridade de seu
corpo. O membro fantasma expressa a dificuldade de adaptar a uma perda
súbita de um membro importante do corpo.
Pessoas amputadas tratadas mais tardiamente continuam a
apresentar o membro fantasma e às vezes não aceitam a prótese, pois dizem
que ao usá-la, a sensação fantasma se torna mais evidente.
O tratamento do membro fantasma deve ter uma importância
relevante, pois se percebe que quando ele vai desaparecendo e desaparece
totalmente, os pacientes apresentam uma melhor aceitação de suas imagens
corporais, melhor relacionamento com a sociedade, descobrem novos aspectos
em sua vida, descobrem novos recursos para enfrentar situações, apresentam
boa atividade motora, têm uma nova independência, aceitam realmente sua
limitação e passam a considerar a prótese como aparelho mecânico que
precisam aprender a usar e dominar.
Apesar disso tudo, as vezes a sensação fantasma reaparece
quando surgem situações novas de difícil solução. Quando a sensação
fantasma não desaparece, a protetização funcional ficará prejudicada, pois eles
não aceitarão sua nova imagem corporal e por causa disso relacionam mal
com a sociedade, não mudam seu modo de ser e de encarar as coisas e
conseqüentemente ficam a mercê de situações externas, apresentam menores
possibilidades motoras, não aceitam suas limitações, consideram suas
próteses como membros substitutos imperfeitos, não se interessando pelo
24
aprendizado correto e uso das mesmas, e em relação ao tratamento
geralmente são extremamente agressivos ou exageradamente retraídos.
Um outro fator que estará presente neste processo de
protetização é o psicossocial. Imediatamente após ser amputado, o paciente já
sente o problema que poderá advir com a perda de parte de seu corpo. As
pessoas de sua própria família se mostram ansiosas com a perspectiva de
como será a vida após o paciente iniciar o processo de reabilitação, eles
temem pela parte econômico-social, com possíveis limitações em seu padrão
de vida e em seu relacionamento com a sociedade.
O medo da “não aceitação” por parte dos outros é um receio
sempre presente que, quando percebida sua realidade, deprime e frustra o
amputado.
Ele leva em consideração a maneira que ele próprio olhava e julgava os
amputados que via, e agora todo este sentimento é sentido consigo mesmo, o
que de certa forma o deprime e desanima.
A alteração real da aparência da pessoa amputada pode modificar
muito sua atitude. O corpo é, como já foi dito, uma imagem, e é construído em
nós segundo nossas atitudes instintivas. Uma amputação não muda só o
corpo, mas também a imagem corporal, e esta pode neste momento se
construir. A pessoa já tinha sua própria imagem corporal, porém após uma
amputação ela “se olha no espelho” e projeta a imagem do espelho em si.
Também a mudança de atitude das outras pessoas que ele convive pode ser
transferida para sua “nova” imagem corporal.
Em nossa cultura ocidental não devemos subestimar a
importância da beleza, do perfeito. O modelo de perfeição e beleza é
considerado promessa de satisfação completa. A maneira que a pessoa
amputada se vê não será o único fator para a formação da imagem corporal
que ela terá de si, mas também a forma que as outras pessoas constroem a
imagem a nosso respeito, pois esta forma será tomada de volta, já que a
imagem corporal é também resultado da vida social. Certamente, o modelo de
perfeição e beleza não são fenômenos do indivíduo isolado, mas fenômenos
25
sociais. A própria imagem corporal e a de outras pessoas, sua beleza e
imperfeição, torna-se assim a base das atitudes sociais após uma amputação.
Temos que reconhecer que estamos vivendo em um período em
que a valorização do corpo, saudável a priore, passou a ser sinônimo de bem-
estar consigo mesmo (e é assim que se caracteriza o narcisismo). Essa
maneira de ver o homem irá contribuir para que a imagem corporal do
amputado se desestruture ainda mais, pois está nítido que a qualidade do belo
e do perfeito, se manifesta na vida, na saúde, na alegria e no amor.
A esses fatores citados acima, temos associado a dificuldade que
o paciente tem de enfrentar o meio ambiente. Essas dificuldades provêm do
preconceito da sociedade, que tem sentimentos de pena ou desvalorização da
pessoa amputada. Isso influenciará na aceitação da prótese. Ele verá a prótese
como “algo diferente” que o difere das demais pessoas, especialmente sendo
esta exceção constituída em um defeito. Ele se sentirá como fonte de
observações e curiosidades. Assim o aspecto da prótese é extremamente
importante, tentando aproximar sua aparência o mais próximo do membro real.
Neste momento é necessário ajudar o paciente amputado no
delicado esforço de reconhecer seu novo corpo, respeitando seus limites
aceitando sua nova fase e diminuindo assim o estigma de uma amputação.
26
CAPÍTULO IV
TERAPIA OCUPACIONAL NO RESGATE DA IMAGEM
CORPORAL DO AMPUTADO PARA TORNAR A
PRÓTESE FUNCIONAL
“Um material pode exigir, por exemplo, que o indivíduo
faça maior ou menor força muscular, ou que ele tenha
habilidade motora, ou que ele tenha experiências
sensoriais etc. Por isso acontecem mudanças tanto no
indivíduo quanto na matéria, quando este manipula a
matéria”. (Osmar Luis Rocha da Silva)
27
Terapia Ocupacional no Resgate da Imagem Corporal
do Amputado para Tornar a Prótese Funcional
Segundo a Associação Americana de Terapia Ocupacional
(setembro, 1994), Terapia Ocupacional é o uso terapêutico de atividade de
cuidado pessoal, trabalho e lazer para aumentar a função independente,
ampliar o desenvolvimento e prevenir incapacidades. Pode incluir adaptação do
ambiente para obter-se a máxima independência e aumentar a qualidade de
vida.
O terapeuta ocupacional profissionalmente qualificado envolve o
paciente em atividades destinadas a promover o restabelecimento e o máximo
uso de suas funções com o propósito de ajudá-los a fazer frente as demandas
de seu ambiente de trabalho social, pessoal e doméstico e a participar da vida
em seu mais pleno sentido (boletim da Associação Argentina de Terapeutas
Ocupacionais - setembro, 1990).
A seleção de procedimentos é feita de acordo com as
necessidades de cada paciente. Em todos os casos a observação, a análise e
o seguimento são partes essenciais na função de um terapeuta ocupacional. O
êxito do tratamento depende em grande parte das relações individuais e
grupais envolvidas, e do esforço com que cada paciente pode ser encorajado
no sentido de sua recuperação.
A Terapia Ocupacional utiliza em sua abordagem terapêutica
atividades da vida diária, trabalho e lazer. Isso é justificado pelo
desenvolvimento do homem, que no decorrer de sua vida, desempenha
diversas atividades com propósitos definidos.
Por atividades da vida diária compreendem-se tarefas, hábitos,
atividades do cotidiano destinadas ao autocuidado, conservação do ambiente,
bem como a preparação para o lazer e o trabalho.
Trabalho é entendido como forma de atividade produtiva,
remunerada ou não que proporciona um serviço ou “produto” ao outro ou que
acrescenta novas habilidades, idéias, conhecimentos, objetos ou ação à
tradição cultural.
28
O lazer é constituído por uma série de comportamentos lúdicos da
infância a velhice. Predomina na infância, onde através do brincar, a criança
explora, cria, aprende acerca dos objetos e pessoas. Decresce em quantidade
na vida adulta e se transforma em hobbies, esportes, celebrações culturais e
rituais, voltando a predominar na terceira idade com lazer.
Estas várias formas de ocupação interagem dinamicamente
através do ciclo da vida. A pessoa consegue seu lugar no mundo e cria as
circunstâncias de sua existência através dessas ocupações.
O processo terapêutico ocupacional fundamenta-se na relação
terapeuta-cliente-atividade. Francisco(1988), define a atividade como sendo “a
base real e material do tratamento, o cliente é aquele que traz seus conceitos e
ações, advindo da experiência da doença, e o terapeuta é aquele que favorece
as relações e discussões, na perspectiva de identificação e trato das questões
conflitivas”.
Quando ocorre uma disfunção ocupacional que impede a
participação do homem em seu cotidiano, o terapeuta ocupacional avalia as
dificuldades, as necessidades e possibilidades que a pessoa apresenta para
realizar suas atividades, considerando seu ambiente, seu grupo social, sua
cultura, condição econômica, interesses, sua história e perspectiva de vida.
No processo de tratamento de um amputado de membro inferior
se tem o objetivo de ajudar a manter ao máximo o bem-estar; prevenir a piora
de patologias crônicas, como por exemplo, a diabetes; ajudar no diagnóstico de
patologias associadas; promover e restabelecer as funções biopsicossociais;
restabelecer as capacidades laborativas; promover a adaptação e integração
social; examinar a estabilidade da recuperação e trabalhar o paciente para que
a protetização seja funcional.
A Terapia Ocupacional deve estar presente desde o início do
tratamento do amputado, ainda no hospital, na fase segunda a cirurgia,
orientando, auxiliando na reconstrução da auto-estima, melhorando o estado
de humor, para que facilite a aceitação da protetização para seu próprio bem-
estar físico e independência. Este profissional também estará junto ao paciente
para prestar atendimento, treinamento e orientação quanto a mudanças de
29
decúbito, por exemplo, a fim de evitar agravamento do quadro com
aparecimento de contraturas e deformidades; proporcionar um
desenvolvimento em seus movimentos e uma recuperação mais rápida, e junto
com a equipe, supervisionar a hora e o momento certo de iniciar a preparação
do paciente para a colocação de uma prótese; mesmo que seja provisória,
favorecendo sua adaptação e organização gradativa de suas percepções
fundamentais para o reinicio de vida.
A Terapia Psicomotora pode ser uma importante aliada nesta
difícil fase de aceitação de um corpo totalmente desconhecido. Se nas
primeiras abordagens terapêuticas na pré-protetização, o movimento e o gesto
forem bem aprimorados e reeducados em seus componentes de controle e
coordenação, permitindo adaptação ao espaço orientado e aos diferentes
ritmos, tendo como obrigatoriedade a vivencia de esquema corporal, aos
poucos, o corpo irá se expressar e com isso acontecerá a possibilidade de uma
comunicação através de atos que serão entendidos com simbólicos e
particulares. Assim, a Terapia Ocupacional compreenderá melhor a pessoa que
está sendo reabilitada e fará um programa de tratamento que responda às
necessidades particulares.
O uso funcional da prótese de membro inferior é o objetivo geral
da reabilitação e o especial da Terapia Ocupacional. O terapeuta ocupacional
precisa determinar as capacidades e limitações, como foi citado anteriormente,
para traçar o plano de tratamento determinando quais as tarefas que podem
ser efetuadas e quais são os fatores limitantes. Se os fatores limitantes podem
ser melhorados ou eliminados por tratamento restaurador direto, o terapeuta
deve escolher uma abordagem de tratamento, que seja adequada ao problema.
Se, no entanto os fatores limitantes não forem possíveis de mudança, o
terapeuta poderá ensinar o paciente a compensar suas limitações.
Especialmente nos primeiros estágios de tratamento, os pacientes
amputados podem apresentar um comportamento narcisista, o que influenciará
muito na relação terapeuta-paciente e na construção de vínculo. Os pacientes
podem se apresentar distantes, grandiosos e totalmente autocentrados, e
muitos podem tratar os terapeutas como objetos que servem a funções
30
específicas necessárias ao invés de vê-los como indivíduos distintos e na sua
totalidade. Isso pode facilmente causar fortes respostas de contratransferência
nos terapeutas, tais como sensação de tédio, raiva, inutilidade e desejo de se
livrar do paciente. Quando essas respostas de contratransferência tornam-se
intensas (e elas inevitavelmente se tornam em algum ponto do tratamento), é
essencial que o terapeuta restabeleça o contato com a dor e sofrimento do
paciente, mantendo sempre em mente o que levou o paciente a terapia. Podem
também apresentar sintomas de depressão, instabilidade afetiva e
vulnerabilidade à rejeição.
A Terapia Ocupacional se preocupará muito com a independência
da pessoa amputada nas tarefas de nível ocupacional. De modo ideal, a
adaptação e treinamento protético eliminam a necessidade de se modificar o
meio e capacitam o amputado a ter função mais normal dentro desse meio. O
sucesso, em termos de altos níveis de habilidade e consciência com a prótese,
depende de um programa abrangente de reabilitação que inclui a reabilitação
de uma prótese confortável e mecanicamente segura em todo treinamento
protético. E assim, as tarefas e ocupações da pessoa amputada poderão o
mais rápido possível retornar a normalidade.
O treinamento funcional protético para membro inferior é feito em
ênfase aos exercícios de transferência de peso para o lado protetizado, isso
pode ser trabalhado de uma forma estática ou dinâmica através de atividades
do cotidiano. Também pode ser realizado um treino de marcha propriamente
dito, de maneira gradativa, podendo utilizar andador, muletas ou bengalas para
oferecer maior segurança ao paciente.
Também faz parte dos objetivos gerais do terapeuta ocupacional
diminuir a tensão emocional, evitar a dúvida e as fantasias em relação a
amputação. Através de um bom relacionamento entre terapeuta e paciente,
poderá ser possível fazer uma reestruturação emocional do paciente, a sua
nova imagem corporal, a utilidade funcional do coto, o novo esquema corporal
favorecendo a integração da prótese em seu dia-a-dia.
31
Toda abordagem da Terapia Ocupacional no tratamento com
amputados é baseada na atividade humana e, segundo modelos teóricos-
práticos de Terapia Ocupacional, pode ser abordada em forma de:
- Exercício: enfoque na reestruturação da função física com a participação do
paciente em uma atividade construída.
- Expressão: tem como referencial teórico a psicodinâmica da ação, para a
qual o fazer humano é carregado de conteúdo simbólico.
- Criação: objetiva uma proposta de transformação real de acordo com a
necessidade humana. Desta forma, busca o homem a compreensão de suas
atividades e da realidade de sua vida, logo promover a transformação de si
mesmo e do meio em que vive.
- Produção: Propõem aumentar o potencial de desempenho no trabalho,
facilitando a integração do paciente na comunidade. Produção refere-se a
atividade laborativa, onde a Terapia Ocupacional interfere prevenindo
disfunção, preparando o retorno do sujeito à mesma função ou realizando
treinamento para uma nova função, explorando ao máximo suas capacidades
motoras e intelectuais.
- Lúdico: refere-se ao jogo, ao brincar e ao lazer. Compreende estimulação
de funções sensoriais, perceptivas, cognitivas e motoras pelo envolvimento e
espontaneidade em atividades lúdicas. Aplica-se a toda faixa etária.
- Auto-manutenção: consiste na facilitação do desempenho das atividades da
vida diária (AVD), englobando áreas de alimentação, locomoção, comunicação
e atividades práticas do dia-a-dia (AVP), como ir ao banco, correio, fazer
compra. Visa a máxima independência possível nestas atividades.
Com essas formas de atuação da Terapia Ocupacional e os
conhecimentos da Terapia Psicomotora pode-se elaborar um programa de
reabilitação mais dinâmico onde o paciente possa estruturar os aspectos
físicos, mentais e sociais.
Na produção deste estudo houve a possibilidade de acompanhar
o processo de reabilitação de vários amputados de membro inferior, onde neste
período, foram feitas observações importantes de pontos essenciais que
devem ser trabalhados para facilitar a aceitação da amputação e protetização
32
funcional. Será descrita agora, parte desse processo utilizando material
fotográfico para melhor demonstrar o trabalho da Terapia Ocupacional
realizado no Hospital Municipal de Medicina Física e Reabilitação Oscar Clark,
onde durante todo o período de tratamento, as especificidades do sujeito são
elementos prioritários de estimulação e abordagem.
- Liberação e dessensibilização da cicatriz operatória: a cicatriz operatória
deve, sempre que possível, ser
terminal, a sutura deve ser feita
plano a plano, evitando ao
máximo a aderência aos planos
profundos. Quando presente, a
aderência provoca dor,
repuxamento e mal-estar,
dificultando o apoio do coto na
prótese (há o contato levíssimo
apenas para dar a sensação de
toque-sensibilidade).
- Controle do edema e modelagem do coto de amputação: o pior inimigo
que existe para retardar a aplicação de prótese aos pacientes é o edema
que pode se formar após a cirurgia. Evita-se o edema com enfaixamento
do coto com atadura elástica (atadura elástica Kemdall e não crepon).
Esse enfaixamento faz com que haja uma rápida cicatrização, ajuda a
modelar o coto que deve ser levemente cônico (mais fino na ponta do
que na base), possibilitando a colocação mais precoce da prótese.
Dessensibilização da cicatriz
33
Atividade utilizando pintura com objetivo de
mobilização e amplitude articular do coto
- Mobilização do coto e do membro inferior sadio: tem a finalidade de
ativar a circulação geral e impedir o
descondicionamento. A mobilização
do coto inicia-se com pequeno arco
de movimento, aumentando
progressivamente. Deve-se fazer a
mobilização do membro inferior sadio,
porém ter um cuidado especial para
não forçar o membro. Pedir para o
amputado manter sempre o coto em
extensão evitando a posição de flexão
com conseqüente aparecimento da
contratura de flexão, tão difícil de se reduzir. Chamar a atenção também
para possível abdução.
Enfaixamento do coto de amputação com atadura elástica.
34
Para mobilizar o coto de amputação, pode ser utilizada atividade
lúdica, de expressão e ou criação, pois atividade prazerosa facilita o objetivo
proposto, e o interesse do paciente pelo tratamento será beneficiado.
- Medir o diâmetro do coto: deve-se medir e registrar. Somente após três
medidas iguais consecutivas, é que se pode mandar o paciente ao
protético para a confecção da prótese.
- Orientação quanto a higiene do coto: o coto deve ser lavado todos os
dias com água morna e sabão neutro. Enxugar cuidadosamente e
passar talco. Se a pele for muito delicada, após lavar e enxugar o coto,
passar com algodão uma solução da alúmen à 3% em todo o coto e
deixá-lo secar naturalmente com esta solução: o que se procura é deixar
a pele mais dura, mais rígida, portanto mais resistente.
- Acompanhamento emocional: consta da determinação do quociente
intelectual, nível mental e personalidade. Procura-se determinar qual o
grau de comprometimento do comportamento, provocada pela alteração
da imagem corporal. Tem-se a preocupação de explicar o porquê da
sensação de membro fantasma, para que o paciente possa
compreender o mecanismo de produção.
- Atividades que visam reforçar a extremidade superior: dá-se ênfase ao
reforço dos grupos de músculos necessários para o treinamento do
andar e transferência. O
reforço dos grupos de
músculos distais é
indicado, bem como dos
proximais; particularmente
se a fraqueza for resultado
de longa hospitalização e
ou se houver neuropatia
periférica.
- Atividades que visam equilíbrio e tolerância de pé: antes da adaptação
da prótese, desenvolve-se a capacidade de equilíbrio em uma perna e
de apoiar peso por períodos crescentes de tempo em conjunto com
Atividade em dupla visando manutenção da amplitude articular e
fortalecimento do membro superior.
35
atividades de grupo, atividades cognitivas e lúdicas esportivas. Depois
da adaptação da prótese, o amputado amplia a tolerância protética,
enquanto apóia peso em atividades similares. Também se desenvolve a
consciência da segurança para equilíbrio e futura marcha.
- Atividades da vida diária e vida prática: Antes da adaptação da prótese,
o paciente é avaliado quanto à independência para vestir-se, arrumar-
se, tomar banho, cozinhar e transferir-se e iniciar o treinamento, se for
indicado. A independência nesse estágio é particularmente importante,
mesmo para os amputados que serão adaptados e treinados com
próteses. Há ocasiões, para todos os usuários de prótese, em que elas
não são usadas (isto é, à noite, quando é preciso consertá-las, quando
há complicação no coto, etc).Por isso, o amputado precisa ser seguro e
independente em algum modo secundário de se deslocar (ou seja,
cadeiras de rodas ou muletas). Antes e depois da adaptação a prótese,
o desenvolvimento da mobilidade funcional, em conjunto com as
atividades da vida diária, possibilita ao amputado melhorar a
autoconfiança para sentir-se seguro e confortável durante a ambulação
funcional.
Atividade de grupo lúdico-esportiva, visando equilíbrio e tolerância de pé
36
Com todos esses processos
descritos, é possível fazer com que o trabalho
da Terapia Ocupacional ajude essas pessoas a
ter uma vida mais independente utilizando a
prótese de maneira consciente e incorporada no novo esquema e na imagem
corporal.
Atividade da vida prática visando
superação de barreiras arquitetônicas
Treinamento de independência na escada
utilizando o corrimão
37
Considerações Finais
Durante o período de contato e convivência no Instituto Municipal
de Medicina Física e Reabilitação Oscar Clark, pode ser observado a
importância da Terapia Ocupacional integrar equipes multiprofissionais em
ação voltada para a promoção e prevenção da saúde, com prevenção e
tratamento de disfunções físicas e psicossociais.
Hoje quando se fala de reabilitação de amputado de membro
inferior, percebo de uma forma muito clara a particularidade da abordagem
terapêutica ocupacional. Exploramos o desenvolvimento do potencial do
sujeito, objetivando a máxima independência na realização de suas ações e
atividades. Nossa graduação nos dá a possibilidade de atuar nas
transformações contínuas que irão acontecer na imagem corporal do amputado
de membro inferior, ajudando-o a descobrir, de uma forma aparentemente
lúdica, qual modelo postural ele poderá “usar” para uma melhor qualidade de
vida.
A visão que muitos profissionais de saúde têm da Terapia
Ocupacional passa, por muitas vezes, pelo desconhecimento, ou não
entendimento da contribuição deste campo de conhecimento para área da
saúde. Isso propicia o aparecimento de preconceitos e visões estereotipadas
da nossa profissão, restringindo desta forma, a contribuição do terapeuta
ocupacional no contexto de saúde dos amputados de membro inferior. Devido
os aspectos complexos da clínica da Terapia Ocupacional, temos que
demonstrar as bases amplas de nossa profissão, que combina conhecimentos
das ciências médicas e sociais, mesclando os aspectos artísticos e técnicos da
prática. Não podemos deixar de demonstrar a eficácia de nossa abordagem
terapêutica quando o paciente amputado é encaminhado para o setor, temos
que esclarecer a ele quais os objetivos e funções das atividades realizadas,
pois só assim teremos um maior equilíbrio entre necessidade e interesse do
paciente.
Quando o paciente consegue entender os objetivos da Terapia
Ocupacional, aumenta-se o interesse pelo tratamento e assim torna-se mais
38
fácil fazer com que a prótese de membro inferior seja funcional. Quando
trabalhamos a imagem corporal do amputado, estamos favorecendo sua
independência, o processo de marcha, reintegração social e aceitação da
amputação, e apenas com esse entendimento, é que o paciente que necessita
da Terapia Ocupacional reconhecerá o verdadeiro valor desta forma de
abordagem.
Hoje se pode reconhecer que a Terapia Ocupacional tem uma
forma única de abordagem no trabalho da influência da imagem corporal no
processo de protetização de amputado de membro inferior. Usamos a atividade
da vida diária e prática na reabilitação deste paciente, e podemos através delas
concretizar nossa reabilitação protética funcional, pois ela dará uma melhor
qualidade de vida com autonomia e independência.
O momento da amputação e o corpo mutilado é o que especifica o
paciente em seu corpo atual. Devemos ter como prioridade a estruturação
deste novo corpo, fazendo com que a aprendizagem se torne suporte e
intérprete da imagem corporal. Apenas com esse apoio é que daremos ao
“novo corpo” a possibilidade expressiva desta “imagem” deixar de ser apenas
algo imaginário, um fantasma, e poder se comunicar em relações simbólicas.
É, portanto, apenas levando em conta que a imagem corporal
interfere na protetização funcional é que poderemos reconhecer e aceitar as
necessidades individuais, pois não existe um modo pré-construído e seqüencial
de se protetizar alguém. Cada pessoa está em um momento diferente, com
experiências diferentes, e a resposta de cada um será de acordo com traços
que a vida lhe deu.
Para que a importância da Terapia Ocupacional, no que diz
respeito ao jogo corporal, tônico, espontâneo e simbólico do processo de
protetização, seja reconhecida por toda a classe médica e reabilitadora, é
necessário que nós os terapeutas ocupacionais mostremos que nossa
formação tem um amplo conhecimento, que conhecemos as políticas de saúde
e que somos capazes de avaliar a realidade sócio-econômica brasileira para
intervir, de maneira efetiva e responsável na formação de saúde do indivíduo
que sofreu amputação. Nossos conhecimentos possibilitam um a compreensão
39
do binômio saúde-doença em todas suas determinações, biológicas, psíquicas,
sociais e culturais, permitindo a percepção do valor que tem nossas ações na
promoção da integração, do inter-relacionamento e da capacitação para a
produtividade dos indivíduos.
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“Terapia é o mesmo que tratamento.
Ocupacional é o mesmo que funcional.
Funcional é tudo aquilo que dá utilidade.
Ocupacional é igual ao uso da atividade humana.
Atividade humana é composta do agir e do pensar.
Agir é realizar gestos motores.
Pensar é conduzir os sentimentos.
Gestos motores são o mesmo que atividade física.
Pensamento é o mesmo que atividade mental.
Terapia Ocupacional ou Funcional é o tratamento que
gera a utilidade física e mental do homem...
A FUNÇÃO HUMANA”
41
42
Bibliografia
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Filosofia. 2ª ed.São Paulo: Manole,1993.
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