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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” ANÁLISE DO FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NA ESCOLA PÚBLICA Por : Maria Veronica Barcelos Dias de Souza Orientadora : Profª. Mary Sue Pereira Rio de Janeiro 2001

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

ANÁLISE DO FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NA ESCOLA PÚBLICA

Por : Maria Veronica Barcelos Dias de Souza

Orientadora : Profª. Mary Sue Pereira

Rio de Janeiro 2001

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

ANÁLISE DO FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NA ESCOLA PÚBLICA

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Supervisão Escolar por Maria Veronica Barcelos Dias de Souza.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus , pois sem a graça Dele nada poderia fazer. “Muito obrigada , Senhor!”

Agradeço também aos meus familiares que com muito carinho me ajudaram nessa conquista.

E a todos que colaboraram na realização deste trabalho , expresso o meu agradecimento.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho monográfico aos professores e a todos os meus colegas que junto trilhamos uma caminhada em busca de novos conhecimentos e aperfeiçoamento para o engrandecimento do nosso trabalho.

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RESUMO

Essa monografia tem por objetivo estudar o fracasso escolarevidenciando suas causas e suas conseqüências para o aluno e para a sociedade de umamaneira geral e, ainda de possibilitar ao professor uma reflexão mais profunda dosproblemas de aprendizagem e um diagnóstico preciso dos mesmos . Pois só assimevitaremos a criação de estereótipos que ocorrem na prática pedagógica em relação aodesempenho do aluno no processo de ensino-aprendizagem e seremos capazes deperceber não só as suas reais dificuldades, mas também os fatores que intervêm nesseprocesso. Dentre os problemas apresentados pelo sistema de ensino brasileiro , ofracasso escolar é considerado o mais grave. Este é evidenciado pelo elevado índice dereprovações , insuficiente alfabetização, evasão ou dificuldades não superadas quepodem comprometer a continuidade dos estudos. São freqüentes as críticas ao despreparo dos professores, aos métodos eaos recursos didáticos utilizados por eles e também às instituições de ensino, quereproduzem os valores das classes socialmente privilegiadas e a ideologia do estado. Contudo , algumas pesquisas afirmam que as causas do fracasso escolardos alunos pertencentes a classe socialmente desfavorecida não podem ser atribuídasapenas as atitudes dos professores e à organização escolar. Segundo essas pesquisas, osfatores externos à escola , como as características individuais dos alunos, as condiçõesfamiliares , as deficiências pessoais e os fatores de natureza sócio-econômica tambémexplicam o fracasso escolar.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada baseou-se na pesquisa bibliográfica relacionadaao tema e relato da práxis pedagógica buscando a convergência dos teóricos abordadosdurante o curso de Supervisão Escolar. As informações de sala de aula obtidas ao longodo curso , constituíram excelente ponto de partida para o estudo em questão. A partir de um levantamento da literatura , analisamos os assuntosabordados por diversos autores sobre o fracasso escolar. Posteriormente, nos dedicamosao relato das entrevistas que foram realizadas com profissionais da área de educação deescolas públicas de periferia. Confrontamos a opinião dos autores com a concepção eprática pedagógica pertinente destes profissionais e as apresentamos neste trabalho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I 12

CAPÍTULO II 33

CAPÍTULO III 54

CONCLUSÃO 65

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 67

BIBLIOGRAFIA CITADA 70

ANEXOS 71

ÍNDICE 77

FOLHA DE AVALIAÇÃO 79

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INTRODUÇÃO

Este estudo é resultado da observação e reflexão do fazer cotidiano da

Escola Municipal Dr. José Fróes Machado – Nova Iguaçu (RJ), dos depoimentos dados

pelos profissionais da área de educação, da experiência com alunos repetentes

provenientes do Ensino Fundamental e alunos portadores de necessidades educativas

especiais que se encontram em atendimento no Centro Municipal de Educação Especial

Paul Harris – Nova Iguaçu (RJ) em sala de recursos, em conseqüência das limitações de

cada um nos aspectos específicos da aprendizagem. Foram desencorajados a prosseguir

seus estudos, ocasionando a repetência e conseqüentemente a evasão escolar. Daí, surgiu a

necessidade de buscar alternativas variadas para que os educandos resgatem o prazer pelo

aprender, sendo bem sucedidos em seu processo de Aprendizagem, renovando os métodos

e técnicas que atendam as necessidades dos alunos provenientes em sua maioria da Escola

Pública.

Os fatores geradores do fracasso escolar têm suas origens enraizadas na

própria escola. Tal afirmação é baseada em experiências com alunos repetentes, em sua

maioria da Escola Pública.

Alunos considerados pelo Sistema Escolar como deficientes mentais,

retardados, agitados e que carregam durante a vida escolar todos os rótulos citados e que a

eles caberão duas alternativas: evasão escolar ou encaminhamento ao atendimento

especializado.

No 1o. caso, o da evasão escolar, têm-se observado que reflete o próprio

fracasso escolar, responde a duas ordens de causas ainda que, em geral, se achem

sobreposta na história de um indivíduo em particular, externas à estrutura familiar e

individual que fracassa em aprender, ou internas à estrutura familiar e individual.

(FERNANDEZ, 1990 p.81).

No 2o. caso as perspectivas em relação à aprendizagem são positivas numa

região tão carente de recursos que é a Baixada Fluminense, pois no Município de Nova

Iguaçu funciona o Centro Municipal de Educação Especial Paul Harris, núcleo da

Prefeitura de Nova Iguaçu. Este Centro atende a alunos portadores de necessidades

especiais: deficientes físicos, auditivos e mentais, à partir da estimulação precoce e oferece

atendimento psico-pedagógico e clínico a alunos com dificuldades de aprendizagem. Neste

setor, a equipe interdisciplinar formada por pedagogas, psicólogas, fonoaudiólogas e

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assistentes sociais que atuam no sentido de resgatar o prazer pela aprendizagem, renovando

os métodos e técnicas que atendam ás necessidades dos alunos provenientes em sua

maioria da Escola Pública.

A Psicopedagogia vem contribuindo para fortalecer esse trabalho junto às

escolas da comunidade, atuando de forma preventiva promovendo encontros pedagógicos,

reuniões de pais, ciclos de palestras, seminários, visando descentralizar a atuação psico-

pedagógica no Centro de Educação Especial Paul Harris.

A clientela é caracterizada por alunos que se encontram no

período operatório concreto e que apresentam sérios conflitos no âmbito familiar e

dificuldades na leitura e escrita. Como o objetivo das classes de apoio pedagógico é

resgatar o prazer pela aprendizagem, conduzindo o educando a superar etapas defasadas

em sua aprendizagem, faz-se necessário que sejam estabelecidos contatos periódicos entre

o Centro de Educação Especial Paul Harris e as escolas de ensino regular para que haja um

acompanhamento do atendimento psicopedagógico. Quando o aluno começa a apresentar

bom rendimento pedagógico e uma relação equilibrada com o grupo, a equipe opta pelo

seu desligamento do setor, cabendo à escola dar continuidade ao seu processo de

construção do conhecimento, visando além do aspecto cognitivo, o afetivo e o social.

A partir da definição do tema apresentado apontam-se as seguintes questões

para esse estudo:

a) Quais os principais fatores que contribuem para a evasão e a repetência na escola de

Ensino Fundamental?

b) Quais as relações existentes entre o fracasso escolar e a política vigente no país?

Selecionadas as questões anteriores definem-se os seguintes objetivos

básicos deste estudo:

a) Refletir sobre a contribuição da Psicopedagogia em relação ao processo de Construção

da Leitura e Escrita segundo PIAGET, PATTO, FERNANDEZ, FREIRE entre outros...

b) Relacionar a política educacional vigente com o fracasso escolar.

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c) Apontar as contribuições da abordagem pedagógica para a práxis do professor, no

contexto da proposta da Escola Municipal Dr. José Fróes Machado e do Centro

Municipal de Educação Especial Paul Harris.

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CAPÍTULO I

FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL

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FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL

A análise dos problemas que afetam o ensino fundamental exige para maior

clareza e compreensão, que tal tarefa seja realizada tomando-se como referência todo o

quadro da política educacional brasileira. Embora o objetivo do presente trabalho não seja

uma ampla retrospectiva histórica, é fundamental situar os principais objetivos da política

educacional implementada principalmente após 1964.

A política educacional imposta em nosso país nas últimas décadas têm sido

direcionada pelo Estado para o cumprimento de pelo menos três funções básicas.

Em primeiro lugar indica-se, segundo LEITE (1988) a reprodução da atual

estrutura de classes, através da dualidade educacional existente em todo o sistema. Existe

na atualidade um ensino de melhor qualidade oferecido, talvez por escolas particulares no

primeiro e segundo graus e pela escola pública no terceiro grau, que atende jovens

oriundos de famílias mais abastadas, uma vez que o critério para seu acesso é, na prática,

econômico. Por outro lado observa-se que há no ensino de primeiro e segundo graus da

Escola Pública um desnível sócio-econômico em que as populações mais carentes são

desprivilegiadas de um ensino de boa qualidade. Para aqueles que conseguem transpor essa

barreira, resta a opção de um ensino universitário oferecido pelas universidades

particulares, que detém em alguns setores, mais de 70% das ofertas de vagas, oferecendo

muitas vezes um ensino de baixa qualidade.

Desta forma a política educacional tem garantido às camadas mais

privilegiadas da população as melhores oportunidades educacionais, contribuindo assim

para a manutenção de seus privilégios conforme LEITE (1988).

Deve-se ressaltar que a implantação dessa política baseou-se no argumento

da democratização do ensino. De fato, observou-se grande expansão da oferta educacional

nas últimas décadas, entretanto, esse aumento quantitativo foi seguido por uma

proporcional diminuição da qualidade do ensino público, gerada pelo constante decrécimo

do investimento de recursos necessários por parte do Estado. Não se pode aceitar

justificativa de que o aumento quantitativo de um sistema implique necessariamente na

diminuição de sua qualidade. Isso ocorre porque o Estado não priorizou o ensino público,

permitindo por outro lado, que a iniciativa privada ampliasse sua participação, garantiu-se

dessa forma, um ensino de melhor qualidade às elites sócio-econômicas em detrimento das

camadas menos favorecidas. (LEITE, 1988 p.12).

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Uma das conseqüências dessa política buscou a única alternativa possível,

ou seja, a escola particular de 1o, 2o e 3° graus. Tem-se observado, no entanto, uma

acentuada reversão nesse quadro, nos períodos de recessão econômica, pois as pessoas da

classe desprivilegiada não conseguem fazer face aos custos impostos pelo Ensino

Particular.

Uma segunda função política educacional foi a alternativa de seu

direcionamento visando a produção da força de trabalho necessária para o

desenvolvimento universal e compulsória do ensino de segundo grau e pela criação do

chamado exército de reserva formado pelo excedente de mão-de-obra com formação

universitária.

LEITE (1988), aponta também que em ambos os casos visava-se a formação

de mão-de-obra barata, chamariz para as grandes empresas multinacionais.

1.1- AS DIFICULDADES DESNECESSÁRIAS E SEU

PAPEL DISCRIMINADOR

FERREIRO (1993) relata que as crianças são facilmente alfabetizáveis

desde que descubram, através de contexto sociais funcionais, que a escrita é um objeto

interessante que merece ser conhecida (como tantos outros objetos da realidade aos quais

dedicam seus melhores esforços intelectuais).

São os adultos que tem dificultado o processo imaginando seqüências

idealizadas de progressão cumulativa, estimulando modos idealizados de fala que estariam

ligados à escrita e construindo definições de “fácil” e de “difícil”, que nunca levaram em

conta de que maneira se define o fácil e o difícil para o ator principal da aprendizagem: a

criança. Tudo isso tornou o processo mais difícil do que deveria ser, produziu fracassos

escolares desnecessários, estigmatizou uma grande parte da população e transformou a

experiência de alfabetização em uma experiência literalmente traumática para muitas

crianças. Também se observa o desprezo pelo modo de falar das crianças de grupos

socialmente marginalizados como inconveniente para dar acesso à escrita. É preciso

enfatizar que o preconceito lingüístico é um dos mecanismos de discriminação, no interior

da sala da escola, como maiores conseqüências para a criança.

A lecto-escrita tem ocupado lugar de destaque na preocupação dos

educadores. FERREIRO e TEBEROSKY (1991) apontam que apesar de grande variedade

de métodos ensaiados para se ensinar a ler, existe um grande número de crianças que não

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aprendem. Juntamente com cálculo elementar, a lecto-escrita se constitui num dos

objetivos da introdução básica, e sua aprendizagem, condição de sucesso ou fracasso nesse

campo geralmente são acompanhados pelo abandono da escola, impedindo que se

alcancem, pelo menos em termos de massa populacional, os objetivos mínimos de

introdução tanto um como sob outro ponto de vista foram tentadas explicações sobre suas

causas. O fracasso escolar nas aprendizagens iniciais é fato que pode ser constatado pela

observação. O que, porém, também prova a persistência das causas que o provocam,

embora as boas intenções de educadores e funcionários, o problema subsiste. Caberia

perguntar então, se as causas do fracasso não ultrapassam os limites da escola para

converterem um problema do sistema educacional como tal.

1.2- FATORES APONTADOS COMO CAUSA DO

FRACASSO

1.2.1- FATORES EXTRA-ESCOLARES

São representados por toda série de fatores relacionados com a realidade

sócio-econômica a que está submetida a maioria da população brasileira. Em outras

palavras, fala-se das relações do trabalho e da pobreza, com todas as suas conseqüências.

Esses fatores produzem o fracasso escolar na medida em que criam obstáculos que

impedirão que uma criança pobre prossiga seus estudos durante vários anos. Constata-se

portanto, que os alunos oriundos de nível sócio-econômico cultural baixo apresentam

desempenho escolar inferior, sendo portanto os principais candidatos à repetência e evasão.

As variáveis de maior influência sobre o rendimento dos alunos, segundo

LEITE (1988), são:

• Condições sócio-econômicas da família.

• Material de leitura disponível no lar.

• Nível educacional dos pais.

• Bens materiais existentes em casa.

• Número de crianças existentes na família.

• Aspiração e interesse dos pais.

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1.2.2- FATORES INTRA-ESCOLARES

Simultaneamente aos fatores extra-escolares há uma série de outros fatores

que também geram ou mantém o fracasso escolar sobre os quais os educadores

teoricamente poderiam ter uma ação mais direta: os determinantes intra-escolares

representados pelo próprio sistema escolar, seus currículos e programas, recursos humanos

e materiais, práticas desenvolvidas, organização interna (administrativa e pedagógica),

etc...

Segundo LEITE (1988), pesquisas tem apontado a distância cultural entre a

escola e sua clientela majoritária através da inadequação do material didático, conteúdo de

linguagem. Tais trabalhos mostram que os alunos são submetidos “a um processo de

aculturação que os faz perceber seus próprios hábitos e padrões com estranheza e os leva a

aspirar valores da cultura dominante sem que haja condições de concretizar tais aspirações,

assimilando uma identidade desvinculada da sua realidade”.

1.3 - APRENDIZAGEM E EDUCAÇÃO

De acordo com PAIM (1985), o processo de aprendizagem se inscreve na

dinâmica da transmissão da cultura, que constitui a definição mais simples da palavra

educação. Podemos atribuir a esta última, quatro funções interdependentes:

a) Função mantenedora da educação – ao reproduzir em cada indivíduo

o conjunto de normas que regem a ação possível, a educação garante a perpetuação da

espécie humana. De fato, se a continuidade do comportamento animal está inscrita em sua

maior parte na disposição genética, a continuidade da conduta humana se realiza através da

aprendizagem, de tal maneira que a instância ensino aprendizagem permite a cada

indivíduo, pela transmissão das aquisições culturais a vigência histórica da mesma.

b) Função socializadora da educação – a utilização dos utensílios, da linguagem, do

habitat, transformam o indivíduo em sujeito. Partindo de tal afirmação, na realidade a

educação se responsabiliza pelas modalidades destas ações. O indivíduo, na medida em

que se sujeita a tal legalidade, se transforma num sujeito social e se identifica com o

grupo que ele se submete ao mesmo conjunto de normas.

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c) Função repressora da educação – a educação garante também a sobrevivência do

sistema que rege uma sociedade constituindo-se como aparelho educativo, em

instrumento de controle e reserva cognoscível, com o objetivo de conservar e

reproduzir as limitações que o poder lhe atribui na realização de seus projetos sócio-

econômico.

d) Função transformadora da educação – as contradições do sistema produzem

mobilizações primariamente emotivas, que aqueles procuram canalizar mediante

compensações regulares. No caso da alfabetização, um dos aspectos críticos no sistema

educacional, é sustentado num sistema opressivo baseado na visão capitalista de

eficiência e consumos brasileiros.

Sob tal ótica, o sujeito que não realiza nenhuma das funções sociais da

educação, implicando o fracasso da mesma. A Psicopedagogia como técnica da condução

do processo psicológico da aprendizagem, pode contribuir em sua práxis, trazendo com seu

exercício o cumprimento de ambos fins educativos. Segundo PAIM (1985):

“A Psicopedagogia adaptativa, preocupada em fortalecer

os processos sintéticos de ego e facilitar o desenvolvimento

das funções cognitivas, pretende colocar o sujeito

no lugar que o sistema lhe designou”. (p.12)

De acordo com a experiência no âmbito psicopedagógico,

verifica-se que à escola caberia reformular a metodologia utilizada a fim de atender às

necessidades de sua clientela, bem como investir na capacitação do professor primário,

já que as queixas apresentadas em relação ao aluno contradizem o potencial cognitivo

que cada um apresenta.

Nesse sentido, PAIM (1985) tem apoiado as atividades de experiência que

se relaciona com as alternativas citadas abaixo:

– Aparência do aluno (gerando rótulos de deficiência mental).

– Desajuste de comportamento.

– Apatia, inibição.

– Falta de atenção e concentração.

– Insegurança.

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– Distúrbios de aprendizagem.

e) Função da avaliação da aprendizagem – auxilia a construção da aprendizagem

satisfatória, porém, como ela está centralizada nas provas e exames, secundária o

significado do ensino e aprendizagem como atividades significativas em si mesmas e

sobrestima os exames. Pedagogicamente, a avaliação na aprendizagem, na medida em

que esteja polarizada pelos exames não cumpre a sua função de subsidiar a decisão da

melhoria da aprendizagem.

1.4- A EXPERIÊNCIA DO CENTRO MUNICIPAL

DE EDUCAÇÃO ESPECIAL PAUL HARRIS

COM O TRABALHO DESENVOLVIDO NAS

SALAS DE RECURSOS.

A fim de clarificar para os professores sobre os objetivos básicos do

atendimento em salas de recursos, a instituição incluiu em seu calendário escolar o projeto

“Seminário em Educação” que desde 94, vem acontecendo anualmente com a explanação

de palestras relacionadas a Psicopedagogia e à Educação Especial e suas diferentes áreas

de atuação.

A participação e interesse dos professores das Escolas da Comunidade têm

sido gratificante possibilitando assim uma intervenção psicopedagógica-preventiva, o que

vem sensivelmente diminuindo os encaminhamentos dos alunos para a Instituição. O

atendimento nas salas de recursos da Escola Municipal de Educação Especial Paul Harris,

de acordo com a sua clientela, funciona da seguinte forma:

• alunos portadores de dificuldades de aprendizagem, principalmente na leitura e no

raciocínio lógico. O atendimento é realizado em grupo (5 alunos) com 3 sessões

semanais, de acordo com a faixa etária e a área do conhecimento mais defasada.

• atendimento individualizado a alunos que apresentam dificuldades de adaptação ao

grupo (condutas típicas), porém condições de escolaridade. O trabalho é desenvolvido

por um professor, com formação em psicologia e o objetivo é adaptação dos alunos a

um trabalho de escolaridade, inserindo-o num grupo posteriormente, dependendo do

quadro apresentado.

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• atendimento a alunos portadores de necessidades educativas especiais de nossa

instituição: surdos, deficientes mentais que apresentem condições de atingir o processo

de alfabetização, apesar de suas limitações e estejam incluídos no Ensino Fundamental,

como assegura a Lei de Diretrizes e Bases “Escola Inclusiva” n° 9394/96.

Um dos aspectos que tem sido objetivo do estudo com os professores

envolvidos é diferenciar o fracasso escolar da deficiência mental.

Nem sempre é fácil para o professor a compreensão desta diferença, visto

que, recebe-se freqüentemente alunos rotulados como deficientes mentais que são na

verdade, produzidos pelo fracasso escolar como é apontado por PATTO (1993).

A avaliação ocorre através de observação constante do aluno, produção

de atividades pedagógicas, análise do ECRO grupal e individual, que são registrados

através de RELATÓRIOS BIMESTRAIS. Tais relatórios são lidos e discutidos durante os

conselhos de classe com a participação da equipe interdicisplinar. Também acontecem

periodicamente os Estudos de Casos, onde determinados alunos que apresentam problemas

mais agravantes a nível cognitivo ou emocional, a equipe visa buscar alternativas imediatas

visando a readaptação do aluno, devido às experiências adquiridas com alunos repetentes,

suas dificuldades à nível cognitivo e afetivo, houve interesse em aprofundar os

conhecimentos relacionados ao tema e teóricos como FERREIRO, PATTO, FERNANDEZ

entre outros que vêm contribuindo significativamente, conscientizando os profissionais de

Educação de que a repetência é gerada basicamente por fatores sociais e que todo

educando tem direito à escolaridade, apesar das limitações apresentadas.

1.5 - RESGATANDO A CRIANÇA COM

DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM

É apontado por VISCA (1987) a questão: Nos povos pré históricos e

agrafos , menos quando alguns de seus membros podiam ter condições para sê-lo , não

havia aléxicos, disléxicos, descaligráficos, etc..

Pode-se perceber que, à medida que o homem evoluiu, aumentaram suas

necessidades, levando-o a responder a elas de diversas maneiras. A partir da revolução

industrial e da lei da obrigatoriedade escolar (Estados Unidos e França), houve necessidade

de agrupar criança com diferentes classes, para que pudesse haver uma sistematização do

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ensino. Surgem, assim, os testes de inteligência e, com sua aplicação, a verificação de que

não existem somente dois grupos distintos (com retardados e sem retardados), mas uma

gama enorme de capacidades individuais. Nessa gradação, alguns indivíduos apresentam

dificuldades de aprendizagem, fato que deu início às pesquisas com essa população

marginalizada e necessita de mais compreensão e melhor atendimento.

A história da educação no Brasil não sofreu influência das revoluções

liberais do século XVIII. Durante cerca de séculos, as iniciativas governamentais no

âmbito da educação especial foram isoladas e, praticamente, restritas aos deficientes físicos

e sensoriais e às pessoas assistidas pela psiquiatria. Sentindo cada vez mais a

obrigatoriedade de mobilização, profissionais, familiares e comunidades ligadas a esse tipo

de problema foram organizando para criar serviços de atendimento às pessoas com

necessidades especiais. Surgiram então, as sociedades Pestalozzi e as APAEs, cujo

objetivo maior é atender os portadores de deficiências.

Em 1971, a Lei 5692 (que fixou novas diretrizes e bases para o ensino de

primeiro e segundo graus) estabelecendo um sistema educacional dotado de ampla

flexibilidade, criou condições favoráveis para o atendimento às diferenças individuais dos

educando, prescrevendo inclusive, seu nono artigo, um tratamento especial para os

excepcionais. Que diferenças seriam essas? Não seriam certamente as encontradas em

crianças portadoras de deficiência visual, auditiva ou mental. Supomos que sejam as

diferenças encontradas em crianças que, de alguma maneira, fogem do padrão da turma em

que estão inseridas.

Buscamos, na teoria, os subsídios necessários para fundamentar a nossa

visão sobre a criança com dificuldade de aprendizagem. Realizamos, então, uma pesquisa

de campo, com dados levantados a partir dos questionários respondidos por equipes de

direção e professores de diferentes escolas, buscamos traçar o perfil da criança com

dificuldade de aprendizagem.

1.6- O FRACASSO ESCOLAR NA PERSPECTIVA

DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

Para analisarmos a situação atual das escolas de 1o grau efetuamos algumas

entrevistas com alguns profissionais da área e constatamos, de acordo com os seus relatos,

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que, apesar do esforço de alguns, a prática educacional pode ser considerada como injusta

e inadequada.

Apesar de serem escolas de periferia, a clientela apresentada é bastante

diversificada, com crianças oriundas de classes de níveis sócio-econômicos baixos e

médios.

A idade dos profissionais entrevistados varia de 27 até 45 anos e a formação

profissional dos mesmos é de curso superior completo, sendo que apenas um dos

entrevistados tem superior incompleto. Do total dos entrevistados, apenas dois participam

de cursos de estudos contínuos e/ou aperfeiçoamento. Os demais alegaram falta de

oportunidade. Como declara a professora JOANA:

“Atualmente existem poucos cursos para a gente se reciclar,

acho que esqueceram que professor existe...”

De acordo com a entrevista, constatamos que os alunos que apresentam

dificuldades de aprendizagem são mantidos em salas especiais. Os entrevistados apontaram

como características desses alunos a lentidão, a carência (inclusive afetiva), os distúrbios

de conduta, a agressividade, ciúmes, egoísmo, distúrbios neurológicos, nervosismo e falta

de auxílio e interesse da família.

Analisando essas características, podemos verificar que algumas delas são

próprias de suas idades, como ciúmes, egoísmo e carência.

Os alunos que freqüentam salas classificadas como de bom rendimento

também são padronizados, apresentando como características a facilidade de assimilação, a

falta de dificuldade de aprendizagem, o auxílio da família e têm bom nível sócio-

econômico. De acordo com a supervisora KÁTIA, os alunos que não freqüentam a sala

especial “são os alunos normais que não têm dificuldade nenhuma e assimilam

corretamente os conteúdos.”

A professora HELOÍSA afirma:

“O vocabulário deles é muito bom, e isto eu acho que ajuda

muito mesmo. Até a postura deles é diferente. Eles têm mais

facilidade de escrever, de contar coisas da vivência deles,

que é uma vivência melhor.”

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Apesar disso, as crianças das diferentes classes apresentam alguns pontos

comuns: têm os mesmos gostos por brincadeiras e assuntos, o carinho demonstrado com os

professores, a agitação, o comportamento, etc.

Os entrevistados relataram que, do início do ano até a data da entrevista,

ocorreram mudanças no comportamento dos alunos de ambas as classes, tanto para melhor

quanto para pior. Vejamos o que diz a professora MARLI:

“Houve mudanças para melhor, mas tenho um aluno que

até hoje não se adaptou e está caindo, tanto no

comportamento quanto na aprendizagem, mas é porque

há sérios problemas na casa dele.”

Os profissionais entrevistados acreditam que a separação em salas especiais

e em sala de fraco, médio e alto rendimento é necessária e as justificativas foram:

1) o fato de as turmas serem menores possibilita o atendimento individual dos alunos;

2) ao perceber que o colega está assimilando os conteúdos com facilidade, a criança que

apresenta dificuldades se sente inibida;

3) ao trabalhar com uma sala com vários tipos de alunos, o professor encontra

dificuldades e seu trabalho não tem rendimento.

Alguns professores julgaram inadequada a separação dos alunos em classes

diferenciadas. Alegaram que, numa sala com vários tipos de alunos, há a possibilidade de

troca, de ajuda entre os mais fortes e mais fracos e isso estimula a criança a se superar.

Ao descreverem a dinâmica adotada em sala de aula, os professores em

questão apresentaram pouca variação nas respostas. Trabalham com música,

dramatizações, trabalhos manuais variados, material concreto, atividades desenvolvidas no

pátio e alfabetizando o método de leitura eclético.

O programa é o mesmo para ambas as salas, porém o planejamento é

diferente, pois as atividades são adaptadas a cada sala. Como cita a professora LÚCIA:

“Cada tipo de sala tem variação de prática e de

planejamento, já que uma caminha rápido e outra bem

devagar; logo, para não prejudicar a criança tem que ir de acordo com a necessidade dela.”

Os critérios para a formação das salas variaram: em uma das escolas foi

feito um rodízio de professores no início do ano, na outra foi feito um teste de sondagem

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elaborado pela supervisora e orientadora (em uma escola) e pelas professoras (em duas

escolas) e, a partir dos pontos obtidos pelas crianças, as classes foram formadas.

A avaliação dos alunos é feita através de provas bimestrais e da avaliação

contínua (diária e constante das atividades em sala de aula).

Em uma das escolas, a professora utiliza somente as provas como avaliação.

“Temos o processo de etapas, da 1a até a 4a, quem venceu

uma passa para a outra e é a prova bimestral que vai

mostrar isso. No final do ano além do somatório das notas,

tem teste de leitura e de fatos, feitos pela supervisora ou

outro profissional da escola, quando não tem supervisora.”

Profª: MARTA

1.7- CONTRAPONDO: LITERATURA & DISCURSO

DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

De acordo com os relatos, podemos observar que nas turmas consideradas

fortes há predomínio de crianças de nível sócio-econômico melhor e nas turmas

consideradas fracas, predominam crianças com nível sócio-econômico baixo. Existe um

grande preconceito em relação a esse assunto: só a família de nível sócio-econômico

desfavorecido é considerada desinteressada; vejamos o que diz um profissional:

“Não recebem o auxílio da família; mesmo sendo

consideradas de bom nível, porque os pais vivem correndo,

já que trabalham.”

Prof.a :MARLI

O preconceito tem na escola, ramificações bem extensas, porque não é só

em relação ao auxílio da família que ele é notado, fato também observado por ANDRÉ

(1990), em sua pesquisa. O nível sócio-econômico-cultural leva a pré-julgamentos, pois se

as crianças são das classes favorecidas elas são consideradas mais bonitas, com boa

postura, mais saudáveis. Aprendem mais rápido, têm mais interesse e participam mais das

aulas. Há preconceito nestas opiniões, já que, obviamente, crianças das classes favorecidas

serão mais saudáveis, uma vez que se alimentam melhor do que outras. Mas, relacionar a

aprendizagem à beleza física não tem fundamento nenhum como PATTO (1990), MOISÉS

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(1989), COLLARES (1989) e BAETA (1989) destacaram. Uma criança que é discriminada

pelo seu nível sócio-econômico-cultural dentro de uma sala, logicamente só poderá

apresentar desinteresse e pouca participação nas aulas. O oposto também é verdadeiro: ou

seja, crianças que são valorizadas dentro da sala correspondem, tanto no interesse e

participação nas atividades, quanto no desenvolvimento da aprendizagem. A professora

ANA relatou o caso do aluno que veio de sala especial: teve um desenvolvimento grande

em sua sala e foi assim, para a sala mais “forte”. Ela disse:

“Tive que brigar e depois passar por cima da supervisora

e da orientadora que não acreditavam que essa criança

se sairia bem na sala considerada melhor.”

A boa expectativa da professora, que, inclusive lutou por ele, pode ser o

motivo que fez com que se concretizasse o desenvolvimento previsto.

O preconceito em relação ao nível sócio-econômico-cultural é visível

também quando professores comentam sobre a maneira como algumas crianças se

alimentam e não sabem, inclusive, como usar o banheiro. O modo de se alimentar não é

visto como algo idiossincrásico, mas como algo que precisa obedecer a um padrão.

Vejamos: comer depressa ou devagar, muito ou pouco, com sofreguidão ou calmamente é

uma idiossincrasia, além de estar relacionado com o ter fome. Como, por exemplo,

crianças que, nas palavras da professora CATARINA, “comem o que conseguem na feira,

isto na quarta-feira, o resto da semana só Deus sabe!” podem chegar na escola e

transformar o horário da merenda em atividade, digamos, de boas maneiras? Isto pode

acontecer com aqueles que, várias vezes ao dia, se alimentam. Ou como saber usar um

banheiro, se muitas vezes em suas casas não há banheiro...? Esta situação nos remeteu a

WALLACE (9 anos), nosso aluno há alguns anos e que morava à beira de um ribeirão, o

qual invadia sua casa com qualquer chuva: “Não dei descarga porque não sei; depois eu

estrago aquilo, eu não!”

A língua que o aluno fala é motivo de preconceito, já que é vista como

imprópria para se alfabetizar. A língua das classes privilegiadas é considerada a correta,

mas a questão relevante é que ela precisa ser aprendida, pois há necessidade de se falar a

língua da classe dominante para ter instrumento de luta e ascensão social. As classes

populares também falam uma língua, pois ela expressa as idéias de quem fala. Os

profissionais entrevistados não comungam das idéias de CAGLIARI (1991), já que

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acreditam na necessidade de se falar a língua “corretamente” para alfabetizar-se. Assim,

para os profissionais os alunos falam errado, e não aceitam esta língua como um registro

diferente da própria língua que falam. O professor GERALDO explicou assim:

“Preciso trabalhar a fala destas crianças; para aprender aler tem que falar direito, senão não dá! Eles não falam, por

exemplo, o rr, lh, nh, br e quando falam... é correndo... não

falam pausadamente.”

Falar depressa ou devagar é uma idiossincrasia, ou seja, falar de uma ou de

outra maneira não determina se a criança irá se alfabetizar ou não. Assim como o modo de

falar certos encontros consonantais, de acordo com os exemplos do professor, está mais

relacionado à cultura do falante, que mais uma vez não é levada em consideração. A

professora Janice priorizou o bom vocabulário das crianças das classes privilegiadas como

fator importante para a aprendizagem da leitura e da escrita: “O vocabulário deles é muito

bom, e isto, eu acho, que ajuda muito mesmo!” O conhecimento lingüistico que cada

criança desenvolveu é limitado pelo modelo de uma cultura diferente e que, portanto, ela

não utiliza, não por ser incapaz, mas por não conhecê-la. Mas, cada criança faz uso, isto

sim, de habilidades lingüisticas que desenvolveu e que as utiliza no momento que

considera apropriado como nos explica CAGLIARI (1991) e SOARES (1989), só que

somente as habilidades lingüisticas das crianças das classes privilegiadas são consideradas

como pertinentes pela escola.

Realmente, como nos mostra autores como COLLARES (1989), PATTO

(1990) e MOYSÉS (1989) a medicalização é identificada pela escola em todos os

momentos, já que assim não há necessidade de grandes explicações. Ao colocar a culpa

num problema médico, a escola não precisa se preocupar mais com aquele caso, porque os

problemas de saúde não são resolvidos pela escola. Certos profissionais exemplificam

vários casos de problemas médicos em suas entrevistas:

“São crianças também com problemas neurológicos e que

tomam remédio controlado; como um aluno que temos. Ele

já passou pelo médico, pelo psicológico e foi constatado que

ele tem grandes problemas emocionais e afetivos – o pai é

alcoólatra – sendo uma criança agitada, nervosa,

desconfiada.”

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Supervisora RITA.

“São crianças com distúrbios neurológicos; uns com disritmia

mais acentuada, outros menos acentuada. Tem uns que não

tem disritimia, mas são nervosos, pois são na maioria filhos

de alcoólatras, que influi muito; além de serem subnutridos.”

Prof.a :CATARINA.

Mas, notamos que os problemas médicos são apontados porque passou a ser

uma convenção da escola. Alguns profissionais que trabalham diretamente com estas

crianças, acabam observando que os problemas levantados não são obstáculos para o

desenvolvimento delas. A professora CÉLIA, ao falar de uma aluna com problemas

médicos, logo a seguir dá um veredito que acaba com a suposta incapacidade dela: “Até

uma menina que teve uma gestação difícil, toma remédio, teve uma melhora incrível”.

A escola repete conceitos vigentes na sociedade, ao separar as crianças em

salas de fraco, médio e alto rendimento e também especial. Os preconceitos são baseados

na crença de que as crianças das classes populares não são aptas a freqüentar salas de alto

rendimento. As salas de alto rendimento são formadas basicamente pelas crianças das

classes privilegiadas. Tanto que a supervisora SÔNIA colocou:

“As escolas como a nossa, isto é, de periferia e que

portanto atendem à população carente, deveriam

ter mais de uma sala especial.”

Eis as idéias de outros profissionais que sintetizam o que a escola e a

sociedade pensam: “A sala é muito benéfica, inclusive, acho que as crianças deveriam

continuar nela; na seqüência deles lá”. (Professora MARTA). Ou seja, crianças

eternamente separadas e, por extensão, adultos também, é o que se deduz.

“As crianças que não passaram pela sala especial renderiam

mais se não estivessem na mesma sala com aqueles que já

freqüentaram este tipo de sala, não querendo discriminar...”

Prof.a :VILMA.

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A discriminação está arraigada de tal maneira, que mesmo o que separa não

é visto como discriminação. Percebemos isso na resposta de mais da metade dos

professores. A formação de classes homogêneas e os argumentos se basearam no fato de o

professor ficar liberado para trabalhar, pois não precisa fazer atendimento individual

constante e nem ficar voltando no conteúdo, para aqueles que não o entenderam. Neste

sentido, eis o que colocaram dois profissionais:

“É importante a formação de salas heterogêneas porque,

misturando vários tipos de alunos, haverá estímulo;

juntando o ruim com o ruim não haverá estímulo.”

“/.../ Acho que há um maior aproveitamento em salas como a

minha, ou seja, homogênea, porque a diferença entre eles é

mínima; assim o aproveitamento deles é melhor.”

Podemos creditar a falta de conhecimentos sobre salas heterogêneas o fato

da grande maioria dos profissionais não observar benefícios nas mesmas. E mesmo aqueles

que vêem importância nas salas heterogêneas acabam sucumbindo às práticas

segregacionistas que a escola incorpora, para todo o sempre como ideal, imune às críticas.

As críticas são baseadas na dura realidade dos números, que mostram o vergonhoso

fracasso desta política discriminatória. Mas, a escola não muda mesmo quando há

tentativas neste sentido, a supervisora SÔNIA revelou o seguinte:

“Acho que é necessário a separação em salas de fraco,

médio e alto rendimento e também em salas especiais,

apesar deles falarem que as salas deveriam ser

heterogêneas, porque fica dificílimo a professora trabalhar

numa sala numerosa, com todo tipo de aluno.”

O “deles” são os teóricos e/ou autoridades educacionais, a quem os

profissionais da escola têm ojeriza, pois acreditam apenas em quem participa do dia-a-dia

da escola. Não aceitam opiniões de quem está fora da escola, mesmo que já tenham

trabalhado nela, isto porque supervalorizam a prática, que entendem como conhecimento

primordial. Mesmo que seja uma prática calcada em preconceitos e estereótipos, ela é

sempre considerada correta. Se por algum motivo, imposição de autoridade na maior parte

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das vezes, novas estruturas são desenvolvidas pela escola, elas dificilmente serão

absorvidas mas serão, com certeza, moldadas no ranço da velha prática.

Entretanto, qualquer nova idéia é vista pela escola como mais um modismo.

A escola experimenta tudo que lhe é oferecido, com ressalvas, já que veste tudo com

velhas idéias. Caso a experiência não corresponda às expectativas, a escola culpa a idéia

nova e não as velhas práticas que ela se nega, intimamente a abandonar e as tentativas

desenvolvidas na escola ainda são repetitivas, às vezes com o único objetivo de deixar o

aluno ocupado.

As avaliações do desempenho do aluno, de acordo com as entrevistas, têm

como propósito seguir uma burocracia. Isto porque as avaliações (provas) são exigências

dos pais, que querem ver as notas dos filhos. Os filhos, por sua vez, gostam das avaliações

porque a partir das exigências dos pais passaram a acreditar que é o único momento de

mostrar o que aprendem, só querem fazer atividades que “valem nota” e os professores

apoiam todos eles. Desta forma, as avaliações visam mudanças nas estratégias de ensino;

mesmo que muitos alunos não tenham vencido algum objetivo, nada é mudado. Vários

profissionais identificaram as observações diárias (qualitativas) como prática utilizada.

Mas, muito deles acrescentaram que são as avaliações quantitativas que pesam realmente,

ou seja, a burocracia que necessita da nota tirada de uma prova escrita para ser anotada no

boletim é que dita as normas na escola, como salienta PATTO (1990).

Outra prática que a escola utiliza com resultados insatisfatórios é o teste de

prontidão. Os resultados apresentam-se aquém do esperado porque, como disseram os

profissionais entrevistados, vários remanejamentos precisam ser feitos durante o ano.

Logo, os referidos testes não cumprem o papel de “selecionar” com fidedignidade. Mas,

como ser fidedigno se o teste é baseado em cópias e em habilidades consideradas como

pré-requisitos à aprendizagem da leitura e da escrita e, portanto, não levam em conta os

conhecimentos sobre a evolução da escrita trazidos por EMÍLIA FERREIRO, como é

lembrado por PATTO (1990) e como é explicado por GROSSI (1992):

“No construtivismo, não há essa idéia de que tenho um

conjunto de coisas prontas e preciso de um armário, de

determinado tamanho, para guardá-las. Essa é a idéia da

prontidão, ou seja, a alfabetização é um pacote e vou dá-la

de presente às crianças, que são caixas vazias ou as folhas

em branco.” (p. 22)

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Mas, muitas iniciativas da escola, na pessoa dos profissionais da educação,

sucumbem devido à impotência, causada pela falta de incentivo para mudanças realmente

efetivas. É o sistema de trabalho adverso que PATTO (1990) analisa como sendo o lugar

onde o educador sobrevive.

1.8- ESTUDO TEÓRICO

Acredita-se que a dificuldade de aprendizagem seja uma inadaptação da

criança à rotina escolar, à sistematização do ensino ou à aprendizagem sistemática,

decorrente de distúrbios podem ser entendidos como perturbações de ordem orgânica

(biológica ou neurológica), psicológica, pedagógica, sócio-econômica e cognitiva.

Levando em consideração a posição de vários autores, percebemos que não está em jogo

apenas um fato na origem das dificuldades de aprendizagem, mas sim a interação de

diferentes fatores que contribuem significativamente para as causas gerais, determinando o

fracasso escolar.

MC COLLUM (IN Kiguel, 1976) relaciona as causas orgânicas das

dificuldades de aprendizagem a desvios nas funções do sistema nervoso central, tais como

danos específicos do cérebro, fatores hereditários, atrasos no amadurecimento, disfunções

químicas ou falta de dominância cerebral. Esses eventos provocam seqüelas que

determinariam atrasos no desenvolvimento motor, perceptivo e cognitivo que, por sua vez

irão trazer como decorrência dificuldades na aprendizagem escolar, uma vez que certo grau

de integridade e estabilidade psicoafetiva é necessário para que se possa realizar uma

adequada aprendizagem.

Os transtornos emocionais podem ter diversos níveis, compreendendo desde

os distúrbios de conduta até as neuroses mais graves, que podem comprometer

significativamente o desenvolvimento da aprendizagem e determinar o fracasso escolar.

A escola pode contribuir significativamente para o fracasso escolar

vivenciado por algumas crianças. Classes muito numerosas, salas de aula inadequadamente

planejadas, mudança contínua de professores, professores inexperientes ou

insuficientemente preparados, que rotulam precocemente os alunos só pelo olhar. O

professor profetiza os alunos em: “esses alunos vão dar certo; aqueles, não”.

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O que na verdade, por trás do inocente palpite do professor se esconde uma

das práticas mais perigosas e mais comuns exercidas na escola.

Utilização de uma metodologia inadequada, são fatores impeditivos para

que o ensino atenda as necessidades e possibilidades da criança, particularmente a que

inicia o aprendizado escolar.

Segundo ROTTA (IN Kiguel, 1976), em pesquisa que inclui uma

comparação entre os grupos de crianças com dificuldades para aprendizagem e grupos com

bom rendimento escolar, constatou diferenças significativas em relação a condição sócio-

econômica. “Nas classes menos favorecidas há um maior número de crianças com

dificuldades de aprendizagem”. Segundo MUSSEN, CONGER & KAGAN (1977, p.626),

“os pais de classe média superior estão firmemente convencidos do valor da educação

como solução de muitos problemas econômicos, sociais e pessoais”. Em vista disso, esses

pais tendem a demonstrar maior interesse nas atividades escolares da criança,

recompensando de várias formas seu bom desempenho. Em contrapartida, os pais de

crianças de classe social menos favorecida estão mais empenhados em atividades que

visam à satisfação de necessidades básicas para a sobrevivência, para as quais muitas vezes

requisitam seus filhos, deixando de lhes proporcionar modelos de interesses intelectuais e

não os estimulando ao domínio de tarefas de caráter intelectual.

A capacidade de conhecer, de estabelecer relações entre seres animados e

inanimados, de construir e criar novas situações, levam o indivíduo a desenvolver sua

inteligência e, assim, compreender o mundo em que vive. Cabe à maturação do sistema

nervoso central, à experimentação, ao contato social e a equilibração entre estes fatores

uma parcela muito grande dessa engrenagem. Uma falha nesse sistema complexo pode

acarretar dificuldades para a aprendizagem sistemática. No entanto há autores, como

KLINE (IN Kinguel, 1976), que afirmam não existirem crianças com dificuldades para a

aprendizagem, mas um sistema que falha em ensinar.

Criança com dificuldade de aprendizagem não constituem um grupo

homogêneo. Entretanto, algumas características são descritas com maior freqüência pela

quase unanimidade dos autores. São elas: dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia,

hiperatividade, falhas na atenção, falhas na memória, distúrbios perceptivos, alterações na

motricidade e fatores emocionais. Todas essas características não devem ser vistas

isoladamente. Os estudiosos do assunto se dividem em dois grupos: alguns acreditam que

os transtornos emocionais apresentados por crianças com dificuldade de aprendizagem são

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as causas do fracasso escolar, enquanto outros defendem a hipótese de que a problemática

emocional é conseqüência do fracasso.

Para agravar o quadro, as crianças com dificuldades de aprendizagem são

freqüentemente chamadas “preguiçosas” e, como conseqüência, tem-se um quadro de

desinteresse pelos estudos, de recusa à execução de tarefas, de falta às aulas, além de

agressividade.

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CAPÍTULO II

OS CONTEXTOS CULTURAIS DA APRENDIZAGEM

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OS CONTEXTOS CULTURAIS DA APRENDIZAGEM

A evasão e o fracasso escolar aparece alternativamente como fracasso dos

indivíduos, fracasso de classe social ou fracasso de sistema social, econômico e político

que pratica uma seletividade sócio-econômica indevida. Através de tais afirmações

pretende-se explorar uma outra alternativa: o fracasso escolar e o fracasso da escola.

Os estudiosos da chamada privação cultural ou dos “indivíduos

marginalizados” apontam a existência das mais variadas deficiências entre as crianças de

ambientes desfavorecidos, deficiências estas que são tanto de natureza cognitiva como de

ordem afetiva e social. A criança, produto da privação cultural demonstra deficiências nas

funções psiconeurológicas, bases para a leitura e matemática, conceitos básicos, operações

cognitivas e linguagem, um autoconceito pobre, sentimento de culpa e vergonha,

problemas familiares, desconhecimento de sua própria cultura, etc... para mencionar

apenas algumas das deficiências encontradas. Essa posição resulta da convicção de que os

processos psicológicos desenvolvem-se em função da experiência nos primeiros anos de

vida; sendo que as crianças de ambientes culturalmente deficitários careciam dessas

experiências cruciais. Paralelamente, muitos dos pesquisadores interessados nesta questão,

lembram ainda da importância de fatores de ordem biológica, como a nutrição (PATTO,

1973) e saúde nos primeiros anos de vida, cuja influência também levaria a resultados

negativos no desenvolvimento dessa mesma criança, uma privação cultural e os problemas

de alimentação e saúde tendem a ocorrer com maior gravidade e freqüência na mesma

faixa da população. Esta abordagem ao problema do fracasso escolar pela atribuição de

deficiências aos indivíduos que fracassam não constitui sempre uma generalização

grosseira relativa a todas as crianças de classe baixa. Recentemente, tem-se procurado

salientar a importância de uma análise do rendimento escolar em função das características

individuais de familiares pertencentes à mesma classe social, sem se levar tanto em

consideração os estereótipos criados pelo modelo que enfatiza as deficiências da classe

social baixa, haja vista a existência de alunos que, não obstante pertencerem a essa classe,

têm bom rendimento escolar. Nesta Segunda versão, a abordagem das deficiências

resultantes da privação cultural continua, pois, atribuindo importância decisiva a certas

experiências particulares, porém dissocia, até certo ponto, classe social de privação

cultural, de tal modo que apenas aqueles indivíduos da classe baixa sofressem de fato da

“Síndrome da privação cultural” estavam fadados ao fracasso escolar.

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O problema é colocado de forma um pouco diferente por aqueles que

atribuem o fracasso escolar à classe social. A atribuição de deficiência das mais diversas

naturezas aos membros da classe baixa não é uma questão de importância dentro deste

ponto de vista. No entanto, os proponentes desta análise acreditam que a situação social e

econômica das classes baixas é tal que os membros dessas classes não valorizam a

educação, pois não lhe atribuem valor prático e não podem permitir a seus filhos o “luxo”

de uma educação prolongada diante de sua necessidade de empregá-los precocemente para

contribuir no sustento da casa. O fracasso escolar não seria, pois um fracasso real, uma vez

que só quem almeja determinado objetivo pode fracassar em alcançá-lo. A desvalorização

da aprendizagem escolar ao lado da valorização do trabalho seria consistente como o

desempenho afetivo dos membros da classe baixa, os quais são “vítimas” da evasão e do

fracasso escolar apenas aos olhos dos outros. Para estes indivíduos, na luta pela

sobrevivência são obrigados a abandonar seu próprio sustento.

Finalmente o terceiro tipo de análise proposta para o fracasso escolar, a

seletividade do próprio sistema, deve ser mencionado. De acordo com essa visão do

fracasso escolar, as escolas constituem aparelhos ideológicos do Estado, reproduzindo a

estrutura de classes existentes através da difusão da ideologia da classe dominante e da

manutenção da classe nos níveis educacionais inferiores. Assim, o próprio sistema

educacional obstrui as vias de acesso da classe baixa à educação formal, eliminando a

possibilidade de que seus membros possam resolver por si próprios os problemas sociais e

econômicos que enfrentam em decorrência da hiper urbanização. Os colégios particulares

são um privilégio das classes dominantes, enquanto os colégios da rede pública servem às

classes dominadas: segundo PORTO (1981), estruturação mediante “privilégios

específicos” e atividades delegadas tem lugar, certamente, a parte de cima, isto é, é

determinada por aqueles que detém o poder e, conseqüentemente, o domínio. É um

processo que tem sua origem no topo e alcança a base da sociedade.

A possibilidade de que o fracasso escolar não represente o fracasso do

indivíduo da classe social ou do sistema social, econômico e político mas, sim, o fracasso

da própria escola, já tem sido considerada por alguns, embora não possamos dizer que esta

conclusão tenha sido claramente apresentada na forma em que é concebida. Considera-se

que o entusiasmo pela noção de privação cultural nos meios educacionais resultou do fato

de que tal conceituação do problema consista numa explicação razoável para uma situação

embaraçosa e, ao mesmo tempo, liberava os educadores da responsabilidade de estarem

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envolvidos com uma escola incapaz de produzir resultados. Para determinar o fracasso

escolar, uma explicação de fundo social, muito mais ampla e apontando para um só

culpado: o aluno que vem de uma família pobre e, portanto, despreparado para os padrões

exigidos pela escola; seria essa a razão do fracasso.

A instituição escolar, seus valores, seus métodos, seus critérios, sua didática

e sua organização continuam fora do debate.

As experiências desenvolvidas com alunos na E. M. Presidente Castelo

Branco e as experiências desenvolvidas em sala de recursos com alunos repetentes no C.

M. E. E. Paul Harris apontam a escola como geradora do fracasso escolar, na maioria dos

casos, considerando-se os relatos dos pais, do currículo e metodologia utilizada.

2.1 COMO CONSTRUIR ALFABETIZAÇÃO

DE MELHOR QUALIDADE

Segundo FERREIRO, o processo de aquisição da língua escrita não pode ser

considerado um processo natural e espontâneo no qual o professor se limita ser um

espectador passivo, bastando rodear a criança de livros para que ela aprenda sozinha. É um

processo difícil para ela, porém não mais difícil que outros processos de aquisição de

conhecimento. É um processo que exige ter acesso a informação socialmente vinculada, já

que as propriedades da língua escrita só podem ser descobertas através de outros

informantes e da participação em atos sociais onde a escrita seja utilizada para fins

específicos. Não é um processo linear, mas um processo com períodos preciosos de

organização, para cada um dos quais há situações conflitantes que podem ser antecipadas.

Este conflito cumpre um papel construtivo no processo (não qualquer conflito, mas alguns

muito específicos); é crucial o trabalho do professor na identificação da natureza das

dificuldades que se apresentam, algumas das quais representam problemas que devem ser

enfrentados pelas crianças. A escrita lhes apresenta desafios intelectuais, problemas que

devem ser resolvidos precisamente para que elas possam entender quais são as regras de

construção interna do sistema.

Segundo MOUSSATCHÉ (1990), anteriormente o aluno era visto como o

receptor de um conhecimento de fora para dentro e, atualmente, é visto como sujeito

(aluno) construtor do conhecimento.

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Cabia ao professor, antes, a responsabilidade pelo ensino e pelo saber em

sala de aula; agora ele deve dividir, centrar sua atenção nas transformações que ocorrem

com o educando.

E a alfabetização, como seria percebida a partir deste momento?

O primeiro impasse a se transpor diria respeito à expectativa que o próprio

termo provoca, isto é, alfabetização tida como PRODUTO. Se refletirmos um pouco sobre

a evolução da marcha da fala e, mesmo, do desenho infantil, reconheceremos a enorme

compreensão que existe na evolução desses comportamentos por parte dos familiares.

Estes, não poupam sorriso de alegria e afetividade durante os primeiros passos, as

tentativas da fala e as variadas realizações.

Na escola, essa compreensão não pode ser substituída pelo início de

avaliação do aluno, traduzindo por respostas CERTAS ou ERRADAS. Em muitos casos, o

processo de avaliação contribui para produzir o fracasso escolar.

Os professores elaboram suas “provas” para “provar” os alunos e não para

auxiliá-los na sua aprendizagem; por vezes, ou até, em muitas vezes, elaboram provas para

“reprovar” seus alunos.

O uso de avaliação da aprendizagem para o disciplinamento social dos

educando se dá com a utilização das provas, não tendo significado com os conteúdos

escolares.

A semelhança da marcha da fala e do desenho, a escrita infantil segue sua

lógica e sua evolução, isto comprovado através de pesquisas desenvolvidas por

FERREIRO.

É necessário que se formem professores com sólida fundamentação teórica

que lhes traga autonomia suficiente para distinguir modismo de experiência fundamentada.

Com esta proposta surge uma nova era, deixando para o passado algumas

valorizações como: alunos copistas, textos significados, ditados meramente avaliativos,

letras bonitas e professores entrados no sucesso do produto. Surge então, uma nova práxis

pedagógica onde o professor será o facilitador do processo de aprendizagem.

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2.2- RAÍZES HISTÓRICAS DA CONCEPÇÃO SOBRE

O FRACASSO ESCOLAR : O TRIUNFO DE UMA

CLASSE E SUA VISÃO DE MUNDO

As idéias atualmente em vigor no Brasil a respeito das dificuldades de

aprendizagem escolar (dificuldades que, todos sabemos, se manifestam

predominantemente entre crianças dos segmentos mais empobrecidos da população) têm

sua história. Quando tentamos reconstituí-la, percebemos rapidamente que para entender o

modo de pensar às coisas referentes à escolaridade vigente entre países do leste europeu e

da América do Norte durante o século XIX; é visível que os primeiros pesquisadores

brasileiros que se voltam para o estudo destas (e que imprimiram um rumo duradouro ao

pensamento educacional no país) o fizeram baseados numa visão de mundo que se

consolidou nesse tempo e nesse espaço.

Quando falamos em visão de mundo trazemos à tona a questão da natureza

das idéias: serão elas resultados de “puro esforço intelectual, de uma elaboração teórica,

objetiva e neutra, de puros conceitos nascidos da observação científica e da especulação

metafísica, sem qualquer laço de dependência com as condições sociais e históricas” ou

“são, ao contrário, expressão destas condições reais? As idéias explicam a realidade

histórica e social ou precisam ser explicadas por elas?” Quando um professor com

fundamentação teórica elabora uma explicação do mundo, ele está produzindo idéias

verdadeiras que nada devem à sua existência histórica e social ou está realizando uma

transposição inventária para o plano das idéias de relações sociais muito determinadas?

Partindo do modo materialista histórico de pensar esta relação é que

afirmamos a necessidade de conhecer, pelo menos em seus aspectos fundamentais, a

realidade social na qual se engendrou uma determinada versão sobre as diferenças de

rendimento escolar existente entre crianças, quer a certeza cientificamente fundadas sobre

a pobreza e seus reveses, entre os quais se inclui a dificuldade de escolarizar-se.

Realizar esta tarefa requer, além do retorno a que nos referimos, um

contorno, de natureza epistemológica, que possibilite captar o que esta realidade social é

(incluindo o entendimento do que é a ciência que nela se faz), a partir e além do que ela

parece ser. Nesse retorno, é inevitável o encontro com o advento das sociedades industriais

capitalista, dos sistemas nacionais de ensino e das ciências humanas, especialmente da

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psicologia. Esse contorno, por sua vez, permite captar a essência do modo de produção

capitalista e das idéias produzidas em âmbito, condição necessária para que se faça a

crítica destas idéias. Sem qualquer intenção de resumir à história do século XIX ou de

reproduzir a análise materialista histórico do modo capitalista de produção, propomos a

elaborar um quadro de referências históricas sociológicas apenas suficiente para

encaminharmos uma reflexão a respeito da natureza das concepções dominantes sobre o

fracasso escolar numa sociedade de classes.

2.3- AS TEORIAS CRÍTICO-REPRODUTIVAS E A

PESQUISA DO FRACASSO ESCOLAR

O conceito de dominação, nem sempre pode ser aprendido em sua essência,

ou seja, como contrapartida cultural da exploração econômica inerente a uma sociedade de

classes regida pelo capital e passou a ser usado freqüentemente com o mesmo sentido a

histórico como era entendido na literatura educacional norte-americana dos anos sessenta,

isto é, como imposição cultural da maioria a grupos minoritários ou como imposição dos

valores da classe bem sucedida à classe mal sucedida no contexto urbano, por intolerância,

moralismo ou inadvertência de subculturas distintas da sua sociedade inclusiva.

Via de regra, a dominação passou a ser entendida como um desencontro

entre dois segmentos culturais distintos que resultava na agregação dos grupos e classes

mais pobres, supostamente portadores de padrões culturais completamente diferentes dos

padrões da classe média. As diferenças culturais eram atribuídas às “diferentes condições

de vida das classes que então se acreditava constituir os pólos da dominação, a classe

média e as classes populares. Diferentes condições de vida levariam a posturas e valores

diferentes, embora pertencendo ao mesmo contexto urbano”.

Como os determinantes sociais estruturais das condições diferentes de vida

não eram explicitados a existência de relações de produção calcadas na exploração, de

interesses inconciliáveis de classes antagônicas, concepções indispensáveis para o

atendimento da dominação cultural , ficam omitidas e estas pesquisas passaram a vincular

uma interpretação do papel social da escola em total desacordo com a arquitetura

conceitual da teoria que lhes servia de inspiração. Assim, a violência simbólica perdia seu

significado de instrumento ideológico para transformar-se em processos de socialização,

equivocada quanto aos meios impositivos, mas válidos enquanto fim, ou seja o de criar

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“um substrato comum entre as classes ou grupos sociais permitindo certa mobilidade entre

tais grupos ou classes sociais.

A partir de uma interpretação funcionalista dessa concepção crítico-

reprodutivista do papel da escola nas sociedades de classes, as primeiras pesquisas

conduzidas com professoras em escolas de periferia, visando caracterizá-las enquanto

"autoridade pedagógica”, apresentavam-nas como profissionais que, de posse de uma

bagagem cultural adquirida “em função de sua participação no modo de vida das camadas

médias da população”, faziam prevalecer, na relação com seus alunos pobres e suas

famílias, “seus próprios pontos de vista”, com o objetivo de “salvaguardar a impressão de

que são profissionalmente componentes”, daí não levaram em conta as experiências e

valores dos alunos de classes menos favorecidas.

Esta leitura diluía o papel social de concessionário da violência simbólica

que ela atribui ao professor, a serviço da imposição de uma visão de mundo legitimadora

de uma ordem social vantajosa para os dominantes. Em outras palavras, arma ideológica

dos dominantes na luta de classes, de condições de sua hegemonia, a dominação cultural

ficou reduzida a um processo de socialização, em princípio positivo, porém mal executado

em virtude de uma insensibilidade das professoras, dada a sua condição de membros da

classe média, a forma de sentir, de pensar e de viver típicas das classes baixas, úteis e

explicáveis no contexto de vida na pobreza mais inadequada a um processo de ascensão

social no contexto urbano-industrial. O objetivo não era, portanto, garantir as classes

subalternas apropriação do saber escolar enquanto instrumento de luta na transformação

radical da sociedade, mas acenar para pobre com a possibilidade de melhoria de sua

condição de vida através de uma melhora de nível social e econômica, estruturalmente

impossível para a maioria.

Desta perspectiva, restava alertar os professores sobre os erros que

cometiam enquanto portadores da cultura de “classe média” e prepará-los para aceitar

padrões culturais supostamente muito diferentes dos seus, tendo em vista encontrar as

condições de ascensão social. Aliás, a ênfase na modalidade social como meta da

escolarização de classes pobres que estas pesquisas continham atestava a comunicação

liberal de que forma alvo as concepções crítico-reprodutivas da relação escola-sociedade

de classes.

Mas, não só a compreensão da luta de classes envolvidas na dominação

cultural padeceu de distorções, além dos equívocos na definição das classes antagônicas e

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do papel de intermediário não consciente desempenhado pelos profissionais de classe

média dedicado à educação escolar, a pesquisa educacional também assimilou o conceito

de capital cultural do filtro da teoria da carência cultural.

A noção de capital cultural foi inicialmente empregada, na pesquisa sobre o

fracasso escolar, como sinônimo de desenvolvimento psicológico consoante com critério

de uma psicologia normativa, segundo a qual todos os resultados de provas psicométricas

situados abaixo da média são considerados indicadores de desenvolvimento deficitário.

Muitos dos pesquisadores que, citando a teoria da reprodução, voltaram sua atenção para a

relação professor-aluno, em busca de sua face impositiva, eram também adeptos da teoria

da carência cultural. Embora teoricamente inconciliáveis, as teorias da carência cultural e

da reprodução estiveram portanto, amalgamadas na literatura educacional dos anos setenta.

Assim, os resultados das pesquisas norte-americanas sobre características

psicológicas dos integrantes das “classes baixas” acabaram convivendo com uma linha de

raciocínio que se queria crítica. Como resultado, e só para mencionar um caso, o

imediatismo e o viver sem regras (duas características freqüentemente atribuídas, nessa

literatura, às populações carentes) foram tomadas acriticamente por pesquisadores

brasileiros como características da clientela das escolas de periferia; como conseqüência, o

trabalho pedagógico, nestas escolas, foi definido com um trabalho dirigido a crianças

inevitavelmente “rebelde, malcriadas, carentes de afeto, apáticas, ladras, doentes, sujas e

famintas e as famílias desestruturadas, ignorantes, desinteressadas”, não havendo como

fugir desta situação, que “se impõem com todo o peso da realidade de que é fruto”,

segundo palavras de um artigo publicado em 1975 e que também se identifica com os

rótulos que são dados aos portadores de necessidade educativas especiais.

Por outro lado, depois de enfatizar a necessidade de levar em conta o

significado sociocultural dos padrões de comportamento dos membros das classes pobres,

os pesquisadores acabavam revelando sua visão estereotipada e negativa ao caracterizar o

aluno que supunha que o professor estava preparando para ensinar, mas que estava ausente

dos bancos escolares: “O preparo pedagógico que recebeu foi todo concebido em função

de um ideal limpo, sadio, disciplinado e inteligente, em suma, preparado para assimilar um

determinado quantum de informações sistemáticas e com condições de aprimorar as

atitudes que traz do ambiente familiar”. Ao fazê-lo, estavam ao mesmo tempo dizendo

como acreditavam ser a criança típica dos bairros periféricos, suja, doente, indisciplinada e

pouco inteligente. Mais uma vez, na história da pesquisa do fracasso escolar das crianças

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pobres, discurso educacional vacilava entre teorias do déficit e a teoria da diferença, com

predomínio da primeira. Mais uma vez, igualmente a produção do fracasso era localizado

na inadequação da escola a esta criança carente ou diferente, daí a grande contribuição dos

fatores intra-escolares na produção do fracasso escolar.

A introdução de um referencial teórico que permitiu fazer a crítica da versão

liberal da relação escola-sociedade de classes, parece não ter sido bem compreendida em

seus conceitos fundamentais.

Tal como aconteceu no âmbito da pesquisa do fracasso escolar baseada na

teoria da carência cultural, uma suposta dificuldade de comunicação entre o professor e o

aluno, causada por diferenças culturais entre eles, foi colocada no centro das aplicações das

dificuldades de escolarização das crianças pobres, inicia-se, então, para elas um processo

de marginalização que é realizado inconscientemente através do desconhecimento total dos

professores (na grande maioria pertencentes à classe média) sobre a população de alunos

com quem estão lidando. Não percebem que essas crianças, muitas vezes, nem chegam a

atender seu vocabulário; desconhece o que elas receberam em casa até a idade de 7 anos;

pressupõem que alunos possuem o mesmo cabedal de experiências de seus filhos e

parentes. Acreditam, ainda, que os valores, idéias e costumes são os mesmos,

principalmente com respeito a educação, à autoridade, aos castigos e recompensa, à

competição, à cooperação e às ambições intelectuais. Na chegada dos anos oitenta, já sob a

influência de uma visão materialista histórica de sociedade, esta suposição continuava

explícita ou implicitamente no centro do pensamento educacional sobre o fracasso escolar

das crianças das classes dominantes.

Embora não diferisse do “modelo de disparidade cultural” veículo pela

literatura educacional norte-americana na década de sessenta, no qual as relações de

classes foram depuradas de seu caráter inevitavelmente antagônico, a leitura da tese de

teóricos interessados na questão que vigorou na pesquisa do fracasso escolar até meados

dos anos setenta, desempenhou vários papéis importantes na mudança do pensamento

educacional no país. Em primeiro lugar, colocou em foco a dimensão relacional do

processo de ensino-aprendizagem, abrindo espaço para a percepção tecnicista de ensino, na

qual a dimensão psicossocial das relações pedagógicas era relegada a um plano secundário.

Em segundo lugar, chamou a atenção a discriminação social presente no ensino, mesmo

que nesse primeiro momento os pesquisadores tenham definido equivocadamente o

interesse em jogos e as classes sociais envolvidas na dominação. Em terceiro lugar, tornou

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mais próxima a possibilidade de educação escolar ser pensada a partir de seus

condicionantes sociais, contribuindo, assim, para a superação do mito da neutralidade do

processo educativo e abrindo caminho não só para uma melhor compreensão posterior das

próprias idéias reprodutivas como para a incorporação de teorias que permitiram inserir a

reflexão sobre a escola numa concepção dialética da totalidade social.

“Em 1976, ao lado do que considerava ser um aperfeiçoamento digno de

notas das pesquisas voltadas para a caracterização psicossocial da clientela da escola

pública de primeiro grau, apontava-se como um dos flancos mais desguarnecidos da

pesquisa sobre a educação no Brasil, o estudo da escola como organização social”. Para

explicá-lo, aventou a hipótese de que “a formação acadêmica dos sociólogos brasileiros,

acentuadamente orientada para análises em nível macroscópio, os leva a considerar tal

cogitação irrelevante em face dos problemas mais abrangentes que os observem. Na

verdade, a estrutura e a dinâmica interna dos grupos propriamente ditos, inclusive a

família, não se apresentam como objetivo digno de interesse”.

No decorrer dos anos setenta, contudo, uma das características distintiva da

pesquisa do fracasso escolar foi a investigação crescente da participação do próprio sistema

escolar na produção do fracasso, através da atenção ao que se convencionou chamar de

fatores intra-escolares e sua relação com a seletividade social operada na escola. Após dois

estudos, e a investigação psicossociológica sobre a produção da excepcionalidade na

escola, os anos setenta foram aos poucos configurando uma nítida tendência nesta direção.

Simultaneamente a um estudo interdisciplinar no qual a coleta e análise dos dados já

priorizavam a produção escolar do fracasso, o ano de 1977 é um marco nesta mudança

importantíssima de enfoque, após tantos anos de predomínio da busca das causas das

dificuldades de aprendizagem escolar em características psicossociais do aprendiz: nesta

época, um grupo de pesquisadores da Fundação Carlos Chagas desenvolveu um conjunto

de subprojetos de pesquisas voltados para a investigação da participação do sistema escolar

no baixo rendimento das crianças dos segmentos sociais mais pobres. Seus resultados

deram ensejo a um novo conjunto de subprojetos dedicados à pesquisa mais detalhada dos

mecanismos intra-escolares de seletividade social de escola, privilegiando a investigação

de aspectos estruturais, funcionais e da dinâmica interna da instituição escolar tais como

pesquisas sinalizam que os resultados obtidos em relação à escolaridade dependem da

elaboração de programas, currículos e criteriosa avaliação.

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Além da ruptura temática, garantida pela atenção renovada a práticas

constitutivas da vida escolar, estes projetos também trouxeram consigo uma ruptura

política, ao superar a concepção liberal sobre o papel da escola, segundo a qual a escola

estaria na vanguarda das mudanças sociais, e ao negar a tese reprodutivista que ao atribuir

à escola um lugar meramente mantenedor da ordem social vigente, resultou numa

dificuldade de percepção de seu papel transformador da estrutura social em vigor. A este

respeito, a apresentação dos primeiro projetos da Fundação Carlos Chagas (1977) era

clara: “Para a elaboração do elenco de subprojetos que se segue, foi necessário uma

primeira tomada de posição teórica, que definisse o ponto de partida dos estudos propostos.

A posição que adotamos não se identifica nem com a crença daqueles que acreditam ser a

educação, por si só, um instrumento para a construção de uma sociedade aberta, nem

também com a posição dos que a encaram com simples reflexos das distorções da estrutura

social mais ampla. Antes a vemos como uma área certamente determinada pelos

condicionantes sociais e econômicos mais gerais, porém ainda contando com um certo

espaço próprio, que lhe permite relativa autonomia na determinação do sentido de sua ação

na sociedade global”.

Demonstrada através de dados secundários, a seletividade social operada na

escola, o passo seguinte constituiu em pesquisar os obstáculos à escolarização das classes

populares. Desta pesquisa resultou um quadro, nada animador, das condições materiais,

administrativas e pedagógicas da escola pública de primeiro grau. De modo geral, estas

várias pesquisas das características estruturais e funcionais da escola oferecida as massas

populares vieram mostrar um quadro resumido. Apesar da extensão da escola às massas

populares desfavorecidas, essa escola não sofreu mudanças significativas em suas

atribuições na produção das desigualdades sociais. No passado, a exclusão atingia os que

não ingressavam na escola; hoje, atinge os que nela chegam, operando, portanto, de forma

menos transparente, vejam-se os altos índices de evasão nos primeiro anos de ensino. A

extensão de oportunidades escolares e transformação do sistema formal do ensino não

produziram, de fato conseqüências mais significativas na situação de classe da grande

maioria de habitantes.

A luta pela melhoria da qualidade do ensino público, que passa pela

necessidade de diagnosticar suas condições de funcionamento, foi retomada, portanto, em

novas bases fisiológicas, a partir da segunda metade dos anos setenta. Ao contrário do que

ocorreu quando da introdução da teoria do sistema de ensino, a ampliação do sistema

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escolar deixa de ser considerada mera ampliação da ação ideológica da escola; os

conhecimentos e habilidades por ela transmitidos passam a ser valorizados como

instrumentos poderosos na luta do povo por seus interesses de classe. Evidentemente, trata-

se de uma posição polêmica, que suscita uma completa discussão a respeito da natureza do

conhecimento científico e suas relações com a ideologia, sobre os conceitos de verdade e

de poder, sobre a cultura popular e suas relações com a cultura erudita, sobre o papel do

professor no processo de ensino, sobre o próprio objetivo da escola, hoje em pleno curso

no meio acadêmico. Se esta discussão escapa aos nossos objetivos, o mesmo não ocorre em

relação ao diagnóstico que, sob a influência desta nova perspectiva teórica, se faz da

situação do ensino e as medidas preconizadas para melhorá-la.

Este conjunto de pesquisas, ao lado de outros estudos isolados levados a

efeito nesta mesma linha na FGV-RJ e no IUPERJ, certamente foi responsável pelo retrato

da pesquisa educacional sobre a evasão e repetência a que chegou um grupo de

pesquisadores do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, no início dos anos

oitenta, após ampla revisão da literatura nacional e estrangeira no período de 1971-1981:

havia uma convergência não só temática das pesquisas brasileiras e estrangeiras sobre o

fracasso escolar, fatores intra-escolares haviam se tornado o alvo mais freqüente das

investigações, mas também das conclusões, a maioria delas apontava a inadequação da

escola à realidade da clientela.

É importante notar que se nos anos de predomínio da teoria da deficiência

cultural os aspectos intra-escolares receberam pouca atenção, e se na vigência da teoria da

diferença cultural a responsabilidade da escola pelo fracasso ficou limitada à sua

inadequação à clientela, à medida que as pesquisas vão desvendando mais criticamente

aspectos da estrutura e do fracasso escolar ter sido superado, ela foi apenas acrescida de

considerações sobre a má qualidade de ensino que se oferece a essas crianças. Neste

sentido, a pesquisa recente sobre o fracasso escolar repete, com algumas exceções, o

discurso fraturado que predominou no período em que vigoraram as idéias esclanovistas,

quando não repete a tentativa de colagem destes discursos afirmando que a escola que aí

está é inadequada à clientela carente.

Diagnósticos da precariedade da escola pública de primeiro grau

continuavam a conviver, muitas vezes no mesmo texto, como a afirmação de que, devido

principalmente a influências externas à escola, as crianças pobres são portadoras de

dificuldades escolares que lhes são inerentes. Assim, se é verdade que a pesquisa da

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situação da escola e do ensino ganhou novo fôlego nos últimos anos, é verdade também

que as afirmações sobre as características da clientela continuam a ser as mesmas dos anos

setenta e imunes, portanto, à crítica da teoria da carência cultural e a resultados de

pesquisas que têm posto em xeque algumas das afirmações medulares que a constituem.

Em texto recente, já produzidos no bojo das rupturas temáticas, teóricas e políticas a que

nos referimos, as três afirmações que se seguem podem ser freqüentemente encontradas

segundo as pesquisas realizadas por PATTO (1993):

a) As dificuldades de aprendizagem escolar da criança pobre decorrem de suas condições

de vida, este pressuposto, bem como várias afirmações derivadas, encontra-se em plena

circulação no pensamento educacional, o que mostra que ainda estamos sob a

influência da teoria da carência cultural, em sua versão que afirma a presença de

deficiências ou distúrbios no desenvolvimento das capacidades e habilidades psíquicas

da clientela. Este postulado tem sido um dos princípios norteadores da maneira atual de

pensar os problemas da escola e sua solução. Em 1979, um artigo dedicado a ressaltar

os determinantes intra-escolares do fracasso escolar das crianças carente afirmava: “Os

currículos escolares são planejados partindo do pressuposto de que a criança já domina

certos conceitos elementares, que são pré-requisitos para a aprendizagem. Isso pode ser

verdadeiro para aquela que, na família, aprendeu esses conceitos; mas não o é para as

que vivem em ambientes culturalmente pobres quanto a conteúdos que são típicos das

classes economicamente favorecidas, embora rico em aspectos que a escola não

costuma valorizar”. A partir desta posição, mais próxima das teorias da diferença

cultural, o mesmo autor divulga, em 1983: “As condições escolares são hoje

mecanismos de seletividades poderosos. Sua natureza e qualidade são de teor tal que

contribuem para o fracasso escolar das crianças de origem social e economicamente

desfavorecido, ainda que grande parte desse fracasso se deva sem dúvida a pobreza

material de que essas crianças são vítimas”, e, mais adiante, na mesma publicação:

“Quando a situação do fracasso na escola ou na sociedade é individualizada e explicada

em termos de traço ou característica de cada qual, aquilo que nesta sociedade é

universal, ou seja, a exploração econômica que produz condições de vida

incompatíveis com desempenho bem sucedido, é transferido para o plano particular”.

Coerente com esta visão, próximas das teorias do déficit, passou-se a defender a

necessidade de “adaptar o ensino á criança cultural e economicamente desfavorecida”,

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de dar- lhe oportunidade de “vencer certas etapas dentro de um ritmo mais lento”. Mas se as

condições de vida destas crianças são incompatíveis com o desempenho bem-sucedido, serão

válidas as tentativas de levá-las ao sucesso escolar através de mudanças na escola, postura

coerente com a priorização dos fatores intra-escolares na explicação do fracasso? Este processo

de seletividade é encontrado até hoje nas salas de aula, desfavorecendo o aluno dos segmentos

mais carentes e principalmente o portador de necessidades educativas especiais.

Em 1981, a literatura sobre o fracasso escolar continuava a registrar a

mesma afirmação que encontramos em meados da década de setenta: o processo idealiza,

mas não encontra nas salas de aulas da periferia um aluno “sadio, bem alimentado, com

uma família organizada e atenta aos seus problemas pessoais e com

prontidão para aprender”, o que equivale dizer que o aluno com que o professor se

defronta, nestas escolas, é doente, mal alimentado, com uma família desorganizada e

desatenta aos seus problemas e sem prontidão para aprender.

Lado a lado com pesquisas que desvendam mecanismos escolares de

produção do fracasso vem crescendo, nos últimos anos, o número de pesquisas que se

dedicam a demonstrar as deficiências cognitivas da criança pobre, tendo como referencial

teórico da teoria de JEAN PIAGET. Em muitos aspectos semelhantes as pesquisas que

fundamentaram a teoria da carência cultural, estas investigações freqüentemente chegam a

conclusões surpreendentes que não só contrariam conhecimentos já acumulados pelas

ciências humanas como também ferem as próprias leis do bom senso: é o caso, por

exemplo, da afirmação segundo a qual estas crianças “não falam língua nenhuma”. Em

outro lugar, fizemos uma análise desta produção com objetivo de problematizar questões

tradicionalmente respondidas de modo afirmativo na literatura especializada: a pobreza

dificulta o desenvolvimento cognitivo e intelectual? A linguagem popular é deficiente? A

interação mãe-criança na pobreza é lesiva ao desenvolvimento infantil? A estimulação

ambiental, nesse meio, é insuficiente para promover o desenvolvimento das capacidades e

habilidades envolvidas na aprendizagem da leitura e da escrita?

Alheia às pesquisas que contrariam as teses que defendem, a literatura atual

ainda revela sinais de forte adesão a estereótipos e preconceitos sociais quando afirma, por

exemplo, que as crianças oriundas das favelas “não se referem nunca ao futuro e as

próprias mães, quando entrevistadas, não vislumbram o futuro do filho além de acharem

que ele pode trabalhar num bar da esquina”, não levando em conta tantos resultados da

pesquisa que reiteradamente confirma o interesse e o empenho das famílias de baixa renda

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no sentido de garantirem a seus filhos o máximo de escolaridade possível. Tal fato revela

que a escola ainda está assumindo seu papel de reproduzir as desigualdades sociais.

No período de quase um século, portanto, mudam as palavras, permanece

uma explicação: as crianças pobres não conseguem aprender na escola por conta de suas

deficiências, sejam elas de natureza biológica, psíquica ou cultural.

b) “A escola pública é uma escola adequada as crianças de classe média e o professor

tende a agir, em sala de aula, tendo em mente um aluno ideal”, baseadas na teoria da

diferença cultural, estas duas afirmações complementares comparecem com freqüência,

nos últimos treze anos, nas publicações sobre as condições de ensino na escola pública

de primeiro grau; o pressuposto de que a escola não leva em conta os padrões culturais

da primeira socialização destas crianças, tornou-se lugar comum na literatura

educacional desde o início dos anos setenta. Mas quem conhece estes padrões? Embora

defensora da teoria da diferença, LEMOS (1985), ao contrário da maioria dos

pesquisadores e educadores, alerta para a ignorância existente a esse respeito.

Mesmo quando a fundamentação teórica deixou de ser não-crítica para ser

crítico-reprodutivista e, pouco de Brandão e colaboradores terem verificado que, 1971 a

1981, a pesquisa educacional concluiu que pela distância cultural entre a escola e sua

clientela majoritária, as características do material didático, dos conteúdos e da linguagem

este pressuposto também encontrou ressonância, levando a conclusões de que o fracasso

não se deve tanto ao método mas muito mais ao fato de formas e conteúdos, na escola,

estarem distantes da criança concreta com a qual a professora se depara.

A respeito do caráter duvidoso destas afirmações, cada vez mais

evidenciado pelas pesquisas sobre a qualidade do ensino, elas continuam presentes no

discurso educacional no decorrer dos dois últimos anos. Em 1979, um artigo bastante

difundido continuava a afirmar: “A pouca sensibilidade e a grande falta de conhecimento

dos professores a respeito dos padrões culturais diferentes do seu próprio alunado geram

atitudes e modos de comportamento para alunos pobres e para com a comunidade onde

devem atuar que são catastróficos tanto para a aprendizagem dos alunos como para uma

ação educativa mais ampla no meio em que estão situados”. É

importante que o currículo atenda às necessidades e peculiares de sua clientela

valorizando suas vivências.

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Da mesma forma, vários artigos que tratam da importante questão da

democratização do ensino, publicados em 1980, também partem da crença na deficiência /

diferença da clientela majoritária da escola pública do primeiro grau em relação aos seus

pares de classes média e alta. Num destes artigos, faz-se referência a necessidade de

“verificar o grau de adequação entre as propostas e orientações curriculares, a importância

de se proceder a “alterações curriculares que até as reais condições de aprendizagem da

maioria da população em idade de freqüentar a escola”. Aliadas às informações sobre o

nível de desenvolvimento psicológico desta criança fornecida pelos testes e pesquisas

tradicionais, estas afirmações podem ser interpretadas como favoráveis à implementação

de uma escola especial para as crianças das classes populares que corre o risco de ser

menos exigente do que a oferecida às classes média e alta.

Um outro artigo deste tema, afirmava no mesmo ano: “Através de pesquisas

iniciais de diagnóstico, constatamos que os conteúdos dos programas, os métodos

pedagógicos e os padrões de desempenho exigidos da maioria da clientela das escolas

pública (...) baseiam-se em modelos psicopedagógicos destinados as crianças ideais, que

retratam os padrões das crianças de classe média. Estes padrões diferem muito das crianças

encontradas nos bancos escolares. O que os sistemas educacionais estão oferecendo são,

pois, conteúdos, métodos e exigências que atuam de forma camuflada como mecanismo de

seleção dentro da própria estrutura escolar, condenando a criança pobre a um ensino não

adequado e, portanto, fracasso escolar num sistema obviamente não igualitário”.

Estes pressupostos comportam algumas observações. Além de

desconhecerem o habitus, certamente heterogêneo, dos variados segmentos das classes

populares que habitam a periferia das grandes cidades e de preencher esta lacuna com

suposições fundadas em preconceitos, os pesquisadores, ao atribuir o fracasso escolar das

crianças pobres à sua falta de “capital cultural” para fazer frente às exigências culturais da

escola, esquecem-se de um aspecto fundamental da teoria da reprodução: seus autores

referem-se à relação professor-aluno no ensino universitário francês, onde

um corpo docente de alto nível exige de seus alunos conhecimentos e estilos de

pensamento e linguagem a que geralmente só os mais ricos têm acesso. Seus professores,

especialmente nas primeiras séries, avaliam seus alunos segundo critérios que passam por

estilos mentais e verbais característicos de uma elite intelectualizada? Seus professores

possuem "capital cultural” e o exigem de seus alunos? Será que esta escola chega a

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veicular “o saber da classe dominante” e os altos índices de repetência podem ser

explicados como resistência, por parte dos alunos, à imposição deste saber?

Da mesma forma, proposições como as que se seguem, encontradas em

publicações recentes e também comportamentos: “a escola parte de um modelo abstrato de

criança, que corresponde à classe burguesa”, “os professores pressupõem que seus alunos

pobres têm o mesmo cabedal de experiências das crianças de suas próprias famílias,

ensinando-os como ensinariam a seus filhos”, “os professores saem da escola normal com

uma visão idealizada do aluno e ao se defrontarem com seus alunos reais, taxam-nos de

“carentes”, “deficientes”, “privados culturalmente” porque não respondem às expectativas

que norteiam sua prática docente. A afirmação de que os professores geralmente carecem

de “competência técnica” não é incompatível com a afirmação de que as escolas públicas

de primeiro grau estão preparadas para atender a um outro tipo de clientela? Até que ponto

é verdade que os professores partem do pressuposto de que estas crianças são parecidas

com seus filhos e as ensinam como tais até o momento em que, em pleno processo

educativo, se apercebem da diferença? A visão negativa que têm da clientela é resultado de

seus contatos com elas na escola ou é anterior a esse contato? “Saem da escola etiquetadas

e estigmatizadas” ou já estão etiquetadas e estigmatizadas quando nela ingressam? É

importante refletir sobre a prática pedagógica que deve transformar-se numa verdadeira

práxis para que se supere o fracasso da escola.

c) “Os professores não entendem ou discriminam seus alunos de classe baixa por terem

pouca sensibilidade e grande falta de conhecimento a respeito dos padrões culturais

dos alunos pobres, em função de sua condição de classe média”, afirmá-lo significa

não só pressupor que este conhecimento existe mas também que sua ausência entre os

professores não guarda qualquer relação com a natureza da literatura especializada. Por

isso, é necessário reafirmar” o respeito dessas crianças é generalizado e está presente

também no corpo do conhecimento científico; portanto,

d) mesmo que esse professor tente suprir suas lacunas de informações e corrigir seus

viesses de classe, entretanto em contato com os textos que lhe estão mais à mão, é

provável que continuará a desconhecer seus alunos pobres, julgando que os conhece.

Cabe perguntar se muitos dos equívocos dos professores a respeito da clientela não

resultam do contato com o texto que, a título de formá-lo ou de sanar suas deficiências

de formação, podem estar confundindo-os ainda mais. Sua alegada “falta de

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sensibilidade”, por sua vez, pode também ser intensificada pela confirmação científica

de seus preconceitos de classe. Além disso, não é descabido perguntar se outro

determinante inerente à própria dinâmica das práticas e processos em curso nas escolas

não potencializam esta “insensibilidade”. A resposta a esta pergunta, contudo, requer

uma metodologia de pesquisa que dê ,mais conta da complexidade da vida nessas

escolas.

Ao contrário de que se costuma afirmar, há muito que fazer na área da

pesquisa educacional. Para que os erros do passado não continuem a se repetir, é

fundamental reexaminar a questão do método. Autores que se dedicam à análise da

produção científica nessa área são unânimes em apontar dificuldades e impasses

metodológicos.

GOUVEIA (1985) aborda um ângulo importante do problema quando

assinala: “A pesquisa empírica não tem permanecido insensível às mudanças ocorridas no

discurso acadêmico sobre educação. Não apenas se verifica a substituição de conceitos

funcionalistas por outros tomados ao marxismo como, também, a própria maneira de

identificar os problemas de investigação têm se alterado”. Na prática, porém,

reconceptualizações e mudanças no enfoque que não têm encontrado contraparte

inteiramente satisfatória nos procedimentos de investigação utilizados. Conceitos

marxistas, promissores que sejam ao nível da reflexão teórica, não se prestam facilmente a

recortes empíricos. As dificuldades na ampliação de formulação marxistas em pesquisas

empíricas, particularmente quando se trata de pesquisa de âmbito restrito, manifestam-se

claramente em alguns trabalhos de mestrado e de doutorado. Depois de elaborado

referencial teórico a partir do qual se anuncia a intenção de utilizar o método dialético,

desenvolve-se um tipo de análise que, a não ser pelo emprego de conceitos tomados ao

marxismo não difere, na verdade, do modelo, relegado sob a pecha de positiva,

neopositivista ou empiricista, predominante em épocas anteriores”. (p.65)

O ecletismo teórico-metodológico é tendencialmente uma ciência positiva e

“a ciência do social não se faz sem romper com a ideologia dominante. Este rompimento

não é resultado da ciência, mas sua condição, é o primeiro passo decisivo para que ela

possa constituir-se rigorosa e verdadeiramente”. Quanto ao ecletismo, afirma: “Subjacente

a esta postura eclética existe a idéia de que a mesma representa a síntese de posições

diferentes num todo coerente, intercomplementar compreensivo. Trata-se de um tipo de

“consenso ou conciliação” análogo aos arranjos políticos que se dão no interior da

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burguesia para salvaguardar os interesses da classe. Ocorre, entretanto, que o processo de

construção do conhecimento, ainda que o relacionamento com todo o social, não se

confunde com a barganha política”. A respeito dos resultados, quer da pesquisa positiva,

quer da idealista, é um conjunto de análises fragmentadas, parciais, que ficam apenas ao

nível da pseudoconcreticidade. São análises que confundem o concreto com o empírico.

Não raro encontramos relatórios de pesquisas nos quais a uma fundamentação teórica

marxista que corresponde a uma investigação na qual a realidade é segmentada em

“variáveis”.

Mesmo assim, não diríamos, que a pesquisa educacional está hoje onde

sempre esteve, desde o seu início. Do ponto de vista da metodologia, parece mais acertado

afirmar que se vive um momento de transição e de reavaliação no qual muitos

pesquisadores estão cientes dos problemas de método sem, contudo, ter condições de

resolvê-los, e poucos já formularam com clareza no marco teórico do materialismo

dialético. Por isso, uma discussão metodológica, ampla e profunda, configura-se como a

tarefa mais urgente na área de pesquisa em Ciências Humanas, tendo em vista a superação

de “verdades” e de simplificações que podem estar continuamente atuando contra os

interesses das classes sociais a que se referem.

“A fim de esclarecer o alcance das técnicas psicopedagógicas aplicadas aos

problemas de aprendizagem, convém diferenciar os problemas de aprendizagem, tanto dos

problemas de nível como daqueles exclusivamente escolares; e por outro lado estabelecer a

diferença dos problemas de aprendizagem àquelas perturbações que se produzem

exclusivamente no marco da instituição escola”.

Os problemas escolares se manifestam na integração no grupo de pares, na

qualificação do professor, na inibição mental ou expressiva, etc, e geralmente aparecem

como formações reativas diante de uma enlutada e mal elaborada transição do grupo

familiar ao grupo social. Em tais casos a orientação se inclina por um tratamento

psicoterapêutico grupal com apoio pedagógico a fim de evitar iminente fracasso escolar.

Finalmente convém assinalar o alcance da Psicopedagogia com relação à

intervenção pedagógica específica; o que permite delimitar o terreno de competência do

psicólogo dedicado à aprendizagem e o terreno do especialista em Ciências da Educação,

que atende às perturbações na aquisição dos processos cognitivos.

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CAPÍTULO 3

A AVALIAÇÃO EM QUESTÃO

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A AVALIAÇÃO EM QUESTÃO

Discutir a avaliação vem se tornado um exercício mais imperioso entre os

educadores. É difícil pensar a escola, refletir sobre a educação sem colocar em

destaque o ato de avaliar. Esta relevância tem uma lógica: são os resultados expressos

pela avaliação que nos fornecem elementos para um panorama dos efeitos atingidos

pelo sistema educacional. E o que eles vêm revelando é que o ensino vai mal, o ensino

público vai muito mal.

3.1- UMA PRÁTICA QUE EXCLUI

Todos os anos, milhares de alunos das escolas públicas brasileiras não

conseguem ultrapassar a barreira do primeiro ano escolar, retirado prematuramente dos

estudos. Por que isso acontece?

Pesquisas indicam que, de cem crianças que ingressam nas escolas, apenas

cerca de dezesseis concluem a oitava série do primeiro grau. E são raras as que chegam ao

final do curso sem carregar uma ou mais reprovações. O que pensam disso os

educadores?

Verifica-se também, a cada ano, que a oferta de matrícula é sempre

insuficiente, graças a sucessivas repetências que impedem o fluxo escolar. Por que esse

quadro não se altera? Por que tantos são frustados no seu direito de ingressar e permanecer

no sistema escolar o tempo necessário para garantir a sua instrução?

Pensemos, ainda, naqueles que, mesmo freqüentando a escola por um longo

tempo, dela saem sem os conhecimentos compatíveis com as exigências da sociedade

contemporânea. Qual será a razão?

Por que, afinal algumas aprendem na escola e muitas não? Quem são os que

estão aprendendo? E quem deve responder por isso?

3.1.1 PROCURANDO AS RESPOSTAS

Temos certeza de que este quadro de insucesso não agrada a ninguém.

Incomoda aos professores por não estarem colhendo bons frutos com o seu trabalho;

decepciona as famílias que alimentam a esperança de que um futuro melhor para seus

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filhos depende da escola; desanima os alunos que desenvolvem sentimentos negativos a

respeito de sua própria capacidade de aprender.

Ainda que a insatisfação esteja evidente, não vemos, por enquanto, nenhuma

ação efetiva capaz de modificar tão perversa realidade.

Apesar de algumas propostas sinalizarem para novas perspectivas no campo

da avaliação, ainda predomina certas explicações fatalistas que se limitam a procurar os

culpados pelo fracasso escolar. Sempre se discute os motivos do elevado número de

reprovações em nossas escolas, é comum ouvirmos:

“As crianças tem disfunções neurológicas”.

“Apresentam problemas emocionais e sociais”.

“A desnutrição não deixa aprender”.

“As famílias não se interessam pelo estudo dos filhos. Não os mandam à aula

regularmente e nem fiscalizam os deveres de casa”.

“Também não comparecem às reuniões de Pais”.

“Os pais são alcoólatras e as mães se prostituem”.

“Os professores são despreparados e ganham mal”.

Está assim configurada a culpa, que recai ora num, ora noutro participante

do processo. Aceitando qualquer dessas respostas sem refletir criticamente, a respeito do

conjunto de fatores reais que geram e alimentam tão dramática situação, corremos o risco

de continuar justificando-a ao invés de tentar revertê-la a fim de contribuir para que os

alunos sejam bem sucedidos em seus estudos.

Algumas das justificativas mais freqüentemente aceitas são as que

medicalizam o fracasso escolar. Ou seja, as que responsabilizam a saúde da criança (ou

falta dela) pelo seu mau desempenho. E alguns professores tem contribuído para a

disseminação dessa teoria, inclusive fazendo eles próprios, o diagnóstico de seus alunos. É

comum encontrar-mos turmas inteiras rotuladas como docentes porque são “super-ativas”,

“apáticas”, “lentas” ou porque tem “dificuldades de aprendizagem” (ou serão dificuldades

de ensino?).

Não queremos cair no extremo oposto demonstrando ignorar que podem

existir alunos portadores de algumas deficiências no nosso sistema escolar. Mas uma coisa

afirmamos sem medo de errar: eles não são maioria e o professor não é o profissional mais

indicado para diagnosticar doenças. E mais: as crianças consideradas como incapazes para

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o ato de aprender, quase sempre aprendem as lições que a vida lhes apresentam. Será que a

sua incapacidade se manifesta apenas em relação ao que a escola tenta lhes ensinar?

Muitos afirmam, ainda, que a criança da rede pública não aprende porque é

vítima da desnutrição. Concordamos e vamos ainda mais longe; a maioria delas não vivem

também, não chegam a se tornar um aluno. Isto porque, se a desnutrição que atinge for tão

grave a ponto de lesar de maneira irreversível suas funções culturais, dificilmente ela estará

viva aos sete anos de idade. E mesmo que não tenha morte prematura, é quase certo que na

escola não vai estar. Os que chegam até lá possuem condições de estudar da mesma forma

como conseguem vender mercadoria, administrar uma casa (cozinhando e cuidando de

irmãos menores), criando estratégias para garantir seu “ganha-pão”.

No exemplo citado sobre os portadores de necessidades educativas especiais

no sistema escolar, a nova lei de Diretrizes e Bases N° 9394/96 assegura seu ingresso no

Ensino Fundamental, respeitando as limitações de cada um.

3.2 A AVALIAÇÃO MOSTRA QUE O ENSINO

PÚBLICO VAI MAL

Desnutrição não é um estado uniforme. Ela ocorre em diferentes graus de

intensidade e sendo leve ou moderado (a que costuma atingir os nossos escolares) não há

indícios de que cause danos ao cérebro. Subnutrição não é sinônimo de fome. Esta, que

afeta grande parte da população mais pobre, pode ser minimizada, significativamente,

através de um bom programa de merenda escolar. Não que se esteja defendendo aqui a

visão equivocada de pensar a escola como responsável por resolver todos os problemas

decorrentes de nossa conjuntura social, inclusive a miséria crescente em nosso país. É que,

neste momento, vivemos o grande desafio de ter que “construir a estrada e desatolar os

carros ao mesmo tempo”.

O fato é que, durante muito tempo, as causas do fracasso escolar sempre

foram procuradas fora dos muros da escola: os alunos e sua problemática, as famílias

desestruturadas, os sistemas...

Ultimamente, percebe-se um movimento oposto, que tenta identificar no

interior da escola as suas folhas. Mas como ainda não nos libertamos da prática de buscar

culpados, só temos conseguido fazer com que sejam novos “réus”: os professores, o

abandono da rede pública, a precariedade dos materiais. É preciso, no entanto, ter clareza

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de que o mau desempenho da escola ou dos alunos, como queiram, é mais um dos sintomas

da nossa sociedade em crise. Crise econômica, social, da ética e dos valores.

Não podemos alimentar desânimos nem dúvidas sobre a responsabilidade da

escola na preparação de geração mais jovem. É o papel que lhe foi conferido pela

sociedade. Nesta tarefa, ela não pode deixar de cumprir a sua parte, tentando encontrar

entre o ideal e o real os caminhos possíveis. É importante que se lute pela permanência do

aluno no sistema educacional, orientando-o e conduzindo-o na formação de atitudes

críticas.

Como ponto de partida, torna-se urgente compreender que uma teia de mitos

e crenças se formou em torno do insucesso que roda as redes públicas de ensino. E que esta

mitologia pode acabar camuflando a realidade. E mais ainda, que os problemas reais são de

várias ordens e costumam diferenciar de escola para escola. Por isso, ninguém melhor do

que os próprios professores, para discutir a sua problemática, associando-se às famílias e a

comunidade mais ampla, até mesmo para recorrer às autoridades quando for o caso.

Sugere-se que o grupo inicie as suas discussões buscando a sua

interpretação a respeito de dois conceitos que são básicos: o sucesso e o fracasso. O que é

para a escola obter sucesso? Qual é a escola que fracassa? Será que o sucesso está

relacionado apenas à provação dos alunos? Quais são os conhecimentos priorizados no

ensino para que se chegue a firmar o prestígio de uma escola? Com estas reflexões pode-se

gerar um projeto pedagógico claro em suas intenções e onde avaliação encontrará espaço e

papel apropriados. Será que podemos afirmar que a avaliação escolar tem sido um processo

justo? Quem avalia quem? De um modo geral, constata-se que um único personagem vem

seno alvo de julgamento por parte da escola , o aluno é, quase sempre, culpado.

É comum ouvir-se dizer:

“Ele não se esforça, é desinteressado”.

“Não presta atenção, é desatento”.

Isto quando a opinião não é mais dramática:

“Não adianta insistir, não dá para o estudo”.

Se for o caso de já terem passado pela escola irmão ou outros parentes seus,

também vítimas do insucesso, a comparação e a avaliação prévia surgem inevitáveis.

“É como o irmão, não vai aprender”.

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Difícil mesmo é escapar desse tipo de profecias. Quase impossível. É

doloroso, também, verificar o quanto as próprias famílias vão sendo convencidas da sua

parcela de responsabilidade, a ponto de uma mãe declarar após tomar conhecimento de

mais uma reprovação de seus filhos: “Ele me puxou. Eu também não sei ler”.

Convicta de que a possibilidade de ler e escrever faz parte da herança

genética, essa mãe, com certeza, acabará desistindo de lutar pelo direito de seus filhos ao

estudo. Provas, testes e notas ou conceitos também são de exclusiva aplicação em alunos.

O conteúdo das fichas de acompanhamento analisa as suas atitudes, a sua performance,

enfim, o que aprenderam (ou não) sobre os assuntos tratados. Os históricos escolares, na

verdade, indicam apenas o aproveitamento dos alunos. Ou alguém já teria imaginado uma

reunião do conselho de classe onde professores, diretores e funcionários recebam

conceitos? Parece difícil, no mínimo.

A verdade é que fatores decisivos para o processo de aprendizagem, tais

como a atuação dos professores e a integração entre eles; a articulação entre as áreas do

conhecimento; o sentido, a qualidade e a adequação de programas e experiências

curriculares; os recursos didáticos e materiais disponíveis; a relação da escola com a

comunidade e a inserção do aluno na vida sociocultural têm se mantido isentos de qualquer

exame. Esta atitude significa ignorar o quanto esses aspectos interferem na aprendizagem e

creditar só ao aluno a responsabilidade pelo seu desempenho.

Baseando-se em tais afirmações, a produção do fracasso escolar estará

sempre presente nas instituições escolares, principalmente públicas enquanto não houver

conscientização dos profissionais acerca de suas próprias limitações para lidar com

questões educacionais.

3.3 – A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES

O problema da formação do educador brasileiro precisa ser localizado nesse

contexto geopolítico para ser compreendido e trabalhado revolucionariamente.

É no interjogo das interações desse mundo periférico em relação ao primeiro

mundo, em meio ao exercício de controle e de dominação das nações centralizadoras

internacionais, que se encontra no Brasil, país que fazemos educação. É nesse país em

interação com o restante do mundo, numa posição de atraso e dependência, que são criadas

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a concepção dos educadores. Daí essa postura frágil, de dependência, de medo, de

passividade: “Eu fui formado para... preciso ser formado...” (por alguma instituição).

É nesse contexto que está sendo gerada essa postura de delegar a outro a

responsabilidade.

Se, para cada realidade nova que o sujeito tiver de enfrentar, ele precisar

“separa” primeiro, passará a vida se preparando. Não há uma única realidade. Elas são

muitas e em movimento permanente. Portanto, nunca se está pronto e sim, “preparando”. A

preparação precisa ser vista como um processo de auto-formação permanente, por meio do

qual o indivíduo busca atualizar-se no movimento da história.

No campo da alfabetização, por exemplo, não obstante, há enxurrada de

cursos preparatórios para os alfabetizadores e períodos preparatórios para os alfabetizados

(nas duas situações o pressuposto é mesmo: não garantir uma melhor qualidade da

aprendizagem). Não é sem razão que, quando uma professora relata:

“Fomos alfabetizados por esse processo silábico e lemos e interpretamos”.

Outros alfabetizadores retrucam:

“Será? Na verdade eu não sei escrever e detesto ler!”. Ou ainda:

“Tenho muita dificuldade de entender o que leio”, “eu tenho pavor de escrever”.

O amadurecimento teórico-prático e as conseqüências da formação

tradicional do educador para a educação nos têm feito repensar essa problemática e

reorientá-la no sentido de um processo paralelo que, por sua vez, deve fazer parte de um

processo de autoformação, no qual os sujeitos assumam a responsabilidade pela própria

educação e formação.

Se há algo imprescindível à formação do educador é que este “aprenda a

aprender para que possa ensinar a aprender” (FAGUNDEZ). Ou seja, o caminho para uma

autêntica formação é o domínio pelos educadores de uma “metodologia” de apropriação do

conhecimento . Os educadores precisam aprender para que possam se tornar competentes

no ensino às crianças dessa metodologia.

As falas a seguir parecem apontar para esse caminho:

“Eu fui formado para agir assim. Tento mudar,

mas hoje é só isso que sei fazer. No próximo ano

procurarei fazer diferente olhando os erros

cometidos.”

(Prof.° GLAUCIO)

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“Eu não quero ser professor da mesmice do dia-

dia. Eu quero ser algo mais. Hoje estou com

vergonha da minha profissão. Ou tento melhorar

ou saio daqui(com indignação). Não sou folha

de bananeira para ir onde o vento toca”.

(Prof.a SAIONARA).

Todo agir é um agir político filosófico que implica um saber sobre a

realidade âmbito da ação. Todo agir humano implica uma ciência (saber) e uma tecnologia

(fazer) própria para a conservação ou a transformação de uma dada realidade.

A luta para criar uma nova sociedade implica a superação crítica de

conceitos e modelos que constituem linhas de condutas de nossa compreensão da

realidade e de sua transformação. Na leitura crítica feita pelo povo, ou seja, pelas

comunidades, a “desmitoligização e modelos de pensamento e de ação devem ser um dos

passos essenciais”. (FAGUNDEZ, 1989,p.99)

O educador tem muito a contribuir nesse processo aprendendo e ensinando

aos educandos a fazer leitura histórica da realidade educacional e social, levantando com

eles as perguntas básicas que determina os problemas, tanto sociais quanto pedagógicos.

Assim, ao assumir a responsabilidade, pela superação dos problemas educacionais e

sociais, dentro e fora da escola, o educador estará desempenhando a práxis social

necessária ao processo de formação na educação e na sociedade.

O professor deverá entender que a única maneira de ensinar é aprendendo

com o outro, renunciando à concepção do poder do conhecimento que se apoia numa

concepção autoritária... somente nessa perspectiva, segundo a qual o professor se sentirá

mais aluno do que professor, mais artista do que administrador, ele poderá ser um

participante mais do processo político. Só dessa forma poderá cumprir sua tarefa social e

participar ativamente com o povo na construção de uma sociedade mais democrática, mais

livre, mais justa e mais solidária.

Dado o envolvimento afetivo que o professor acaba tendo com sua prática

profissional, é inevitável que o fracasso de seus alunos acabe por atingi-lo em sua auto-

imagem, colocando em questão sua própria competência. Na medida em que não consegue

articular este fato à falta de assistência técnica, à instabilidade funcional, aos baixos

salários, ausência de recursos didáticos e a própria má qualidade de sua formação, ele tem

apenas as alternativas, ou de assumir também o fracasso, ou de buscar entre os indicadores

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mais imediatos, os supostamente responsáveis. E o que mais diretamente ganha

visibilidade para ele é a situação de carência dos alunos com os quais se defronta a cada

dia em sala de aula.

3.4 – ALFABETIZAÇÃO FRUTO DE TREINAMENTO OU

FRUTO DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ?

MORAIS (1992), relata que no início da década de 80 os educadores, no

Brasil, reiniciavam uma polêmica errada, que dura até hoje, sobre o processo de

alfabetização, esta polêmica coloca de um lado o processo de aprender a ler e escrever

como sendo fruto de um treinamento de determinadas habilidades básicas ou pré-requisitos

e, de outro, este mesmo processo como sendo fruto do desenvolvimento cognitivo.

A teoria que fende os processos de ler e de escrever são frutos de um

treinamento em determinadas habilidades básicas, teve origem em estudos realizados por

psicólogos de linha comportamental, nestes estudos, os comportamentos de ler e de

escrever foram observados, registrados, mensurados e definidos operacionalmente, desta

forma, chegou-se à conclusão que leitura, por exemplo, era constituída por um certo

número de comportamentos e, todos eles juntos, permitiram que se lesse um texto, entre

esses comportamentos poderiam se citar os seguintes:

Discriminação visual – que permitiram a diferenciação rápida e clara das letras e das

palavras;

Discriminação visual figura-fundo – durante a leitura o leitor deveria dirigir sua

atenção visual, exclusivamente, para a palavra que estava sendo lida "esquecendo-se”

das demais;

Articulação perfeita dos sons já que, ao ler, as letras deveriam ser relacionadas aos

respectivos correspondentes sonoros;

Noção de esquerda/direita e em cima/embaixo – estas noções permitiriam que os olhos,

durante a leitura, se deslocassem nessas referidas direções;

Vocabulário oral amplo e diversificado, o qual permitiram a compreensão das palavras

lidas.

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Percebe-se, portanto, que ao definir-se operacional a leitura, levantaram-se

vários comportamentos que estariam presentes durante este ato, claro que outros

comportamentos poderiam ter sido colocados, mas, escolheram-se alguns só ao nível de

explicação, estes comportamentos foram chamados de habilidades que determinavam o

sucesso ou fracasso do ato de ler, por exemplo, ausência dos conceitos esquerda/direita

implicando na dificuldade do leitor deslocar os olhos ao longo do texto, leitores que

trocavam envolvimento que estavam envolvidos no processo de leitura.

No entanto, as habilidades das quais os maus leitores apresentavam

dificuldades não eram sempre as mesmas desta forma, era necessário que o educador

pudesse conhecer claramente as habilidades comprometidas e que afetam o ato de ler.

Para tanto, elaborou-se teste que permitiram o diagnóstico preciso das áreas

onde as dificuldades se encontravam, a maioria destes testes, também serviu para avaliar-

se, ao iniciar o processo de alfabetização, a criança possui todas as habilidades básicas

necessária à aprendizagem da leitura e da escola e, assim, acompanhar o ensino sem

maiores dificuldades, como exemplo, podem-se citar os testes TMP (Teste Metropolitano

de Prontidão) e o abc, durante o período pré-escolar, neste caso, a criança é submetida a

uma série de exercícios de complexidade crescente, como objetivo de prepará-la para os

atos de ler e de escrever, estes processos de treinamento são necessários porque a criança

não adquire espontaneamente as habilidades básicas mas, estas aquisições dependem da

estimulação adequada.

Entre os programas de estimulação elaborados, talvez o mais conhecido

tenha sido o de MARIANNE FROSTIG, porém, qualquer material didático que possua

exercício de coordenação visomotora, discriminação visual e auditiva, análise-síntese,

imagem corporal, noções de esquerda/direita, etc... é baseado nesta concepção teórica.

A teoria que defende o processo de aprender como fruto do

desenvolvimento cognitivo, teve suas origens nas pesquisas e nos trabalhos de Piaget, e

culminou com as investigações acerca do processo de alfabetização realizado por

FERREIRO e TEBEROSKY.

A psicologia genética ou o construtivismo, ou simplesmente, a psicologia do

desenvolvimento revoluciona o conceito original do conhecimento e com ele a concepção

da criança.

Partindo da concepção de que para aprender, a criança necessita interagir

com o meio ambiente social e, que é decorrente desta interação que a criança constrói as

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estruturas cognitivas que lhe permitem conhecimento e reorganizar o mundo, a criança

passa a ser concebida como um ser ativo, pensante. Aprender, portanto passa a ser visto

como um processo resultante da atuação da criança sobre os objetivos do mundo físico.

Desta forma, a criança não é um ser passivo que fica sentada esperando que

o adulto lhe venha trazer o conhecimento mas, um poder, ao apropriar-se dessas

informações a criança constrói seu próprio conhecimento. Se, a criança é este ser ativo, se

ela não fica esperando o conhecimento, se reage as informações, se busca explicações para

tentar entender o mundo então, pode-se afirmar que, fica muito difícil determinar em que

momento de sua vida ela começa a aprender e, é mais difícil ainda se pensar que ela

necessita da autorização do adulto para começar a se questionar sobre o valor de escrita e

como (a forma) esta representa a fala.

Tendo como pressuposto teórico que ä informação é o alimento que permite

à criança a elaboração do conhecimento” (FERREIRO, 1987), já que este último é

construído com base na atuação da criança sobre a informação do mundo físico, não se

pode pensar jamais que a criança, do meio urbano, ao viver um universo impregnado de

mensagens escritas (outdoor’s, jornais, anúncios) e, convivendo com pessoas que utilizam

da linguagem escrita das mais diversas maneiras (leituras de livros, de cartas, anotações,

etc...) nunca se tenha questionado sobre o valor social (função) da escrita e, que só ao

ingressar na escola terá acesso aos livros, às letras e, iniciará o processo de aprender a ler e

a escrever.

Na verdade, este aprendizado começou há tempo. Existem crianças de 1

ano, 1 ano e meio que ao observarem adultos lendo pegam o livro e ficam imitando-os.

Outras, de 2 e 3 anos de idade, pegam livros de história infantis e solicitam que os adultos

os leiam mas, apontam o que deve ser lido (as palavras e frases). Mais uma vez, estes

comportamentos ocorrem porque existe a informação disponível que permite que a criança

se questione e construa hipótese explicativa. Caso estas informações não estejam a

disposição da criança, dificilmente esta construirá algum tipo de conhecimento em relação

a este ponto.

Esta última estrutura de conhecimento será construída e reorganizada em

estágios sucessivos até chegar a forma refinada de conhecimento. Este estágio, de conceber

a maneira pela qual a escrita representa a fala, ocorre em todas as crianças, independente

do nível sócio-econômico, mas que tenham o número de acesso às informações gráficas.

Estes estágios fazem parte do desenvolvimento cognitivo da criança e, são frutos de suas

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construções e de suas hipóteses frente a uma determinada idade estejam no mesmo estágio

de desenvolvimento.

Através da escrita espontânea da criança podem-se levantar, basicamente

quatro estágios psico-genético em relação a concepção da linguagem escrita: Níveis 1 e 2:

Pré-Silábico, Nível 3: Silábico-Alfabético, Nível 4: Alfabético. Como o objetivo deste

estudo se detém nas origens do fracasso escolar, tais níveis não serão detalhados.

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CONCLUSÃO

O número de alunos que vão sendo reprovados e expulsos da escola, ao

longo dos anos, é assustador. No entanto, essas reprovações e abandonos não atingem da

mesma maneira crianças de diferentes meios socioculturais.

De fato, são sobretudo as crianças provenientes das camadas populares e do

meio rural que fracassam na escola e são forçadas a interromper seus estudos.

Evidentemente, essas crianças constituem a grande maioria da população de nosso país e

são elas, justamente as que mais precisam da escola para poder melhorar de vida. São os

pais das crianças que fracassam os que fizeram mais sacrifício para que seus filhos

pudessem estudar. Foram eles que lutaram e, por vezes, esperaram anos até conseguir vaga

para matricular seus filhos. Foram eles que sofreram ao ver seus filhos serem reprovados e

obrigados a repetir o ano. E, no entanto, todo esse esforço, todos os sacrifícios, toda essa

esperança não serviu de nada.

As crianças pobres são em sua imensa maioria, excluídas da escola, sem

qualquer qualificação ou diploma, sem ter aprendido nada de útil para sua vida e seus

trabalhos. Praticamente a única lição que os anos da escola ensinam é a de considerarem a

si mesmo como inferiores aos outros, aos que tiveram sucesso. As crianças saem da escola

mas levam consigo a marca e humilhação do fracasso, saem convencidas de que

fracassaram porque são menos bem dotados, menos inteligentes e capazes do que os

outros.

O caminho a ser seguido para a mudança da escola é o mesmo caminho que

o povo já vem trilhando em busca de solução para tantos outros problemas de sua vida

cotidiana. Ao invés de esperar que as soluções venham de cima (das autoridades, do

governo, dos especialistas) o povo mesmo resolveu agir. Discutido junto, em pequenos

grupos e comunidades, ele começou a tomar consciência de sua própria força e de sua

capacidade de descobrir soluções novas. É descobrindo juntos soluções novas e se

ajudando uns aos outros ao invés de cada um ficar quieto e calado em seu canto que o povo

foi aprendendo a se organizar para defender seus direitos.

Nesta luta diária pela sobrevivência e por uma vida melhor o povo aprende e

ensina. Aprende na medida em que vai entendendo como funciona a sociedade e vai

desmontando pouco a pouco, essa engrenagem complicada da escola; que é apenas uma

peça. Ele aprende quando procura entender porque os filhos vão mal na escola e descobre

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que o problema não é individual, mas sim, coletivo e que sua solução depende de toda a

comunidade.

É preciso perceber que a Escola é mais do que um espaço físico que abriga

crianças. É um espaço para a educação, para a valorização do ser humano. O professor

desempenha papel fundamental na vivência do aluno. Ele precisa Ter consciência de sua

importância no processo de formação do indivíduo, pois a dificuldade de se fornecerem

atividades significativas para os alunos é um dos maiores obstáculos a vencer. A

intervenção da Direção e Supervisão Escolar deverá ser de realizar um trabalho sistemático

junto ao professor, levando-o a respeitar o espaço e o ritmo da aprendizagem do aluno,

proporcionando a este oportunidade de construir seu próprio conhecimento.

O aluno com dificuldade de aprendizagem, representando vinte por cento da

população escolar, é um desafio para a escola, para o professor e para a família. A escola

supostamente o aceita como é, mas de fato não lhe oferece espaço no sistema educacional

vigente, pois o sistema está mais preocupado em instruir do que educar. O professor por

sua vez, não encontrando instrumentos adequados para levar o aluno a superar essas falhas,

encaminha-o a atendimentos paralelos (fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo,

neurologista, etc...) Por seu lado a família, impotente em sua ação, delega à escola e aos

técnicos a plena responsabilidade de reverter o quadro e de intervir no desenvolvimento de

seu filho. Existem algumas patologias encontradas em crianças com dificuldades de

aprendizagem: Patológicas e não-patológicas. A primeira tarefa a ser realizada, uma das

mais importantes dentro da escola, é a de distinguir qual a dificuldade apresentada pelo

aluno, de modo a serem traçadas, a partir daí, as linhas de ação a serem seguidas.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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Ministério e do Desporto, Secretaria de Educação Especial, 1993.

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189 pp.

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Escola e a Escola da vida. Editora Vozes, 1992. 24a ed.

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__________________& TEBEROSKY, Ana – Psicogênese da Língua

Escrita. Porto Alegre, 1991, 4a Ed.

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primeiro mundo. Nova Escola. São Paulo, n. 57, p. 20-23, maio 1992.

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1992.

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LUCKESI, Cipriano Carlos et alli – Respondendo a Didática. São Paulo:

Papirus, 1990.

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MORAIS, Antônio M. P. – Distúrbio da Aprendizagem. Uma abordagem

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MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso. Fracasso Escolar: uma questão

médica? Idéias. São Paulo, n. 6, p. 29-31, 1989.

PAIM, Sara – Tratamento e diagnóstico dos problemas de aprendizagem.

Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

PATTO, Maria Helena Souza – A produção do fracasso escolar. História de

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PORTES, Lígia Seródio – Carta ao professor. 2o programa especial de

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RAPPAPORT, C. R.; FIORI, W. R. S & DAVIS, C. – Teoria do

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SIPAVICIUS, N. – O professor e o rendimento escolar de seus alunos. São

Paulo: E.P.V, 1981, Volume 1.

SOARES, Magda, Linguagem e escola: uma perspectiva social. 14a edição. São

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TURRA, Cláudia M. e t alli. – Planejamento de ensino e avaliação. Porto

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BIBLIOGRAFIA CITADA

1- FERNANDEZ, Alicia - A inteligência aprisionada . Porto Alegre: Artes

Médicas, 1990.

2- PAIM, Sara – Tratamento e diagnóstico dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

3- GROSSI, Esther Pillar.Em matéria de alfabetização damos banho no

primeiro mundo. Nova Escola . São Paulo, n.57, p.20-23, maio 1992

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ANEXOS

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS I

1 - Nome da instituição.

2 - Nome do entrevistado , idade e função.

3 - Grau de instrução.

4 -“Algumas notícias revelam que o Sistema de Ensino Brasileiro está fracassado.” Na sua opinião o que causa o fracasso escolar?

5 -“Outras notícias apontam o despreparo do professor como um fator responsável pela evasão dos alunos e pelo fracasso escolar.” Você concorda ? Por quê ?

6- Você tem hábito de participar de cursos de capacitação e de atualização ? Vocêacha importante ? Por quê ?

7- Há na sua sala de aula alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem ?

8 – Como você resolveu ? Como você está lidando com essa situação?

9- Os pais participam das reuniões da escola ?

10- Você recebe apoio e ajuda da Direção, do Orientador Pedagógico, Orientador Educacional e Supervisão ?

11- O que podemos fazer para tentar evitar o fracasso escolar ?

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ROTEIRO DAS ENTREVISTAS II

1) Quais são as principais características psicobiosociais dos alunos pertencentes às

classes especiais (condições de estudo, acompanhamento da família, compreensão

do conteúdo).

2) O que diferencia os alunos das classes especiais dos demais ?

3) Quais os pontos em comum entre eles ?

4) Você percebeu mudanças significativas nos alunos que vieram para a sala

especial ? Quais mudanças ?

5) Ainda poderá haver mudanças com eles no decorrer deste ano ?

6) Alguns educadores defendem a separação de alunos em classes especiais. Você

acha válida essa separação ? Por quê ?

7) Quais as vantagens da separação em classes especiais, para o aluno e para o

professor ?

8) Qual é a sua prática pedagógica ?

9) Quem participa da elaboração de critérios direcionais e formação de classes na

escola em que você trabalha ?

10) Qual é o critério utilizado em sua escola ?

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ATIVIDADES CULTURAIS

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INDICE

AGRADECIMENTOS iii

DEDICATÓRIA iv

RESUMO v

METODOLOGIA vi

SUMÁRIO vii

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO 1

FRACASSO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL 12

1.1- As dificuldades desnecessárias e seu papel discriminador 13

1.2- Fatores apontados como causas do fracasso 14

1.2.1- Fatores Extra-escolares 14

1.2.2- Fatores Intra-escolares 15

1.3- Aprendizagem e Educação 15

1.4- A experiência do Centro Municipal Paul Harris

com o trabalho nas salas de recursos 17

1.5- Resgatando a criança com dificuldade de aprendizagem 19

1.6 - O fracasso escolar na perspectiva dos profissionais de educação 20

1.7- Contrapondo : literatura & discurso dos profissionais da educação 23

1.8- Estudo Teórico 29

CAPÍTULO II

OS CONTEXTOS CULTURAIS DA APRENDIZAGEM 33

2.1- Como construir alfabetização de melhor qualidade 35

2.2- Raízes históricas das concepções sobre o fracasso escolar ;

o triunfo de uma classe e sua visão de mundo. 37

2.3- As teorias crítico-reprodutivas e a pesquisa do fracasso escolar 38

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CAPÍTULO 3

A AVALIAÇÃO EM QUESTÃO 54

3.1- Uma prática que exclui 54

3.1.1- Procurando respostas 54

3.2- A avaliação mostra que o ensino público vai mal 56

3.3- A formação dos educadores 59

3.4- Alfabetização: Fruto de treinamento ou fruto de

desenvolvimento cognitivo ? 61

CONCLUSÃO 65

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 67

BIBLIOGRAFIA CITADA 70

ANEXOS 71

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

Título da Monografia :

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

_____________________________________________________________

Data da Entrega : ___________________________________________

Avaliado por: _________________________________Grau ________

Rio de Janeiro ____de ______________ de 2001

________________________________________

Coordenador do Curso