UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a...
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS
ACASO E IMPROVISAÇÃO COMO DIMENSÕES CRIATIVAS NA MÚSICA E NO DESIGN
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRADO EM DESIGNPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSO
São Paulo, março/2010
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS
ACASO E IMPROVISAÇÃO COMO DIMENSÕES CRIATIVAS NA MÚSICA E NO DESIGN
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade
Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Design
Orientadora: Profª. Dr.ª Gisela Belluzzo de Campos
São Paulo, março/2010
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS
ACASO E IMPROVISAÇÃO COMO DIMENSÕES CRIATIVAS NA MÚSICA E NO DESIGN
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade
Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Design
São Paulo, março/2010
Profª. Dr.ª Gisela Belluzzo de Campos
Orientadora
Mestrado em Design Anhembi Morumbi
Prof. Dr. Sérgio Roclaw Basbaum
Pontifícia Universidade Católica – São Paulo - PUC-SP
Profª. Dr.ª Luisa Angélica Paraguai Donati
Universidade Anhembi Morumbi
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho
sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.
MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS
Bacharel em Design Digital pela Universidade Anhembi
Morumbi em 2006.
Vasconcelos, Marco Antonio Ferreira de.Acaso e improvisação como dimensões criativas na música
e no design / Marco Antonio Ferreira de Vasconcelos - 2010.150f.: il.; 23 cm.
Orientador: Gisela Belluzzo de Campos. Dissertação (Mestrado em Design) - UniversidadeAnhembi Morumbi, São Paulo, 2010. Bibliografia: f.117-129.
FICHA CATALOGRÁFICA
1. Design. 2. jazz. 3. improvisação. 4. acaso. I. Acaso e improvisação como dimensões criativas na música e no design.
V451a
CDD 741.6
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Para minha mãe, o mais profundo exemplo de dedicação
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AGRADECIMENTOS
A minha esposa, o mais fiel incentivo que eu poderia desejar.
A minha filha, meu presente e minha inspiração.
Em especial a minha orientadora, Profª. Dr.ª Gisela Belluzzo, pela paciência,
dedicação e empenho.
A Kika e Tati pelo apoio incondicional.
A Profª. Dr.ª Mônica Moura incentivadora de longa data e a quem admiro pela
dedicação.
Ao Prof. Dr. Sérgio Roclaw Basbaum pelo generoso auxílio desde o início do
projeto.
A Guto Lacaz, Rico Lins, Kiko Farkas, Hermeto Pascoal, Amilton Godoy e Ivo Perelman
por me receberem com tanta gentileza e carinho.
A Profª. Dr.ª Cláudia Marinho, pelo esforço em garantir que mantivéssemos o
rumo.
Pelos toques, dicas, inspiração, colaboração, parceria e encorajamento: Cláudio,
Mercedes, Laerte, Alexandre Braga, Antônia, Paulinho, Marcos, Sandra, Wilson,
Dora, Marion, Nelson Somma, Ricardo, Beth, Carlos Barreira, Clara, Ofélia, Domitila,
Thiago e Paulo.
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Nenhuma teoria da física que só trate da física, explicará jamais a física
WHEELER
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RESUMO
Este projeto tem como propósito relacionar o design gráfico contemporâneo e o jazz,
pelo viés da improvisação como referência na incorporação de experimentações e do
uso do acaso. Por meio desse enfoque, intentamos refletir sobre fatores presentes no
processo de criação no jazz e relacioná-lo à prática projetual no design gráfico.
Acreditamos que a estruturação do discurso musical no jazz, baseado na prática
do improviso, pode oferecer repertório referencial para produções no design gráfico
contemporâneo. Exemplifica essa argumentação, estudos sobre o design, projetos
de design gráfico e depoimentos de designers e de músicos.
PALAVRA-CHAVE: Design, jazz, improvisação, acaso.
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ABSTRACT
This project relates the graphic design and contemporary jazz, from the perspective
of improvisation as a reference in the incorporation of trials and the use of chance.
Through this approach, we aim to think about factors present in the creative process
in jazz and relate it to practice projectual in graphic design.
We believe that the structure of musical discourse on jazz, based on the practice
of improvisation, can provide repertoire reference for productions in contemporary
graphic design. Exemplifies this argument, studies on the design, graphic design
projects and testimonials from designers and musicians.
KEYWORDS: Design, jazz, improvisation, chance.
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001 Introdução
005 Capítulo 1 – Diálogos e contextualização: alguns aspectos
005 1.1 Design e arte: aproximações
019 1.2 Design gráfico e funcionalismo
027 1.3 Design gráfico e tecnologia
032 Capítulo 2 – Design e jazz
032 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
046 2.2 O jazz e a improvisação
055 2.3 O free jazz
063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso
063 3.1 Acaso como acidente
069 3.2 Acaso como abertura para o novo
083 3.3 Acaso: controle e descontrole
112 Considerações Finais
117 Bibliografia
130 Anexos
SUMÁRIO
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INTRODUÇÃO
Em minha experiência como músico amador e designer, percebi certas similaridades
entre algumas variáveis que são articuladas durante a execução musical, mais
precisamente na improvisação jazzística, e certos anseios de alguns designers.
Percebi o quanto o desejo de transgredir regras, com intuito de ampliar a abrangência
de seus projetos ou discursos musicais, torna os contornos de cada campo do saber
cada vez menos rígidos e mais permeáveis. Isso despertou-me o interesse em como
opera o profissional de cada área, manipulando seu repertório técnico, intelectual
e estético para alcançar esse objetivo que intuitivamente penso ser comum em
alguns casos.
Assim, o estímulo para desenvolver este estudo foi a perspectiva de investigar
o design gráfico, não somente examinando a “forma” de produções gráficas
contemporâneas, mas também debruçando sobre questões acerca do processo
criativo envolvido. É a expectativa de observá-lo sob essa dupla indagação que
guia esta pesquisa.
Procuramos consultar alguns designers empenhados em assumir desafios arriscando-
se em novas direções. Ou mesmo, empenhados em construir outro olhar sobre
aqueles caminhos muitas vezes considerados como já satisfatoriamente trilhados.
O design em questão distingue-se pela receptividade, permitindo-se refletir sob a
INTRODUÇÃO
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INTRODUÇÃO
perspectiva de outros campos do saber. Por esse viés, atraímos a música para fixar
“contato”. Acreditamos que alguns de seus usos e particularidades servem como
referência para pensar o design.
Desse modo, investigamos práticas e conceitos experimentais no jazz, que possam
ter um paralelo com formas de utilização dos elementos da linguagem visual no
design gráfico, como por exemplo, a incorporação do acaso como forma mais livre
de criação.
Construir relações de proximidade a outros campos tem sido profícuo para o design
ao longo da história. A relevante influência dos movimentos artísticos é exemplo
disso. Assim sendo, antes de partir diretamente para a discussão entre o jazz e o
design gráfico, julgamos ser adequado apresentar brevemente, exemplos dessas
conexões. Investigamos movimentos artísticos pautados por experimentações
e pelo uso do acaso como material criativo. Além disso, apresentamos algumas
ponderações a respeito de questões conceituais, funcionais e técnicas do design.
Abordamos o funcionalismo, como exemplo de mecanismo gerador de proposições
envolvidas com a problemática do seu tempo. Procuramos contextualizar referências,
experiências e resultados já alcançados no percurso histórico do design.
No capítulo dois, introduzimos considerações tomando por base prerrogativas
musicais e visuais como meio de aproximação desses campos; design e música.
Procuramos pontuar experiências e aproximações já realizadas, além de argumentos
de autores que associam seus elementos. Aprofundando-se na música, partimos
para o jazz e a improvisação; os parâmetros envolvidos na performance e na
estruturação do discurso musical são abordados paralelamente à aproximações com
o design ou com a linguagem visual. No centro das experimentações e rupturas está
o free jazz. Abordamos resumidamente sua história para discernir sobre os aspectos
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INTRODUÇÃO
revolucionários, inovadores e criativos, que lhe conferem identidade. Atributos
dotados de significado especial para esta pesquisa, materializando a ponte que
propomos estabelecer com o design.
O acaso é o foco do terceiro capítulo. Perpassando pelos campos do jazz e do
design gráfico, é o fundador do espaço privilegiado de ressonâncias, fusões e
reconfigurações, onde nossas reflexões buscam vivenciar sua coerência. Procuramos
abordá-lo sob três divisões que, mais do que tentar qualificá-lo, nos auxiliam a
exemplificar e a validar, por meio da experiência de designers e músicos, a prática
de um trabalho mais integrado ao experimentalismo.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
As contribuições dos diversos movimentos artísticos do século XX para o design são
notórias. Tomamos a liberdade de selecionar apenas alguns exemplos, por estarem
próximos ao nosso enfoque de utilização da experimentação e do acaso (em alguns
casos) no processo criativo. Nisso, as vanguardas artísticas do início do século XX,
são pontuais como referência. Suas experiências buscando representar o caráter
transgressor das suas propostas (ruptura, questionamento e negação da tradição),
são referências para o design até os dias atuais.
No cubismo, por exemplo, elementos são relacionados a partir de uma montagem
que prima pelo uso da sobreposição e da quebra da ilusão tridimensional. A
simultaneidade dos ângulos de visão sugere uma multiplicidade de pontos de
acesso, possibilitando romper com a hierarquia visual da informação.
O design gráfico apreende o modo de ver planos e abstrações geométricas.
Influências que o cubismo absorveu da pintura de Paul Cézanne (1839-1906) e
CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS
1.1 Design e arte: aproximações
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
sua representação da natureza por meio de cilindros, cones e esferas. Mesmo que
seja de forma indireta, as experiências cubistas e suas técnicas como a colagem1
ajudam a compor o leque de influências que corroboram no arranjo ou na criação
de elementos visuais em produções contemporâneas. Os trabalhos de Paul Rand
(1914-1996) são exemplos disso (figura 01). Meggs (2009) aponta a influência
cubista no trabalho de Rand no uso de formas geométricas criadas livremente,
como ferramenta de comunicação visual, acreditando na sua força simbólica e
expressiva.
O cartaz de Sonia Greteman (figura 02) e o cartaz de Jan van Toorn (1989) (figura
03) são exemplos mais recentes do uso de colagens para produção no design.
Figura 01: Paul Rand. Capa do anuário Jazzways,
1946. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 486.
Rand usa a técnica de colagem para dar
vida às formas geométricas que assumem
simbolicamente a dinâmica desse estilo musical.
Cabe pontuar que as
colagens não foram
excluisividade dos
cubistas. Artistas como
Kurt Schwitters usaram-
na com propriedade em
seus trabalhos.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
Figura 02: Sonia Greteman. Cartaz para campanha ambiental,
1991. Fonte: Tambini, 1996, p. 231.
Recortes de jornal colados de forma aleatória criam uma
moldura para a imagem central. São produzidos preservando o
ruído visual de um recorte despojado, sobrepostos a pintura de
silhuetas fragmentadas.
Figura 03: Jan van Toorn. A luta continua. Cartaz comemorativo
do centenário da Declaração dos Direitos Humanos, 1989.
Fonte: Lupton, 2008, p. 128.
Colagem, fotografia e desenhos feitos à mão se misturam a
vários tipos de fontes tipográficas. A distribuição irregular
das tiras de papel reforça o caráter expressivo desse tipo de
montagem utilizada pelo cubismo.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
A ruptura com o passado também é foco dos futuristas, exaltando a máquina
como representante do futuro e do novo. Para simbolizá-la, seus experimentos
propunham a interpenetração do verbal e do visual, buscando traduzir sons, gritos,
ruídos e suas alturas, com elementos visuais distorcidos dispostos de forma caótica
(figura 04). O futurista Felippo Tommaso Marinetti (1876-1944) declara: “É preciso
destruir a sintaxe e espalhar os substantivos ao acaso [...]” (Marinetti apud Hollis,
2000, p. 36). A velocidade faz parte do culto à máquina e isso leva à representação
da dinâmica da forma em movimento.
A revolução tipográfica contra a tradição
clássica é feita pela utilização de diferentes
tipos de variados estilos e pesos. A dinâmica
de movimento é evocada pelo uso de
negrito, uso de escalas variadas e tipos
maiúsculos dispostos ao acaso. Com isso,
as palavras adquirem valor expressivo ao
serem enfatizadas pelo aspecto visual.
Suas inovações tipográficas e seus layouts assimétricos repercutem por várias
décadas e fazem parte do acervo referencial de muitos designers contemporâneos.
Figura 04: F. T. Marinetti. “Uma assembléia
tumultuada”. Ilustração desdobrável de Les Mots
em liberté futuristes. Fonte: Meggs e Purvis, 2009,
p. 321.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
Extendendo esse horizonte referencial, o dadaísmo se impõe no cenário revolucionário
artístico do início do século XX, posicionando-se não só contra a guerra e seus
reflexos, mas também contra a racionalidade da sociedade que a admitia. Critica as
convenções culturais fomentadas na irracionalidade desse contexto, sendo a voz da
desobediência, do conflito, da ironia, do anti-historicismo e da antiarte.
Alguns desses fatores que modelam seu espírito parecem bastante atraentes para
o design gráfico, enquanto base de experimentação e para a inserção do acaso no
processo criativo. Como escreve Ostrower, o movimento dadá contraria as normas e
convenções da cultura ocidental subvertendo a arte tradicional. Suas experiências
visam propositadamente chocar a racionalidade e o bom gosto. Como recurso,
substitui “as matérias nobres e os preparativos artesanais caros e demorados das
técnicas de pintura por montagens ou colagens, combinações aparentemente feitas
ao acaso [...]” (Ostrower, 2004, p. 340).
É ilustrativa para essa discussão, a forma como foram criadas algumas das obras
do pintor e poeta alemão naturalizado francês Hans Arp (1886 - 1966) como, por
exemplo, a segundo a lei do acaso de 1917 (figura 05). Ou o processo de criação de
André Masson (1896 – 1987), em seus quadros de areia, derramando-a sobre a tela
enquanto movia-se como um dançarino.
Outros artistas demonstram em seus trabalhos, a articulação entre acaso e processo
criativo, como Marcel Janco (1895 - 1984) (figura 06) e Hans Richter (1843 –
1916) (figura 07). Para alguns, visto pelo prisma de busca de soluções projetuais,
talvez não caiba para o design tomar para si a gratuidade de tal atitude, ou seja,
a aceitação instantânea do resultado de uma experimentação com o acaso, mas é
claramente aceitável que tal resultado possa sugerir um caminho ou mesmo que
esse tipo de experimentação seja incorporado aos processos criativos do design.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
Figura 05: Jean Hans Arp. Sem título (Colagem com
Quadrados Arranjados segundo a Lei do Acaso) 1916-17.
Fonte: http://www.moma.org/
“Durante muito tempo Arp havia trabalhado num desenho,
no seu ateliê, no Zeltweg. Insatisfeito, acabou por rasgar
a folha, deixando os pedaços esvoaçar para o chão.
Quando por acaso, após algum tempo, seus olhos voltaram
a pousar sobre estes pedaços que se encontravam no
chão, surpreendeu-o a sua organização. Ela possuía uma
expressão, que ele procurava inutilmente todo tempo.
Como era lógica a sua disposição, como era expressiva!
Tudo o que ele não havia conseguido antes, apesar dos
esforços, lá estava, feito pelo acaso, pelo movimento da
mão e dos pedaços esvoaçantes [...]” (Richter, 1993, p.63).
Figura 06: Marcel Janco. Construção 3, 1917. Fonte:
RICHTER, 1993, p. 54.
“Janco aproveitou o que a natureza lhe oferecia sob forma
de casualidade” (Richter, 1993, p.67), e assim incorpora
fios e arames nesta obra.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
Figura 07: Hans Hichter. Outono, 1917. Fonte: RICHTER,
1993, p. 68.
Richter pinta ao anoitecer, “de maneira que o quadro
acabava por ser concluído mais por força de uma visão
interior do que efetivamente diante dos meus olhos”
(Richter, 1993, p. 68).
Essa atitude ansiosa por superação de dogmas e de querer para si o imprevisto e a
descoberta, pode representar mais uma forma de produzir mensagens surpreendentes
de maior alcance, no sentido de fortalecimento da representação simbólica do
objeto. O dadaísmo nos ensina a experimentação sem preconceitos.
Para esta pesquisa, nos atrai a fecundidade do método e a resultante da ocorrência
espontânea do acaso. Esse acúmulo de forças afrouxa a rigidez de modelos utópicos
imputados ao design gráfico, questionáveis no cenário contemporâneo. Como
afirma Ostrower (2004), o processo de alienação cultural, a destruição ecológica, a
valorização do consumismo e tantos outros fatores negativos mantêm os preceitos
dadaístas ainda familiares.
Por outra via, o caráter cumulativo e multifacetado da cultura, segue mantendo
algumas premissas do pós-modernismo como estímulo à criatividade. Apoiados em
particularidades como a impureza da forma, pluralismo, ecletismo, intertextualidade,
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
hibridismo e diversidade, designers ainda o fazem repertório para uma livre atuação
no espaço ampliado de exploração da contemporaneidade.
No pós-modernismo, alta e baixa cultura se inter-relacionam e ortodoxias são
questionadas. O caótico e o excessivo norteiam soluções (figura 08), pois “o objeto
pós-moderno problematiza o significado, oferece múltiplos pontos de acesso e
está o mais aberto possível a interpretação” (Poynor, 2003, p. 22). No âmbito da
desconstrução2 promove significados ocultos a serem revelados, aproximando a
interpretação textual mais do jogo do que da análise.
Nesta colagem a comunicação é descentrada,
os elementos estão distribuídos de forma a
induzir o leitor a um “passeio” pela totalidade
da imagem, sem propor uma hierarquização.
Contribui para isso a disposição dos textos
de forma horizontal, vertical, em diagonal
usando diferentes fontes tipográficas com
peso e formas diferentes. Recortes irregulares
das imagens sobrepostas em camadas dão um
ar de descontração no tratamento da forma e
na relação entre os elementos.
Muitos designers produziram e produzem projetos atraídos por seus preceitos ou
pela liberdade de experimentação. Neste cartaz para exposição de Edward Fella,
(figura 09) Poynor (2003) aponta, entre outras características, a liberdade no
tratamento visual que se vale do livre espaçamento entre as palavras e de uma
estética fluída e irregular.
Figura 08: Wolfgang Weingart. Anúncio na
Revista Typografishe Monatsblätter, 1974.
Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 607.
A desconstrução é
descrita por Timothy
Samara como
experiências que
tentavam “quebrar
estruturas preconcebidas
ou usá-las como ponto
de partida para novas
maneiras de estabelecer
ligações verbais e
visuais entre imagem e
linguagem” (Samara,
2007, p. 117).
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
Figura 09: Edward Fella. Cartaz para exposição, 1988. Fonte:
Poynor, 2003, p. 54.
Observamos um tratamento expressivo na construção e escolha
dos tipos, além da disposição dos textos. Não há rigidez no
distanciamento entre letras e palavras. Formas fluídas e
distorcidas colaboram na formatação de um aspecto autoral
para o cartaz.
Já o “desconhecimento de regras” defendido por David Carson, insere a intuição
como elemento primordial para compor (figura 10).
Com isso, a experiência pós-modernista é absorvida com a utilização de recursos
que a princípio poderiam parecer díspares ou supérfluos, mas que na verdade,
potencializam aspectos da comunicação. Leva em conta a interação com o usuário
e o universo comunicativo que nos rodeia. Sua característica de livre apropriação,
por exemplo, proporciona voltas ao passado, recontextualizando propostas com
o frescor de novas idéias para o presente (figura 11). O pós-modernismo alcança
a atualidade como trunfo nas mãos de designers que fazem uso das tecnologias
digitais para tornar ainda mais imprecisos os limites do que pode o design.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
Figura 10: David Carson. Fonte: http://www.
davidcarsondesign.com/?dcdc=top/t
Liberdade na distribuição dos elementos independente de
alinhamentos que amparem as escolhas de posicionamento.
Riqueza de ornamentos ou elementos figurativos flutuando
e dispostos em camadas com uma flexibilidade discursiva
que cruza a fronteira entre arte de design. Vários estilos
de fontes (serifadas ou não) em que a legibilidade não é
fator preponderante; a linguagem verbal e a visual se
complementam nesse sentido.
Figura 11: Herbert Matter. Cartaz de turismo
suíço, 1934. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p.
432 / Paula Sher. Cartaz dos relógios Swatch,
1985. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 619.
O designer modernista Herbert Matter utiliza
o contraste de escalas entre os elementos
para causar impacto e o alinhamento diagonal
para transmitir a sensação de movimento.
Uma mensagem direta e objetiva. Paula
Sher apropria-se dessa construção de forma
superficial e divertida para montar sua proposta.
Parodiando o cartaz de Matter demonstra o
caráter eclético, pluralista e a flexibilidade da
visão pós-moderna.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
Outros matizes colorem e enriquecem as discussões acerca do design e da arte.
Campos (2007) escreve sobre aproximar design e arte por meio de compartilhamento
de qualidades estéticas. Isso a partir de uma definição ampliada de estética, que vai
além das teorias do belo desdobrando-se no aspecto sensível, fruto da relação entre
indivíduo e objeto. Associar estética apenas à beleza seria restringi-la a lugares
e períodos determinados da História da Arte. Segundo a autora, mais que isso,
envolve refletir sobre a experiência que proporciona, sobre os meios, seus reflexos
e seu contexto.
Campos cita Jan Mukarovsky em Escritos sobre estética e semiótica da arte
(1979), segundo o qual, a arte suscita uma provocação à capacidade humana
de descoberta, libertando o indivíduo de atitudes limitantes frente à vida prática.
Essa conscientização combate a estreiteza de visão perante uma realidade que na
verdade possui opções inesgotáveis. Na visão do semioticista checo, a função estética
vem a ser um contrapeso, uma certa antítese de outras funções, principalmente
em relação à função prática que é necessária à manutenção da vida humana. A
conduta prática entregue a si própria, empobrece e simplifica exageradamente a
relação do homem com a realidade, reduzindo-a a uma única faceta. Uma absoluta
circunscrição à atitude prática levaria a uma total automatização. Só a função
estética é capaz de manter o homem na situação de estranho perante o universo
(Mukarovsky, 1979 apud Campos, 2007).
Assim, conecta-se design e arte em torno da sobreposição da beleza das configurações
externas dos objetos, por tudo aquilo que surge da experiência estética; daquilo
que toca a sensibilidade do indivíduo.
Outra consideração importante é que na arte contemporânea o objeto estético
vem perdendo importância em relação a propostas circunscritas nas demandas
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
socioculturais. “Começa a surgir o imperativo de posicionar-se claramente em
relação às diversas instâncias sociais [...]” (Chiarelli, 2007, p.12). Há exemplos do
mesmo enfoque no design contemporâneo. Os designers franceses Pierre Bernard,
François Miehe e Gerard Paris-Clavel, por exemplo, criaram o estúdio Grapus
para conduzir seus projetos de forma mais próxima às questões sociais, políticas
e culturais. Um cartaz para exposição de seus trabalhos (figura 12) bem mostra
essa posição; está composto por uma série de ícones culturais como o bigode de
Hitler, as orelhas do Mickey Mouse, a foice e o martelo simbolizando o comunismo,
elementos que criam um caldo cultural crítico e irônico.
Figura 12: Grapus. Cartaz de exposição, 1982. Fonte:
Meggs e Purvis, 2009, p. 574.
Este cartaz está composto por uma série de ícones
culturais como o bigode de Hitler, as orelhas do
Mickey Mouse, a foice e o martelo simbolizando
o comunismo, uma tipografia agressiva e outros
elementos que registram o caráter crítico social do
estúdio.
Compreender o seu tempo parece ser um dos fatores mais contundentes para
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
materialização de projetos artísticos e de design circunscritos na atualidade.
Guto Lacaz: arte e design
O designer, artista e arquiteto Guto Lacaz3 considera sua obra RG enigmático
(figura 13) como representante do intercâmbio entre arte e design gráfico. Trata-se
de uma impressora movida a pedal com carimbos que representam os algarismos.
Cada número tem seu próprio grafismo associado à representação de elementos da
cultura brasileira: a flora, a fauna, as águas e os índios. “Trata-se de uma encomenda
de artes plásticas, mas acaba resultando em design gráfico porque resulta em uma
gravura que as pessoas podem levar para casa” (Lacaz, 2008) como um cartaz
personalizado, por exemplo. E assim como na arte, esse projeto também produz
uma peça “única”, ou seja, que não tem outra igual, baseada no número do RG
de cada usuário. Nessa afirmação, desconsideramos o debate sobre a legitimação,
ou não, de uma obra de arte a partir de sua “aura” de peça única, apontado por
Walter Benjamin em A Obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Não
pretendemos nos aprofundar nesse debate, pois não é o enfoque deste projeto,
apenas apontamos a observação do autor.
Guto reforça o sentido experimental deste projeto por envolver profissionais
especialistas para manusear seus materiais e produzi-lo, como os marceneiros, por
exemplo. Estes acrescentam suas contribuições ao projeto que vai ganhando forma
e sentido prático à medida que trazem soluções para torná-lo real e praticável.
Mantendo-se fiel ao desenho diretamente no papel como instrumento para
projetar, Lacaz recomenda que o bom designer deva andar sempre “armado”: bloco
Formado em arquitetura
em 1974 pela Faculdade
de Arquitetura de São
José dos Campos, o
paulistano Guto Lacaz
começou profissionalmente
atuando como ilustrador
para o Jornal da Tarde
e para editoras de livros.
É detentor de diversos
prêmios como o X Prêmio
Abril de Jornalismo em
1983 e o Prêmio Novas
Mídias – APCA em 1988.
Consta em currículo
participação em diversas
exposições como a 18ª
Bienal Internacional de São
Paulo e a Modernidade -
MAM em Paris. Realizou
trabalhos em cenografia,
instalações, performances,
publicação de livros,
além de atuação didática
nas faculdades: PUC
Campinas, Faculdade de
Arquitetura Belas Artes,
Faculdade de Artes
Plásticas Santa Marcelina
e SENAC.
3
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações
de papel e caneta ou lápis. Isso lhe dá suporte para produzir idéias e soluções
para objetos usuais e inusitados ao mesmo tempo que realimenta sua trajetória de
experimentações e de busca de liberdade para trafegar acima de fronteiras válidas
ou não entre os campos da arte e do design.
Figura 13: Guto Lacaz. RG enigmático. Fonte: http://
www.gutolacaz.com.br/grafica/rg_enigmatico.html.
As referências de movimentos artísticos, o contexto social e políticos e estilos
baseados em comportamento, moda e música como o punk dos anos 70, dão margem
a experiências e quebra de tabus que se estendem por anos, influenciando escolas
e designers. O contemporâneo se faz na continuidade dos valores que pulularam
a esfera cultural e política dessas décadas até alcançar a atualidade. Como afirma
Melo; “A contemporaneidade paga tributo diário à cultura produzida nesses dez
anos turbulentos” (Melo, 2006, p. 28).
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
Entre as ponderações que colaboram na configuração de um produto, estão
presentes aquelas relacionadas ao contexto sócio-econômico, agindo sobre suas
qualificações e destinações. É o caso do funcionalismo do começo do século XX, que
enfatiza os componentes necessários para adaptação do produto ao atendimento de
propósitos específicos do processo industrial. Nesse período, a indústria encontra-
se em plena expansão pontuada pelas formas de produção: estandardização, linhas
de montagem para produção em série e simplificação dos processos industriais.
Esses fatores, incluindo a recusa da ornamentação, defendida no artigo Ornamentoé Crime (1908) de Adolf Loos (1870-1933), convertem-se em estética funcionalista
tornando belo aquilo que atende fundamentalmente a finalidade prática dos objetos
de maneira precisa e objetiva. Trata-se de adequar a forma ao seu funcionamento.
É a superação dos estilos florescendo na Europa, como afirma Bürdek (2006),
principalmente na Alemanha do pós-guerra. Embasados por essa concepção ideal, os
1.2 Design gráfico e funcionalismo
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
funcionalistas influenciam o design mundial, contribuindo inclusive na estruturação
e trajetória de várias escolas como a Bauhaus, posteriormente a Escola de ULM e
aportando no Brasil via ESDI.
Nos dias atuais, essa subordinação a funcionalidades apenas materiais, padronizações
universalizantes, racionalidade e objetividade mostram-se insuficientes frente
a outras perspectivas intangíveis que se abrem e demonstram também ser
primordiais. Como exemplo, as dimensões emocionais e intelectuais a que se
refere Robert H. Mckim (Mckim apud Wagner, 2006) quando defende uma nova
visão sobre o funcionalismo: um funcionalismo multidimensional, mais próximo à
natureza humana. Ou seja, como escreve Wagner (2006) sobre as idéias de Karel
Honzík (1900-1966) e Jan Mukarovský (1936-1979), um novo funcionalismo que
reconheça a variabilidade dos meios e dos fins, em conformidade com a natureza
humana, adequando soluções às suas necessidades multidimensionais. Donald
Norman (2008) acrescenta mais exemplos sobre a relação do design com atributos
humanos. Desenvolvendo estudos sobre os níveis de estrutura do cérebro, estabelece
relações entre o nível visceral e a aparência, o nível reflexivo com a auto-imagem,
satisfação pessoal e as lembranças e por fim o nível comportamental com o prazer
e a efetividade do uso:
O nível visceral é preconsciente, anterior ao pensamento. É onde a aparência
importa e se formam as primeiras impressões. O design visceral diz respeito
ao impacto inicial de um produto, a sua aparência, toque e sensação. O
nível comportamental diz respeito ao uso, é sobre a experiência com um
produto. [...] É somente no nível reflexivo que a consciência e os mais altos
níveis de sentimento, emoções e cognição residem. “É somente nele que o
pleno impacto tanto do pensamento quanto da emoção são experimentados
(Norman, 2008, p.56 e 57).
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
Emoção e afeto discutidos por Norman agregam novas dimensões ao cenário do
design contemporâneo trazendo para reflexão o potencial simbólico e social. A
isso, acrescentamos o questionamento de Campos e Roizenbruch (2008) sobre o
chamado “design de autor”:
Seria a qualidade da funcionalidade presente em um objeto ou produto
incompatível ou impossível de coexistir com a qualidade que marca a
evidência de um traço ou estilo nesse mesmo objeto ou produto? (Campos e
Roizenbruch, 2008).
As autoras acrescentam a esta discussão, a questão da autoria como marca ou
expressão pessoal que particulariza um produto revelando quem o concebeu. Essa
controvérsia provoca uma série de outros questionamentos sobre as conseqüências
dessa singularização envolvendo a liberdade poética; a autonomia projetual; a
viabilidade econômica; as fronteiras com a arte; enfim, o impacto dessa prática que,
contestada ou não, obtém sucesso junto ao público-alvo, haja vista os exemplos de
David Carson ou dos irmãos Campana.
São fatores que também compõem a construção dos novos paradigmas; sobrepõem,
se unem ou reformulam o ideário funcionalista.
Exemplo de manifestação da mudança de paradigmas do design nos dias atuais
são essas especificidades desse mesmo movimento funcionalista, que vão
progressivamente adquirindo novas colorações. Muitas vezes tornam-se uma
especificação apenas estética, contrapondo exatamente o que foram os anseios
reducionistas do Estilo Internacional4 visto na capa para revista Neue Grafik 2
O movimento Estilo
Internacional teve como
princípio a idéia de
que o uso de formas,
tipografias e cores
universais promoveria uma
sociedade mais justa.
Entre as décadas de 60-
70 passou a ser adotado
pelas multinacionais como
um design perfeitamente
apropriado para o mundo
capitalista
4
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
(figura 14), por exemplo. “Curiosamente, uma vez aceita a linguagem estética do
funcionalismo, despojada de ornamentos, ela se torna vanguarda, sendo abraçada
até por aqueles que não geravam produtos funcionais – apenas parecendo
funcionais” (Coelho, 2008, p. 127).
Figura 14: Carlo L. Vivarelli. Capa para Neue
Grafik 2, 1959. Fonte: Meggs; Purvis, 2009, p.
475.
Nessa proposição, o enfoque gira em torno de
uma comunicação clara e sem interferências.
A economia de elementos e a impessoalidade
atende o ideal de uma expressão objetiva. Os
textos estão ancorados em colunas alinhadas à
esquerda de forma precisa e objetiva.
Hoje, tal proposta de subtração do que fosse desnecessário ao funcionamento do
produto transcende o valor prático adquirindo novos valores: “Neste novo cenário
os princípios funcionalistas perdem o caráter de determinação formal, passando
a diretrizes abstratas sem um comprometimento necessário com as estéticas
construtivas, suíças paramétricas” (Lessa, 2005, p.6). Atualmente ganham força,
a valorização da significação simbólica do produto, o prazer lúdico oferecido
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
pela fruição do conteúdo estético e mesmo, a possibilidade de identificação e
diferenciação social. Esse enfoque abre novos caminhos ao profissional do design.
Esta estratégia profissional [...] é um signo de nosso tempo, um resultado
das oscilações do gosto no ser humano, que já cansado do frio racionalismo
experimentado até o extremo, hoje explora outras formas de vida e desfruta
de novos objetos, a maioria dos quais, no momento, estão cada vez mais
longe da postura do arquiteto Louis Sullivan segundo o qual ‘a forma segue a
função’ e que todo designer havia acatado com respeito durante pelos menos
meio século (Salinas, 2003, p.114).
Ganha consideração o modo como o indivíduo interage com o produto. Niemeyer
(2003) escreve sobre filtros que atuam no processo: filtros fisiológicos (acuidade da
percepção), filtros culturais (ambiente, experiência individual) e emocionais (atenção,
motivação). Assim, se engendra o surgimento de um usuário que passa a ter voz e
a ser ouvido na elaboração dos projetos de design. E que, conseqüentemente revela
sua força, pois detém o poder de escolha. Fruto de uma sociedade pós-industrial
e fragmentada em grupos sociais variados, passa a influenciar os processos de
produção e design que se contrapõem ao enfoque histórico de produção em
massa. Isso também perpassa por considerar o aspecto dialógico dos produtos,
como coloca Flusser (2007) quando diz que os objetos de uso não são meros
objetos, mas produtos de mediações entre os homens. Ou seja, são enfatizados
os aspectos comunicativos e intersubjetivos dos produtos, pois cabe ao designer
a responsabilidade de “responder por outros homens”. Assim, assume a postura
de ser um artífice na produção de cultura em que os objetos de uso sejam menos
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
obstáculos “e cada vez mais veículos de comunicação entre os homens” (Flusser,
2007, p. 198).
Mas não só avanços compõem o novo cenário. Alguns designers e pensadores
colocam pontos de interrogação sobre novas tendências ou práticas duvidosas no
design. Apontamos alguns exemplos: Dan Friedman (Friedman apup Heller, 2007)
questiona:
Pode ser pura ilusão achar que a mais nova tendência da tipografia seja
automaticamente melhor e tenha mais níveis de significado que as experiências
anteriores e que estavam mais ou menos preocupadas com as possibilidades
formais. Também pode ser ilusão o fato de que a nova tecnologia digital
tenha maior autoridade e represente uma forma de progresso, considerando
que o progresso tecnológico tem freqüentemente causado alguma erosão nos
valores humanos (Friedman apup Heller, 2007, p. 283).
Nessa mesma linha de pensamento José Manuel Bártolo (2006) também aponta:
[...] se o design produziu as principais tendências que caracterizam a sociedade
contemporânea, então deve ser posta em causa a eficácia de sua ação social;
se, pelo contrário, o Design é produto das tendências contemporâneas então
devemos admitir que a disciplina não foi capaz de se impor dando razão
a certos discursos de crise que denunciam, hoje o predomínio de um non-
design, um design pobre, a serviço de interesses puramente comerciais
(Bártolo, 2006).
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
O autor aponta ainda uma série de questões relativas à época contemporânea
relacionadas à sujeição ao mercado, ao caráter supérfluo dos produtos, a
superficialidade estética e pondera sobre a consciência ética como valor primordial
para cada projeto. A discussão de Victor Margolin (1998) sobre a problemática
situação econômica e social no mundo e sua relação com o design, traz ainda a
importância deste como um caminho para se alcançar resultados reais e positivos.
Para o autor, o design oferece uma ligação entre os modelos de desenvolvimento
social: modelo de equilíbrio (o mundo é um ecossistema de equilíbrio delicado,
baseado em recursos finitos) e o modelo de expansão mundial, (o mundo é
constituído por mercados em vez de nações, sociedades ou culturas). Por seu
caráter projetual e prático, o design tem a vantagem de poder ir além do discurso
e apresentar produtos e projetos que demonstrem objetivamente possíveis formas
de conciliação desses modelos.
Procuramos realizar uma breve abordagem sobre algumas das variadas questões
sobre o design e suas relações com a contemporaneidade mediante algumas
exemplificações pontuais. É basicamente o que defende Morin (2000) quanto ao
desenvolvimento de um pensamento que nos ajude a compreender os problemas da
sociedade a partir da sua contextualização, globalização e interligação.
Deveríamos, portanto, ser animados por um princípio de pensamento que nos
permitisse ligar as coisas que nos parecem separadas umas em relação às
outras. [...] O princípio da separação torna-nos talvez mais lúdicos sobre uma
pequena parte separada do seu contexto, mas nos torna cegos ou míopes
sobre a relação entre a parte e o seu contexto. [...] O conhecimento progride,
principalmente, não por sofisticação na formalização e na abstração, mas
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo
através da capacidade de contextualizar e em globalizar. Essa capacidade
necessita de uma cultura geral e diversificada, e, estimulada essa cultura, o
pleno emprego da inteligência geral, isto é, o espírito vivo (Morin, 2000).
Com base nessa exposição, cremos em um campo não estanque ou “congelado no
tempo” tomando as palavras de Campos (2009), mas atento às questões do seu
próprio tempo. Cremos que se configura um cenário propenso a acolher abordagens
experimentais sobre produtos, projetos e processos criativos.
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia
Entre transformações sociais, científicas e culturais, a quantidade e a variedade de
recursos técnicos proporcionados pelos avanços tecnológicos dos meios de produção,
permitem-nos alçar vôos criativos antes difíceis (e onerosos) de se tornarem
realidade. Há tempos que a superação de limitações técnicas vem ampliando o
horizonte criativo que margeia perspectivas projetuais. Principalmente limitações
impostas em períodos históricos em que a gestação dos projetos condicionava-
se ao embrionário processo de desenvolvimento de soluções técnicas. Da prensa
tipográfica à fotografia. Não pretendemos recuar no tempo e traçar um perfil
histórico da evolução técnica dos meios de reprodução, mas sim, apontar o valor
da experimentação nesse processo evolutivo.
A inovação tecnológica busca suprir os vários tipos de demanda sempre crescentes,
sejam econômicas, técnicas, criativas e muitas vezes, são experimentações que a
trazem à tona. Estas, submetem o recurso técnico ao extremo das possibilidades
1.3 Design gráfico e tecnologia
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia
de sua utilização, inclusive atendendo a objetivos para o qual não foi programado.
Como conseqüência, a produção de soluções (inovadoras ou corretivas), mais
adequadas ao contexto de sua utilização, liberam o recurso de sua função original,
sendo descartado ou assumindo outra função, mesmo que simbólica ou estética.
Dessa maneira, o processo de experimentação, impulsionado tanto pela necessidade
produtiva quanto pelo desejo de descoberta, conduz a transformações em que novas
perspectivas são exploradas e assim sucessivamente ao longo da história.
O tipógrafo suíço Wolfgang Weingart, professor da escola Kunstgewerbeschule,
também na Suíça, valendo-se do potencial da recém surgida fotocomposição5,
utiliza esse recurso em experimentações que o libertam da ortodoxia das aplicações
gráficas convencionais. Em um artigo para a revista Druckspiegel escreve: “A
fotocomposição tipográfica com suas possibilidades técnicas converte a tipografia
em um jogo sem normas” (Weingart apud Poynor, 2003, p.20).
Em um exemplo cronologicamente anterior, Lessa (2005), escreve sobre as
transformações que ocorrem nas formas de representação gráfica, reconfigurando
o papel do “traço” já desde a Revolução Industrial. Tanto na produção de textos
substituído pela tipografia, quanto na produção de imagens produzidas pelo desenho
e substituído pela fotografia. Ou seja, esse encargo do traço, que teve grande
importância como forma de adaptação para atender as limitações das matrizes
de impressão da época, esvanece nas décadas posteriores e pode assumir novo
patamar como solução formal. Sobrelevando a escassez de recursos técnicos, essa
ação manual pode, por exemplo, assumir um caráter investigativo ou exploratório e
ser incorporada como elemento de composição. Não só investigativa como também
aleatória, na incorporação de desvios ou de ações imprevistas, aí incluso o acaso.
Fotocomposição: sistema
de composição que
faz uso de filmes ao
invés de produzir linhas
de texto sobre metal.
Tornou mais rápido,
limpo, simples, barato
e perfeito o processo de
composição.
5
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia
Nesse caso, o traço se liberta da representatividade, sua função original.
Nos dias atuais, não só as limitações técnicas se transformam rápida e
continuamente como influenciam e ampliam a atuação do designer na esteira do
processo de produção. Atuando em editoração eletrônica, por exemplo, o designer
pode assumir o controle de várias etapas de produção, em um caminho inverso ao
estabelecido pela Revolução Industrial. Nesse tipo de atividade é possível para o
designer produzir desde a diagramação até a separação de cores para a impressão.
Observamos que, mesmo com essa facilitação vista como uma perspectiva de
atuação mais integradora das etapas do processo, pode sim haver uma setorização
para alinhar certas especificações ao quadro de especializações profissionais:
design gráfico, de ambiente, de web etc. A diversidade do campo de atuação pode
sugerir essa pulverização, mas a inviabilidade técnica como agente limitador de
atuação para o designer se reduz cada dia. Tal subordinação cada vez mais se
afasta do centro das preocupações ou adquire novos contornos. Em uma produção
para mídia impressa, por exemplo, o mesmo designer que projeta a forma ou define
os materiais com enfoque na preocupação ambiental, quanto ao descarte ou ao
reaproveitamento, pode também atuar na criação das fontes tipográficas. Ou seja,
nesta situação em que computadores pessoais e programas visuais tornam-se, em
sua maioria, ferramentas acessíveis, a integração de etapas leva a outro alcance as
considerações sobre o projeto. Como afirma Cauduro, proporciona maior liberdade
e estímulo para experimentação:
A complexidade dos recursos, a heterogeneidade dos elementos visuais
processados, o realismo das simulações WYSIWYG (what you see is what you
get), a fragmentação da criação em passos cada vez menores e a possibilidade
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia
de modificar cada vez mais detalhes pontuais das peças, levam os designers
a procurarem fugir de dogmas e fórmulas concebidas em épocas em que
a manipulação tipográfica ainda era limitada, cara, demorada e sujeita a
restrições de ordem física (Cauduro, 1998, p. 98).
Partindo do computador ENIAC6 de 1945 pesando 30 toneladas, chegamos aos
computadores Macintosh em 1984 e sua representação metafórica do desktop
flexibilizando as possibilidades de ação e trazendo a dimensão digital dos pixels e
vetores para a profissão (Figura 15). Cabe observar também que com o computador,
nada está definitivamente terminado, a possibilidade do “Ctrl+Z” permite um retorno
a estágios anteriores do projeto sem nem deixar rastros. Enfim, o computador se
torna uma ferramenta para a profusão de uma série de experimentos estéticos
viabilizados por essa flexibilidade.
Figura 15: Attik Noise – Ilustração para revista. 1998. Fonte:
Poynor, 2003, p. 94.
A produção tridimensional do organismo cibernético e
a utilização de camadas e transparências caracterizam
as possibilidades estéticas do computador. A facilidade
de manipulação de fontes tipográficas transformando-
as em texturas e fragmentos visuais são exemplos de sua
flexibilidade.
O ENIAC -Electronic
Numerical Integrator and
Computer foi o primeiro
computador eletrônico de
autoria de Prosper Eckert
e John W. Mauchly, EUA.
6
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CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia
A evolução tecnológica e o potencial facilitador intrínseco aos recursos
computacionais, incluindo aí a flexibilização das etapas do trabalho, fazem
parte dos componentes geradores de um novo status para o design. Produzem
desafios que vão além da adequação da profissão aos avanços tecnológicos ou
vice-versa. Uma investigação mais aprofundada sobre outras vertentes possíveis
de problematização, nos desviaria do enfoque sobre o experimentalismo, seus
resultados e pressupostos. Tratamos agora de nos direcionar ao campo da música e
iniciar nossa aproximação.
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
Podemos ir além de investigar as relações entre o design gráfico e a música,
não apenas por análises comparativas entre seus elementos constitutivos, como
por exemplo, o ritmo, a cor e a linha, que foram reiteradamente abordadas por
vários autores. Reflexões sobre a organicidade temporal ou relações espaciais
intercambiáveis entre os campos, visual e o sonoro, também foram tema de diversos
estudos. Abordagens estéticas também acontecem desde o Renascimento, como na
representação pictórica do gesto musical, no exemplo do Concerto Campestre de
Tiziano (Freitas, 2009) (figura 16).
Ou no exemplo contemporâneo do cartaz para a galeria Singuhr (figura 17) feita
pelo do Estúdio Cyan7 em Berlim, propondo representar a experiência sensível de
um visitante nessa galeria dedicada a arte e ao som.
Ainda assim, antes de prosseguir no enfoque desta pesquisa, deteremo-nos
brevemente sobre alguns desses tópicos, para imprimir aos argumentos artísticos,
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ
2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
http://www.cyan.de/
7
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33
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
um caráter referencial ao design. Além disso, enfatizar a pertinência de pesquisar
aproximações entre as esferas da música e do design.
Figura 16: Tiziano Vecellio, dit Tiziano, Le Titien (Pieve
di Cadore, 1488/1490 - Venise, 1576) Le Concert
champêtre Vers 1509. Fonte: http://www.louvre.fr/
“[...] o homem e a natureza deve estar em perfeita
harmonia. Um pensamento que evoca o mito da
Arcadia, que conta a vida feliz dos pastores de Arcadia,
ocupados principalmente com o canto e música”
Fonte: http://www.louvre.fr/
Figura 17: Cyan Studio. Cartaz para a galeria Singuhr
–Sound Art Gallery at Parochial Church, 2005. fonte:
Foster, 2006, p.36.
A proposta é representar a percepção humana do som
no ambiente da galeria. O designer busca revelar a
vibração sonora por meio de texturas de cores variadas.
O efeito visual evoca a sensação de movimento das
ondas sonoras envolvendo e agindo no espectador que
transita na galeria.
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34
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
Bóris Garay (2002) aponta uma série de relações possíveis. Notas musicais dispostas
seqüencialmente em uma composição, também nomeadas em seu conjunto por
“linha melódica”, podem ser apreendidas em um sentido conotativo, como uma
representação secundária de um elemento gráfico: a linha ou traço contínuo. Sua
evolução ascendente, descendente, constante ou entrecortada pelo silêncio (pausa)
interposto entre as notas, tem o poder sugestivo de representar uma linha traçada
no espaço. Segundo Garay:
Apesar das notas musicais escritas em partitura aparentarem estar separadas
(como pontos intercalados), não é o que acontece quando se toca ou se ouve
o mesmo trecho melódico. Neste caso, uma nota deve terminar somente
quando a outra começa. Mesmo em uma frase musical com pausas (silêncios),
verifica-se essa continuidade (gestalt), pois, a priori, a frase deve ser composta
de modo que faça sentido para o ouvinte. Assim, a sensação auditiva (e não a
visual, proporcionada pela escrita da música) se assemelha mais ao desenho
de uma linha do que a uma seqüência de pontos intercalados (Garay, 2002).
No exemplo de uma fuga8 observamos o desenrolar de linhas melódicas simultâneas
“caminhando” em várias direções. Por outro lado, Deleuze e Guattari evocam o
deslocamento pictórico da linha sobre acordes singulares de cores quentes e frias,
tonais, modais:
[...] enquanto, em uma textura contrapontística musical, há linhas melódicas
horizontais onde pontos são determinados e que se deslocam ao longo de
verticais harmônicas, as artes plásticas valem-se também das verticais e
“A fuga é uma
peça contrapontística
que se fundamenta
essencialmente na
técnica de imitação.
Geralmente, é escrita
para três ou quatro
partes, chamadas
“vozes”. Estas são
referidas como soprano,
alto, tenor e baixo”
(Bennett, 1986 ,p. 39).
8
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35
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
horizontais de um quadro e nos remetem também às verticais de deslocamento
– tal qual a linha é o ponto em movimento para Kandinsky – e às horizontais
de sobreposição – vertical, horizontal; forma fria, forma quente; branco,
negro; luz cromático; tonal, modal etc. (Deleuze e Guattari apud Taffarello,
2008).
No design gráfico ou nas artes visuais, temos a construção de linhas combinando
elementos ou gerando formas para expressar no espaço o que a linguagem musical
expressa no tempo. Donis A. Dondis, em seu livro Sintaxe da Linguagem Visual (1997), justifica a relação linha e movimento “por sua natureza linear e fluída”
(Dondis, 1997, p.56) e pelo alto grau de liberdade em veicular experimentações que
faculta. Veículo de tradução dos sentimentos, emoções e intenções do designer.
Samara (2007) apresenta um catálogo (Figura 18) que é composto por linhas,
pontos, círculos e semicírculos de forma espontânea, no intuito de criar sensação
de movimento ou de dança entre os elementos da composição.
No outro extremo, Hagihara (2008) aponta as afirmações de Wassily Kandinsky
(1866-1944), sobre a linha como elemento limitador da criação no período das
vanguardas expressionistas. Sua eliminação possibilitou um ajustamento à nova
situação em que a cor alcança a supremacia.
Isso significa que qualquer cor obediente ao cerceamento da linha estabelecida
pela perspectiva linear, característica das pinturas clássicas, entrava em
decadência, assim como a reprodução técnica de leis matemáticas euclidianas
e físicas de representação pictórica do espaço perdiam importância em relação
ao paradigma da expressão (Hagihara, 2008, p. 437).
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36
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
Figura 18: Stoltze Design, CVPA - Catálogo de Cursos. Fonte: Samara
2007, p.179.
Para o design, a linha segue sendo elemento de criação seja por uma perspectiva
matemática, seja por seu potencial criativo, vide o exemplo dos rascunhos que
serão tratados mais à frente9.
Seguindo nosso propósito de apresentar algumas abordagens sobre som e imagem,
partimos da “linha” para o vazio. Não só a presença dos sons, mas também sua
ausência, as chamadas pausas musicais, podem estar sujeitas a analogia com
os espaços vazios de uma composição gráfica. A linguagem visual se aproxima à
música na manipulação dos espaços entre a presença ou ausência da imagem, na
articulação do arranjo gráfico. Isso é semelhante à manipulação das marcações
rítmicas e da duração dos sons no discurso musical.
Ver capítulo Design
gráfico e jazz: a
convergência do acaso
a partir da página 80.
9
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37
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
Caznok (2003) faz observações sobre a temporalidade nas artes visuais, que cabem
perfeitamente na relação design e música. A autora escreve sobre formas de
organizar os elementos para gerar sensação de movimento:
Corolário da temporalidade é a organização rítmica dos elementos pictóricos,
não em sua proporcionalidade métrica, mas em sua vivência cinestésica, em
sua capacidade de provocar no espectador vivências de movimentações e
dinâmicas temporais semelhantes àquelas trazidas pela música (Caznok,
2003, p.107).
Meggs e Purvis (2009) apresentam um exemplo de uma distribuição de elementos
tipográficos (figura 19), no caso para aproximar visualmente a sensação rítmica
musical; “Uma repetição em staccato10 das letras da palavra jazz estabelece
seqüências musicais e anima o espaço” (Meggs e Purvis, 2009, p. 482).
Figura 19: Ralph Coburn cartaz para a banda de jazz
do MIT., 1972. Fonte: MEGGS, Philip B.; PURVIS,
Alston W. . História do design gráfico, 2009, p.482.
Staccato: Modo de
executar destacando
nitidamente cada nota.
10
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38
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
Garay (2002) também aponta outras relações possíveis como as que ocorrem entre
acordes do sistema tonal e as formas geométricas do quadrado, do triângulo e
do círculo. Lembramos que na Bauhaus, essas formas eram “paradigmas das leis
formais que se supunha embasarem toda expressão visual” (Miller apud Lupton e
Miller, 2008, p.9). Acordes são sons combinados por intervalos pré-determinados,
tocados simultaneamente e com funções específicas, determinadas pela teoria
musical do sistema tonal. Entre eles encontram-se os denominados por tônica,subdominante e dominante que, segundo Garay (2002), assumem respectivamente
características de estabilidade, meia-estabilidade e instabilidade:
Há estilos musicais em que se observa com mais ênfase o uso de algumas das
funções. Músicas infantis, que valorizam bastante o sentido de equilíbrio, são
calcadas na função tônica. No chorinho e no jazz (principalmente no bebop)
é comum encontrar seqüências de acordes com função dominante, o que
faz com que esses estilos tenham uma característica instável e tensa, pois
através dessas seqüências retarda a chegada do repouso, característica da
função tônica. Já em músicas onde são encontradas cadências com acordes
subdominantes (baladas, estilo new age, rock progressivo), a sensação é de
plenitude, amplitude, abertura (GARAY, 2002, p.3).
Talvez seja uma colocação muito temerária e arbitrária do autor, pretender uma
padronização entre os estilos musicais e as sensações que provocam, mesmo havendo
alguns exemplos de composições e reações que corroboram nessa argumentação.
Além disso, apesar de estar claro que o autor se refere ao sistema tonal, é preciso
salientar a existência de outras propostas musicais como a música dodecafônica,
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39
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
por exemplo, que busca explorar a ausência de um centro tonal. O sistema de doze
sons criado por Schoenberg (1874-1951), em 1923, subverte justamente a função
estrutural de cada nota, distribuindo-a de forma igualitária. Elimina o sentido de
cadências visto no sistema tonal.
Mas vamos nos ater ao sistema tonal neste primeiro momento, para apresentar
relações e não abrir muitas frentes de pesquisa. O movimento oscilante de tensões,
como trata Wisnik (1989, p.106), que se transforma em repouso, é o fundamento
dinâmico e progressivo da tonalidade. Na harmonia tonal, o encadeamento de
acordes resulta em sensações apoiadas em acordes característicos: o acorde de
tônica está associado à estabilidade e repouso, o subdominante se caracteriza pela
instabilidade e a máxima tensão está presente no acorde de dominante (Figura
20).
Figura 20 – Seqüência de acordes fundamentais e figuras
geométricas. Fonte: GARAY, 2002, p.2.
Cada acorde está estruturado em três notas sobrepostas
em intervalo de terça: “C” = dó maior (dó, mi, sol), “F”
= fá maior (fá. lá, dó) e “G” = sol maior (sol, si, mi). O
conjunto destes acordes está na tonalidade de dó maior,
sendo que a resolução da máxima tensão do acorde de
“G” seria o retorno ao acorde de “C”. O acorde de “F”
pode ser entendido como a música em movimento,
caminhando em direção ao clímax “G”.
Sob essa ótica, é possível estabelecer uma aproximação desses acordes aos estudos
que, a partir das formas geométricas do quadrado, do círculo e do triângulo, propõem
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
análise da linguagem visual e da forma visual. Como afirma Dondis:
Cada uma das formas básicas tem suas características específicas, e a cada
uma se atribui uma grande quantidade de significados, alguns por associação,
outros por vinculação arbitrária, e outros ainda, através de nossas próprias
percepções psicológicas e fisiológicas. Ao quadrado se associa enfado,
honestidade, retidão esmero; ao triângulo, ação, conflito, tesão; ao círculo,
infinitude, calidez, proteção (Dondis,1997, p.99).
Cabe novamente fazer uma ponderação; é preciso relativizar essas associações
de formas geométricas com percepções como de estabilidade ou instabilidade. É
necessário contextualizá-las, pois estão sujeitas às circunstâncias de sua época,
como nos exemplos dos embasamentos teóricos da Bauhaus, ou na “representação
pura” reduzida a elementos essenciais do movimento Neoplasticista de Theo van
Doesburg (1883-1931). Isso cabe também a música, que como afirma Iazzetta (2001),
para compreendê-la é preciso associá-la aos contextos sociais, culturais, biológicos
e físicos; “a música é a expressão de um conjunto de fatores indissociáveis e a
complexidade das conexões estabelecidas por esses fatores elimina a possibilidade
de se pensar em uma única música como modelo geral para todas as músicas [...]”
(Iazzetta, 2001).
Na Bauhaus, (abrindo um parêntese para a relação entre forma e cor), o curso básico
se propunha a descobrir as verdades fundamentais em funcionamento no mundo
visual, eliminando particularidades. Kandinsky (1866-1944), Klee (1879-1940) e
Itten (1888-1967), professores da instituição, usavam as formas básicas “como
uma escrita com a qual a pré-história do visível podia ser analisada, teorizada e
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
representada” (Lupton e Miller, 2008, p. 25). Kandinsky particularmente propôs a
existência de relação entre o triângulo dinâmico, o quadrado estático e o círculo
sereno, com as cores básicas do amarelo, vermelho e azul respectivamente.
Sobre a relação cor e som, já em épocas anteriores, muitos autores, artistas e
pensadores desenvolveram teorias associando cores à altura das notas musicais.
Caznok (2003) escreve sobre Mersenne (1588-1648) e Kircher (1602-1680),
pensadores jesuítas do século XVII, que relacionavam sons às notas musicais de
forma simbólica. Mersenne estabeleceu correspondências como, por exemplo,
entre a voz soprano e a cor ouro. Kircher, por outro lado, relacionava essa cor a
um intervalo de quinta entre notas musicais. Isaac Newton (1643-1727), em sua
obra Optiks, propunha relações das notas com o espectro de cores: ré, vermelho;
mi, laranja; fá, amarelo; sol, verde; lá, azul; si, índigo; dó, violeta. Kandinsky (1866-
1944), em seu livro Do espiritual na arte (2000), propõe uma série de relações
entre cores e instrumentos musicais: azul claro e a flauta; vermelho médio e a
tuba; branco e o silêncio absoluto; preto e o silêncio eterno e outros. O compositor
Olivier Messiaen (1908-1992), em sua obra Oito Prelúdios descreve uma cor para
cada prelúdio (Freitas, 2009, p. 40).
Culminam entre o final do século XIX e início do século XX, as idéias de construção
de instrumentos musicais que reproduzissem cores (figura 21). Prometheus, o poema de fogo (1910), sinfonia do compositor russo Alexander Scriabin (1872-
1915), contém uma partitura para um teclado de luzes (figura 22).
Basbaum (2002) apresenta uma série de compositores que se dedicaram à questão
da cor na música: Richard Wagner (1813-1883), sugerindo uma obra de arte total;
Nicolay Rimsky-Korsakov (1844-1908) estabelecendo relação entre cores e centros
tonais, como dó maior e o branco, por exemplo; Arnold Shoenberg (1874-1951),
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
ao tratar a cor como elemento composicional, estabelecendo associações como ao
timbre11; Jorge Antunes (1942) e o estudo do aparelho perceptivo, relacionando cor
e som pelas vibrações nervosas que ressoam entre si quando da percepção de cada
um.
Figura 21 – Rimington e seu teclado
colorido (Caznok, 2003, p.39).
Figura 22: A primeira página de Prometheus de Scriabin.
Fonte: http://www.bbc.co.uk/radio3/discoveringmusic/
pip/sr60f/
“Timbre: qualidade
distintiva de sons da
mesma altura e intensidade
e que resulta dos
harmônicos coexistentes
com o som principal”
(Ferreira, 1986 , p.
1378).
11
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
Na pintura o autor apresenta uma série de artistas empenhados nesse
empreendimento, como Mondrian (1872-1944), Yves Klein (1928-1962), Kupka
(1871-1957), e Paul Klee (1879-1940): “Um dia serei capaz de improvisar livremente
no teclado das cores” (Klee apud Basbaum, 2002, p. 41).
Garay (2002) ainda aponta as associações entre o uso da cor e as tonalidades
musicais maiores e menores12. Associadas a sentimentos de tristeza e alegria, estas,
permitem ligação com as cores quentes e frias e assim, compartilham influências
simbólicas.
Mas como mencionamos, também é possível aprofundar a compreensão das
relações entre o visual e o sonoro por outros caminhos. Como por meio de incursões
no “terreno” em que esses campos, ou seus elementos combinatórios coexistem e
se potencializam. Maria Lucilia Borges (2006) aponta a existência desse “espaço”
de encontros e fusões, em que nos cabe trafegar e observar as ressonâncias que
ocorrem quando os campos transpõem o território a que estão confinados. Nesse
“espaço”, segundo a autora:
[...] não é a música que se torna uma imagem (um objeto, um movimento...),
como quem imita uma cor, uma linha, um plano, mas a imagem que se desfaz
enquanto imagem. A imagem (o objeto, o movimento...) torna-se musical, ao
mesmo tempo em que a música torna-se outra coisa (pássaro, vento, silêncio,
a lua, uma estação, uma lembrança, um lugar, uma sensação, um sentimento,
um ruído...) (BORGES, 2006, p.860).
Borges (2006) pondera sobre a importância de se pesquisar essa “zona de mobilidade”
No sistema tonal as notas
musicais são estruturadas
em torno de um núcleo
principal. Existe uma
hierarquia de funções
nesse sistema, utilizando
acordes principalmente,
que originam cadências
trafegando entre tensões,
repouso e resoluções
desses acordes.
Simbólica e subjetivamente,
muitos autores e
compositores estabelecem
relações entre sentimentos
e sensações diferentes
entre tonalidades maiores
e menores.
12
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
entre o som e a imagem, em que ambos podem se influenciar mutuamente, como
resultado da própria essência de ambos.
Essa mobilidade ou capacidade de vir a ser das coisas envolve também o processo de
comunicação que por sua vez, é aspecto fundamental no design. Não só mobilidade
como potência de transformação, mas enquanto característica essencial presente
nos elementos componentes. Apoiada no pensamento crítico do filósofo francês
Henri Bergson, Regina Rosseti (2007) reflete sobre a comunicação como um fluxo,
um movimento que é sua própria essência. Como escreve a autora, não existe
imobilidade nem na superfície nem na essência das coisas que mudam, ou melhor,
só há a mudança porque a “coisa”, toda ela é movimento. Assim, “[...] por trás do
movimento há somente movimento, ou seja, por trás das coisas que mudam há uma
essência que é ela própria, movimento também” (ROSSETTI, 2007, p.2).
Dessa forma, podemos compreender o som como elemento predisposto a ser
imagem por uma capacidade de mobilidade que constitui sua própria essência. E
não é necessariamente preciso que ocorra essa transposição entre sentidos para
demonstrar o intercâmbio entre o audível e o visível. Como afirma Garay, design
gráfico e música “se assemelham por serem compostas através da combinação
criativa dos seus elementos para comunicar conteúdos de forma original” (Garay,
2002, p.1).
Assim, som e imagem, de forma implícita ou explícita, se comunicam e corroboram
na valorização de uma percepção que se constrói na união de sentidos. A simples
evocação de um som pode suficientemente trazer implícito e de forma latente, a
presença de uma cor. Caznok (2003), escreve que a expressividade de uma obra,
no caso das artes visuais, está além de seus dados objetivos; está no seu poder de
evocar aquilo que não está expresso formalmente. Ou seja, no exemplo do som, não
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias
há uma visualidade objetiva, mas percebe-se sua presença sensível.
[...] é como virtuais, como possíveis no mundo perceptivo que o sonoro e o visual
se comunicam e se unem. Como virtuais não devem ser forçados a se expressar
em imagens ou sons concretos: a sonoridade de uma forma geométrica não
é para ser tocada ou ouvida fisicamente, assim como as sugestões visuais de
uma música não são para serem pintadas ou representadas. O visível chamado
pelo sonoro e o audível evocado pela visão permanecem em estado latente
- são o pressentido imanente ao sentido (Caznok, 2003, p.220).
As teorias e experimentações sobre as correlações sensoriais vem se desenhando
ao longo da história de forma ampla e contundente, reafirmando sua relevância em
diferentes estilos musicais e épocas.
O estímulo para refletir sobre o design tendo a música como referência, tem por
base a inserção parcial ou integral de mecanismos singulares nos processos criativos
de certas manifestações musicais. Reconhecemos certas afinidades nos trabalhos
apresentados a seguir em que, tanto no jazz quanto no design, a abordagem
experimental e a contribuição do acaso aproximam os campos do saber.
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
A improvisação não é exclusividade do jazz. Beethoven (1712-1773), Clementi 1752-
1832), Bach (1685-1750), a praticavam a mais de 150 anos. Vivaldi (1678-1741) e
Haendel (1685-1759), deixavam em suas sonatas e concertos, um grande espaço
para o solista improvisar. Assim como ocorre nas “cadências”, como explica Calado
(2007), seções do concerto onde o compositor abre espaço para a improvisação do
intérprete. Essa prática foi sendo deixada de lado a partir do século XIX na música
erudita, mas em contrapartida adquire caráter básico e estrutural no jazz.
A cultura africana é essencial na compreensão das origens desse estilo musical.
Os negros escravos levados para os EUA em mais de 200 anos de escravidão eram
provenientes de várias tribos, mas basicamente da região ocidental da África. Essa
relativa proximidade geográfica permitiu que mantivessem ”certa homogeneidade
cultural” como afirma Calado (2007). Dessa maneira, preservaram o caráter funcional
intrínseco à sua música, diferentemente da música européia, condicionada ao
2.2 O jazz e a improvisação
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47
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
conceito de arte desassociada da vida cotidiana. A música africana tem função
social, como no exemplo das canções de guerra, dos feiticeiros e de trabalho, uma
música praticada coletivamente. Está aí a semente da música executada nas igrejas
batistas, nas canções de trabalho nas estradas de ferro ou nos campos de algodão.
Estas canções tiveram muita importância no desenvolvimento de trabalhos
que necessitassem de um certo senso de ritmo, como o de quebrar pedras, o
de martelar pregos ou de serrar e derrubar árvores, porque além de amenizar a
dureza da tarefa, as work songs aumentavam a produtividade e até ajudavam
os feitores a programar a produção do dia (Pellegrini, 2004, p. 30).
Assim, a música européia e o jazz se encontram na medida exata em que o negro se
apropria de elementos da música européia e mantém o centro expressivo de suas
tradições africanas (Calado, 2007).
Não iremos abordar todas as várias fases e transformações do jazz, como o NewOrleans, o dixieland, o swing ou o bebop. Como coloca Hatch (2002), a própria
prática da improvisação é um impulso transformador de estilos dentro do jazz.
Ao buscar expandir seus solos para além das estruturas harmônicas e rítmicas, o
músico acaba provocando o surgimento de novas estruturas como o bebop ou o
free jazz. A dinâmica do jazz promove sua própria transformação.
Para inserir essa visão histórica em termos processuais, conforme cada uso da
estrutura é desafiado pelo processo de tocar fora ou entre as notas, harmonias
e batidas previstas em um forma existente, novas formas de jazz são criadas,
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
redefinindo as expectativas e apresentando, assim, novas oportunidades para
se opor às primeiras (Hatch, 2002, p.25).
Assinalamos a influência do blues13, acrescentando emoção e sentimento ao discurso
musical e do ragtime14 que, como coloca Pellegrini, “é o resultado da aplicação de
técnicas musicais negras remanescentes da cultura escrava às formas populares da
música de salão da Europa” (Pellegrini 2004, p.89). Além disso, é o blues que faz
a transição do coletivo para a expressão individual e a proximidade às questões
cotidianas se mantém, como no enfoque racial, bem exemplificado no que diz a
cantora Bessie Smith (1894-1937); “Nenhum homem branco é possuído pelo blues,
porque o branco não tem preocupações” (Smith apud Berendt, 2007, p. 124).
A maior parte dos estilos do jazz faz uso de “temas”, que são composições estruturadas
por uma melodia, uma seqüência de acordes, e um andamento rítmico, servindo
de base para a improvisação. Muitas vezes a melodia é apresentada no início da
execução e retomada ao final. Durante a performance, esses temas são recriados
em composições improvisadas que podem vir a se afastar muito da composição
original. Não havendo limitações técnicas do improvisador, a composição pode
se afastar para bem longe do tema original, subvertendo a idéia melódica, o
andamento rítmico e a seqüência de acorde na qual se estrutura. Para muitos, o
tema passa a ser somente uma sugestão, introduzindo novos elementos enquanto
tocam. Estabelecem um jogo entre ausência e presença em que os sentidos são
instigados a tentar reconhecer seu rastro. O designer Kiko Farkas (2009) aponta a
mesma relação possível no design, ao se trabalhar com um conceito ou uma imagem
que as pessoas já têm sobre determinado assunto a ser representado, seja visual
ou musical. Fazendo um paralelo com uma improvisação jazzística de 25 minutos
Forma musical de 12
compassos característica
dos negros afro-
americanos. Possui uma
estrutura repetitiva e
um caráter expressivo,
melancólico, sensual,
influenciado pelos cantos
religiosos americanos
nomeados spirituals.
13
Pellegrini (2004) aponta
que o ragtime não é
considerado um estilo
musical mas uma forma
de execução pianística,
caracterizada pelo uso
constante de síncopa.
14
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
sobre um tema, por exemplo, esse grande espaço de tempo possibilita criar uma
composição (imagem) muito distante da composição (imagem) original. Ou seja,
nesse caso, o tempo disponível para a improvisação permite deslocar a lembrança
que o ouvinte tem do tema, libertando-o para vôos mais independentes. No design,
a habilidade de oferecer o novo a partir de um distanciamento controlado da base
original é inspiração e referência para a criação. Sendo assim, esse paralelo entre
tema e imagem pré-conhecidos estabelece o mesmo jogo.
Você vai conseguindo trabalhar com imagens criadas por você a partir de imagens existentes e é essa habilidade, sabe, de deixar pedaços, acho que é uma coisa muito interessante para nós designers (Farkas, 2009).
A qualidade e a intensidade dessa ligação entre o tema e a improvisação, dependem
muito dos elementos que se tem a mão para produzir. Certos acordes, ritmos
ou trecho melódico podem embasar toda uma proposta de discurso. O filtro da
sensibilidade do improvisador é que determina até onde se pode ir. Segundo Farkas,
esticar, esticar e esticar até parar um milímetro antes de romper.
O que define um design é muito menos a fonte que ele usa, a cor e tal, é muito mais a maneira que ele elabora esse tipo de universo, como torna visível aquilo que é invisível (Farkas, 2009).
Ao distanciar-se do “tema” original, Farkas procura não usar o óbvio. Ao realizar
essa série de cartazes (figura 23), foge da representação direta entre música e
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
imagem; não utiliza foto de compositores, notas musicais ou partituras, procura
trazer sua visão particular do tema.
Figura 23: Kiko Farkas. Cartazes para a Osesp. Fonte: Kiko Farkas, 2009.
Kiko usa a representação de um bando de pássaros como metáfora para o trabalho em conjunto
dos músicos comandados por seu maestro. Trabalha livremente com formas construídas de forma
aleatória.
A expressão particular sobre um “tema” também é exemplificada neste exemplo
de Berendt (figura 24). A composição How High the Moon é um tema bastante
utilizado por músicos de jazz. No trecho apresentado observamos como os músicos
J. J. Johnson (1924-2001), Charlie Shavers (1920-1971) e Coleman Hawkins (1904-
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
1969) dão tratamento totalmente particular e conseqüentemente diferenciado
para suas improvisações.
Figura 24: Trecho da partitura de How High the Moon com
as improvisações de J.J. Johnson, Charlie Shavers e Coleman
Hawkins. Fonte: Berendt, 2007, p. 118.
Cada músico busca sua própria expressividade. J. J. Johnson
parece ser o que mantém uma proximidade um pouco mais
perceptível do tema original.
Existem músicos totalmente comprometidos com resultados precisos, embasados
em teorias muito bem conhecidas, como no caso de Bill Evans.
Ao formular meu estilo fui muito analítico. Para cada nota que eu toco tenho um princípio muito preciso e uma razão teórica [...] tenho sido muito
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
consciente em separar tudo de maneira a compreender o mais completamente que posso (Evans apud Berardinelli apud Gimenes, 2009).
Nesse caso, o tema é muito bem analisado e a improvisação é conseqüência direta
de suas possibilidades teóricas. Mas existem outros que simplesmente o abandonam
totalmente ou nem chegam a utilizá-lo. Nesse caso, durante a improvisação o
acaso pode surgir justamente no desconhecimento de causa; não saber ao certo
qual a relação teórica entre a nota tocada e a harmonia sendo executada. A nota
tocada não tem conexão com a harmonia, o motivo da sua escolha não leva em
conta o contexto teórico e o resultado gera um fato novo. Novamente tomamos o
exemplo de Kiko Farkas. Uma caixa de chaves (figura 25) descoberta entre objetos
abandonados no porão de sua casa, deixou-o encantado com suas formas.
Figura 25: Kiko Farkas. Fotos. Fonte: Kiko Farkas, 2009. Objetos que inspiraram Kiko a produzir os
cartazes.
A partir delas, construiu uma série de cartazes (figura 26) em que o tema de
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53
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
divulgação não teve a princípio, influência na escolha dessas imagens. “Usei as
chaves sem saber onde ia parar ou o porquê estava usando as chaves” (Farkas,
2009). A proposta se concretiza na aceitação do acaso, porque a impossibilidade de
localizar as causas de sua escolha não impediu sua aplicação.
Figura 26: Kiko Farkas. Cartazes para a Osesp. Fonte: Kiko Farkas, 2009. As formas
e os movimentos sugeridos pelas chaves inspiraram esta série de cartazes.
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação
Também é prática no jazz, abrir “brechas” para a intervenção de outros músicos nos
arranjos para as bandas. Shorty Rogers (Rogers apud Berendt, 2007) declara:
Na minha opinião todo bom músico de jazz é também compositor. E sempre
foi assim que eu tratei os músicos de minha banda, pois quando escrevia os
arranjos, eu apenas notava algumas instruções e deixava o restante para a
espontânea capacidade criativa de cada um completar (Rogers apud Berendt,
2007, p. 119).
Um exemplo mais radical ainda é forma de gravação do álbum Free Jazz de Ornette
Coleman (1930) em 21 de dezembro de 1960. Dois quartetos dispostos frente a
frente no estúdio de gravação, para que improvisassem livremente em solo ou
coletivamente. Não havia tema, tonalidades ou harmonia pré-determinadas.
O mesmo princípio de abertura para colaborações que enriquecem e dão novas
perspectivas aos projetos é exemplificada nos trabalhos do designer Rico Lins
discutidos mais a frente. É quando apresentamos a colaboração do acaso pela
via do compartilhamento15. Tocar com outros músicos sobre temas “movediços”
gera situações imprevisíveis, não se tem certeza dos resultados da performance de
cada um e como isso influenciará a construção individual de cada discurso. Nessas
condições, incorporar o acaso é fundamental para gerar sentido ao improviso.
Ver capítulo Design
gráfico e jazz: a
convergência do acaso a
partir da página 83.
15
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55
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
As transformações sociais e políticas operadas em território americano, por volta dos
anos 1950-1960, foram fortemente importantes no surgimento e na caracterização
do free jazz. O ambiente de segregação racial, a luta pela igualdade, o movimento
dos direitos civis, o debate inflamado de líderes como Martin Luther King (1929-
1968), inflaram a verve rebelde desse estilo musical. Rebelar-se contra as estruturas
elitistas de poder, musicais, políticas ou culturais, fazia parte dos ideais de seus
precursores.
O músico Ivo Perelman16 (2008) afirma que, de alguma maneira, verbalizando ou
não essa insatisfação, o posicionamento político estava presente no ideário dos
músicos. “Eu acredito que você não precisa ser consciente de uma forma cognitiva
para poder espelhar a consciência de todos” (Perelman, 2008).
Sob o ponto de vista estritamente musical, o músico complementa relacionando
seu surgimento, não apenas as investidas experimentais e a genialidade de músicos
2.3 O free jazz
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56
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
cartáticos, mas também a ambição de jovens músicos desejosos de sobrepor-se aos
modelos tradicionais. Jazzistas envoltos na ânsia de rebelar-se contra padrões que
já não sustentavam seu desejo expressivo, tendo como um dos pivôs, o saxofonista
Albert Ayler (1936-1970). Apesar de ter iniciado sua carreira imitando o também
saxofonista Charlie Parker (1920-1955), um dos maiores nomes do estilo be-bop,
a partir de suas próprias experimentações passa a tocar de forma totalmente
timbrística, totalmente “colorida” como descreve Perelman. Em sua música não havia
o enfoque na aplicação de notas musicais específicas, mas sim, na produção massas
sonoras que se moviam através do espaço. Neto (2007) aponta Lennie Tristano (1919-
1978) como marco zero na ortodoxia do estilo. Tristano gravou duas composições
em 1949 completamente livres de progressão de acordes, sem compasso definido
e sem tempo definido, que de tão radicais, só foram comercializadas quinze anos
depois.
Alguns autores credenciam ao saxofonista John Coltrane (1926-1967) os primeiros
passos em direção ao free jazz com sua composição Giant Steps que dá abertura ao
atonalismo. Não se trata exatamente de atonalismo, três tonalidades estruturam
essa composição; Si Maior, Mi bemol Maior e Sol Maior, que como se pode observar,
estão separadas por intervalo de terça. Segundo Neto (2007) essa estrutura e a
velocidade de execução de Coltrane, é que dificultam a percepção de um centro
tonal, sendo apreendida como em constante continuidade. Cabe pontuar que a
exploração do atonalismo não é nem de longe iniciada pelo jazz. Na Europa, já desde
o século IX, compositores como Richard Wagner (1813-83), Claude Debussy (1862-
1918), Arnold Schoenberg (1874-1951) e Anton Webern (1883-1945), exploram a
sobreposição do sistema tonal.
A intenção principal do free jazz é levar ao extremo a instantaneidade da criação e
Ivo Perelman (1961),
saxofonista brasileiro
radicado nos EUA há mais
de 20 anos, possui mais
de vinte CDs lançados
no Brasil e no exterior
e é referência mundial
no jazz de vanguarda.
Fez parte da versão
atualizada (1996) da
clássica foto da revista
Life, realizada originalmente
em 1958, que apresenta
os maiores nomes do
jazz da época. Também
desenvolve trabalhos como
artista plástico, tendo
participado de exibições
como a 19ème Salon
International Des Artes
Plastiques Libramont em
Paris e recebido prêmios
como Vissotsky Muiseum
State Cultural Center e
3 prix “Petit Format” em
Moscou.
16
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
da expressão pela via da liberdade total. O ato de criação coletiva tornando-se maior
e desgarrado de estruturas harmônicas, melódicas ou rítmicas. Os acompanhantes
do solista devem evitar qualquer sugestão de acordes ou tonalidades.
Também é característico, a livre incorporação de bases musicais de diversas culturas,
resultando em uma construção híbrida de sonoridades variadas. Além de inspiração
para composições como Índia de John Coltrane, baseada em Ragas hindus, as
influências chegam às roupas orientais e africanas de jazzístas como Archie Shepp
e Pharoah Sanders, e ao extremo da conversão para o islamismo de tantos outros.
O estado emocional conta muito no momento de criação instantânea. Calado (2007)
menciona o estado de êxtase ou transe de John Coltrane em suas intermináveis
improvisações. Ou no exemplo de Cecil Taylor (1929) chegando a usar os punhos e
cotovelos para o mesmo fim.
Expressar emoção com liberdade é o que faz Kiko Farkas neste cartaz (figura
27) para a Osesp. O designer nos diz que sua diretriz foi transmitir sua emoção
de maneira totalmente autoral e livre de preceitos. As informações textuais são
diluídas no conceito geral direcionado à sensibilidade do telespectador. Os projetos
de Kiko Farkas são permeáveis às referências diversas. O designer não quer balizar
seu trabalho por conceitos ou normas pré-estabelecidos. Nesse exemplo, as massas
de cor contextualizam um universo emocional.
Não interessa para Farkas ser considerado um artista ou um designer. Não pauta sua
produção por esse tipo de questionamento. Esse “descompromisso” oferece liberdade
de criação a ponto do designer mencionar como um de seus procedimentos, “olhar
para o trabalho e descobrir como ele quer ser feito”. Ou seja, não prender-se a pré-
determinações como regras ou ao uso do grid17. Inclusive porque toda sua herança
O grid é uma malha
de linhas horizontais e
verticais e serve para
orientar o alinhamento ou
disposição de elementos
em uma diagramação.
Constitui-se a partir
de uma unidade de
medida básica. Oferece
a possibilidade de um
controle rigoroso sobre
o projeto e uma clara
compreensão.
17
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
humana está agindo no momento de criação, tudo que viveu, comeu, sentiu, ouviu,
aprendeu, tudo está de alguma maneira presente no instante de criação. O designer
faz a ressalva que tudo isso também depende do tipo de projeto a ser realizado.
No design, essa liberdade autoral nem sempre é possível. Mas mesmo nesses casos,
imprevistos e acasos podem nos levar a caminhos e soluções impensadas.
Figura 27: Kiko Farkas. Cartazes para a Osesp. Fonte: Kiko
Farkas, 2009.
Kiko busca expressar através de cores e formas distribuídas
ao acaso, a emoção que a música transmite. A silhueta da
cadeira representa estar presente em completa imersão
nesse universo sonoro.
A liberdade de criação que motiva o free jazz e essas manifestações no design
gráfico, não representa necessariamente um abandono radical dos recursos e
experiências acumuladas no decorrer da vivência pessoal ou profissional, mas sim,
tê-los disponíveis em qualquer situação, livre de dogmas, preceitos e em sintonia
com o desejo expressivo ou funcional do autor, músico ou designer. O tratamento
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59
CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
dado a esses recursos é o que representa a liberdade criativa. Eventualmente o
improvisador no free jazz se atém a escalas tonais ou métricas regulares, assim
como o designer pode fazer uso de fontes não serifadas “bauhausianas”. A liberdade
está no contexto de uso desses mecanismos. A escolha da fonte pode, por exemplo,
ter sido aleatória e a escala tonal pode estar dividindo espaço com um grunhido.
É utópico imaginar uma criação desprovida de qualquer referência musical ou
cultural. O desafio é lapidar estruturas, diálogos ou texturas complexas, sonoras
ou visuais, baseados no acaso e no instantâneo, operando nessa ambiência de
instabilidade e descontrole.
Cabe destacar a notável influência do músico Ornette Coleman (1930) como
importante artífice na configuração desse estilo musical. Perelman (2008) o
descreve como um músico extremamente sensitivo e que nada sabia sobre teoria
musical. Percebia a música como cores, desconhecendo a existência das tonalidades
musicais. Portanto, a liberdade com que improvisava advinha de seu “estado natural”
de encarar a música.
Foi Schuller (Gunther Schuller, 1925) que contou para o Ornette que existiam tonalidades na música; contou como a música se estruturava. O Ornette teve um ataque de diarréia e vômito, passou mal. A verdade foi posta de uma vez só para ele (Perelman, 2008).
Coleman levou aos extremos a improvisação coletiva formatada pelo imprevisível.
Teria dito: “Vamos tocar música e não o que está por trás dela” (Just apud Zenicola,
2007, p.12). O músico subverte a arbitrariedade da sintaxe da música tradicional,
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
permeando seus solos por um viés expressivo, espontâneo em que o acaso e o
coletivo direcionam as ocorrências musicais.
Fazendo uso do pensamento de Chapman (2007) sobre processos de criação
nas artes visuais no século XX, retornamos ao campo das artes plásticas, para
enriquecer nossa argumentação. O autor expõe a arte como ocupação experimental,
justamente por depender da interação de elementos que surgem na evolução da
obra. Para o autor, isso caracteriza a obra como processo e permite a incorporação
de mecanismos como o acaso na construção da obra. Evita assim, a previsibilidade
do resultado. Nesse caso, segundo Francis Bacon (Sylvester apud Chapman, 2007),
o acaso é tratado como acidente e representa o rompimento do “planejamento
lógico ou narrativo do quadro”. (CHAPMAN, 2007, p.1579). Gisela Belluzzo (2006)
faz observações semelhantes ao descrever o processo criativo do designer Marcos
Mello:
As relações e configurações que vão surgindo dizem coisas, acrescentam
novidades ao designer, que, por sua vez, espera respostas e novas indagações
que partem dessas relações. Descobertas acontecem durante a manipulação
desses elementos, durante o processo. Ocorre um diálogo do designer com
o que está surgindo e com o que ele está criando. São estímulos e trocas
que são estabelecidos. Nessa relação do designer com o ambiente durante o
processo de criação o existente é recriado e revivido ao encontrar-se em uma
nova situação. Os elementos do ambiente se tornam meios para esse fazer e
no fazer já se está construindo (Campos, 2006, p. 08).
Como no jazz; “Formas produzidas ao acaso, sem nenhum tipo de associação entre
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
si, mas se unindo finalmente para compor um todo coerente” (Muggiati, 1999, p.
23).
A expressão “coletivo” cabe muito bem ao jazz, pelo fato do improvisador também
balizar sua criação pelo que acontece a sua volta, ou seja, refere-se ao “exercício
constante de atenção e audição” (Schafer apud Zenicola, 2007). Como coloca o
próprio Coleman; “Quando um solista tocava alguma coisa que me sugeria uma
idéia musical, eu a tocava seguindo-o no meu próprio estilo, e ele continuava tocar
a sua maneira” (apud Neto, 2007, p. 59). O ambiente de improvisação coletiva do
free jazz estrutura-se assim. Costa escreve:
A memória – interativa e simultânea dos músicos em ação – age
(intencionalmente ou não) sobre estes materiais e obtém daí diferentes tipos
de pensamento musical. [Desta maneira, ] (...) quando eu desenvolvo uma
figura que surgiu por acaso, instintivamente a partir de meu “reservatório”
de gestos (biografia) eu vario, contrasto, desenvolvo, interajo, enfim, ajo
intencionalmente em relação a esta figura do passado que se tornou presente
(Costa apud Zenicola, 2007, p. 29).
O trabalho criativo em equipe quando aberto a esse tipo de mecanismos, mesmo
que não haja a instantaneidade da improvisação, também pode aproveitar-se disso.
Atenção, audição e visão são variáveis importantes nos briefings, nos processos
criativos e nas produções compartilhadas como apresentaremos mais à frente;
nos rascunhos de Guto Lacaz e nos mecanismos de impressão de Rico Lins por
exemplo.
Coleman chega a desenvolver uma teoria musical: “Harmolodics” que é descrita
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CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz
por Jacques (2009) como várias vozes, com variações independentes, emitindo sons
simultaneamente em diferentes tonalidades. Ronald Jackson, baterista do grupo,
afirma que a teoria não possuía nenhuma precisão de significado musical.
No bojo das re-significações, fusões, deslocamentos e descobertas que o fenômeno
free jazz articula, encontramos inter-relações com a produção no design gráfico por
esses mesmos fatores e pela postura criativa de seus autores. E o acaso permeia
as respectivas produções justamente pela ambiência que estas posturas viabilizam:
liberdade criativa na concepção do improviso ou do projeto. Mobilidade no
trânsito entre campos diversos e estilos estimulando reflexão acerca dos limites e
interconexões com o design.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente
No design contemporâneo, encontramos muitos projetos de autores como Rico
Lins, Guto Lacaz, Edward Fella, David Carson e tantos outros, em que observamos
resultados singulares que não parecem ter sido obtidos de maneira pragmática.
Na verdade, foram alcançados por meio de atitudes mais flexíveis em relação
ao processo criativo, que proporcionam operar dentro de um contexto de maior
liberdade e com abertura a explorações experimentais. Isso permitiu gerar inter-
relações pouco comuns ou compreender relações impensadas como oportunidades,
transformando erro, por exemplo, em solução. Chico Homem de Melo (2005)
discorre sobre essa maleabilidade no modo de produzir, usando a produção
de David Carson como exemplo. Chico conta que o designer, ainda no início de
carreira, quando criou a maneira de compor os elementos tipográficos uns sobre os
outros (figura 28), o fez a partir de um comando dado por engano no computador,
ao tentar definir a entrelinha do texto. “Onde qualquer designer veria um erro e
CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO
3.1 Acaso como acidente
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente
imediatamente o corrigiria, Carson viu uma possibilidade” (Melo 2005, p. 58). Um
acidente transformado em campo de experiências, a serviço de resultados estéticos
e metafóricos com alto grau de significações não verbais e que para nós, exemplifica
a favorável intermediação do acaso. Um fator não previsto e ao mesmo tempo não
descartado, compatível com as implicações e especificidades de projetos de design
que, no caso de Carson, são muito focados em valores expressivos.
Figura 28: David Carson (diretor de arte) e Chris Cuffaro
(fotógrafo). Morrissey: The loneliest Monk. Revista Ray
Gun, 1994. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 634.
Carson usa um espaçamento irregular entre palavras e
linhas, misturando estilos de fonte diferentes. O ruído
visual faz parte da expressão pessoal e autoral que
configuram seus trabalhos. Uma provocação ao raciocínio
linear.
Assim escrevem Meggs e Purvis (2009) sobre Carson:
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente
Ele acredita que não se deve confundir legibilidade com comunicação, pois
muitas mensagens compostas de maneira tradicional são teoricamente
legíveis, mas oferecem pouco atrativo visual aos leitores, enquanto projetos
mais expressionistas podem atraí-los e envolvê-los (Meggs, p.635, 2009).
Nos anos 1990, muitos designers seguiram os passos deste designer que se orgulha
de ser desconhecedor de regras do design. Segundo ele, isso o conduz a obter
resultados inovadores seguindo apenas sua intuição. É evidente que seus imitadores
não alcançam os mesmos resultados, mas Poynor (2003) aponta a importância
desse tipo de processo criativo, por oferecer a possibilidade de rompimento com
uma linha de pensamento opressora na condução de projetos. Segundo Poynor:
A intuição por si só não bastava, mas não há dúvida de que a reivindicação
deste misterioso sistema de orientação interior, propriedade única de cada
designer ou espectador, refletia uma ampla resistência social a submeter-se a
qualquer forma de autoridade imposta de fora (Poynor, 2003, p.14).
Projetos de design tem o pressuposto da problematização prévia demandando
soluções objetivas. Em Carson, na produção de projetos gráficos em que “deixa-
se levar pelas imagens poéticas de seu mundo sensorial” Caldi (2009), existe a
finalidade de codificar a mensagem para um público específico no âmbito do
contexto contemporâneo. Transferindo para a esfera do design o que escreve Veras
sobre a arte contemporânea, isso “não diz respeito a uma temporalidade específica,
e sim a uma espécie de diálogo com o espírito de uma época” (Veras, 2007, p.8).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente
Ou seja, um projeto contemporâneo se desenvolve em um ambiente complexo
de natureza plural, múltipla e não-linear. Esse contexto demarca um campo de
atuação para a experiência e o acaso, instrumentalizando o processo criativo com
a imprevisibilidade do acidente juntamente com a perspicácia de designers como
Carson, que “conseguem se comunicar com aqueles que se reconhecem em suas
imagens aparentemente caóticas [...]” Caldi (2009). Essa maneira de utilização do
acaso está relacionada à definição que Tassinari (2008) traz de Chapman:
Ação ou conjunto de ações planejadas, espontâneas, fortuitas ou acidentais
que definem ou são utilizadas ou apropriadas de forma consciente pelo artista
para a elaboração da obra. Estas opções ou acontecimentos respondem a
fenômenos que incluem ou são classificados como acidentes: eventos
imprevistos ou provocados; e aleatórios: ações e/ou seqüências planejadas,
sujeitas às regras, as quais determinam resultados específicos, desconhecidos
de antemão (Chapman apud Tassinari, 2008, p. 2051).
No jazz, o acaso enquanto acidente também pode funcionar como gatilho criativo.
Essas ocorrências imprevistas têm um potencial considerável de conduzir a
produção musical a uma superação e a um incremento do referencial de criação. O
erro, assim como o foi para David Carson, é constantemente uma possibilidade de
transformação. É o que confirma o violonista Ulisses Rocha18:
Um acontecimento externo pode nos movimentar emocionalmente e gerar
o ambiente propício à criação. Um acaso interno, por exemplo, um erro na
execução de uma peça ou uma nota não proposital durante uma sessão de
Ulisses Rocha (1960)
atualmente é professor
da Faculdade de Música
da Unicamp. Já tocou
com vários nomes da
música brasileira e
internacional como Cezar
Camargo Mariano, Gal
Costa, Hermeto Pascoal,
Hugo Fatoruso, Egberto
Gismonti, Al di Meola,
Toquinho, Eliane Elias,
Canhoto da Paraíba,
Marco Pereira, Paulo
Belinatti e muitos outros.
Participou de festivas
nacionais e internacionais
como o Festival de Jazz
de Paris, Free Jazz
Festival, Phillips Innovation
Show, Festival de Inverno
de Campos do Jordão
tanto como concertista e
como professor, além de
tocar com as orquestras
sinfônicas de Campinas,
Americana e a Jazz
Sinfônica. Fonte: http://
www.ulissesrocha.com/.
18
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente
improvisação, podem sim levar a um terreno não explorado e incentivar o
processo criativo. [...] De qualquer maneira dá para afirmar que um acidente
pode nos levar a direções inesperadas (Rocha, 2009).
A urgência da improvisação muitas vezes conduz a isso, o acaso provocador do
acidente, do erro, sendo instantaneamente corrigido e transformado em acerto para
uma nova idéia, ou simplesmente ser incorporado como elemento de linguagem.
Uma proposta que procura deslocar-se das regras de harmonias e das construções
melódicas elaboradas na estrutura das escalas musicais. A primeira alternativa
envolve um despreparo técnico ou um vacilo na execução, induzindo o executor a
buscar uma solução ao erro. Muitas vezes o ato da improvisação acontece de maneira
mecânica, puramente técnica, reproduzindo “frases” ou fórmulas aprendidas em
anos de estudo. Nesse caso o erro requer solução que traga a melodia de volta ao
controle do executor. O exemplo de Ulisses Rocha aponta para uma percepção mais
enriquecedora do fato, encarando-o como uma oportunidade de descoberta. Uma
alternativa, que encara esse erro do acaso como componente na construção de
linguagem. Estimula a expressão capitaneando novos caminhos através do contato
com um “estado de arte”, difícil de expressar verbalmente:
Acredito que a real expressão não venha da improvisação, mas sim do estado
de arte que às vezes alcançamos improvisando, compondo ou interpretando.
O momento único é gerado pela interação com a música, que é uma coisa
bem difícil de explicar. É quando somos envolvidos por ela e ficamos imersos.
Ela vira uma língua inteligível que usamos para conversar com a alma das
pessoas, que nos escutam com clareza (Rocha, 2009).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente
Uma questão de aproximar o ato criativo, a uma ação que, como escreve Pignatari
(2006), não está baseada apenas em “arranques originais”, mas na permuta dialética
entre o racional e o intuitivo” (Pignatari, 2006, p. 205); o campo do acaso.
Falamos de ações acidentais desencadeando tanto no design quanto na música,
um intercâmbio entre oportunidade externa (o erro), racionalidade e acaso. E, além
disso, o mérito e a competência do julgamento do profissional, visto que é sua
sensibilidade, sua subjetividade e sua poética, que viabilizam e sabem reconhecer
o potencial de significação da experiência. Mas isso também vai se reorganizando
e renovando e acaba por se tornar uma relação de influência mútua, uma via de
mão dupla, pois as expectativas também podem se modificar a cada ocorrência do
acaso, que por sua vez traz outras novas significações, como afirma Entler:
Esse processo se dá, na verdade, uma ação recíproca. Por um lado, o homem
sabe reconhecer no acaso aquilo que pode satisfazer um desejo. Por sua vez,
esse desejo se transforma segundo as novas direções que o acaso não cessa
de apresentar (Entler, 1998, p.290).
Complementando a apresentação do acidente provocador e ao mesmo tempo
expandindo a discussão sobre as possibilidades do acaso na ação criativa, convém
apresentar a experiência do músico de jazz Ivo Perelman (apresentado no capítulo
sobre o free jazz). O músico explora o acaso como possibilidade tanto de percorrer
um “exterior” referencial na busca de novas opções criativas, como de encontrá-las
em seu próprio interior, traduzindo essas idas e vindas em instrumental compositivo.
Cruza a fronteira entre áreas do saber delineando uma interpenetração de sentidos
mais efetiva da sua intenção musical, como veremos a seguir.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
O acaso pode introduzir (ou reafirmar) na dinâmica de produção, um modo de
dialogar com o que está além do universo referencial do autor. Significa sobrepor
predisposições modeladas pelo ambiente cultural que naturalmente orienta nossas
escolhas na direção de valores pré-determinados. O acaso redimensiona o potencial
de criar nexos, configurações, ordenações e significações a partir do que está “fora”
ou não foi cultivado nesse ambiente, consequentemente exterior ao campo de
percepção do criador. Dizendo de outra forma, oferece resultados que talvez de
forma consciente não ocorressem, pois como afirma Ostrower (1987); “a cultura
orienta o ser sensível ao mesmo tempo em que orienta o ser consciente. Com
isso a sensibilidade do indivíduo é aculturada e por sua vez orienta o fazer e o
imaginar individual” (Ostrower, 1987, p. 17). Assim, as combinações involuntárias
que se articulam pelo acaso, são estímulos que levam a compreensão e o sentido
de ordenação interior para além da base cultural.
3.2 Acaso como abertura para o novo
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
Mas se esse impulso criador do acaso é um ponto de partida criativo e motivador
dessa flexibilização das nossas predisposições, pela relação com o que estamos
nomeando de exterioridade referencial, também nos faz discernir sobre como operar
a validação desse contato. Isso porque de qualquer forma, toda resultante desse
diálogo retorna ao “filtro” do senso crítico do criador e conseqüentemente, sua
base social, cultural ou psíquica influencia a condução do processo ou a aceitação
dos resultados. E não só sua bagagem referencial pode intervir, mas, aceitá-los,
implica em compreender que a suspensão de controle que o acaso viabiliza, não
opera a partir de um processo lógico, ou vinculado a fins determinados. Chapman
(2007) reforça essa observação descrevendo o acaso como “uma forma de controle
do descontrole, pois implica que o artista ceda parte do controle sobre a ação ou
ações, para obter resultados surpreendentes e em parte desconhecidos de antemão”
(Chapman, 2007, p. 1579). Cabe ao autor julgar os resultados enquanto válidos,
apropriados, coincidentes ou próximos a suas expectativas. Entler (1998) acrescenta
que, pelo viés da psicanálise, mesmo esse tipo de resultado “involuntário” é capaz
de traduzir a expressividade do criador que a revela na condição de autoria.
Quando ocorre um acaso no processo criativo o artista confronta-o com
seu projeto, seu gosto, seu estilo, sua escola etc. Aceitando-o, ele investe
seus valores subjetivos tanto quanto se o resultado fosse voluntário. Isso
certamente tem algo a ver com o fenômeno projetivo de que fala a psicanálise:
os conteúdos psíquicos de um sujeito se manifestam em suas atitudes, mas
também agarram uma circunstância alheia quando ela é capaz de lhe dar
forma (Entler, 1998, p. 286).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
Quando dizemos que a base cultural influencia a aceitação dos resultados, não
pretendemos propor que seja possível afastá-la. Além disso, como afirma Ferlauto,
cultura é a base para o exercício profissional e “um projeto que não leve em
consideração as realidades circundantes não é um projeto viável para a sociedade”
(Ferlauto apud Moura, 2003). Apenas sugerimos uma forma de alcançar, como
dissemos, resultados imprevisíveis que abram novas perspectivas, a partir de
sua conscientização, viabilizando a aceitação de resultados “estranhos” ao seu
universo.
O conteúdo expressivo de um evento aleatório, além de nos contatar com um
ampliado horizonte de referências, também permite navegar nos domínios do
próprio inconsciente onde “se estruturam as noções básicas de espaço e equilíbrio
interno”, estabelecendo uma dinâmica referencial com as ocorrências absorvidas
de forma consciente, como afirma Ostrower (1999):
Assim, estimulados pelos acasos, regredimos livremente ao próprio inconsciente,
fonte de nossas energias e vitalidade sensorial-espiritual, lá nos abastecendo,
e de lá voltando aos domínios do conhecimento e da sensibilidade consciente,
enriquecidos e confiantes, sem precisarmos renunciar as experiências da
maturidade (Ostrower, 1999, p.19).
O cartaz para a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (figura 29) de Kiko
Farkas é um bom exemplo disso. A escolha dessa fotografia foi absolutamente
aleatória, interessou sua atmosfera de delicadeza. Muito tempo depois, ao tentar
decifrar o porquê de sua escolha, Farkas argumenta que o perfume de acácias ficou
em sua lembrança como uma coisa mágica da infância, uma descoberta na casa
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
de seu avô. Mas como afirma o próprio designer: “Isso aí eu identifiquei por sorte, achei uma agulha no palheiro, mas quantas vezes esse processo ocorre sem que a gente se dê conta?” (Farkas, 2009).
Figura 29: Kiko Farkas. Cartaz para Orquestra Sinfônica
do Estado de São Paulo. 2000. Fonte: Farkas, 2009.
Estas imagens foram utilizadas por Kiko Farkas em
palestra na China sobre o processo de criação para este
cartaz. Na seqüência: o próprio cartaz, seu avô e o sítio
das acácias, referências de sua infância atuando de
forma inconsciente no momento de criação.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
Assim, essa dinâmica construída por combinações entre “entradas” e “saídas”,
do suporte interior ao exterior inspirador, revela um potencial para evocar novas
coerências ou provocar inquietações criativas que um processo de criação tolhido
por preceitos limitadores, provavelmente não alcançasse.
É o caminho escolhido pelo músico Ivo Perelman, que optou pelo free jazz como
base para a construção do seu discurso musical, justamente por uma necessidade
de expressão que está além dos limites da música tradicional. Perelman procura na
prática da improvisação jazzística, desenvolver um discurso que venha relacionar
sua expressividade interior e latente, com toda sorte de influências, não só presentes
no ambiente de formação cultural, mas também advindas do incidente fortuito
disparado por um contexto desenhado pelo acaso. O seu senso estético procura a
essência musical que reside nesse tipo de experiência, misturando o espontâneo
com a instantaneidade que requer a improvisação jazzística. Por isso a escolha do
free jazz, que segundo o músico, é uma alternativa quase subversiva de solução
musical, que aflora “de um local mais espontâneo do seu ser” (Perelman, 2008). Para
ele, a espontaneidade é um fator determinante para alcançar uma expressividade
convincente, um discurso fluido e livre de pré-determinações.
Eu recorro a comparações como se fosse uma conversa de três pessoas que não tem um tema preestabelecido. Vão conversar pela primeira vez ou pela décima vez, mas não sabem sobre o que vão falar. Na arte, primeiro acontece o evento, a descoberta que nasce da necessidade do artista. Passa ao largo de um discurso técnico ou histórico. Para ser verdadeiro, tem que ser genuíno e espontâneo. De dentro para fora do músico, do artista (Perelman, 2008).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
No free jazz, afirma Perelman, em termos de elaboração conceitual, construção
harmônica, rítmica ou melódica, é “a própria música que indica para onde vai”.
Ou seja, avigora a idéia da criação instantânea, acontecendo no instante que o
músico expõe a primeira nota, que sugere a segunda e assim sucessivamente. E da
mesma forma, se dá a criação dos compassos, ritmos e sonoridades. A partir disso,
a coerência que a música requer surge no desenvolvimento harmônico melódico,
timbrístico, tonal, atonal, ou seja, nessa construção da sintaxe musical. Um processo
de composição espontânea, instantânea e coletiva extremamente suscetível às
ocorrências do acaso. Para Perelman uma maneira particular de integração:
Os músicos de free jazz compactuam nessa forma de perceber a música. Dividem essa necessidade de se expressar de uma forma pessoal que não
passa pelos caminhos normais (Perelman, 2008).
Essa normalidade a que se refere o músico seria a forma tradicional de improvisação
jazzística. Em um grupo musical voltado ao free jazz, não há combinações ou preparos
para execução ou elaboração dos improvisos. Pode-se entendê-los como resoluções
de conflitos musicais que não necessariamente são verbalizados ou simbolizados
por antecipação. A peça assume um caráter coletivo em que idéias e entendimentos
vão sendo formulados, apropriados e apresentados. Envolve a intenção expressiva
interior, o contexto construído e a troca de influências entre os músicos. Tudo isso
emoldurado pela liberdade estrutural do free jazz e a contribuição eventual do
acaso. Um trabalho de arte, segundo Perelman, envolvendo exposição, entrega e
risco. Curiosamente Perelman também desenvolve trabalhos com artes plásticas
(figura 30 e 31) e leva em conta as mesmas considerações.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
Figura 30: Ivo Perelman. S/ título.
Fonte: http://www.ivoperelman.
com/VisualArtist/
Figura 31: Ivo Perelman. S/ título.
Fonte: http://www.ivoperelman.
com/VisualArtist/
Eu tinha muita necessidade de criar e precisava de outra linguagem. Fiz empiricamente. Na verdade vem desse impulso nervoso musical. No começo eu fazia uma coisa mais abstrata e gestual. A linha era subjacente. Aí fui depurando e chegando à linha. E aí está, (referindo-se à pintura da figura 30)
uma musicalidade muito forte na linha. Uma intenção rítmica musical muito grande. [...] A inspiração ou o processo de criação vem do mesmo lugar. Os materiais obviamente são diferentes. Influenciam um pouco o resultado final, mas fundamentalmente, nos estágios primários da criação, vem do mesmo lugar. Quando toco, estou vendo algumas formas e quando estou pintando algumas formas, aquilo está soando para mim (Perelman, 2008).
Como vimos, a base referencial de Perelman perpassa tanto por uma busca interior,
como também se apropria e se inter-relaciona com o que ocorre no contexto
“exterior”, ou seja, na situação de improvisação e integração com outros músicos.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
O acaso interpõe essa procura sensível centrada nesse contexto de execução,
influenciando as experimentações e consequentemente o uso dos elementos da
linguagem musical. Desse modo, não só as fontes de inspiração, mas também a
forma de utilização do ferramental sonoro (sons, ruídos, silêncio, ritmo e etc.),
também concretizam a pertinência do acaso no processo criativo de Perelman.
Essa combinação nos leva ao design de Guto Lacaz. O designer é um dos muitos
que materializam suas inspirações e experiências sensoriais por meio de rascunhos
manuscritos que provavelmente servirão para futuros projetos. É aí, nesse instante
de estar “aberto” a quaisquer estímulos e registrá-los sem objetividade projetual,
pelo menos nesse primeiro instante, que para ele, torna-se viável a intervenção do
acaso. Quando há no rascunho uma intencionalidade ligada a um projeto, Guto
passa a referir-se a ele como “acaso coordenado”, porque inicia de uma forma
também espontânea, de uma vontade interior como na arte, mas se diferencia
por partir de uma necessidade de um cliente. Cabe pontuar que tal comparação
se fragiliza se pensarmos que muitos trabalhos em artes visuais, atuais ou não,
também se originam de encomendas. Mas Guto se refere aos objetivos pré-
estabelecidos dos projetos que resultarão em produtos de consumo e não apenas
para fruição estética de uma expressão individual. Cabe pontuar que para Guto
Lacaz, arte é o que toca as pessoas e complementa afirmando que design e arte
não se separam, pois ambas são manifestações artísticas. O artista gráfico indica
o francês Marcel Duchamp (1887-1968) como responsável pelo desmoronamento
dessa fronteira. Para ele, nem o paradigma da funcionalidade fundamenta tal
distinção. Pois um objeto que atenda a uma função prática, como um moedor de
café produzido no século passado, é reconhecido pela qualidade de sua serventia
por um determinado espaço de tempo. Depois disso, pode vir a assumir uma função
puramente decorativa. Mesmo ponto de vista de Oliveira (2009) ao apontar os
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
cartazes de Toulouse-Lautrec (1864-1901) ou as aquarelas de Debret (1768-1848)
sobre a fauna e flora brasileira como obras que ao longo do tempo, mudaram de
função passando aos museus como arte. Ou como coloca Marinho (2006) sobre o
ready made de Duchamp A Roda de Bicicleta:
Duchamp estabelece um jogo de linguagem entre arte e design quando
toma a forma da roda de bicicleta levando em conta a sua função, promover
movimento. No entanto, neste caso, não é a propósito do deslocamento, mas
do deleite visual (Marinho, 2006, p.3).
Ou seja, Guto traz a mesma questão levantada por Rico Lins19, que veremos
posteriormente, sobre a relevância da transitoriedade, dimensão considerável no
contexto contemporâneo afeito a pluralidades e multiplicidades. E mais, atenta
para valores semânticos, emocionais e simbólicos dos produtos como forma de
perceber e produzir as funções do objeto.
Apenas para complementar esse enfoque sobre arte e design, observamos que para
Rico Lins existe uma fronteira bem explícita entre arte e design, apesar disso não
impedir um intercâmbio valioso:
Quando se fala em arte se fala de um ambiente sem controle e o design necessita de um ambiente sob controle até para poder justificar seu discurso, se firmar como profissão e para poder vender um trabalho, porém, necessita de absorver um ambiente cultural brasileiro para deixar de ser um apêndice alemão em uma realidade brasileira que nada tem a ver com ULM (Lins,
2008).
O designer carioca Rico
Lins (1955) graduou-
se na Escola Superior
de Desenho Industrial
(ESDI) no Rio de
Janeiro em 1976. Estudou
no Royal College of Art
de Londres e cursou
mestrado na Universidade
de Paris. Tem trabalhos
publicados em diversos
jornais como Le Monde,
Libération, Washington
Post, The New York
Times, Newsweek, Rolling
Stones, em revistas como
Novum Cebrauchgraphik
(Alemanha), Design,
Direction and Creative
Review (lnglaterra), Print,
How, The Arf Director’s
Club Annual, Creativity
87 (EUA), Línea Grafica
(Itália) e tantas outras
publicações.
19
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
Rico afirma que a contribuição de outros campos do saber também é conveniente
para o design. Existe um processo de investigação no trabalho criativo que não deve
ser privado de poder “contaminar-se” por outras áreas como a arte e atualmente
esse diálogo está mais fácil.
Podemos compreender o ato de rascunhar como uma aproximação ao ato de
improvisação jazzística pelos dois sentidos: manipulação de elementos de linguagem
movidos pela circunstância de instantaneidade que o contexto requer e captação
e aproveitamento dos incontáveis estímulos que ocorrem ao acaso e a qualquer
instante. O registro do fato, para o músico, é apresentado no seu improviso e
“desenhado” por seu instrumento, passando a fazer parte do seu repertório interior.
Para o designer, tal registro se apresenta na forma gráfica e não para uma platéia,
mas também funciona como descoberta e material de referência. Além disso,
registrar tais eventos, evita que se perca na memória, oportunidades de criação
que talvez não se repitam.
Para a pessoa que de repente percebe um acaso significativo, o momento se
torna uma verdadeira revelação. Mais do que apenas um somatório de fatos
fortuitos, é realmente a revelação de algo novo, que eclipsa os fatos e se
apresenta como um clarão de entendimento, irradiando-se a todas as áreas
de nosso pensar e fazer (Ostrower, 1999, p.261).
Na memória, o incidente fora despojado de aspectos corpóreos ou
circunstanciais ou de outras irrelevâncias, e fora mentalizado como um
significado último. Assim mentalizados, os mais variados conteúdos
expressivos podem ser interligados na imaginação independentemente dos
eventos concretos ou dos níveis de percepção em que se originam. Para os
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
processos criativos, é indispensável que as experiências tenham sido abstraídas
em puros significados (Ostrower, 1999, p.262).
Guto procura manter esse hábito de projetar a lápis ou caneta sobre o papel
manteiga (figura 32 e 34), são suas ferramentas preferenciais. Em qualquer lugar
sempre tem a mão um bloco de papel para “rabiscar” seus projetos. Na maioria
das vezes, só a finalização dos projetos é feita no computador (figura 33 e 35).
“O caderno é minha interface predileta, poucas vezes início algo diretamente no
computador” (Lacaz, 2008).
Figura 32: Guto Lacaz. Rascunhos
para cartaz. Foto: Marco
Vasconcelos.
Figura 33: Guto Lacaz. Cartaz.
Foto: Marco Vasconcelos.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
Figura 34: Guto Lacaz. Logotipo José Wagner Garcia. Foto:
Marco Vasconcelos
Para nós, independe o suporte escolhido para produção de rascunhos, pois não é
proposta desta pesquisa, abordar as vantagens ou desvantagens de uma ou outra
escolha. Mas em Guto Lacaz, além da facilidade em realizar o registro imediato das
Figura 35: Guto Lacaz.
Logotipo José Wagner
Garcia. Foto: Marco
Vasconcelos
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
eventualidades tendo em vista sua destreza em utilizar os elementos da linguagem
visual; linha, ponto, espaço etc., percebe-se nessa manipulação a facilidade de
aproximação com seu interior sensível. Segundo ele, é mais prazeroso e favorece
a experimentação, o que vislumbramos como articulação para criação de novos
procedimentos criativos, como afirma Marinho; “os cadernos de rascunho têm a
função de “possibilitar a formalização da investigação de campo, [...] e guardar as
diversas investigações formais e de linguagem necessárias ao desenvolvimento de
um projeto, a partir da noção de experimentação” (Marinho, 2009, p.38). Nessa
noção, segundo a autora, está envolvida a elaboração de procedimentos produtivos
além de apenas exercícios técnicos, ou mais ainda, o exercício do desenho
transformando imprevistos em experimentações.
A liberdade com que um músico de free jazz manipula a linguagem sonora,
apropriando-se de quaisquer referências que lhes sirvam, é a mesma que Guto
utiliza para suas proposições plásticas. Apesar da grande diferença de que para o
jazzman “o que está feito não tem volta”. A correção de possíveis desvios requer
muita habilidade e domínio teórico, mas não modifica o que já foi apresentado. No
design este procedimento de correção, geralmente não é tão difícil ou impossível.
Mas é uma opção processual tendo o acaso como agente causador em uma produção
tão livre para apropriações como em uma jam session de free jazz.
A busca por resultados imprevisíveis que transponham o universo referencial
cultural, não é de maneira alguma negação da importância da cultura a que o
design está e necessita estar inserido e ser agente, pois o foco do design é o ser
humano. Cabe a ele propor produtos, ações e mudanças, para uma sociedade em
constante transformação de usos e costumes. Afinal, fazer design é produzir e
refletir a cultura de uma comunidade.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo
O design como espelho da cultura se apresenta por sua capacidade
de representar e interpretar a sociedade, o momento, as mudanças e
transformações de uma sociedade, além de representar, pode anunciar
mudanças e inovações, auxiliar na mudança de comportamentos, orientar e
informar uma infinidade de aspectos de uma sociedade, bem como denunciar
problemáticas sociais (Moura, 2003, p. 118).
O design necessita dialogar com o ambiente cultural, compreender suas necessidades,
refletir sobre seus valores, interpretá-los e incorporá-los em seus projetos. A inserção
do acaso ao processo criativo visa somar a isso, uma contribuição metodológica
que amplie o campo de visão, sugira reflexão sobre possíveis “vícios” do olhar nesse
universo cultural sempre em movimento, em que o próprio design se reconhece e
se legitima.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Além de proponente dessas inter-relações na atividade projetual que discutimos
até agora, compreendemos o acaso como exercício de liberdade criativa que acolhe
a tensão de transitar entre as fronteiras do controle e do descontrole.
Em todas as motivações expressivas, são as tensões que nos levam a sair
de nós e a “buscar os acasos”, nessa abertura atenta a sugestões, que nos
permitam dar uma forma a idéias que se esboçam na mente (Ostrower, 1999,
p. 21).
Queremos dizer com isso que estimula procedimentos moldados na aceitação da
incerteza, como aspecto válido ao processo criativo, articulando uma maneira
de integrar experimentação, espontaneidade e descoberta sem submetê-los,
3.3 Acaso: controle e descontrole
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
como já dissemos a condições ou compromissos associados a resultados pré-
estabelecidos. Para tal consideração ponderamos sobre a viabilidade do acaso como
articulador de intervenções no projeto, alheias às preferências de configuração do
autor. Inicialmente usaremos dois trabalhos de Rico Lins para exemplificar essa
proposição: o cartaz desenvolvido para o Congresso Internacional de Design Gráfico
na Escola Panamericana de Artes (figura 36), em 1996, e o cartaz para o projeto
Pixinguinha.
Figura 36: Rico Lins. Cartaz para o Panamericana
‘96 Graphic Design. Fotografia: Fábio Ribeiro.
Produção Gráfica: Ricardo Aiello. Agência: W/
Brasil, S. Paulo, 1995. Fonte: Escritório de Rico
Lins.
É possível compreender conceitualmente a relação
da figura do pente com os outros elementos
da composição, como uma representação de
um elemento predisposto à ação de organizar.
Faz parte do escopo do design gráfico, arranjar
elementos para gerar informação.
No Congresso participaram dezoito designers entre eles David Carson, Paula Scher
e o próprio Rico Lins. O enfoque desse evento era apresentar a pluralidade de
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
expressões existente no design gráfico contemporâneo. Baseado nesse conceito
de variedade, cada participante foi convidado a criar um cartaz para o evento. A
intenção do convite era captar a expressão mais imediata do que estavam produzindo
no momento. Rico Lins criou seu cartaz inspirado especificamente nesse interesse
sobre o acaso no processo de trabalho; aquilo que é imprevisível ou escape ao
controle enquanto elaboração de expressão. Assim surgiu a idéia do pente e do
chumaço de cabelo entre desenhos e rabiscos noturnos, sem nenhuma pretensão
projetual. (Similar aos rascunhos de Guto Lacaz apresentados anteriormente).
Justamente por isso, foi encarado como um possível início para o cartaz do evento.
O rascunho foi levado para o fotógrafo que teve liberdade de fazer experimentações
ao criar a foto. Alguns resultados foram selecionados e entregues ao produtor
gráfico, com a única indicação de que deveria ser transformado em um cartaz.
Este também pôde experimentar ao montar, trabalhar as cores, tratar as imagens e
enfim, produzir o cartaz. Dessa maneira, todos os profissionais envolvidos puderam
inserir sua contribuição a partir de suas próprias escolhas e experimentações.
Coube a Rico Lins uma participação circunstancial em cada etapa, direcionando
o projeto na obtenção de resultados imprevisíveis. No momento de impressão, por
exemplo, sugeriu a inversão das cores além de trocar as cores CMYK por cores
fluorescentes.
Não sabia o que ia dar no final, mas sei também que se não tivesse tido essa participação durante o processo não ia ter aquele resultado. Certamente o resultado foi muito melhor do que se eu tivesse calculado o que seria desde o
começo. Foi uma somatória dessas interferências (Lins, 2008).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Além de premissa de ser um projeto baseado no acaso com a contribuição de outros
profissionais induzindo o processo ao que no início, denominados como incentivo
ao descontrole (interferências), Rico também considera como parte do projeto, a
interação com o usuário. Também é muito importante para ele, a atribuição de
significado pelo usuário. Ou seja, ao receptor não cabe uma apenas postura passiva
de aceitação, sua participação se faz necessária inclusive como posicionamento
crítico frente ao que lhe é ofertado. Uma crítica a modelos ideais e padronizados.
Como afirma Löbach:
Hoje também exercem grande influência a fabricação econômica dos produtos
e o emprego econômico de determinados materiais. A constante exposição
da aparência estética dos produtos configurados com essas influências pode
originar, no usuário, um juízo crítico positivo, que acaba se convertendo em
normas aceitas por certos grupos sociais (Löbach, 2001, p.183).
A proposta desse cartaz não é produzir uma comunicação linear, mas sim a
proposição de uma peça que deva ser instigante, funcionar como um comentário
gráfico e ter o caráter experimental.
Para o cartaz do projeto Pixinguinha (figura 37) Rico também utilizou o processo
de impressão para incorporar uma expressividade produzida pelo acaso. A partir
da inclusão de duas cores de forma simultânea na máquina de impressão, obteve
variações impensadas de cor para cada um dos cartazes impressos. Assumindo
uma postura flexível frente à casualidade dos resultados, construiu texturas e
manchas de cor que, unidas à silhueta do compositor, resultam em uma elaboração
estética singular. Além disso, a oportunidade de participação na criação, dada ao
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
profissional impressor, “por seu engajamento pleno de satisfação e sentimento de
desafio, proporcionou um resultado inusitado e de qualidade particular” (Rico Lins,
2008).
Figura 37: Rico Lins. Cartaz para o projeto
musical itinerante “Pixinguinha”, 1985. Fonte:
Escritório Rico Lins.
Os cartazes criados para o lançamento do papel Reciclato (figuras 38, 39, 40 e 41)
são resultados diretos da intenção de inserir a experimentação no processo criativo
e como linguagem visual do produto final.
Para esse projeto foi estipulado um prazo de quatros dias para entrega, o que para
Rico acaba se tornando um fator positivo. “A situação de limite faz com que se
tenha de encontrar soluções criativas” (Lins, 2008). Ou tomando o processo de
criação artístico como exemplo:
Limites internos ou externos à obra oferecem resistência à liberdade do artista.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
No entanto, essas limitações revelam-se, muitas vezes, como propulsoras da
criação. O artista é incitado a vencer os limites estabelecidos por ele mesmo
ou por fatores externos, como data de entrega, orçamento ou delimitação de
espaço (Salles, 2009, p.67).
Figura 38:- Rico Lins. Cartaz
promocional do papel Reciclato. Fonte:
Estúdio Rico Lins
Figura 39: Rico Lins. Cartaz promocional
do papel Reciclato. Fonte: Estúdio Rico
Lins
Figura 40: Rico Lins. Cartaz promocional
do papel Reciclato. Fonte: Estúdio Rico
Lins
Figura 41: Rico Lins. Cartaz promocional
do papel Reciclato. Fonte: Estúdio Rico
Lins
Para criá-los, Rico recorreu a reciclagem de trabalhos já realizados em que, por
sua vez, já havia feito uso de trabalhos de terceiros. Como conceituação partiu
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
dessa premissa cíclica de que esses cartazes provêem da reciclagem de trabalhos
anteriores e que também se tornarão polpa de papel para em seguida, também
se tornarem papel reciclado. Essa proposta demonstra um pouco do processo de
reciclagem e de como esse papel Reciclato, foco do projeto, pode ser utilizado. O
resultado estético segue essa concepção, mas Rico dá mais uma passo em direção
ao experimental; para inserir um resultado inusitado na composição visual, dá vazão
ao acaso, invertendo o filme na máquina para poder obter resultados inesperados
na impressão.
Esses cartazes acabaram por ser reutilizados também como conceito para a produção
da identidade visual do próprio escritório de Rico Lins. Foram realizados produtos
como o website (figura 42), papelaria (figura 43), envelopes (figura 44) e cartões de
visitas (figura 45). Curiosamente, cada modelo do cartão de visita é um recorte de
cada um dos cartazes. Reunido com seus pares, os recompõem por inteiro.
Figura 42: Rico Lins. Website do Estúdio
Rico Lins. Fonte: Estúdio Rico Lins.
Figura 43: Rico Lins. Papelaria para o Estúdio
Rico Lins. Fonte: Estúdio Rico Lins.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Figura 44: Rico Lins. Envelopes para o
Estúdio Rico Lins. Fonte: Estúdio Rico
Lins.
Figura 45 - Rico Lins. Cartões de Visita
para o Estúdio Rico Lins. Fonte: Estúdio
Rico Lins.
Enfim, a aplicação do conceito de reciclagem foi bastante utilizada para além do que
havia sido previsto no início do projeto e não em decorrência de um planejamento
projetual no sentido linear de um projeto de design, mas a partir da detecção da
oportunidade.
Para discorrer sobre como faz para implementar a experimentação em seu processo
criativo e no resultado estético do seu trabalho, Rico Lins (2008), faz uma análise
crítica do modernismo: “o modernismo está muito ligado ao conceito de eternidade
e de certa forma, à crença na perfeição” (Rico Lins, 2008). Eternidade enquanto
perspectiva de produzir soluções projetuais atemporais e fundamentadas na
convicção de ser possível atingir a perfeição nos produtos. E que tem por propósito,
atender uma sociedade investida de uma unicidade puramente utópica. A falsa ilusão
de projetar para um mundo novo sob a égide da perfeição não perdura, o próprio
desenrolar histórico demonstra o contrário e desfaz tal ambição impraticável. “Nossa
ânsia em produzir objetos e saberes puros foi sempre uma tentativa” (Kopp, 2004,
p.122). Como conseqüência, essa visão conceitual modernista inviabiliza qualquer
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apreensão de singularidades como, por exemplo, o efêmero, comprometendo a
percepção de sua relevância. Ou seja, se considerar os preceitos do modernismo,
não se concede a devida atenção ao que é, ou possa ser interpretado como efêmero
ou transitório, enquanto qualidades viáveis e necessárias a determinados projetos.
Além disso, explica Rico, um produto que traga consigo essa qualificação, torna-se
portador de uma importância “menor”. Sob essa lógica, a produção de um livro ou
um projeto de identidade visual, por exemplo, são produtos que devem ser “levados
a sério”, não sendo o caso da produção de uma revista ou de um cartaz.
Soma-se a isso, outro fator que implica negativamente quando se pensa em
modernismo: não vislumbrar a possibilidade de contribuição que o erro e
principalmente o acaso, podem oferecer ao processo de criação e como resultado
estético.
Para Rico, esses anseios modernistas “desumanizaram” o design na qualidade
de objeto de comunicação interpessoal, afastaram-no do que realmente é a
comunicação humana. Isso ocorreu porque basicamente, essa premissa não fazia
parte do contexto da época.
Cabe também pontuar, que não só uma visão tolhida por restrições conceituais
deslocadas de seu contexto original e não adaptadas ou repensadas para sua
contemporaneidade, compromete o trabalho criativo. Outros fatores também
podem colaborar de forma rigorosa. Questões econômicas, por exemplo, impõem
toda sorte de limitações estéticas e conceituais aos produtos e obviamente isso
concorre para o resultado final. Löbach (2001) escreve que a pobreza de informação
emocional está diretamente associada a motivos econômicos dos fabricantes. Para o
autor, os aspectos estéticos são vivenciados emocionalmente e de forma individual,
em oposição à massificação dos produtos de pouca complexidade estética. A
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simplificação está ligada ao intelecto e o sentimento está ligado à riqueza de
informações emocionais. Sendo assim, “a busca da individualidade conduz à busca
de originalidade na aparência visual dos produtos” (Löbach, 2001, p.178), o que
reforça a procura por quebra de paradigmas universalizantes. Ou ainda, segundo
Burdëk:
A longa tradição do funcionalismo se baseou consideravelmente na meta
formal de ordem. Ligada a isto, sob o ponto de vista psicoperceptivo, havia
uma redução de estímulos que, em muitas áreas como a arquitetura, o
urbanismo, a comunicação visual ou o design, conduziu a um verdadeiro
tédio visual (Burdëk, 2006, p.303).
“Não vejo o trabalho como uma coisa fechada em si” (Lins, 2008). É dessa forma
que Rico Lins abdica do total controle criativo e desenvolve metodologias para
atender as mais variadas necessidades projetuais. Como vimos, faz isso concedendo
ou compartilhando o processo com outros profissionais. “É importante e prazeroso
deixar certas aberturas para a participação de outras pessoas no projeto” (Lins,
2008). Em certos projetos procura até mesmo revelar um pouco do processo da
criação no resultado final, mesmo porque o trabalho criativo pode ir muito além
da idéia inicial e transitar por todo processo de trabalho, durante a impressão, na
gráfica, na distribuição e etc.
Rico Lins está conectado a essa linha de produção e interpretação da experiência.
Não perde de vista as singularidades e especificidades que individualizam cada
concepção, mas não toma partido de uma visão unicamente funcionalista,
racional ou imparcial na estruturação de seus projetos. Rico Lins, pelos exemplos
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apresentados, não faz de sua experiência profissional um porto seguro de soluções
fáceis. Pelo contrário, atento às constantes transformações sociais, profissionais
e porque não, do próprio percurso histórico do design, mantém-se inspirado na
aventura da descoberta pelas oportunidades abertas pela experimentação. O erro,
o efêmero, a dúvida e o imprevisível são matérias-primas para isso.
Outros tantos designers também se aventuram ou se aventuraram pelos caminhos
da experimentação. Bürdek (2006) escreve que na Alemanha do início da década
de 1980, podem ser observadas experimentações possivelmente fazendo uso do
acaso. Na primeira coletânea do novo design alemão, em 1982, no Museu de
Artes e Ofícios de Hamburgo, designers como “Jan Roth, Stefan Blum, Michael
Feith, Wolfgang Flatz, Jörg Ratzlaff, Stilleto e Thomas Wendtland experimentavam
materiais, formas e cores aparentemente combinados ao acaso” (Burdëk, 2006,
p.63).
O designer gráfico e arquiteto japonês Makoto Saito, é outro exemplo de uso do
acaso no processo de produção como meio para obtenção de respostas criativas.
Meggs (2009) assim descreve o designer e um de seus cartazes (figura 46):
Dotado de imaginação fértil, ele orquestra um conteúdo simbólico enigmático
que não segue nenhum modelo prévio. O acaso desempenha papel proeminente,
já que ele descobre suas soluções durante o processo criativo. Seu cartaz
de 1988 para Alpha Cubic Co., Ltd.; consiste em um rosto intrinsecamente
reconstruído. Sem nenhum texto além do nome da empresa, o cartaz é tanto
um dilema como fonte de perplexidade para o observador. Certa vez ele
declarou: Dez pessoas olhando para um de meus cartazes podem imaginar
dez coisas diferentes (Meggs, 2009, p.650).
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Figura 46: Makoto Saito cartaz para Alpha Cubic
Co., Ltd., 1988. Fonte: Meggs e Purvis, 2009,
p.650.
Figura 47: Makoto Saito, cartaz para Toppan
Printing Company, Ltd., “Sunrise Sunset Yusaku
Kamekura”, homenagem ao falecido designer
Kamekura. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 651.
Uma observação interessante é que o designer, de forma até mais radical que Guto
Lacaz e sua preferência por rascunhos manuais, prefere não usar o computador.
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“Seja qual for a rapidez com que o computador possa trabalhar, minha imaginação
é muito mais rápida” (Saito apud Meggs, 2009, p.650). (figura 47).
Enfim, observamos que em decorrência de uma entrega no processo de pensar
e produzir o projeto, acontece a condição incomum de rompimento com a
“autoridade” do designer. Sob essa perspectiva e submetida às condições do acaso,
a criação se firma no imprevisível e no compartilhamento com outras pessoas sem
intervenção direta dos criadores no direcionamento ou no controle dos resultados.
Mas tal procedimento criativo não implica na desqualificação ou inviabilização
de outros processos que não abram mão de preservar certo controle sobre essa
indeterminação. Nem sempre as soluções geradas pelo acaso serão aceitas ou
aplicadas integralmente sem serem manipuladas. Ou seja, preserva-se o uso do
acaso, mas não se renuncia totalmente às escolhas do criador na construção do
produto. São duas abordagens ou direções para explorar a potencialidade do acaso
que tem por base a ausência parcial ou integral de controle. Além disso, diluem as
fronteiras hierárquicas entre outros envolvidos no processo criativo e possibilita
modificações na abordagem, percepção ou utilização do produto.
No campo musical, tomando a liberdade de fugir momentaneamente das fronteiras do
jazz, tais observações nos levam as obras dos compositores John Cage (1912-1992),
exemplo de renúncia ao “controle”, e Pierre Boulez (1925), acaso controlado.
Sobre Cage pautamos uma considerável parte de sua obra regulada pelo
experimentalismo, introdução do acaso e por sua conseqüente recusa na seleção
dos resultados.
Em uma determinada fase de sua obra, Cage procura experimentar com a essência
dos sons. Pretende sua apreensão como movimento, enfocando-os como “processos”.
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O compositor “procura apreender os sons não como objetos que se desenvolvem
no tempo, mas como fenômenos, eles próprios dotados de uma temporalidade que
não lhes é exterior, mas que constitui seu próprio modo de ser” (TERRA, 2000, p.77).
Ou seja, o som, caracterizado por ter o tempo inerente a sua própria essência, e
passa a entendê-lo como processo. Esse enfoque na preponderância dos processos
sobre a representação acrescenta uma perspectiva que leva Cage a questionar e
relativizar o mérito na hierarquia criadora em uma relação sujeito-objeto, melhor
ainda, autor-objeto. Assim, repudia o domínio do homem sobre a natureza ou mais
exatamente, do artista sobre a obra. Apontamos aí o compartilhamento.
[...] a proposta de Cage não é fazer música a partir do compositor, passando
por um intermediário, o intérprete, e chegando a um terceiro, o ouvinte.
Todos participam da criação, pois Cage rejeita a idéia de fazer música para
ser ouvida, mas sim vivenciada (Salles, 2005, p. 91).
Como escreve Terra (2000), isso faz seu pensamento mover-se impulsionado pela
noção de paradoxo, ou seja, “a coexistência de dois sentidos opostos”. Atendendo a
essa visão, busca relacionar ações intencionais com as ações não-intencionais do
ambiente. Para isso, utiliza em seus experimentos as chamadas operações de acaso,
“processos inteiramente casuais que o compositor se utiliza para compor de modo
a possibilitar ao músico identificar-se com qualquer eventualidade” (TERRA, 2000,
p.80). Consequentemente o ouvinte também passa a ser elemento constitutivo do
processo criativo e de execução. E Cage explora formas de aplicação do acaso de
várias maneiras. Pozzo (2008) lista os variados métodos de inserção do acaso usados
pelo compositor na concepção de suas peças para piano: cartões ou quadrados
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mágicos, I Ching, sistema de pontos desenhados, imperfeições do papel e consulta
a mapa de estrelas:
1. “Cartões e quadrados mágicos – Estes podem conter uma gama
fixa de ruídos, sons, intervalos e agregados. Movimentos sistemáticos sobre
os cartões determinam as sucessões dos eventos.
2. I Ching – livro de consultas formados de 64 textos [...] Cage utilizou
o I Ching sempre como gerador de números ao acaso e o que varia é a maneira
pela qual ele empregou o resultado da consulta ao I Ching em suas peças.
3. Sistema de Pontos Desenhados – A obra é desenhada em um papel
quadriculado de um quarto de polegada. O método de compor a peça consiste
em traçar pontos no gráfico, feitos através de pedaços de papel dobrados
arbitrariamente e depois furados nas intersecções das dobras. [...] Depois de
completo, este desenho dos pontos pode ser transcrito para uma partitura
musical tradicional.
4. Imperfeições do papel – Os pontos são originados agora através
da observação e marcação minuciosa das imperfeições do papel manuscrito
[...] Depois de marcar um número de imperfeições determinadas ao acaso
em uma página em branco, Cage desenha pautas musicais nesta página,
transformando desta maneira os pontos em notas
5. Consulta de Mapas Estelares - Sistema similar ao das imperfeições
do papel, com a diferença que nesta vez, os pontos são gerados pela marcação
da localização de estrelas em mapas estrelares (Pozzo, 2008, p. 463).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Novamente, como apresentado anteriormente ao discorrermos sobre o acaso
no campo do design, vemos experimentações abertas ao risco, ao imprevisível,
ao desafio, concebidas sob a perspectiva de incentivar novas possibilidades e
prospecção de significações ou re-significações.
Esse viés do compositor, de abdicar da função de “construir” a obra e ser apenas um
proponente de questões viabilizando acasos nos resultados, sobrepõe à hierarquia
tradicional entre compositores, músicos e espectadores. Cage abre mão do controle
em prol da experiência, como coloca Campos (1998):
O que ele pretende é uma disciplina do ego, para que o artista, ao invés
de impor autoritariamente o seu próprio “eu”, aceite a contribuição do que
está fora dele e até daquilo de que ele não gosta, e, assim, libertado das
preferências pessoais, possa se abrir a novas experiências (Campos, 1998, p.
135).
Pozzo (2008) dá exemplos sobre como o compositor induz a interferência do
intérprete na obra: uso de notação, transparências sobrepostas, instruções, omissão
de informações na partitura ou sobre a duração das notas, liberdade na escolha das
claves e na preparação do piano (Pozzo, 2008, p.464).
Suas proposições ultrapassam o campo da música e avançam por outras áreas como
a literatura. Em Mureau (figura 48), texto criado pelo mesmo em 1970, acontece
o intercâmbio com o som, no qual cada campo incorpora as “ressonâncias” do
contato. Potencializa-se a dimensão verbal e poética das palavras enfocando as
resultantes sonoras. Como descreve Terra (2000), Mureau, faz uma exploração do
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
acaso a partir da combinação de letras, sílabas, palavras, frases, orações, padrões
tipográficos, maiúsculas e itálicas, sem intenção de criar uma função gramatical ou
sintática. Trata-se de um uso dos sons mais ligados à música do que da poesia.
Figura 48: John Cage. Mureau. Fonte: Terra, 2000, p.88.
Os 62 Mesostics re mercê Cunningham (figura 49) que fazem parte dos seus
poemas mezósticos são exemplos de outras explorações no emprego do acaso
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ainda no campo literário. Cage a compôs fazendo uso de combinações ao acaso de
setecentos tipos diferentes de letra-set. Como descreve Terra (2000) são “poemas
criados aleatoriamente, que formam ao centro, no sentido vertical, um nome ou
expressão” (TERRA, 2000, p. 88).
Figura 49: John Cage. 62 Mesostics re mercê
Cunningham. Fonte: Terra, 2000, p.89.
Até mesmo a notação musical criada pelo compositor acaba adquirindo uma forma
singular enquanto composição gráfica (figura 50). Resultado da subversão das linhas
da pauta, do uso de transparências sobrepostas e dos pontos representando sons,
silêncio ou intervalos. “Os signos da partitura remetem à sua própria materialidade
e plasticidade, mais do que a um referente que lhes é exterior à maneira da escrita
ideogramática e da pintura abstrata” (TERRA, 2000, p. 98). Assim como Mureau,
observamos sons e imagens (ou texto) questionando fronteiras e entrecruzando o
“território” alheio entre idas e vindas ao sabor da intenção criativa. No primeiro,
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
texto focaliza resultados sonoros enquanto no segundo, sons produzem grafismos.
Figura 50: John Cage. Notação Musical. Fonte: Terra, 2000, p. 97.
A peça 0’0 de 1962 é outro exemplo de suas experimentações. Composta para ser
executada por qualquer pessoa e de qualquer forma, na partitura há a instrução:
“em uma situação provida de amplificação (sem feedback) executar uma ação
disciplinada” (Bosseur, 1975, p. 61 apud TERRA, 2000, p. 103). Ou seja, oferece a
indeterminação total, tanto na criação quanto na execução. Ambas estão sujeitas
ao acaso.
Muitos aspectos estético-formais de vários projetos gráficos, são relacionados
a expressividade no trato dos elementos textuais ou não-textuais visando
potencializar uma informação ou um conceito. E também faz parte da intenção
criativa de muitos designers, que o espectador decodifique a complexidade de
muitos desses trabalhos.
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Na obra de Cage o emprego do acaso como articulador de experimentações
transpassa e transcende a música, literatura, artes gráficas em um campo aberto de
possibilidades. Demonstra o que a renúncia ao controle do processo de produção e
execução pode oferecer. Outros compositores, como o alemão Karlheinz Stockhausen
(1928-2007) também esquadrinharam essa experiência de privar-se do controle de
sua própria criação em benefício do acaso, como descreve Barraud (2005):
Em sua Klavierstück IX (Peça para nove pianos), ele propõe ao intérprete
dezenove seqüências musicais notadas sobre uma única e imensa folha
retangular. Cada uma dessas seqüências está ligada a um tempo, a uma
intensidade e a uma certa qualidade de ataque. Entre essas dezenove
seqüências, o pianista faz sua escolha segundo a disposição do momento,
ou sobretudo – assim o deseja o autor – fiando-se apenas no acaso. [...] Daí
resulta que uma seqüência, concebida originalmente pelo compositor num
certo andamento metronômico, praticamente nunca será executada nesse
andamento, mas num outro que não é conhecido de antemão, já que depende
da ordem de sucessão das seqüências deixada ao acaso (Barraud, 2005, p.
130-131).
O que opõe Pierre Boulez a John Cage e o traz como complemento a esta pesquisa
é sua recusa em abrir mão do que considera ser exercício do papel de criador. Essa
divergência se refere ao fato de que Boulez concebe o aleatório como meio de
expandir as possibilidades de variação da composição baseada no serialismo, mas
mantém o controle do processo, ao menos parcial ao impor-lhe limites. E a liberdade
oferecida ao intérprete estende-se a esse ponto: executar essas possibilidades. Isso
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
não representa de maneira alguma uma intenção de afastamento ou parcialidade
que se estenda ao espectador. Isso pode ser percebido na sua percepção da
problemática de assimilação da música contemporânea e da ação do ouvinte no
cenário contemporâneo.
A dificuldade que o ouvinte experimenta diante da música contemporânea
resulta do contato com uma obra, cuja forma é móvel e, por isso, não lhe
fornece os pontos de referência que lhe serviam de orientação a escuta. Não
oferecendo uma perspectiva que dirige o ouvido para pontos preestabelecidos
pelo artista, a obra contemporânea coloca para o espectador a proposta de
uma participação ativa na fruição da obra, permitindo-lhe decidir as direções
a tomar e elaborar seus próprios critérios de leitura (Terra, 2000, p. 127).
Não aprofundaremos a discussão sobre serialismo para não nos desviarmos do
enfoque desta pesquisa, mas apenas ressaltamos que Boulez compreende o acaso
como possibilidade no alargamento dos números de combinações possíveis, tanto
no serialismo quanto nos desdobramentos de suas pesquisas que desembocam na
onda sonora. Boulez aceita o acaso como método de composição, mas não renuncia
ao poder de escolha do compositor.
As pesquisas desses compositores apontam para seus desejos de suplantar o
esgotamento da forma de estruturação do sistema tonal. Assim como Cage e outros
tantos compositores, músicos de outras manifestações ou estilos musicais também
desejam ultrapassar barreiras, estimulados por experimentações que desafiam
dogmas e preceitos. Como aponta Arnheim: “Todos os meios de expressão sensorial
tocam os limites dos outros, e embora cada qual tenda a fazer o melhor quando
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
contam com suas propriedades mais características, todas podem ser renovadas às
vezes pelo contato com as suas vizinhas” (Arnheim, 1989, p. 95). É o caso do jazz
e de sua concepção musical fundamentada na improvisação, da qual buscamos
apontar relações com o design. Influência também na obra do músico alagoano
Hermeto Pascoal, em que identificamos um grande enfoque em processos criativos
que se beneficiam do “descontrole” do acaso para a obtenção de resultados não pré-
estabelecidos. São composições, interpretações e procedimentos desafiando padrões
com o uso criativo do acaso, ou como prefere o músico, da “não premeditação”,
meio para que o sentimento sempre sobreponha o saber. “O que você chama de
acaso, eu chamo de não premeditação. Tudo o que é criativo de verdade não é
premeditado. A não premeditação é nunca colocar o saber antes do sentir” (Pascoal,
2009). Não interessa a Hermeto a criação que se fundamenta em fórmulas com as
quais já se saiba o resultado previamente. Mas observa que isso não significa que
um músico despreparado consiga criar dessa forma, ao contrário, todo músico deve
estar muito bem tecnicamente com seu instrumento para alcançar tal liberdade. E
para que o acaso aconteça de maneira intensa e verdadeira, é preciso que não haja
obstáculos ou interferências que bloqueiem o fluxo natural da criatividade. Pois
como diz o músico, é como um pintor que apenas segura a caneta sem saber o que
está por vir. Nem pode desviar a atenção para procurá-la, pois deve estar sempre à
mão, sob pena de perder a idéia.
Na música eu sou assim, tenho essa experiência de não estar com o instrumento na mão, geralmente os instrumentos estão na minha cabeça. Se eu não tivesse essa capacidade de imaginar o meu instrumento, na hora que viesse a idéia ou a intuição, que para mim é a mesma coisa, eu não teria condições de tocá-la. Não teria condições de fazer aquilo (Pascoal, 2009).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Hermeto Pascoal é um caso singular na música brasileira. Soma-se ao fato de
possuir uma capacidade natural para música, o modo como construiu sua formação
musical. Ainda na infância, aos sete anos de idade, dá início a suas primeiras
experiências musicais. Um pouco mais tarde, aos quatorze, inicia sua formação
de forma autodidata, pelo fato de não ter tido a oportunidade de aprender com
professores ou em escolas, em grande parte devida sua deficiência visual causada
pelo albinismo. Em contrapartida, não foi engessado por regras e convenções
da teoria musical, fato corriqueiro no ensino tradicional segundo Hermeto. Essa
formação inicial está sedimentada nas apresentações e ensaios dos maestros
que teve a chance de assistir ainda em Recife e prossegue na prática amadora
e profissional nas rádios, nos conjuntos, nos festivais e na vivência com músicos
mais experientes. Ficava atento ao que ocorria nos palcos “guardando na cabeça”
os sons e as relações que imaginava que criavam entre si. Hoje, isso se soma aos
fatores que colaboram para que o músico não imponha restrições ao uso dos sons
que surgem de forma não premeditada, pelo contrário, sua obra necessita disso. Dos
ouvidos atentos e curiosos do passado aos experimentos que embasaram muitas
de suas composições, entre as mais de quatro mil, Hermeto mesmo assim alimenta
essa forma de percepção que ainda o encanta.
Quando eu vou tocar e faço um arranjo para a sinfônica ou para a big band, uma das coisas mais lindas que eu presto atenção é justamente antes de tocar quando os músicos tiram os instrumentos do estojo. Eles começam a tocar sem saber o que estão tocando, só para esquentar os instrumentos. O que sai de coisa muito mais bonita do que as coisas que você toca no disco! (Pascoal, 2009).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Por esse motivo, Hermeto tem uma postura crítica em relação à formação musical
na maioria das escolas de música, incluindo a conceituada Berklee College of
Music que até já foi convidado a dirigir. Essas instituições impõem restrições
quase hipnóticas aos estudantes, submetendo-os a metodologias que só fazem
condicioná-los a criações padronizadas e repetitivas. Não há descoberta no processo
de criação e as composições seguem modelos de construção e estruturação que
segundo ele, não traz inovação alguma, pelo contrário, enrijecem a criatividade
dando a falsa impressão que competência técnica pode sozinha representar padrão
de qualidade.
O pessoal quando vai fazer um arranjo para uma orquestra, ou outra coisa, pega o papel, e risca tudo antes. Fazem como se fosse um alicerce para levantar um edifício. Não estou criticando, mas é a realidade. Então quando o cara termina de fazer a composição, sabe praticamente tudo o que fez. São aquelas pessoas que gostam de esquematizar as coisas. Pessoas que são muito perfeccionistas. Isso não é uma criação natural. Isso é uma coisa premeditada, uma coisa estudada. Não é uma coisa que nasce como uma fonte. Uma fonte ou uma nascente que precisa que alguém beba a água para vir outra água. Outra água está sempre esperando. A não premeditação é isso, quando a gente bebe aquela água, a gente nunca sabe o que vai vir. Não sabe nem a hora que vai entrar em ação para as outras pessoas beberem. Na minha
mente é assim (Pascoal, 2009).
Hermeto procura elaborar composições que proporcionem liberdade de tratamento
e estruturação ao intérprete. Por vezes indica que mantenham o tema, mas evita
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sobrecarregar a partitura de nuances, definindo como tocá-las. “Quando escrevo digo: A estrutura é sua, só não mudem o tema. A harmonia pode mudar a vontade também” (Pascoal, 2009).
Hermeto introduz a prática da não premeditação não só nas composições e arranjos,
mas também em suas apresentações. Quando fala sobre seu show, afirma que a única
certeza é que este vai ocorrer, no mais, tudo é regido pela percepção do instante
transformada em componente musical. Ou seja, o acaso ou a não premeditação
formatando o processo criativo no qual é fundamental o sentimento que surge da
relação com o público e com os outros músicos do grupo. Isso pode ser interpretado
erroneamente como pura improvisação musical, mas não é apenas isso. As músicas
foram selecionadas, ensaiadas, mas na hora da execução, é o acaso que constrói
o contexto, a performance e até mesmo modifica as músicas. Os músicos do seu
grupo já estão preparados e acostumados a acompanhá-lo pelos variados caminhos
que a apresentação costuma tomar. Como afirma, o show nunca acontece como
foi elaborado; “a coisa da não premeditação, é justamente isso, eu sinto o show no
momento” (Pascoal, 2009). Nada mais conectado ao sentido de improvisação do
que essa maneira de fazer música. Neto faz essa observação:
Outra característica importante na música de Hermeto Pascoal é a improvisação.
É inegável a influência do jazz americano, embora a improvisação praticada
por Hermeto não se limite (tal como ocorre geralmente no jazz tradicional) a
capacidade de reinvenção melódica sobre uma mesma estrutura harmônica.
Ele pode, por exemplo, (como na música “Magimani Sagei”), sobrepor ostinatos
de baixo e bateria, vários cachorros latindo, uma pessoa falando palavras
desconexas, e considerar tudo isso como sendo a “base harmônica” sobre
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
a qual diversas flautas improvisarão livremente, ao mesmo tempo fundindo
seus timbres aos latidos dos cachorros e as onomatopéias e grunhidos da
voz através de frulatos, glissandos e outros recursos, como cantar dentro
das flautas simultaneamente à emissão de notas. Estes tipos de exploração
sonora utilizados por Hermeto ultrapassam o modelo de improvisação do jazz
tradicional, assemelhando-se mais as experimentações ocorridas a partir do
free jazz americano da década de 60 (Neto, 1999, p.5).
Hermeto vai além do que executar improvisações sobre harmonias determinadas
como ocorre no jazz, em um sentido mais abrangente, se propõe a um mergulho
no desconhecido como afirma (Neto, 1999). Até porque, a estrutura harmônica da
música de Hermeto está mais direcionada a canalizar suas idéias e experimentações.
Como afirma o autor, extrapola uma possível estruturação jazzística habitual; “A
concepção dita jazzística de Hermeto é complicada pelo fato de ele caminhar por
uma base harmônica movediça, que ultrapassa os limites do jazz convencional”
(Neto, 1999, p.24). Como exemplo, o autor apresenta a execução da música O tocador quer beber20, improvisações acompanhadas por galos e galinhas, muito próximas
ao território do free jazz, no que se refere ao atonalismo e ao experimentalismo
desse estilo musical, mas sem querer cair no erro de enquadrar Hermeto Pascoal a
qualquer estilo. Calado também observa essa aproximação de territórios:
É curioso como estruturando seu trabalho musical a partir de ritmos brasileiros
tradicionais como o frevo, o baião e o choro, jamais abrindo mão do recurso
da improvisação, Hermeto chega em vários momentos a resultados bem
próximos do free jazz - especialmente quando rompe o andamento regular
LP Brasil Universo, Som
da Gente 1985.
20
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
e ingressa na atonalidade. Recusando sempre as qualificações de jazz, free
ou mesmo “música popular brasileira”, ele prefere o termo “música livre”
(“música universal” é ainda um outro termo que Hermeto utiliza para definir
sua música) (CALLADO apud NETO, p.46, 1999).
O compositor nos narra outro exemplo em que a improvisação leva a experimentação,
superação e exploração de possibilidades, realizada em uma apresentação em
Londres ao tocar com músicos ingleses. Nessa oportunidade, Hermeto faz com que
os músicos toquem a partir de uma pintura, sem descrição de notas, ritmos ou
estruturação. Instiga-os a improvisar com total liberdade de expressão a partir da
percepção individual e instantânea que tenham dos traços de seu desenho.
Eu pinto uns negócios doidos, digo doido porque a gente gosta, eu vou pintando como eu toco, entende? Eu vou pintando até chegar a um ponto das coisas que quero e as coisas vão acontecendo. Então fui fazer um trabalho na Inglaterra com a big band e levei esse desenho. Quando chegou a hora do ensaio a gente passou uma porção de arranjos e aí mostrei aquilo e disse: Tá aqui ó, isso aqui é pra tocar. Assustei eles. Pedi para chamar dois trompetes e disse: Agora vamos um de cada vez, pode tocar! Daí veio a pergunta: O quê? Se ele não perguntasse “o quê?”para mim, teria sido uma frustração porque daí não ia se interessar, aí não ia tocar nada. Quando ele perguntou “o quê?”, era justamente o que eu queria. Disse para ele para fazer de conta que estava em um parque e para cada coisa que sentisse, criar alguma coisa. Aí ele começou a tocar e o cara foi ficando vermelho porque eles são músicos padronizados, todos estudam a mesma coisa. Quando começou a ouvir o que estava tocando ele nem acreditava no que estava tocando. Para você ver
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
que não estava acostumado a criar. Que você seja testemunha disso que eu estou te dizendo agora! Aí o outro trompete ficou louco e começou a tocar também. E ficou uma coisa diferente da outra. Aí um a um da orquestra foi se levantando e pedindo espaço. Eram trinta músicos tocando naquela “partitura” e nenhum deles fazia a mesma coisa (Pascoal, 2009).
Essa idéia surgiu de uma prática sua nas apresentações pelo Brasil. Eventualmente
acontece de receber presentes do seu público, muitos deles desenhos e pinturas.
Como retribuição, convida o presenteador a assistir no show, a música daquele
presente. Ou seja, ele se propõe a “tocar” aquela pintura ou desenho como gratidão.
E assim o faz, cria uma música instantânea para o quadro em questão. Considera
estar propondo uma interação oriunda de uma criação mútua. Mais uma outra
forma de interação além da participação induzida em todos seus shows em forma
de canto, palmas ou instrumentos distribuídos ao público.
Outra maneira que o compositor utiliza para experimentar com essa relação entre
imagem e som é colocar acordes em seus desenhos. Mesmo a criação do “tema”
fica a cargo dos intérpretes para não interferir em sua criatividade. “Quem quiser
tocar, pega seu instrumento, olha para aquele quadro (cifrado) e se inspira. Tem
coisa que você vê e acha chato então toca uma coisa chata. Mas é como pegar uma
água que está suja e filtrar” (Pascoal, 2009).
Sobre o ato de criação, Hermeto afirma que este não está restrito a músicos natos. O
músico principiante ou não tão talentoso também transmite sua expressão mesmo
por meio da ingenuidade com que trata uma composição. A ingenuidade traz em si
uma beleza particular não necessariamente associada à técnica, porque como diz
o músico; “O maior segredo é sempre colocar o sentir na frente do saber” (Pascoal,
2009).
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CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole
Hermeto faz a ligação direta entre a não premeditação e o acaso como termos
equivalentes enquanto agentes no resultado criativo que viabilizam. Mas atentamos
para o fato de que o primeiro também pode ser compreendido como procedimento
que dá sustentação para que o segundo se manifeste e seja incorporado sem
restrições. Ou seja, estão inter-relacionados, mas a não premeditação também
como veículo para a ocorrência do acaso. Temos o acaso interagindo com variados
elementos de linguagem como timbres, sons e ruídos de instrumentos, animais
e objetos, sendo viabilizado pela não premeditação, seu principal parâmetro. Ou
seja, Hermeto contribui com uma percepção de acaso que compreende e integra
conceitualmente, suas necessidades, causas e efeitos e que também solidifica os
termos em uma única expressão que faça sentir mais do que pensar.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao relacionar o design gráfico ao jazz, buscamos refletir sobre fatores intercambiáveis
que podem estar presentes tanto no processo de criação, como nos resultados
estéticos de certas manifestações no design gráfico contemporâneo e na prática da
improvisação. Com isso, procuramos contribuir com subsídios ao debate acerca do
desenvolvimento do design e expandir fronteiras.
Cremos que isso perpassa por manter um olhar continuamente crítico em relação
a sua própria evolução histórica, mas ao mesmo tempo, atento a contribuições que
possam vir de experiências realizadas em outras áreas do conhecimento. “Navegar
em outras águas” para cultivar múltiplas perspectivas. Não como apropriação
gratuita de conceitos alheios, mas como incitação a discussões em oposição a
determinismos fechados em si mesmos. Para nós, discorrer sobre a experimentação
e o acaso na prática da improvisação musical colabora nesse sentido.
Essa maneira particular de realizar a construção do discurso musical, está próxima
à questão da construção de significado para os produtos nos projetos de design.
Sabemos que não só as características racionais e práticas estão envolvidas na
relação entre produto e usuário. Como este é percebido e que significado tem,
são aspectos que também fazem parte do universo projetual. Referimo-nos à
possibilidade do produto acolher significados, para além do escopo inicial projetado
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
pelo designer ou pelo cliente. Como em uma situação de improvisação jazzística em
que o músico tem o “tema” a seu dispor. O músico conhece bem a composição ou tem
capacidade de compreendê-la rapidamente, mas o contexto de criação lhe permite
dar ao tema, formas e entendimentos totalmente diferentes da proposta do inicial
do autor da composição. Esse contexto abrange a interação com o grupo musical,
a reação da platéia, a liberdade de distanciar-se ao extremo da harmonia, do ritmo
ou da melodia original. O designer pode proporcionar um contexto similar ou ser
influenciado por ele. Pode produzir cartazes, como nos exemplos aqui apresentados
(kiko Farkas, Rico Lins) em que o entendimento da mensagem está em aberto para
o espectador. Ou ainda, seu processo de criação aberto ao acaso, gera idéias e
resultados estéticos desassociados, a princípio, da mensagem principal, adquirindo
significados novos. No contexto musical temos a interação com os músicos do
grupo, no design, a interação com outros designers ou profissionais envolvidos no
projeto. Para a reação da platéia temos a interação com o usuário. Para relação
de distanciamento ou aproximação à base de sustentação do improviso (acordes,
ritmos, melodia), temos a relação estabelecida com elementos da linguagem do
design: linha, cor, alinhamentos, distribuições de elementos, fontes etc. A maneira
de “respeitar” ou não as escalas musicais durante um improviso, pode ser comparada
ao tratamento dado às imagens em um layout. Guardadas as devidas proporções,
para nós, David Carson - e sua alegação de não conhecer as regras do design -
seria um bom músico de free jazz, assim como Ornette Coleman, que também não
conhecia as regras musicais.
Assim, o produto passa a ser elaborador de discursos que surgem em uma situação
de intercâmbio com o usuário. O que está intrínseco ao produto ou lhe é agregado
pelo uso são produzidos ou estimulados pelo designer.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A improvisação jazzística está carregada dessa tensão de influência mútua, pois o
contexto para a criação leva a limites extremos a situação de criação. Os músicos
buscam uma expressão que particularize seu discurso musical naquele instante de
criação, potencializando tanto a percepção do contexto e como de seu íntimo.
Nessa situação de instantaneidade criativa, está inserido o acaso como elemento
fundamental de singularização do discurso musical. Ao romper com o prévio
planejamento, o acaso norteia a criação em comunhão com o desejo expressivo do
improvisador. Como resultante, temos a produção de uma música carregada dessa
tensão e aberta a quaisquer entendimentos e interpretações.
Em relação ao design gráfico, essa proposição de criação pode ser gerida nos
rascunhos, no processo de produção, na materialização do ideal estético ou mesmo
no processo criativo, como demonstrou o exemplo de Rico Lins. A utilização do
acaso pressupõe que o designer abdique, ao menos em parte, do controle sobre o
processo em algum momento da criação. Consideramos “em parte” porque afinal, os
resultados são submetidos ao seu senso crítico e o acaso faz parte de um processo
criado por ele. Entretanto, convida-o a abrir mão de suas próprias preferências em
prol do imprevisível. E como dissemos o significado simbólico do produto pode ser
previamente planejado ou pode ser atribuído pelo usuário, mas como foi colocado
no exemplo da improvisação, a conscientização e a potencialização desse fator
cabe ao designer.
Da mesma maneira, romper o patamar da racionalidade como parâmetro único e
primordial ao projeto, liberando-o para absorver o desejo expressivo do designer, leva
a novos paradigmas de criação. Ou seja, procedimentos envolvidos na produção do
discurso jazzístico, ao servir de referência para o design, estimulam a sobreposição
de limitações interpostas entre o designer e a produção de significados, viabilizando
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
a emersão de outras proposições de discurso. Incorporar a espontaneidade da
improvisação como referência de mecanismo de criação, leva a ampliação da
dimensão criativa na concepção dos projetos de design. Oferece recursos, abre novas
perspectivas e enriquece as discussões sobre fundamentos teóricos e práticos. Dá
suporte para que se ultrapassem construções visuais tradicionais.
Estar sujeito ao acaso, faz do free jazz um tema convidativo a ponderações sobre o
design gráfico tendente a experiências inovadoras. Parece-nos pertinente considerar
a convergência da linguagem do jazz e do design, no sentido de agregar ao segundo,
um tratamento mais “maleável” a concepção de projetos. Estar preso rigidamente
a regras e padrões ou estar sujeito ao “excesso de certeza” pode limitar o olhar
e torná-lo menos receptivo às contribuições do inesperado e da surpresa. Para
o músico profissional, isso não é uma situação de contrariedade ou dificuldade,
mas sim, uma circunstância oportuna, estimulante e desafiadora. Associamos
ao design, essa situação de efervescência criativa em que o processo criativo e a
poética estão sob condições de assimilar e utilizar o acaso e entregues à liberdade
de experimentação. E a interação com o usuário é tão relevante ao processo quanto
se faz na execução musical.
Além disso, valer-se do resultado do “contato” entre campos do saber, pode
contrabalançar um possível esgotamento criativo nos moldes históricos do
racionalismo funcionalista.
Cabe apontar também que a produção de desejos é parte do mecanismo de
funcionamento que movimenta a economia. Integra essa visão, a dinâmica das
classes sociais considerando os desejos que as inter-relacionam e a individualidade do
homem, que recebe e produz valores dentro do seu contexto social. Nessa conjunção
de fatores, a experimentação pode contribuir com saídas para o enfrentamento de
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
normalizações ou padronizações que só atendam políticas empresariais de venda e
produção. O acaso pelo viés da experimentação e da liberdade contribui para que
o design, dentro da sua especificidade, confronte seus paradigmas no heterogêneo
contexto social contemporâneo.
Apresentamos o free jazz como subsídio para esta discussão justamente pelas
características que o fazem sempre um desafio; o inesperado e a liberdade.
A situação em que se encontra o músico no momento do improviso pode ser
comparada ao instante do rascunho para o designer, ou à situação de limite de
prazo para encontrar soluções criativas.
O desejo criativo de Cage o levou ao acaso, que por sua vez, o induziu a abrir
mão do controle criativo. No free jazz a criação é coletiva por princípio, não há
referências predeterminadas, não há segurança e certezas. Esse mesmo vôo levou
Rico Lins a criar cartazes experimentais e compartilhar com outros autores, a
criação de projetos. Como um músico de jazz, o designer se expôs no palco das
criações, inspirado pelo inesperado e em busca do que o acaso pode oferecer. Não
renuncia ao conhecimento tradicional ou as conquistas do design, mas não se priva
de descobrir e experimentar o que está além, o que pode surgir do acaso. Assim
como Rico Lins, apresentamos outros designers se articulando com mobilidade e
desenvoltura nesse ambiente. Essas contribuições e tantas outras, como a pontual
e relevante influência da música, mantêm o desejo da prática experimental no
design.
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jan. 2009
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ANEXOS
ANEXOS
1. Ivo Perelman
Entrevista com Ivo Perelman concedia a Marco Vasconcelos em São Paulo no dia
02/03/2008
O que é free jazz?
Ivo Perelman: É uma música muito pessoal. Uma alternativa quase subversiva de
solução musical. Quando o músico se propõe a fazer free jazz, se propõe a fazer as
coisas como faço; como corpo principal da sua expressão artística. Geralmente a
alternativa que encontrou é muito pessoal, ele inventou um sistema próprio de se
expressar musicalmente.
Como isso funciona trabalhando em um grupo musical?
Ivo Perelman: Basicamente, os músicos de free jazz que se encontram e tocam,
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ANEXOS
dividem uma sensibilidade em comum. É mais uma coisa abstrata de sensibilidade, de
percepção da música. Realmente são poucos os músicos que tem essa sensibilidade
e fazem free jazz. Cada um tem sua forma pessoal, mas todos dividem essa coisa
maior, essa sensibilidade, essa necessidade de se expressar de uma forma pessoal
que não passa pelos caminhos normais.
Você pensa em termos técnicos durante a execução?
Ivo Perelman: No começo eu discutia algumas coisinhas, mas hoje não converso
nada. A música dita para onde vai. A primeira nota indica a segunda, que indica a
terceira, que indica o compasso e a música vai ganhando corpo, vai se desenvolvendo.
A gente tem muita experiência nisso, então, já desenvolve de uma vez só. Já vem
a coerência que a música requer, que é a repetição, o desenvolvimento harmônico
melódico, timbrístico, tonal, atonal, toda a sintaxe musical. Então ela é composta
enquanto é criada. É um processo de composição expontânea, instantânea, grupal.
A linguagem tem a sua gramática ninguém cria do nada, ninguém é gênio que
toda vez que toca cria alguma coisa totalmente nova. Existe um repertório muitas
vezes inconsciente, que todos nós temos, mas é claro que o potencial criativo dessa
música é muito grande.
Durante a execução ou gravação das músicas são feitas combinações ou acertos a cerca de parâmetros musicais, como quantidade de compassos, tonalidade?
Ivo Perelman: Todos esses parâmetros são falados musicalmente. Porque nós que
fazemos esse tipo de música, temos tanta experiência. A gente quer fazer um CD
interessante; a primeira música a gente espera que seja contrastante com a segunda
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ANEXOS
e a terceira e que a gente percorra vários caminhos no mesmo CD. É um trabalho de
arte, de exposição, de resolução de conflitos musicais. Todas essas coisas são faladas
na música, nós estamos ouvindo, nós sabemos disso, então não é preciso falar. Nós
não temos um tema porque nós usamos vários recursos: melódicos, timbrísticos, de
cor, de ritmo, de silêncio, de interrupção.
Como ensinar improvisação no free jazz?
Ivo Perelman: Não tenho muita experiência pedagógica, mas posso dizer que
as pessoas que tocam free jazz, que nasceram para isso, têm essa vocação, não
precisam de professores. A necessidade cria a sistemática para o músico. É pela
necessidade de se expressar que se encontra um método pessoal.
Eu diria que todo o elemento que se usa na música normal, no jazz, se usa no free
jazz, só que tem que pegar de um ponto, de um local mais espontâneo do seu
ser. Quanto mais espontâneo vier, mais autêntico e mais convincente vai soar ao
ouvinte. Que seja um discurso livre. Eu recorro a comparações com a vida normal,
cotidiana, como se fosse uma conversa de três pessoas que não tem um tema
preestabelecido. Vão conversar pela primeira vez ou pela décima vez, mas não
sabem sobre o que vão falar. Vão começando a bater um papo. Quanto mais fluído,
mais interessante e convincente será para o ouvinte.
Na arte, primeiro acontece o evento, acontece o criador, a descoberta que nasce
da necessidade do artista, que passa ao largo desse discurso técnico, histórico. No
meu caso, me vinha uma coisa e precisava sair, um desconforto, um prazer físico.
Eu queria ser um bom menino, estudava as tonalidades e claves do jazz para aplicar
nas situações do jazz, mas na hora me dava um negócio que não sabia explicar e
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ANEXOS
tinha que fazer aquilo que nem sabia o que era. Então esse processo vem antes, ele
aconteceu. Aí você vai procurar pelas regras, entender o que é aquilo, porque que
fez, porque que não fez. Para ser verdadeiro, tem que ser genuíno, espontâneo. De
dentro para fora do músico, do artista.
O CD A Love Supreme* de John Coltrane é um exemplo de free jazz?
Ivo Perelman: Não é free jazz, mas é bastante aberto, bastante flexível. Ele toca
alguns temas no começo, que depois ele recria no fim, então tecnicamente não
é free jazz, porque tem um ponto de partida e de chegada preestabelecido. Mas
o Coltrane, um ano e meio ou dois anos depois, já faz free jazz. É um free jazz
interessante. O Coltrane chegou ao free jazz de uma forma bastante acadêmica.
É um músico que em sua breve carreira, passou por várias ações estilísticas do
jazz; do bebop, post bop, do quase free e do free. É um catedrático mesmo, uma
universidade ambulante, universidade Coltrane. Fez parte do momento histórico do
free jazz. Em uma vida só, uma vida curta, passou profundamente por todos esses
estilos como um grande mestre. Que é lindo né? Em uma vida só, em uma carreira
só, foi mestre em todos os estilos por que passou, incluindo o fim, que foi o free
jazz. Deus sabe onde ele estaria hoje! A alternativa pessoal dele é bastante única.
Não conheço uma história tão rica e pessoal de algum músico que tocou jazz ou
free jazz como ele.
Como surgiu o free jazz?
Ivo Perelman: Claro que tiveram músicos cartáticos no free jazz, mas essa ebulição,
essa implosão estilística, aconteceu por um motivo histórico, social como em todas
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ANEXOS
as artes. Os músicos começaram a criar linguagem. Os mais jovens começando cada
vez mais a envenenar, digamos, cada vez mais a música e a se rebelar contra os
modelos que recebiam. Mas teve outros nomes que foram pivô; o próprio Ornette
Coleman que conheço um pouco sua história porque trabalhei com um homem que
foi muito importante na história do Colleman, que foi o maestro Gunther Schuller.
Gunther Schuller está vivo ainda hoje, é compositor, historiador de jazz, regente e
trabalhou com músicos de jazz. Trabalhou com Ornette Coleman e conheceu bem
o Ornette. Foi ele que falou para o Ornette que existiam tonalidades. Ornette era
um músico extremamente sensitivo, não sabia nada de teoria. Ouvia música como
cores, não sabia que existiam tons; dó maior, ré maior, lá maior, não sabia nada
disso. Ouvia sensorialmente a música e como tal, desenvolveu aquela linguagem
de liberdade. Para ele a liberdade era seu estado natural. Não sabia diferente disso.
E o Schuller contou para o Ornette Coleman que existiam tonalidades na música.
A música tem doze tons, tons maiores, menores... , ele contou como a música se
estruturava. O Ornette teve um ataque de diarréia e vômito, passou mal e foi para
o banheiro. A verdade foi de uma vez só posta para o Ornette que passou mal. O
próprio Gunther me contou essa história.
O Ornette foi um desses nomes. Outro nome foi o Albert Ayler, um saxofonista que
no começo, tocava como o Charlie Parker. Imitava. Mas foi ficando insatisfeito
como a linguagem que tocava e foi expandindo, expandindo, e talvez tenha dado
o passo mais importante no free jazz; deu um pulo quântico, queimou duzentas
etapas, começou a tocar de uma forma totalmente timbrística, totalmente colorida,
onde não eram mais notas, mas massas sonoras que se moviam através do espaço,
como a pintura abstrata expressionista. Um grande gênio da humanidade que como
tal, muito desconhecido. Morreu aos 36 anos e o encontraram boiando em um rio
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ANEXOS
lá em Nova York. Não se sabe se foi assassinado ou se foi suicídio.
O Coltrane também teve a sua função porque fez de uma forma orgânica,
desenvolveu o free jazz de uma forma bem orgânica, metódica. A música de
Coltrane vai crescendo quase que academicamente. É fácil estudar o Coltrane, ele
vai expandindo as escalas, os agrupamentos rítmicos, mais livremente. Coltrane é
um livro, uma escola acadêmica.
Então é isso, surgiu pela genialidade de alguns músicos.
Isso acontece na década de 1960?
Ivo Perelman: O Ornette começou a tocar dessa forma no fim dos anos 50, gravando
o primeiro disco em 1958. Todos são contemporâneos, é o momento histórico, cada
um na sua, cada um com uma contribuição. É um produto histórico.
Tem alguma influência política?
Ivo Perelman: Sim, claro que tem. Tem a ver com o movimento de emancipação dos
negros nas cidades americanas. Contra o racismo. Malcolm X, Martin Luther King,
todos esses políticos americanos. Era um momento de ebulição muito forte onde
os negros buscavam um respeito maior enquanto cidadão. Esses músicos tinham
essa consciência musical, alguns mais, outros menos, mas todos, produtos do seu
tempo. Eu acredito que você não precisa ser consciente de uma forma cognitiva
para poder espelhar a consciência de todos. Mas tinha uns e outros que eram mais
verbais, que verbalizavam essa insatisfação, como por exemplo, Art Sheep. Ele era
extremamente articulado, até hoje é. Professor universitário, também amigo do
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ANEXOS
Coltrane. Coltrane o ajudou muito. Albert Ayler também foi muito ajudado por
Coltrane.
Como foi a sua história na música?
Ivo Perelman: Eu nem sabia o que era o free jazz. Comecei como violonista aos
6, 7 anos de idade. Tive aulas de violão, estudei violão clássico muitos anos no
Conservatório Dramático Musical que era muito bom. Com 16 anos tocava em
recitais. Tocava muito bem, mas comecei a ficar insatisfeito com aquela coisa,
porque eu não gostava de ler, lia mal e fingia para o professor. Eu fingia que lia, mas
decorava. Tinha muita dificuldade em ler, Até hoje tenho. Mais tarde, me esforcei
muito para ler. Tive aulas particulares com o professor Pedro de Alcântara, cellista
que mora na Europa há muitos anos. Fiz um estudo minucioso, me esforcei para ler
até descobrir que meu negócio não é ler. É de dentro para fora e não de fora para
dentro. O papel para mim é uma coisa morta, fria, não tem valor emocional. Na
minha música não tem espaço. Então meu negócio não era esse. Comecei a tocar
guitarra, baixo, teclado, bandolim, chorinho, trombone até chegar ao saxofone aos
17 anos. Aí quando pus a boca no sax tenor, eu disse: pronto, é isso! Tive certeza,
achei o instrumento. Tinha o peso exato, o grave exato, estava fora de mim, na
minha frente.
Eu estava na Fundação das Artes, estudando clarineta com o Hector Costita,
tinha aulas de improvisação com o Roberto Sion, comecei a ouvir jazz: Stan Getz
Victor Assis Brasil, Wayne Shorter. Tinha um amigo que na época estava largando
faculdade de medicina, Ricardo Goldenberg, que estava indo para a Berklee. Larguei
a faculdade de arquitetura no Mackenzie e fui junto com o Ricardo. Não acabei a
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ANEXOS
Berklee, muito irrequieto. Hoje até me arrependo porque disciplina nunca é demais.
Hoje minha vida é totalmente disciplinada, o que é um paradoxo. As pessoas
pensam que free jazz é uma coisa meio mística. Que nada! Eu acho que quanto
mais liberdade você tem como artista, mais responsabilidade. Levo isso muito a
sério. Eu estou sempre estudando ou mentalizando. É muito importante esse estudo
mental. Mas na época da Berklee eu não sabia, era muito irrequieto e não consegui
fazer a Berklee.
Fui morar no Canadá, comecei a tocar bossa nova para ganhar dinheiro. Acabei indo
para Califórnia, estudei arranjo e composição, aí sim com muito afinco e disciplina.
Lá gravei meu primeiro disco, mas não sabia que tocava free jazz. Queria tocar o
jazz comum, mais pessoal, mas durante um solo sempre baixava um santo que
nem mesmo eu sabia o que acontecia. Via aqueles olhares dos músicos achando
que eu estava muito louco e fui levando na cabeça até ver que estava tentando
uma linguagem que não era com aqueles músicos. Eu tinha um professor que me
ensinava improvisação e falava que o que eu estava tentando fazer, não era errado,
mas não era o que queria me ensinar.
Acabei gravando um CD com músicas brasileiras para crianças e ficou totalmente
improvisado. Nem eu sabia que era free jazz. Cheguei ao free jazz de uma forma
pessoal também. Uma ebulição interna que vim a descobrir depois.
No Brasil existem músicos executando o free jazz?
Ivo Perelman: Faz poucos anos que a geração mais jovem, dos vinte anos, já começou
a absorver as coisas da geração que antecedeu a eles, mas é o começo de uma coisa
insipiente. Vai crescer porque é uma linguagem que é a última etapa do jazz e veio
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ANEXOS
para ficar.
Quais foram suas inspirações?
Ivo Perelman: Na verdade, eu ouvia coisas mais tradicionais: bebop, Dexter Gordon,
Sonny Rollins, John Coltrane, muita música da China, da Índia, do Japão, folclórica,
muita música brasileira, Villa Lobos, música clássica, Stravinsky, um caldeirão misto
de influências.
Como é seu trabalho com a arte visual?
Ivo Perelman: Começou de uma forma muito expontânea. Nunca pensei em fazer
nada em relação a isso. Nunca fui ligado em artes. Aconteceu que teve uma época
que eu gravei muitos CD’s, fiz muitos trabalhos e esgotei um pouco minha capacidade
artística no mercado. Eu tinha muito CD e as gravadoras pediam para esperar um
pouco. Eu tinha muita necessidade de criar e precisava de outra linguagem. Aí veio
assim, de uma forma iluminada; um CD meu ia sair e a capa não gostei. Pensei com
meus botões: não está legal, eu que nunca fiz nada, se tentar fazer alguma coisa,
no mínimo vai sair uma coisa melhor e pelo menos minha. Se vou colocar a arte de
alguém que seja a minha arte. Então a caminho de casa comprei uma tela, umas
tintas, fiz e achei aquilo delicioso. Trabalhei o mês inteiro, não parava. Uma coisa
indescritível. Mostrei para um amigo artista plástico, que mostrou para uma amiga
que escreveu uma matéria e coloquei no CD. Fiz exposição e foi indo.
Nunca fiz nenhum desses estudos de cores. Depois que já estava fazendo é que
comecei a comprar livros, estudar isso, virei rato de museu. Mas primeiro fiz
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ANEXOS
empiricamente.
Você tem algum método ou processo?
Ivo Perelman: Vem desse impulso nervoso musical. No começo eu fazia uma coisa
de cor, mais abstrata, gestual, mas essa coisa da linha era subjacente. Hoje percebo
isso, mas no começo eram muito cores. Aí fui depurando e chegando à linha. Aí
está, (se referindo a uma pintura sua) uma musicalidade muito forte na linha. Uma
intenção rítmica musical muito grande.
Então considera que sua inspiração ou processo de criação na música ou na pintura vem do mesmo lugar?
Ivo Perelman: Fundamentalmente vem. Os materiais obviamente são diferentes.
Eles influenciam um pouco o resultado final. Mas fundamentalmente, nos estágios
primários da criação, vem do mesmo lugar. Quando toco, estou vendo algumas
formas e quando estou pintando algumas formas, aquilo está soando para mim.
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ANEXOS
2. Hermeto Pascoal
Entrevista com Hermeto Pascoal concedia a Marco Vasconcelos em São Paulo no
dia 03/09/2009
Como é a improvisação na sua música?
É igual aquele pintor que tem uma idéia e de repente ele vai olhar para a caneta
depois que ele tem a idéia, ele já perdeu a idéia ao olhar para a caneta. Ele já tem
que estar com a caneta na mão. Ele escolhe a cor antes. Então ele escolhe aquela
cor e só segura a caneta. Ele não sabe aquilo que vai vir. Então na música eu sou
assim. Eu até tenho essa experiência de não estar com o instrumento na mão,
geralmente os instrumentos estão na minha cabeça.
Eu sou um músico autodidata. Comecei aos quatorze anos. Fui para o Recife
escutava muitos ensaios com vários maestros como o Cosme Pereira, mas ninguém
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ANEXOS
chegava até mim, eu bem pequenino, e mostrava o que estava acontecendo, o que
eu estava escutando, o que eu estava achando, ninguém falava nada comigo. Mas
aquela coisa ficava na cabeça sem premeditação por eu não saber teoria.
Eu não tenho medo das idéias que tenho, pelo contrário, eu necessito. A minha
vida, minha respiração é justamente a criatividade. Então quando eu digo sobre não
premeditação, se eu não tivesse essa capacidade de imaginar o meu instrumento,
na hora que viesse a idéia ou a intuição, que para mim é a mesma coisa, eu não
teria condições de tocá-la. Não teria condições de fazer aquilo.
O pessoal quando vai fazer um arranjo para uma orquestra, ou outra coisa, eles
pegam o papel, e riscam tudo no papel antes. Fazem como se fosse um alicerce para
levantar um edifício. Eu não estou criticando, mas é a realidade. Então quando o
cara termina de fazer a composição dele, ele sabe praticamente tudo que ele fez.
São aquelas pessoas que gostam de esquematizar as coisas. Pessoas que são muito
perfeccionistas. Isso não é uma criação natural. Isso é uma coisa premeditada, uma
coisa estudada. Não é uma coisa que nasce como uma fonte. Uma fonte ou uma
nascente que precisa que alguém beba a água dela para vir outra água, a outra
água está sempre esperando. A não premeditação é isso, quando a gente bebe
aquela água, a gente nunca sabe quando ela vai vir. Aquela outra não sabe nem
a hora que vai entrar em ação para as outras pessoas beberem. Aquela água tem
que estar preparada para quando alguém beber dessa água ela não secar. Na minha
mente é assim.
Sobre a não premeditação eu vou dar um exemplo: se você for fazer um show,
quando eu vou tocar aí em Recife, a imprensa pergunta o que eu vou fazer no show
e eu respondo: se você quiser que eu faça o show agora eu faço, mas mais tarde, eu
só sei que vai acontecer (o show). Quando eu dizia isso a impresa achava que eu só
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ANEXOS
ia improvisar, mas não, estavam lá os arranjos, uns quinze ou vinte arranjos prontos
antes de a gente tocar, só que a coisa de não premeditação, é justamente isso: eu
sinto o show no momento! O que tem que mudar em algum arranjo por exemplo.
Tem uma lista dos arranjos, mas os meninos (músicos) já estão preparados por mim
para o que vai acontecer. Eu vou sentindo e vou dizendo o que vai acontecer no
show e vou mudando a estratégia. A gente nunca toca a lista como está lá, porque
o show muda, muda, muda, muda!
“A não premeditação é nunca colocar o saber antes do sentir”
Não estou generalizando. Tem momentos que tem que mudar porque senão você
vai andar na beira do rio e se você não conhece aquele caminho e tem um abismo
ou alguma coisa você tem que perguntar ou se informar com alguém. Mas antes
você já teve a intuição de perguntar. Mas entra a intuição, entra o sentir e se
você perguntar é porque você já sentiu alguma coisa diferente. Então é isso, se as
pessoas colocassem sempre o sentir antes..., acreditar nele! Porque quando vem,
não avisa nada! Você sabe quando vai ter soluço?
Para mim a música está em todos os contextos. Eu não separo a música, de um bom
motorista, um bom engraxate, aquele que engraxa o sapato e deixa brilhando! Eu
olho para o sapato e toco!
Eu estou fazendo agora, uma maneira de tocar, até experimentei na Europa, na
Inglaterra, eu escrevi... Eu pinto, eu pinto uns negócios doidos, digo doido porque a
gente gosta, eu vou pintando como eu toco, entende? Eu vou pintando até chegar
ao ponto das coisas que eu quero e as coisas vão acontecendo. Então eu fui fazer
um trabalho na Inglaterra com a big band e levei essa “partitura”. Quando chegou
a hora do ensaio a gente passou uma porção de arranjos, né, aí eu mostrei aquilo
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ANEXOS
e disse: tá aqui ó, isso aqui é pra tocar! Eu os assustei. Eu pedi para chamar dois
trompetes (dois trompetistas) e disse: agora vamos um de cada vez, e disse: pode
tocar! Daí veio à pergunta: o quê? Se ele não perguntasse “o quê?” para mim teria
sido uma frustração porque daí não ia se interessar daí não ia tocar nada. Quando
ele perguntou “o quê?” era justamente o que eu queria. Eu disse para ele para fazer
de conta que estava em um parque e para cada coisa que ele sentir, criar alguma
coisa! Aí ele começou a tocar e o cara foi ficando vermelho porque eles são músicos
padronizados, todos estudam a mesma coisa. Quando ele começou a ouvir o que
estava tocando ele nem acreditava no que estava tocando, para você ver que ele
não estava acostumado a criar. Que você (eu) seja testemunha disso que eu estou
te dizendo agora. Aí o outro trompete ficou louco e começou a tocar também. E
ficou uma coisa diferente da outra. Aí um por um da orquestra foi se levantando e
pedindo espaço! Eram trinta músicos tocando naquela “partitura” e nenhum deles
fazia a mesma coisa.
Todo mundo tem seu poder de criação. Todo músico nato tem. Até quem não é
músico nato também consegue mostrar sua ingenuidade bonita sobre aquilo.
Isso surgiu porque toda vez que eu ia tocar em um lugar, as pessoas vinham e
me davam um quadro. Então eu dizia você pode ir ao show que eu vou tocar esse
quadro. E se você gravar vai levar a música que eu fiz para seu quadro. Porque se
outra pessoa tocar é outra música. Então não adianta querer achar que um quadro
é só um quadro. As pessoas não sentem a mesma coisa quando vêem o mesmo
quadro. Só as pessoas que não tem muito alcance é que vêem uma coisa e acham
que é a mesma coisa. Então não é só a pessoa que criou aquilo, é bom quando tem
essa coisa mútua. Qualquer show que eu toco o público participa sempre.
É porque é um erro quando as pessoas fazem as coisas: pintam um quadro ou
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ANEXOS
fazem uma música e querem explicar a música. Você não pode explicar a música
porque cada pessoa que olha não sente a mesma coisa. As pessoas sentem nas
escolas porque são conduzidas a olhar um quadro e sentir a mesma coisa. Isso é
um desastre.
Não aceitar tudo que é imposto também é não premeditação. Não aceitar a
imposição do que tocar também. O público quando vai ao meu show sabe que
não vai acontecer a mesma coisa do disco. Cada vez que a gente toca é como se a
gente olhasse para um quadro e criasse sobre aquele quadro. Porque tem sempre
coisa nova e diferente para se ver num quadro, que está lá, mas você (público)
também tem que ter criação para juntar com aquilo e criar uma coisa nova. Para
ler um livro, por exemplo, as pessoas ficam apaixonadas pelo autor do livro e se
esquecessem de sua própria alma, do seu espírito. Porque não admirar as pessoas,
mas também sempre se (admirar a si mesmo) admirar mais também. Não é porque
é o Hermeto, ele é o maior. Ninguém é maior sozinho!
“A não premeditação é deixar sempre a intuição fluir”, aquilo que você imagina. É
sempre deixar o sentir na frente. É do sentir que vem todas as outras coisas.
As escolas ensinam composição, mas isso não é ensinar composição, é ensinar a
decorar. O certo é o professor, por exemplo, passar uns acordes e os alunos então
criarem suas composições. Isso é uma maneira de se fazer. O resultado deve ser
independente do gosto do professor. Os outros não tem que pensar como ele. Se
eu fosse professor não ia gostar das pessoas “achando” como eu acho, assim não
estava ensinando nada. Você deve seguir o professor até o ponto que se sentir vem.
O professor também não tem culpa de também ter aprendido assim, mas ele pode
mudar.
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ANEXOS
Quase todo arranjo que eu faço, eu não sei quase nada daquilo. Uma coisa ou outra
eu me lembro. Justamente porque na hora que eu vou escutar, eu nunca sinto da
mesma maneira, é outro sentimento. Então para que encher a partitura de nuances,
dizendo como tem que se tocar? A estrutura tem que ser á vontade. Quando eu
escrevo eu digo (ao músico) “A estrutura é sua”, só não mudem o tema. A harmonia
pode mudar á vontade também. Agora a música em si não, porque é como se fosse
um filho que nasceu.
A “mãe da música é a harmonia”, é ela que passa tudo isso.
Muita gente que não sabe nada, não sabe um tom como eu também não sabia,acha
que não tem condição de criar. Aí está o erro.
Todo músico conseguiria tocar assim?
Todo músico, mesmo esses que começaram olhando o “papel”, qualquer músico,
qualquer pessoa que tenha musicalidade faz. Porque isso é um alívio para o músico,
um lazer para você se soltar.
Quando eu vou tocar e faço um arranjo para a sinfônica ou para a big band, uma
das coisas mais lindas que eu presto atenção que é justamente antes de tocar
quando os músicos tiram os instrumentos do estojo e eles começam a tocar sem
saber o que estão tocando, só para “esquentar” os instrumentos. O que sai de coisa
muito mais bonita do que coisas que você toca no disco. Porque que eu presto
atenção a isso? Porque quando eu comecei a escrever arranjo em São Paulo, eu não
sabia nada dos instrumentos, então pelo ouvido eu juntava o cara tocando uma
viola, um violino ou qualquer instrumento eu ficava tocando com minha voz, eu
ia acompanhando (Hermeto canta para mostrar) e na minha cabeça aquilo ficava.
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Porque eu tinha aquela intuição na hora de criar de ver de sentir a intensidade
dos instrumentos, mas sem saber o nome. Depois de muitos anos quando comecei
a querer a aprender esse negócio de arranjo, eu já tinha na cabeça os sons desses
instrumentos, mas notas e como escrever para eles eu não sabia.
Agora em alguns desenhos eu estou botando acordes. Não vou por um tema para
tocar porque aí eu vou tirar a criatividade da pessoa que pode criar um tema sobre
aquilo ali. Então eu ponho as cifras e eles tocam aquilo ali. Então quem quiser tocar
pega seu instrumento, olha para aquele quadro e se inspira, Tem coisa que você vê
e acha chato então você toca uma coisa chata. Mas é como pegar uma água que
está suja e filtrar.
Toda pessoa que tocou comigo aprendeu uma coisa: ser você mesmo. Se influenciar
é uma coisa é como a semelhança que Deus deu para nós, o corpo é semelhante, a
alma com certeza é semelhante também, então a música também é. Eu nunca me
bloqueio para não ter influencia dos outros, do meu grupo, por exemplo, só porque
eu sou o líder por exemplo. É como a influencia que um pai tem sobre os filhos.
Existe ensaio no seu grupo?
Ensaiamos por quase 20 anos nesse grupo que vai para Recife. Cada membro do
grupo não tocou menos de 10 anos no grupo. A gente ensaiava das 14h00 até as
22h00 todos os dias.
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ANEXOS
3. Kiko Farkas
Entrevista com Kiko Farkas concedia a Marco Vasconcelos em São Paulo no dia
13/12/2009
Quando você tem um modelo, você trabalha criando uma nova imagem, a partir de
uma imagem que todo mundo já tem, seja musical, seja visual, então você consegue
criar uma relação entre uma imagem que você está criando e uma imagem que está
na sua cabeça. Na publicidade, por exemplo, ela é imediata, é igual. A imagem que
você tem com a imagem que eu uso é a mesma. É só você dar uma distorcidinha
no sentido para que ela seja engraçada para que você se lembre. Mas quando você
pega uma improvisação no jazz que faz uma versão de 25 minutos, a imagem que
se cria é muito distante da imagem original. Então essas possibilidades de criação
de novas imagens é que são o barato interessante como linguagem. À medida que
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ANEXOS
você vai conseguindo trabalhar com imagens criadas por você, a partir de imagens
existentes, é essa habilidade de deixar pedaços, que é uma coisa muito interessante
para nós designers.
Você pensa: bom o inconsciente coletivo é isso aqui o que eu vou fazer com isso?
Eu vou fazer em cima, vou fazer um pouco do lado, vou fazer muito longe, enfim,
acho que essas coisas não são muito óbvias.
Por exemplo, você pega aquela lata do Pão de Açúcar que eu fiz. Aquilo ali é uma
releitura daquele biscoito de chocolate, aquele que é um sanduíchinho, que vem
com uns furinhos. Está lá agora, mas a que distancia? Depende de você descobrir.
Essa relação às vezes é muito distante e às vezes é muito próxima. Depende. E
também não tem muita vontade de definir cada coisa, depende muito do que você
trabalha. Por exemplo: com livro, com capa de livro você também tem isso, você
tem um assunto, tem uma época, tem um personagem, enfim, sempre tem alguns
elementos que se pode trabalhar. A partir desses elementos sua sensibilidade é que
vai determinar até que ponto você pode ir. Às vezes pode esticar, esticar, esticar,
esticar e parar um mililitro antes dela se romper, às vezes não, às vezes tem que
fazer uma coisa que é praticamente o óbvio. A maneira como você escolhe, essa é
que é o barato. Quer dizer, o que define um design é muito menos a fonte que se
usa, a cor e tal e muito mais a maneira que se elabora esse tipo de universo. Como
é que se torna visível aquilo que é invisível.
Mas quero dizer, é uma coisa que também não pensei muito na hora. Você colocar
o trabalho de pé a partir de um nada, você não precisa de muita coisa, só precisa
de um pequeno impulso né?
Por exemplo, esse aqui, você conhece? Esse aqui é um catalogo de uma exposição
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ANEXOS
que teve ano passado. Uma exposição de 40, 50 anos de comemoração do Segal,
uma exposição na FIESP. Sentado com o Thiago, a gente estava começando a fazer
e aí a gente estava trabalhando e aí de repente a gente fazendo umas faixas e tal,
apareceu uma coisa assim, apareceu assim e a gente começou a fazer esconder
uma parte do quadro e tal e de repente surgiu essa coisa que nem me lembro se
foi por acaso, só sei que apareceu essa coisa de veladura do quadro ai falei: pára,
pára, Aí começamos a trabalhar em cima dessa coisa, desvelando uma imagem,
como se essa imagem estivesse sendo vista pela primeira vez. Quando sentamos
lá, não partimos desse conceito, mas esse conceito apareceu a partir dessa nossa
coisa dos dois ali mexendo, mexendo e aí o catalogo ficou de pé! A gente não ficou
discutindo, não partiu de nada, não teve um monte de idéias, simplesmente surgiu.
E isso é que deu personalidade para o catalogo.
Não tem grandes mistérios. Existiu um pintor chamado Boi, que tem uma frase
muito bacana sobre os quatros estágios da pintura: Quando você é criança, você
pinta para seus pais. Depois que pinta para seus pais passa a pintar para seus
amigos verem sua relação com seu universo. Depois tem uma época que você passa
a pintar para você mesmo ver aquilo que faz. E a ultima etapa é que você pinta para
que o quadro te veja. Bonito né? Eu pensei muito sobre isso. Acho que existe uma
visão importante que é ter um relacionamento de troca com o seu trabalho. Olhar
para o trabalho. Falo muito isso para os meninos: olhar para o trabalho e tentar
descobrir o que o trabalho pede, o que aquela imagem pede, o que aquele trabalho
precisa. Porque a gente tem uma relação muito autoritária com o trabalho, muita
egoísta. E você acaba se colocando tanto, que sufoca o trabalho.
Quando você fala de acaso existe o erro, existe o imprevisto que não são coisas
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ANEXOS
totalmente intercambiada umas com as outras, elas fazem parte de um universo
que não é exato ou não é previsto. Eu acho que esse universo de coisas inexatas,
sei lá, não sei como definir isso, é o próprio universo da criação. Não existe criação
sem esse coeficiente de mistério.
Quando você trabalha com outra pessoa existe uma chance daquilo que é imprevisto
acontecer maior do que quando você trabalha sozinho. Trabalho com meus dois
assistentes e existe um movimento de soltar, depois recolher, soltar, recolher.
Eles estão trabalhando, eu sento junto e a gente enxuga ali, uma contribuição do
outro. É muito informal. Prezo muito que cada um tenha sua identidade. Tenho
que entender qual é o pensamento deles num determinado assunto de trabalho,
como é o raciocínio criativo de cada um, ao mesmo tempo em que eu tenho que
entender como que o raciocínio pode interferir, pode modificar e como o raciocínio
deles muitas vezes interfere no meu raciocínio. É uma negociação muita complexa,
porque não é uma coisa que se possa fazer sem ego, embora a gente tente minimizar,
sempre tem. Não sei se é ego, ego é uma palavra meio depreciativa, mas é uma
afirmação autoral. É uma negociação muito complexa e quando dá certo é muito
eficiente e muito prazerosa. Um processo criativo sensacional.
Uma coisa muito interessante que a Paula Sher fala, é que as coisas realmente
importantes que realizou na vida, vieram no momento em que não se sentia
preparada, ou não existia uma compensação financeira, ou ainda entravam em um
campo totalmente desconhecido.
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