UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · 1.1– Conceitos centrais de marketing Para um...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DO MARKETING NO SETOR
PÚBLICO
Por: Celia Mara Lima Latini
Orientador
Prof. Luiz Eduardo Chauvet
Rio de Janeiro
2012
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
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PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DO MARKETING NO SETOR
PÚBLICO
Apresentação de monografia à AVM Faculdade
Integrada como requisito parcial para obtenção do
grau de especialista em Gestão Pública.
Por: Celia Mara Lima Latini
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AGRADECIMENTOS
À minha querida mãe, aos meus
irmãos, e a todos os amigos que me
incentivaram a chegar até aqui.
4
DEDICATÓRIA
Ao meu pai (in memoriam).
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RESUMO
O presente estudo visa compreender como o marketing pode ser
utilizado no setor público de maneira a gerar a valorização da Administração
Pública. Constata-se que função do marketing no setor público é satisfazer as
necessidades dos cidadãos e melhorar o desempenho das agências públicas,
através da utilização das ferramentas do mix de marketing, baseando-se numa
orientação de marketing societal, para atender às necessidades dos cidadãos e
da sociedade a longo prazo.
Apesar das diferenças entre o setor privado e o público, o marketing é
aplicável a este desde que respeite as particularidades da esfera pública.
Assim, deve harmonizar-se com o interesse público para ser capaz de melhorar
a atuação das organizações públicas em consonância com os princípios
democráticos, bem como ser um instrumento de justiça social.
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METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica em
livros, artigos de periódicos, sítios da internet etc, na área de marketing,
sobretudo a respeito de marketing no setor público.
O enfoque do estudo foi entender melhor a função do marketing e como
sua utilização pode contribuir para a prestação de serviços públicos de alta
qualidade e para um melhor desempenho da Administração Pública como um
todo, rumo à excelência.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - Definição de Marketing 10
CAPÍTULO II - A Utilização das Ferramentas do Mix de Marketing 20
CAPÍTULO III – Considerações sobre a Utilização do Marketing no Setor
Público 30
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43
ÍNDICE 45
8
INTRODUÇÃO
Esta monografia é um estudo sobre o marketing na esfera pública.
O tema foi escolhido no âmbito do curso de especialização em Gestão
Pública, tendo em vista as possibilidades de melhoria do desempenho das
organizações públicas através da adoção de uma mentalidade de marketing.
Assim, acreditamos que o marketing pode contribuir para o alcance da
excelência na Administração Pública brasileira.
Para analisar a importância do marketing no setor público procuramos
compreender o marketing e pesquisar como as técnicas de marketing podem
ser aplicadas ao setor público, bem como esclarecer os benefícios que o
marketing é capaz de possibilitar à Administração Pública.
O estudo do tema justifica-se tendo em vista que no Brasil o
desempenho da Administração Pública frequentemente é considerado
ineficiente pela sociedade. Desse modo, pretendemos com esta monografia
compreender como a utilização das ferramentas de marketing podem melhorar
a imagem do setor público, a satisfação dos cidadãos e conduzir à excelência
na área pública.
Além disso, acreditamos que é necessário mais estudos sobre o tema,
pois há poucas publicações no Brasil nesta área.
Cabe destacar que o presente trabalho partiu do pressuposto de que o
marketing gera a satisfação do cidadão e a valorização da Administração
Pública.
O estudo refere-se à função do marketing, à aplicação dos princípios
de marketing à Administração Pública, à utilização das ferramentas do mix de
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marketing nas organizações públicas, através de um estudo teórico do
marketing aplicado ao setor público.
O estudo foi desenvolvido a partir da obra dos autores Philip Kotler e
Nancy Lee “Marketing no Setor Público”, que foi o nosso ponto de partida, por
tratar especificamente do marketing direcionado a agências públicas. Kotler é
um dos maiores especialistas em marketing, autor de mais de 34 livros na área,
sendo seu um dos principais livros de ensino de marketing – “Administação de
Marketing” (“Marketing Management”).
Também nos utilizamos de obras de autores renomados sobre
marketing em geral, não específicas para o setor público. Além disso,
escrevemos um capítulo que discute a aplicação do marketing no setor público,
abordando diversas controvérsias a este respeito, nos baseando em três
artigos científicos: “Marketing no setor público” (“Marketing in the public sector:
Towards a typology of public services”), de Angus Laing; “Marketing e Gestão
do Setor Público” (“Marketing and Public Sector Management”), de Kieron
Walsh; e “Organizações Governamentais e seus clientes na Holanda”
(“Government Organizations and their Customers in The Netherlands: Strategy,
Tactics and Operations”).
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CAPÍTULO I
DEFINIÇÃO DE MARKETING
1.1– Conceitos centrais de marketing
Para um melhor entendimento do conceito de marketing, primeiramente
precisamos definir alguns de seus conceitos centrais.
1.1.1 – Necessidades, desejos e demandas
As necessidades são exigências humanas básicas, como as
necessidades físicas de alimentação, água, vestuário e abrigo; as
necessidades de lazer; de educação; de pertencer a um grupo social etc.
Já os desejos são necessidades moldadas pela cultura da sociedade,
isto é, são desejos dirigidos a determinados objetos capazes de satisfazer as
necessidades do indivíduo dentro da sociedade na qual ele está inserido.
Por fim, temos finalmente o conceito de demanda, que é um desejo da
pessoa que detém também o poder de compra, ou seja, a pessoa quer e pode
comprar aquele objeto específico.
As empresas devem estar sempre atentas às necessidades, desejos e
demandas de seus clientes.
1.1.2 – Trocas e transações
A troca ocorre quando uma pessoa oferece a outra um produto,
serviço ou dinheiro em troca de algo que deseja. A troca é um processo de
11
negociação, quando há o acordo temos a transação. São elementos da
transação, desta forma: duas coisas de valor, as condições acordadas, o
momento e o local.
A troca é o conceito central de marketing, pois conforme ensinam
Kotler e Armstrong:
“O marketing consiste em ações que levem à construção
e manutenção de relacionamentos de troca desejados
com um público-alvo em relação a algum produto, serviço,
idéia ou outro objeto.” (ARMSTRONG; KOTLER, 2007,
p.6).
1.1.3 – Produto ou oferta
O produto é uma oferta capaz de satisfazer uma necessidade ou um
desejo. As ofertas podem ser de bens, serviços, lugares, organizações,
informações, ideias etc (kotler, 2000).
1.1.4 – Valor e satisfação
Um produto de sucesso gera valor e satisfação para o consumidor.
O valor é a diferença entre os benefícios que o cliente recebe e os
custos que ele assume. Os benefícios incluem aspectos práticos e
emocionais. Já os custos incluem fatores monetários, de tempo, de energia e
psicológicos.
O marketing pode aumentar o valor da oferta para o cliente através da
redução dos custos; redução dos benefícios em proporção menor que a
redução de custos; aumento de benefícios; aumento de benefícios e redução
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de custos; aumento de benefícios em proporção maior que o aumento de
custos (Cobra, 2009).
1.1.5- Mercados-alvo e segmentação
Como uma empresa não consegue satisfazer a todos em um mercado,
os profissionais de marketing realizam a segmentação do mercado,
identificando perfis de grupos diferentes de compradores que poderão preferir
produtos e mix de marketing variáveis. A partir daí a empresa define os
segmentos que exibem as maiores oportunidades (kotler, 2000).
Assim, a empresa desenvolve uma oferta para cada mercado-alvo
escolhido.
Empresas que vendem produtos e serviços de consumo em massa
preocupam-se em ter uma imagem de marca superior, o que requer um bom
conhecimento de seus clientes-alvo (target customers ou target), saber a que
necessidades o produto atenderá e a comunicação eficaz do posicionamento
de marca.
1.1.6– Marketing de relacionamento
O marketing de relacionamento visa criar relacionamentos satisfatórios
de longo prazo com clientes, fornecedores e distribuidores, obtendo sua
preferência e seus negócios (kotler, 2000).. O marketing de relacionamento
gera ao fim um patrimônio corporativo: a chamada rede de marketing.
A rede de marketing é a própria empresa e seus apoiadores com os
quais ela construiu relacionamentos reciprocamente compensadores, como
funcionários, clientes, fornecedores e acadêmicos (Kotler, 2000).
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Uma boa rede de relacionamentos com o público interessado garante o
sucesso de uma empresa.
1.2– Definição de marketing
A Associação Americana de Marketing define marketing como “uma
função organizacional e um conjunto de processos para criação, comunicação
e entrega de valor para clientes e para gerenciamento de relacionamentos com
clientes, de maneira que beneficie a organização e seus stakeholders”.
Stakeholders são todas as pessoas e organizações que têm interesses,
diretos ou indiretos, na organização.
Kotler (2000), utilizando-se de uma definição social, define marketing
como “um processo social por meio do qual pessoas e grupos obtêm aquilo de
que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociação de
produtos e serviços de valor com outros” (p.30).
Ressalte-se que uma definição social preocupa-se com o papel do
marketing na sociedade, ao passo que uma definição gerencial em geral reduz
o maketing a estratégias de vendas.
1.3– Função do marketing
Segundo Armstrong e Kotler (2007), a principal função do marketing é
lidar com os clientes, sendo que conseguir novos clientes e manter os atuais,
proporcionando-lhes satisfação, são os objetivos fundamentais do marketing.
Já Backer (2005) destaca o gerenciamento do mix de marketing como
função, afirmando que: “Basicamente, a função do marketing é responsável
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pelo gerenciamento do mix de marketing que, na sua forma mais simples, é
resumido pelos quatro Ps: produto, preço, praça e promoção” (p.8).
Segundo Cobra (2009), o marketing tem por escopo a identificação
das necessidades não satisfeitas de pessoas físicas e jurídicas, desenvolvendo
produtos e serviços para cada público; bem como a melhoria da qualidade de
vida das pessoas.
Kotler e Lee (2008) defendem a utilização do marketing para melhorar
o desempenho das agências públicas e a satisfação dos cidadãos, sendo que o
termo agência é usado pelos autores para designar órgãos que representam o
poder público, abarcando o que no Brasil denominamos órgãos, agências,
autarquias, secretarias, ministérios etc.
Desse modo, entendemos que a Administração Pública pode se utilizar
do marketing para melhorar sua atuação e atender aos anseios da população.
De acordo com os autores citados, o objetivo do marketing é produzir
resultados que o mercado-alvo valoriza, assim sua finalidade é valorizar e
satisfazer os clientes, ao passo que no setor público é valorizar e satisfazer os
cidadãos.
Assim, através da utilização do marketing, as agências
governamentais podem alcançar o aumento das receitas, da utilização de
serviços, da compra de produtos, da aceitação das leis, da consciência
ambiental e melhoria da saúde e segurança e da satisfação do cidadão, entre
outros benefícios, enfim, o marketing pode contribuir para a obtenção das
metas e missões das agências governamentais.
Destarte, o marketing pode promover a melhora do desempenho das
agências públicas e, consequentemente, a percepção desta pela população, o
que provocará o aumento do apoio dos cidadãos às agências, ou seja, a
imagem da organização melhora, logo, esta passa a ter mais credibilidade
perante a sociedade.
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Uma entidade com uma boa imagem terá uma maior facilidade na
obtenção de recursos públicos para ampliar seus projetos e investir no
treinamento e aumento da remuneração de seus servidores públicos.
Ao atingir a excelência no seu desempenho a organização afasta
também o risco da privatização, pois atende plenamente às necessidades dos
cidadãos, provando, assim, que a máquina pública pode funcionar muito bem
com a adoção de uma mentalidade de marketing.
Para Kotler e Lee (2008), o governo pode atingir um padrão de alta
tecnologia e alto alcance, oferecendo aos cidadãos mais qualidade, rapidez,
eficiência, conveniência e justiça, selecionando metas e ações que sirvam ao
bem comum (social, econômico e ambiental).
Aliás, atender ao bem comum da sociedade é o próprio fim da
Administração Pública. Desta forma, entendemos que o marketing deve ser um
instrumento para a satisfação do cidadão em consonância com o interesse
público.
Já para Peter Doyle (2005), o objetivo do marketing em organizações
do setor público é o desenvolvimento e a implementação de um mix de
marketing capaz de atrair fundos suficientes para a realização de suas tarefas
sociais. Ao passo que no setor privado o fim do marketing é maximizar valor
para o acionista.
Não concordamos com este posicionamento, pois atrair recursos é
somente um dos objetivos do marketing no setor público, além de todos os
outros citados anteriormente, sobretudo desempenho eficaz e satisfação do
cidadão.
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1.4– Orientações de administração de marketing
Há cinco orientações ou filosofias para as organizações guiarem as
atividades de marketing: a de produção, a de produto, a de vendas, a de
marketing e a de marketing societal.
1.4.1 – Orientação de produção
Segundo esta filosofia, os consumidores preferem produtos
amplamente disponíveis e baratos, logo a organização deve se concentrar em
manter custos baixos e proporcionar fácil acesso.
Segundo Kotler (2000), o atendimento em alguns órgãos públicos,
como repartições que emitem licenças e centros de recrutamento, é feito com
base nessa orientação, o que, apesar de poder resultar em muitos
atendimentos, pode gerar atendimento impessoal e precário.
1.4.2 – Orientação de produto
Afirma que os consumidores irão preferir produtos que ofereçam maior
qualidade, desempenho ou o mais inovador (Kotler, 2000). A falha desta
filosofia é o foco demasiado no produto.
A orientação do produto pode acarretar a chamada miopia de
marketing.
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1.4.3 – Orientação de vendas
A orientação de vendas pressupõe que os consumidores não compram
os produtos em quantidade suficiente por vontade própria, logo as empresas
devem empreender um esforço agressivo de vendas e promoção para
incentivar as compras (Kotler, 2000).
Organizações sem fins lucrativos costumam se utilizar da orientação de
vendas para, por exemplo, obter recursos, conseguir matrículas em
universidades e inscrições em partidos políticos, conforme leciona Kotler
(2000).
O risco desta orientação é que o cliente insatisfeito pode deixar de
comprar, fazer uma reclamação, bem como falar mal do produto.
1.4.4 – Orientação de marketing
A orientação de marketing surge nos anos 50 como uma forte filosofia
de gerenciamento de marketing e tem como base o foco no cliente,
característica que passou a ser essencial para o conceito de marketing.
De acordo com esta orientação, para que os objetivos da organização
sejam alcançados é necessário conhecer os desejos e necessidades dos
mercados-alvo e entregar a satisfação desejada com mais eficiência que os
concorrentes (Armstrong e Kotler, 2007).
Ao contrário da orientação de vendas, que concentra-se nas vendas e
promoção, a de marketing é voltada para as necessidades do cliente.
Segundo Backer (2005) o divisor de águas da abordagem de
produção/vendas para a de marketing foi a publicação do artigo “Marketing
myopia”, de Theodore Levitt, na Harvard Business Review, em 1960,
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defendendo a tese de que o motivo que levou as indústrias à falência ou ao
declínio foi a adoção de uma orientação para o produto e não para o cliente, na
qual a definição de seus negócios era muito estreita. Assim, por exemplo, as
ferrovias perderam seus clientes para outros meios de transporte pela ausência
de percepção de que estavam no negócio de transporte.
Em uma orientação de marketing o objetivo deste passa a ser conhecer
profundamente as necessidades dos clientes para que os produtos e serviços
se vendam sozinhos.
Desse modo, Kotler e Lee (2008) ressaltam que, com a adoção da
filosofia de marketing pelas organizações públicas, os programas e serviços
necessitarão menos de promoção, tendo em vista que clientes mais satisfeitos
compartilham com outras pessoas sua experiência positiva com aquela
agência.
1.4.5 – Orientação de marketing social
A orientação de marketing societal sustenta que as organizações
devem entregar um valor superior para o cliente, preocupando-se com o bem-
estar do consumidor e da sociedade (Kotler e Lee, 2008).
Dessa forma, a filosofia do marketing social ou humanista representa
um plus em relação à abordagem de marketing, pois não se busca a satisfação
do cliente a curto prazo mas a satisfação deste e da sociedade a longo prazo.
O foco do marketing é satisfação do cliente em consonância com o
interesse público.
Assim, por exemplo, as redes de fast food podem satisfazer o cliente a
curto prazo, mas pode provocar a obesidade deste a longo prazo, gerando, em
última análise, um problema de saúde na sociedade.
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Na nossa visão, esta é a orientação que melhor se adequa ao setor
público, pois o fim da Administração Pública é promover o bem estar social.
Desse modo, com a adoção da orientação do marketing social no setor público,
o objetivo do marketing será a satisfação do cidadão a longo prazo e da
sociedade como um todo.
Ressalte-se que, no conflito entre o interesse privado e o público, este
deve prevalecer, segundo o princípio da supremacia do interesse público, pois
a finalidade de qualquer entidade pública é atender ao interesse coletivo.
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CAPÍTULO II
A UTILIZAÇÃO DAS FERRAMENTAS DO MIX DE
MARKETING
No setor público a função do marketing pode ser vista como a de
melhorar a satisfação do cidadão.
Desta forma, adotando uma orientação de marketing nas agências
públicas, o objetivo do marketing consiste em satisfazer as necessidades dos
cidadãos, que seriam os seus clientes. Para atingir esta finalidade, as
organizações públicas devem se utilizar do conjunto de ferramentas do mix de
marketing.
Mix ou composto de marketing é o conjunto de ferramentas que uma
organização utiliza para obter respostas desejadas de seu público-alvo, ou
seja, são estratégias para o alcance de suas metas.
2.1- Os 4 Ps do mix de marketing
McCarthy agrupou as ferramentas do mix de marketing em quatro
grupos, chamados os 4 Ps do marketing: produto, preço, praça e promoção
(product, price, place e promotion).
Muitas pessoas quando pensam em marketing têm em mente apenas
as ideias de propaganda e vendas, que na verdade pertencem a apenas um
dos Ps: promoção. Mas um bom planejamento de marketing, conforme
ensinam Kotler e Lee (2008), deve levar em conta, antes mesmo da promoção,
o produto, o preço e a praça.
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Iremos analisar cada um dos fatores do mix de marketing
separadamente, apresentando primeiramente conceitos referentes às
empresas privadas e, em seguida, trataremos dos conceitos adequados ao
setor público, trazendo exemplos da aplicação das ferramentas do mix de
marketing às agências públicas.
2.1.1- O produto
O produto é a combinação de bens e serviços oferecidos ao mercado-
alvo para a satisfação de um desejo ou uma necessidade. São ferramentas do
produto: variedade, qualidade, design, características, nome, embalagens e
serviços.
Ressalte-se que os serviços, como os bancários, de companhias
aéreas etc, são também produtos.
O produto de uma organização pública, segundo Kotler e Lee (2008),
pode incluir bens físicos, programas, serviços, experiências, eventos, pessoas,
lugares, organizações, informações e ideias.
Podemos citar como exemplos no setor público de um bem físico um
documento de identidade; de um programa, o “Programa Eleitor do Futuro” do
Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro direcionado para jovens com a
finalidade de fomentar a consciência dos direitos políticos; de experiências,
visitas a museos, a planetários etc; de serviços temos os de transporte, coleta
de lixo, correspondência; de organizações como escolas e universidades
públicas, tribunais e hospitais públicos; de ideias, a utilização de sacolas
retornáveis; de informações, informações sobre direitos do consumidor, de
lugares, a Floresta da Tijuca ou o corcovado; de pessoas, o presidente da
República; e de eventos, a procissão de Corpus Christi.
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Há três níveis de produto de acordo com a teoria do marketing
tradicional: o central, o real e o ampliado.
O produto central consiste nas necessidades principais que serão
satisfeitas e desejos que serão realizados com a compra do produto.
O produto real diz respeito às qualidades, características, estilo,
design, embalagem e nome de marca do produto.
Já o produto ampliado é o conjunto de características e serviços que
agregam valor à compra, bem como as expectativas dos clientes. Este pode
constituir o diferencial em relação à concorrência.
Kotler e Lee (2008) exemplificam esses níveis no setor público com o
sistema de trânsito (organização ou agência), em que o produto central ou
benefício é o transporte, o produto real é o ônibus e o produto ampliado é o
suporte para bicicletas nos ônibus; no departamento de polícia municipal o
produto central é a prevenção de furtos e a recuperação da propriedade que foi
roubada, o produto real é a resposta a uma notícia de furto de carro e o produto
ampliado é o oferecimento de cupons de desconto para veículos com tranca de
direção.
Merece destaque também o exemplo citado pelos autores para
desenvolver a plataforma de um produto de exame de HIV, em que o produto
central pode ser a tranquilidade em ficar sabendo se possui ou não AIDS, as
possibilidades de uma vida melhor com a descoberta precoce da doença e uma
atitude responsável ao evitar espalhar a doença se portador. Existem também
diversas opções de produtos reais (o exame em si), como exames rápidos,
exames de sangue, de urina e exame de HIV como parte de um checkup anual.
Já quanto aos produtos ampliados, um exemplo são grupos de apoio e
indicações para tratamento. Todas essas opções de níveis de produtos devem
ser decididas levando em consideração o público-alvo.
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2.1.2- O preço
O preço é a quantia em dinheiro que os clientes pagam pelo produto,
envolve fatores como preços de tabela, descontos, concessões, prazo de
pagamento, condições de financiamento.
Mas o preço também inclui valores não financeiros assumidos pelo
consumidor, como tempo, esforço, desconforto físico ou psicológico.
Assim, Kotler e Lee (2008) exemplificam que decisões quanto ao preço
numa biblioteca pública compreendem preço para a retirada de livros e
materiais, que geralmente são gratuitos, bem como multas para atraso na
devolução, custos para oficinas e programas etc., devendo o profissional de
marketing para alcançar metas de visitas à biblioteca e participação em
oficinas, adotar estratégias que reduzam o custo para o cidadão, como, por
exemplo, a redução do tempo de atendimento ou do esforço para conseguir
uma vaga para o seu automóvel.
No Brasil, o custo para o cidadão é muito alto em diversas entidades
públicas, como, por exemplo, nos hospitais da rede pública, em que há longas
filas de espera e o atendimento é precário, devido à falta de médicos e de
leitos, o que nos leva frequentemente a assistir a verdadeiras cenas de horror,
nas quais pacientes são atendidos nos corredores de hospitais e até mesmo
em cadeiras.
Assim, a saúde, que é um dever do Estado, está abandonada.
Diante desse quadro, as classes mais favorecidas da sociedade pagam
planos de saúde para conseguir atendimento no setor privado, ao passo que a
maioria da população, que não tem condições financeiras de arcar com este
custo, fica à mercê do atendimento precário oferecidos em nossos hospitais
públicos.
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Outro exemplo de serviço em que o preço também é alto para o
cidadão em termos de tempo, esforço e desgaste psicológico, ainda que não
haja pagamento em dinheiro, é o prestado pela Defensoria Pública, já que é
preciso enfrentar fila para ser atendido, muitas vezes em pé, num ambiente
desconfortável, em razão da ausência de investimentos públicos em prédios
bem equipados para a Defensoria e da quantidade insuficiente de defensores
públicos e de servidores que os auxiliem.
Em agências públicas o preço não é somente a tarifa de produtos,
programas e serviços, conforme asseveram Kotler e Lee (2008) mas também
incentivos financeiros, por exemplo, cupons de desconto, incentivos não
financeiros, como um selo ambiental para uma empresa ecologicamente
correta, desincentivos financeiros, como uma multa, e desincentivos não
financeiros como a exposição pública por dívida de impostos.
Os incentivos e desincentivos são ferramentas que podem ser
utilizadas para influenciar o comportamento do cidadão.
2.1.3- A praça
A praça, local ou canais de distribuição é um componente relativo às
atividades da empresa que disponibilizam o produto aos consumidores-alvo,
envolvendo canais, cobertura, variedade, estoque, transporte e logística.
Estratégias de praça ou local dizem respeito a onde, como e quando as
ofertas serão entregues pela organização e acessadas pelos clientes.
Podemos definir praça no setor público como os meios pelos quais os
cidadãos acessam as ofertas.
De fundamental importância para influenciar o cliente é a conveniência
do acesso, cuja percepção leva em conta, por exemplo, o local, o horário de
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funcionamento, o tempo de espera e opções de compra (por telefone, internet)
e entrega.
Desta forma, é interessante para o cidadão a obtenção de um serviço
ou a possibilidade de fazer uma solicitação pela internet ou pelo telefone, ou
até mesmo obter informações de órgãos públicos. Tudo isso diz respeito à
conveniência.
Além disso, aspectos como filas de espera para atendimento, demora
no atendimento pelo telefone, aspectos ligados à má aparência e falta de
conforto em instalações públicas desestimulam os usuários do setor público.
Desse modo, no que diz respeito à praça o ideal seria que cada
município brasileiro contasse com uma biblioteca em cada bairro para que o
cidadão pudesse ter acesso aos livros sem gastar dinheiro com transporte, o
que incentivaria o hábito da leitura entre nós.
Ademais, a biblioteca deve fornecer um atendimento por profissional
especializado, possuir boas instalações e um acervo de alta qualidade para
que os moradores tenham interesse em frequentá-la.
Logo, a praça ou local é importante, mas também deve ser valorizado o
produto em si (acesso a livros de qualidade, o hábito da leitura) e o preço, que
envolve aspectos como boas instalações físicas, bom atendimento etc.
No que tange ao local e meio de acesso aos programas e serviços,
destacamos os seguintes tipos:
A) Local físico. Neste canal o mais importante é a localização. Esse é o canal
mais comum para agências que prestam atendimento direto, como postos de
saúde, escolas, urnas de votação e universidades (Kotler e Lee, 2008).
Na nossa opinião, este ainda é o canal mais importante para o setor
público, pois, para que cada indivíduo tenha acesso a serviços essenciais,
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como educação e saúde, é preciso que haja em cada bairro escolas e postos
de saúde de alta qualidade, bem como assistência jurídica, cursos
profissionalizantes gratuitos etc.
Mas o que observamos no Brasil, em geral, é a prestação de serviços
públicos de baixa qualidade. No entanto, acreditamos que o marketing pode
exercer um papel importante na entrega de serviços públicos de excelência aos
cidadãos, para que aqueles que não podem pagar possam desenvolver todas
as suas capacidades e tenham acesso aos diversos serviços públicos. O
marketing deve ser, portanto, um instrumento de justiça social.
B) Telefone. Ferramenta de alta conveniência, é comum sua utilização para
requisições, como inscrições em cursos comunitários, e obtenção de serviços,
como, por exemplo, para chamar uma ambulância ou a polícia (Kotler e Lee,
2008).
O telefone é extremamente conveniente para o cidadão pois é possível
obter o serviço sem sair de casa.
Assim, esse canal pode ser utilizado para a entrega de medicamentos
na própria residência do cidadão mediante um cadastramento prévio no posto
de saúde do seu bairro; ou na entrega de livros em domicílio por uma biblioteca
pública.
C) Correios. Essa opção é considerada muito conveniente pelos cidadãos e
em geral são baixos os custos para o governo (Kotler e Lee, 2008).
D) Unidades móveis. Esse canal é geralmente considerado mais conveniente
pelos cidadãos (Kotler e Lee, 2008), pois a unidade móvel estará próxima a sua
residência, ao seu trabalho etc.
E) Internet. Esta pode ser um canal de comunicação, através do qual os
cidadãos obtêm informações de agências públicas sobre serviços, programas
etc, assim como pode ser também um canal efetivo de distribuição, onde os
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cidadãos recebem serviços e solicitam produtos. Esta é a chamada governança
eletrônica (e-governanance), que tem contribuído para a melhoria do
desempenho do setor público (Kotler e Lee, 2008).
Desse modo, a internet pode ser uma ferramenta útil para um cidadão
solicitar um documento, fazer uma denúncia, solicitar um serviço etc.
Este canal é de grande relevância nos dias atuais, devido à facilidade
de acesso, porque as pessoas têm uma longa jornada de trabalho e lhes falta
tempo para ir até uma agência pública.
Após avaliar as opções de canais de distribuição, na lição de Kotler e
Lee (2008), é necessário avaliar se o aumento da conveniência acarretará o
aumento das compras ou da participação do cidadão. Para isso podem ser
feitas pesquisas prévias com os cidadãos, testes em projetos pilotos ou, ainda,
caso a ferramenta já tenha sido utilizada por outra agência governamental (até
mesmo internacional), uma opção é entrar em contato com esta agência para
descobrir como foi a experiência. Este último recurso não pode ser utilizado no
setor privado, mas no setor público apresenta-se como uma valiosa ferramenta.
2.1.4- A promoção
A promoção é o conjunto de atividades para comunicar os pontos fortes
do produto e convencer os clientes-alvo a comprar; inclui propaganda, venda
pessoal, promoção de vendas, relações públicas e marketing direto. Trata-se
de comunicação persuasiva com vistas a influenciar o público-alvo a agir.
No processo de comunicação de marketing é necessário definir as
mensagens principais, isto é, o que a organização deseja que seu público-alvo
saiba, acredite e faça. Segundo Kotler e Lee, primeiramente, é preciso
estabelecer o que a agência quer que o público-alvo saiba; neste estágio
considera-se a informação; especificidades da oferta, como p. ex. mudanças na
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coleta de lixo em razão de feriado; fatos que a agência quer que os cidadãos
tenham consciência, como alterações propostas pelo governo federal nos
planos de saúde; e informações importantes que os cidadãos tenham talvez
esquecido.
Depois, define-se em que a organização deseja que o público-alvo
acredite, como imagens pensamentos, sentimentos e benefícios.
Por fim, o último passo é determinar como influenciar seu público-alvo
a agir da maneira desejada pela organização. São exemplos de ações
desejadas no setor público: preencher um formulário de maneira adequada,
respeitar as normas de trânsito, economizar água, matricular os filhos na
escola, pagar os tributos, utilizar água e energia elétrica de forma consciente,
colaborar com o censo, vacinar-se, amamentar, alistar-se como eleitor, cuidar
dos animais domésticos, e respeitar os direitos das crianças e adolescentes.
Para que as mensagens-chave sejam eficazes, Kotler e Lee (2008)
sugerem a adoção de mensagens claras e breves, pois em comunicação
menos é mais; a ênfase nos benefícios (produto central); que sejam fáceis de
lembrar; e que garantam estilo e tom compatíveis com a marca.
Kotler e Armstrong (2007) ensinam que a organização deve misturar as
ferramentas do composto de marketing num programa de marketing integrado,
que seja capaz de entregar aos clientes-alvo o valor pretendido. O mix de
marketing é tudo aquilo que a empresa pode realizar para exercer influência
sobre a demanda do produto.
2.2 - Os 4 Cs do mix de marketing
Robert Lauterborn desenvolveu o sistema dos 4 Cs, segundo o qual
para cada P há um C correspondente do comprador ou cliente; assim, o
29
produto corresponde ao cliente (solução para o cliente), o preço corresponde
ao custo (para o cliente), a praça à conveniência e a promoção à comunicação.
Para Kotler e Armstrong (2007) os profissionais de marketing devem
considerar primeiro os 4 Cs e só depois construir os 4 Ps, sendo que os
primeiros devem ser a base destes, pois:
“enquanto os profissionais de marketing se vêem como
vendedores de um produto, os clientes se vêem como
compradores de valor ou de uma solução para seus
problemas. Os clientes não estão interessados apenas
em preços; estão interessados também nos custos totais
para obter, utilizar e descartar um produto. Para completar
querem comunicação bilateral” (ARMSTRONG; KOTLER,
2007, p.43).
30
CAPÍTULO III
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DO
MARKETING NO SETOR PÚBLICO
Após o estudo dos conceitos e funções do marketing, assim como das
ferramentas do mix de marketing, com abordagens relativas ao setor público,
cabe analisar as peculiaridades da área pública e qual o papel que o marketing
poderá desempenhar neste campo, que possui fortes diferenças do setor
privado.
3.1- Novos tempos: a valorização do marketing na esfera
pública
O marketing era tradicionalmente visto com inadequado ao setor
público, não se pensando numa orientação de marketing nas organizações
públicas, sendo a sua aplicação muito reduzida.
Entretanto, por volta dos anos 90, observou-se uma mudança de
pensamento no setor público, com a crescente valorização do papel do
marketing nas agências públicas.
Laing (2003) afirma que o potencial de contribuição do marketing na
prestação de serviços públicos foi reconsiderado a partir da adoção de práticas
do setor privado em organizações públicas nas economias ocidentais.
Segundo Hein van der Hart (1990), a era de retirada do Governo na
Holanda e em outros países da Europa, deixando espaço para empresas
privadas, paradoxalmente, não provocou uma alienação do cidadão, e sim uma
maior orientação para o cliente nas organizações governamentais.
31
Entendemos que uma orientação para o cliente-cidadão é importante,
mas sem que isso leve a posturas individualistas, pois o Estado no exercício de
suas funções tem o compromisso de atender às necessidades da coletividade.
Para Walsh (1994), a natureza do marketing no serviço público pode
ser vista sob três aspectos: o aumento da proteção ao consumidor, utilização
de estratégias de marketing e promoção.
Segundo o autor, a política de proteção ao consumidor, reconhecendo
como clientes os usuários de serviços públicos, com direitos que devem ser
respeitados, foi o fator mais importante para as mudanças ocorridas na gestão
pública e surgiu como uma resposta às críticas aos serviços públicos, que eram
considerados ineficientes.
Dessa forma, as políticas de proteção ao consumidor, que é a parte
mais fraca na relação com as empresas fornecedoras, envolvendo uma
legislação protetora bem como agências públicas de defesa dos direitos do
consumidor, deu origem a uma política de proteção dos usuários dos serviços
públicos. Nesse sentido, por exemplo, foram criadas ouvidorias em diversos
órgãos públicos para receber reclamações dos usuários.
Estratégias de marketing, como plano de negócios, segmentação de
mercado, posicionamento de mercado e as ferramentas do mix de marketing,
passaram a ser amplamente utilizadas nas organizações públicas, conforme
leciona Walsh. Além disso, o governo começou a utilizar-se muito das técnicas
promocionais.
Como analisa Walsh (1994), exigências de que organizações de
serviço público devem competir tanto dentro do próprio setor público, como
com o setor privado, provocou a adoção de estratégias de marketing nas
agências públicas, ressaltando, que até mesmo em áreas em que não há
competição com o campo privado, como educação e saúde, existe uma
concorrência no mercado interno.
32
Walsh (1994) destaca ainda a instituição de unidades de marketing e
de relações públicas dentro dos órgãos públicos como uma das consequências
da valorização do marketing em entidades públicas.
Na nossa opinião, as entidades públicas no Brasil devem criar
departamentos ou diretorias de marketing para que haja um efetivo
desenvolvimento do marketing nas organizações públicas brasileiras, além da
necessária adoção da mentalidade de marketing pela entidade como um todo.
No entanto, para o autor, apesar do marketing ter se tornado parte do
processo de gestão pública, a orientação do marketing no setor público ainda é
periférica, pois além de estar num estágio inicial, falta um modelo específico de
marketing para a área pública.
Com o mesmo entendimento de Walsh, Graham (1994 apud Laing,
2003, p. 431) também aponta para a necessidade de um marketing próprio
para o setor público, de acordo com suas características:
“o desafio a longo prazo para o marketing é alcançar uma
reconceitualização similar que se dirija às características
particulares dos serviços públicos e encontre as
necessidades das organizações do setor público sem
minar os princípios essenciais do conceito de marketing”
(tradução nossa).
Laing (2003) assevera que, apesar de toda evolução, ainda há muita
relutância por parte dos profissionais de organizações públicas em adotar os
conceitos de marketing, devido a uma predominância de perspectivas
transacionais em abordagens populares de marketing, sem levar em
consideração a riqueza e amplitude conceitual do marketing, em especial a
contribuição que o marketing relacional pode oferecer às entidades públicas.
33
3.2- As particularidades do setor público e o papel do
marketing
Um estudo sobre a importância do marketing para a esfera pública
requer uma análise das características específicas desta área.
A visão de que a incapacidade do mercado justifica a necessidade de
serviços públicos é negativa e inútil, de acordo com Walsh (1994). Para o autor,
num sistema democrático o Estado deve prover o bem-estar dos indivíduos, ao
invés de, necessariamente, produzir os bens e serviços ele próprio. Logo,
ainda, ainda que o Estado não os produza, ele tem a obrigação de assegurar
que os cidadãos tenham acesso aos bens necessários, intervindo na
distribuição de renda.
Ressalta, ainda, o autor que o setor público tem suas próprias
características no que tange tanto ao que é feito como ao modo de fazer,
assim, não há como tratar educação, saúde e cuidados sociais da mesma
forma que bens de consumo.
Assim, verifica-se que no setor público, de acordo com Walsh,
diferentemente do setor privado, há compromissos sociais, cabendo ao
governo garantir os bens primários aos indivíduos, assim como intervir na
distribuição de renda para efetivar a justiça social.
Dessa forma, a orientação de marketing do setor privado, que tem
como base o foco no consumidor-cliente, não se aplica ao setor público, porque
numa democracia o Governo é responsável pelo bem-estar de toda a
sociedade.
Nesse sentido, defende Walsh (1994): “a soberania do consumidor não
expressa a plenitude da cidadania, que é a base da comunidade bem como
dos direitos individuais” (p. 67), (tradução nossa). Na lição de Hirschman (1970
apud Walsh, 1994, p. 67): “No mercado, consumidores podem escolher e “sair”
34
onde eles não estão satisfeitos. As possibilidades de “sair” são limitadas no
setor público e são subsidiárias a “voz” e “voto” (tradução nossa).
A cidadania baseia-se nas necessidades da sociedade e na justiça
social, ao invés das estreitas necessidades individuais, sendo importante a
igualdade de todos os cidadãos e direitos iguais de acesso aos serviços
públicos independentemente da capacidade de pagar (Laing, 2003, p. 434)
O conceito de consumidor, isto é, aquele que adquire produtos ou
serviços como destinatário final, não corresponde aos de cidadão. Este é
aquele que goza de direitos políticos ativos e passivos, ou seja, direito de votar
e ser votado, respectivamente; e que participa da vida política de seu país,
exigindo seus direitos, fiscalizando os gastos públicos etc.
A cidadania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil
(art. 1º, inc. II, da Carta Magna). Segundo José Afonso da Silva a nossa
Constituição adotou um conceito amplo de cidadania, que não se restringe aos
direitos políticos, pois significa também a integração do indivíduo à sociedade e
a submissão do Estado à vontade popular, afirmando que:
“A cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o
de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da
vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como
pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LVII).
Significa aí, também, que o funcionamento do Estado
estará submetido à vontade popular. E aí o termo
conexiona-se com o conceito de soberania popular
(parágrafo único do art. 1º), com direitos políticos (art. 14)
e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º,
III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e
meta essencial do regime democrático.” (DA SILVA, 2006,
p.104-105).
35
Outra diferença do setor privado, aponta Walsh (1994), é a
necessidade de transparência e prestação de contas.
Com efeito, a ação política deve se guiar pelo interesse público, sendo
que os órgãos públicos têm o dever de prestar contas aos cidadãos; ressalte-
se ainda que o princípio da publicidade é um princípio constitucional da
Administração Pública no Brasil.
Neste sentido o inc. II do §3º do art. 37 da Constituição da República
Federativa do Brasil, regulamentado pela Lei de Acesso à Informação,
assegurou o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações
sobre atos de governo.
Outra característica do serviço público para Walsh são as ideias
dominantes de justiça e controle democrático, ao passo que no setor privado os
critérios de medida são eficiência e lucratividade.
Ressalte-se que a eficiência também é um critério de medida do
serviço público, sendo que no Brasil a eficiência é um princípio constitucional a
ser observado pela Administração Pública desde a Emenda Constitucional nº
19 de 1998, demonstrando que o Brasil, como outros países, já adotou
mecanismos do setor privado.
Sobre esse tema, Bauer (1966 apud Laing, 2003, p. 432) afirma que
não é apropriado medir o desempenho dos serviços públicos com base em
critérios econômicos, pois no setor público a performance deve ser avaliada
com base em critérios sociais (o lucro social).
Na definição de Laing (2003), “lucro social, e por sua vez capital social,
é o benefício que retorna para a sociedade como um todo através da entrega
dos serviços públicos” (p. 432) (tradução nossa). São exemplos, segundo o
autor, níveis de educação atingidos e melhorias na saúde da população.
36
Desse modo, ensina Laing, muitos serviços públicos beneficiam não só
o usuário, mas a sociedade como um todo.
Analisando a eficiência, como princípio da Administração Pública,
inserido em nossa Constituição em 1998, José Afonso da Silva (2006) comenta
que este é um princípio econômico e não jurídico, havendo uma certa
dificuldade em transpor este conceito para a atividade administrativa, pois ele
parte de uma relação entre o input (insumo) e o output (produto), o que em
geral não é possível de aferição no serviço público porque nem sempre há um
output identificável nem existe input como na economia. Apesar de vislumbrar
esta dificuldade, o autor conclui que a eficiência administrativa consiste na
organização racional de meios e recursos (materiais, humanos e institucionais)
para a melhor satisfação das necessidades da coletividade.
Walsh alerta que os processos de marketing não podem substituir o
diálogo entre Estados e cidadãos e que o marketing pode tornar esse diálogo
mais difícil e nos separar de nossas responsabilidades.
Para Walsh a aplicação do marketing ao setor público é secundária,
seguindo uma decisão política.
Dessa forma, Walsh argumenta que o marketing tem uma função na
missão e estratégias comerciais de organizações, assim como na escolha de
mercados, produtos e consumidores. Já no setor público o marketing tem
pouca aplicação nesses processos, pois são questões democráticas que estão
em jogo, com ênfase na decisão política, e não só uma questão de eficiência.
Assim, de acordo com o autor, a orientação de marketing só é relevante após a
tomada de decisões políticas fundamentais.
Walsh (1994) critica a utilização marketing com vistas a melhorar a
qualidade dos serviços públicos que vivencia, pois não está sendo levado em
consideração que a relação essencial entre governo e cidadão não é de troca,
mas de compromisso mútuo, acrescentando que:
37
“o perigo de definir o setor público como uma arena em
que serviços são trocados por taxas é que políticas são
reduzidas à entrega de serviços, em vez de governo, visto
como decisão autorizada baseada num compromisso
coletivo” (p.69) (tradução nossa).
Com efeito, o conceito de troca, inerente à definição de marketing,
parece incompatível com o de compromisso coletivo num governo democrático.
A despeito das críticas, Walsh entende que é possível desenvolver
uma maneira apropriada de marketing para as organizações públicas. Para tal
divide o marketing em três dimensões: marketing como um conjunto de
técnicas; marketing como uma linguagem; e marketing como um conjunto de
idéias.
Na primeira dimensão está a utilização das ferramentas de marketing
para melhorar a eficiência e a capacidade de resposta dos serviços, com a
utilização de levantamentos, por exemplo. Para Walsh, a contribuição do
marketing, num papel subsidiário, é indiscutível e pode melhorar as decisões a
respeito dos serviços.
O marketing como um discurso é perigoso para o setor público, porque
seus valores são diferentes do setor privado. Assim, é necessário desenvolver
um discurso ou linguagem de marketing específico para a área pública.
Por fim, o marketing como um conjunto de ideias é difícil de aplicar ao
setor público, pois o marketing baseia-se em troca, competição e lucro; assim
se for feito uma simples adaptação ao setor público, haverá uma perda de suas
características específicas, ou seja, conflito de valores, compromissos sociais e
escolha coletiva.
Desse modo, Walsh defende que é necessário desenvolver uma
psicologia do cidadão que corresponda à psicologia do consumidor.
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Esta necessidade que Walsh enfatiza nos remete à dicotomia cidadão
versus consumidor, que opõe o público e o privado respectivamente.
Aqui levantamos uma questão bastante discutida a respeito do
marketing no setor público. Partindo de uma orientação de marketing, que se
baseia no foco no cliente, fundamental é definir quem é o cliente no setor
público.
3.3- Quem é o cliente no setor público?
De acordo com Hein van der Hart (1990) a identificação do cliente não
é um problema para as empresas, para elas o problema é segmentar o
mercado, isto é, definir a quais clientes irão dirigir-se, quais oferece melhores
perspectivas de lucro.
Em organizações governamentais, segundo van der Hart, dois fatores
determinam a identificação do cliente: o grau de contato direto ou indireto entre
a organização e o público; e o grau em que o cliente paga pelo serviço. Assim,
divide as entidades públicas em quatro grupos.
Num primeiro grupo, há o contato com o público, mas uma orientação
para o cliente é difícil porque o público não paga, logo a organização não
depende diretamente dos clientes. A orientação é mais interna. São exemplos
hospitais e escolas.
No segundo grupo há um grande contato com o público e os clientes
pagam pelo serviço, como os correios. A organização precisa de uma
orientação para o cliente para sobreviver.
Nos dois grupos a identificação do cliente é fácil, segundo o autor.
39
Na terceira categoria estão unidades de serviço típicas dentro do
governo, como departamentos e ministérios. Aqui há dois clientes: os políticos
(um cliente legislativo) e os cidadãos (o grupo-alvo da legislação). O autor
ressalta que todo serviço ou departamento de governo tem um ou vários
grupos-alvo para quem os serviços são fornecidos, ainda quando não há
contato direto com o público, pois no caso do governo os clientes seriam
autoridades provinciais e municipais agindo como intermediárias entre o
cidadão e o governo central.
No último grupo temos entidades que não tem contato com o público,
mas são pagas diretamente, como fundos de pensões e o conselho distrital de
água. O autor afirma que nestas organizações a orientação é muito mais para o
dinheiro do que para o cliente.
Em contrapartida, está a análise de Laing (2003) sobre quem é o
cliente das organizações públicas. Para ele, embora as definições de cliente do
setor público sejam feitas com base no paradigma transacional de marketing,
com foco naquele que paga, esta abordagem falha diante da complexidade do
cliente do serviço público.
Laing (2003) afirma que o cliente do setor público é complexo e multi-
dimensional, pois os serviços públicos entregam tanto benefícios individuais
como sociais e o pagamento e o consumo é frequentemente separado,
explanando que:
“Claramente em muitos serviços públicos como educação,
saúde e cuidados sociais há múltiplos beneficiários, dos
quais todos podem ser considerados legitimamente como
o cliente. Isso inclui mais obviamente o recebedor
individual do serviço, mas também engloba a família do
recebedor do serviço, o seu empregador, bem como a
sociedade como um todo” (p. 435) (tradução nossa).
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A respeito do tema, Walsh (1994) ressalta que temos um bom
conhecimento sobre a psicologia do consumidor, mas muito menos sobre a do
cidadão. Embora haja muitos estudos relativos ao cidadão como eleitor, há
muito pouco sobre o cidadão como recebedor de serviços públicos, como, por
exemplo, uma pessoa idosa necessitando de cuidados comunitários. Desta
forma, afirma o autor:
“A psicologia do cidadão não pode ser a do consumidor
de mercadorias no mercado e a decisão de consumo
pode diferenciar radicalmente das decisões que nós
fazemos sobre participação no setor público” (p. 68)
(tradução nossa).
41
CONCLUSÃO
O presente trabalho partiu do pressuposto de que o marketing gera a
satisfação do cidadão e a valorização da Administração Pública.
Kotler e Lee, no capítulo I, ensinam que o marketing pode melhorar a
satisfação do cidadão e desempenho das agências públicas, possibilitando que
estas atinjam suas metas.
Ao estudar as cinco orientações de marketing, chegamos ao
entendimento de que a orientação de marketing social é a que melhor se
coaduna com a essência do setor público, pois, com a sua aplicação, as
organizações públicas devem entregar valor para o cidadão, buscando a
satisfação deste e da sociedade a longo prazo. Assim, o marketing harmoniza-
se com a finalidade da Administração Pública que é o bem-estar da
coletividade.
Como visto no capítulo II, a utilização das ferramentas do mix de
marketing, ou seja, os 4 Ps – produto, preço, praça e promoção – que
correspondem aos 4Cs do cliente – cliente, custo, conveniência e
comunicação, são fundamentais para o desempenho eficaz das agências
públicas.
Walsh, no capítulo III, nos ensinou que o desenvolvimento de uma
política de proteção ao consumidor foi fundamental para as mudanças
ocorridas na gestão pública, dando origem a uma política de proteção aos
usuários dos serviços públicos.
Entretanto, verificamos que um dos obstáculos à aplicação do
marketing ao setor público é que aquele tem como base o foco no consumidor,
enquanto neste impera o conceito de cidadania, que é a base da democracia.
42
Apesar das características particulares do setor público, muitas vezes
em oposição as do setor privado, entendemos que o marketing pode e deve ser
usado no setor público, pois concluímos que ele é capaz de melhorar a atuação
das organizações governamentais e satisfazer as necessidades dos cidadãos;
com a ressalva de que na Administração Pública o interesse público é o fim
desta, logo o marketing deve estar a serviço do bem-estar coletivo.
A utilização do marketing na gestão pública brasileira é de fundamental
importância, principalmente em setores essenciais para a sociedade, como
educação e saúde, que funcionam precariamente, o que possibilitará às
pessoas pobres, que não tem condições de pagar por serviços privados,
receber um atendimento de alta qualidade no setor público. Assim, o marketing
pode ser utilizado como um instrumento de justiça social.
Dessa forma, as organizações públicas brasileiras podem atingir a
excelência no seu desempenho e a satisfação do cidadão mediante a aplicação
do marketing, o que levará a uma valorização da nossa Administração Pública.
43
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BAKER, Michael John. O que é marketing? In: BAKER, Michael John (org.).
Administração de Marketing. Tradução de Arlete Simille Marques. 5ª edição.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
COBRA, Marcos. Administração de Marketing no Brasil. 3ª edição. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009.
DOYLE, Peter. Gerenciamento do Marketing. In: BAKER, Michael John (org.).
Administração de Marketing. Tradução de Arlete Simille Marques. 5ª edição.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
GARY, Armstrong; KOTLER, Philip. Princípios de Marketing. Tradução de
Cristina Yamagami; revisão técnica de Dilson Gabriel dos Santos. 12ª edição.
São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
HART, Hein W. C. van der. Government Organizations and their Customers in
The Netherlands: Strategy, Tactics and Operations. European Jornal of
Marketing, 1990, vol. 24, p. 31-42.
KOTLER, Philip. Administração de Marketing: a edição do novo milênio.
Tradução de Bázan Tecnologia e Linguística; revisão técnica Arão Sapiro. São
Paulo: Prentice Hall, 2000.
KOTLER, Philip; LEE, Nancy. Marketing no Setor Público: um guia para um
desempenho mais eficaz. Tradução de Gabriela Perizzollo, Patrícia Lessa
Flores da Cunha. Porto Alegre: Bookman, 2008.
LAING, Angus. Marketing in the public sector: towards a typology of public
services. Marketing Theory, 3(4), p. 427-445.
44
SILVA, JOSÉ AFONSO. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª edição.
São Paulo: Malheiros, 2006.
WALSH, Kieron. Marketing and Public Sector Management. European Journal
of Marketing, 1994, vol 28, p. 63-71.
45
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
DEFINIÇÃO DE MARKETING 10
1.1 – Conceitos centrais de marketing 10
1.1.1 - Necessidades, desejos e demandas 10
1.1.2 - Trocas e transações 10
1.1.3 - Produto ou oferta 11
1.1.4 - Valor e satisfação 11
1.1.5 - Mercados-alvo e segmentação 12
1.1.6 - Marketing de relacionamento 12
1.2 – Definição de marketing 13
1.3 – Função do marketing 13
1.4 – Orientações de administração de marketing 16
1.4.1 - Orientação de produção 16
1.4.2 - Orientação de produto 16
1.4.3 - Orientação de vendas 17
1.4.4 - Orientação de marketing 17
1.4.5 - Orientação de marketing social 18
CAPÍTULO II
A UTILIZAÇÃO DAS FERRAMENTAS DO MIX DE MARKETING 20
2.1 – Os 4 Os do mix de marketing 20
2.1.1 - O produto 21
46
2.1.2 - O preço 23
2.1.3 - A praça 24
2.1.4 - A promoção 27
2.2 – Os 4 Cs do mix de marketing 28
CAPÍTULO III
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DO MARKETING NO
SETOR PÚBLICO 30
3.1– Novos tempos: a valorização do marketing na esfera pública 30
3.2 – As particularidades do setor público e o papel do marketing 33
3.3 – Quem é o cliente no setor público? 38
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43
ÍNDICE 45