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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL E O CONFLITO ENTRE JUSTIÇA E SEGURANÇA JURÍDICA Por: Maria Luisa Lins Martins Orientador Prof. Dr. Jean Alves Pereira Almeida Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL

E O CONFLITO ENTRE JUSTIÇA E SEGURANÇA JURÍDICA

Por: Maria Luisa Lins Martins

Orientador

Prof. Dr. Jean Alves Pereira Almeida

Rio de Janeiro

2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL

E O CONFLITO ENTRE JUSTIÇA E SEGURANÇA JURÍDICA

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Processo Civil

Por: Maria Luisa Lins Martins

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AGRADECIMENTOS

Aos meus filhos Natália e Daniel, por

darem sentido às minhas realizações e

ao meu crescimento profissional.

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DEDICATÓRIA

Ao Luiz, meu marido e companheiro, pela

paciência e compreensão nas situações

de sacrifício impostas a toda a família, e

pela força que sempre me transmitiu nos

momentos de desânimo.

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RESUMO

O estudo trata da relevância, para a estabilidade das relações

jurídicas e, por conseqüência, para a sociedade, da polêmica sobre a

relativização da coisa julgada material, sendo o foco da discussão o choque

entre a justiça concreta e a segurança jurídica, e o duelo de valores

constitucionais decorrente de tal situação, agravado pela falta de legislação

que regule a matéria. Inicialmente, são traçadas considerações sobre a justiça

e a segurança jurídica, abordando temas como conceito, fundamentos e

instrumentos de efetivação. Em seguida, dedica-se ao estudo da coisa julgada,

primordial à efetivação da segurança jurídica, tendo como destaque sua

regulamentação no direito brasileiro, seus limites, conceito, fundamentos e

importância. Dando continuidade, foram abordados os princípios

constitucionais pertinentes ao presente estudo, com ênfase ao princípio da

proporcionalidade. A seguir, trata-se da relativização da coisa julgada material,

sendo apresentados posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais contrários

e favoráveis à relativização. Por fim, a análise do princípio da

proporcionalidade confirma a interação deste com outros princípios

constitucionais. Considerando-se que este princípio é garantido na

Constituição, o presente estudo demonstra que a sua aplicação é correta e

justa, nos casos em que duas regras ou dois princípios constitucionais entram

em conflito. Portanto, o princípio da proporcionalidade pode servir como

amparo, para que a decisão possa ser justa, sem causar insegurança e

contribua para uma sociedade melhor para todos.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada para elaboração da presente monografia foi

baseada em leitura de livros, legislação, artigos, informativos, revistas,

principalmente nas bibliotecas do Tribunal de Justiça, da Universidade Estácio

de Sá, da Justiça Federal, da Universidade Cândido Mendes, Biblioteca virtual

Juruá (www.jurua.com.br), acervo pessoal, bem como pesquisas na internet

sobre jurisprudência, dos Tribunais Superiores, pertinente à questão, com o

objetivo de abordagem de aspectos mais relevantes acerca do tema escolhido.

A questão central do tema foi pesquisada principalmente nos livros de

doutrina de Direito processual Civil de autores como: Luiz Guilherme Marinoni,

Sérgio Cruz Arenhart, Jóse Carlos Barbosa Moreira, AlexandreFreitas Câmara,

Luiz Rodrigues Wambier, e também em obras específicas que tratam da coisa

julgada, como do autor Sérgio Gilberto Porto.

Por outro lado, foram mencionadas matérias de ordem Constitucional,

como os princípios, buscados na literatura de Direito Constitucional de autores

como: Alexandre de Moraes, José Afonso da Silva, e outros

Por fim, foram abordadas questões filosóficas, como o conceito de

direito e justiça, buscados em obras como de Paulo Dourado de Gusmão,

Gustav Radbruch, Chaim Perelman, dentre outros.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Segurança Jurídica 10

CAPÍTULO II - Coisa Julgada 20

CAPÍTULO III – Princípios Constitucionais Pertinentes ao Tema 32

CAPÍTULO IV – A Relativização da Coisa Julgada 44

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA 58

ÍNDICE 61

FOLHA DE AVALIAÇÃO 63

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem por objetivo demonstrar a importância, para

o mundo jurídico, da discussão sobre a relativização da coisa julgada material,

tendo como principal pano de fundo o conflito que aflige desde sempre os

operadores do direito, qual seja, o choque entre a justiça concreta e a

segurança jurídica, ainda que a custa de uma eventual injustiça individual, e o

duelo de valores constitucionais decorrente de tal situação.

No Brasil, o movimento da relativização iniciou-se por volta do ano

2000, tendo como paradigmas dois casos concretos de grande repercussão. O

primeiro sobre indenização de valor totalmente irreal numa ação de

desapropriação e o segundo sobre o advento do exame de DNA, levantando a

possibilidade de descobrimento de verdadeiros vínculos de filiação.

Seguindo essa linha, a relativização começou a ser defendida, nas

decisões judiciais, com base nos princípios da moralidade, dignidade da

pessoa humana, devido processo legal, justiça das decisões e razoabilidade.

Doutrinariamente, seus primeiros defensores foram, José Augusto

Delgado, seguido de Humberto Theodoro Junior e Cândido Rangel Dinamarco.

Visando uma melhor compreensão do tema, esta monografia será

apresentada em quatro capítulos.

Primeiramente, no Capítulo I, far-se-á uma abordagem sobre o que é

justiça, passando, depois, à conceituação de segurança jurídica, seus

fundamentos constitucionais e infraconstitucionais, bem como seus

instrumentos de efetivação.

A seguir, no Capítulo II, as questões tratadas serão quanto à coisa

julgada, sua evolução histórica na legislação brasileira, o conceito de coisa

julgada formal e material, bem como delineados os seus limites, subjetivos e

objetivos. Foram tratados, também, os seus fundamentos e importância.

No capítulo III, serão abordadas questões relativas aos princípios

constitucionais pertinentes à discussão central, tais como: o princípio da

irretroatividade da lei, direito adquirido, justiça das decisões, princípio da

dignidade da pessoa humana e princípio da proporcionalidade.

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Finalmente, no capítulo IV, finalizando o presente estudo, será

analisada a relativização da coisa julgada, a luz da segurança jurídica em

confronto com a justiça das decisões, ou seja, o conflito de valores que nela

residem, com a abordagem das diversas correntes doutrinárias e

jurisprudenciais sobre a questão.

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CAPÍTULO I

JUSTIÇA E SEGURANÇA JURÍDICA

Ao contrário das ciências exatas, o direito opera com valores, a partir

do momento que lida com a experiência humana e é um fenômeno social, não

tem como parâmetros certezas absolutas e verdades, mas sim, valores, cujos

principais são a justiça e a segurança. A seguir iremos expor tópicos sobre

estes valores.

1.1 – Justiça:

Podemos dizer que a justiça é idéia inerente ao direito, que tem como

objetivo constante este importante valor. Mas o conceito de justiça não é

pacificado, ao revés, é muito elástico e controvertido. Nas palavras de Paulo

Dourado de Gusmão:

“Tratando-se de conceito do direito dissemos dever

corresponder o direito à idéia de justiça. Mas, que é

justiça? Eis aí uma questão formulada desde Sócrates até

nossos dias, sem resposta ainda. Não há quem não tenha

dela pelo menos uma vaga idéia. Defini-la, quantas

tentativas tem sido mal sucedidas. Desde Kant diz-se não

ser possível conceitua-la por ser a razão cega para os

valores”1

Por exemplo, Hans Kelsen fazendo um paralelo entre a teoria dos

interesses, que leva em consideração o interesse subjetivo de alguém em

alguma coisa, com os valores de justiça, conclui que “não há um padrão

1 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. 6º ed. Forense. 2001. p. 75.

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exclusivo de justiça: o que encontramos efetivamente são muitos ideais

diferentes e muitas vezes conflitantes”2

Avançando nas suas idéias, Kelsen explica:

“Às normas do direito positivo corresponde certa realidade

social, mas às normas de justiça. Nesse sentido, o valor

de direito é objetivo, ao passo que o valor de justiça é

subjetivo. E isso se aplica mesmo que as vezes um

grande número de pessoas tenha um mesmo ideal de

justiça”3

Conforme já mencionado acima, de Aristóteles, até os dias de hoje,

passando por Kant, muitos autores se dedicaram ao estudo da justiça. Mas

merece destaque o estudo realizado por Chaim Perelman4, que se preocupa

em definir justiça de forma que abarque diversas concepções. Para tanto,

classificou a justiça de acordo com seis grupos de diferentes concepções, que,

resumidamente, serão expostas a seguir:

1 – A cada qual a mesma coisa: Para esta concepção, totalmente

igualitária, todos os seres devem ser tratados da mesma forma,

independentemente de qualquer particularidade que os diferencie. Desta

forma, fazem parte de uma mesma categoria todas as pessoas as quais se

deseja aplicar a justiça.

2 – A cada qual segundo seus méritos: Essa concepção exige

tratamento proporcional a um mérito, ou demérito. As pessoas devem fazer

parte de uma mesma categoria de méritos para receberem o mesmo

tratamento. Neste caso, o juiz deverá analisar os fatos que qualificam a

pessoa, para medir o mérito.

3 – A cada qual segundo suas obras: Também utiliza o método

proporcional, mas em relação a resultados obtidos em conhecimento e obras.

2 KELSEN, Hans. O que é justiça. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 223 3 KELSEN, Hans. O que é justiça. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 223. 4 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Direito (Tradução de Maria Ermantina Galvão). São Paulo: Martins Fontes. 2000. pp. 19 e seguintes.

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Como exemplo temos o concurso público, que não leva em consideração o

esforço do candidato, mas sim o resultado final. Porém, para que a justiça seja

aplicada, o critério de avaliação deve ser o mesmo, assim como as obras de

mesma espécie.

4 – A cada qual segundo suas necessidades: Essa concepção leva em

consideração a necessidade da pessoa, a fim de diminuir seus sofrimentos que

resultam da falta de condições de satisfazer suas necessidades básicas, ou

seja, indivíduos que fazem parte da mesma categoria, tendo como ponto de

convergência, suas necessidades, devem receber o mesmo tratamento.

5 – A cada qual segundo sua posição: Essa concepção geralmente é

defendida por quem dela se favorece, já que é uma forma aristocrática de

justiça. As pessoas que irão receber a justiça estão repartidas de forma

hierarquizada.

6 – A cada qual segundo o que a lei lhe atribui: Segundo esta

concepção, o juiz é justo a partir do momento que aplica às mesmas situações

às mesmas leis. Esta concepção é essencialmente jurídica, considerando que

a forma de justiça é imposta pelo ordenamento jurídico vigente, cabendo ao

juiz apenas qualificar os fatos para verificar qual norma jurídica irá incidir no

caso.

Após a exposição das seis concepções Perelman conclui que a parte

comum entre essas concepções refere-se ao conceito de justiça formal, já que

para todas elas, ser justo é tratar da mesma forma os indivíduos que são iguais

sob determinado ponto de vista. Nas suas palavras a justiça formal é “um

princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial

devem ser tratados de uma mesma forma”5

No entanto, essas definições não resolvem todos os problemas da

justiça concreta, já que, nascendo da visão do mundo e da valoração não diz

quando dois seres são da mesma categoria essencial, nem como trata-los.

5 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Direito (Tradução de Maria Ermantina Galvão). São Paulo: Martins Fontes. 2000. pp. 19 e seguintes

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Apesar disso é a única que pode ser adotada sem mais controvérsias. Neste

sentido, reconhece Gustav Radbruch:6

“Sem dúvida, a justiça manda tratar como iguais as coisas

iguais e diferentemente as que são desiguais, na

proporção de sua desigualdade; não responde, porém, à

pergunta: que pessoas devemos tratar como iguais ou

como desiguais?; nem a pergunta, como devem estas ser

tratadas? A justiça só determina e só nos dá a “forma” do

jurídico, e não o seu conteúdo”

Fica, assim, difícil falar em justiça e finalidade do direito em termos

absolutos, mas, ainda que não se chegue a um denominador comum, deve-se

aceitar que determinadas normas regulem a sociedade, em prol do valor maior

que é a segurança, sob pena de gerar um caos no sistema, que traria a

insegurança.

1.2 – Segurança Jurídica:

O homem não é auto-suficiente, nem no plano material, nem no plano

espiritual, já que precisa da natureza, para obter meios de subsistência, e do

meio social, que lhe proporciona o desenvolvimento moral. Por isso, não se

sente seguro. Nas palavras de Paulo Nader7:

“O seu estado de permanente dependência proporciona-

lhe a inquietude. A certeza das coisas e a garantia de

proteção são uma eterna procura do homem. A

segurança é, portanto, uma aspiração comum aos

homens.”

6 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 5º ed. Coimbra: Américo Armando. 1974. p. 124 7 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2001. p. 116.

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Podemos dizer que a expressão genérica “segurança” contém vários

sentidos específicos como: a segurança pessoal, segurança pública,

segurança social e segurança jurídica, que é o objeto de nosso estudo.

Leciona Paulo Dourado de Gusmão: “A segurança, diz respeito, pois, à

segurança individual, social, estatal, política e internacional. Pressuposta em

todos os ramos do direito (....)”8

No plano jurídico, a segurança jurídica se encontra numa posição

intimamente relacionada ao Estado Democrático de Direito, podendo ser

considerada essencial ao mesmo, sendo um de dos princípios basilares que

lhe conferem sustentação. Estando, também, intensamente relacionado à

ordem jurídica. Segundo Paulo Nader:

“No plano jurídico a segurança corresponde a uma

primeiro necessidade, a mais urgente, porque diz respeito

à ordem. Como se poderá chegar à justiça se não houver,

primeiramente, um Estado organizado, uma ordem

jurídica definida? É famoso o dito de Goethe: “prefiro a

injustiça à desordem”.”

Portanto, a segurança jurídica é um valor que garante a estabilidade e

certeza na sociedade e que, ao lado da justiça deve nortear os sistemas e

ordenamentos jurídicos. Neste sentido, leciona Cármen Lucia Antunes Rocha9:

“A segurança jurídica consiste na garantia da estabilidade

e de certeza nos negócios jurídicos, de sorte que as

pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em

determinada relação jurídica, esta se mantém estável,

mesmo se modificar a base legal sob a qual se

estabeleceu”

8 GUSMÃO, Paulo Dourado de. . Filosofia do Direito. 6º ed. Forense. 2001. p. 77. 9 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (org.). Constituição e Segurança Jurídica: Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada. Estudos em Homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2 ed. Belo Horizonte. 2005. p.168.

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1.2.1 – Os Fundamentos Constitucionais e Infraconstitucionais da

Segurança Jurídica:

No ordenamento jurídico brasileiro, a segurança jurídica é tutelada

tanto na legislação Constitucional, quanto na infraconstitucional. A seguir serão

comentados alguns exemplos.

A Constituição Federal de 1988, trata a segurança sob três aspectos:

como princípio, como valor, e como direito fundamental. Segundo Evandro da

Silva Barros:10

“(...) a inserção constitucional da segurança jurídica como

valor, ocorreu segundo Konrad Hesse, porque ‘a

Constituição jurídica está condicionada pela realidade

histórica. Ela não pode se separada da realidade concreta

de seu tempo. A pretensa eficácia da Constituição

somente pode ser realizada se se levar em conta essa

realidade”.

“é necessário lembrar que o texto constitucional ao

introduzir a segurança jurídica como um de seus

princípios, empreendeu-lhe conotação de direito

fundamental, uma vez que detém a função de garantir,

tutelar e proteger os direitos conferidos aos sujeitos de

direito”

Ainda segundo Silva Barros, a segurança jurídica está, primeiramente,

situada como princípio na Carta Magna no seu Preâmbulo11, e no elenco dos

10 BARROS, Evandro da Silva. Coisa Julgada Inconstitucional e Limitação Temporal para a Propositura da Ação Rescisória, in Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 12, n. 47, Abril/Junho de 2004, pp. 55/56. 11 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

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direitos “invioláveis” elencados no caput do artigo 5º12, ao lado dos direitos à

liberdade, vida, propriedade e igualdade. Embora em momento algum o

legislador Constituinte tenha se referido expressamente ao direito à segurança

jurídica, este acabou sendo referenciado em vários dispositivos da nossa

Constituição. Começando pelo princípio da legalidade e do direito a não ser

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei,

disposto no art. 5º, inciso II13, passando pela expressa proteção do direito

adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, expressos no inciso

XXXVI14 do mesmo artigo, bem como pelo princípio da legalidade e

anterioridade em matéria penal, de acordo com disposto no artigo 5º, inciso

XXXIX15, e da irretroatividade da lei penal desfavorável, conforme artigo 5º,

inciso XL16, até chegar às demais garantias processuais (penais e civis), como

é o caso da individualização e limitação das penas, de acordo com o artigo 5º,

incisos XLV a XLVIII,17 das restrições à extradição, artigo 5º, incisos LI e LII18,

e das garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa,

dispostas no texto do artigo 5º, incisos LIV e LV19. Sem exaurir os exemplo,

foram mencionadas algumas das situações mais relevantes, limitadas aos

12 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 13 II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 14 XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 15 XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; 16 XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; 17 XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; 18 LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião; 19 LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

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exemplos extraídos do artigo 5º, que, num sentido amplo, também guardam

ligação com a noção de segurança jurídica.

Ademais, a legislação infraconstitucional também protege a segurança

jurídica. O artigo 6º20 da Lei de Introdução ao Código Civil, confere proteção à

coisa julgada, ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.

O Código de Processo Civil conceitua a coisa julgada, conforme o

disposto no art. 46721; faz proibição expressa quanto à possibilidade do juiz

decidir novamente questões anteriormente apreciadas, de acordo com o art.

47122; prevê o duplo grau de jurisdição, para causas contra o poder público,

nos termos do art. 47523; elenca, taxativamente, as hipóteses de cabimento de

ação rescisória, conforme o art. 48524; entre outros.

Podemos citar, também, o art. 2º, caput, da Lei 9.784/9925 que regula a

tramitação do processo administrativo no âmbito da Administração Direta e

Indireta da União Federal, que inclui o princípio da segurança jurídica no rol de

princípios aos quais a Administração deve obediência.

Sendo assim, estas breves considerações já seriam suficientes, para

demonstrar o quanto que a segurança jurídica possui um lugar destacado no

atual ordenamento jurídico brasileiro.

20 Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. 21 Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. 22 Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide,(...) 23 Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). 24 Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa; 25 Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Esta Lei regula a tramitação do processo administrativo no âmbito da Administração Direta e Indireta da União Federal.

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1.2.2. – Instrumentos de Efetivação da Segurança Jurídica:

Para que a segurança jurídica seja imposta e tenha assegurada a sua

observância, são primordiais determinados instrumentos.

Como principal instrumento, temos a normatividade. Somente a partir

da existência de normas que obrigatoriamente sejam observadas é que se

pode garantir a segurança, já que, numa sociedade onde cada indivíduo possa

fazer o que quiser, sem atender a norma alguma, será instaurado o caos.

Apenas com um direito efetivamente posto, ainda que apenas em tese,

conhecido por todos, é possível contar com a segurança jurídica. Ou seja,

somente a partir da previsibilidade de que, ao praticar determinada conduta,

toda pessoa sabe qual conseqüência que irá advir do referido ato, pode-se

garantir a segurança jurídica. A previsibilidade é primordial, pois, conforme

leciona Perelman “apenas com essa condição que a paz judiciária poderia ser

assegurada numa sociedade civilizada”26 . Isso significa que, as regras

jurídicas e o respeito a elas é importante, não só para o comportamento

individual, ou para o aplicador do direito (juiz), como para toda a sociedade.

Outro instrumento, além da previsibilidade trazida pelas normas é a

imutabilidade das decisões judiciais aplicadas ao caso concreto, ou seja, a

regra do caso concreto não podendo mais ser contestada. Caso assim não

fosse, a insegurança iria perdurar mesmo após o desfecho de uma lide, visto

que, a decisão continuaria passível de questionamentos. É a coisa julgada

como garantidora da segurança jurídica. Mas detalhadamente iremos dela

tratar no próximo capítulo.

Conforme bem destaca Cármen Lúcia Antunes Rocha27:

“Afirma-se a coisa julgada como manifestação necessária

ou como decorrência precisa da segurança jurídica, em

26 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Direito (Tradução de Maria Ermantina Galvão). São Paulo: Martins Fontes. 2000. p.31.

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virtude do que as decisões judiciais devem revestir de

intangibilidade absoluta após o seu trânsito em julgado”

Portanto, a existência de normas, de parâmetros para os aplicadores

do direito, a presença imutabilidade das decisões e a previsibilidade são

elementos primordiais para que seja garantida a segurança jurídica.

Independentemente do sistema jurídico adotado, tais características devem

aparecer, ainda que com contornos distintos.

CAPÍTULO II

COISA JULGADA

27 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. op. cit. p. 167.

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2.1 – A Evolução Histórica da Coisa Julgada na Legislação

Brasileira:

A Constituição Monárquica de 1824, em seu art. 179, II e III28, tratava

apenas da irretroatividade da lei, não dispondo de qualquer regramento

específico sobre a coisa julgada.

Por sua vez, a Constituição Republicana de 1891, em seu art. 11, 3º29,

da mesma forma, faz referência somente a irretroatividade da lei.

A coisa julgada foi tratada pela primeira vez na Constituição Brasileira

de 1934, que em seu art. 113, 3)30, garantiu a proteção ao direito adquirido, ao

ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Em 1937, a Constituição outorgada durante o regime do Estado Novo,

numa das demonstrações dos efeitos do autoritarismo, suprimiu, dentre outras,

a proteção a coisa julgada. Nas palavras de Rodrigues Junior, “(...) diversas

leis com caráter retroativo foram editadas nesta época (....).”31

O Código de Processo Civil de 1939, em seus artigos 287 e 28832 fez

referência expressa à coisa julgada, tratando inclusive de seus limites.

A proteção dada à coisa julgada reapareceu na Constituição de 1946,

em seu art. 141, §3º33, cuja redação era idêntica a do art. 113 da Constituição

de 1934.

28 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira eguinte. (..) II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica. III. A sua disposição não terá effeito retroactivo. (Constituição de 1824) 29 “Art 11 - É vedado aos Estados, como à União: (...) 3 º ) prescrever leis retroativas” (Constituição de 1891) 30 Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 3) A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. (Constituição de 1934) 31 RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Coisa julgada e Constituição: os efeitos da lei nova, da mudança de interpretação dos tribunais e das emendas constitucionais sobre a coisa julgada. Nomos: revista do Curso de Mestrado de Direito da UFC, Fortaleza, v. 16/18, n. 4/6, p. 90, jan./dez. 1997-1999. 32 Art. 287. A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Art. 288. Não terão efeito de cousa julgada os despachos meramente interlocutórios e as sentenças proferidas em processos de jurisdição voluntária e graciosa, preventivos e preparatórios, e de desquite por mútuo consentimento. (Código de Processo Civil de 1939)

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A Constituição de 1967 deu nova redação ao artigo que tratava da

proteção do instituto da coisa julgada, suprimindo a expressão “a lei não

prejudicará”. A matéria foi inserida no inciso IX do art. 14934 da Carta Magna.

Em seguida, a Constituição de 1969, retomou ao texto dado a proteção

a coisa julgada das Constituições de 1934 e 1946, em seu art. 153, § 3º35.

Por sua vez, o Código de Processo Civil de 1973, em seu Capítulo VIII,

Seção II, artigos 467 até 47436, progrediu muito em relação à coisa julgada,

tratando inclusive de definição, efeitos, bem como distinção entre coisa julgada

formal e material, conforme explicitada nos próximos subitens.

Por fim a Constituição da República Federativa do Brasil, inseriu no

título que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu art. 5º, inciso

33Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 3º - A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 34 Art. 149. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil o direito à vida, à liberdade, ao trabalho e à propriedade nos seguintes termos: IX – respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada”. (Constituição de 1967) 35 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes. (...) § 3º A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. (Constituição 1969) 36 Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Art. 469. Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5o e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide. Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei. Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão. Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido. (Código de Processo Civil)

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XXXVI37, a proteção ao instituto da coisa julgada, não inovando em relação aos

textos das Constituições anteriores.

2.2 – Conceito:

O direito é um conjunto de normas que controlam uma sociedade, com

a finalidade de garantir a paz e convivência entre seus integrantes de forma

harmônica. Sendo assim, torna-se primordial a estabilidade das relações

jurídicas.

Garantia dada pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso

XXXVI, conforme já anunciado anteriormente, a coisa julgada é um dos

maiores garantidores da paz social. A Lei de Introdução ao Código Civil, em

seu art. 6º38 declara o instante em que a coisa julgada se forma. O Código de

Processo Civil, em seu art. 46739 e seguintes, disciplina a coisa julgada, sendo

determinante da imutabilidade das sentenças e de seus efeitos.

Nas palavras de MARINONI e ARENHART:40

“De fato, a coisa julgada nada mais é do que o reflexo da

ordem jurídica abstrata no caso concreto; se a regra

abstrata é (ao menos em princípio, e enquanto a

necessidade social estiver acorde com ela) imutável,

também a regra concreta assim deve ser. E,

considerando que na sentença o juiz “concretiza” a norma

abstrata, fazendo a lei do caso concreto, nada mais

normal que essa lei também se mostre imutável”

37 art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, nos seguintes termos: XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. (Constituição de 1988) 38 Art. 6º, §3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. 39 Art. 467 – Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (Código de Processo Civil)

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2.3 –Coisa Julgada Formal e Material:

Partindo-se da premissa de que não cabe mais nenhum recurso, contra

sentenças que extinguem o processo, ainda que sem resolução do mérito, a

coisa julgada estará formada, independentemente da natureza da sentença.

No entanto, a doutrina trata de duas espécies de coisa julgada: a formal e a

material . Nas palavras do jurista Luis Guilherme Marinoni41:

“Quando se alude à indiscutibilidade da sentença

judicial, fora do processo, em relação a outros feitos

judiciais, põe-se o campo da coisa julgada material, que

aqui realmente importa e que constitui, verdadeiramente,

o âmbito de relevância da coisa julgada. Já a

indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do

processo remete à noção de coisa julgada formal. A coisa

julgada formal, como se nota, é endoprocessual, e se

vincula à impossibilidade de rediscutir o tema decidida

dentro da relação processual em que a sentença foi

prolatada. Já a coisa julgada material é extraprocessual,

fazendo repercutir seus efeitos para fora do processo, em

relação a outros processos.”

José Afonso da Silva42 salienta que ao tratar da coisa julgada a Constituição Federal, abarcou apenas a coisa julgada material. São do jurista as seguintes palavras:

“Dizemos que o texto constitucional só se refere à coisa

julgada material, em oposição à opinião de Pontes de

Miranda, porque o que se protege é a prestação

jurisdicional definitivamente outorgada. A coisa julgada

40 MARINONI, L. G, ARENHART, S. C.. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2006. p. 633. 41. MARINONI, L. G, ARENHART, S. C.. op cit. p. 631.

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formal só se beneficia da proteção indiretamente na

medida em que se contém na coisa julgada material, visto

que é pressuposto desta, mas não assim a simples coisa

julgada formal. Tutela-se a estabilidade dos casos

julgados, para que o titular do direito aí reconhecido tenha

a certeza jurídica de que ele ingressou definitivamente no

seu patrimônio”.

2.3.1 – Coisa Julgada Formal:

A coisa julgada formal não tem definição no ordenamento pátrio, sendo

esta nomenclatura considerada equivocada, mas consagrada na doutrina.

Nelson Nery Junior43 afirma que “Trata-se na verdade de preclusão e não de

coisa julgada”.

É reconhecida pela doutrina como uma forma de estabilidade relativa

que garante que a matéria discutida na sentença, não poderá ser reavaliada no

mesmo processo. Neste sentido leciona Couture44 que “a coisa julgada formal

dá as decisões judiciais uma eficácia meramente transitória” A coisa julgada

formal se identifica com o fim do processo e pode aparecer como preclusão

máxima.

Nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier:45

“Na doutrina aparece a expressão preclusão máxima para

designar coisa julgada formal, e isto significa que a coisa

julgada formal se identifica de fato com o fim do processo,

tendo lugar quando da decisão já não caiba mais recurso

algum (ou porque a parte terá deixado escoar in albis os

prazos recursais ou porque terá interposto todos os

recursos). Torna-se indiscutível a decisão naquele

42 SILVA, José Afonso do Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros., 2001. p. 438 43 JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria de Andrade. Codigo de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7.ed. São Paulo: RT, 2003, p 789 44 COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos do Direito Processual Civil, p 344 45 WAMBIER, Luiz Rodrigues, Curso Avançado de Processo Civil. vol. 1. .8 ed. RT, 2006, p. 502

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processo em que foi proferida,já que o processo acabou.

A indiscutibilidade que nasce com a coisa julgada formal

se limita àquele processo em que a decisão tenha sido

proferida....”

Sendo assim, a partir do trânsito em julgado da sentença, seja por

exaurimento de recursos cabíveis, seja por inexistência de recurso, ou até

mesmo por decurso de prazo recursal, forma-se a coisa julgada formal,

tornando a sentença imutável no processo na qual foi prolatada. Neste sentido

temos as palavras de Nelson e Rosa Maria Nery46:

“Ocorre a coisa julgada formal quando a sentença não

mais está sujeita a recurso ordinário ou extraordinário (v.

LICC 6º, § 3º), quer porque dela não se recorreu; quer

porque se recorreu em desacordo com os requisitos de

admissibilidade dos recursos ou com os princípios

fundamentais dos recursos; quer, ainda, porque foram

esgotados todos os meios recursais de que dispunham as

partes e interessados naquele processo. ”

As sentenças que fazem coisa julgada formal são: a que extingue o

processo por carência de ação, por falta de pressupostos processuais, a que

homologa transação, ou a sentença que acolhe ou rejeita o pedido do autor,

isto é, a coisa julgada formal se dá em relação a qualquer sentença.

Neste sentido são as palavras de Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz

Arenhart47:

“A “coisa julgada formal” opera-se em relação a qualquer

sentença, a partir do momento em que precluir o direito

do interessado em impugna-la internamente à relação

processual”.

46 JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit.p. 789 47 MARINONI, L. G, ARENHART, S. C. op. cit. p. 632

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A coisa julgada formal pode ocorrer sem que ocorra a coisa julgada

material. É o que acontece com as sentenças terminativas, que encerram o

processo sem a resolução do mérito, não impede a rediscussão da questão em

outra ação.

2.3.2 - Coisa Julgada Material:

A coisa julgada material, ao contrário da coisa julgada formal, só irá se

produzir quando se tratar de sentença de mérito, sendo, portanto, a coisa

julgada por excelência. Ela é uma qualidade que a sentença ganha após o seu

trânsito em julgado, ou seja, quando não mais sujeita a qualquer recurso

ordinário ou extraordinário, nem a remessa necessária. Corroborando com tal

assertiva, temos Nelson e Rosa Maria Nery48:

“Coisa julgada material (auctoritas rei indicatae) é a

qualidade que torna imutável e indiscutível o comando

que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito

não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário

(CPC 467; licc 6º, § 3º), nem à remessa necessária do

CPC 475 (STF 423; Barbosa Moreira, Temas 3º, 107)”

Alguns autores lecionam ser a coisa julgada material um efeito da

sentença, mas, no entendimento de Ovídio Baptista da Silva:49, tal assertiva

se trata de um equívoco:

“Pelas considerações precedente, cremos que se

pode concluir, com LIEBMAN, que a coisa julgada não é

um efeito, mas uma qualidade que se ajunta, não, como

ele afirma, ao conteúdo e a todos os efeitos da sentença,

48 JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit.p. 787 49 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. v 1. p. 496

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tornando-a imutável, e sim apenas ao efeito declaratório,

tornando-o indiscutível nos futuros julgamentos”

Por fim, entende Cândido Rangel Dinamarco50 que a coisa julgada

material não é instituto meramente processual. Isso porque a situação jurídica

acobertada pelo manto da coisa julgada, nessa hipótese, por atingir a vida das

pessoas, é muito mais ampla do que as normas e técnicas que regem o

procedimento do processo.

2.4 – Limites da Coisa Julgada:

Conforme se depreende do texto do art. 468, do Código de Processo

Civil51, a própria lei impõe limites ao instituto da coisa julgada. São os limites

de natureza subjetiva e objetiva. Segundo Sergio Cruz Arenhart, para

compreensão de tais limites deve-se responder as seguintes questões:

“A coisa julgada, como visto, atinge a declaração

suficiente que existe na sentença de mérito,

estabelecendo a “lei do caso concreto”, capaz de reger

especificamente a situação deduzida em juízo. Mas essa

imutabilidade se estende a quem?” (grifo nosso).52

“Examinada a extensão subjetiva da coisa julgada, resta,

agora, avaliar sua abrangência objetiva. Viu-se que a

coisa julgada agrega-se à declaração contida na

sentença, para torna-la imutável e indiscutível. Em sendo

50 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista de Processo, São Paulo, v. 28, n. 109, p. 13, jan./mar. 2003.9 51 art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. (Código de Processo Civil) 52 MARINONI, L. G, ARENHART, S. C. op. cit. P. 641

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assim, o que significa exatamente abrangido pela

coisa julgada?” (grifo nosso).53

Passemos, então, à análise das questões levantadas.

2.4.1 – Limites Subjetivos da Coisa Julgada:

Em regra, nos termos do disposto na primeira parte do art. 47254, do

CPC, a coisa julgada irá atingir somente as partes, pólo ativo ou pólo passivo,

de uma demanda. No entanto, não seria lógico que outras pessoas

diretamente atingidas pela decisão de uma demanda, sejam impedidas de

discutir a sentença. Na verdade, a imutabilidade é que se restringe às partes

do processo.

Elucidativas são as palavras de Luiz Guilherme Marinoni:55

“Em princípio, portanto, tomando-se a regra geral,

tem-se que somente as partes (e seus sucessores, por

inferência lógica) ficam acobertadas pela coisa julgada.

Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já

que foram os sujeitos do contraditório que resultou na

edição da solução judicial. Naturalmente, se esses

sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da

decisão judicial, tendo, aliás, o autor, solicitado esta tutela

estatal, indubitavelmente hão de sujeitar-se à resposta

jurisdicional oferecida. Para as partes, assim, a decisão

judicial, preclusa em função do esgotamento dos meios

de impugnação, torna-se imutável”

53 MARINONI, L. G, ARENHART, S. C. op. cit. p. 644 54 Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. (Código de Processo Civil)

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Assim, a autoridade da coisa julgada, sendo explicitamente clara nossa

legislação nesse sentido, recai apenas sobre quem foi parte do processo. Mas,

por outro lado, os efeitos da sentença podem atingir terceiros sem que sejam

impedidos de rediscutir a matéria solucionada judicialmente, em atenção ao

princípio do contraditório e da ampla defesa. Neste sentido temos o julgado do

Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA:

PROCESSO CIVIL. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA. PROTEÇÃO DO TERCEIRO QUE NÃO INTEGROU A RELAÇÃO PROCESSUAL. LOCATARIA DA PROMISSORIA COMPRADORA QUE TEVE SUA RELAÇÃO OBRIGACIONAL JUDICIALMENTE RESCINDIDA. ORDEM DE DESPEJO QUE VIOLA DIREITO DA LOCATARIA DE NÃO SER DESALOJADA DE SUA POSSE SEM AS GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECURSO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA. I - A SISTEMATICA DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO NÃO SE COMPADECE COM A EXTENSÃO DA COISA JULGADA A TERCEIROS, QUE NÃO PODEM SUPORTAR AS CONSEQUENCIAS PREJUDICIAIS DA SENTENÇA. E O PRINCIPIO CONSAGRADO NO ART. 472 DA LEI PROCESSUAL. II - NÃO TENDO A LOCATARIA, POR QUALQUER FORMA, INTEGRADO A RELAÇÃO PROCESSUAL, DE ONDE EMANOU A SENTENÇA, CUJA EXECUÇÃO IMPORTOU EM ORDEM DE DESPEJO, CONTRA ELA EXPEDIDA, VIOLA-SE O DIREITO, LIQUIDO E CERTO NA ESPECIE, DE NÃO SER A LOCATARIA PREJUDICADA POR SENTENÇA, DADA ENTRE PROMITENTE-VENDEDORA E PROMISSARIA-COMPRADORA-LOCADORA, E DE NÃO SER DESALOJADA, SEM AS GARANTIAS DO DUE PROCESS OF LAW, DA POSSE QUE VINHA EXERCENDO. (STJ – RMS 513/RJ – Min. Salvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma - DJ 29.11.1993 p. 25880)

No caso das causas envolvendo o estado da pessoa, havendo

litisconsórcio necessário e citação de terceiros, nos termos da segunda parte

55 MARINONI, L. G, ARENHART, S. C. op. cit.p.641.

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do art. 472 do CPC, a coisa julgada irá atingi-los, já que, obviamente, estarão

participando da relação processual.

No entanto, existem exceções, já que, em determinadas situações,

terceiros serão atingidos pelos efeitos e pela autoridade da coisa julgada.

Como exemplo temos a legitimação extraordinária, autorizada pelo art. 6º56, do

CPC. O substituído ficará vinculado à decisão judicial.

2.4.2 – Limites Objetivos da Coisa Julgada:

A sentença, de acordo com o disposto no art. 458 do CPC57, Tem como

requisitos essenciais: o relatório, onde o juiz discorre sobre os fatos do

processo, resumindo o que é pleiteados pela parte autora, e os principais atos

processuais praticados. A fundamentação ou motivação, onde são expostos

pelo juiz suas razões e fundamentos, utilizados para alcançar a decisão final.

E, por fim, o decisum ou dispositivo, onde o magistrado apresenta sua

decisão, baseada na fundamentação.

Como se deve observar, no relatório e na fundamentação nada ainda

foi declarado em relação ao julgamento propriamente dito, sendo apenas no

dispositivo que o julgador irá “dizer” o direito aplicado ao caso concreto. Assim,

a coisa julgada não atinge toda a sentença, mas somente o seu dispositivo.

Como expressamente colocado no art. 469 e incisos do CPC, os motivos,

embora possa parecer, não adquirem imutabilidade, “ainda que importantes

para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença” (art. 469, I).

Sobre a matéria Humberto Theodoro Júnior58 explica:.

“Os motivos, ainda que relevantes para fixação do

dispositivo da sentença, limitam-se ao plano lógico de

elaboração do julgado. Influenciam em sua interpretação

56 Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. (Código de Processo Civil) 57 Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem. (Código de Processo Civil)

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mas não se recobrem do manto de intangibilidade que é

próprio da resjudicata. O julgamento, que se torna

imutável e indiscutível, é a resposta dada ao pedido do

autor, não o ‘porquê’ dessa resposta”.

Também não faz coisa julgada a “verdade dos fatos, estabelecida como

fundamento da sentença” (art. 469, II, do CPC). Significando que um fato que o

juiz considere verdadeiro em um processo pode ser contestado em outro, e ser

considerado falso.

Por fim, cabe esclarecer que “a apreciação da questão prejudicial,

decidida incidentemente no processo”, também não faz coisa julgada. Questão

prejudicial é, no dizer de Humberto Theodoro59:

“é aquela questão relativa a outra relação ou

estado que se apresenta como mero antecedente lógico

da relação controvertida (à qual não diz diretamente, mas

sobre a qual vai influir), mas que poderia, por si só, ser

objeto de um processo separado”

Sendo assim, resguardada pela Constituição Federal e regulamentada

pelo Código de processo Civil, a coisa julgada é considerada o instituto que

mais assegura a estabilidade das relações jurídicas, sendo garantidora da

segurança jurídica.

CAPÍTULO III

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

PERTINENTES AO TEMA

Neste capítulo iremos abordar, em linhas gerais, alguns dos princípios

constitucionais pertinentes à discussão central da presente monografia. Faz-se

58 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 38º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v 1. p. 483. 59 JUNIOR, Humberto Theodoro. op. cit .p. 484.

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referência a “alguns”, já que , em se tratando de princípios, sempre existe a

possibilidade de aplicação de outros que não foram inicialmente citados, pois o

próprio instituto é de infinita aplicação.

Inicialmente, é importante ressaltar a distinção entre conflito de regras

jurídicas e princípios. Regras são proposições normativas aplicáveis sob a

forma de tudo ou nada. Se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve

incidir, de modo direto e automático, produzindo seus efeitos. Por exemplo: a

cláusula constitucional que estabelece a aposentadoria compulsória por idade

é uma regra. Quando o servidor completa setenta anos, deve passar à

inatividade, sem que a aplicação do preceito comporte maior especulação. O

mesmo se passa com a norma constitucional que prevê que a criação de uma

autarquia depende de lei específica. O comando é objetivo e não dá margem a

elaborações mais sofisticadas acerca de sua incidência. Uma regra somente

deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se

houver outra mais específica ou se não estiver em vigor. Sua aplicação se dá,

predominantemente, mediante subsunção.

Princípios contêm, normalmente, uma maior carga valorativa, um

fundamento ético, uma decisão política relevante, e indicam uma determinada

direção a seguir. Ocorre que, em uma ordem pluralista, existem outros

princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes

contrapostos. A colisão de princípios, portanto, não só é possível, como faz

parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso a sua incidência não pode

ser posta em termos de “tudo ou nada”, de validade ou invalidade.

Nas lições de Ronald Dworkin60:

“As regras são aplicáveis à maneira do “tudo ou nada”.

Dados os fatos que uma regra estipula, então, ou a regra

é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve

ser aceita, ou não é válida, e neste caso, em nada

contribui para a decisão”.

60 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos à Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 39.

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Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou

importância. À vista dos elementos do caso concreto, o intérprete deverá fazer

escolhas fundamentadas, quando se defronte com antagonismos inevitáveis,

como os que existem entre a liberdade de expressão e o direito de privacidade,

a livre iniciativa e a intervenção estatal, o direito de propriedade e a sua função

social. A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, mediante

ponderação. Enquanto o conflito de norma regra em uma antinomia, a ser

resolvida pela perda de validade de uma das regras em conflito, ainda que em

um determinado caso concreto, deixando-se de cumpri-la para cumprir a outra,

que se entende ser a correta, as colisões entre princípios resultam apenas em

que se privilegie o acatamento de um, sem que isso implique no desrespeito

completo do outro.

Neste sentido, leciona Willis Santiago61:

“Princípios, à diferença de regras, como acentua Dworkin,

apresentam-se, em determinadas situações de conflito

entre si, como sendo uns mais importantes do que os

outros, por terem essa “dimensão de peso (relativo)”

(dimension of weight), devido à qual faz sentido

perguntar, nessas situações concretas, qual princípio tem

mais peso, é mais importante, para que possa prevalecer.

Quando se diz que o princípio da proporcionalidade é

mais importante que o da isonomia e, mesmo,

considerando abstratamente, o mais importante de todos,

é por ser ele a expressão objetiva dessa dimensão de

todo e qualquer princípio”

O traço distintivo entre regras e princípios, por último referido, aponta

para uma característica desses que é de se destacar: sua relatividade. Não há

princípio do qual se possa pretender seja acatado de forma absoluta, em toda

e qualquer hipótese, pois uma tal obediência unilateral e irrestrita a uma

61 GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (organizadores). op. cit. p. 281.

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determinada pauta valorativa - digamos, individual - termina por infringir uma

outra - por exemplo, coletiva.

3.1 – Princípio da Irretroatividade da Lei:

O princípio da irretroatividade da lei, aparece no nosso ordenamento

jurídico desde a Constituição Monárquica de 1824. A primeira Constituição da

República brasileira, de 1891, no seu art. 11, inciso 3º, vedava aos Estados,

como à União, a prescrição de leis retroativas. A Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, no seu art. 5º, XXXVI, também faz referência ao

instituto.

De acordo com Tupinanbá Miguel do Nascimento62:

“Como já ressaltado anteriormente (item 8), a lei

penal só retroagirá para beneficiar o réu (inc XL). Nos

demais casos incide o inciso XXXVI: “a lei não prejudicará

o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada”. É o princípio da possibilidade de retroagir, mas

tornando o passado inviolável nas situações que cita,

diante de normatividade superveniente. A compreensão

deste direoto e garantia, em todas as suas nuances,

passa necessariamente pelo entendimento das situações

referidas na norma, em que há ultratividade de regras já

revogadas pelo ordenamento jurídico novo;”

Ressalte-se, contudo, que o que não pode ser atingido pelo império da

lei nova é o direito adquirido, jamais o direito em potencial ou a simples

expectativa de direito, uma vez que não se pode admitir direito adquirido a

adquirir um direito.

3.2 – Princípio do Direito Adquirido:

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De alguma forma, o direito adquirido sempre foi protegido pelas

Constituições Federais ao longo da história, com exceção da Constituição de

1937, que não fazia referência alguma ao instituto., as Constituições

Brasileiras sempre trataram do tema de forma implícita ou explicita. Na

Constituição Federal de 1988, a matéria é tratada no art. 5º, inc. XXXVI63.

Da mesma forma, o legislador cuidou da questão ao editar a Lei de

Introdução ao Código Civil, que em seu art. 6º, § 2º64, onde definiu o conceito

de direito adquirido.

No entanto, os doutrinadores consideram o instituto de difícil

conceituação. Conforme leciona José Afonso da Silva “A doutrina ainda não fixou

com precisão o conceito de "direito adquirido". Tem-se como referência, sempre

mencionado no estudo do tema, o italiano Gabba. Ainda nas palavras de José

Afonso65:

“ É ainda a opinião de Gabba que orienta sua noção,

destacando como seus elementos caracterizadores (1) ter

sido produzido por um fato idôneo para sua produção; (2)

ter se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular”

No Direito pátrio, a matéria não pode ser discutida sem o acesso à

obra de Rubens Limongi França66, que assim define direito adquirido:

“é a conseqüência de uma lei, por via direta ou

por intermédio de fato idôneo; conseqüência que, tendo

passado a integrar o patrimônio material ou moral do

62 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários à Constituição Federal. Livraria do Advogado. Porto Alegre: 1997. p.72. 63 Art. 5ºXXXVI – A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 64 Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...) § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. 65 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 18 ed. 2001. p. 436 66 FRANÇA, Rubens. Limongi . A irretroatividade das leis e o direito adquirido, 3ª edição, São Paulo, RT:1988, p. 50.

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sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova

sobre o mesmo objeto”.

Não se pode deixar de mencionar o conceito dado por José Afonso da Silva67:

“Para compreendermos melhor o que seja direito

adquirido, cumpre relembrar o que se disse acima sobre o

direito subjetivo: é um direito exercitável segundo a

vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando

seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação

correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente

prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito

consumado, direito satisfeito), extinguiu-se a relação

jurídica que o fundamentava... Se o direito subjetivo não

foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito

adquirido, porque era direito exercitável e exigível à

vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio,

para ser exercido quando lhe conviesse. A lei nova não

pode prejudicá-lo, só pelo fato do titular não o ter exercido

antes.”.

3.4 – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana:

Cada vez mais, o ordenamento jurídico tende ao reconhecimento do

ser humano como o centro e o fim do Direito. Essa inclinação encontra-se

pautada pela adoção, de acordo com o valor básico do Estado Democrático de

Direito, da dignidade da pessoa humana. Como disse Daniel Sarmento68 “o

67 SILVA, José Afonso. op. cit. p. 436 68 SARMENTO, Daniel. “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal”, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2002. p. 65.

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princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da

ordem constitucional”.

A dignidade da pessoa humana é reconhecida na Constituição Federal

de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, em seu

art. 1º, inc. III69, tornando o princípio da dignidade da pessoa humana o

principal princípio constitucional e fazendo com que funcione como aquele que

servirá como base de interpretação de outros direitos e garantias protegidos

pela nossa Constituição Federal.

Nas palavras de José Afonso da Silva:

(...) a dignidade da pessoa humana não é uma criação

constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um

dado preexistente a toda experiência especulativa, tal

como a própria pessoa humana. A Constituição,

reconhecendo a sua existência e a sua eminência,

transforma-a num valor supremo da ordem jurídica,

quando a declara como um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil constituída em Estado

Democrático de Direito”70.

O postulado da dignidade humana, embora envolvido em forte carga

de abstração que possui, pode ser traduzido em: igualdade de direitos entre

todos os homens; garantia da independência e autonomia do ser humano, de

forma a obstar toda coação externa ao desenvolvimento de sua personalidade,

bem como toda atuação que implique na sua degradação; observância e

proteção dos direitos inalienáveis do homem; não admissibilidade da negativa

dos meios fundamentais para o desenvolvimento de alguém como pessoa ou a

imposição de condições subumanas de vida.

69 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana. (...) (Constituição Federal) 70 SILVA, José Afonso da. “Poder Constituinte e Poder Popular – Estudos sobre a Constituição”. São Paulo, Malheiros, 2002. p. 31

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Na definição de Alexandre de Moraes71 a dignidade da pessoa humana

é:

“um valor espiritual e moral inerente à pessoa,

que se manifesta singularmente na autodeterminação

consciente e responsável da própria vida e que traz

consigo a pretensão ao respeito por parte das demais

pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que

todo estatuto jurídico deve assegurar”.

Por fim, podemos dizer que a real tradução da dignidade da pessoa

humana implica em considerar-se o homem como o centro do universo

jurídico. Esse reconhecimento abrange todos os seres humanos e cada um

destes individualmente, sendo que a projeção dos efeitos emanados da ordem

jurídica não deve se manifestar de modo diverso diante de duas pessoas.

Do exposto, nasce importante conseqüência. A igualdade entre os

homens se apresenta como uma obrigação a ser cumprida pelos poderes

públicos, tanto em relação à elaboração das regras de direito, como igualdade

na lei, quanto em relação à sua aplicação, como igualdade perante a lei. No

entanto, cabe observação o tratamento isonômico não impossibilita a

discriminação, mas sim a garantia de que esta não aconteça de forma

injustificada e desarrazoada.

3.5 - Princípio da proporcionalidade:

A Constituição Federal confere direitos e garantias fundamentais. No

entanto, tais direitos e garantias não são ilimitados, sendo seus limites,

justamente, os demais direitos consagrados pela própria Carta Magna.

Para solucionar o grande dilema que vai então afligir os que operam

com o Direito no âmbito do Estado Democrático contemporâneo, representado

pelos conflitos entre princípios constitucionais que, obviamente, ocupam a

mesma posição hierárquica normativa, é que se recorre ao princípio da

71 MORAES, Alexandre de. “Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional”. São Paulo,Atlas, 2002. p. 145

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proporcionalidade, ou princípio da harmonização, no intuito de encontrar

solução balanceada, ferindo o menos possível qualquer dos princípios

envolvidos na questão. Nas palavras de Willis Santiago Guerra Filho72:

“(...) preconiza-se o recurso a um “princípio dos

princípios”, o princípio da proporcionalidade, que

determina a busca de uma “solução de compromisso”, na

qual se respeita mais, em determinada situação, um dos

princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo

o outro, e jamais lhe faltando totalmente com o respeito,

isto é, ferindo-lhe seu “núcleo essencial”, onde se acha

insculpida a dignidade humana.”

O princípio da proporcionalidade foi inicialmente desenvolvido pelo

direito alemão, influenciado por pensamentos jusnaturalistas, onde se afirmava

que a limitação da liberdade individual só tem justificativa se for para a

concretização de interesses coletivos superiores. Por sua vez, nos Estados

Unidos, foi desenvolvido o princípio da razoabilidade que, de certa maneira, se

identifica com o princípio da proporcionalidade. Neste último, o princípio surgiu

pela interpretação evolutiva do devido processo legal. Embora surgidos em

momentos históricos distintos, podem se incorporar, pois ambos possuem a

mesma finalidade.

Tal princípio, muito embora não apareça de forma explicita em nosso

ordenamento jurídico, é uma conseqüência da fórmula política adotada pelo

legislador constituinte, a do “Estado Democrático de Direito”, já que, sem a

sua aplicação não se pode garantir o respeito simultâneo aos interesses

públicos, coletivos e individuais. Ademais, podemos reconhece-lo invocando,

por exemplo, o disposto no § 2º do art. 5º73 da Constituição Federal de 1988.

72 GRAU, Eros Roberto e GUERRA FILHO, Willis Santiago (organizadores). Direito Constitucional – Estudo em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo. Malheiros: 2001. p. 269. 73 Art. 5º§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (Constituição Federal de 1988).

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Paulo Bonavides, após demonstrar concretamente a tese de que a

noção de proporcionalidade emerge de diversos dispositivos da CRFB/1988

(art. 149, § 1o74; caput do § 1o do art. 4575; art. 5o, inc. V, X e XXV76; art. 7o, inc.

IV, V e XXI77; art. 36, § 3o; art. 37, inc. IX; art. 40, inc. III, alíneas c e d, e §

4o; art. 40, inc. V; art. 71, inc. VIII; art. 84, parágrafo único; art. 129,

inc. II e IX, art. 170, caput; art. 173, caput e §§ 3o, 4o e 5o; art. 174, § 1o; e

art. 175, inc. IV), assevera que: “ é na qualidade de princípio constitucional ou

princípio geral de Direito, apto a acautelar do arbítrio do poder o cidadão e toda

a sociedade, que se faz mister reconhecê-lo já implícito e, portanto, positivado

em nosso Direito Constitucional”. E conclui:

“O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte,

direito positivo em nosso ordenamento constitucional.

Embora não haja sido ainda formulado como “norma

jurídica global”, flui do espírito que anima em toda sua

extensão e profundidade o § 2o do art. 5o, o qual abrange

a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e

74 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União 75 Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. § 1º - O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. 76 Art. 5º V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; 77 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

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garantais da Constituição, a saber, aque- les direitos e

garantias cujo fundamento decorre da natureza do

regime, da essência impostergável do Estado de Direito e

dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a

unidade da Constituição”.78

Doutrinariamente, temos várias definições para o princípio da

proporcionalidade. Segundo citação de Paulo Márcio Cruz e Rogério Zuel

Gomes79:

“Para Paulo Bonavides, que estudou a fundo o Direito ale-

mão, o Princípio da Proporcionalidade “se caracteriza

pelo fato de presumir a existência de relação adequada

entre um ou vários fins determinados e os meios com que

são levados a cabo”. Nesta acep- ção entende Muller,

citado por Paulo Bonavides, que “há violação do princípio

da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda

vez que os meios destinados a realizar um fim não são

por si mesmos apropriados e ou quando a

desproporção entre meios e fim é particularmente

evidente, ou seja, manifesta””.

Daí se dizer que há uma necessidade lógica e, até, axiológica, de se

postular um “princípio de relatividade”, que é o princípio da proporcionalidade,

para que se possam respeitar normas, como os princípios, tendentes a colidir,

quando se opera concretamente com o Direito.

É exatamente numa situação em que há conflito entre princípios, ou

entre eles e regras, que o princípio da proporcionalidade mostra sua grande

significação, pois pode ser usado como critério para solucionar da melhor

forma o conflito, otimizando a medida em que se acata um e desatende o

78 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, São Paulo: Malheiros. 2001. p. 396.

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outro. Esse papel lhe cai muito bem pela circunstância de se tratar de um

princípio extremamente formal e, a diferença dos demais, não haver um outro

que seja o seu oposto em vigor, em um ordenamento jurídico digno desse

nome.

Sobre esta questão entende Alexandre de Moraes80:

Desta forma, quando houver conflito entre dois ou

mais direitos ou garantias fundamentais, o

intérprete deve utilizar-se do princípio da

concordância prática ou da harmonização de

forma a coordenar e combinar os bens jurídicos

em conflito, evitando o sacrifício total de uns em

relação aos outros, realizando uma redução

proporcional do âmbito de alcance de cada qual

(contradição de princípios), sempre em busca do

verdadeiro significado da norma e da harmonia do

texto constitucional com sua finalidade precípua.

A seguir, no próximo capítulo, os princípios acima expostos

aparecerão, como fundamentação doutrinária e jurisprudencial, ao lado de

outros aspectos, nos vários posicionamentos acerca da relativização da coisa

julgada, como garantia da justiça e em face da segurança jurídica.

79 CRUZ, Paulo Márcio, GOMES, Rogério Zuel. Princípios Constitucionais – Contribuições ao Debate. Ed. Juruá. 2006. p. 141. 80 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 28

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CAPÍTULO IV

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Podemos dar início a este capítulo com as palavras de Alexandre

Freitas Câmara:81

“Diante dos problemas práticos que podem ser gerados

por sentenças injustas ou contrárias ao ordenamento

jurídico que tenham alcançado a autoridade de coisa

julgada, surge, então, o dilema: deve-se admitir ou não a

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relativização da coisa julgada? Argumentos de peso há,

registre-se, em ambos os sentidos, não sendo possível a

qualquer processualista nos dias de hoje permanecer

indiferente ao tema.”

No mesmo sentido, discorre Luiz Rodrigues Wambier:82

“Nos últimos anos se vêm registrando uma tendência, por

parte respeitável dos processualistas brasileiros, no

sentido de se atribuir menor valor ao instituto da coisa

julgada que, como se viu, visa a realizar, no plano dos

fatos, o valor segurança. Segundo alguns, portanto, tal

valor deveria ceder passo a outros valores, igualmente

relevantes, em certas circunstâncias excepcionais. A essa

tendência deu-se o nome de “relativização da coisa

julgada””.

Tais palavras, bem resumem a divisão doutrinária existente em relação

à possibilidade de relativização da coisa julgada, a qualquer tempo, em

determinadas situações, sem a obrigatoriedade do ajuizamento da ação

rescisória. Corroborando com tal assertiva, lecionam Luiz Guilherme Marinoni e

Sérgio Cruz Arenhart:83

“O que importa, nesse momento, é indagar se é possível

e conveniente, diante de certas circunstâncias, dispensar

a ação rescisória para abrir oportunidade para a revisão

de sentenças transitadas em julgado. Tal possibilidade

implicaria na aceitação de que a coisa julgada deve ser

“relativizada”

81 CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da Coisa Julgada Material, in Relativização da Coisa Julgada – Enfoque Crítico, Coord. Fredie Didier Jr.. 2ª. Ed.. Bahia: ed. Jus Podivm. 2008. p. 24. 82 WAMBIER, Luiz Rodrigues, op. cit. P. 507.

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Por tais razões, a discussão central do presente trabalho ainda

provoca no mundo jurídico grande controvérsia em decorrência da deficiência

da legislação específica sobre a matéria e de conflitos entre valores

constitucionais que envolvem a questão, como a Segurança Jurídica e a

Justiça, sendo, portanto, diversificadas as correntes doutrinárias e

jurisprudenciais.

A seguir, iremos expor posicionamentos, de processualistas

respeitáveis, bem como entendimentos jurisprudenciais diversos, que

demonstram a existência de duas principais tendências na doutrina moderna

sobre idéia de relativização da coisa julgada, que significa uma flexibilização

dos seus efeitos, por razões de justiça, principalmente. Por outro lado, temos

os defensores da Segurança Jurídica, necessária a preservação do Estado de

Direito.

4.1 – A Relativização da Coisa Julgada como Garantia da

Segurança Jurídica:

Como representantes dos seguidores da corrente que inadmite a

relativização da coisa julgada, temos Leonardo Greco, que considera a coisa

julgada uma garantia constitucional importante, indispensável para a garantia

da segurança. Nas suas palavras:

“Todavia, parece-me que a coisa julgada é uma

importante garantia fundamental e, como tal, um

verdadeiro direito fundamental, como instrumento

83 MARINONI, L. G, ARENHART, S. C. op. cit.p. 667.

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indispensável à eficácia concreta do direito à segurança,

inscrito como valor e como direito no preâmbulo e no

caput do artigo 5º da Constituição de 1988. A segurança

não é apenas a proteção da vida, da incolumidade física

ou do patrimônio, mas também e principalmente a

segurança jurídica.”84

Considerada por ele a segurança jurídica como a previsibilidade

mínima que o Estado de Direito deve oferecer aos indivíduos e sendo a

manutenção da coisa julgada essencial para a segurança, não só para os

demandantes de uma lide, como para toda a sociedade, assim dispõe:

“Em recente estudo sobre as garantias fundamentais do

processo, recordei que na jurisdição de conhecimento, a

coisa julgada é garantia da segurança jurídica e da tutela

jurisdicional efetiva. Àquele a quem a Justiça reconheceu

a existência de um direito, por decisão não mais sujeita a

qualquer recurso no processo em que foi proferida, o

Estado deve assegurar a sua plena e definitiva fruição,

sem mais poder ser molestado pelo adversário. Se o

Estado não oferecer essa garantia, a jurisdição nunca

assegurará em definitivo a eficácia concreta dos direitos

dos cidadãos. Por outro lado, a coisa julgada é uma

conseqüência necessária do direito fundamental à

segurança (artigo 5º, inciso I, da Constituição) também

dos demais cidadãos, e não apenas das partes no

processo em que ela se formou, pois, todos aqueles que

travam relações jurídicas com alguém que teve

determinado direito reconhecido judicialmente, devem

84GRECO,Leonardo. Eficácia da Declaração Erga Omnes de Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade em Relação à Coisa Julgada Anterior, in Relativização da Coisa Julgada. Cord.

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poder confiar na certeza desse direito que resulta da

eficácia que ninguém pode negar aos atos estatais.”85

Podemos também citar, Donaldo Armelin que discorrendo sobre a

possibilidade da coisa julgada material atingir sentenças justas e injustas

indiscriminadamente, ressalta que ‘’O certo contudo, é que nenhum dos

instrumentos processuais direcionados a afastar direta ou indiretamente a

coisa julgada material leva em consideração a justiçada decisão”86 . Justifica

sua assertiva com o argumento de que, embora os princípios que respaldam a

justiça e a segurança jurídica sejam harmonizados no nosso ordenamento

jurídico, no instituto da coisa julgada prevalece a segurança jurídica, e neste

sentido assim leciona:

“Isso decorre não apenas da relevância da segurança

jurídica para a higidez do tecido social como, ainda, da

adoção pelo sistema processual da suficiência da

verdade formal para lastrear as decisões judiciais”87.

Armelin afirma que não é de hoje que existem decisões que não

condizem com o justo, mas, no sistema jurídico atual, não justifica a

desconsideração da coisa julgada em prol da justiça, sem prejuízo da paz

social. Neste sentido:

“Não obstante, o afã em atingir a Justiça nas decisões

judiciais não deve permitir que a vida social seja

conturbada pela eternização de litígios que se renovam.

As decisões injustas vem de longe, basta atentar-se ao

julgamento de cristo. (...). O que importa não são

Fredie Didier Jr. 2a. ed. Bahia: ed. Jus Podivm. 2008. p. 254. 85GRECO, Leonardo. Eficácia da Declaração Erga Omnes de Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade em Relação à Coisa Julgada Anterior, in Relativização da Coisa Julgada. Coord. Fredie Didier Jr. 2a. ed. Bahia: ed. Jus Podivm. 2008. p. 255. 86 ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da Coisa Julgada, in Relativização da Coisa Julgada. Coord. Fredie Didier Jr. 2a. ed. Bahia: ed. Jus Podivm. 2008. p 91 . 87 ARMELIN, Donaldo, op. cit. p. 112.

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48

soluções individuais para o tema das decisões injustas e

sim o reflexo destas para a sociedade”88.

Nelson Nery Junior, partindo das mesmas premissas, afirma que:

“Consoante o direito constitucionalde ação (CF 5º XXXV),

busca-se pelo processo a tutela jurisdicional adequada e

justa. A sentença justa é o ideal – utópico – maior do

processo. Outro valor não menos importante para essa

busca é a segurança das relações sociais e jurídicas.

Havendo choque entre esses dois valores (justiça da

sentença e segurança das relações sociais e jurídicas), o

sistema constitucional brasileiro resolve o choque

optando pelo valor segurança (coisa julgada), que deve

prevalecer em relação à justiça, que será sacrificada

(Veropferungstheorie).”89

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por seu turno, em

determinado momento, proferiu julgados favoráveis à tese da relativização,

conforme a ementa a seguir exposta:

EMENTA: INVESTIGACAO DE PATERNIDADE. COISA

JULGADA. SENTENCA ANTERIOR QUE JULGOU

IMPROCEDENTE POR DEFICIENCIA PROBATORIA

UMA PRIMEIRA ACAO INVESTIGATORIA.

INEXISTENCIA DE COISA JULGADA MATERIAL, NA

HIPOTESE. QUANDO NAO ESGOTADAS TODAS AS

PROVAS DISPONIVEIS, NAO SE PODE RECONHECER

A COISA JULGADA, ESPECIFICAMENTE EM SEDE

INVESTIGATORIA, PORQUE AQUI SE TRATA DE UMA

88 ARMELIN, Donaldo, op. cit. p. 114. 89 JUNIOR, Nelson Nery, A Polêmica Sobre a Relativização (Desconsideração) da Coisa Julgada e o Estado Democrático de Direito. in Relativização da Coisa Julgada – Enfoque Crítico. Coord. Fredie Didier Jr. 2a. ed. Bahia: ed. Jus Podivm. 2008. p 297.

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49

MATERIA ESPECIALISSIMA, EM QUE DEVE SER

RELATIVIZADA A COISA JULGADA. ISSO PORQUE O

VALOR QUE A COISA JULGADA VISA RESGUARDAR E

JUSTAMENTE O DA SEGURANCA JURIDICA, E ESSE

VALOR DEVE SER POSTO EM COTEJO COM UM DOS

PROPRIOS FUNDAMENTOS DA REPUBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL, DISPOSTO NO ART. 1º ,

INC. III, DA SUA CONSTITUICAO, OU SEJA, O DA

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O DIREITO A

IDENTIFICACAO ESTA LIGADO A PRESERVACAO

DESSA DIGNIDADE E DEVE-SE SOBREPOR A

QUALQUER OUTRO VALOR, A QUALQUER OUTRO

PRINCIPIO, INCLUSIVE O DA SEGURANCA JURIDICA,

QUE A COISA JULGADA BUSCA PRESERVAR. DERAM

PROVIMENTO, POR MAIORIA./FLS.18/ (Apelação Cível

Nº 70002610012, Sétima Câmara Cível, Tribunal de

Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis,

Julgado em 12/09/2001)

No entanto, hoje, tem prestigiado o instituto da coisa julgada, como

demonstra o recente julgado:

EMENTA: NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. COISA

JULGADA MATERIAL. DESCABIMENTO DE NOVA

AÇÃO PARA COLHER NOVAS PROVAS. 1. A COISA

JULGADA MATERIAL É GARANTIA CONSTITUCIONAL

E GARANTIA CONSTITUCIONAL NÃO PODE SER

FLEXIBILIZADA, EM HIPÓTESE ALGUMA. 2. É

INADMISSÍVEL AÇÃO NEGATÓRIA PARA RESCINDIR

SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE AÇÃO DE

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, EMBASADA EM

FARTA PROVA TESTEMUNHAL, JÁ QUE O RÉU

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50

MANTEVE-SE REVEL DURANTE TODO O TRAMITAR

DAQUELA DEMANDA, BUSCANDO JUSTIFICAR SEU

COMPORTAMENTO, APÓS 12 ANOS, COM A

ALEGADA IGNORÂNCIA OU DESCONHECIMENTO DE

PODER REPRESENTAR-SE PELA DEFENSORIA

PÚBLICA. RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA.

(APELAÇÃO CÍVEL Nº 70014776397, SÉTIMA CÂMARA

CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR:

SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,

JULGADO EM 18/10/2006)

4.2 – Relativização da Coisa Julgada como Garantia da Justiça

das Decisões:

Conforme o já citado acima, parte da doutrina e jurisprudência tendem,

atualmente, a questionar o dogma da imutabilidade da coisa julgada material.

Parte dos juristas entende necessária a rescisão de sentenças transitadas em

julgado que sejam desarrazoadas. Outros entendem que a ralativização deve

se dar em casos excepcionais, independentemente de desconstituição. No

entanto, embora com fundamentações diversas, o foco principal está na

inadmissibilidade de perpetuação da injustiça, com esteio nos princípios

constitucionais da moralidade, dignidade da pessoa humana, justiça nas

decisões. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, “não é legítimo

eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas”.90

Com o mesmo posicionamento temos José Augusto Delgado:

(...) não posso conceber o reconhecimento de força

absoluta da coisa julgada quando ela atenta contra a

moralidade, contra a legalidade, contra os princípios

90 Dinamarco, Cândido Rangel. Relativizar a Coisa Julgada Material, Coisa Julgada Inconstitucional. Nascimento, Carlos Valder do (Coord). Rio de Janeiro: América Jurídica. 2002. p.54

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51

maiores da Constituição Federal e contra a realidade

imposta pela natureza. Não posso aceitar, em sã

consciência, que, em nome da segurança jurídica, a

sentença viole a Constituição Federal, seja veículo de

injustiça, desmorone ilegalmente patrimônios, obrigue o

estado a pagar indenizações indevidas, finalmente

desconheça que o branco é branco e que a vida não

pode ser considerada morte, nem vice-versa.91

Discutindo a coisa julgada que ofende diretamente os princípios

constitucionais e os mecanismos de controle, Humberto Theodoro Junior e

Juliana Cordeiro de Faria se posicionam da seguinte forma:

“Pode, é certo, a coisa julgada ser ilidida em razão de

ulterior declaração de inconstitucionalidade da lei aplicada

na sentença. Entretanto, o principal foco de cogitação,

quando se trata de relativizar a autoridade da res indicata

é justamente o cotejo entre o conteúdo da sentença e os

valores tutelados pela Constituição. Não se pode ter

como absoluta a intangibilidade da coisa julgada, no caso

concreto, quando dentro da sistemática constitucional

houver sido transgredido um valor de nível mais elevado

que a segurança jurídica”92

Alexandre Freitas Câmara, por sua vez, acredita que somente as

sentenças inconstitucionais, transitadas em julgado, poderiam ser rediscutidas,

não sendo admitida a relativização da coisa julgada por mera alegação de

injustiça na sentença. Em suas palavras:

91 Delgado, José Augusto. Efeitos da Coisa Julgada e Princípios Constitucionais, Coisa Julgada Inconstitucional. Nascimento, Carlos Valder do (Coord). Rio de Janeiro: América Jurídica. 2002. p.89 92 JUNIOR, Humberto Theodoro, FARIA, Juliana Cordeiro. O Tormentoso Problema da Inconstitucionalidade da Sentença Passada em Julgado, in Relativização da Coisa Julgada – Enfoque Crítico. Coord. Fredie Didier Jr. 2a. ed. Bahia: ed. Jus Podivm. 2008. p.207.

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52

“Significa isto dizer que não se pode, simplesmente

admitir que a parte vencida venha a juízo alegando que a

sentença transitada em julgado está errada, ou é injusta,

para que se admita o reexame do que ficou decidido.” (...)

Por tal razão, entendo que apenas no caso de se ter

algum fundamentos constitucional é que será possível

reapreciar o que ficou decidido por sentença transitada

em julgado. Dito de outra maneira, apenas no caso de

sentenças inconstitucionais transitadas em julgado será

possível relativizar-se a coisa julgada.”93

Por fim, a tendência doutrinária de relativização da coisa julgada reflete

na jurisprudência, como se pode constatar em julgados proferidos pelo

Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE

PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO

ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO

JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS.

COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA.

PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO.

RECURSO ACOLHIDO. I – Não excluída expressamente

a paternidade do investigado na primitiva ação de

investigação de paternidade diante da precariedade da

prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar

tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando

que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame

pelo DNA ainda não era disponível e nem havia

notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de

93 CAMARA, Alexandre Freitas, Relativização da Coisa Julgada Material, in Relativização da Coisa Julgada – Enfoque Crítico. Coord. Fredie Didier Jr. 2a. ed. Bahia: ed. Jus Podivm. 2008. p.31

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53

ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma

anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II

– Nos termos da orientação da Turma, “sempre

recomendável a realização de perícia para investigação

genética (HLA E DNA), porque permite ao julgador um

juízo de fortíssima probabilidade, senão certeza” na

composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência

jurídica, em matéria de prova, está na substituição da

verdade ficta pela verdade real. III – A coisa julgada, em

se tratando de ações de estado, como no caso de

investigação de paternidade, deve ser interpretada modus

in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada

doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no

reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização

do processo justo, “a coisa julgada existe como criação

necessária à segurança prática das relações jurídicas e

as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam

pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia,

que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de

estar acima da segurança, porque sem justiça não há

liberdade”. IV – Este Tribunal tem buscado, em sua

jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins

sociais do processo e às exigências do bem comum.

(Recurso Especial nº 226.436 – PR (1999/0071498-9), 4ª

Turma do STJ, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo

Teixeira, julg. 28/6/2001).

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. FASE

EXECUTÓRIA. DETERMINAÇÃO DE NOVA

AVALIAÇÃO. FIXAÇÃO DA TERRA NUA INCLUINDO A

COBERTURA FLORÍSTICA. ART. 12 DA LEI 8.629/93.

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54

1. Recurso especial intentado contra acórdão, exarado

em agravo de instrumento, que reformou decisão

monocrática designadora de nova perícia na área objeto

da ação expropriatória, em fase de execução, por

entender que o juiz de primeiro grau elevou premissa

fática equivocada quanto aos cálculos, para chegar à

conclusão adotada. 2. A desapropriação, como ato de

intervenção estatal na propriedade privada, é a forma

mais drástica de manifestação do poder de império,

sendo imprescindível a presença da justa indenização

como pressuposto de admissibilidade do ato

expropriatório. 3. Posicionamento do Relator: filiação à

corrente que entende ser impossível a res judicata, só

pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepor-

se aos princípios da moralidade pública e da

razoabilidade nas obrigações indenizatórias assumidas

pelo Estado. Esse pensamento não nega a proteção do

direito subjetivo de qualquer uma das partes, pelo

contrário, a sua preservação apresenta-se devidamente

fortalecida quando a decisão operante da coisa julgada

vivifica sem qualquer ataque a princípios maiores

constitucionais e que se refletem na proteção da

cidadania. 4. Há razoabilidade em ato judicial de

determinação de nova perícia técnica no intuito de se

aferir, com maior segurança, o valor real no mercado

imobiliário da área em litígio sem prejudicar qualquer das

partes envolvidas. Resguarda-se, nesse atuar, maior

proximidade com a garantia constitucional da justa

indenização, seja pela proteção ao direito de propriedade,

seja pela preservação do patrimônio público. 5.

Inobstante em decisão anterior já transitada em julgado

se haja definido o valor da indenização, é diante das

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55

peculiaridades do caso concreto que se pode estudar a

necessidade da realização de nova avaliação. 6. Reforma

do acórdão que afastou a designação de nova perícia. 7.

Recurso especial provido. (REsp 602636 / MA Rel.

Ministro José Delgado PRIMEIRA TURMA.

Julg.06/05/2004)

CONCLUSÃO

Conforme ficou evidenciado no desenvolvimento do presente trabalho,

não existe controvérsia sobre a importância da segurança jurídica como um

dos principais instrumentos da paz social, sendo essencial ao Estado

Democrático de Direito e garantidora da ordem jurídica. Da mesma forma, não

há como negar o instituto da coisa julgada como ferramenta indispensável à

eficácia concreta da segurança jurídica.

Por outro lado, tornou-se claro que, de acordo com o direito de ação

(art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), através do processo, busca-se a

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56

tutela jurisdicional adequada e justa, sendo a sentença justa o ideal para a

sociedade.

A partir disso, com argumentos baseados nos princípios constitucionais

como: legalidade, instrumentalidade, dignidade da pessoa humana,

irretroatividade da lei, direito adquirido, proporcionalidade, entre outros, a

doutrina e a jurisprudência se dividem sobre a questão da relativização da

coisa julgada. Não, evidentemente, em relação às hipóteses previstas no

ordenamento jurídico processual, como a ação rescisória (art. 485 do CPC) ou

a impugnação à execução (art. 475-L do CPC). Assim, em resumo, temos três tendências: a nega a possibilidade de

relativização da coisa julgada, a que afirma a necessidade de se permitir a

rescisão, a qualquer tempo, de sentenças transitadas em julgado que sejam

objetivamente desarrazoadas e a que defende a relativização da coisa julgada

independentemente de prévia desconstituição da sentença, em caso

excepcionais, que nos parece, atualmente, o entendimento majoritário.

No entanto, o que se pode adotar é uma harmonização dos princípios

que se entende serem de igual ou maior relevância, partindo-se da premissa

de que tais princípios não são absolutos. Ou seja, uma visão racional e

equilibrada, amparada pelo binômio Justiça-Segurança.

Portanto, em face do princípio da proporcionalidade, pode-se ponderar

a interpretação do art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal, equilibrando-o

com a garantia fundamental do processo justo, por meio do emprego

adequado das técnicas de hermenêutica constitucional, de modo a coordenar,

proporcionalmente, a Segurança e a Justiça.

Ademais, cumpre-se enfatizar a necessidade e a urgência do

aperfeiçoamento do sistema, de modo a regular a matéria, a fim de dirimir os

conflitos diminuindo as inseguranças e as injustiças.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02

AGRADECIMENTO 03

DEDICATÓRIA 04

RESUMO 05

METODOLOGIA 06

SUMÁRIO 07

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I

JUSTIÇA E SEGURANÇA JURÍDICA 10

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61

1.1 – Justiça 10

1.2 – Segurança Jurídica 13

1.2.1 - Os Fundamentos Constitucionais

e Infraconstitucionais da Segurança Jurídica 15

1.2.2 - Instrumentos de Efetivação da Segurança Jurídica 18

CAPÍTULO II

COISA JULGADA 20

2.1 - A Evolução Histórica da Coisa Julgada .

na Legislação Brasileira 20

2.2 – Conceito 22

2.3 – Coisa Julgada Formal e Material 23

2.3.1- Coisa Julgada Formal 24

2.3.2 – Coisa Julgada Material 26

2.4 – Limites da Coisa Julgada 27

2.4.1 – Limites Subjetivos da Coisa Julgada 28

2.4.2 – Limites Objetivos da Coisa Julgada 30

CAPÍTULO III

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES AO TEMA 32

3.1 – Princípio da Irretroatividade da Lei 34

3.2 – Princípio do Direito Adquirido 35

3.3 – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana 37

3.4 – Princípio da Proporcionalidade

CAPÍTULO IV

RELATIVIZAÇÃO DACOISA JULGADA 44

4.1 - A Relativização da Coisa Julgada como

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62

Garantia da Segurança Jurídica 46

4.2 – Relativização da Coisa Julgada como

Garantia da Justiça das Decisões 50

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA 58

ÍNDICE 61

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63

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes - Pós-Graduação

“Lato Sensu” - Instituto A Vez do Mestre

Título da Monografia: A Relativização da Coisa Julgada Material e o

Conflito entre Justiça e Segurança Jurídica

Autora: Maria Luisa Lins Martins

Data da entrega: 29/09/2008

Avaliado por: Conceito:

Page 64: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · 3 KELSEN, Hans. O que é justiça. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 223. 4 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Direito

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GRAVAÇÃO DO TRABALHO EM CD

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COMPROVANTES DOS EVENTOS CULTURAIS