UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a...

171
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS ACASO E IMPROVISAÇÃO COMO DIMENSÕES CRIATIVAS NA MÚSICA E NO DESIGN DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSO São Paulo, março/2010 livro_final_24032010.indd 1 25/3/2010 01:27:11

Transcript of UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a...

Page 1: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS

ACASO E IMPROVISAÇÃO COMO DIMENSÕES CRIATIVAS NA MÚSICA E NO DESIGN

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGNPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSO

São Paulo, março/2010

livro_final_24032010.indd 1 25/3/2010 01:27:11

Page 2: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 2 25/3/2010 01:27:11

Page 3: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS

ACASO E IMPROVISAÇÃO COMO DIMENSÕES CRIATIVAS NA MÚSICA E NO DESIGN

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade

Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Design

Orientadora: Profª. Dr.ª Gisela Belluzzo de Campos

São Paulo, março/2010

livro_final_24032010.indd 3 25/3/2010 01:27:12

Page 4: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 4 25/3/2010 01:27:12

Page 5: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS

ACASO E IMPROVISAÇÃO COMO DIMENSÕES CRIATIVAS NA MÚSICA E NO DESIGN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade

Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção

do título de Mestre em Design

São Paulo, março/2010

Profª. Dr.ª Gisela Belluzzo de Campos

Orientadora

Mestrado em Design Anhembi Morumbi

Prof. Dr. Sérgio Roclaw Basbaum

Pontifícia Universidade Católica – São Paulo - PUC-SP

Profª. Dr.ª Luisa Angélica Paraguai Donati

Universidade Anhembi Morumbi

livro_final_24032010.indd 5 25/3/2010 01:27:12

Page 6: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 6 25/3/2010 01:27:12

Page 7: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho

sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

MARCO ANTONIO FERREIRA DE VASCONCELOS

Bacharel em Design Digital pela Universidade Anhembi

Morumbi em 2006.

Vasconcelos, Marco Antonio Ferreira de.Acaso e improvisação como dimensões criativas na música

e no design / Marco Antonio Ferreira de Vasconcelos - 2010.150f.: il.; 23 cm.

Orientador: Gisela Belluzzo de Campos. Dissertação (Mestrado em Design) - UniversidadeAnhembi Morumbi, São Paulo, 2010. Bibliografia: f.117-129.

FICHA CATALOGRÁFICA

1. Design. 2. jazz. 3. improvisação. 4. acaso. I. Acaso e improvisação como dimensões criativas na música e no design.

V451a

CDD 741.6

livro_final_24032010.indd 7 25/3/2010 01:27:12

Page 8: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 8 25/3/2010 01:27:12

Page 9: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

Para minha mãe, o mais profundo exemplo de dedicação

livro_final_24032010.indd 9 25/3/2010 01:27:12

Page 10: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 10 25/3/2010 01:27:12

Page 11: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

AGRADECIMENTOS

A minha esposa, o mais fiel incentivo que eu poderia desejar.

A minha filha, meu presente e minha inspiração.

Em especial a minha orientadora, Profª. Dr.ª Gisela Belluzzo, pela paciência,

dedicação e empenho.

A Kika e Tati pelo apoio incondicional.

A Profª. Dr.ª Mônica Moura incentivadora de longa data e a quem admiro pela

dedicação.

Ao Prof. Dr. Sérgio Roclaw Basbaum pelo generoso auxílio desde o início do

projeto.

A Guto Lacaz, Rico Lins, Kiko Farkas, Hermeto Pascoal, Amilton Godoy e Ivo Perelman

por me receberem com tanta gentileza e carinho.

A Profª. Dr.ª Cláudia Marinho, pelo esforço em garantir que mantivéssemos o

rumo.

Pelos toques, dicas, inspiração, colaboração, parceria e encorajamento: Cláudio,

Mercedes, Laerte, Alexandre Braga, Antônia, Paulinho, Marcos, Sandra, Wilson,

Dora, Marion, Nelson Somma, Ricardo, Beth, Carlos Barreira, Clara, Ofélia, Domitila,

Thiago e Paulo.

livro_final_24032010.indd 11 25/3/2010 01:27:12

Page 12: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 12 25/3/2010 01:27:12

Page 13: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

Nenhuma teoria da física que só trate da física, explicará jamais a física

WHEELER

livro_final_24032010.indd 13 25/3/2010 01:27:12

Page 14: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 14 25/3/2010 01:27:12

Page 15: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

RESUMO

Este projeto tem como propósito relacionar o design gráfico contemporâneo e o jazz,

pelo viés da improvisação como referência na incorporação de experimentações e do

uso do acaso. Por meio desse enfoque, intentamos refletir sobre fatores presentes no

processo de criação no jazz e relacioná-lo à prática projetual no design gráfico.

Acreditamos que a estruturação do discurso musical no jazz, baseado na prática

do improviso, pode oferecer repertório referencial para produções no design gráfico

contemporâneo. Exemplifica essa argumentação, estudos sobre o design, projetos

de design gráfico e depoimentos de designers e de músicos.

PALAVRA-CHAVE: Design, jazz, improvisação, acaso.

livro_final_24032010.indd 15 25/3/2010 01:27:12

Page 16: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 16 25/3/2010 01:27:12

Page 17: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

ABSTRACT

This project relates the graphic design and contemporary jazz, from the perspective

of improvisation as a reference in the incorporation of trials and the use of chance.

Through this approach, we aim to think about factors present in the creative process

in jazz and relate it to practice projectual in graphic design.

We believe that the structure of musical discourse on jazz, based on the practice

of improvisation, can provide repertoire reference for productions in contemporary

graphic design. Exemplifies this argument, studies on the design, graphic design

projects and testimonials from designers and musicians.

KEYWORDS: Design, jazz, improvisation, chance.

livro_final_24032010.indd 17 25/3/2010 01:27:12

Page 18: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 18 25/3/2010 01:27:12

Page 19: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

001 Introdução

005 Capítulo 1 – Diálogos e contextualização: alguns aspectos

005 1.1 Design e arte: aproximações

019 1.2 Design gráfico e funcionalismo

027 1.3 Design gráfico e tecnologia

032 Capítulo 2 – Design e jazz

032 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

046 2.2 O jazz e a improvisação

055 2.3 O free jazz

063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso

063 3.1 Acaso como acidente

069 3.2 Acaso como abertura para o novo

083 3.3 Acaso: controle e descontrole

112 Considerações Finais

117 Bibliografia

130 Anexos

SUMÁRIO

livro_final_24032010.indd 19 25/3/2010 01:27:12

Page 20: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 20 25/3/2010 01:27:12

Page 21: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

1

INTRODUÇÃO

Em minha experiência como músico amador e designer, percebi certas similaridades

entre algumas variáveis que são articuladas durante a execução musical, mais

precisamente na improvisação jazzística, e certos anseios de alguns designers.

Percebi o quanto o desejo de transgredir regras, com intuito de ampliar a abrangência

de seus projetos ou discursos musicais, torna os contornos de cada campo do saber

cada vez menos rígidos e mais permeáveis. Isso despertou-me o interesse em como

opera o profissional de cada área, manipulando seu repertório técnico, intelectual

e estético para alcançar esse objetivo que intuitivamente penso ser comum em

alguns casos.

Assim, o estímulo para desenvolver este estudo foi a perspectiva de investigar

o design gráfico, não somente examinando a “forma” de produções gráficas

contemporâneas, mas também debruçando sobre questões acerca do processo

criativo envolvido. É a expectativa de observá-lo sob essa dupla indagação que

guia esta pesquisa.

Procuramos consultar alguns designers empenhados em assumir desafios arriscando-

se em novas direções. Ou mesmo, empenhados em construir outro olhar sobre

aqueles caminhos muitas vezes considerados como já satisfatoriamente trilhados.

O design em questão distingue-se pela receptividade, permitindo-se refletir sob a

INTRODUÇÃO

livro_final_24032010.indd 1 25/3/2010 01:27:12

Page 22: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

2

INTRODUÇÃO

perspectiva de outros campos do saber. Por esse viés, atraímos a música para fixar

“contato”. Acreditamos que alguns de seus usos e particularidades servem como

referência para pensar o design.

Desse modo, investigamos práticas e conceitos experimentais no jazz, que possam

ter um paralelo com formas de utilização dos elementos da linguagem visual no

design gráfico, como por exemplo, a incorporação do acaso como forma mais livre

de criação.

Construir relações de proximidade a outros campos tem sido profícuo para o design

ao longo da história. A relevante influência dos movimentos artísticos é exemplo

disso. Assim sendo, antes de partir diretamente para a discussão entre o jazz e o

design gráfico, julgamos ser adequado apresentar brevemente, exemplos dessas

conexões. Investigamos movimentos artísticos pautados por experimentações

e pelo uso do acaso como material criativo. Além disso, apresentamos algumas

ponderações a respeito de questões conceituais, funcionais e técnicas do design.

Abordamos o funcionalismo, como exemplo de mecanismo gerador de proposições

envolvidas com a problemática do seu tempo. Procuramos contextualizar referências,

experiências e resultados já alcançados no percurso histórico do design.

No capítulo dois, introduzimos considerações tomando por base prerrogativas

musicais e visuais como meio de aproximação desses campos; design e música.

Procuramos pontuar experiências e aproximações já realizadas, além de argumentos

de autores que associam seus elementos. Aprofundando-se na música, partimos

para o jazz e a improvisação; os parâmetros envolvidos na performance e na

estruturação do discurso musical são abordados paralelamente à aproximações com

o design ou com a linguagem visual. No centro das experimentações e rupturas está

o free jazz. Abordamos resumidamente sua história para discernir sobre os aspectos

livro_final_24032010.indd 2 25/3/2010 01:27:12

Page 23: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

3

INTRODUÇÃO

revolucionários, inovadores e criativos, que lhe conferem identidade. Atributos

dotados de significado especial para esta pesquisa, materializando a ponte que

propomos estabelecer com o design.

O acaso é o foco do terceiro capítulo. Perpassando pelos campos do jazz e do

design gráfico, é o fundador do espaço privilegiado de ressonâncias, fusões e

reconfigurações, onde nossas reflexões buscam vivenciar sua coerência. Procuramos

abordá-lo sob três divisões que, mais do que tentar qualificá-lo, nos auxiliam a

exemplificar e a validar, por meio da experiência de designers e músicos, a prática

de um trabalho mais integrado ao experimentalismo.

livro_final_24032010.indd 3 25/3/2010 01:27:12

Page 24: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

4

livro_final_24032010.indd 4 25/3/2010 01:27:12

Page 25: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

5

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

As contribuições dos diversos movimentos artísticos do século XX para o design são

notórias. Tomamos a liberdade de selecionar apenas alguns exemplos, por estarem

próximos ao nosso enfoque de utilização da experimentação e do acaso (em alguns

casos) no processo criativo. Nisso, as vanguardas artísticas do início do século XX,

são pontuais como referência. Suas experiências buscando representar o caráter

transgressor das suas propostas (ruptura, questionamento e negação da tradição),

são referências para o design até os dias atuais.

No cubismo, por exemplo, elementos são relacionados a partir de uma montagem

que prima pelo uso da sobreposição e da quebra da ilusão tridimensional. A

simultaneidade dos ângulos de visão sugere uma multiplicidade de pontos de

acesso, possibilitando romper com a hierarquia visual da informação.

O design gráfico apreende o modo de ver planos e abstrações geométricas.

Influências que o cubismo absorveu da pintura de Paul Cézanne (1839-1906) e

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS

1.1 Design e arte: aproximações

livro_final_24032010.indd 5 25/3/2010 01:27:12

Page 26: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

6

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

sua representação da natureza por meio de cilindros, cones e esferas. Mesmo que

seja de forma indireta, as experiências cubistas e suas técnicas como a colagem1

ajudam a compor o leque de influências que corroboram no arranjo ou na criação

de elementos visuais em produções contemporâneas. Os trabalhos de Paul Rand

(1914-1996) são exemplos disso (figura 01). Meggs (2009) aponta a influência

cubista no trabalho de Rand no uso de formas geométricas criadas livremente,

como ferramenta de comunicação visual, acreditando na sua força simbólica e

expressiva.

O cartaz de Sonia Greteman (figura 02) e o cartaz de Jan van Toorn (1989) (figura

03) são exemplos mais recentes do uso de colagens para produção no design.

Figura 01: Paul Rand. Capa do anuário Jazzways,

1946. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 486.

Rand usa a técnica de colagem para dar

vida às formas geométricas que assumem

simbolicamente a dinâmica desse estilo musical.

Cabe pontuar que as

colagens não foram

excluisividade dos

cubistas. Artistas como

Kurt Schwitters usaram-

na com propriedade em

seus trabalhos.

1

livro_final_24032010.indd 6 25/3/2010 01:27:14

Page 27: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

7

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

Figura 02: Sonia Greteman. Cartaz para campanha ambiental,

1991. Fonte: Tambini, 1996, p. 231.

Recortes de jornal colados de forma aleatória criam uma

moldura para a imagem central. São produzidos preservando o

ruído visual de um recorte despojado, sobrepostos a pintura de

silhuetas fragmentadas.

Figura 03: Jan van Toorn. A luta continua. Cartaz comemorativo

do centenário da Declaração dos Direitos Humanos, 1989.

Fonte: Lupton, 2008, p. 128.

Colagem, fotografia e desenhos feitos à mão se misturam a

vários tipos de fontes tipográficas. A distribuição irregular

das tiras de papel reforça o caráter expressivo desse tipo de

montagem utilizada pelo cubismo.

livro_final_24032010.indd 7 25/3/2010 01:27:15

Page 28: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

8

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

A ruptura com o passado também é foco dos futuristas, exaltando a máquina

como representante do futuro e do novo. Para simbolizá-la, seus experimentos

propunham a interpenetração do verbal e do visual, buscando traduzir sons, gritos,

ruídos e suas alturas, com elementos visuais distorcidos dispostos de forma caótica

(figura 04). O futurista Felippo Tommaso Marinetti (1876-1944) declara: “É preciso

destruir a sintaxe e espalhar os substantivos ao acaso [...]” (Marinetti apud Hollis,

2000, p. 36). A velocidade faz parte do culto à máquina e isso leva à representação

da dinâmica da forma em movimento.

A revolução tipográfica contra a tradição

clássica é feita pela utilização de diferentes

tipos de variados estilos e pesos. A dinâmica

de movimento é evocada pelo uso de

negrito, uso de escalas variadas e tipos

maiúsculos dispostos ao acaso. Com isso,

as palavras adquirem valor expressivo ao

serem enfatizadas pelo aspecto visual.

Suas inovações tipográficas e seus layouts assimétricos repercutem por várias

décadas e fazem parte do acervo referencial de muitos designers contemporâneos.

Figura 04: F. T. Marinetti. “Uma assembléia

tumultuada”. Ilustração desdobrável de Les Mots

em liberté futuristes. Fonte: Meggs e Purvis, 2009,

p. 321.

livro_final_24032010.indd 8 25/3/2010 01:27:16

Page 29: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

9

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

Extendendo esse horizonte referencial, o dadaísmo se impõe no cenário revolucionário

artístico do início do século XX, posicionando-se não só contra a guerra e seus

reflexos, mas também contra a racionalidade da sociedade que a admitia. Critica as

convenções culturais fomentadas na irracionalidade desse contexto, sendo a voz da

desobediência, do conflito, da ironia, do anti-historicismo e da antiarte.

Alguns desses fatores que modelam seu espírito parecem bastante atraentes para

o design gráfico, enquanto base de experimentação e para a inserção do acaso no

processo criativo. Como escreve Ostrower, o movimento dadá contraria as normas e

convenções da cultura ocidental subvertendo a arte tradicional. Suas experiências

visam propositadamente chocar a racionalidade e o bom gosto. Como recurso,

substitui “as matérias nobres e os preparativos artesanais caros e demorados das

técnicas de pintura por montagens ou colagens, combinações aparentemente feitas

ao acaso [...]” (Ostrower, 2004, p. 340).

É ilustrativa para essa discussão, a forma como foram criadas algumas das obras

do pintor e poeta alemão naturalizado francês Hans Arp (1886 - 1966) como, por

exemplo, a segundo a lei do acaso de 1917 (figura 05). Ou o processo de criação de

André Masson (1896 – 1987), em seus quadros de areia, derramando-a sobre a tela

enquanto movia-se como um dançarino.

Outros artistas demonstram em seus trabalhos, a articulação entre acaso e processo

criativo, como Marcel Janco (1895 - 1984) (figura 06) e Hans Richter (1843 –

1916) (figura 07). Para alguns, visto pelo prisma de busca de soluções projetuais,

talvez não caiba para o design tomar para si a gratuidade de tal atitude, ou seja,

a aceitação instantânea do resultado de uma experimentação com o acaso, mas é

claramente aceitável que tal resultado possa sugerir um caminho ou mesmo que

esse tipo de experimentação seja incorporado aos processos criativos do design.

livro_final_24032010.indd 9 25/3/2010 01:27:16

Page 30: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

10

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

Figura 05: Jean Hans Arp. Sem título (Colagem com

Quadrados Arranjados segundo a Lei do Acaso) 1916-17.

Fonte: http://www.moma.org/

“Durante muito tempo Arp havia trabalhado num desenho,

no seu ateliê, no Zeltweg. Insatisfeito, acabou por rasgar

a folha, deixando os pedaços esvoaçar para o chão.

Quando por acaso, após algum tempo, seus olhos voltaram

a pousar sobre estes pedaços que se encontravam no

chão, surpreendeu-o a sua organização. Ela possuía uma

expressão, que ele procurava inutilmente todo tempo.

Como era lógica a sua disposição, como era expressiva!

Tudo o que ele não havia conseguido antes, apesar dos

esforços, lá estava, feito pelo acaso, pelo movimento da

mão e dos pedaços esvoaçantes [...]” (Richter, 1993, p.63).

Figura 06: Marcel Janco. Construção 3, 1917. Fonte:

RICHTER, 1993, p. 54.

“Janco aproveitou o que a natureza lhe oferecia sob forma

de casualidade” (Richter, 1993, p.67), e assim incorpora

fios e arames nesta obra.

livro_final_24032010.indd 10 25/3/2010 01:27:16

Page 31: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

11

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

Figura 07: Hans Hichter. Outono, 1917. Fonte: RICHTER,

1993, p. 68.

Richter pinta ao anoitecer, “de maneira que o quadro

acabava por ser concluído mais por força de uma visão

interior do que efetivamente diante dos meus olhos”

(Richter, 1993, p. 68).

Essa atitude ansiosa por superação de dogmas e de querer para si o imprevisto e a

descoberta, pode representar mais uma forma de produzir mensagens surpreendentes

de maior alcance, no sentido de fortalecimento da representação simbólica do

objeto. O dadaísmo nos ensina a experimentação sem preconceitos.

Para esta pesquisa, nos atrai a fecundidade do método e a resultante da ocorrência

espontânea do acaso. Esse acúmulo de forças afrouxa a rigidez de modelos utópicos

imputados ao design gráfico, questionáveis no cenário contemporâneo. Como

afirma Ostrower (2004), o processo de alienação cultural, a destruição ecológica, a

valorização do consumismo e tantos outros fatores negativos mantêm os preceitos

dadaístas ainda familiares.

Por outra via, o caráter cumulativo e multifacetado da cultura, segue mantendo

algumas premissas do pós-modernismo como estímulo à criatividade. Apoiados em

particularidades como a impureza da forma, pluralismo, ecletismo, intertextualidade,

livro_final_24032010.indd 11 25/3/2010 01:27:17

Page 32: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

12

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

hibridismo e diversidade, designers ainda o fazem repertório para uma livre atuação

no espaço ampliado de exploração da contemporaneidade.

No pós-modernismo, alta e baixa cultura se inter-relacionam e ortodoxias são

questionadas. O caótico e o excessivo norteiam soluções (figura 08), pois “o objeto

pós-moderno problematiza o significado, oferece múltiplos pontos de acesso e

está o mais aberto possível a interpretação” (Poynor, 2003, p. 22). No âmbito da

desconstrução2 promove significados ocultos a serem revelados, aproximando a

interpretação textual mais do jogo do que da análise.

Nesta colagem a comunicação é descentrada,

os elementos estão distribuídos de forma a

induzir o leitor a um “passeio” pela totalidade

da imagem, sem propor uma hierarquização.

Contribui para isso a disposição dos textos

de forma horizontal, vertical, em diagonal

usando diferentes fontes tipográficas com

peso e formas diferentes. Recortes irregulares

das imagens sobrepostas em camadas dão um

ar de descontração no tratamento da forma e

na relação entre os elementos.

Muitos designers produziram e produzem projetos atraídos por seus preceitos ou

pela liberdade de experimentação. Neste cartaz para exposição de Edward Fella,

(figura 09) Poynor (2003) aponta, entre outras características, a liberdade no

tratamento visual que se vale do livre espaçamento entre as palavras e de uma

estética fluída e irregular.

Figura 08: Wolfgang Weingart. Anúncio na

Revista Typografishe Monatsblätter, 1974.

Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 607.

A desconstrução é

descrita por Timothy

Samara como

experiências que

tentavam “quebrar

estruturas preconcebidas

ou usá-las como ponto

de partida para novas

maneiras de estabelecer

ligações verbais e

visuais entre imagem e

linguagem” (Samara,

2007, p. 117).

2

livro_final_24032010.indd 12 25/3/2010 01:27:17

Page 33: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

13

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

Figura 09: Edward Fella. Cartaz para exposição, 1988. Fonte:

Poynor, 2003, p. 54.

Observamos um tratamento expressivo na construção e escolha

dos tipos, além da disposição dos textos. Não há rigidez no

distanciamento entre letras e palavras. Formas fluídas e

distorcidas colaboram na formatação de um aspecto autoral

para o cartaz.

Já o “desconhecimento de regras” defendido por David Carson, insere a intuição

como elemento primordial para compor (figura 10).

Com isso, a experiência pós-modernista é absorvida com a utilização de recursos

que a princípio poderiam parecer díspares ou supérfluos, mas que na verdade,

potencializam aspectos da comunicação. Leva em conta a interação com o usuário

e o universo comunicativo que nos rodeia. Sua característica de livre apropriação,

por exemplo, proporciona voltas ao passado, recontextualizando propostas com

o frescor de novas idéias para o presente (figura 11). O pós-modernismo alcança

a atualidade como trunfo nas mãos de designers que fazem uso das tecnologias

digitais para tornar ainda mais imprecisos os limites do que pode o design.

livro_final_24032010.indd 13 25/3/2010 01:27:18

Page 34: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

14

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

Figura 10: David Carson. Fonte: http://www.

davidcarsondesign.com/?dcdc=top/t

Liberdade na distribuição dos elementos independente de

alinhamentos que amparem as escolhas de posicionamento.

Riqueza de ornamentos ou elementos figurativos flutuando

e dispostos em camadas com uma flexibilidade discursiva

que cruza a fronteira entre arte de design. Vários estilos

de fontes (serifadas ou não) em que a legibilidade não é

fator preponderante; a linguagem verbal e a visual se

complementam nesse sentido.

Figura 11: Herbert Matter. Cartaz de turismo

suíço, 1934. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p.

432 / Paula Sher. Cartaz dos relógios Swatch,

1985. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 619.

O designer modernista Herbert Matter utiliza

o contraste de escalas entre os elementos

para causar impacto e o alinhamento diagonal

para transmitir a sensação de movimento.

Uma mensagem direta e objetiva. Paula

Sher apropria-se dessa construção de forma

superficial e divertida para montar sua proposta.

Parodiando o cartaz de Matter demonstra o

caráter eclético, pluralista e a flexibilidade da

visão pós-moderna.

livro_final_24032010.indd 14 25/3/2010 01:27:18

Page 35: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

15

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

Outros matizes colorem e enriquecem as discussões acerca do design e da arte.

Campos (2007) escreve sobre aproximar design e arte por meio de compartilhamento

de qualidades estéticas. Isso a partir de uma definição ampliada de estética, que vai

além das teorias do belo desdobrando-se no aspecto sensível, fruto da relação entre

indivíduo e objeto. Associar estética apenas à beleza seria restringi-la a lugares

e períodos determinados da História da Arte. Segundo a autora, mais que isso,

envolve refletir sobre a experiência que proporciona, sobre os meios, seus reflexos

e seu contexto.

Campos cita Jan Mukarovsky em Escritos sobre estética e semiótica da arte

(1979), segundo o qual, a arte suscita uma provocação à capacidade humana

de descoberta, libertando o indivíduo de atitudes limitantes frente à vida prática.

Essa conscientização combate a estreiteza de visão perante uma realidade que na

verdade possui opções inesgotáveis. Na visão do semioticista checo, a função estética

vem a ser um contrapeso, uma certa antítese de outras funções, principalmente

em relação à função prática que é necessária à manutenção da vida humana. A

conduta prática entregue a si própria, empobrece e simplifica exageradamente a

relação do homem com a realidade, reduzindo-a a uma única faceta. Uma absoluta

circunscrição à atitude prática levaria a uma total automatização. Só a função

estética é capaz de manter o homem na situação de estranho perante o universo

(Mukarovsky, 1979 apud Campos, 2007).

Assim, conecta-se design e arte em torno da sobreposição da beleza das configurações

externas dos objetos, por tudo aquilo que surge da experiência estética; daquilo

que toca a sensibilidade do indivíduo.

Outra consideração importante é que na arte contemporânea o objeto estético

vem perdendo importância em relação a propostas circunscritas nas demandas

livro_final_24032010.indd 15 25/3/2010 01:27:18

Page 36: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

16

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

socioculturais. “Começa a surgir o imperativo de posicionar-se claramente em

relação às diversas instâncias sociais [...]” (Chiarelli, 2007, p.12). Há exemplos do

mesmo enfoque no design contemporâneo. Os designers franceses Pierre Bernard,

François Miehe e Gerard Paris-Clavel, por exemplo, criaram o estúdio Grapus

para conduzir seus projetos de forma mais próxima às questões sociais, políticas

e culturais. Um cartaz para exposição de seus trabalhos (figura 12) bem mostra

essa posição; está composto por uma série de ícones culturais como o bigode de

Hitler, as orelhas do Mickey Mouse, a foice e o martelo simbolizando o comunismo,

elementos que criam um caldo cultural crítico e irônico.

Figura 12: Grapus. Cartaz de exposição, 1982. Fonte:

Meggs e Purvis, 2009, p. 574.

Este cartaz está composto por uma série de ícones

culturais como o bigode de Hitler, as orelhas do

Mickey Mouse, a foice e o martelo simbolizando

o comunismo, uma tipografia agressiva e outros

elementos que registram o caráter crítico social do

estúdio.

Compreender o seu tempo parece ser um dos fatores mais contundentes para

livro_final_24032010.indd 16 25/3/2010 01:27:19

Page 37: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

17

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

materialização de projetos artísticos e de design circunscritos na atualidade.

Guto Lacaz: arte e design

O designer, artista e arquiteto Guto Lacaz3 considera sua obra RG enigmático

(figura 13) como representante do intercâmbio entre arte e design gráfico. Trata-se

de uma impressora movida a pedal com carimbos que representam os algarismos.

Cada número tem seu próprio grafismo associado à representação de elementos da

cultura brasileira: a flora, a fauna, as águas e os índios. “Trata-se de uma encomenda

de artes plásticas, mas acaba resultando em design gráfico porque resulta em uma

gravura que as pessoas podem levar para casa” (Lacaz, 2008) como um cartaz

personalizado, por exemplo. E assim como na arte, esse projeto também produz

uma peça “única”, ou seja, que não tem outra igual, baseada no número do RG

de cada usuário. Nessa afirmação, desconsideramos o debate sobre a legitimação,

ou não, de uma obra de arte a partir de sua “aura” de peça única, apontado por

Walter Benjamin em A Obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Não

pretendemos nos aprofundar nesse debate, pois não é o enfoque deste projeto,

apenas apontamos a observação do autor.

Guto reforça o sentido experimental deste projeto por envolver profissionais

especialistas para manusear seus materiais e produzi-lo, como os marceneiros, por

exemplo. Estes acrescentam suas contribuições ao projeto que vai ganhando forma

e sentido prático à medida que trazem soluções para torná-lo real e praticável.

Mantendo-se fiel ao desenho diretamente no papel como instrumento para

projetar, Lacaz recomenda que o bom designer deva andar sempre “armado”: bloco

Formado em arquitetura

em 1974 pela Faculdade

de Arquitetura de São

José dos Campos, o

paulistano Guto Lacaz

começou profissionalmente

atuando como ilustrador

para o Jornal da Tarde

e para editoras de livros.

É detentor de diversos

prêmios como o X Prêmio

Abril de Jornalismo em

1983 e o Prêmio Novas

Mídias – APCA em 1988.

Consta em currículo

participação em diversas

exposições como a 18ª

Bienal Internacional de São

Paulo e a Modernidade -

MAM em Paris. Realizou

trabalhos em cenografia,

instalações, performances,

publicação de livros,

além de atuação didática

nas faculdades: PUC

Campinas, Faculdade de

Arquitetura Belas Artes,

Faculdade de Artes

Plásticas Santa Marcelina

e SENAC.

3

livro_final_24032010.indd 17 25/3/2010 01:27:19

Page 38: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

18

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.1 Design e arte: aproximações

de papel e caneta ou lápis. Isso lhe dá suporte para produzir idéias e soluções

para objetos usuais e inusitados ao mesmo tempo que realimenta sua trajetória de

experimentações e de busca de liberdade para trafegar acima de fronteiras válidas

ou não entre os campos da arte e do design.

Figura 13: Guto Lacaz. RG enigmático. Fonte: http://

www.gutolacaz.com.br/grafica/rg_enigmatico.html.

As referências de movimentos artísticos, o contexto social e políticos e estilos

baseados em comportamento, moda e música como o punk dos anos 70, dão margem

a experiências e quebra de tabus que se estendem por anos, influenciando escolas

e designers. O contemporâneo se faz na continuidade dos valores que pulularam

a esfera cultural e política dessas décadas até alcançar a atualidade. Como afirma

Melo; “A contemporaneidade paga tributo diário à cultura produzida nesses dez

anos turbulentos” (Melo, 2006, p. 28).

livro_final_24032010.indd 18 25/3/2010 01:27:20

Page 39: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

19

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

Entre as ponderações que colaboram na configuração de um produto, estão

presentes aquelas relacionadas ao contexto sócio-econômico, agindo sobre suas

qualificações e destinações. É o caso do funcionalismo do começo do século XX, que

enfatiza os componentes necessários para adaptação do produto ao atendimento de

propósitos específicos do processo industrial. Nesse período, a indústria encontra-

se em plena expansão pontuada pelas formas de produção: estandardização, linhas

de montagem para produção em série e simplificação dos processos industriais.

Esses fatores, incluindo a recusa da ornamentação, defendida no artigo Ornamentoé Crime (1908) de Adolf Loos (1870-1933), convertem-se em estética funcionalista

tornando belo aquilo que atende fundamentalmente a finalidade prática dos objetos

de maneira precisa e objetiva. Trata-se de adequar a forma ao seu funcionamento.

É a superação dos estilos florescendo na Europa, como afirma Bürdek (2006),

principalmente na Alemanha do pós-guerra. Embasados por essa concepção ideal, os

1.2 Design gráfico e funcionalismo

livro_final_24032010.indd 19 25/3/2010 01:27:20

Page 40: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

20

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

funcionalistas influenciam o design mundial, contribuindo inclusive na estruturação

e trajetória de várias escolas como a Bauhaus, posteriormente a Escola de ULM e

aportando no Brasil via ESDI.

Nos dias atuais, essa subordinação a funcionalidades apenas materiais, padronizações

universalizantes, racionalidade e objetividade mostram-se insuficientes frente

a outras perspectivas intangíveis que se abrem e demonstram também ser

primordiais. Como exemplo, as dimensões emocionais e intelectuais a que se

refere Robert H. Mckim (Mckim apud Wagner, 2006) quando defende uma nova

visão sobre o funcionalismo: um funcionalismo multidimensional, mais próximo à

natureza humana. Ou seja, como escreve Wagner (2006) sobre as idéias de Karel

Honzík (1900-1966) e Jan Mukarovský (1936-1979), um novo funcionalismo que

reconheça a variabilidade dos meios e dos fins, em conformidade com a natureza

humana, adequando soluções às suas necessidades multidimensionais. Donald

Norman (2008) acrescenta mais exemplos sobre a relação do design com atributos

humanos. Desenvolvendo estudos sobre os níveis de estrutura do cérebro, estabelece

relações entre o nível visceral e a aparência, o nível reflexivo com a auto-imagem,

satisfação pessoal e as lembranças e por fim o nível comportamental com o prazer

e a efetividade do uso:

O nível visceral é preconsciente, anterior ao pensamento. É onde a aparência

importa e se formam as primeiras impressões. O design visceral diz respeito

ao impacto inicial de um produto, a sua aparência, toque e sensação. O

nível comportamental diz respeito ao uso, é sobre a experiência com um

produto. [...] É somente no nível reflexivo que a consciência e os mais altos

níveis de sentimento, emoções e cognição residem. “É somente nele que o

pleno impacto tanto do pensamento quanto da emoção são experimentados

(Norman, 2008, p.56 e 57).

livro_final_24032010.indd 20 25/3/2010 01:27:20

Page 41: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

21

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

Emoção e afeto discutidos por Norman agregam novas dimensões ao cenário do

design contemporâneo trazendo para reflexão o potencial simbólico e social. A

isso, acrescentamos o questionamento de Campos e Roizenbruch (2008) sobre o

chamado “design de autor”:

Seria a qualidade da funcionalidade presente em um objeto ou produto

incompatível ou impossível de coexistir com a qualidade que marca a

evidência de um traço ou estilo nesse mesmo objeto ou produto? (Campos e

Roizenbruch, 2008).

As autoras acrescentam a esta discussão, a questão da autoria como marca ou

expressão pessoal que particulariza um produto revelando quem o concebeu. Essa

controvérsia provoca uma série de outros questionamentos sobre as conseqüências

dessa singularização envolvendo a liberdade poética; a autonomia projetual; a

viabilidade econômica; as fronteiras com a arte; enfim, o impacto dessa prática que,

contestada ou não, obtém sucesso junto ao público-alvo, haja vista os exemplos de

David Carson ou dos irmãos Campana.

São fatores que também compõem a construção dos novos paradigmas; sobrepõem,

se unem ou reformulam o ideário funcionalista.

Exemplo de manifestação da mudança de paradigmas do design nos dias atuais

são essas especificidades desse mesmo movimento funcionalista, que vão

progressivamente adquirindo novas colorações. Muitas vezes tornam-se uma

especificação apenas estética, contrapondo exatamente o que foram os anseios

reducionistas do Estilo Internacional4 visto na capa para revista Neue Grafik 2

O movimento Estilo

Internacional teve como

princípio a idéia de

que o uso de formas,

tipografias e cores

universais promoveria uma

sociedade mais justa.

Entre as décadas de 60-

70 passou a ser adotado

pelas multinacionais como

um design perfeitamente

apropriado para o mundo

capitalista

4

livro_final_24032010.indd 21 25/3/2010 01:27:20

Page 42: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

22

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

(figura 14), por exemplo. “Curiosamente, uma vez aceita a linguagem estética do

funcionalismo, despojada de ornamentos, ela se torna vanguarda, sendo abraçada

até por aqueles que não geravam produtos funcionais – apenas parecendo

funcionais” (Coelho, 2008, p. 127).

Figura 14: Carlo L. Vivarelli. Capa para Neue

Grafik 2, 1959. Fonte: Meggs; Purvis, 2009, p.

475.

Nessa proposição, o enfoque gira em torno de

uma comunicação clara e sem interferências.

A economia de elementos e a impessoalidade

atende o ideal de uma expressão objetiva. Os

textos estão ancorados em colunas alinhadas à

esquerda de forma precisa e objetiva.

Hoje, tal proposta de subtração do que fosse desnecessário ao funcionamento do

produto transcende o valor prático adquirindo novos valores: “Neste novo cenário

os princípios funcionalistas perdem o caráter de determinação formal, passando

a diretrizes abstratas sem um comprometimento necessário com as estéticas

construtivas, suíças paramétricas” (Lessa, 2005, p.6). Atualmente ganham força,

a valorização da significação simbólica do produto, o prazer lúdico oferecido

livro_final_24032010.indd 22 25/3/2010 01:27:20

Page 43: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

23

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

pela fruição do conteúdo estético e mesmo, a possibilidade de identificação e

diferenciação social. Esse enfoque abre novos caminhos ao profissional do design.

Esta estratégia profissional [...] é um signo de nosso tempo, um resultado

das oscilações do gosto no ser humano, que já cansado do frio racionalismo

experimentado até o extremo, hoje explora outras formas de vida e desfruta

de novos objetos, a maioria dos quais, no momento, estão cada vez mais

longe da postura do arquiteto Louis Sullivan segundo o qual ‘a forma segue a

função’ e que todo designer havia acatado com respeito durante pelos menos

meio século (Salinas, 2003, p.114).

Ganha consideração o modo como o indivíduo interage com o produto. Niemeyer

(2003) escreve sobre filtros que atuam no processo: filtros fisiológicos (acuidade da

percepção), filtros culturais (ambiente, experiência individual) e emocionais (atenção,

motivação). Assim, se engendra o surgimento de um usuário que passa a ter voz e

a ser ouvido na elaboração dos projetos de design. E que, conseqüentemente revela

sua força, pois detém o poder de escolha. Fruto de uma sociedade pós-industrial

e fragmentada em grupos sociais variados, passa a influenciar os processos de

produção e design que se contrapõem ao enfoque histórico de produção em

massa. Isso também perpassa por considerar o aspecto dialógico dos produtos,

como coloca Flusser (2007) quando diz que os objetos de uso não são meros

objetos, mas produtos de mediações entre os homens. Ou seja, são enfatizados

os aspectos comunicativos e intersubjetivos dos produtos, pois cabe ao designer

a responsabilidade de “responder por outros homens”. Assim, assume a postura

de ser um artífice na produção de cultura em que os objetos de uso sejam menos

livro_final_24032010.indd 23 25/3/2010 01:27:20

Page 44: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

24

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

obstáculos “e cada vez mais veículos de comunicação entre os homens” (Flusser,

2007, p. 198).

Mas não só avanços compõem o novo cenário. Alguns designers e pensadores

colocam pontos de interrogação sobre novas tendências ou práticas duvidosas no

design. Apontamos alguns exemplos: Dan Friedman (Friedman apup Heller, 2007)

questiona:

Pode ser pura ilusão achar que a mais nova tendência da tipografia seja

automaticamente melhor e tenha mais níveis de significado que as experiências

anteriores e que estavam mais ou menos preocupadas com as possibilidades

formais. Também pode ser ilusão o fato de que a nova tecnologia digital

tenha maior autoridade e represente uma forma de progresso, considerando

que o progresso tecnológico tem freqüentemente causado alguma erosão nos

valores humanos (Friedman apup Heller, 2007, p. 283).

Nessa mesma linha de pensamento José Manuel Bártolo (2006) também aponta:

[...] se o design produziu as principais tendências que caracterizam a sociedade

contemporânea, então deve ser posta em causa a eficácia de sua ação social;

se, pelo contrário, o Design é produto das tendências contemporâneas então

devemos admitir que a disciplina não foi capaz de se impor dando razão

a certos discursos de crise que denunciam, hoje o predomínio de um non-

design, um design pobre, a serviço de interesses puramente comerciais

(Bártolo, 2006).

livro_final_24032010.indd 24 25/3/2010 01:27:20

Page 45: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

25

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

O autor aponta ainda uma série de questões relativas à época contemporânea

relacionadas à sujeição ao mercado, ao caráter supérfluo dos produtos, a

superficialidade estética e pondera sobre a consciência ética como valor primordial

para cada projeto. A discussão de Victor Margolin (1998) sobre a problemática

situação econômica e social no mundo e sua relação com o design, traz ainda a

importância deste como um caminho para se alcançar resultados reais e positivos.

Para o autor, o design oferece uma ligação entre os modelos de desenvolvimento

social: modelo de equilíbrio (o mundo é um ecossistema de equilíbrio delicado,

baseado em recursos finitos) e o modelo de expansão mundial, (o mundo é

constituído por mercados em vez de nações, sociedades ou culturas). Por seu

caráter projetual e prático, o design tem a vantagem de poder ir além do discurso

e apresentar produtos e projetos que demonstrem objetivamente possíveis formas

de conciliação desses modelos.

Procuramos realizar uma breve abordagem sobre algumas das variadas questões

sobre o design e suas relações com a contemporaneidade mediante algumas

exemplificações pontuais. É basicamente o que defende Morin (2000) quanto ao

desenvolvimento de um pensamento que nos ajude a compreender os problemas da

sociedade a partir da sua contextualização, globalização e interligação.

Deveríamos, portanto, ser animados por um princípio de pensamento que nos

permitisse ligar as coisas que nos parecem separadas umas em relação às

outras. [...] O princípio da separação torna-nos talvez mais lúdicos sobre uma

pequena parte separada do seu contexto, mas nos torna cegos ou míopes

sobre a relação entre a parte e o seu contexto. [...] O conhecimento progride,

principalmente, não por sofisticação na formalização e na abstração, mas

livro_final_24032010.indd 25 25/3/2010 01:27:20

Page 46: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

26

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.2 Design gráfico e funcionalismo

através da capacidade de contextualizar e em globalizar. Essa capacidade

necessita de uma cultura geral e diversificada, e, estimulada essa cultura, o

pleno emprego da inteligência geral, isto é, o espírito vivo (Morin, 2000).

Com base nessa exposição, cremos em um campo não estanque ou “congelado no

tempo” tomando as palavras de Campos (2009), mas atento às questões do seu

próprio tempo. Cremos que se configura um cenário propenso a acolher abordagens

experimentais sobre produtos, projetos e processos criativos.

livro_final_24032010.indd 26 25/3/2010 01:27:20

Page 47: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

27

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia

Entre transformações sociais, científicas e culturais, a quantidade e a variedade de

recursos técnicos proporcionados pelos avanços tecnológicos dos meios de produção,

permitem-nos alçar vôos criativos antes difíceis (e onerosos) de se tornarem

realidade. Há tempos que a superação de limitações técnicas vem ampliando o

horizonte criativo que margeia perspectivas projetuais. Principalmente limitações

impostas em períodos históricos em que a gestação dos projetos condicionava-

se ao embrionário processo de desenvolvimento de soluções técnicas. Da prensa

tipográfica à fotografia. Não pretendemos recuar no tempo e traçar um perfil

histórico da evolução técnica dos meios de reprodução, mas sim, apontar o valor

da experimentação nesse processo evolutivo.

A inovação tecnológica busca suprir os vários tipos de demanda sempre crescentes,

sejam econômicas, técnicas, criativas e muitas vezes, são experimentações que a

trazem à tona. Estas, submetem o recurso técnico ao extremo das possibilidades

1.3 Design gráfico e tecnologia

livro_final_24032010.indd 27 25/3/2010 01:27:20

Page 48: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

28

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia

de sua utilização, inclusive atendendo a objetivos para o qual não foi programado.

Como conseqüência, a produção de soluções (inovadoras ou corretivas), mais

adequadas ao contexto de sua utilização, liberam o recurso de sua função original,

sendo descartado ou assumindo outra função, mesmo que simbólica ou estética.

Dessa maneira, o processo de experimentação, impulsionado tanto pela necessidade

produtiva quanto pelo desejo de descoberta, conduz a transformações em que novas

perspectivas são exploradas e assim sucessivamente ao longo da história.

O tipógrafo suíço Wolfgang Weingart, professor da escola Kunstgewerbeschule,

também na Suíça, valendo-se do potencial da recém surgida fotocomposição5,

utiliza esse recurso em experimentações que o libertam da ortodoxia das aplicações

gráficas convencionais. Em um artigo para a revista Druckspiegel escreve: “A

fotocomposição tipográfica com suas possibilidades técnicas converte a tipografia

em um jogo sem normas” (Weingart apud Poynor, 2003, p.20).

Em um exemplo cronologicamente anterior, Lessa (2005), escreve sobre as

transformações que ocorrem nas formas de representação gráfica, reconfigurando

o papel do “traço” já desde a Revolução Industrial. Tanto na produção de textos

substituído pela tipografia, quanto na produção de imagens produzidas pelo desenho

e substituído pela fotografia. Ou seja, esse encargo do traço, que teve grande

importância como forma de adaptação para atender as limitações das matrizes

de impressão da época, esvanece nas décadas posteriores e pode assumir novo

patamar como solução formal. Sobrelevando a escassez de recursos técnicos, essa

ação manual pode, por exemplo, assumir um caráter investigativo ou exploratório e

ser incorporada como elemento de composição. Não só investigativa como também

aleatória, na incorporação de desvios ou de ações imprevistas, aí incluso o acaso.

Fotocomposição: sistema

de composição que

faz uso de filmes ao

invés de produzir linhas

de texto sobre metal.

Tornou mais rápido,

limpo, simples, barato

e perfeito o processo de

composição.

5

livro_final_24032010.indd 28 25/3/2010 01:27:20

Page 49: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

29

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia

Nesse caso, o traço se liberta da representatividade, sua função original.

Nos dias atuais, não só as limitações técnicas se transformam rápida e

continuamente como influenciam e ampliam a atuação do designer na esteira do

processo de produção. Atuando em editoração eletrônica, por exemplo, o designer

pode assumir o controle de várias etapas de produção, em um caminho inverso ao

estabelecido pela Revolução Industrial. Nesse tipo de atividade é possível para o

designer produzir desde a diagramação até a separação de cores para a impressão.

Observamos que, mesmo com essa facilitação vista como uma perspectiva de

atuação mais integradora das etapas do processo, pode sim haver uma setorização

para alinhar certas especificações ao quadro de especializações profissionais:

design gráfico, de ambiente, de web etc. A diversidade do campo de atuação pode

sugerir essa pulverização, mas a inviabilidade técnica como agente limitador de

atuação para o designer se reduz cada dia. Tal subordinação cada vez mais se

afasta do centro das preocupações ou adquire novos contornos. Em uma produção

para mídia impressa, por exemplo, o mesmo designer que projeta a forma ou define

os materiais com enfoque na preocupação ambiental, quanto ao descarte ou ao

reaproveitamento, pode também atuar na criação das fontes tipográficas. Ou seja,

nesta situação em que computadores pessoais e programas visuais tornam-se, em

sua maioria, ferramentas acessíveis, a integração de etapas leva a outro alcance as

considerações sobre o projeto. Como afirma Cauduro, proporciona maior liberdade

e estímulo para experimentação:

A complexidade dos recursos, a heterogeneidade dos elementos visuais

processados, o realismo das simulações WYSIWYG (what you see is what you

get), a fragmentação da criação em passos cada vez menores e a possibilidade

livro_final_24032010.indd 29 25/3/2010 01:27:20

Page 50: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

30

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia

de modificar cada vez mais detalhes pontuais das peças, levam os designers

a procurarem fugir de dogmas e fórmulas concebidas em épocas em que

a manipulação tipográfica ainda era limitada, cara, demorada e sujeita a

restrições de ordem física (Cauduro, 1998, p. 98).

Partindo do computador ENIAC6 de 1945 pesando 30 toneladas, chegamos aos

computadores Macintosh em 1984 e sua representação metafórica do desktop

flexibilizando as possibilidades de ação e trazendo a dimensão digital dos pixels e

vetores para a profissão (Figura 15). Cabe observar também que com o computador,

nada está definitivamente terminado, a possibilidade do “Ctrl+Z” permite um retorno

a estágios anteriores do projeto sem nem deixar rastros. Enfim, o computador se

torna uma ferramenta para a profusão de uma série de experimentos estéticos

viabilizados por essa flexibilidade.

Figura 15: Attik Noise – Ilustração para revista. 1998. Fonte:

Poynor, 2003, p. 94.

A produção tridimensional do organismo cibernético e

a utilização de camadas e transparências caracterizam

as possibilidades estéticas do computador. A facilidade

de manipulação de fontes tipográficas transformando-

as em texturas e fragmentos visuais são exemplos de sua

flexibilidade.

O ENIAC -Electronic

Numerical Integrator and

Computer foi o primeiro

computador eletrônico de

autoria de Prosper Eckert

e John W. Mauchly, EUA.

6

livro_final_24032010.indd 30 25/3/2010 01:27:21

Page 51: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

31

CAPÍTULO 1 – DIÁLOGOS E CONTEXTUALIZAÇÃO: ALGUNS ASPECTOS 1.3 Design gráfico e tecnologia

A evolução tecnológica e o potencial facilitador intrínseco aos recursos

computacionais, incluindo aí a flexibilização das etapas do trabalho, fazem

parte dos componentes geradores de um novo status para o design. Produzem

desafios que vão além da adequação da profissão aos avanços tecnológicos ou

vice-versa. Uma investigação mais aprofundada sobre outras vertentes possíveis

de problematização, nos desviaria do enfoque sobre o experimentalismo, seus

resultados e pressupostos. Tratamos agora de nos direcionar ao campo da música e

iniciar nossa aproximação.

livro_final_24032010.indd 31 25/3/2010 01:27:21

Page 52: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

32

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

Podemos ir além de investigar as relações entre o design gráfico e a música,

não apenas por análises comparativas entre seus elementos constitutivos, como

por exemplo, o ritmo, a cor e a linha, que foram reiteradamente abordadas por

vários autores. Reflexões sobre a organicidade temporal ou relações espaciais

intercambiáveis entre os campos, visual e o sonoro, também foram tema de diversos

estudos. Abordagens estéticas também acontecem desde o Renascimento, como na

representação pictórica do gesto musical, no exemplo do Concerto Campestre de

Tiziano (Freitas, 2009) (figura 16).

Ou no exemplo contemporâneo do cartaz para a galeria Singuhr (figura 17) feita

pelo do Estúdio Cyan7 em Berlim, propondo representar a experiência sensível de

um visitante nessa galeria dedicada a arte e ao som.

Ainda assim, antes de prosseguir no enfoque desta pesquisa, deteremo-nos

brevemente sobre alguns desses tópicos, para imprimir aos argumentos artísticos,

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ

2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

http://www.cyan.de/

7

livro_final_24032010.indd 32 25/3/2010 01:27:21

Page 53: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

33

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

um caráter referencial ao design. Além disso, enfatizar a pertinência de pesquisar

aproximações entre as esferas da música e do design.

Figura 16: Tiziano Vecellio, dit Tiziano, Le Titien (Pieve

di Cadore, 1488/1490 - Venise, 1576) Le Concert

champêtre Vers 1509. Fonte: http://www.louvre.fr/

“[...] o homem e a natureza deve estar em perfeita

harmonia. Um pensamento que evoca o mito da

Arcadia, que conta a vida feliz dos pastores de Arcadia,

ocupados principalmente com o canto e música”

Fonte: http://www.louvre.fr/

Figura 17: Cyan Studio. Cartaz para a galeria Singuhr

–Sound Art Gallery at Parochial Church, 2005. fonte:

Foster, 2006, p.36.

A proposta é representar a percepção humana do som

no ambiente da galeria. O designer busca revelar a

vibração sonora por meio de texturas de cores variadas.

O efeito visual evoca a sensação de movimento das

ondas sonoras envolvendo e agindo no espectador que

transita na galeria.

livro_final_24032010.indd 33 25/3/2010 01:27:21

Page 54: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

34

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

Bóris Garay (2002) aponta uma série de relações possíveis. Notas musicais dispostas

seqüencialmente em uma composição, também nomeadas em seu conjunto por

“linha melódica”, podem ser apreendidas em um sentido conotativo, como uma

representação secundária de um elemento gráfico: a linha ou traço contínuo. Sua

evolução ascendente, descendente, constante ou entrecortada pelo silêncio (pausa)

interposto entre as notas, tem o poder sugestivo de representar uma linha traçada

no espaço. Segundo Garay:

Apesar das notas musicais escritas em partitura aparentarem estar separadas

(como pontos intercalados), não é o que acontece quando se toca ou se ouve

o mesmo trecho melódico. Neste caso, uma nota deve terminar somente

quando a outra começa. Mesmo em uma frase musical com pausas (silêncios),

verifica-se essa continuidade (gestalt), pois, a priori, a frase deve ser composta

de modo que faça sentido para o ouvinte. Assim, a sensação auditiva (e não a

visual, proporcionada pela escrita da música) se assemelha mais ao desenho

de uma linha do que a uma seqüência de pontos intercalados (Garay, 2002).

No exemplo de uma fuga8 observamos o desenrolar de linhas melódicas simultâneas

“caminhando” em várias direções. Por outro lado, Deleuze e Guattari evocam o

deslocamento pictórico da linha sobre acordes singulares de cores quentes e frias,

tonais, modais:

[...] enquanto, em uma textura contrapontística musical, há linhas melódicas

horizontais onde pontos são determinados e que se deslocam ao longo de

verticais harmônicas, as artes plásticas valem-se também das verticais e

“A fuga é uma

peça contrapontística

que se fundamenta

essencialmente na

técnica de imitação.

Geralmente, é escrita

para três ou quatro

partes, chamadas

“vozes”. Estas são

referidas como soprano,

alto, tenor e baixo”

(Bennett, 1986 ,p. 39).

8

livro_final_24032010.indd 34 25/3/2010 01:27:21

Page 55: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

35

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

horizontais de um quadro e nos remetem também às verticais de deslocamento

– tal qual a linha é o ponto em movimento para Kandinsky – e às horizontais

de sobreposição – vertical, horizontal; forma fria, forma quente; branco,

negro; luz cromático; tonal, modal etc. (Deleuze e Guattari apud Taffarello,

2008).

No design gráfico ou nas artes visuais, temos a construção de linhas combinando

elementos ou gerando formas para expressar no espaço o que a linguagem musical

expressa no tempo. Donis A. Dondis, em seu livro Sintaxe da Linguagem Visual (1997), justifica a relação linha e movimento “por sua natureza linear e fluída”

(Dondis, 1997, p.56) e pelo alto grau de liberdade em veicular experimentações que

faculta. Veículo de tradução dos sentimentos, emoções e intenções do designer.

Samara (2007) apresenta um catálogo (Figura 18) que é composto por linhas,

pontos, círculos e semicírculos de forma espontânea, no intuito de criar sensação

de movimento ou de dança entre os elementos da composição.

No outro extremo, Hagihara (2008) aponta as afirmações de Wassily Kandinsky

(1866-1944), sobre a linha como elemento limitador da criação no período das

vanguardas expressionistas. Sua eliminação possibilitou um ajustamento à nova

situação em que a cor alcança a supremacia.

Isso significa que qualquer cor obediente ao cerceamento da linha estabelecida

pela perspectiva linear, característica das pinturas clássicas, entrava em

decadência, assim como a reprodução técnica de leis matemáticas euclidianas

e físicas de representação pictórica do espaço perdiam importância em relação

ao paradigma da expressão (Hagihara, 2008, p. 437).

livro_final_24032010.indd 35 25/3/2010 01:27:21

Page 56: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

36

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

Figura 18: Stoltze Design, CVPA - Catálogo de Cursos. Fonte: Samara

2007, p.179.

Para o design, a linha segue sendo elemento de criação seja por uma perspectiva

matemática, seja por seu potencial criativo, vide o exemplo dos rascunhos que

serão tratados mais à frente9.

Seguindo nosso propósito de apresentar algumas abordagens sobre som e imagem,

partimos da “linha” para o vazio. Não só a presença dos sons, mas também sua

ausência, as chamadas pausas musicais, podem estar sujeitas a analogia com

os espaços vazios de uma composição gráfica. A linguagem visual se aproxima à

música na manipulação dos espaços entre a presença ou ausência da imagem, na

articulação do arranjo gráfico. Isso é semelhante à manipulação das marcações

rítmicas e da duração dos sons no discurso musical.

Ver capítulo Design

gráfico e jazz: a

convergência do acaso

a partir da página 80.

9

livro_final_24032010.indd 36 25/3/2010 01:27:22

Page 57: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

37

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

Caznok (2003) faz observações sobre a temporalidade nas artes visuais, que cabem

perfeitamente na relação design e música. A autora escreve sobre formas de

organizar os elementos para gerar sensação de movimento:

Corolário da temporalidade é a organização rítmica dos elementos pictóricos,

não em sua proporcionalidade métrica, mas em sua vivência cinestésica, em

sua capacidade de provocar no espectador vivências de movimentações e

dinâmicas temporais semelhantes àquelas trazidas pela música (Caznok,

2003, p.107).

Meggs e Purvis (2009) apresentam um exemplo de uma distribuição de elementos

tipográficos (figura 19), no caso para aproximar visualmente a sensação rítmica

musical; “Uma repetição em staccato10 das letras da palavra jazz estabelece

seqüências musicais e anima o espaço” (Meggs e Purvis, 2009, p. 482).

Figura 19: Ralph Coburn cartaz para a banda de jazz

do MIT., 1972. Fonte: MEGGS, Philip B.; PURVIS,

Alston W. . História do design gráfico, 2009, p.482.

Staccato: Modo de

executar destacando

nitidamente cada nota.

10

livro_final_24032010.indd 37 25/3/2010 01:27:22

Page 58: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

38

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

Garay (2002) também aponta outras relações possíveis como as que ocorrem entre

acordes do sistema tonal e as formas geométricas do quadrado, do triângulo e

do círculo. Lembramos que na Bauhaus, essas formas eram “paradigmas das leis

formais que se supunha embasarem toda expressão visual” (Miller apud Lupton e

Miller, 2008, p.9). Acordes são sons combinados por intervalos pré-determinados,

tocados simultaneamente e com funções específicas, determinadas pela teoria

musical do sistema tonal. Entre eles encontram-se os denominados por tônica,subdominante e dominante que, segundo Garay (2002), assumem respectivamente

características de estabilidade, meia-estabilidade e instabilidade:

Há estilos musicais em que se observa com mais ênfase o uso de algumas das

funções. Músicas infantis, que valorizam bastante o sentido de equilíbrio, são

calcadas na função tônica. No chorinho e no jazz (principalmente no bebop)

é comum encontrar seqüências de acordes com função dominante, o que

faz com que esses estilos tenham uma característica instável e tensa, pois

através dessas seqüências retarda a chegada do repouso, característica da

função tônica. Já em músicas onde são encontradas cadências com acordes

subdominantes (baladas, estilo new age, rock progressivo), a sensação é de

plenitude, amplitude, abertura (GARAY, 2002, p.3).

Talvez seja uma colocação muito temerária e arbitrária do autor, pretender uma

padronização entre os estilos musicais e as sensações que provocam, mesmo havendo

alguns exemplos de composições e reações que corroboram nessa argumentação.

Além disso, apesar de estar claro que o autor se refere ao sistema tonal, é preciso

salientar a existência de outras propostas musicais como a música dodecafônica,

livro_final_24032010.indd 38 25/3/2010 01:27:22

Page 59: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

39

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

por exemplo, que busca explorar a ausência de um centro tonal. O sistema de doze

sons criado por Schoenberg (1874-1951), em 1923, subverte justamente a função

estrutural de cada nota, distribuindo-a de forma igualitária. Elimina o sentido de

cadências visto no sistema tonal.

Mas vamos nos ater ao sistema tonal neste primeiro momento, para apresentar

relações e não abrir muitas frentes de pesquisa. O movimento oscilante de tensões,

como trata Wisnik (1989, p.106), que se transforma em repouso, é o fundamento

dinâmico e progressivo da tonalidade. Na harmonia tonal, o encadeamento de

acordes resulta em sensações apoiadas em acordes característicos: o acorde de

tônica está associado à estabilidade e repouso, o subdominante se caracteriza pela

instabilidade e a máxima tensão está presente no acorde de dominante (Figura

20).

Figura 20 – Seqüência de acordes fundamentais e figuras

geométricas. Fonte: GARAY, 2002, p.2.

Cada acorde está estruturado em três notas sobrepostas

em intervalo de terça: “C” = dó maior (dó, mi, sol), “F”

= fá maior (fá. lá, dó) e “G” = sol maior (sol, si, mi). O

conjunto destes acordes está na tonalidade de dó maior,

sendo que a resolução da máxima tensão do acorde de

“G” seria o retorno ao acorde de “C”. O acorde de “F”

pode ser entendido como a música em movimento,

caminhando em direção ao clímax “G”.

Sob essa ótica, é possível estabelecer uma aproximação desses acordes aos estudos

que, a partir das formas geométricas do quadrado, do círculo e do triângulo, propõem

livro_final_24032010.indd 39 25/3/2010 01:27:22

Page 60: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

40

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

análise da linguagem visual e da forma visual. Como afirma Dondis:

Cada uma das formas básicas tem suas características específicas, e a cada

uma se atribui uma grande quantidade de significados, alguns por associação,

outros por vinculação arbitrária, e outros ainda, através de nossas próprias

percepções psicológicas e fisiológicas. Ao quadrado se associa enfado,

honestidade, retidão esmero; ao triângulo, ação, conflito, tesão; ao círculo,

infinitude, calidez, proteção (Dondis,1997, p.99).

Cabe novamente fazer uma ponderação; é preciso relativizar essas associações

de formas geométricas com percepções como de estabilidade ou instabilidade. É

necessário contextualizá-las, pois estão sujeitas às circunstâncias de sua época,

como nos exemplos dos embasamentos teóricos da Bauhaus, ou na “representação

pura” reduzida a elementos essenciais do movimento Neoplasticista de Theo van

Doesburg (1883-1931). Isso cabe também a música, que como afirma Iazzetta (2001),

para compreendê-la é preciso associá-la aos contextos sociais, culturais, biológicos

e físicos; “a música é a expressão de um conjunto de fatores indissociáveis e a

complexidade das conexões estabelecidas por esses fatores elimina a possibilidade

de se pensar em uma única música como modelo geral para todas as músicas [...]”

(Iazzetta, 2001).

Na Bauhaus, (abrindo um parêntese para a relação entre forma e cor), o curso básico

se propunha a descobrir as verdades fundamentais em funcionamento no mundo

visual, eliminando particularidades. Kandinsky (1866-1944), Klee (1879-1940) e

Itten (1888-1967), professores da instituição, usavam as formas básicas “como

uma escrita com a qual a pré-história do visível podia ser analisada, teorizada e

livro_final_24032010.indd 40 25/3/2010 01:27:23

Page 61: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

41

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

representada” (Lupton e Miller, 2008, p. 25). Kandinsky particularmente propôs a

existência de relação entre o triângulo dinâmico, o quadrado estático e o círculo

sereno, com as cores básicas do amarelo, vermelho e azul respectivamente.

Sobre a relação cor e som, já em épocas anteriores, muitos autores, artistas e

pensadores desenvolveram teorias associando cores à altura das notas musicais.

Caznok (2003) escreve sobre Mersenne (1588-1648) e Kircher (1602-1680),

pensadores jesuítas do século XVII, que relacionavam sons às notas musicais de

forma simbólica. Mersenne estabeleceu correspondências como, por exemplo,

entre a voz soprano e a cor ouro. Kircher, por outro lado, relacionava essa cor a

um intervalo de quinta entre notas musicais. Isaac Newton (1643-1727), em sua

obra Optiks, propunha relações das notas com o espectro de cores: ré, vermelho;

mi, laranja; fá, amarelo; sol, verde; lá, azul; si, índigo; dó, violeta. Kandinsky (1866-

1944), em seu livro Do espiritual na arte (2000), propõe uma série de relações

entre cores e instrumentos musicais: azul claro e a flauta; vermelho médio e a

tuba; branco e o silêncio absoluto; preto e o silêncio eterno e outros. O compositor

Olivier Messiaen (1908-1992), em sua obra Oito Prelúdios descreve uma cor para

cada prelúdio (Freitas, 2009, p. 40).

Culminam entre o final do século XIX e início do século XX, as idéias de construção

de instrumentos musicais que reproduzissem cores (figura 21). Prometheus, o poema de fogo (1910), sinfonia do compositor russo Alexander Scriabin (1872-

1915), contém uma partitura para um teclado de luzes (figura 22).

Basbaum (2002) apresenta uma série de compositores que se dedicaram à questão

da cor na música: Richard Wagner (1813-1883), sugerindo uma obra de arte total;

Nicolay Rimsky-Korsakov (1844-1908) estabelecendo relação entre cores e centros

tonais, como dó maior e o branco, por exemplo; Arnold Shoenberg (1874-1951),

livro_final_24032010.indd 41 25/3/2010 01:27:23

Page 62: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

42

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

ao tratar a cor como elemento composicional, estabelecendo associações como ao

timbre11; Jorge Antunes (1942) e o estudo do aparelho perceptivo, relacionando cor

e som pelas vibrações nervosas que ressoam entre si quando da percepção de cada

um.

Figura 21 – Rimington e seu teclado

colorido (Caznok, 2003, p.39).

Figura 22: A primeira página de Prometheus de Scriabin.

Fonte: http://www.bbc.co.uk/radio3/discoveringmusic/

pip/sr60f/

“Timbre: qualidade

distintiva de sons da

mesma altura e intensidade

e que resulta dos

harmônicos coexistentes

com o som principal”

(Ferreira, 1986 , p.

1378).

11

livro_final_24032010.indd 42 25/3/2010 01:27:23

Page 63: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

43

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

Na pintura o autor apresenta uma série de artistas empenhados nesse

empreendimento, como Mondrian (1872-1944), Yves Klein (1928-1962), Kupka

(1871-1957), e Paul Klee (1879-1940): “Um dia serei capaz de improvisar livremente

no teclado das cores” (Klee apud Basbaum, 2002, p. 41).

Garay (2002) ainda aponta as associações entre o uso da cor e as tonalidades

musicais maiores e menores12. Associadas a sentimentos de tristeza e alegria, estas,

permitem ligação com as cores quentes e frias e assim, compartilham influências

simbólicas.

Mas como mencionamos, também é possível aprofundar a compreensão das

relações entre o visual e o sonoro por outros caminhos. Como por meio de incursões

no “terreno” em que esses campos, ou seus elementos combinatórios coexistem e

se potencializam. Maria Lucilia Borges (2006) aponta a existência desse “espaço”

de encontros e fusões, em que nos cabe trafegar e observar as ressonâncias que

ocorrem quando os campos transpõem o território a que estão confinados. Nesse

“espaço”, segundo a autora:

[...] não é a música que se torna uma imagem (um objeto, um movimento...),

como quem imita uma cor, uma linha, um plano, mas a imagem que se desfaz

enquanto imagem. A imagem (o objeto, o movimento...) torna-se musical, ao

mesmo tempo em que a música torna-se outra coisa (pássaro, vento, silêncio,

a lua, uma estação, uma lembrança, um lugar, uma sensação, um sentimento,

um ruído...) (BORGES, 2006, p.860).

Borges (2006) pondera sobre a importância de se pesquisar essa “zona de mobilidade”

No sistema tonal as notas

musicais são estruturadas

em torno de um núcleo

principal. Existe uma

hierarquia de funções

nesse sistema, utilizando

acordes principalmente,

que originam cadências

trafegando entre tensões,

repouso e resoluções

desses acordes.

Simbólica e subjetivamente,

muitos autores e

compositores estabelecem

relações entre sentimentos

e sensações diferentes

entre tonalidades maiores

e menores.

12

livro_final_24032010.indd 43 25/3/2010 01:27:23

Page 64: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

44

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

entre o som e a imagem, em que ambos podem se influenciar mutuamente, como

resultado da própria essência de ambos.

Essa mobilidade ou capacidade de vir a ser das coisas envolve também o processo de

comunicação que por sua vez, é aspecto fundamental no design. Não só mobilidade

como potência de transformação, mas enquanto característica essencial presente

nos elementos componentes. Apoiada no pensamento crítico do filósofo francês

Henri Bergson, Regina Rosseti (2007) reflete sobre a comunicação como um fluxo,

um movimento que é sua própria essência. Como escreve a autora, não existe

imobilidade nem na superfície nem na essência das coisas que mudam, ou melhor,

só há a mudança porque a “coisa”, toda ela é movimento. Assim, “[...] por trás do

movimento há somente movimento, ou seja, por trás das coisas que mudam há uma

essência que é ela própria, movimento também” (ROSSETTI, 2007, p.2).

Dessa forma, podemos compreender o som como elemento predisposto a ser

imagem por uma capacidade de mobilidade que constitui sua própria essência. E

não é necessariamente preciso que ocorra essa transposição entre sentidos para

demonstrar o intercâmbio entre o audível e o visível. Como afirma Garay, design

gráfico e música “se assemelham por serem compostas através da combinação

criativa dos seus elementos para comunicar conteúdos de forma original” (Garay,

2002, p.1).

Assim, som e imagem, de forma implícita ou explícita, se comunicam e corroboram

na valorização de uma percepção que se constrói na união de sentidos. A simples

evocação de um som pode suficientemente trazer implícito e de forma latente, a

presença de uma cor. Caznok (2003), escreve que a expressividade de uma obra,

no caso das artes visuais, está além de seus dados objetivos; está no seu poder de

evocar aquilo que não está expresso formalmente. Ou seja, no exemplo do som, não

livro_final_24032010.indd 44 25/3/2010 01:27:23

Page 65: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

45

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.1 Som, imagem e design: ressonâncias

há uma visualidade objetiva, mas percebe-se sua presença sensível.

[...] é como virtuais, como possíveis no mundo perceptivo que o sonoro e o visual

se comunicam e se unem. Como virtuais não devem ser forçados a se expressar

em imagens ou sons concretos: a sonoridade de uma forma geométrica não

é para ser tocada ou ouvida fisicamente, assim como as sugestões visuais de

uma música não são para serem pintadas ou representadas. O visível chamado

pelo sonoro e o audível evocado pela visão permanecem em estado latente

- são o pressentido imanente ao sentido (Caznok, 2003, p.220).

As teorias e experimentações sobre as correlações sensoriais vem se desenhando

ao longo da história de forma ampla e contundente, reafirmando sua relevância em

diferentes estilos musicais e épocas.

O estímulo para refletir sobre o design tendo a música como referência, tem por

base a inserção parcial ou integral de mecanismos singulares nos processos criativos

de certas manifestações musicais. Reconhecemos certas afinidades nos trabalhos

apresentados a seguir em que, tanto no jazz quanto no design, a abordagem

experimental e a contribuição do acaso aproximam os campos do saber.

livro_final_24032010.indd 45 25/3/2010 01:27:23

Page 66: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

46

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

A improvisação não é exclusividade do jazz. Beethoven (1712-1773), Clementi 1752-

1832), Bach (1685-1750), a praticavam a mais de 150 anos. Vivaldi (1678-1741) e

Haendel (1685-1759), deixavam em suas sonatas e concertos, um grande espaço

para o solista improvisar. Assim como ocorre nas “cadências”, como explica Calado

(2007), seções do concerto onde o compositor abre espaço para a improvisação do

intérprete. Essa prática foi sendo deixada de lado a partir do século XIX na música

erudita, mas em contrapartida adquire caráter básico e estrutural no jazz.

A cultura africana é essencial na compreensão das origens desse estilo musical.

Os negros escravos levados para os EUA em mais de 200 anos de escravidão eram

provenientes de várias tribos, mas basicamente da região ocidental da África. Essa

relativa proximidade geográfica permitiu que mantivessem ”certa homogeneidade

cultural” como afirma Calado (2007). Dessa maneira, preservaram o caráter funcional

intrínseco à sua música, diferentemente da música européia, condicionada ao

2.2 O jazz e a improvisação

livro_final_24032010.indd 46 25/3/2010 01:27:23

Page 67: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

47

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

conceito de arte desassociada da vida cotidiana. A música africana tem função

social, como no exemplo das canções de guerra, dos feiticeiros e de trabalho, uma

música praticada coletivamente. Está aí a semente da música executada nas igrejas

batistas, nas canções de trabalho nas estradas de ferro ou nos campos de algodão.

Estas canções tiveram muita importância no desenvolvimento de trabalhos

que necessitassem de um certo senso de ritmo, como o de quebrar pedras, o

de martelar pregos ou de serrar e derrubar árvores, porque além de amenizar a

dureza da tarefa, as work songs aumentavam a produtividade e até ajudavam

os feitores a programar a produção do dia (Pellegrini, 2004, p. 30).

Assim, a música européia e o jazz se encontram na medida exata em que o negro se

apropria de elementos da música européia e mantém o centro expressivo de suas

tradições africanas (Calado, 2007).

Não iremos abordar todas as várias fases e transformações do jazz, como o NewOrleans, o dixieland, o swing ou o bebop. Como coloca Hatch (2002), a própria

prática da improvisação é um impulso transformador de estilos dentro do jazz.

Ao buscar expandir seus solos para além das estruturas harmônicas e rítmicas, o

músico acaba provocando o surgimento de novas estruturas como o bebop ou o

free jazz. A dinâmica do jazz promove sua própria transformação.

Para inserir essa visão histórica em termos processuais, conforme cada uso da

estrutura é desafiado pelo processo de tocar fora ou entre as notas, harmonias

e batidas previstas em um forma existente, novas formas de jazz são criadas,

livro_final_24032010.indd 47 25/3/2010 01:27:23

Page 68: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

48

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

redefinindo as expectativas e apresentando, assim, novas oportunidades para

se opor às primeiras (Hatch, 2002, p.25).

Assinalamos a influência do blues13, acrescentando emoção e sentimento ao discurso

musical e do ragtime14 que, como coloca Pellegrini, “é o resultado da aplicação de

técnicas musicais negras remanescentes da cultura escrava às formas populares da

música de salão da Europa” (Pellegrini 2004, p.89). Além disso, é o blues que faz

a transição do coletivo para a expressão individual e a proximidade às questões

cotidianas se mantém, como no enfoque racial, bem exemplificado no que diz a

cantora Bessie Smith (1894-1937); “Nenhum homem branco é possuído pelo blues,

porque o branco não tem preocupações” (Smith apud Berendt, 2007, p. 124).

A maior parte dos estilos do jazz faz uso de “temas”, que são composições estruturadas

por uma melodia, uma seqüência de acordes, e um andamento rítmico, servindo

de base para a improvisação. Muitas vezes a melodia é apresentada no início da

execução e retomada ao final. Durante a performance, esses temas são recriados

em composições improvisadas que podem vir a se afastar muito da composição

original. Não havendo limitações técnicas do improvisador, a composição pode

se afastar para bem longe do tema original, subvertendo a idéia melódica, o

andamento rítmico e a seqüência de acorde na qual se estrutura. Para muitos, o

tema passa a ser somente uma sugestão, introduzindo novos elementos enquanto

tocam. Estabelecem um jogo entre ausência e presença em que os sentidos são

instigados a tentar reconhecer seu rastro. O designer Kiko Farkas (2009) aponta a

mesma relação possível no design, ao se trabalhar com um conceito ou uma imagem

que as pessoas já têm sobre determinado assunto a ser representado, seja visual

ou musical. Fazendo um paralelo com uma improvisação jazzística de 25 minutos

Forma musical de 12

compassos característica

dos negros afro-

americanos. Possui uma

estrutura repetitiva e

um caráter expressivo,

melancólico, sensual,

influenciado pelos cantos

religiosos americanos

nomeados spirituals.

13

Pellegrini (2004) aponta

que o ragtime não é

considerado um estilo

musical mas uma forma

de execução pianística,

caracterizada pelo uso

constante de síncopa.

14

livro_final_24032010.indd 48 25/3/2010 01:27:24

Page 69: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

49

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

sobre um tema, por exemplo, esse grande espaço de tempo possibilita criar uma

composição (imagem) muito distante da composição (imagem) original. Ou seja,

nesse caso, o tempo disponível para a improvisação permite deslocar a lembrança

que o ouvinte tem do tema, libertando-o para vôos mais independentes. No design,

a habilidade de oferecer o novo a partir de um distanciamento controlado da base

original é inspiração e referência para a criação. Sendo assim, esse paralelo entre

tema e imagem pré-conhecidos estabelece o mesmo jogo.

Você vai conseguindo trabalhar com imagens criadas por você a partir de imagens existentes e é essa habilidade, sabe, de deixar pedaços, acho que é uma coisa muito interessante para nós designers (Farkas, 2009).

A qualidade e a intensidade dessa ligação entre o tema e a improvisação, dependem

muito dos elementos que se tem a mão para produzir. Certos acordes, ritmos

ou trecho melódico podem embasar toda uma proposta de discurso. O filtro da

sensibilidade do improvisador é que determina até onde se pode ir. Segundo Farkas,

esticar, esticar e esticar até parar um milímetro antes de romper.

O que define um design é muito menos a fonte que ele usa, a cor e tal, é muito mais a maneira que ele elabora esse tipo de universo, como torna visível aquilo que é invisível (Farkas, 2009).

Ao distanciar-se do “tema” original, Farkas procura não usar o óbvio. Ao realizar

essa série de cartazes (figura 23), foge da representação direta entre música e

livro_final_24032010.indd 49 25/3/2010 01:27:24

Page 70: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

50

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

imagem; não utiliza foto de compositores, notas musicais ou partituras, procura

trazer sua visão particular do tema.

Figura 23: Kiko Farkas. Cartazes para a Osesp. Fonte: Kiko Farkas, 2009.

Kiko usa a representação de um bando de pássaros como metáfora para o trabalho em conjunto

dos músicos comandados por seu maestro. Trabalha livremente com formas construídas de forma

aleatória.

A expressão particular sobre um “tema” também é exemplificada neste exemplo

de Berendt (figura 24). A composição How High the Moon é um tema bastante

utilizado por músicos de jazz. No trecho apresentado observamos como os músicos

J. J. Johnson (1924-2001), Charlie Shavers (1920-1971) e Coleman Hawkins (1904-

livro_final_24032010.indd 50 25/3/2010 01:27:24

Page 71: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

51

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

1969) dão tratamento totalmente particular e conseqüentemente diferenciado

para suas improvisações.

Figura 24: Trecho da partitura de How High the Moon com

as improvisações de J.J. Johnson, Charlie Shavers e Coleman

Hawkins. Fonte: Berendt, 2007, p. 118.

Cada músico busca sua própria expressividade. J. J. Johnson

parece ser o que mantém uma proximidade um pouco mais

perceptível do tema original.

Existem músicos totalmente comprometidos com resultados precisos, embasados

em teorias muito bem conhecidas, como no caso de Bill Evans.

Ao formular meu estilo fui muito analítico. Para cada nota que eu toco tenho um princípio muito preciso e uma razão teórica [...] tenho sido muito

livro_final_24032010.indd 51 25/3/2010 01:27:25

Page 72: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

52

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

consciente em separar tudo de maneira a compreender o mais completamente que posso (Evans apud Berardinelli apud Gimenes, 2009).

Nesse caso, o tema é muito bem analisado e a improvisação é conseqüência direta

de suas possibilidades teóricas. Mas existem outros que simplesmente o abandonam

totalmente ou nem chegam a utilizá-lo. Nesse caso, durante a improvisação o

acaso pode surgir justamente no desconhecimento de causa; não saber ao certo

qual a relação teórica entre a nota tocada e a harmonia sendo executada. A nota

tocada não tem conexão com a harmonia, o motivo da sua escolha não leva em

conta o contexto teórico e o resultado gera um fato novo. Novamente tomamos o

exemplo de Kiko Farkas. Uma caixa de chaves (figura 25) descoberta entre objetos

abandonados no porão de sua casa, deixou-o encantado com suas formas.

Figura 25: Kiko Farkas. Fotos. Fonte: Kiko Farkas, 2009. Objetos que inspiraram Kiko a produzir os

cartazes.

A partir delas, construiu uma série de cartazes (figura 26) em que o tema de

livro_final_24032010.indd 52 25/3/2010 01:27:25

Page 73: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

53

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

divulgação não teve a princípio, influência na escolha dessas imagens. “Usei as

chaves sem saber onde ia parar ou o porquê estava usando as chaves” (Farkas,

2009). A proposta se concretiza na aceitação do acaso, porque a impossibilidade de

localizar as causas de sua escolha não impediu sua aplicação.

Figura 26: Kiko Farkas. Cartazes para a Osesp. Fonte: Kiko Farkas, 2009. As formas

e os movimentos sugeridos pelas chaves inspiraram esta série de cartazes.

livro_final_24032010.indd 53 25/3/2010 01:27:26

Page 74: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

54

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.2 O jazz e a improvisação

Também é prática no jazz, abrir “brechas” para a intervenção de outros músicos nos

arranjos para as bandas. Shorty Rogers (Rogers apud Berendt, 2007) declara:

Na minha opinião todo bom músico de jazz é também compositor. E sempre

foi assim que eu tratei os músicos de minha banda, pois quando escrevia os

arranjos, eu apenas notava algumas instruções e deixava o restante para a

espontânea capacidade criativa de cada um completar (Rogers apud Berendt,

2007, p. 119).

Um exemplo mais radical ainda é forma de gravação do álbum Free Jazz de Ornette

Coleman (1930) em 21 de dezembro de 1960. Dois quartetos dispostos frente a

frente no estúdio de gravação, para que improvisassem livremente em solo ou

coletivamente. Não havia tema, tonalidades ou harmonia pré-determinadas.

O mesmo princípio de abertura para colaborações que enriquecem e dão novas

perspectivas aos projetos é exemplificada nos trabalhos do designer Rico Lins

discutidos mais a frente. É quando apresentamos a colaboração do acaso pela

via do compartilhamento15. Tocar com outros músicos sobre temas “movediços”

gera situações imprevisíveis, não se tem certeza dos resultados da performance de

cada um e como isso influenciará a construção individual de cada discurso. Nessas

condições, incorporar o acaso é fundamental para gerar sentido ao improviso.

Ver capítulo Design

gráfico e jazz: a

convergência do acaso a

partir da página 83.

15

livro_final_24032010.indd 54 25/3/2010 01:27:26

Page 75: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

55

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

As transformações sociais e políticas operadas em território americano, por volta dos

anos 1950-1960, foram fortemente importantes no surgimento e na caracterização

do free jazz. O ambiente de segregação racial, a luta pela igualdade, o movimento

dos direitos civis, o debate inflamado de líderes como Martin Luther King (1929-

1968), inflaram a verve rebelde desse estilo musical. Rebelar-se contra as estruturas

elitistas de poder, musicais, políticas ou culturais, fazia parte dos ideais de seus

precursores.

O músico Ivo Perelman16 (2008) afirma que, de alguma maneira, verbalizando ou

não essa insatisfação, o posicionamento político estava presente no ideário dos

músicos. “Eu acredito que você não precisa ser consciente de uma forma cognitiva

para poder espelhar a consciência de todos” (Perelman, 2008).

Sob o ponto de vista estritamente musical, o músico complementa relacionando

seu surgimento, não apenas as investidas experimentais e a genialidade de músicos

2.3 O free jazz

livro_final_24032010.indd 55 25/3/2010 01:27:26

Page 76: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

56

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

cartáticos, mas também a ambição de jovens músicos desejosos de sobrepor-se aos

modelos tradicionais. Jazzistas envoltos na ânsia de rebelar-se contra padrões que

já não sustentavam seu desejo expressivo, tendo como um dos pivôs, o saxofonista

Albert Ayler (1936-1970). Apesar de ter iniciado sua carreira imitando o também

saxofonista Charlie Parker (1920-1955), um dos maiores nomes do estilo be-bop,

a partir de suas próprias experimentações passa a tocar de forma totalmente

timbrística, totalmente “colorida” como descreve Perelman. Em sua música não havia

o enfoque na aplicação de notas musicais específicas, mas sim, na produção massas

sonoras que se moviam através do espaço. Neto (2007) aponta Lennie Tristano (1919-

1978) como marco zero na ortodoxia do estilo. Tristano gravou duas composições

em 1949 completamente livres de progressão de acordes, sem compasso definido

e sem tempo definido, que de tão radicais, só foram comercializadas quinze anos

depois.

Alguns autores credenciam ao saxofonista John Coltrane (1926-1967) os primeiros

passos em direção ao free jazz com sua composição Giant Steps que dá abertura ao

atonalismo. Não se trata exatamente de atonalismo, três tonalidades estruturam

essa composição; Si Maior, Mi bemol Maior e Sol Maior, que como se pode observar,

estão separadas por intervalo de terça. Segundo Neto (2007) essa estrutura e a

velocidade de execução de Coltrane, é que dificultam a percepção de um centro

tonal, sendo apreendida como em constante continuidade. Cabe pontuar que a

exploração do atonalismo não é nem de longe iniciada pelo jazz. Na Europa, já desde

o século IX, compositores como Richard Wagner (1813-83), Claude Debussy (1862-

1918), Arnold Schoenberg (1874-1951) e Anton Webern (1883-1945), exploram a

sobreposição do sistema tonal.

A intenção principal do free jazz é levar ao extremo a instantaneidade da criação e

Ivo Perelman (1961),

saxofonista brasileiro

radicado nos EUA há mais

de 20 anos, possui mais

de vinte CDs lançados

no Brasil e no exterior

e é referência mundial

no jazz de vanguarda.

Fez parte da versão

atualizada (1996) da

clássica foto da revista

Life, realizada originalmente

em 1958, que apresenta

os maiores nomes do

jazz da época. Também

desenvolve trabalhos como

artista plástico, tendo

participado de exibições

como a 19ème Salon

International Des Artes

Plastiques Libramont em

Paris e recebido prêmios

como Vissotsky Muiseum

State Cultural Center e

3 prix “Petit Format” em

Moscou.

16

livro_final_24032010.indd 56 25/3/2010 01:27:26

Page 77: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

57

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

da expressão pela via da liberdade total. O ato de criação coletiva tornando-se maior

e desgarrado de estruturas harmônicas, melódicas ou rítmicas. Os acompanhantes

do solista devem evitar qualquer sugestão de acordes ou tonalidades.

Também é característico, a livre incorporação de bases musicais de diversas culturas,

resultando em uma construção híbrida de sonoridades variadas. Além de inspiração

para composições como Índia de John Coltrane, baseada em Ragas hindus, as

influências chegam às roupas orientais e africanas de jazzístas como Archie Shepp

e Pharoah Sanders, e ao extremo da conversão para o islamismo de tantos outros.

O estado emocional conta muito no momento de criação instantânea. Calado (2007)

menciona o estado de êxtase ou transe de John Coltrane em suas intermináveis

improvisações. Ou no exemplo de Cecil Taylor (1929) chegando a usar os punhos e

cotovelos para o mesmo fim.

Expressar emoção com liberdade é o que faz Kiko Farkas neste cartaz (figura

27) para a Osesp. O designer nos diz que sua diretriz foi transmitir sua emoção

de maneira totalmente autoral e livre de preceitos. As informações textuais são

diluídas no conceito geral direcionado à sensibilidade do telespectador. Os projetos

de Kiko Farkas são permeáveis às referências diversas. O designer não quer balizar

seu trabalho por conceitos ou normas pré-estabelecidos. Nesse exemplo, as massas

de cor contextualizam um universo emocional.

Não interessa para Farkas ser considerado um artista ou um designer. Não pauta sua

produção por esse tipo de questionamento. Esse “descompromisso” oferece liberdade

de criação a ponto do designer mencionar como um de seus procedimentos, “olhar

para o trabalho e descobrir como ele quer ser feito”. Ou seja, não prender-se a pré-

determinações como regras ou ao uso do grid17. Inclusive porque toda sua herança

O grid é uma malha

de linhas horizontais e

verticais e serve para

orientar o alinhamento ou

disposição de elementos

em uma diagramação.

Constitui-se a partir

de uma unidade de

medida básica. Oferece

a possibilidade de um

controle rigoroso sobre

o projeto e uma clara

compreensão.

17

livro_final_24032010.indd 57 25/3/2010 01:27:26

Page 78: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

58

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

humana está agindo no momento de criação, tudo que viveu, comeu, sentiu, ouviu,

aprendeu, tudo está de alguma maneira presente no instante de criação. O designer

faz a ressalva que tudo isso também depende do tipo de projeto a ser realizado.

No design, essa liberdade autoral nem sempre é possível. Mas mesmo nesses casos,

imprevistos e acasos podem nos levar a caminhos e soluções impensadas.

Figura 27: Kiko Farkas. Cartazes para a Osesp. Fonte: Kiko

Farkas, 2009.

Kiko busca expressar através de cores e formas distribuídas

ao acaso, a emoção que a música transmite. A silhueta da

cadeira representa estar presente em completa imersão

nesse universo sonoro.

A liberdade de criação que motiva o free jazz e essas manifestações no design

gráfico, não representa necessariamente um abandono radical dos recursos e

experiências acumuladas no decorrer da vivência pessoal ou profissional, mas sim,

tê-los disponíveis em qualquer situação, livre de dogmas, preceitos e em sintonia

com o desejo expressivo ou funcional do autor, músico ou designer. O tratamento

livro_final_24032010.indd 58 25/3/2010 01:27:26

Page 79: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

59

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

dado a esses recursos é o que representa a liberdade criativa. Eventualmente o

improvisador no free jazz se atém a escalas tonais ou métricas regulares, assim

como o designer pode fazer uso de fontes não serifadas “bauhausianas”. A liberdade

está no contexto de uso desses mecanismos. A escolha da fonte pode, por exemplo,

ter sido aleatória e a escala tonal pode estar dividindo espaço com um grunhido.

É utópico imaginar uma criação desprovida de qualquer referência musical ou

cultural. O desafio é lapidar estruturas, diálogos ou texturas complexas, sonoras

ou visuais, baseados no acaso e no instantâneo, operando nessa ambiência de

instabilidade e descontrole.

Cabe destacar a notável influência do músico Ornette Coleman (1930) como

importante artífice na configuração desse estilo musical. Perelman (2008) o

descreve como um músico extremamente sensitivo e que nada sabia sobre teoria

musical. Percebia a música como cores, desconhecendo a existência das tonalidades

musicais. Portanto, a liberdade com que improvisava advinha de seu “estado natural”

de encarar a música.

Foi Schuller (Gunther Schuller, 1925) que contou para o Ornette que existiam tonalidades na música; contou como a música se estruturava. O Ornette teve um ataque de diarréia e vômito, passou mal. A verdade foi posta de uma vez só para ele (Perelman, 2008).

Coleman levou aos extremos a improvisação coletiva formatada pelo imprevisível.

Teria dito: “Vamos tocar música e não o que está por trás dela” (Just apud Zenicola,

2007, p.12). O músico subverte a arbitrariedade da sintaxe da música tradicional,

livro_final_24032010.indd 59 25/3/2010 01:27:26

Page 80: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

60

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

permeando seus solos por um viés expressivo, espontâneo em que o acaso e o

coletivo direcionam as ocorrências musicais.

Fazendo uso do pensamento de Chapman (2007) sobre processos de criação

nas artes visuais no século XX, retornamos ao campo das artes plásticas, para

enriquecer nossa argumentação. O autor expõe a arte como ocupação experimental,

justamente por depender da interação de elementos que surgem na evolução da

obra. Para o autor, isso caracteriza a obra como processo e permite a incorporação

de mecanismos como o acaso na construção da obra. Evita assim, a previsibilidade

do resultado. Nesse caso, segundo Francis Bacon (Sylvester apud Chapman, 2007),

o acaso é tratado como acidente e representa o rompimento do “planejamento

lógico ou narrativo do quadro”. (CHAPMAN, 2007, p.1579). Gisela Belluzzo (2006)

faz observações semelhantes ao descrever o processo criativo do designer Marcos

Mello:

As relações e configurações que vão surgindo dizem coisas, acrescentam

novidades ao designer, que, por sua vez, espera respostas e novas indagações

que partem dessas relações. Descobertas acontecem durante a manipulação

desses elementos, durante o processo. Ocorre um diálogo do designer com

o que está surgindo e com o que ele está criando. São estímulos e trocas

que são estabelecidos. Nessa relação do designer com o ambiente durante o

processo de criação o existente é recriado e revivido ao encontrar-se em uma

nova situação. Os elementos do ambiente se tornam meios para esse fazer e

no fazer já se está construindo (Campos, 2006, p. 08).

Como no jazz; “Formas produzidas ao acaso, sem nenhum tipo de associação entre

livro_final_24032010.indd 60 25/3/2010 01:27:26

Page 81: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

61

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

si, mas se unindo finalmente para compor um todo coerente” (Muggiati, 1999, p.

23).

A expressão “coletivo” cabe muito bem ao jazz, pelo fato do improvisador também

balizar sua criação pelo que acontece a sua volta, ou seja, refere-se ao “exercício

constante de atenção e audição” (Schafer apud Zenicola, 2007). Como coloca o

próprio Coleman; “Quando um solista tocava alguma coisa que me sugeria uma

idéia musical, eu a tocava seguindo-o no meu próprio estilo, e ele continuava tocar

a sua maneira” (apud Neto, 2007, p. 59). O ambiente de improvisação coletiva do

free jazz estrutura-se assim. Costa escreve:

A memória – interativa e simultânea dos músicos em ação – age

(intencionalmente ou não) sobre estes materiais e obtém daí diferentes tipos

de pensamento musical. [Desta maneira, ] (...) quando eu desenvolvo uma

figura que surgiu por acaso, instintivamente a partir de meu “reservatório”

de gestos (biografia) eu vario, contrasto, desenvolvo, interajo, enfim, ajo

intencionalmente em relação a esta figura do passado que se tornou presente

(Costa apud Zenicola, 2007, p. 29).

O trabalho criativo em equipe quando aberto a esse tipo de mecanismos, mesmo

que não haja a instantaneidade da improvisação, também pode aproveitar-se disso.

Atenção, audição e visão são variáveis importantes nos briefings, nos processos

criativos e nas produções compartilhadas como apresentaremos mais à frente;

nos rascunhos de Guto Lacaz e nos mecanismos de impressão de Rico Lins por

exemplo.

Coleman chega a desenvolver uma teoria musical: “Harmolodics” que é descrita

livro_final_24032010.indd 61 25/3/2010 01:27:26

Page 82: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

62

CAPÍTULO 2 – DESIGN E JAZZ 2.3 O free jazz

por Jacques (2009) como várias vozes, com variações independentes, emitindo sons

simultaneamente em diferentes tonalidades. Ronald Jackson, baterista do grupo,

afirma que a teoria não possuía nenhuma precisão de significado musical.

No bojo das re-significações, fusões, deslocamentos e descobertas que o fenômeno

free jazz articula, encontramos inter-relações com a produção no design gráfico por

esses mesmos fatores e pela postura criativa de seus autores. E o acaso permeia

as respectivas produções justamente pela ambiência que estas posturas viabilizam:

liberdade criativa na concepção do improviso ou do projeto. Mobilidade no

trânsito entre campos diversos e estilos estimulando reflexão acerca dos limites e

interconexões com o design.

livro_final_24032010.indd 62 25/3/2010 01:27:26

Page 83: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

63

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente

No design contemporâneo, encontramos muitos projetos de autores como Rico

Lins, Guto Lacaz, Edward Fella, David Carson e tantos outros, em que observamos

resultados singulares que não parecem ter sido obtidos de maneira pragmática.

Na verdade, foram alcançados por meio de atitudes mais flexíveis em relação

ao processo criativo, que proporcionam operar dentro de um contexto de maior

liberdade e com abertura a explorações experimentais. Isso permitiu gerar inter-

relações pouco comuns ou compreender relações impensadas como oportunidades,

transformando erro, por exemplo, em solução. Chico Homem de Melo (2005)

discorre sobre essa maleabilidade no modo de produzir, usando a produção

de David Carson como exemplo. Chico conta que o designer, ainda no início de

carreira, quando criou a maneira de compor os elementos tipográficos uns sobre os

outros (figura 28), o fez a partir de um comando dado por engano no computador,

ao tentar definir a entrelinha do texto. “Onde qualquer designer veria um erro e

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO

3.1 Acaso como acidente

livro_final_24032010.indd 63 25/3/2010 01:27:27

Page 84: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

64

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente

imediatamente o corrigiria, Carson viu uma possibilidade” (Melo 2005, p. 58). Um

acidente transformado em campo de experiências, a serviço de resultados estéticos

e metafóricos com alto grau de significações não verbais e que para nós, exemplifica

a favorável intermediação do acaso. Um fator não previsto e ao mesmo tempo não

descartado, compatível com as implicações e especificidades de projetos de design

que, no caso de Carson, são muito focados em valores expressivos.

Figura 28: David Carson (diretor de arte) e Chris Cuffaro

(fotógrafo). Morrissey: The loneliest Monk. Revista Ray

Gun, 1994. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 634.

Carson usa um espaçamento irregular entre palavras e

linhas, misturando estilos de fonte diferentes. O ruído

visual faz parte da expressão pessoal e autoral que

configuram seus trabalhos. Uma provocação ao raciocínio

linear.

Assim escrevem Meggs e Purvis (2009) sobre Carson:

livro_final_24032010.indd 64 25/3/2010 01:27:27

Page 85: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

65

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente

Ele acredita que não se deve confundir legibilidade com comunicação, pois

muitas mensagens compostas de maneira tradicional são teoricamente

legíveis, mas oferecem pouco atrativo visual aos leitores, enquanto projetos

mais expressionistas podem atraí-los e envolvê-los (Meggs, p.635, 2009).

Nos anos 1990, muitos designers seguiram os passos deste designer que se orgulha

de ser desconhecedor de regras do design. Segundo ele, isso o conduz a obter

resultados inovadores seguindo apenas sua intuição. É evidente que seus imitadores

não alcançam os mesmos resultados, mas Poynor (2003) aponta a importância

desse tipo de processo criativo, por oferecer a possibilidade de rompimento com

uma linha de pensamento opressora na condução de projetos. Segundo Poynor:

A intuição por si só não bastava, mas não há dúvida de que a reivindicação

deste misterioso sistema de orientação interior, propriedade única de cada

designer ou espectador, refletia uma ampla resistência social a submeter-se a

qualquer forma de autoridade imposta de fora (Poynor, 2003, p.14).

Projetos de design tem o pressuposto da problematização prévia demandando

soluções objetivas. Em Carson, na produção de projetos gráficos em que “deixa-

se levar pelas imagens poéticas de seu mundo sensorial” Caldi (2009), existe a

finalidade de codificar a mensagem para um público específico no âmbito do

contexto contemporâneo. Transferindo para a esfera do design o que escreve Veras

sobre a arte contemporânea, isso “não diz respeito a uma temporalidade específica,

e sim a uma espécie de diálogo com o espírito de uma época” (Veras, 2007, p.8).

livro_final_24032010.indd 65 25/3/2010 01:27:27

Page 86: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

66

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente

Ou seja, um projeto contemporâneo se desenvolve em um ambiente complexo

de natureza plural, múltipla e não-linear. Esse contexto demarca um campo de

atuação para a experiência e o acaso, instrumentalizando o processo criativo com

a imprevisibilidade do acidente juntamente com a perspicácia de designers como

Carson, que “conseguem se comunicar com aqueles que se reconhecem em suas

imagens aparentemente caóticas [...]” Caldi (2009). Essa maneira de utilização do

acaso está relacionada à definição que Tassinari (2008) traz de Chapman:

Ação ou conjunto de ações planejadas, espontâneas, fortuitas ou acidentais

que definem ou são utilizadas ou apropriadas de forma consciente pelo artista

para a elaboração da obra. Estas opções ou acontecimentos respondem a

fenômenos que incluem ou são classificados como acidentes: eventos

imprevistos ou provocados; e aleatórios: ações e/ou seqüências planejadas,

sujeitas às regras, as quais determinam resultados específicos, desconhecidos

de antemão (Chapman apud Tassinari, 2008, p. 2051).

No jazz, o acaso enquanto acidente também pode funcionar como gatilho criativo.

Essas ocorrências imprevistas têm um potencial considerável de conduzir a

produção musical a uma superação e a um incremento do referencial de criação. O

erro, assim como o foi para David Carson, é constantemente uma possibilidade de

transformação. É o que confirma o violonista Ulisses Rocha18:

Um acontecimento externo pode nos movimentar emocionalmente e gerar

o ambiente propício à criação. Um acaso interno, por exemplo, um erro na

execução de uma peça ou uma nota não proposital durante uma sessão de

Ulisses Rocha (1960)

atualmente é professor

da Faculdade de Música

da Unicamp. Já tocou

com vários nomes da

música brasileira e

internacional como Cezar

Camargo Mariano, Gal

Costa, Hermeto Pascoal,

Hugo Fatoruso, Egberto

Gismonti, Al di Meola,

Toquinho, Eliane Elias,

Canhoto da Paraíba,

Marco Pereira, Paulo

Belinatti e muitos outros.

Participou de festivas

nacionais e internacionais

como o Festival de Jazz

de Paris, Free Jazz

Festival, Phillips Innovation

Show, Festival de Inverno

de Campos do Jordão

tanto como concertista e

como professor, além de

tocar com as orquestras

sinfônicas de Campinas,

Americana e a Jazz

Sinfônica. Fonte: http://

www.ulissesrocha.com/.

18

livro_final_24032010.indd 66 25/3/2010 01:27:27

Page 87: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

67

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente

improvisação, podem sim levar a um terreno não explorado e incentivar o

processo criativo. [...] De qualquer maneira dá para afirmar que um acidente

pode nos levar a direções inesperadas (Rocha, 2009).

A urgência da improvisação muitas vezes conduz a isso, o acaso provocador do

acidente, do erro, sendo instantaneamente corrigido e transformado em acerto para

uma nova idéia, ou simplesmente ser incorporado como elemento de linguagem.

Uma proposta que procura deslocar-se das regras de harmonias e das construções

melódicas elaboradas na estrutura das escalas musicais. A primeira alternativa

envolve um despreparo técnico ou um vacilo na execução, induzindo o executor a

buscar uma solução ao erro. Muitas vezes o ato da improvisação acontece de maneira

mecânica, puramente técnica, reproduzindo “frases” ou fórmulas aprendidas em

anos de estudo. Nesse caso o erro requer solução que traga a melodia de volta ao

controle do executor. O exemplo de Ulisses Rocha aponta para uma percepção mais

enriquecedora do fato, encarando-o como uma oportunidade de descoberta. Uma

alternativa, que encara esse erro do acaso como componente na construção de

linguagem. Estimula a expressão capitaneando novos caminhos através do contato

com um “estado de arte”, difícil de expressar verbalmente:

Acredito que a real expressão não venha da improvisação, mas sim do estado

de arte que às vezes alcançamos improvisando, compondo ou interpretando.

O momento único é gerado pela interação com a música, que é uma coisa

bem difícil de explicar. É quando somos envolvidos por ela e ficamos imersos.

Ela vira uma língua inteligível que usamos para conversar com a alma das

pessoas, que nos escutam com clareza (Rocha, 2009).

livro_final_24032010.indd 67 25/3/2010 01:27:27

Page 88: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

68

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.1 Acaso como acidente

Uma questão de aproximar o ato criativo, a uma ação que, como escreve Pignatari

(2006), não está baseada apenas em “arranques originais”, mas na permuta dialética

entre o racional e o intuitivo” (Pignatari, 2006, p. 205); o campo do acaso.

Falamos de ações acidentais desencadeando tanto no design quanto na música,

um intercâmbio entre oportunidade externa (o erro), racionalidade e acaso. E, além

disso, o mérito e a competência do julgamento do profissional, visto que é sua

sensibilidade, sua subjetividade e sua poética, que viabilizam e sabem reconhecer

o potencial de significação da experiência. Mas isso também vai se reorganizando

e renovando e acaba por se tornar uma relação de influência mútua, uma via de

mão dupla, pois as expectativas também podem se modificar a cada ocorrência do

acaso, que por sua vez traz outras novas significações, como afirma Entler:

Esse processo se dá, na verdade, uma ação recíproca. Por um lado, o homem

sabe reconhecer no acaso aquilo que pode satisfazer um desejo. Por sua vez,

esse desejo se transforma segundo as novas direções que o acaso não cessa

de apresentar (Entler, 1998, p.290).

Complementando a apresentação do acidente provocador e ao mesmo tempo

expandindo a discussão sobre as possibilidades do acaso na ação criativa, convém

apresentar a experiência do músico de jazz Ivo Perelman (apresentado no capítulo

sobre o free jazz). O músico explora o acaso como possibilidade tanto de percorrer

um “exterior” referencial na busca de novas opções criativas, como de encontrá-las

em seu próprio interior, traduzindo essas idas e vindas em instrumental compositivo.

Cruza a fronteira entre áreas do saber delineando uma interpenetração de sentidos

mais efetiva da sua intenção musical, como veremos a seguir.

livro_final_24032010.indd 68 25/3/2010 01:27:27

Page 89: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

69

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

O acaso pode introduzir (ou reafirmar) na dinâmica de produção, um modo de

dialogar com o que está além do universo referencial do autor. Significa sobrepor

predisposições modeladas pelo ambiente cultural que naturalmente orienta nossas

escolhas na direção de valores pré-determinados. O acaso redimensiona o potencial

de criar nexos, configurações, ordenações e significações a partir do que está “fora”

ou não foi cultivado nesse ambiente, consequentemente exterior ao campo de

percepção do criador. Dizendo de outra forma, oferece resultados que talvez de

forma consciente não ocorressem, pois como afirma Ostrower (1987); “a cultura

orienta o ser sensível ao mesmo tempo em que orienta o ser consciente. Com

isso a sensibilidade do indivíduo é aculturada e por sua vez orienta o fazer e o

imaginar individual” (Ostrower, 1987, p. 17). Assim, as combinações involuntárias

que se articulam pelo acaso, são estímulos que levam a compreensão e o sentido

de ordenação interior para além da base cultural.

3.2 Acaso como abertura para o novo

livro_final_24032010.indd 69 25/3/2010 01:27:28

Page 90: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

70

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

Mas se esse impulso criador do acaso é um ponto de partida criativo e motivador

dessa flexibilização das nossas predisposições, pela relação com o que estamos

nomeando de exterioridade referencial, também nos faz discernir sobre como operar

a validação desse contato. Isso porque de qualquer forma, toda resultante desse

diálogo retorna ao “filtro” do senso crítico do criador e conseqüentemente, sua

base social, cultural ou psíquica influencia a condução do processo ou a aceitação

dos resultados. E não só sua bagagem referencial pode intervir, mas, aceitá-los,

implica em compreender que a suspensão de controle que o acaso viabiliza, não

opera a partir de um processo lógico, ou vinculado a fins determinados. Chapman

(2007) reforça essa observação descrevendo o acaso como “uma forma de controle

do descontrole, pois implica que o artista ceda parte do controle sobre a ação ou

ações, para obter resultados surpreendentes e em parte desconhecidos de antemão”

(Chapman, 2007, p. 1579). Cabe ao autor julgar os resultados enquanto válidos,

apropriados, coincidentes ou próximos a suas expectativas. Entler (1998) acrescenta

que, pelo viés da psicanálise, mesmo esse tipo de resultado “involuntário” é capaz

de traduzir a expressividade do criador que a revela na condição de autoria.

Quando ocorre um acaso no processo criativo o artista confronta-o com

seu projeto, seu gosto, seu estilo, sua escola etc. Aceitando-o, ele investe

seus valores subjetivos tanto quanto se o resultado fosse voluntário. Isso

certamente tem algo a ver com o fenômeno projetivo de que fala a psicanálise:

os conteúdos psíquicos de um sujeito se manifestam em suas atitudes, mas

também agarram uma circunstância alheia quando ela é capaz de lhe dar

forma (Entler, 1998, p. 286).

livro_final_24032010.indd 70 25/3/2010 01:27:28

Page 91: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

71

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

Quando dizemos que a base cultural influencia a aceitação dos resultados, não

pretendemos propor que seja possível afastá-la. Além disso, como afirma Ferlauto,

cultura é a base para o exercício profissional e “um projeto que não leve em

consideração as realidades circundantes não é um projeto viável para a sociedade”

(Ferlauto apud Moura, 2003). Apenas sugerimos uma forma de alcançar, como

dissemos, resultados imprevisíveis que abram novas perspectivas, a partir de

sua conscientização, viabilizando a aceitação de resultados “estranhos” ao seu

universo.

O conteúdo expressivo de um evento aleatório, além de nos contatar com um

ampliado horizonte de referências, também permite navegar nos domínios do

próprio inconsciente onde “se estruturam as noções básicas de espaço e equilíbrio

interno”, estabelecendo uma dinâmica referencial com as ocorrências absorvidas

de forma consciente, como afirma Ostrower (1999):

Assim, estimulados pelos acasos, regredimos livremente ao próprio inconsciente,

fonte de nossas energias e vitalidade sensorial-espiritual, lá nos abastecendo,

e de lá voltando aos domínios do conhecimento e da sensibilidade consciente,

enriquecidos e confiantes, sem precisarmos renunciar as experiências da

maturidade (Ostrower, 1999, p.19).

O cartaz para a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (figura 29) de Kiko

Farkas é um bom exemplo disso. A escolha dessa fotografia foi absolutamente

aleatória, interessou sua atmosfera de delicadeza. Muito tempo depois, ao tentar

decifrar o porquê de sua escolha, Farkas argumenta que o perfume de acácias ficou

em sua lembrança como uma coisa mágica da infância, uma descoberta na casa

livro_final_24032010.indd 71 25/3/2010 01:27:28

Page 92: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

72

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

de seu avô. Mas como afirma o próprio designer: “Isso aí eu identifiquei por sorte, achei uma agulha no palheiro, mas quantas vezes esse processo ocorre sem que a gente se dê conta?” (Farkas, 2009).

Figura 29: Kiko Farkas. Cartaz para Orquestra Sinfônica

do Estado de São Paulo. 2000. Fonte: Farkas, 2009.

Estas imagens foram utilizadas por Kiko Farkas em

palestra na China sobre o processo de criação para este

cartaz. Na seqüência: o próprio cartaz, seu avô e o sítio

das acácias, referências de sua infância atuando de

forma inconsciente no momento de criação.

livro_final_24032010.indd 72 25/3/2010 01:27:29

Page 93: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

73

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

Assim, essa dinâmica construída por combinações entre “entradas” e “saídas”,

do suporte interior ao exterior inspirador, revela um potencial para evocar novas

coerências ou provocar inquietações criativas que um processo de criação tolhido

por preceitos limitadores, provavelmente não alcançasse.

É o caminho escolhido pelo músico Ivo Perelman, que optou pelo free jazz como

base para a construção do seu discurso musical, justamente por uma necessidade

de expressão que está além dos limites da música tradicional. Perelman procura na

prática da improvisação jazzística, desenvolver um discurso que venha relacionar

sua expressividade interior e latente, com toda sorte de influências, não só presentes

no ambiente de formação cultural, mas também advindas do incidente fortuito

disparado por um contexto desenhado pelo acaso. O seu senso estético procura a

essência musical que reside nesse tipo de experiência, misturando o espontâneo

com a instantaneidade que requer a improvisação jazzística. Por isso a escolha do

free jazz, que segundo o músico, é uma alternativa quase subversiva de solução

musical, que aflora “de um local mais espontâneo do seu ser” (Perelman, 2008). Para

ele, a espontaneidade é um fator determinante para alcançar uma expressividade

convincente, um discurso fluido e livre de pré-determinações.

Eu recorro a comparações como se fosse uma conversa de três pessoas que não tem um tema preestabelecido. Vão conversar pela primeira vez ou pela décima vez, mas não sabem sobre o que vão falar. Na arte, primeiro acontece o evento, a descoberta que nasce da necessidade do artista. Passa ao largo de um discurso técnico ou histórico. Para ser verdadeiro, tem que ser genuíno e espontâneo. De dentro para fora do músico, do artista (Perelman, 2008).

livro_final_24032010.indd 73 25/3/2010 01:27:29

Page 94: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

74

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

No free jazz, afirma Perelman, em termos de elaboração conceitual, construção

harmônica, rítmica ou melódica, é “a própria música que indica para onde vai”.

Ou seja, avigora a idéia da criação instantânea, acontecendo no instante que o

músico expõe a primeira nota, que sugere a segunda e assim sucessivamente. E da

mesma forma, se dá a criação dos compassos, ritmos e sonoridades. A partir disso,

a coerência que a música requer surge no desenvolvimento harmônico melódico,

timbrístico, tonal, atonal, ou seja, nessa construção da sintaxe musical. Um processo

de composição espontânea, instantânea e coletiva extremamente suscetível às

ocorrências do acaso. Para Perelman uma maneira particular de integração:

Os músicos de free jazz compactuam nessa forma de perceber a música. Dividem essa necessidade de se expressar de uma forma pessoal que não

passa pelos caminhos normais (Perelman, 2008).

Essa normalidade a que se refere o músico seria a forma tradicional de improvisação

jazzística. Em um grupo musical voltado ao free jazz, não há combinações ou preparos

para execução ou elaboração dos improvisos. Pode-se entendê-los como resoluções

de conflitos musicais que não necessariamente são verbalizados ou simbolizados

por antecipação. A peça assume um caráter coletivo em que idéias e entendimentos

vão sendo formulados, apropriados e apresentados. Envolve a intenção expressiva

interior, o contexto construído e a troca de influências entre os músicos. Tudo isso

emoldurado pela liberdade estrutural do free jazz e a contribuição eventual do

acaso. Um trabalho de arte, segundo Perelman, envolvendo exposição, entrega e

risco. Curiosamente Perelman também desenvolve trabalhos com artes plásticas

(figura 30 e 31) e leva em conta as mesmas considerações.

livro_final_24032010.indd 74 25/3/2010 01:27:29

Page 95: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

75

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

Figura 30: Ivo Perelman. S/ título.

Fonte: http://www.ivoperelman.

com/VisualArtist/

Figura 31: Ivo Perelman. S/ título.

Fonte: http://www.ivoperelman.

com/VisualArtist/

Eu tinha muita necessidade de criar e precisava de outra linguagem. Fiz empiricamente. Na verdade vem desse impulso nervoso musical. No começo eu fazia uma coisa mais abstrata e gestual. A linha era subjacente. Aí fui depurando e chegando à linha. E aí está, (referindo-se à pintura da figura 30)

uma musicalidade muito forte na linha. Uma intenção rítmica musical muito grande. [...] A inspiração ou o processo de criação vem do mesmo lugar. Os materiais obviamente são diferentes. Influenciam um pouco o resultado final, mas fundamentalmente, nos estágios primários da criação, vem do mesmo lugar. Quando toco, estou vendo algumas formas e quando estou pintando algumas formas, aquilo está soando para mim (Perelman, 2008).

Como vimos, a base referencial de Perelman perpassa tanto por uma busca interior,

como também se apropria e se inter-relaciona com o que ocorre no contexto

“exterior”, ou seja, na situação de improvisação e integração com outros músicos.

livro_final_24032010.indd 75 25/3/2010 01:27:29

Page 96: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

76

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

O acaso interpõe essa procura sensível centrada nesse contexto de execução,

influenciando as experimentações e consequentemente o uso dos elementos da

linguagem musical. Desse modo, não só as fontes de inspiração, mas também a

forma de utilização do ferramental sonoro (sons, ruídos, silêncio, ritmo e etc.),

também concretizam a pertinência do acaso no processo criativo de Perelman.

Essa combinação nos leva ao design de Guto Lacaz. O designer é um dos muitos

que materializam suas inspirações e experiências sensoriais por meio de rascunhos

manuscritos que provavelmente servirão para futuros projetos. É aí, nesse instante

de estar “aberto” a quaisquer estímulos e registrá-los sem objetividade projetual,

pelo menos nesse primeiro instante, que para ele, torna-se viável a intervenção do

acaso. Quando há no rascunho uma intencionalidade ligada a um projeto, Guto

passa a referir-se a ele como “acaso coordenado”, porque inicia de uma forma

também espontânea, de uma vontade interior como na arte, mas se diferencia

por partir de uma necessidade de um cliente. Cabe pontuar que tal comparação

se fragiliza se pensarmos que muitos trabalhos em artes visuais, atuais ou não,

também se originam de encomendas. Mas Guto se refere aos objetivos pré-

estabelecidos dos projetos que resultarão em produtos de consumo e não apenas

para fruição estética de uma expressão individual. Cabe pontuar que para Guto

Lacaz, arte é o que toca as pessoas e complementa afirmando que design e arte

não se separam, pois ambas são manifestações artísticas. O artista gráfico indica

o francês Marcel Duchamp (1887-1968) como responsável pelo desmoronamento

dessa fronteira. Para ele, nem o paradigma da funcionalidade fundamenta tal

distinção. Pois um objeto que atenda a uma função prática, como um moedor de

café produzido no século passado, é reconhecido pela qualidade de sua serventia

por um determinado espaço de tempo. Depois disso, pode vir a assumir uma função

puramente decorativa. Mesmo ponto de vista de Oliveira (2009) ao apontar os

livro_final_24032010.indd 76 25/3/2010 01:27:29

Page 97: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

77

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

cartazes de Toulouse-Lautrec (1864-1901) ou as aquarelas de Debret (1768-1848)

sobre a fauna e flora brasileira como obras que ao longo do tempo, mudaram de

função passando aos museus como arte. Ou como coloca Marinho (2006) sobre o

ready made de Duchamp A Roda de Bicicleta:

Duchamp estabelece um jogo de linguagem entre arte e design quando

toma a forma da roda de bicicleta levando em conta a sua função, promover

movimento. No entanto, neste caso, não é a propósito do deslocamento, mas

do deleite visual (Marinho, 2006, p.3).

Ou seja, Guto traz a mesma questão levantada por Rico Lins19, que veremos

posteriormente, sobre a relevância da transitoriedade, dimensão considerável no

contexto contemporâneo afeito a pluralidades e multiplicidades. E mais, atenta

para valores semânticos, emocionais e simbólicos dos produtos como forma de

perceber e produzir as funções do objeto.

Apenas para complementar esse enfoque sobre arte e design, observamos que para

Rico Lins existe uma fronteira bem explícita entre arte e design, apesar disso não

impedir um intercâmbio valioso:

Quando se fala em arte se fala de um ambiente sem controle e o design necessita de um ambiente sob controle até para poder justificar seu discurso, se firmar como profissão e para poder vender um trabalho, porém, necessita de absorver um ambiente cultural brasileiro para deixar de ser um apêndice alemão em uma realidade brasileira que nada tem a ver com ULM (Lins,

2008).

O designer carioca Rico

Lins (1955) graduou-

se na Escola Superior

de Desenho Industrial

(ESDI) no Rio de

Janeiro em 1976. Estudou

no Royal College of Art

de Londres e cursou

mestrado na Universidade

de Paris. Tem trabalhos

publicados em diversos

jornais como Le Monde,

Libération, Washington

Post, The New York

Times, Newsweek, Rolling

Stones, em revistas como

Novum Cebrauchgraphik

(Alemanha), Design,

Direction and Creative

Review (lnglaterra), Print,

How, The Arf Director’s

Club Annual, Creativity

87 (EUA), Línea Grafica

(Itália) e tantas outras

publicações.

19

livro_final_24032010.indd 77 25/3/2010 01:27:29

Page 98: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

78

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

Rico afirma que a contribuição de outros campos do saber também é conveniente

para o design. Existe um processo de investigação no trabalho criativo que não deve

ser privado de poder “contaminar-se” por outras áreas como a arte e atualmente

esse diálogo está mais fácil.

Podemos compreender o ato de rascunhar como uma aproximação ao ato de

improvisação jazzística pelos dois sentidos: manipulação de elementos de linguagem

movidos pela circunstância de instantaneidade que o contexto requer e captação

e aproveitamento dos incontáveis estímulos que ocorrem ao acaso e a qualquer

instante. O registro do fato, para o músico, é apresentado no seu improviso e

“desenhado” por seu instrumento, passando a fazer parte do seu repertório interior.

Para o designer, tal registro se apresenta na forma gráfica e não para uma platéia,

mas também funciona como descoberta e material de referência. Além disso,

registrar tais eventos, evita que se perca na memória, oportunidades de criação

que talvez não se repitam.

Para a pessoa que de repente percebe um acaso significativo, o momento se

torna uma verdadeira revelação. Mais do que apenas um somatório de fatos

fortuitos, é realmente a revelação de algo novo, que eclipsa os fatos e se

apresenta como um clarão de entendimento, irradiando-se a todas as áreas

de nosso pensar e fazer (Ostrower, 1999, p.261).

Na memória, o incidente fora despojado de aspectos corpóreos ou

circunstanciais ou de outras irrelevâncias, e fora mentalizado como um

significado último. Assim mentalizados, os mais variados conteúdos

expressivos podem ser interligados na imaginação independentemente dos

eventos concretos ou dos níveis de percepção em que se originam. Para os

livro_final_24032010.indd 78 25/3/2010 01:27:29

Page 99: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

79

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

processos criativos, é indispensável que as experiências tenham sido abstraídas

em puros significados (Ostrower, 1999, p.262).

Guto procura manter esse hábito de projetar a lápis ou caneta sobre o papel

manteiga (figura 32 e 34), são suas ferramentas preferenciais. Em qualquer lugar

sempre tem a mão um bloco de papel para “rabiscar” seus projetos. Na maioria

das vezes, só a finalização dos projetos é feita no computador (figura 33 e 35).

“O caderno é minha interface predileta, poucas vezes início algo diretamente no

computador” (Lacaz, 2008).

Figura 32: Guto Lacaz. Rascunhos

para cartaz. Foto: Marco

Vasconcelos.

Figura 33: Guto Lacaz. Cartaz.

Foto: Marco Vasconcelos.

livro_final_24032010.indd 79 25/3/2010 01:27:29

Page 100: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

80

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

Figura 34: Guto Lacaz. Logotipo José Wagner Garcia. Foto:

Marco Vasconcelos

Para nós, independe o suporte escolhido para produção de rascunhos, pois não é

proposta desta pesquisa, abordar as vantagens ou desvantagens de uma ou outra

escolha. Mas em Guto Lacaz, além da facilidade em realizar o registro imediato das

Figura 35: Guto Lacaz.

Logotipo José Wagner

Garcia. Foto: Marco

Vasconcelos

livro_final_24032010.indd 80 25/3/2010 01:27:30

Page 101: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

81

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

eventualidades tendo em vista sua destreza em utilizar os elementos da linguagem

visual; linha, ponto, espaço etc., percebe-se nessa manipulação a facilidade de

aproximação com seu interior sensível. Segundo ele, é mais prazeroso e favorece

a experimentação, o que vislumbramos como articulação para criação de novos

procedimentos criativos, como afirma Marinho; “os cadernos de rascunho têm a

função de “possibilitar a formalização da investigação de campo, [...] e guardar as

diversas investigações formais e de linguagem necessárias ao desenvolvimento de

um projeto, a partir da noção de experimentação” (Marinho, 2009, p.38). Nessa

noção, segundo a autora, está envolvida a elaboração de procedimentos produtivos

além de apenas exercícios técnicos, ou mais ainda, o exercício do desenho

transformando imprevistos em experimentações.

A liberdade com que um músico de free jazz manipula a linguagem sonora,

apropriando-se de quaisquer referências que lhes sirvam, é a mesma que Guto

utiliza para suas proposições plásticas. Apesar da grande diferença de que para o

jazzman “o que está feito não tem volta”. A correção de possíveis desvios requer

muita habilidade e domínio teórico, mas não modifica o que já foi apresentado. No

design este procedimento de correção, geralmente não é tão difícil ou impossível.

Mas é uma opção processual tendo o acaso como agente causador em uma produção

tão livre para apropriações como em uma jam session de free jazz.

A busca por resultados imprevisíveis que transponham o universo referencial

cultural, não é de maneira alguma negação da importância da cultura a que o

design está e necessita estar inserido e ser agente, pois o foco do design é o ser

humano. Cabe a ele propor produtos, ações e mudanças, para uma sociedade em

constante transformação de usos e costumes. Afinal, fazer design é produzir e

refletir a cultura de uma comunidade.

livro_final_24032010.indd 81 25/3/2010 01:27:30

Page 102: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

82

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.2 Acaso como abertura para o novo

O design como espelho da cultura se apresenta por sua capacidade

de representar e interpretar a sociedade, o momento, as mudanças e

transformações de uma sociedade, além de representar, pode anunciar

mudanças e inovações, auxiliar na mudança de comportamentos, orientar e

informar uma infinidade de aspectos de uma sociedade, bem como denunciar

problemáticas sociais (Moura, 2003, p. 118).

O design necessita dialogar com o ambiente cultural, compreender suas necessidades,

refletir sobre seus valores, interpretá-los e incorporá-los em seus projetos. A inserção

do acaso ao processo criativo visa somar a isso, uma contribuição metodológica

que amplie o campo de visão, sugira reflexão sobre possíveis “vícios” do olhar nesse

universo cultural sempre em movimento, em que o próprio design se reconhece e

se legitima.

livro_final_24032010.indd 82 25/3/2010 01:27:30

Page 103: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

83

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Além de proponente dessas inter-relações na atividade projetual que discutimos

até agora, compreendemos o acaso como exercício de liberdade criativa que acolhe

a tensão de transitar entre as fronteiras do controle e do descontrole.

Em todas as motivações expressivas, são as tensões que nos levam a sair

de nós e a “buscar os acasos”, nessa abertura atenta a sugestões, que nos

permitam dar uma forma a idéias que se esboçam na mente (Ostrower, 1999,

p. 21).

Queremos dizer com isso que estimula procedimentos moldados na aceitação da

incerteza, como aspecto válido ao processo criativo, articulando uma maneira

de integrar experimentação, espontaneidade e descoberta sem submetê-los,

3.3 Acaso: controle e descontrole

livro_final_24032010.indd 83 25/3/2010 01:27:30

Page 104: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

84

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

como já dissemos a condições ou compromissos associados a resultados pré-

estabelecidos. Para tal consideração ponderamos sobre a viabilidade do acaso como

articulador de intervenções no projeto, alheias às preferências de configuração do

autor. Inicialmente usaremos dois trabalhos de Rico Lins para exemplificar essa

proposição: o cartaz desenvolvido para o Congresso Internacional de Design Gráfico

na Escola Panamericana de Artes (figura 36), em 1996, e o cartaz para o projeto

Pixinguinha.

Figura 36: Rico Lins. Cartaz para o Panamericana

‘96 Graphic Design. Fotografia: Fábio Ribeiro.

Produção Gráfica: Ricardo Aiello. Agência: W/

Brasil, S. Paulo, 1995. Fonte: Escritório de Rico

Lins.

É possível compreender conceitualmente a relação

da figura do pente com os outros elementos

da composição, como uma representação de

um elemento predisposto à ação de organizar.

Faz parte do escopo do design gráfico, arranjar

elementos para gerar informação.

No Congresso participaram dezoito designers entre eles David Carson, Paula Scher

e o próprio Rico Lins. O enfoque desse evento era apresentar a pluralidade de

livro_final_24032010.indd 84 25/3/2010 01:27:30

Page 105: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

85

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

expressões existente no design gráfico contemporâneo. Baseado nesse conceito

de variedade, cada participante foi convidado a criar um cartaz para o evento. A

intenção do convite era captar a expressão mais imediata do que estavam produzindo

no momento. Rico Lins criou seu cartaz inspirado especificamente nesse interesse

sobre o acaso no processo de trabalho; aquilo que é imprevisível ou escape ao

controle enquanto elaboração de expressão. Assim surgiu a idéia do pente e do

chumaço de cabelo entre desenhos e rabiscos noturnos, sem nenhuma pretensão

projetual. (Similar aos rascunhos de Guto Lacaz apresentados anteriormente).

Justamente por isso, foi encarado como um possível início para o cartaz do evento.

O rascunho foi levado para o fotógrafo que teve liberdade de fazer experimentações

ao criar a foto. Alguns resultados foram selecionados e entregues ao produtor

gráfico, com a única indicação de que deveria ser transformado em um cartaz.

Este também pôde experimentar ao montar, trabalhar as cores, tratar as imagens e

enfim, produzir o cartaz. Dessa maneira, todos os profissionais envolvidos puderam

inserir sua contribuição a partir de suas próprias escolhas e experimentações.

Coube a Rico Lins uma participação circunstancial em cada etapa, direcionando

o projeto na obtenção de resultados imprevisíveis. No momento de impressão, por

exemplo, sugeriu a inversão das cores além de trocar as cores CMYK por cores

fluorescentes.

Não sabia o que ia dar no final, mas sei também que se não tivesse tido essa participação durante o processo não ia ter aquele resultado. Certamente o resultado foi muito melhor do que se eu tivesse calculado o que seria desde o

começo. Foi uma somatória dessas interferências (Lins, 2008).

livro_final_24032010.indd 85 25/3/2010 01:27:30

Page 106: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

86

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Além de premissa de ser um projeto baseado no acaso com a contribuição de outros

profissionais induzindo o processo ao que no início, denominados como incentivo

ao descontrole (interferências), Rico também considera como parte do projeto, a

interação com o usuário. Também é muito importante para ele, a atribuição de

significado pelo usuário. Ou seja, ao receptor não cabe uma apenas postura passiva

de aceitação, sua participação se faz necessária inclusive como posicionamento

crítico frente ao que lhe é ofertado. Uma crítica a modelos ideais e padronizados.

Como afirma Löbach:

Hoje também exercem grande influência a fabricação econômica dos produtos

e o emprego econômico de determinados materiais. A constante exposição

da aparência estética dos produtos configurados com essas influências pode

originar, no usuário, um juízo crítico positivo, que acaba se convertendo em

normas aceitas por certos grupos sociais (Löbach, 2001, p.183).

A proposta desse cartaz não é produzir uma comunicação linear, mas sim a

proposição de uma peça que deva ser instigante, funcionar como um comentário

gráfico e ter o caráter experimental.

Para o cartaz do projeto Pixinguinha (figura 37) Rico também utilizou o processo

de impressão para incorporar uma expressividade produzida pelo acaso. A partir

da inclusão de duas cores de forma simultânea na máquina de impressão, obteve

variações impensadas de cor para cada um dos cartazes impressos. Assumindo

uma postura flexível frente à casualidade dos resultados, construiu texturas e

manchas de cor que, unidas à silhueta do compositor, resultam em uma elaboração

estética singular. Além disso, a oportunidade de participação na criação, dada ao

livro_final_24032010.indd 86 25/3/2010 01:27:30

Page 107: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

87

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

profissional impressor, “por seu engajamento pleno de satisfação e sentimento de

desafio, proporcionou um resultado inusitado e de qualidade particular” (Rico Lins,

2008).

Figura 37: Rico Lins. Cartaz para o projeto

musical itinerante “Pixinguinha”, 1985. Fonte:

Escritório Rico Lins.

Os cartazes criados para o lançamento do papel Reciclato (figuras 38, 39, 40 e 41)

são resultados diretos da intenção de inserir a experimentação no processo criativo

e como linguagem visual do produto final.

Para esse projeto foi estipulado um prazo de quatros dias para entrega, o que para

Rico acaba se tornando um fator positivo. “A situação de limite faz com que se

tenha de encontrar soluções criativas” (Lins, 2008). Ou tomando o processo de

criação artístico como exemplo:

Limites internos ou externos à obra oferecem resistência à liberdade do artista.

livro_final_24032010.indd 87 25/3/2010 01:27:30

Page 108: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

88

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

No entanto, essas limitações revelam-se, muitas vezes, como propulsoras da

criação. O artista é incitado a vencer os limites estabelecidos por ele mesmo

ou por fatores externos, como data de entrega, orçamento ou delimitação de

espaço (Salles, 2009, p.67).

Figura 38:- Rico Lins. Cartaz

promocional do papel Reciclato. Fonte:

Estúdio Rico Lins

Figura 39: Rico Lins. Cartaz promocional

do papel Reciclato. Fonte: Estúdio Rico

Lins

Figura 40: Rico Lins. Cartaz promocional

do papel Reciclato. Fonte: Estúdio Rico

Lins

Figura 41: Rico Lins. Cartaz promocional

do papel Reciclato. Fonte: Estúdio Rico

Lins

Para criá-los, Rico recorreu a reciclagem de trabalhos já realizados em que, por

sua vez, já havia feito uso de trabalhos de terceiros. Como conceituação partiu

livro_final_24032010.indd 88 25/3/2010 01:27:31

Page 109: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

89

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

dessa premissa cíclica de que esses cartazes provêem da reciclagem de trabalhos

anteriores e que também se tornarão polpa de papel para em seguida, também

se tornarem papel reciclado. Essa proposta demonstra um pouco do processo de

reciclagem e de como esse papel Reciclato, foco do projeto, pode ser utilizado. O

resultado estético segue essa concepção, mas Rico dá mais uma passo em direção

ao experimental; para inserir um resultado inusitado na composição visual, dá vazão

ao acaso, invertendo o filme na máquina para poder obter resultados inesperados

na impressão.

Esses cartazes acabaram por ser reutilizados também como conceito para a produção

da identidade visual do próprio escritório de Rico Lins. Foram realizados produtos

como o website (figura 42), papelaria (figura 43), envelopes (figura 44) e cartões de

visitas (figura 45). Curiosamente, cada modelo do cartão de visita é um recorte de

cada um dos cartazes. Reunido com seus pares, os recompõem por inteiro.

Figura 42: Rico Lins. Website do Estúdio

Rico Lins. Fonte: Estúdio Rico Lins.

Figura 43: Rico Lins. Papelaria para o Estúdio

Rico Lins. Fonte: Estúdio Rico Lins.

livro_final_24032010.indd 89 25/3/2010 01:27:31

Page 110: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

90

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Figura 44: Rico Lins. Envelopes para o

Estúdio Rico Lins. Fonte: Estúdio Rico

Lins.

Figura 45 - Rico Lins. Cartões de Visita

para o Estúdio Rico Lins. Fonte: Estúdio

Rico Lins.

Enfim, a aplicação do conceito de reciclagem foi bastante utilizada para além do que

havia sido previsto no início do projeto e não em decorrência de um planejamento

projetual no sentido linear de um projeto de design, mas a partir da detecção da

oportunidade.

Para discorrer sobre como faz para implementar a experimentação em seu processo

criativo e no resultado estético do seu trabalho, Rico Lins (2008), faz uma análise

crítica do modernismo: “o modernismo está muito ligado ao conceito de eternidade

e de certa forma, à crença na perfeição” (Rico Lins, 2008). Eternidade enquanto

perspectiva de produzir soluções projetuais atemporais e fundamentadas na

convicção de ser possível atingir a perfeição nos produtos. E que tem por propósito,

atender uma sociedade investida de uma unicidade puramente utópica. A falsa ilusão

de projetar para um mundo novo sob a égide da perfeição não perdura, o próprio

desenrolar histórico demonstra o contrário e desfaz tal ambição impraticável. “Nossa

ânsia em produzir objetos e saberes puros foi sempre uma tentativa” (Kopp, 2004,

p.122). Como conseqüência, essa visão conceitual modernista inviabiliza qualquer

livro_final_24032010.indd 90 25/3/2010 01:27:32

Page 111: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

91

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

apreensão de singularidades como, por exemplo, o efêmero, comprometendo a

percepção de sua relevância. Ou seja, se considerar os preceitos do modernismo,

não se concede a devida atenção ao que é, ou possa ser interpretado como efêmero

ou transitório, enquanto qualidades viáveis e necessárias a determinados projetos.

Além disso, explica Rico, um produto que traga consigo essa qualificação, torna-se

portador de uma importância “menor”. Sob essa lógica, a produção de um livro ou

um projeto de identidade visual, por exemplo, são produtos que devem ser “levados

a sério”, não sendo o caso da produção de uma revista ou de um cartaz.

Soma-se a isso, outro fator que implica negativamente quando se pensa em

modernismo: não vislumbrar a possibilidade de contribuição que o erro e

principalmente o acaso, podem oferecer ao processo de criação e como resultado

estético.

Para Rico, esses anseios modernistas “desumanizaram” o design na qualidade

de objeto de comunicação interpessoal, afastaram-no do que realmente é a

comunicação humana. Isso ocorreu porque basicamente, essa premissa não fazia

parte do contexto da época.

Cabe também pontuar, que não só uma visão tolhida por restrições conceituais

deslocadas de seu contexto original e não adaptadas ou repensadas para sua

contemporaneidade, compromete o trabalho criativo. Outros fatores também

podem colaborar de forma rigorosa. Questões econômicas, por exemplo, impõem

toda sorte de limitações estéticas e conceituais aos produtos e obviamente isso

concorre para o resultado final. Löbach (2001) escreve que a pobreza de informação

emocional está diretamente associada a motivos econômicos dos fabricantes. Para o

autor, os aspectos estéticos são vivenciados emocionalmente e de forma individual,

em oposição à massificação dos produtos de pouca complexidade estética. A

livro_final_24032010.indd 91 25/3/2010 01:27:32

Page 112: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

92

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

simplificação está ligada ao intelecto e o sentimento está ligado à riqueza de

informações emocionais. Sendo assim, “a busca da individualidade conduz à busca

de originalidade na aparência visual dos produtos” (Löbach, 2001, p.178), o que

reforça a procura por quebra de paradigmas universalizantes. Ou ainda, segundo

Burdëk:

A longa tradição do funcionalismo se baseou consideravelmente na meta

formal de ordem. Ligada a isto, sob o ponto de vista psicoperceptivo, havia

uma redução de estímulos que, em muitas áreas como a arquitetura, o

urbanismo, a comunicação visual ou o design, conduziu a um verdadeiro

tédio visual (Burdëk, 2006, p.303).

“Não vejo o trabalho como uma coisa fechada em si” (Lins, 2008). É dessa forma

que Rico Lins abdica do total controle criativo e desenvolve metodologias para

atender as mais variadas necessidades projetuais. Como vimos, faz isso concedendo

ou compartilhando o processo com outros profissionais. “É importante e prazeroso

deixar certas aberturas para a participação de outras pessoas no projeto” (Lins,

2008). Em certos projetos procura até mesmo revelar um pouco do processo da

criação no resultado final, mesmo porque o trabalho criativo pode ir muito além

da idéia inicial e transitar por todo processo de trabalho, durante a impressão, na

gráfica, na distribuição e etc.

Rico Lins está conectado a essa linha de produção e interpretação da experiência.

Não perde de vista as singularidades e especificidades que individualizam cada

concepção, mas não toma partido de uma visão unicamente funcionalista,

racional ou imparcial na estruturação de seus projetos. Rico Lins, pelos exemplos

livro_final_24032010.indd 92 25/3/2010 01:27:32

Page 113: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

93

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

apresentados, não faz de sua experiência profissional um porto seguro de soluções

fáceis. Pelo contrário, atento às constantes transformações sociais, profissionais

e porque não, do próprio percurso histórico do design, mantém-se inspirado na

aventura da descoberta pelas oportunidades abertas pela experimentação. O erro,

o efêmero, a dúvida e o imprevisível são matérias-primas para isso.

Outros tantos designers também se aventuram ou se aventuraram pelos caminhos

da experimentação. Bürdek (2006) escreve que na Alemanha do início da década

de 1980, podem ser observadas experimentações possivelmente fazendo uso do

acaso. Na primeira coletânea do novo design alemão, em 1982, no Museu de

Artes e Ofícios de Hamburgo, designers como “Jan Roth, Stefan Blum, Michael

Feith, Wolfgang Flatz, Jörg Ratzlaff, Stilleto e Thomas Wendtland experimentavam

materiais, formas e cores aparentemente combinados ao acaso” (Burdëk, 2006,

p.63).

O designer gráfico e arquiteto japonês Makoto Saito, é outro exemplo de uso do

acaso no processo de produção como meio para obtenção de respostas criativas.

Meggs (2009) assim descreve o designer e um de seus cartazes (figura 46):

Dotado de imaginação fértil, ele orquestra um conteúdo simbólico enigmático

que não segue nenhum modelo prévio. O acaso desempenha papel proeminente,

já que ele descobre suas soluções durante o processo criativo. Seu cartaz

de 1988 para Alpha Cubic Co., Ltd.; consiste em um rosto intrinsecamente

reconstruído. Sem nenhum texto além do nome da empresa, o cartaz é tanto

um dilema como fonte de perplexidade para o observador. Certa vez ele

declarou: Dez pessoas olhando para um de meus cartazes podem imaginar

dez coisas diferentes (Meggs, 2009, p.650).

livro_final_24032010.indd 93 25/3/2010 01:27:32

Page 114: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

94

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Figura 46: Makoto Saito cartaz para Alpha Cubic

Co., Ltd., 1988. Fonte: Meggs e Purvis, 2009,

p.650.

Figura 47: Makoto Saito, cartaz para Toppan

Printing Company, Ltd., “Sunrise Sunset Yusaku

Kamekura”, homenagem ao falecido designer

Kamekura. Fonte: Meggs e Purvis, 2009, p. 651.

Uma observação interessante é que o designer, de forma até mais radical que Guto

Lacaz e sua preferência por rascunhos manuais, prefere não usar o computador.

livro_final_02022010.indd 94 2/2/2010 00:37:05

Page 115: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

95

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

“Seja qual for a rapidez com que o computador possa trabalhar, minha imaginação

é muito mais rápida” (Saito apud Meggs, 2009, p.650). (figura 47).

Enfim, observamos que em decorrência de uma entrega no processo de pensar

e produzir o projeto, acontece a condição incomum de rompimento com a

“autoridade” do designer. Sob essa perspectiva e submetida às condições do acaso,

a criação se firma no imprevisível e no compartilhamento com outras pessoas sem

intervenção direta dos criadores no direcionamento ou no controle dos resultados.

Mas tal procedimento criativo não implica na desqualificação ou inviabilização

de outros processos que não abram mão de preservar certo controle sobre essa

indeterminação. Nem sempre as soluções geradas pelo acaso serão aceitas ou

aplicadas integralmente sem serem manipuladas. Ou seja, preserva-se o uso do

acaso, mas não se renuncia totalmente às escolhas do criador na construção do

produto. São duas abordagens ou direções para explorar a potencialidade do acaso

que tem por base a ausência parcial ou integral de controle. Além disso, diluem as

fronteiras hierárquicas entre outros envolvidos no processo criativo e possibilita

modificações na abordagem, percepção ou utilização do produto.

No campo musical, tomando a liberdade de fugir momentaneamente das fronteiras do

jazz, tais observações nos levam as obras dos compositores John Cage (1912-1992),

exemplo de renúncia ao “controle”, e Pierre Boulez (1925), acaso controlado.

Sobre Cage pautamos uma considerável parte de sua obra regulada pelo

experimentalismo, introdução do acaso e por sua conseqüente recusa na seleção

dos resultados.

Em uma determinada fase de sua obra, Cage procura experimentar com a essência

dos sons. Pretende sua apreensão como movimento, enfocando-os como “processos”.

livro_final_24032010.indd 95 25/3/2010 01:27:33

Page 116: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

96

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

O compositor “procura apreender os sons não como objetos que se desenvolvem

no tempo, mas como fenômenos, eles próprios dotados de uma temporalidade que

não lhes é exterior, mas que constitui seu próprio modo de ser” (TERRA, 2000, p.77).

Ou seja, o som, caracterizado por ter o tempo inerente a sua própria essência, e

passa a entendê-lo como processo. Esse enfoque na preponderância dos processos

sobre a representação acrescenta uma perspectiva que leva Cage a questionar e

relativizar o mérito na hierarquia criadora em uma relação sujeito-objeto, melhor

ainda, autor-objeto. Assim, repudia o domínio do homem sobre a natureza ou mais

exatamente, do artista sobre a obra. Apontamos aí o compartilhamento.

[...] a proposta de Cage não é fazer música a partir do compositor, passando

por um intermediário, o intérprete, e chegando a um terceiro, o ouvinte.

Todos participam da criação, pois Cage rejeita a idéia de fazer música para

ser ouvida, mas sim vivenciada (Salles, 2005, p. 91).

Como escreve Terra (2000), isso faz seu pensamento mover-se impulsionado pela

noção de paradoxo, ou seja, “a coexistência de dois sentidos opostos”. Atendendo a

essa visão, busca relacionar ações intencionais com as ações não-intencionais do

ambiente. Para isso, utiliza em seus experimentos as chamadas operações de acaso,

“processos inteiramente casuais que o compositor se utiliza para compor de modo

a possibilitar ao músico identificar-se com qualquer eventualidade” (TERRA, 2000,

p.80). Consequentemente o ouvinte também passa a ser elemento constitutivo do

processo criativo e de execução. E Cage explora formas de aplicação do acaso de

várias maneiras. Pozzo (2008) lista os variados métodos de inserção do acaso usados

pelo compositor na concepção de suas peças para piano: cartões ou quadrados

livro_final_24032010.indd 96 25/3/2010 01:27:33

Page 117: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

97

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

mágicos, I Ching, sistema de pontos desenhados, imperfeições do papel e consulta

a mapa de estrelas:

1. “Cartões e quadrados mágicos – Estes podem conter uma gama

fixa de ruídos, sons, intervalos e agregados. Movimentos sistemáticos sobre

os cartões determinam as sucessões dos eventos.

2. I Ching – livro de consultas formados de 64 textos [...] Cage utilizou

o I Ching sempre como gerador de números ao acaso e o que varia é a maneira

pela qual ele empregou o resultado da consulta ao I Ching em suas peças.

3. Sistema de Pontos Desenhados – A obra é desenhada em um papel

quadriculado de um quarto de polegada. O método de compor a peça consiste

em traçar pontos no gráfico, feitos através de pedaços de papel dobrados

arbitrariamente e depois furados nas intersecções das dobras. [...] Depois de

completo, este desenho dos pontos pode ser transcrito para uma partitura

musical tradicional.

4. Imperfeições do papel – Os pontos são originados agora através

da observação e marcação minuciosa das imperfeições do papel manuscrito

[...] Depois de marcar um número de imperfeições determinadas ao acaso

em uma página em branco, Cage desenha pautas musicais nesta página,

transformando desta maneira os pontos em notas

5. Consulta de Mapas Estelares - Sistema similar ao das imperfeições

do papel, com a diferença que nesta vez, os pontos são gerados pela marcação

da localização de estrelas em mapas estrelares (Pozzo, 2008, p. 463).

livro_final_24032010.indd 97 25/3/2010 01:27:33

Page 118: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

98

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Novamente, como apresentado anteriormente ao discorrermos sobre o acaso

no campo do design, vemos experimentações abertas ao risco, ao imprevisível,

ao desafio, concebidas sob a perspectiva de incentivar novas possibilidades e

prospecção de significações ou re-significações.

Esse viés do compositor, de abdicar da função de “construir” a obra e ser apenas um

proponente de questões viabilizando acasos nos resultados, sobrepõe à hierarquia

tradicional entre compositores, músicos e espectadores. Cage abre mão do controle

em prol da experiência, como coloca Campos (1998):

O que ele pretende é uma disciplina do ego, para que o artista, ao invés

de impor autoritariamente o seu próprio “eu”, aceite a contribuição do que

está fora dele e até daquilo de que ele não gosta, e, assim, libertado das

preferências pessoais, possa se abrir a novas experiências (Campos, 1998, p.

135).

Pozzo (2008) dá exemplos sobre como o compositor induz a interferência do

intérprete na obra: uso de notação, transparências sobrepostas, instruções, omissão

de informações na partitura ou sobre a duração das notas, liberdade na escolha das

claves e na preparação do piano (Pozzo, 2008, p.464).

Suas proposições ultrapassam o campo da música e avançam por outras áreas como

a literatura. Em Mureau (figura 48), texto criado pelo mesmo em 1970, acontece

o intercâmbio com o som, no qual cada campo incorpora as “ressonâncias” do

contato. Potencializa-se a dimensão verbal e poética das palavras enfocando as

resultantes sonoras. Como descreve Terra (2000), Mureau, faz uma exploração do

livro_final_24032010.indd 98 25/3/2010 01:27:33

Page 119: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

99

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

acaso a partir da combinação de letras, sílabas, palavras, frases, orações, padrões

tipográficos, maiúsculas e itálicas, sem intenção de criar uma função gramatical ou

sintática. Trata-se de um uso dos sons mais ligados à música do que da poesia.

Figura 48: John Cage. Mureau. Fonte: Terra, 2000, p.88.

Os 62 Mesostics re mercê Cunningham (figura 49) que fazem parte dos seus

poemas mezósticos são exemplos de outras explorações no emprego do acaso

livro_final_24032010.indd 99 25/3/2010 01:27:34

Page 120: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

100

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

ainda no campo literário. Cage a compôs fazendo uso de combinações ao acaso de

setecentos tipos diferentes de letra-set. Como descreve Terra (2000) são “poemas

criados aleatoriamente, que formam ao centro, no sentido vertical, um nome ou

expressão” (TERRA, 2000, p. 88).

Figura 49: John Cage. 62 Mesostics re mercê

Cunningham. Fonte: Terra, 2000, p.89.

Até mesmo a notação musical criada pelo compositor acaba adquirindo uma forma

singular enquanto composição gráfica (figura 50). Resultado da subversão das linhas

da pauta, do uso de transparências sobrepostas e dos pontos representando sons,

silêncio ou intervalos. “Os signos da partitura remetem à sua própria materialidade

e plasticidade, mais do que a um referente que lhes é exterior à maneira da escrita

ideogramática e da pintura abstrata” (TERRA, 2000, p. 98). Assim como Mureau,

observamos sons e imagens (ou texto) questionando fronteiras e entrecruzando o

“território” alheio entre idas e vindas ao sabor da intenção criativa. No primeiro,

livro_final_24032010.indd 100 25/3/2010 01:27:34

Page 121: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

101

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

texto focaliza resultados sonoros enquanto no segundo, sons produzem grafismos.

Figura 50: John Cage. Notação Musical. Fonte: Terra, 2000, p. 97.

A peça 0’0 de 1962 é outro exemplo de suas experimentações. Composta para ser

executada por qualquer pessoa e de qualquer forma, na partitura há a instrução:

“em uma situação provida de amplificação (sem feedback) executar uma ação

disciplinada” (Bosseur, 1975, p. 61 apud TERRA, 2000, p. 103). Ou seja, oferece a

indeterminação total, tanto na criação quanto na execução. Ambas estão sujeitas

ao acaso.

Muitos aspectos estético-formais de vários projetos gráficos, são relacionados

a expressividade no trato dos elementos textuais ou não-textuais visando

potencializar uma informação ou um conceito. E também faz parte da intenção

criativa de muitos designers, que o espectador decodifique a complexidade de

muitos desses trabalhos.

livro_final_24032010.indd 101 25/3/2010 01:27:35

Page 122: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

102

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Na obra de Cage o emprego do acaso como articulador de experimentações

transpassa e transcende a música, literatura, artes gráficas em um campo aberto de

possibilidades. Demonstra o que a renúncia ao controle do processo de produção e

execução pode oferecer. Outros compositores, como o alemão Karlheinz Stockhausen

(1928-2007) também esquadrinharam essa experiência de privar-se do controle de

sua própria criação em benefício do acaso, como descreve Barraud (2005):

Em sua Klavierstück IX (Peça para nove pianos), ele propõe ao intérprete

dezenove seqüências musicais notadas sobre uma única e imensa folha

retangular. Cada uma dessas seqüências está ligada a um tempo, a uma

intensidade e a uma certa qualidade de ataque. Entre essas dezenove

seqüências, o pianista faz sua escolha segundo a disposição do momento,

ou sobretudo – assim o deseja o autor – fiando-se apenas no acaso. [...] Daí

resulta que uma seqüência, concebida originalmente pelo compositor num

certo andamento metronômico, praticamente nunca será executada nesse

andamento, mas num outro que não é conhecido de antemão, já que depende

da ordem de sucessão das seqüências deixada ao acaso (Barraud, 2005, p.

130-131).

O que opõe Pierre Boulez a John Cage e o traz como complemento a esta pesquisa

é sua recusa em abrir mão do que considera ser exercício do papel de criador. Essa

divergência se refere ao fato de que Boulez concebe o aleatório como meio de

expandir as possibilidades de variação da composição baseada no serialismo, mas

mantém o controle do processo, ao menos parcial ao impor-lhe limites. E a liberdade

oferecida ao intérprete estende-se a esse ponto: executar essas possibilidades. Isso

livro_final_24032010.indd 102 25/3/2010 01:27:35

Page 123: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

103

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

não representa de maneira alguma uma intenção de afastamento ou parcialidade

que se estenda ao espectador. Isso pode ser percebido na sua percepção da

problemática de assimilação da música contemporânea e da ação do ouvinte no

cenário contemporâneo.

A dificuldade que o ouvinte experimenta diante da música contemporânea

resulta do contato com uma obra, cuja forma é móvel e, por isso, não lhe

fornece os pontos de referência que lhe serviam de orientação a escuta. Não

oferecendo uma perspectiva que dirige o ouvido para pontos preestabelecidos

pelo artista, a obra contemporânea coloca para o espectador a proposta de

uma participação ativa na fruição da obra, permitindo-lhe decidir as direções

a tomar e elaborar seus próprios critérios de leitura (Terra, 2000, p. 127).

Não aprofundaremos a discussão sobre serialismo para não nos desviarmos do

enfoque desta pesquisa, mas apenas ressaltamos que Boulez compreende o acaso

como possibilidade no alargamento dos números de combinações possíveis, tanto

no serialismo quanto nos desdobramentos de suas pesquisas que desembocam na

onda sonora. Boulez aceita o acaso como método de composição, mas não renuncia

ao poder de escolha do compositor.

As pesquisas desses compositores apontam para seus desejos de suplantar o

esgotamento da forma de estruturação do sistema tonal. Assim como Cage e outros

tantos compositores, músicos de outras manifestações ou estilos musicais também

desejam ultrapassar barreiras, estimulados por experimentações que desafiam

dogmas e preceitos. Como aponta Arnheim: “Todos os meios de expressão sensorial

tocam os limites dos outros, e embora cada qual tenda a fazer o melhor quando

livro_final_24032010.indd 103 25/3/2010 01:27:35

Page 124: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

104

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

contam com suas propriedades mais características, todas podem ser renovadas às

vezes pelo contato com as suas vizinhas” (Arnheim, 1989, p. 95). É o caso do jazz

e de sua concepção musical fundamentada na improvisação, da qual buscamos

apontar relações com o design. Influência também na obra do músico alagoano

Hermeto Pascoal, em que identificamos um grande enfoque em processos criativos

que se beneficiam do “descontrole” do acaso para a obtenção de resultados não pré-

estabelecidos. São composições, interpretações e procedimentos desafiando padrões

com o uso criativo do acaso, ou como prefere o músico, da “não premeditação”,

meio para que o sentimento sempre sobreponha o saber. “O que você chama de

acaso, eu chamo de não premeditação. Tudo o que é criativo de verdade não é

premeditado. A não premeditação é nunca colocar o saber antes do sentir” (Pascoal,

2009). Não interessa a Hermeto a criação que se fundamenta em fórmulas com as

quais já se saiba o resultado previamente. Mas observa que isso não significa que

um músico despreparado consiga criar dessa forma, ao contrário, todo músico deve

estar muito bem tecnicamente com seu instrumento para alcançar tal liberdade. E

para que o acaso aconteça de maneira intensa e verdadeira, é preciso que não haja

obstáculos ou interferências que bloqueiem o fluxo natural da criatividade. Pois

como diz o músico, é como um pintor que apenas segura a caneta sem saber o que

está por vir. Nem pode desviar a atenção para procurá-la, pois deve estar sempre à

mão, sob pena de perder a idéia.

Na música eu sou assim, tenho essa experiência de não estar com o instrumento na mão, geralmente os instrumentos estão na minha cabeça. Se eu não tivesse essa capacidade de imaginar o meu instrumento, na hora que viesse a idéia ou a intuição, que para mim é a mesma coisa, eu não teria condições de tocá-la. Não teria condições de fazer aquilo (Pascoal, 2009).

livro_final_24032010.indd 104 25/3/2010 01:27:35

Page 125: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

105

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Hermeto Pascoal é um caso singular na música brasileira. Soma-se ao fato de

possuir uma capacidade natural para música, o modo como construiu sua formação

musical. Ainda na infância, aos sete anos de idade, dá início a suas primeiras

experiências musicais. Um pouco mais tarde, aos quatorze, inicia sua formação

de forma autodidata, pelo fato de não ter tido a oportunidade de aprender com

professores ou em escolas, em grande parte devida sua deficiência visual causada

pelo albinismo. Em contrapartida, não foi engessado por regras e convenções

da teoria musical, fato corriqueiro no ensino tradicional segundo Hermeto. Essa

formação inicial está sedimentada nas apresentações e ensaios dos maestros

que teve a chance de assistir ainda em Recife e prossegue na prática amadora

e profissional nas rádios, nos conjuntos, nos festivais e na vivência com músicos

mais experientes. Ficava atento ao que ocorria nos palcos “guardando na cabeça”

os sons e as relações que imaginava que criavam entre si. Hoje, isso se soma aos

fatores que colaboram para que o músico não imponha restrições ao uso dos sons

que surgem de forma não premeditada, pelo contrário, sua obra necessita disso. Dos

ouvidos atentos e curiosos do passado aos experimentos que embasaram muitas

de suas composições, entre as mais de quatro mil, Hermeto mesmo assim alimenta

essa forma de percepção que ainda o encanta.

Quando eu vou tocar e faço um arranjo para a sinfônica ou para a big band, uma das coisas mais lindas que eu presto atenção é justamente antes de tocar quando os músicos tiram os instrumentos do estojo. Eles começam a tocar sem saber o que estão tocando, só para esquentar os instrumentos. O que sai de coisa muito mais bonita do que as coisas que você toca no disco! (Pascoal, 2009).

livro_final_24032010.indd 105 25/3/2010 01:27:35

Page 126: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

106

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Por esse motivo, Hermeto tem uma postura crítica em relação à formação musical

na maioria das escolas de música, incluindo a conceituada Berklee College of

Music que até já foi convidado a dirigir. Essas instituições impõem restrições

quase hipnóticas aos estudantes, submetendo-os a metodologias que só fazem

condicioná-los a criações padronizadas e repetitivas. Não há descoberta no processo

de criação e as composições seguem modelos de construção e estruturação que

segundo ele, não traz inovação alguma, pelo contrário, enrijecem a criatividade

dando a falsa impressão que competência técnica pode sozinha representar padrão

de qualidade.

O pessoal quando vai fazer um arranjo para uma orquestra, ou outra coisa, pega o papel, e risca tudo antes. Fazem como se fosse um alicerce para levantar um edifício. Não estou criticando, mas é a realidade. Então quando o cara termina de fazer a composição, sabe praticamente tudo o que fez. São aquelas pessoas que gostam de esquematizar as coisas. Pessoas que são muito perfeccionistas. Isso não é uma criação natural. Isso é uma coisa premeditada, uma coisa estudada. Não é uma coisa que nasce como uma fonte. Uma fonte ou uma nascente que precisa que alguém beba a água para vir outra água. Outra água está sempre esperando. A não premeditação é isso, quando a gente bebe aquela água, a gente nunca sabe o que vai vir. Não sabe nem a hora que vai entrar em ação para as outras pessoas beberem. Na minha

mente é assim (Pascoal, 2009).

Hermeto procura elaborar composições que proporcionem liberdade de tratamento

e estruturação ao intérprete. Por vezes indica que mantenham o tema, mas evita

livro_final_24032010.indd 106 25/3/2010 01:27:35

Page 127: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

107

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

sobrecarregar a partitura de nuances, definindo como tocá-las. “Quando escrevo digo: A estrutura é sua, só não mudem o tema. A harmonia pode mudar a vontade também” (Pascoal, 2009).

Hermeto introduz a prática da não premeditação não só nas composições e arranjos,

mas também em suas apresentações. Quando fala sobre seu show, afirma que a única

certeza é que este vai ocorrer, no mais, tudo é regido pela percepção do instante

transformada em componente musical. Ou seja, o acaso ou a não premeditação

formatando o processo criativo no qual é fundamental o sentimento que surge da

relação com o público e com os outros músicos do grupo. Isso pode ser interpretado

erroneamente como pura improvisação musical, mas não é apenas isso. As músicas

foram selecionadas, ensaiadas, mas na hora da execução, é o acaso que constrói

o contexto, a performance e até mesmo modifica as músicas. Os músicos do seu

grupo já estão preparados e acostumados a acompanhá-lo pelos variados caminhos

que a apresentação costuma tomar. Como afirma, o show nunca acontece como

foi elaborado; “a coisa da não premeditação, é justamente isso, eu sinto o show no

momento” (Pascoal, 2009). Nada mais conectado ao sentido de improvisação do

que essa maneira de fazer música. Neto faz essa observação:

Outra característica importante na música de Hermeto Pascoal é a improvisação.

É inegável a influência do jazz americano, embora a improvisação praticada

por Hermeto não se limite (tal como ocorre geralmente no jazz tradicional) a

capacidade de reinvenção melódica sobre uma mesma estrutura harmônica.

Ele pode, por exemplo, (como na música “Magimani Sagei”), sobrepor ostinatos

de baixo e bateria, vários cachorros latindo, uma pessoa falando palavras

desconexas, e considerar tudo isso como sendo a “base harmônica” sobre

livro_final_24032010.indd 107 25/3/2010 01:27:35

Page 128: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

108

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

a qual diversas flautas improvisarão livremente, ao mesmo tempo fundindo

seus timbres aos latidos dos cachorros e as onomatopéias e grunhidos da

voz através de frulatos, glissandos e outros recursos, como cantar dentro

das flautas simultaneamente à emissão de notas. Estes tipos de exploração

sonora utilizados por Hermeto ultrapassam o modelo de improvisação do jazz

tradicional, assemelhando-se mais as experimentações ocorridas a partir do

free jazz americano da década de 60 (Neto, 1999, p.5).

Hermeto vai além do que executar improvisações sobre harmonias determinadas

como ocorre no jazz, em um sentido mais abrangente, se propõe a um mergulho

no desconhecido como afirma (Neto, 1999). Até porque, a estrutura harmônica da

música de Hermeto está mais direcionada a canalizar suas idéias e experimentações.

Como afirma o autor, extrapola uma possível estruturação jazzística habitual; “A

concepção dita jazzística de Hermeto é complicada pelo fato de ele caminhar por

uma base harmônica movediça, que ultrapassa os limites do jazz convencional”

(Neto, 1999, p.24). Como exemplo, o autor apresenta a execução da música O tocador quer beber20, improvisações acompanhadas por galos e galinhas, muito próximas

ao território do free jazz, no que se refere ao atonalismo e ao experimentalismo

desse estilo musical, mas sem querer cair no erro de enquadrar Hermeto Pascoal a

qualquer estilo. Calado também observa essa aproximação de territórios:

É curioso como estruturando seu trabalho musical a partir de ritmos brasileiros

tradicionais como o frevo, o baião e o choro, jamais abrindo mão do recurso

da improvisação, Hermeto chega em vários momentos a resultados bem

próximos do free jazz - especialmente quando rompe o andamento regular

LP Brasil Universo, Som

da Gente 1985.

20

livro_final_24032010.indd 108 25/3/2010 01:27:35

Page 129: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

109

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

e ingressa na atonalidade. Recusando sempre as qualificações de jazz, free

ou mesmo “música popular brasileira”, ele prefere o termo “música livre”

(“música universal” é ainda um outro termo que Hermeto utiliza para definir

sua música) (CALLADO apud NETO, p.46, 1999).

O compositor nos narra outro exemplo em que a improvisação leva a experimentação,

superação e exploração de possibilidades, realizada em uma apresentação em

Londres ao tocar com músicos ingleses. Nessa oportunidade, Hermeto faz com que

os músicos toquem a partir de uma pintura, sem descrição de notas, ritmos ou

estruturação. Instiga-os a improvisar com total liberdade de expressão a partir da

percepção individual e instantânea que tenham dos traços de seu desenho.

Eu pinto uns negócios doidos, digo doido porque a gente gosta, eu vou pintando como eu toco, entende? Eu vou pintando até chegar a um ponto das coisas que quero e as coisas vão acontecendo. Então fui fazer um trabalho na Inglaterra com a big band e levei esse desenho. Quando chegou a hora do ensaio a gente passou uma porção de arranjos e aí mostrei aquilo e disse: Tá aqui ó, isso aqui é pra tocar. Assustei eles. Pedi para chamar dois trompetes e disse: Agora vamos um de cada vez, pode tocar! Daí veio a pergunta: O quê? Se ele não perguntasse “o quê?”para mim, teria sido uma frustração porque daí não ia se interessar, aí não ia tocar nada. Quando ele perguntou “o quê?”, era justamente o que eu queria. Disse para ele para fazer de conta que estava em um parque e para cada coisa que sentisse, criar alguma coisa. Aí ele começou a tocar e o cara foi ficando vermelho porque eles são músicos padronizados, todos estudam a mesma coisa. Quando começou a ouvir o que estava tocando ele nem acreditava no que estava tocando. Para você ver

livro_final_24032010.indd 109 25/3/2010 01:27:35

Page 130: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

110

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

que não estava acostumado a criar. Que você seja testemunha disso que eu estou te dizendo agora! Aí o outro trompete ficou louco e começou a tocar também. E ficou uma coisa diferente da outra. Aí um a um da orquestra foi se levantando e pedindo espaço. Eram trinta músicos tocando naquela “partitura” e nenhum deles fazia a mesma coisa (Pascoal, 2009).

Essa idéia surgiu de uma prática sua nas apresentações pelo Brasil. Eventualmente

acontece de receber presentes do seu público, muitos deles desenhos e pinturas.

Como retribuição, convida o presenteador a assistir no show, a música daquele

presente. Ou seja, ele se propõe a “tocar” aquela pintura ou desenho como gratidão.

E assim o faz, cria uma música instantânea para o quadro em questão. Considera

estar propondo uma interação oriunda de uma criação mútua. Mais uma outra

forma de interação além da participação induzida em todos seus shows em forma

de canto, palmas ou instrumentos distribuídos ao público.

Outra maneira que o compositor utiliza para experimentar com essa relação entre

imagem e som é colocar acordes em seus desenhos. Mesmo a criação do “tema”

fica a cargo dos intérpretes para não interferir em sua criatividade. “Quem quiser

tocar, pega seu instrumento, olha para aquele quadro (cifrado) e se inspira. Tem

coisa que você vê e acha chato então toca uma coisa chata. Mas é como pegar uma

água que está suja e filtrar” (Pascoal, 2009).

Sobre o ato de criação, Hermeto afirma que este não está restrito a músicos natos. O

músico principiante ou não tão talentoso também transmite sua expressão mesmo

por meio da ingenuidade com que trata uma composição. A ingenuidade traz em si

uma beleza particular não necessariamente associada à técnica, porque como diz

o músico; “O maior segredo é sempre colocar o sentir na frente do saber” (Pascoal,

2009).

livro_final_24032010.indd 110 25/3/2010 01:27:35

Page 131: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

111

CAPÍTULO 3 – DESIGN GRÁFICO E JAZZ: A CONVERGÊNCIA DO ACASO 3.3 Acaso: controle e descontrole

Hermeto faz a ligação direta entre a não premeditação e o acaso como termos

equivalentes enquanto agentes no resultado criativo que viabilizam. Mas atentamos

para o fato de que o primeiro também pode ser compreendido como procedimento

que dá sustentação para que o segundo se manifeste e seja incorporado sem

restrições. Ou seja, estão inter-relacionados, mas a não premeditação também

como veículo para a ocorrência do acaso. Temos o acaso interagindo com variados

elementos de linguagem como timbres, sons e ruídos de instrumentos, animais

e objetos, sendo viabilizado pela não premeditação, seu principal parâmetro. Ou

seja, Hermeto contribui com uma percepção de acaso que compreende e integra

conceitualmente, suas necessidades, causas e efeitos e que também solidifica os

termos em uma única expressão que faça sentir mais do que pensar.

livro_final_24032010.indd 111 25/3/2010 01:27:35

Page 132: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao relacionar o design gráfico ao jazz, buscamos refletir sobre fatores intercambiáveis

que podem estar presentes tanto no processo de criação, como nos resultados

estéticos de certas manifestações no design gráfico contemporâneo e na prática da

improvisação. Com isso, procuramos contribuir com subsídios ao debate acerca do

desenvolvimento do design e expandir fronteiras.

Cremos que isso perpassa por manter um olhar continuamente crítico em relação

a sua própria evolução histórica, mas ao mesmo tempo, atento a contribuições que

possam vir de experiências realizadas em outras áreas do conhecimento. “Navegar

em outras águas” para cultivar múltiplas perspectivas. Não como apropriação

gratuita de conceitos alheios, mas como incitação a discussões em oposição a

determinismos fechados em si mesmos. Para nós, discorrer sobre a experimentação

e o acaso na prática da improvisação musical colabora nesse sentido.

Essa maneira particular de realizar a construção do discurso musical, está próxima

à questão da construção de significado para os produtos nos projetos de design.

Sabemos que não só as características racionais e práticas estão envolvidas na

relação entre produto e usuário. Como este é percebido e que significado tem,

são aspectos que também fazem parte do universo projetual. Referimo-nos à

possibilidade do produto acolher significados, para além do escopo inicial projetado

CONSIDERAÇÕES FINAIS

livro_final_24032010.indd 112 25/3/2010 01:27:35

Page 133: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

113

CONSIDERAÇÕES FINAIS

pelo designer ou pelo cliente. Como em uma situação de improvisação jazzística em

que o músico tem o “tema” a seu dispor. O músico conhece bem a composição ou tem

capacidade de compreendê-la rapidamente, mas o contexto de criação lhe permite

dar ao tema, formas e entendimentos totalmente diferentes da proposta do inicial

do autor da composição. Esse contexto abrange a interação com o grupo musical,

a reação da platéia, a liberdade de distanciar-se ao extremo da harmonia, do ritmo

ou da melodia original. O designer pode proporcionar um contexto similar ou ser

influenciado por ele. Pode produzir cartazes, como nos exemplos aqui apresentados

(kiko Farkas, Rico Lins) em que o entendimento da mensagem está em aberto para

o espectador. Ou ainda, seu processo de criação aberto ao acaso, gera idéias e

resultados estéticos desassociados, a princípio, da mensagem principal, adquirindo

significados novos. No contexto musical temos a interação com os músicos do

grupo, no design, a interação com outros designers ou profissionais envolvidos no

projeto. Para a reação da platéia temos a interação com o usuário. Para relação

de distanciamento ou aproximação à base de sustentação do improviso (acordes,

ritmos, melodia), temos a relação estabelecida com elementos da linguagem do

design: linha, cor, alinhamentos, distribuições de elementos, fontes etc. A maneira

de “respeitar” ou não as escalas musicais durante um improviso, pode ser comparada

ao tratamento dado às imagens em um layout. Guardadas as devidas proporções,

para nós, David Carson - e sua alegação de não conhecer as regras do design -

seria um bom músico de free jazz, assim como Ornette Coleman, que também não

conhecia as regras musicais.

Assim, o produto passa a ser elaborador de discursos que surgem em uma situação

de intercâmbio com o usuário. O que está intrínseco ao produto ou lhe é agregado

pelo uso são produzidos ou estimulados pelo designer.

livro_final_24032010.indd 113 25/3/2010 01:27:35

Page 134: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

114

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A improvisação jazzística está carregada dessa tensão de influência mútua, pois o

contexto para a criação leva a limites extremos a situação de criação. Os músicos

buscam uma expressão que particularize seu discurso musical naquele instante de

criação, potencializando tanto a percepção do contexto e como de seu íntimo.

Nessa situação de instantaneidade criativa, está inserido o acaso como elemento

fundamental de singularização do discurso musical. Ao romper com o prévio

planejamento, o acaso norteia a criação em comunhão com o desejo expressivo do

improvisador. Como resultante, temos a produção de uma música carregada dessa

tensão e aberta a quaisquer entendimentos e interpretações.

Em relação ao design gráfico, essa proposição de criação pode ser gerida nos

rascunhos, no processo de produção, na materialização do ideal estético ou mesmo

no processo criativo, como demonstrou o exemplo de Rico Lins. A utilização do

acaso pressupõe que o designer abdique, ao menos em parte, do controle sobre o

processo em algum momento da criação. Consideramos “em parte” porque afinal, os

resultados são submetidos ao seu senso crítico e o acaso faz parte de um processo

criado por ele. Entretanto, convida-o a abrir mão de suas próprias preferências em

prol do imprevisível. E como dissemos o significado simbólico do produto pode ser

previamente planejado ou pode ser atribuído pelo usuário, mas como foi colocado

no exemplo da improvisação, a conscientização e a potencialização desse fator

cabe ao designer.

Da mesma maneira, romper o patamar da racionalidade como parâmetro único e

primordial ao projeto, liberando-o para absorver o desejo expressivo do designer, leva

a novos paradigmas de criação. Ou seja, procedimentos envolvidos na produção do

discurso jazzístico, ao servir de referência para o design, estimulam a sobreposição

de limitações interpostas entre o designer e a produção de significados, viabilizando

livro_final_24032010.indd 114 25/3/2010 01:27:35

Page 135: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

a emersão de outras proposições de discurso. Incorporar a espontaneidade da

improvisação como referência de mecanismo de criação, leva a ampliação da

dimensão criativa na concepção dos projetos de design. Oferece recursos, abre novas

perspectivas e enriquece as discussões sobre fundamentos teóricos e práticos. Dá

suporte para que se ultrapassem construções visuais tradicionais.

Estar sujeito ao acaso, faz do free jazz um tema convidativo a ponderações sobre o

design gráfico tendente a experiências inovadoras. Parece-nos pertinente considerar

a convergência da linguagem do jazz e do design, no sentido de agregar ao segundo,

um tratamento mais “maleável” a concepção de projetos. Estar preso rigidamente

a regras e padrões ou estar sujeito ao “excesso de certeza” pode limitar o olhar

e torná-lo menos receptivo às contribuições do inesperado e da surpresa. Para

o músico profissional, isso não é uma situação de contrariedade ou dificuldade,

mas sim, uma circunstância oportuna, estimulante e desafiadora. Associamos

ao design, essa situação de efervescência criativa em que o processo criativo e a

poética estão sob condições de assimilar e utilizar o acaso e entregues à liberdade

de experimentação. E a interação com o usuário é tão relevante ao processo quanto

se faz na execução musical.

Além disso, valer-se do resultado do “contato” entre campos do saber, pode

contrabalançar um possível esgotamento criativo nos moldes históricos do

racionalismo funcionalista.

Cabe apontar também que a produção de desejos é parte do mecanismo de

funcionamento que movimenta a economia. Integra essa visão, a dinâmica das

classes sociais considerando os desejos que as inter-relacionam e a individualidade do

homem, que recebe e produz valores dentro do seu contexto social. Nessa conjunção

de fatores, a experimentação pode contribuir com saídas para o enfrentamento de

livro_final_24032010.indd 115 25/3/2010 01:27:35

Page 136: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

normalizações ou padronizações que só atendam políticas empresariais de venda e

produção. O acaso pelo viés da experimentação e da liberdade contribui para que

o design, dentro da sua especificidade, confronte seus paradigmas no heterogêneo

contexto social contemporâneo.

Apresentamos o free jazz como subsídio para esta discussão justamente pelas

características que o fazem sempre um desafio; o inesperado e a liberdade.

A situação em que se encontra o músico no momento do improviso pode ser

comparada ao instante do rascunho para o designer, ou à situação de limite de

prazo para encontrar soluções criativas.

O desejo criativo de Cage o levou ao acaso, que por sua vez, o induziu a abrir

mão do controle criativo. No free jazz a criação é coletiva por princípio, não há

referências predeterminadas, não há segurança e certezas. Esse mesmo vôo levou

Rico Lins a criar cartazes experimentais e compartilhar com outros autores, a

criação de projetos. Como um músico de jazz, o designer se expôs no palco das

criações, inspirado pelo inesperado e em busca do que o acaso pode oferecer. Não

renuncia ao conhecimento tradicional ou as conquistas do design, mas não se priva

de descobrir e experimentar o que está além, o que pode surgir do acaso. Assim

como Rico Lins, apresentamos outros designers se articulando com mobilidade e

desenvoltura nesse ambiente. Essas contribuições e tantas outras, como a pontual

e relevante influência da música, mantêm o desejo da prática experimental no

design.

livro_final_24032010.indd 116 25/3/2010 01:27:35

Page 137: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

117BIBLIOGRAFIA

ARNHEIM, Rudolf. Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

BARRAUD, Henry. Para compreender as músicas de hoje / Henry Barraud. Tradução

de J. J. de Moraes e Maria Lúcia Machado. São Paulo: Perspectiva, 2005.

BÁRTOLO, José Manuel. A duração do efêmero, 2006. Disponível em: <http://

reactor-reactor.blogspot.com/2006/10/durao-do-efmero-jos-manuel-brtolo-1.

html>. Acesso em: 10 nov. 2009.

BASBAUM, Sérgio Roclaw. Sinestesia, arte e tecnologia: fundamentos da cromossonia / Sérgio Roclaw Basbaum. São Paulo: Annablume / Fapesp, 2002.

BENNETT, Roy. Uma breve história da música / Roy Bennett. Tradução de Maria

Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.

BERENDT, Joachim Ernest. O jazz do rag ao rock / Joaquim Ernest Berendt.

BIBLIOGRAFIA

livro_final_24032010.indd 117 25/3/2010 01:27:35

Page 138: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

118BIBLIOGRAFIA

Tradução de Júlio Medaglia. São Paulo: Perspectiva, 2007.

BORGES, Maria Lucilla. Como a música “ressoa” no design? E o design na música? In: XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música

(ANPPOM). Brasília, 2006.

BÜRDEK, Bernhard E. História, teoria e prática do design de produtos. São Paulo:

Edgar Blücher, 2006.

CALADO, Carlos. O jazz como espetáculo / Carlos Calado. São Paulo: Perspectiva,

2007.

CALDI, Leonardo. Contribuições da etnometodologia ao experience design.

Disponível em: <http://cumincades.scix.net/data/works/att/sigradi2005_089.

content.pdf>. Acesso em: 21 set. 2009.

CAMPOS, Augusto de. Música de Invenção. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.

CAMPOS, Gisela Belluzzo de. Processos de criação em design gráfico. In:

Universidade Anhembi Morumbi; Puc-Rio. (Org.). Design, arte e tecnologia. Espaço

de trocas. São Paulo: Rosari, 2006, v. , p. 1-13.

______. Design, arte e estética. In: Design, Arte e Tecnologia 3. São Paulo: Rosari,

livro_final_24032010.indd 118 25/3/2010 01:27:35

Page 139: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

119BIBLIOGRAFIA

Universidade Anhembi Morumbi, PUC - Rio e Unesp-Bauru, 2007.

______. e ROIZENBRUCH, Tatiana Azzi. Os Limites da Expressividade: Questionamentos sobre Design e Autoria. In: Revista Digital Art& - ISSN 1806-

2962, ano VI, n. 9, 2008. Disponível em: <http://www.revista.art.br/site-numero-

09/apresentacao.htm>. Acesso em: 12 nov. 2009.

CAUDURO, Flávio Vinícius. Desconstrução e tipografia digital. Arcos volume 1

número único, 1998. Disponível em: <http://www.esdi.uerj.br/arcos/imagens/

artigo_flavio(76a101).pdf>. Acesso em: 18 set. 2008.

CAZNOK, Yara Borges. Música: entre o audível e o visível. São Paulo: Editora

UNESP, 2003.

CHAPMAN, Michael John. Processo de criação: entre a ciência e a intuição. In:

Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas,

Florianópolis: ANPAD, 2007. P.1572-1580.

CHIARELLI, Tadeu. Considerações sobre arte contemporânea e instituições.Revista Continuum Itaú Cultural, São Paulo, n. 19, dezembro de 2007.

CLARKE, Michael. Verbalising the visual. Translating art and design into words.Switzerland: AVA Book, 2007.

livro_final_24032010.indd 119 25/3/2010 01:27:35

Page 140: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

120BIBLIOGRAFIA

COELHO, Luiz Antônio L. Conceitos-chave em design. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio.

Novas Idéias, 2008.

DENIS, Rafael Cardoso. Design cultura material e o fetichismo dos objetos. Arcos

volume 1 número único, 1998. Disponível em: <http://www.esdi.uerj.br/arcos/

imagens/artigo_rafael(14a39).pdf>. Acesso em: 22 set. 2008.

DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes,

1997.

ENTLER, Ronaldo. Fotografia e acaso: a expressão pelos encontros e acidentes.In: SAMAIN, Etienne (Org.). O fotógrafo / Etienne Samain. São Paulo: Hucitec, 1998.

P. 273 – 286.

FARKAS, Kiko. Local: Estúdio de Kiko Farkas, São Paulo, 29 dez. 2009. Entrevista

concedida a Marco Vasconcelos.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo dicionário da língua portuguesa.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação: Vilém Flusser. Organização de Rafael Cardoso. São Paulo: Cosac

Naify, 2007.

livro_final_24032010.indd 120 25/3/2010 01:27:35

Page 141: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

121BIBLIOGRAFIA

FOSTER, John. New masters of poster design: poster design for the next century / John Foster. Massachusetts: Rockport Publishers, 2006.

FREITAS, Alexandre Siqueira de. Um diálogo entre som e imagem: questões históricas, temporais e de interpretação musical. Disponível em: <http://revistas.

ufg.br/index.php/musica/article/viewFile/3298/3238>. Acesso em: 10 dez. 2009.

GARAY, Boris. Design gráfico e espírito jazzístico: reflexões sobre inovação constante. In: 2º Congresso Internacional de Pesquisa em Design – Brasília, 2002

Gimenes, Marcelo. As Estruturas Verticais na Improvisação de Bill Evans.Disponível em: <http://gsd.ime.usp.br/sbcm/2003/papers/dMarcelo_Gimenes.pdf>.

Acesso em 10 dez. 2009.

GIOIA, Ted. The history of jazz / Ted Gioia. New York: Oxford University Press,

1997.

HAGIHARA, Márcio. Cor, linha e plano sobre abstração – Pós-estruturalismo e a crítica da pintura abstrata. In: 17° Encontro Nacional da Associação Nacional

de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais.

Florianópolis, 2008. Disponível em: <http://www.anpap.org.br/2008/artigos/041.

pdf>. Acesso em: 10 dez. 2009.

livro_final_24032010.indd 121 25/3/2010 01:27:35

Page 142: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

122BIBLIOGRAFIA

HATCH, Mary Jo. Explorando os espaços vazios: jazz e estrutura organizacional. In: RAE - Revista de Administração de Empresas; v. 42; n.3 Jul./Set. 2002. Disponível

em: <http://www16.fgv.br/rae/artigos/1476.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2009.

HELLER, Steven. Linguagens do design: compreendendo o design gráfico/Steve Heller. Tradução de Juliana Saad. São Paulo: Edições Rosari, 2007.

HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa / Richard Rollis. Tradução

de Carlos Daudt. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

IAZZETTA, Fernando. O que é a música (hoje). In: I Fórum Catarinense de

Musicoterapia. Florianópolis, 2001. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/prof/

iazzetta/ papers/forum2001.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2009.

JACQUES, Mario Jorge. Glossário do Jazz. São Paulo: Biblioteca 24x7, 2009.

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

KOPP, Rudinei. Design gráfico cambiante / Rudinei Kopp. Santa Cruz do Sul:

EDUNISC, 2004.

LACAZ, Guto. Local: Estúdio de Guto Lacaz, São Paulo, 13 nov. 2008. Entrevista

concedida a Marco Vasconcelos.

livro_final_24032010.indd 122 25/3/2010 01:27:35

Page 143: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

123BIBLIOGRAFIA

LESSA, Washington Dias. Modos de formalização do projeto gráfico: a questão do estilo. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos da Comunicação XXVIII

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de

2005.

LINS, Rico. Local: Estúdio de Rico Lins, São Paulo, 27 nov. 2008. Entrevista concedida

a Marco Vasconcelos.

LÖBACH, B. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais.São Paulo: Edgard Blucher, 2001.

LUPTON, Ellen; MILLER, J. Abbott. (orgs.). ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a teoria do design: Ellen Lupton e J. Abbot Miller. Tradução de André Stolarski. São Paulo:

Cosac Naify, 2008.

______. Novos fundamentos do design: Ellen Lupton, Jennifer Cole Philips.Tradução: Cristian Borges. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

MALSON, Lucien. Jazz / Lucien Malson, Christian Bellest. Tradução de Paulo

Anderson Fernandes Dias. São Paulo: Papirus, 1989.

MARGOLIN, Victor. O design e a situação mundial. Revista Arcos, Rio de Janeiro:

UERJ, volume I, outubro de 1998. Disponível em: <http://www.esdi.uerj.br/

livro_final_24032010.indd 123 25/3/2010 01:27:35

Page 144: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

124BIBLIOGRAFIA

sobrearcos/ p_arcos_1.shtml#a2>. Acesso em: 16 out. 2009

MARINHO, Cláudia. Design e arte: o objeto como matéria criativa. In: Universidade

Anhembi Morumbi, Puc-Rio. (Org.). Design, Arte e Tecnologia: espaço de trocas. São

Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, Puc-Rio & Rosari, 2006.

______, Cláudia. O caderno de notas como ferramenta do designer. In: MOURA,

Mônica (Org.). Faces do design2: ensaios sobre arte, cultura visual, design gráficos

e novas mídias. São Paulo: Edições Rosari, 2009.

MEGGS, Philip B.; PURVIS, Alston W. . História do design gráfico. Tradução de Cid

Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

MELO, Chico Homem de. O design gráfico brasileiro: anos 60; Chico Homem de

Melo (org.). São Paulo: Cosac Naify, 2006.

______, Chico Homem de. Signofobia / Chico Homem de Melo. São Paulo: Edições

Rosari, 2005.

MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. Tradução de Juremir

Machado da Silva, 2000. Disponível em:<http://edgarmorin.org.br/textos.php?

p=6&tx=19>. Acesso em: 10 out. 2009.

livro_final_24032010.indd 124 25/3/2010 01:27:36

Page 145: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

125BIBLIOGRAFIA

MOURA, Mônica Cristina de. O design de hipermídia. PUC, 2003. Tese (Doutorado)

- Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São

Paulo, 2003.

MUGGIATI, Roberto. New Jazz: de volta para o futuro / Roberto Muggiati. São

Paulo: Ed. 34, 1999.

NETO, Mario Checchetto. O Free Jazz e a atonalidade. Revista Arte e Cultura Santa

Marcelina, São Paulo: FASM, ano1, n.1, p.51, 2º semestre de 2007.

NETO, Luiz Costa Lima. A música experimental de Hermeto Pascoal e Grupo (1981 - 1993): concepção e linguagem. UNIRIO, 1999. Tese (Mestrado) – Área:

Artes / Subárea: Música, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 1999.

NIEMEYER, Lucy. Elementos de semiótica aplicados ao design / Lucy Niemeyer.Rio de Janeiro: 2AB, 2003.

NORMAN, Donald A.. Design emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia/Donald A. Norman. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

OLIVEIRA, Sandra Ramalho e. Imagem também se lê/Sandra Ramalho e Oliveira.

São Paulo: Edições Rosari, 2009.

livro_final_24032010.indd 125 25/3/2010 01:27:36

Page 146: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

126BIBLIOGRAFIA

OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística / Fayga Ostrower. 2. Ed. Rio de

Janeiro: Campus, 1999.

______. Criatividade e processos de criação / Fayga Ostrower. 6ª ed. Petrópolis:

Editora Vozes, 1987.

______. Universo da arte. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

PASCOAL, Hermeto. São Paulo: 2009. Entrevista. Mensagem recebida por

<[email protected]> em 01 set. 2009.

______. São Paulo, 03 set. 2008. Entrevista concedida a Marco Vasconcelos por

telefone.

PELLEGRINI, Augusto. Jazz: das raízes ao pós-pop / Augusto Pellegrini. São Paulo:

Códex, 2004.

PERELMAN. Ivo. Local: Hotel Comfort Suítes Oscar Freire, São Paulo, 02 abr. 2008.

Entrevista concedida a Marco Vasconcelos.

PIGNATARI, Décio. Acaso, arbitrário, tiros. In: CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI,

Décio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos

1950-1960 / Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos. São Paulo:

livro_final_24032010.indd 126 25/3/2010 01:27:36

Page 147: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

127BIBLIOGRAFIA

Ateliê Editorial, 2006. P. 205 – 207.

POYNOR, Rick. No Mas Normas. México: Editorial Gustavo Gilli, 2003.

POZZO, Maria Helena Maillet Del. Indeterminação e Acaso na obra para piano de John Cage. In: XVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação (ANPPOM). Salvador, 2008.

RICHTER, Hans Georg. Dadá: arte e antiarte / Hans Richter. Tradução de Marion

Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

ROCHA, Ulisses. São Paulo: 2009. Entrevista. Mensagem recebida por <marcovascon@

uol.com.br> em 03 set. 2009.

RODRIGUES, Jorge Caê. Anos fatais: design, música e Tropicalismo / Jorge Caê Rodrigues. Rio de Janeiro: 2AB, 2007.

ROSSETTI, Regina. A linguagem como mediação da intuição. In: ENCONTRO DA

COMPÓS, XVI., 2007, Curitiba: UTP. Disponível em: <http://www.compos.org.br/

data/ biblioteca_225.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2008.

SALINAS, Óscar. El diseño: ¿es arte?. In: Arte¿ ?Diseño. Nuevos capítulos para una

polémica que viene de lejos. Espanã: Editora Gustavo Gili, 2003.

livro_final_24032010.indd 127 25/3/2010 01:27:36

Page 148: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

128BIBLIOGRAFIA

SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística / 4

edição. Cecilia Almeida Salles. São Paulo: FAPESP: Annablume, 2009.

SALLES, Paulo de Tarso. Aberturas e impasses: o pós-modernismo na música e seus reflexos no Brasil, 1970-1980. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

SAMARA, Timothy. Grid: construção e desconstrução. São Paulo: Cosac Naify,

2007.

TAFFARELLO. Tadeu Moraes. O espaço-sonoro como a criação de uma relação [imagem visual-tempo] – [som-espaço]. In: Revista Digital Art& - ISSN 1806-

2962 - Ano VI - Número 10 - Novembro de 2008. Disponível em: <http://www.

revista.art.br/site-numero-10/apresentacao.htm>. Acesso em: 02 dez. 2008.

TAMBINI, Michael. O design do século. Tradução de Cláudia Sant’ Anna Martins.

São Paulo: Editora Ática, 1996.

TASSINARI, Roberta Hammel. O Acaso como parte do processo pictórico de artistas visuais: Karin Lambrecht, Gisela Waetge e Frantz. In: 17º Encontro

Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da

Pesquisa em Artes Visuais, Florianópolis: 2008. P. 2050-2060.

TERRA, Vera. Acaso e aleatório na música: um estudo da indeterminação nas poéticas de Cage e Boulez. São Paulo: EDUC: FAPESP, 2000.

livro_final_24032010.indd 128 25/3/2010 01:27:36

Page 149: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

129BIBLIOGRAFIA

VERAS, Luciana. Quem tem medo da arte contemporânea?. Revista Continuum

Itaú Cultural. N.19, São Paulo, 2007.

WAGNER, Ricardo. Elucidação de Princípios do Novo Funcionalismo. In: 7°

Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design – P&D. Paraná, 2006.

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras: Círculo

do Livro, 1989.

ZENICOLA, Felipe de Carvalho. Improvisação livre: aspectos estruturais e pedagógicos. 2007. 77f.. Monografia (Licenciado em Educação Artística –

Habilitação Música) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Centro de

Letras e Artes Instituto Villa-Lobos, Rio de Janeiro. . Disponível em: <http://www.

domain.adm.br/dem/licenciatura/monografia/felipezenicola.pdf>. Acesso em: 07

jan. 2009

livro_final_24032010.indd 129 25/3/2010 01:27:36

Page 150: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

130

ANEXOS

ANEXOS

1. Ivo Perelman

Entrevista com Ivo Perelman concedia a Marco Vasconcelos em São Paulo no dia

02/03/2008

O que é free jazz?

Ivo Perelman: É uma música muito pessoal. Uma alternativa quase subversiva de

solução musical. Quando o músico se propõe a fazer free jazz, se propõe a fazer as

coisas como faço; como corpo principal da sua expressão artística. Geralmente a

alternativa que encontrou é muito pessoal, ele inventou um sistema próprio de se

expressar musicalmente.

Como isso funciona trabalhando em um grupo musical?

Ivo Perelman: Basicamente, os músicos de free jazz que se encontram e tocam,

livro_final_24032010.indd 130 25/3/2010 01:27:36

Page 151: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

131

ANEXOS

dividem uma sensibilidade em comum. É mais uma coisa abstrata de sensibilidade, de

percepção da música. Realmente são poucos os músicos que tem essa sensibilidade

e fazem free jazz. Cada um tem sua forma pessoal, mas todos dividem essa coisa

maior, essa sensibilidade, essa necessidade de se expressar de uma forma pessoal

que não passa pelos caminhos normais.

Você pensa em termos técnicos durante a execução?

Ivo Perelman: No começo eu discutia algumas coisinhas, mas hoje não converso

nada. A música dita para onde vai. A primeira nota indica a segunda, que indica a

terceira, que indica o compasso e a música vai ganhando corpo, vai se desenvolvendo.

A gente tem muita experiência nisso, então, já desenvolve de uma vez só. Já vem

a coerência que a música requer, que é a repetição, o desenvolvimento harmônico

melódico, timbrístico, tonal, atonal, toda a sintaxe musical. Então ela é composta

enquanto é criada. É um processo de composição expontânea, instantânea, grupal.

A linguagem tem a sua gramática ninguém cria do nada, ninguém é gênio que

toda vez que toca cria alguma coisa totalmente nova. Existe um repertório muitas

vezes inconsciente, que todos nós temos, mas é claro que o potencial criativo dessa

música é muito grande.

Durante a execução ou gravação das músicas são feitas combinações ou acertos a cerca de parâmetros musicais, como quantidade de compassos, tonalidade?

Ivo Perelman: Todos esses parâmetros são falados musicalmente. Porque nós que

fazemos esse tipo de música, temos tanta experiência. A gente quer fazer um CD

interessante; a primeira música a gente espera que seja contrastante com a segunda

livro_final_24032010.indd 131 25/3/2010 01:27:36

Page 152: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

132

ANEXOS

e a terceira e que a gente percorra vários caminhos no mesmo CD. É um trabalho de

arte, de exposição, de resolução de conflitos musicais. Todas essas coisas são faladas

na música, nós estamos ouvindo, nós sabemos disso, então não é preciso falar. Nós

não temos um tema porque nós usamos vários recursos: melódicos, timbrísticos, de

cor, de ritmo, de silêncio, de interrupção.

Como ensinar improvisação no free jazz?

Ivo Perelman: Não tenho muita experiência pedagógica, mas posso dizer que

as pessoas que tocam free jazz, que nasceram para isso, têm essa vocação, não

precisam de professores. A necessidade cria a sistemática para o músico. É pela

necessidade de se expressar que se encontra um método pessoal.

Eu diria que todo o elemento que se usa na música normal, no jazz, se usa no free

jazz, só que tem que pegar de um ponto, de um local mais espontâneo do seu

ser. Quanto mais espontâneo vier, mais autêntico e mais convincente vai soar ao

ouvinte. Que seja um discurso livre. Eu recorro a comparações com a vida normal,

cotidiana, como se fosse uma conversa de três pessoas que não tem um tema

preestabelecido. Vão conversar pela primeira vez ou pela décima vez, mas não

sabem sobre o que vão falar. Vão começando a bater um papo. Quanto mais fluído,

mais interessante e convincente será para o ouvinte.

Na arte, primeiro acontece o evento, acontece o criador, a descoberta que nasce

da necessidade do artista, que passa ao largo desse discurso técnico, histórico. No

meu caso, me vinha uma coisa e precisava sair, um desconforto, um prazer físico.

Eu queria ser um bom menino, estudava as tonalidades e claves do jazz para aplicar

nas situações do jazz, mas na hora me dava um negócio que não sabia explicar e

livro_final_24032010.indd 132 25/3/2010 01:27:36

Page 153: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

133

ANEXOS

tinha que fazer aquilo que nem sabia o que era. Então esse processo vem antes, ele

aconteceu. Aí você vai procurar pelas regras, entender o que é aquilo, porque que

fez, porque que não fez. Para ser verdadeiro, tem que ser genuíno, espontâneo. De

dentro para fora do músico, do artista.

O CD A Love Supreme* de John Coltrane é um exemplo de free jazz?

Ivo Perelman: Não é free jazz, mas é bastante aberto, bastante flexível. Ele toca

alguns temas no começo, que depois ele recria no fim, então tecnicamente não

é free jazz, porque tem um ponto de partida e de chegada preestabelecido. Mas

o Coltrane, um ano e meio ou dois anos depois, já faz free jazz. É um free jazz

interessante. O Coltrane chegou ao free jazz de uma forma bastante acadêmica.

É um músico que em sua breve carreira, passou por várias ações estilísticas do

jazz; do bebop, post bop, do quase free e do free. É um catedrático mesmo, uma

universidade ambulante, universidade Coltrane. Fez parte do momento histórico do

free jazz. Em uma vida só, uma vida curta, passou profundamente por todos esses

estilos como um grande mestre. Que é lindo né? Em uma vida só, em uma carreira

só, foi mestre em todos os estilos por que passou, incluindo o fim, que foi o free

jazz. Deus sabe onde ele estaria hoje! A alternativa pessoal dele é bastante única.

Não conheço uma história tão rica e pessoal de algum músico que tocou jazz ou

free jazz como ele.

Como surgiu o free jazz?

Ivo Perelman: Claro que tiveram músicos cartáticos no free jazz, mas essa ebulição,

essa implosão estilística, aconteceu por um motivo histórico, social como em todas

livro_final_24032010.indd 133 25/3/2010 01:27:36

Page 154: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

134

ANEXOS

as artes. Os músicos começaram a criar linguagem. Os mais jovens começando cada

vez mais a envenenar, digamos, cada vez mais a música e a se rebelar contra os

modelos que recebiam. Mas teve outros nomes que foram pivô; o próprio Ornette

Coleman que conheço um pouco sua história porque trabalhei com um homem que

foi muito importante na história do Colleman, que foi o maestro Gunther Schuller.

Gunther Schuller está vivo ainda hoje, é compositor, historiador de jazz, regente e

trabalhou com músicos de jazz. Trabalhou com Ornette Coleman e conheceu bem

o Ornette. Foi ele que falou para o Ornette que existiam tonalidades. Ornette era

um músico extremamente sensitivo, não sabia nada de teoria. Ouvia música como

cores, não sabia que existiam tons; dó maior, ré maior, lá maior, não sabia nada

disso. Ouvia sensorialmente a música e como tal, desenvolveu aquela linguagem

de liberdade. Para ele a liberdade era seu estado natural. Não sabia diferente disso.

E o Schuller contou para o Ornette Coleman que existiam tonalidades na música.

A música tem doze tons, tons maiores, menores... , ele contou como a música se

estruturava. O Ornette teve um ataque de diarréia e vômito, passou mal e foi para

o banheiro. A verdade foi de uma vez só posta para o Ornette que passou mal. O

próprio Gunther me contou essa história.

O Ornette foi um desses nomes. Outro nome foi o Albert Ayler, um saxofonista que

no começo, tocava como o Charlie Parker. Imitava. Mas foi ficando insatisfeito

como a linguagem que tocava e foi expandindo, expandindo, e talvez tenha dado

o passo mais importante no free jazz; deu um pulo quântico, queimou duzentas

etapas, começou a tocar de uma forma totalmente timbrística, totalmente colorida,

onde não eram mais notas, mas massas sonoras que se moviam através do espaço,

como a pintura abstrata expressionista. Um grande gênio da humanidade que como

tal, muito desconhecido. Morreu aos 36 anos e o encontraram boiando em um rio

livro_final_24032010.indd 134 25/3/2010 01:27:36

Page 155: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

135

ANEXOS

lá em Nova York. Não se sabe se foi assassinado ou se foi suicídio.

O Coltrane também teve a sua função porque fez de uma forma orgânica,

desenvolveu o free jazz de uma forma bem orgânica, metódica. A música de

Coltrane vai crescendo quase que academicamente. É fácil estudar o Coltrane, ele

vai expandindo as escalas, os agrupamentos rítmicos, mais livremente. Coltrane é

um livro, uma escola acadêmica.

Então é isso, surgiu pela genialidade de alguns músicos.

Isso acontece na década de 1960?

Ivo Perelman: O Ornette começou a tocar dessa forma no fim dos anos 50, gravando

o primeiro disco em 1958. Todos são contemporâneos, é o momento histórico, cada

um na sua, cada um com uma contribuição. É um produto histórico.

Tem alguma influência política?

Ivo Perelman: Sim, claro que tem. Tem a ver com o movimento de emancipação dos

negros nas cidades americanas. Contra o racismo. Malcolm X, Martin Luther King,

todos esses políticos americanos. Era um momento de ebulição muito forte onde

os negros buscavam um respeito maior enquanto cidadão. Esses músicos tinham

essa consciência musical, alguns mais, outros menos, mas todos, produtos do seu

tempo. Eu acredito que você não precisa ser consciente de uma forma cognitiva

para poder espelhar a consciência de todos. Mas tinha uns e outros que eram mais

verbais, que verbalizavam essa insatisfação, como por exemplo, Art Sheep. Ele era

extremamente articulado, até hoje é. Professor universitário, também amigo do

livro_final_24032010.indd 135 25/3/2010 01:27:36

Page 156: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

136

ANEXOS

Coltrane. Coltrane o ajudou muito. Albert Ayler também foi muito ajudado por

Coltrane.

Como foi a sua história na música?

Ivo Perelman: Eu nem sabia o que era o free jazz. Comecei como violonista aos

6, 7 anos de idade. Tive aulas de violão, estudei violão clássico muitos anos no

Conservatório Dramático Musical que era muito bom. Com 16 anos tocava em

recitais. Tocava muito bem, mas comecei a ficar insatisfeito com aquela coisa,

porque eu não gostava de ler, lia mal e fingia para o professor. Eu fingia que lia, mas

decorava. Tinha muita dificuldade em ler, Até hoje tenho. Mais tarde, me esforcei

muito para ler. Tive aulas particulares com o professor Pedro de Alcântara, cellista

que mora na Europa há muitos anos. Fiz um estudo minucioso, me esforcei para ler

até descobrir que meu negócio não é ler. É de dentro para fora e não de fora para

dentro. O papel para mim é uma coisa morta, fria, não tem valor emocional. Na

minha música não tem espaço. Então meu negócio não era esse. Comecei a tocar

guitarra, baixo, teclado, bandolim, chorinho, trombone até chegar ao saxofone aos

17 anos. Aí quando pus a boca no sax tenor, eu disse: pronto, é isso! Tive certeza,

achei o instrumento. Tinha o peso exato, o grave exato, estava fora de mim, na

minha frente.

Eu estava na Fundação das Artes, estudando clarineta com o Hector Costita,

tinha aulas de improvisação com o Roberto Sion, comecei a ouvir jazz: Stan Getz

Victor Assis Brasil, Wayne Shorter. Tinha um amigo que na época estava largando

faculdade de medicina, Ricardo Goldenberg, que estava indo para a Berklee. Larguei

a faculdade de arquitetura no Mackenzie e fui junto com o Ricardo. Não acabei a

livro_final_24032010.indd 136 25/3/2010 01:27:36

Page 157: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

137

ANEXOS

Berklee, muito irrequieto. Hoje até me arrependo porque disciplina nunca é demais.

Hoje minha vida é totalmente disciplinada, o que é um paradoxo. As pessoas

pensam que free jazz é uma coisa meio mística. Que nada! Eu acho que quanto

mais liberdade você tem como artista, mais responsabilidade. Levo isso muito a

sério. Eu estou sempre estudando ou mentalizando. É muito importante esse estudo

mental. Mas na época da Berklee eu não sabia, era muito irrequieto e não consegui

fazer a Berklee.

Fui morar no Canadá, comecei a tocar bossa nova para ganhar dinheiro. Acabei indo

para Califórnia, estudei arranjo e composição, aí sim com muito afinco e disciplina.

Lá gravei meu primeiro disco, mas não sabia que tocava free jazz. Queria tocar o

jazz comum, mais pessoal, mas durante um solo sempre baixava um santo que

nem mesmo eu sabia o que acontecia. Via aqueles olhares dos músicos achando

que eu estava muito louco e fui levando na cabeça até ver que estava tentando

uma linguagem que não era com aqueles músicos. Eu tinha um professor que me

ensinava improvisação e falava que o que eu estava tentando fazer, não era errado,

mas não era o que queria me ensinar.

Acabei gravando um CD com músicas brasileiras para crianças e ficou totalmente

improvisado. Nem eu sabia que era free jazz. Cheguei ao free jazz de uma forma

pessoal também. Uma ebulição interna que vim a descobrir depois.

No Brasil existem músicos executando o free jazz?

Ivo Perelman: Faz poucos anos que a geração mais jovem, dos vinte anos, já começou

a absorver as coisas da geração que antecedeu a eles, mas é o começo de uma coisa

insipiente. Vai crescer porque é uma linguagem que é a última etapa do jazz e veio

livro_final_24032010.indd 137 25/3/2010 01:27:36

Page 158: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

138

ANEXOS

para ficar.

Quais foram suas inspirações?

Ivo Perelman: Na verdade, eu ouvia coisas mais tradicionais: bebop, Dexter Gordon,

Sonny Rollins, John Coltrane, muita música da China, da Índia, do Japão, folclórica,

muita música brasileira, Villa Lobos, música clássica, Stravinsky, um caldeirão misto

de influências.

Como é seu trabalho com a arte visual?

Ivo Perelman: Começou de uma forma muito expontânea. Nunca pensei em fazer

nada em relação a isso. Nunca fui ligado em artes. Aconteceu que teve uma época

que eu gravei muitos CD’s, fiz muitos trabalhos e esgotei um pouco minha capacidade

artística no mercado. Eu tinha muito CD e as gravadoras pediam para esperar um

pouco. Eu tinha muita necessidade de criar e precisava de outra linguagem. Aí veio

assim, de uma forma iluminada; um CD meu ia sair e a capa não gostei. Pensei com

meus botões: não está legal, eu que nunca fiz nada, se tentar fazer alguma coisa,

no mínimo vai sair uma coisa melhor e pelo menos minha. Se vou colocar a arte de

alguém que seja a minha arte. Então a caminho de casa comprei uma tela, umas

tintas, fiz e achei aquilo delicioso. Trabalhei o mês inteiro, não parava. Uma coisa

indescritível. Mostrei para um amigo artista plástico, que mostrou para uma amiga

que escreveu uma matéria e coloquei no CD. Fiz exposição e foi indo.

Nunca fiz nenhum desses estudos de cores. Depois que já estava fazendo é que

comecei a comprar livros, estudar isso, virei rato de museu. Mas primeiro fiz

livro_final_24032010.indd 138 25/3/2010 01:27:36

Page 159: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

139

ANEXOS

empiricamente.

Você tem algum método ou processo?

Ivo Perelman: Vem desse impulso nervoso musical. No começo eu fazia uma coisa

de cor, mais abstrata, gestual, mas essa coisa da linha era subjacente. Hoje percebo

isso, mas no começo eram muito cores. Aí fui depurando e chegando à linha. Aí

está, (se referindo a uma pintura sua) uma musicalidade muito forte na linha. Uma

intenção rítmica musical muito grande.

Então considera que sua inspiração ou processo de criação na música ou na pintura vem do mesmo lugar?

Ivo Perelman: Fundamentalmente vem. Os materiais obviamente são diferentes.

Eles influenciam um pouco o resultado final. Mas fundamentalmente, nos estágios

primários da criação, vem do mesmo lugar. Quando toco, estou vendo algumas

formas e quando estou pintando algumas formas, aquilo está soando para mim.

livro_final_24032010.indd 139 25/3/2010 01:27:36

Page 160: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

140

ANEXOS

2. Hermeto Pascoal

Entrevista com Hermeto Pascoal concedia a Marco Vasconcelos em São Paulo no

dia 03/09/2009

Como é a improvisação na sua música?

É igual aquele pintor que tem uma idéia e de repente ele vai olhar para a caneta

depois que ele tem a idéia, ele já perdeu a idéia ao olhar para a caneta. Ele já tem

que estar com a caneta na mão. Ele escolhe a cor antes. Então ele escolhe aquela

cor e só segura a caneta. Ele não sabe aquilo que vai vir. Então na música eu sou

assim. Eu até tenho essa experiência de não estar com o instrumento na mão,

geralmente os instrumentos estão na minha cabeça.

Eu sou um músico autodidata. Comecei aos quatorze anos. Fui para o Recife

escutava muitos ensaios com vários maestros como o Cosme Pereira, mas ninguém

livro_final_24032010.indd 140 25/3/2010 01:27:36

Page 161: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

141

ANEXOS

chegava até mim, eu bem pequenino, e mostrava o que estava acontecendo, o que

eu estava escutando, o que eu estava achando, ninguém falava nada comigo. Mas

aquela coisa ficava na cabeça sem premeditação por eu não saber teoria.

Eu não tenho medo das idéias que tenho, pelo contrário, eu necessito. A minha

vida, minha respiração é justamente a criatividade. Então quando eu digo sobre não

premeditação, se eu não tivesse essa capacidade de imaginar o meu instrumento,

na hora que viesse a idéia ou a intuição, que para mim é a mesma coisa, eu não

teria condições de tocá-la. Não teria condições de fazer aquilo.

O pessoal quando vai fazer um arranjo para uma orquestra, ou outra coisa, eles

pegam o papel, e riscam tudo no papel antes. Fazem como se fosse um alicerce para

levantar um edifício. Eu não estou criticando, mas é a realidade. Então quando o

cara termina de fazer a composição dele, ele sabe praticamente tudo que ele fez.

São aquelas pessoas que gostam de esquematizar as coisas. Pessoas que são muito

perfeccionistas. Isso não é uma criação natural. Isso é uma coisa premeditada, uma

coisa estudada. Não é uma coisa que nasce como uma fonte. Uma fonte ou uma

nascente que precisa que alguém beba a água dela para vir outra água, a outra

água está sempre esperando. A não premeditação é isso, quando a gente bebe

aquela água, a gente nunca sabe quando ela vai vir. Aquela outra não sabe nem

a hora que vai entrar em ação para as outras pessoas beberem. Aquela água tem

que estar preparada para quando alguém beber dessa água ela não secar. Na minha

mente é assim.

Sobre a não premeditação eu vou dar um exemplo: se você for fazer um show,

quando eu vou tocar aí em Recife, a imprensa pergunta o que eu vou fazer no show

e eu respondo: se você quiser que eu faça o show agora eu faço, mas mais tarde, eu

só sei que vai acontecer (o show). Quando eu dizia isso a impresa achava que eu só

livro_final_24032010.indd 141 25/3/2010 01:27:36

Page 162: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

142

ANEXOS

ia improvisar, mas não, estavam lá os arranjos, uns quinze ou vinte arranjos prontos

antes de a gente tocar, só que a coisa de não premeditação, é justamente isso: eu

sinto o show no momento! O que tem que mudar em algum arranjo por exemplo.

Tem uma lista dos arranjos, mas os meninos (músicos) já estão preparados por mim

para o que vai acontecer. Eu vou sentindo e vou dizendo o que vai acontecer no

show e vou mudando a estratégia. A gente nunca toca a lista como está lá, porque

o show muda, muda, muda, muda!

“A não premeditação é nunca colocar o saber antes do sentir”

Não estou generalizando. Tem momentos que tem que mudar porque senão você

vai andar na beira do rio e se você não conhece aquele caminho e tem um abismo

ou alguma coisa você tem que perguntar ou se informar com alguém. Mas antes

você já teve a intuição de perguntar. Mas entra a intuição, entra o sentir e se

você perguntar é porque você já sentiu alguma coisa diferente. Então é isso, se as

pessoas colocassem sempre o sentir antes..., acreditar nele! Porque quando vem,

não avisa nada! Você sabe quando vai ter soluço?

Para mim a música está em todos os contextos. Eu não separo a música, de um bom

motorista, um bom engraxate, aquele que engraxa o sapato e deixa brilhando! Eu

olho para o sapato e toco!

Eu estou fazendo agora, uma maneira de tocar, até experimentei na Europa, na

Inglaterra, eu escrevi... Eu pinto, eu pinto uns negócios doidos, digo doido porque a

gente gosta, eu vou pintando como eu toco, entende? Eu vou pintando até chegar

ao ponto das coisas que eu quero e as coisas vão acontecendo. Então eu fui fazer

um trabalho na Inglaterra com a big band e levei essa “partitura”. Quando chegou

a hora do ensaio a gente passou uma porção de arranjos, né, aí eu mostrei aquilo

livro_final_24032010.indd 142 25/3/2010 01:27:36

Page 163: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

143

ANEXOS

e disse: tá aqui ó, isso aqui é pra tocar! Eu os assustei. Eu pedi para chamar dois

trompetes (dois trompetistas) e disse: agora vamos um de cada vez, e disse: pode

tocar! Daí veio à pergunta: o quê? Se ele não perguntasse “o quê?” para mim teria

sido uma frustração porque daí não ia se interessar daí não ia tocar nada. Quando

ele perguntou “o quê?” era justamente o que eu queria. Eu disse para ele para fazer

de conta que estava em um parque e para cada coisa que ele sentir, criar alguma

coisa! Aí ele começou a tocar e o cara foi ficando vermelho porque eles são músicos

padronizados, todos estudam a mesma coisa. Quando ele começou a ouvir o que

estava tocando ele nem acreditava no que estava tocando, para você ver que ele

não estava acostumado a criar. Que você (eu) seja testemunha disso que eu estou

te dizendo agora. Aí o outro trompete ficou louco e começou a tocar também. E

ficou uma coisa diferente da outra. Aí um por um da orquestra foi se levantando e

pedindo espaço! Eram trinta músicos tocando naquela “partitura” e nenhum deles

fazia a mesma coisa.

Todo mundo tem seu poder de criação. Todo músico nato tem. Até quem não é

músico nato também consegue mostrar sua ingenuidade bonita sobre aquilo.

Isso surgiu porque toda vez que eu ia tocar em um lugar, as pessoas vinham e

me davam um quadro. Então eu dizia você pode ir ao show que eu vou tocar esse

quadro. E se você gravar vai levar a música que eu fiz para seu quadro. Porque se

outra pessoa tocar é outra música. Então não adianta querer achar que um quadro

é só um quadro. As pessoas não sentem a mesma coisa quando vêem o mesmo

quadro. Só as pessoas que não tem muito alcance é que vêem uma coisa e acham

que é a mesma coisa. Então não é só a pessoa que criou aquilo, é bom quando tem

essa coisa mútua. Qualquer show que eu toco o público participa sempre.

É porque é um erro quando as pessoas fazem as coisas: pintam um quadro ou

livro_final_24032010.indd 143 25/3/2010 01:27:36

Page 164: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

144

ANEXOS

fazem uma música e querem explicar a música. Você não pode explicar a música

porque cada pessoa que olha não sente a mesma coisa. As pessoas sentem nas

escolas porque são conduzidas a olhar um quadro e sentir a mesma coisa. Isso é

um desastre.

Não aceitar tudo que é imposto também é não premeditação. Não aceitar a

imposição do que tocar também. O público quando vai ao meu show sabe que

não vai acontecer a mesma coisa do disco. Cada vez que a gente toca é como se a

gente olhasse para um quadro e criasse sobre aquele quadro. Porque tem sempre

coisa nova e diferente para se ver num quadro, que está lá, mas você (público)

também tem que ter criação para juntar com aquilo e criar uma coisa nova. Para

ler um livro, por exemplo, as pessoas ficam apaixonadas pelo autor do livro e se

esquecessem de sua própria alma, do seu espírito. Porque não admirar as pessoas,

mas também sempre se (admirar a si mesmo) admirar mais também. Não é porque

é o Hermeto, ele é o maior. Ninguém é maior sozinho!

“A não premeditação é deixar sempre a intuição fluir”, aquilo que você imagina. É

sempre deixar o sentir na frente. É do sentir que vem todas as outras coisas.

As escolas ensinam composição, mas isso não é ensinar composição, é ensinar a

decorar. O certo é o professor, por exemplo, passar uns acordes e os alunos então

criarem suas composições. Isso é uma maneira de se fazer. O resultado deve ser

independente do gosto do professor. Os outros não tem que pensar como ele. Se

eu fosse professor não ia gostar das pessoas “achando” como eu acho, assim não

estava ensinando nada. Você deve seguir o professor até o ponto que se sentir vem.

O professor também não tem culpa de também ter aprendido assim, mas ele pode

mudar.

livro_final_24032010.indd 144 25/3/2010 01:27:36

Page 165: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

145

ANEXOS

Quase todo arranjo que eu faço, eu não sei quase nada daquilo. Uma coisa ou outra

eu me lembro. Justamente porque na hora que eu vou escutar, eu nunca sinto da

mesma maneira, é outro sentimento. Então para que encher a partitura de nuances,

dizendo como tem que se tocar? A estrutura tem que ser á vontade. Quando eu

escrevo eu digo (ao músico) “A estrutura é sua”, só não mudem o tema. A harmonia

pode mudar á vontade também. Agora a música em si não, porque é como se fosse

um filho que nasceu.

A “mãe da música é a harmonia”, é ela que passa tudo isso.

Muita gente que não sabe nada, não sabe um tom como eu também não sabia,acha

que não tem condição de criar. Aí está o erro.

Todo músico conseguiria tocar assim?

Todo músico, mesmo esses que começaram olhando o “papel”, qualquer músico,

qualquer pessoa que tenha musicalidade faz. Porque isso é um alívio para o músico,

um lazer para você se soltar.

Quando eu vou tocar e faço um arranjo para a sinfônica ou para a big band, uma

das coisas mais lindas que eu presto atenção que é justamente antes de tocar

quando os músicos tiram os instrumentos do estojo e eles começam a tocar sem

saber o que estão tocando, só para “esquentar” os instrumentos. O que sai de coisa

muito mais bonita do que coisas que você toca no disco. Porque que eu presto

atenção a isso? Porque quando eu comecei a escrever arranjo em São Paulo, eu não

sabia nada dos instrumentos, então pelo ouvido eu juntava o cara tocando uma

viola, um violino ou qualquer instrumento eu ficava tocando com minha voz, eu

ia acompanhando (Hermeto canta para mostrar) e na minha cabeça aquilo ficava.

livro_final_24032010.indd 145 25/3/2010 01:27:36

Page 166: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

146

ANEXOS

Porque eu tinha aquela intuição na hora de criar de ver de sentir a intensidade

dos instrumentos, mas sem saber o nome. Depois de muitos anos quando comecei

a querer a aprender esse negócio de arranjo, eu já tinha na cabeça os sons desses

instrumentos, mas notas e como escrever para eles eu não sabia.

Agora em alguns desenhos eu estou botando acordes. Não vou por um tema para

tocar porque aí eu vou tirar a criatividade da pessoa que pode criar um tema sobre

aquilo ali. Então eu ponho as cifras e eles tocam aquilo ali. Então quem quiser tocar

pega seu instrumento, olha para aquele quadro e se inspira, Tem coisa que você vê

e acha chato então você toca uma coisa chata. Mas é como pegar uma água que

está suja e filtrar.

Toda pessoa que tocou comigo aprendeu uma coisa: ser você mesmo. Se influenciar

é uma coisa é como a semelhança que Deus deu para nós, o corpo é semelhante, a

alma com certeza é semelhante também, então a música também é. Eu nunca me

bloqueio para não ter influencia dos outros, do meu grupo, por exemplo, só porque

eu sou o líder por exemplo. É como a influencia que um pai tem sobre os filhos.

Existe ensaio no seu grupo?

Ensaiamos por quase 20 anos nesse grupo que vai para Recife. Cada membro do

grupo não tocou menos de 10 anos no grupo. A gente ensaiava das 14h00 até as

22h00 todos os dias.

livro_final_24032010.indd 146 25/3/2010 01:27:36

Page 167: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

147

ANEXOS

3. Kiko Farkas

Entrevista com Kiko Farkas concedia a Marco Vasconcelos em São Paulo no dia

13/12/2009

Quando você tem um modelo, você trabalha criando uma nova imagem, a partir de

uma imagem que todo mundo já tem, seja musical, seja visual, então você consegue

criar uma relação entre uma imagem que você está criando e uma imagem que está

na sua cabeça. Na publicidade, por exemplo, ela é imediata, é igual. A imagem que

você tem com a imagem que eu uso é a mesma. É só você dar uma distorcidinha

no sentido para que ela seja engraçada para que você se lembre. Mas quando você

pega uma improvisação no jazz que faz uma versão de 25 minutos, a imagem que

se cria é muito distante da imagem original. Então essas possibilidades de criação

de novas imagens é que são o barato interessante como linguagem. À medida que

livro_final_24032010.indd 147 25/3/2010 01:27:36

Page 168: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

148

ANEXOS

você vai conseguindo trabalhar com imagens criadas por você, a partir de imagens

existentes, é essa habilidade de deixar pedaços, que é uma coisa muito interessante

para nós designers.

Você pensa: bom o inconsciente coletivo é isso aqui o que eu vou fazer com isso?

Eu vou fazer em cima, vou fazer um pouco do lado, vou fazer muito longe, enfim,

acho que essas coisas não são muito óbvias.

Por exemplo, você pega aquela lata do Pão de Açúcar que eu fiz. Aquilo ali é uma

releitura daquele biscoito de chocolate, aquele que é um sanduíchinho, que vem

com uns furinhos. Está lá agora, mas a que distancia? Depende de você descobrir.

Essa relação às vezes é muito distante e às vezes é muito próxima. Depende. E

também não tem muita vontade de definir cada coisa, depende muito do que você

trabalha. Por exemplo: com livro, com capa de livro você também tem isso, você

tem um assunto, tem uma época, tem um personagem, enfim, sempre tem alguns

elementos que se pode trabalhar. A partir desses elementos sua sensibilidade é que

vai determinar até que ponto você pode ir. Às vezes pode esticar, esticar, esticar,

esticar e parar um mililitro antes dela se romper, às vezes não, às vezes tem que

fazer uma coisa que é praticamente o óbvio. A maneira como você escolhe, essa é

que é o barato. Quer dizer, o que define um design é muito menos a fonte que se

usa, a cor e tal e muito mais a maneira que se elabora esse tipo de universo. Como

é que se torna visível aquilo que é invisível.

Mas quero dizer, é uma coisa que também não pensei muito na hora. Você colocar

o trabalho de pé a partir de um nada, você não precisa de muita coisa, só precisa

de um pequeno impulso né?

Por exemplo, esse aqui, você conhece? Esse aqui é um catalogo de uma exposição

livro_final_24032010.indd 148 25/3/2010 01:27:36

Page 169: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

149

ANEXOS

que teve ano passado. Uma exposição de 40, 50 anos de comemoração do Segal,

uma exposição na FIESP. Sentado com o Thiago, a gente estava começando a fazer

e aí a gente estava trabalhando e aí de repente a gente fazendo umas faixas e tal,

apareceu uma coisa assim, apareceu assim e a gente começou a fazer esconder

uma parte do quadro e tal e de repente surgiu essa coisa que nem me lembro se

foi por acaso, só sei que apareceu essa coisa de veladura do quadro ai falei: pára,

pára, Aí começamos a trabalhar em cima dessa coisa, desvelando uma imagem,

como se essa imagem estivesse sendo vista pela primeira vez. Quando sentamos

lá, não partimos desse conceito, mas esse conceito apareceu a partir dessa nossa

coisa dos dois ali mexendo, mexendo e aí o catalogo ficou de pé! A gente não ficou

discutindo, não partiu de nada, não teve um monte de idéias, simplesmente surgiu.

E isso é que deu personalidade para o catalogo.

Não tem grandes mistérios. Existiu um pintor chamado Boi, que tem uma frase

muito bacana sobre os quatros estágios da pintura: Quando você é criança, você

pinta para seus pais. Depois que pinta para seus pais passa a pintar para seus

amigos verem sua relação com seu universo. Depois tem uma época que você passa

a pintar para você mesmo ver aquilo que faz. E a ultima etapa é que você pinta para

que o quadro te veja. Bonito né? Eu pensei muito sobre isso. Acho que existe uma

visão importante que é ter um relacionamento de troca com o seu trabalho. Olhar

para o trabalho. Falo muito isso para os meninos: olhar para o trabalho e tentar

descobrir o que o trabalho pede, o que aquela imagem pede, o que aquele trabalho

precisa. Porque a gente tem uma relação muito autoritária com o trabalho, muita

egoísta. E você acaba se colocando tanto, que sufoca o trabalho.

Quando você fala de acaso existe o erro, existe o imprevisto que não são coisas

livro_final_24032010.indd 149 25/3/2010 01:27:37

Page 170: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

150

ANEXOS

totalmente intercambiada umas com as outras, elas fazem parte de um universo

que não é exato ou não é previsto. Eu acho que esse universo de coisas inexatas,

sei lá, não sei como definir isso, é o próprio universo da criação. Não existe criação

sem esse coeficiente de mistério.

Quando você trabalha com outra pessoa existe uma chance daquilo que é imprevisto

acontecer maior do que quando você trabalha sozinho. Trabalho com meus dois

assistentes e existe um movimento de soltar, depois recolher, soltar, recolher.

Eles estão trabalhando, eu sento junto e a gente enxuga ali, uma contribuição do

outro. É muito informal. Prezo muito que cada um tenha sua identidade. Tenho

que entender qual é o pensamento deles num determinado assunto de trabalho,

como é o raciocínio criativo de cada um, ao mesmo tempo em que eu tenho que

entender como que o raciocínio pode interferir, pode modificar e como o raciocínio

deles muitas vezes interfere no meu raciocínio. É uma negociação muita complexa,

porque não é uma coisa que se possa fazer sem ego, embora a gente tente minimizar,

sempre tem. Não sei se é ego, ego é uma palavra meio depreciativa, mas é uma

afirmação autoral. É uma negociação muito complexa e quando dá certo é muito

eficiente e muito prazerosa. Um processo criativo sensacional.

Uma coisa muito interessante que a Paula Sher fala, é que as coisas realmente

importantes que realizou na vida, vieram no momento em que não se sentia

preparada, ou não existia uma compensação financeira, ou ainda entravam em um

campo totalmente desconhecido.

livro_final_24032010.indd 150 25/3/2010 01:27:37

Page 171: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MARCO ANTONIO … · 063 Capítulo 3 – Design gráfico e jazz: a convergência do acaso 063 3.1 Acaso como acidente 069 3.2 Acaso como abertura para

livro_final_24032010.indd 151 25/3/2010 01:27:37