Uma polêmica sobre as frentes "antineoliberais" e os "partidos amplos anticapitalistas" - Que...

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Claudia Cinatti Introdução Publicamos aqui um brevíssimo excerto de texto bem mais amplo que trata do tema de partidos originários da esquerda, com certa base operária e que se tornaram agentes da ofensiva neoliberal. Foi o caso do PT. Esse transformismo de partidos operários reformistas em agentes diretos do capital, por sua vez, abriu caminho para experiências como a do “partido anticapitalista” na França ou o PSOL no Brasil – dentre outros – os quais mesmo pretendendo superar aquelas experiências (como o PT no Brasil ou o PS francês), estabelecem marcos políticos e programáticos que não permitem superar aquela experiência anterior, nefasta para a classe operária. Porque e em que marcos políticos e históricos esse processo se dá e porque é de suma importância entender que a tática de construção do partido revolucionário, de massas e operário, precisa ser articulada ativa e organicamente com seus objetivos estratégicos: eis o tema do excerto a seguir. A autora nos brinda com argumentos de uma dialética que tem toda atualidade e importância para que o balanço da experiência falida e desastrada do PT não dê lugar à sua reedição piorada, isto é, a outro partido que não sirva aos objetivos históricos, programáticos e revolucionários da classe trabalhadora do campo e da cidade. Gilson Dantas Uma série de fatores históricos convergiram para a conformação de um cenário complexo: a ofensiva neoliberal; o retrocesso da classe operária nas suas Claudia Cinatti é graduada pela Universidade de Buenos Aires, integra a revista Lucha de Clases e o Conselho Editorial da Revista Estratégia Internacional, Buenos Aires, e o Conselho Assessor do Instituto do Pensamento Socialista Karl Marx. O artigo do qual publicou este excerto saiu na Revista Estratégia Internacional n. 24, deciembre 2007 ⁄ enero 2008, Buenos Aires, p. 77-108. conquistas materiais, na sua organização e capacidade de luta e, finalmente, o colapso dos regimes stalinistas entre 1989-1991 e a restauração capitalista sem resistência operária. São estes os ingredientes para que, desde as fileiras do marxismo militante até o marxismo acadêmico imbuído pelas ideologias da moda, fosse proclamado, de fato, o fim da era aberta pela Revolução Russa de outubro de 97 . Em um artigo no qual tentava rebater os argumentos daqueles que, pretendendo atacar o stalinismo, atacavam o bolchevismo e o marxismo, Trotski argumentou que as épocas reacionárias “não só desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, como também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retrocedem o pensamento político a etapas já amplamente superadas”. E definia como a tarefa mais importante da vanguarda “não deixar-se ser arrastrado pelo fluxo regressivo, mas sim nadar contra a corrente” e “agarrar-se a suas posições ideológicas”. Ainda que, seguramente, os ingênuos possibilistas confundiriam esta política com “sectarismo”, apelando à experiência histórica do bolchevismo em momentos de reação, Trotski concluía que era “a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzisse o seguinte ascenso da maré histórica” . Se observarmos as conseqüências da ofensiva neoliberal, veremos que, efetivamente, o “pensamento político”, inclusive daqueles que se reivindicam marxistas, retrocedeu a etapas já superadas: desde o retorno de um tipo de neoberstenianismo, até as utopias libertárias e autonomistas, elas pretendem apresentar-se como grandes novidades. Uma parte importante das organizações da esquerda Por exemplo, em um artigo, A. Artous afirma que “o atual período está caracterizado pelo fim do ciclo histórico que começou com outubro de 97 (…) O período que começou com outubro de 97 corresponde em termos gerais com a história de Hobsbawm do curto século XX”. A conseqüência óbvia disso é a reformulação do projeto estratégico que deu lugar nos últimos anos a um debate dentro da Liga Comunista Revolucionária francesa. Leon Trotski, Bolchevismo y stalinismo - sobre las raízes teoricas de la IV Internacional, 9 de agosto de 97, Escritos León Trotski 1929-1940, Buenos Aires, CEIP, edição digitalizada. Uma polêmica sobre as frentes “antineoliberais” e os “partidos amplos anticapitalistas” Que partido para qual estratégia? (Excerto) DOSSIÊ PT - 30 anos

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Claudia Cinatti�

Introdução Publicamos aqui um brevíssimo excerto de texto bem mais amplo que trata do tema de partidos originários da esquerda, com certa base operária e que se tornaram agentes da ofensiva neoliberal. Foi o caso do PT. Esse transformismo de partidos operários reformistas em agentes diretos do capital, por sua vez, abriu caminho para experiências como a do “partido anticapitalista” na França ou o PSOL no Brasil – dentre outros – os quais mesmo pretendendo superar aquelas experiências (como o PT no Brasil ou o PS francês), estabelecem marcos políticos e programáticos que não permitem superar aquela experiência anterior, nefasta para a classe operária. Porque e em que marcos políticos e históricos esse processo se dá e porque é de suma importância entender que a tática de construção do partido revolucionário, de massas e operário, precisa ser articulada ativa e organicamente com seus objetivos estratégicos: eis o tema do excerto a seguir. A autora nos brinda com argumentos de uma dialética que tem toda atualidade e importância para que o balanço da experiência falida e desastrada do PT não dê lugar à sua reedição piorada, isto é, a outro partido que não sirva aos objetivos históricos, programáticos e revolucionários da classe trabalhadora do campo e da cidade.

Gilson Dantas

Uma série de fatores históricos convergiram para a conformação de um cenário complexo: a ofensiva neoliberal; o retrocesso da classe operária nas suas

� Claudia Cinatti é graduada pela Universidade de Buenos Aires, integra a revista Lucha de Clases e o Conselho Editorial da Revista Estratégia Internacional, Buenos Aires, e o Conselho Assessor do Instituto do Pensamento Socialista Karl Marx. O artigo do qual publicou este excerto saiu na Revista Estratégia Internacional n. 24, deciembre 2007 ⁄ enero 2008, Buenos Aires, p. 77-108.

conquistas materiais, na sua organização e capacidade de luta e, finalmente, o colapso dos regimes stalinistas entre 1989-1991 e a restauração capitalista sem resistência operária. São estes os ingredientes para que, desde as fileiras do marxismo militante até o marxismo acadêmico imbuído pelas ideologias da moda, fosse proclamado, de fato, o fim da era aberta pela Revolução Russa de outubro de �9�7�.

Em um artigo no qual tentava rebater os argumentos daqueles que, pretendendo atacar o stalinismo, atacavam o bolchevismo e o marxismo, Trotski argumentou que as épocas reacionárias “não só desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, como também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retrocedem o pensamento político a etapas já amplamente superadas”. E definia como a tarefa mais importante da vanguarda “não deixar-se ser arrastrado pelo fluxo regressivo, mas sim nadar contra a corrente” e “agarrar-se a suas posições ideológicas”. Ainda que, seguramente, os ingênuos possibilistas confundiriam esta política com “sectarismo”, apelando à experiência histórica do bolchevismo em momentos de reação, Trotski concluía que era “a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzisse o seguinte ascenso da maré histórica”�.

Se observarmos as conseqüências da ofensiva neoliberal, veremos que, efetivamente, o “pensamento político”, inclusive daqueles que se reivindicam marxistas, retrocedeu a etapas já superadas: desde o retorno de um tipo de neoberstenianismo, até as utopias libertárias e autonomistas, elas pretendem apresentar-se como grandes novidades.

Uma parte importante das organizações da esquerda

� Por exemplo, em um artigo, A. Artous afirma que “o atual período está caracterizado pelo fim do ciclo histórico que começou com outubro de �9�7 (…) O período que começou com outubro de �9�7 corresponde em termos gerais com a história de Hobsbawm do curto século XX”. A conseqüência óbvia disso é a reformulação do projeto estratégico que deu lugar nos últimos anos a um debate dentro da Liga Comunista Revolucionária francesa.

� Leon Trotski, Bolchevismo y stalinismo - sobre las raízes teoricas de la IV Internacional, �9 de agosto de �9�7, Escritos León Trotski 1929-1940, Buenos Aires, CEIP, edição digitalizada.

Uma polêmica sobre as frentes “antineoliberais” e os “partidos

amplos anticapitalistas”Que partido para qual estratégia?

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Contra a Corrente �

de origem trotskista não souberam “agarrar-se” às posições ideológicas e estratégicas, como mostra, por exemplo, a renúncia da Liga Comunista Revolucionária a lutar pela ditadura do proletariado.

Depois de um retrocesso sustentado de ao menos �0 anos de ataques neoliberais a realidade mudou. Para pegar uma data emblemática, esta mudança começou lenta, mas sustentadamente em �995 com a greve dos trabalhadores dos serviços na França, que atuou como um ponto de inflexão e como o começo de uma renovada resistência operária à ofensiva patronal.

Logo em seguida, veio o surgimento do movimento antiglobalização com as mobilizações em Seattle, de �999 e, posteriormente, o movimento contra a guerra imperialista no Iraque.

Na América Latina se aprofundou a tendência à ação direta e aos levantamentos populares (Argentina em �00�, Bolívia em �00�, Equador, etc.) que acabaram derrubando alguns dos governos neoliberais, dando lugar a uma alteração governamental e ao ressurgimento de tendências populistas.

O crescimento econômico dos últimos quatro anos fortaleceu as fileiras operárias desde o ponto de vista social, com a incorporação de milhões de novos trabalhadores jovens à força de trabalho e também do ponto de vista da luta reivindicativa, dando lugar, em muitos casos, ao surgimento de processos de reorganização ou à prática de métodos de luta radicalizados.

No entanto, essa recuperação também favoreceu ao desenvolvimento de tendências reformistas, tornando muito mais contraditória e complexa a perspectiva da constituição da classe operária, enquanto sujeito político hegemônico de um projeto emancipador e sua expressão mais consciente na organização de partidos operários marxistas com forte inserção no proletariado.

Isso se torna evidente pela inexistência de tendências à independência de classe de setores significativos do movimento operário.

O outro grande fenômeno político atuante, além da volta à cena de lutas operárias, é a crise dos chamados “partidos operário-burgueses” – principalmente o SPD alemão, o PS francês, o Labour Party britânico, os Partidos Comunistas da Itália e da França e o PT do Brasil–, quer dizer, os partidos operários reformistas majoritariamente fundados no fim do século XIX e princípios do século XX (a exceção do PT brasileiro que foi um fenômeno tardio), que foram a direção histórica do movimento operário, compartilhada com o nacionalismo burguês em diversos países da periferia capitalista.

A crise desses partidos corresponde ao fato de terem se tornado os agentes da ofensiva neoliberal, transformando-se em partidos sociais liberais, o que os distanciou totalmente de sua base eleitoral tradicionalmente operária.

(...)

Sobre partidos e estratégiasEm um velho artigo de �969, no marco de uma

polêmica com Jean Paul Sartre, a intelectual comunista italiana Rossana Rossanda recorria a uma simples verdade histórica, afirmava que a “teoria da organização encontra-se estreitamente vinculada com uma hipótese acerca da revolução e não pode ser separada dela”�.

Esta relação entre a construção de uma organização, suas táticas e seus objetivos estratégicos – com sua “hipótese estratégica para a revolução” – marcou a história do Partido Bolchevique, cujas tarefas e sua política em “tempos de paz” ou inclusive sob a reação, estavam em função da revolução operária a qual se preparava para dirigir5.

Como explicava Lenin, o bolchevismo só pôde ter um papel dirigente em outubro de �9�7 e durante a guerra civil por duas razões fundamentais: 1) por seus sólidos fundamentos teóricos; �) por sua história prática que, dadas as condições russas, em somente quinze anos, entre �90� e �9�7, havia passado por uma amplíssima gama de experiências que incluia o trabalho “legal e ilegal, pacífico e tormentoso, clandestino e aberto, de propaganda nos círculos e de propaganda entre as massas, parlamentar e terrorista”. Esta particularidade fez com que num breve período não só concentrasse uma grande variedade de métodos de luta de classes, mas também que a classe operária, “como conseqüência do atraso do país e do peso do domínio do czarismo, amadurecesse com particular rapidez e assimilasse com particular avidez e eficácia a ‘última palavra’ correspondente da experiência política americana e européia”6.

Nesse mesmo sentido, ainda que em condições históricas muito distintas das que levaram ao desenvolvimento do bolchevismo na Rússia, as “manobras táticas” que Trotski recomendava aos grupos que constituiam a Oposição de Esquerda primeiro, e logo a IV Internacional, como o entrismo, ou a tática de partido de trabalhadores, mantinham uma relação dialética com os objetivos de construção de partidos operários marxistas em momentos nos quais os tempos haviam se acelerado, a luta de classes havia cada vez mais se agudizado, mas a relação entre o proletariado e o marxismo revolucionário tinha como obstáculo a existência de partidos socialdemocratas reformistas ou comunistas stalinizados.

Evidentemente, hoje continua sendo uma necessidade para os revolucionários ter políticas transicionais e

4 R. Rossanda, “De Marx a Marx: clase y partido”, Teoría Marxista del Partido Político Nº 3, México, Pasado y Presente, 1987, pág. ��.

5 Para uma visão mais profunda sobre esse tema ver “Lenin e a história do Partido Bolchevique”, em La Verdad Obrera, maio-junho de �006.

6 V. I. Lenin, O esquerdismo, doença infantil do comunismo, Buenos Aires, Anteo, 1985.

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Que partido para qual estratégia? (Excerto) �

táticas no terreno da construção partidária que permitam traçar uma ponte até os setores mais avançados da vanguarda proletária. Do contrário, se aumenta o risco de degeneração sectária em um período histórico no qual a revolução operária esteve fora de cena durante as últimas três décadas e que o colapso dos regimes stalinistas e a restauração capitalista facilitaram a propaganda burguesa de que não há alternativa para o capitalismo.

Uma grande parte das correntes da chamada “extrema esquerda” vem manifestando um ceticismo histórico de que se possa reconstruir o marxismo revolucionário no seio da classe operária e, em última instância, de que as massas se levantem violentamente contra o poder burguês e voltem a colocar na ordem do dia a revolução social.

Os projetos de “partidos amplos” e “frentes antineoliberais” são o oposto de uma tática política que, como dizia Trotski com relação à consigna de partido de trabalhadores, ao ajudar os operários a avançarem em sua independência com relação à burguesia e na necessidade de intervir na luta política, abria o caminho para o fortalecimento de um partido marxista revolucionário na classe operária.

Nenhuma frente ou partido – “antineoliberal” ou “anticapitalista” – sem delimitação clara de classe, sem um programa que transitoriamente tenha a revolução como objetivo, sem uma política para intervir audazmente na luta de classes atual, tomando os conflitos verdadeiramente como uma “escola de guerra” para lutar pela expulsão das burocracias sindicais, o exercício da democracia operária e, em última instância, impulsionar as tendências progressistas que apontam para a superação do corporativismo e a transformação da classe operária em classe hegemônica, permitirá que a classe operária avance em um sentido revolucionário mas, pelo contrário, “trabalhará” para a estratégia de classes ou setores de classe inimigos da revolução.

Um dos argumentos com os quais pretende-se justificar esses projetos, além da marginalidade ou da escassa incidência das correntes da esquerda trotskista e a necessidade de superar o “sectarismo”, é a “renovação” do marxismo em função das transformações das últimas décadas. No entanto, essa aparente “renovação” parece ser mais a adoção dos novos “dogmas” antimarxistas de nossa época, que recordam no seu início a revisão teórica iniciada por Bernstein. A adaptação ao que está dado é tão velha como a política e, uma vez mais, nesse terreno a novidade resulta em ser a repetição degradada de antigos erros.

Em um texto de �909 dirigido essencialmente contra os mencheviques, Trotski mencionava algumas das características do oportunismo, que vale a pena recordar por sua impressionante atualidade. Dizia que: “Nos períodos em que as forças sociais aliadas e adversárias, tanto por seu antagonismo como por suas reações mútuas, levam a uma vida política sem movimento;

quando o trabalho molecular do desenvolvimento econômico, reforçando mais ainda as contradições, ao invés de romper o equilíbrio político, parece mais endurecer-lhe provisoriamente e assegurar-lhe uma espécie de perenidade, o oportunismo, devorado pela impaciência, busca em torno de si ‘novas vias’, ‘novos’ meios de realização. Se esgota em lamentações sobre a insuficiência e a incerteza de suas próprias forças e busca ‘aliados’ (…) Quando os aliados da oposição não podem lhe servir, corre ao governo, suplica, ameaça… Por último, encontra um lugar no governo (ministerialismo), mas somente para demonstrar que, se a teoria não pode adiantar o processo histórico, o método administrativo tampouco consegue melhores resultados”7.

Historicamente a ruptura entre os interesses imediatos e os objetivos históricos, entre a tática e a estratégia, entre o “programa mínimo” e o “programa máximo”, deu lugar ao oportunismo político e ao revisionismo teórico nas correntes do movimento operário.

Salvo as diferenças, tanto na LCR, como no PSOL ou na DS do Brasil, ou no SWP é possível reconhecer alguns dos resquícios desse velho oportunismo.

O que significa acreditar que o “socialismo do século XXI” será um “socialismo empresário” com Chávez e a burguesia venezuelana, quer dizer, uma absoluta contradição nos termos? Como explicar o “municipalismo” ou o “ministerialismo” da LCR e do Secretariado Unificado se não é por ter renunciado a uma estratégia revolucionária e ter se adaptado à “normalidade” da democracia burguesa? Como interpretar, se não como oportunismo, os acordos de governabilidade do Bloco de Esquerda com a social-democracia em Portugal? Em síntese, que nome dar à estratégia de construir durante toda uma etapa histórica, movimentos ou partidos comuns entre revolucionários e reformistas?

A história do século XX demonstrou pela positiva no caso da Revolução Russa de �9�7, mas essencialmente pela negativa, que não é possível construir um partido operário marxista no curso mesmo dos acontecimentos revolucionários, mas sim que para cumprir um papel decisivo, este deve ter desenvolvido, no período anterior, uma inserção qualitativa na classe operária e uma experiência prática na luta de classes que tenha posto a prova sua teoria, sua estratégia e sua capacidade para influir nos setores avançados do proletariado.

Aqueles que seguimos reivindicando a necessidade de uma revolução social que ponha fim ao capitalismo , a ditadura do proletariado, o desenvolvimento de organismos de auto-determinação de massas como expressão mais elevada do agudizamento da luta pelo poder político, a “insurreição como arte”, o pluripartidarismo soviético e o caráter internacional da revolução, devemos intervir

7 Leon Trotski, “Nuestras diferencias” (junho de �909), 1905, Buenos Aires, CEIP, 2006. pág. 345-6.

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nos debates estratégicos em curso para recriar o ponto de vista do marxismo revolucionário. Como diz o Programa de Transição, “A IV Internacional não busca nem inventa nenhuma panacéia. Mantem-se inteiramente no terreno do marxismo, única doutrina revolucionária que permite compreender a realidade, descobrir as causas das derrotas e preparar conscientemente a vitória”. Como mostramos, nada disso é o que apontam os projetos oportunistas de “partidos amplos” sem delimitação estratégica nem de classe. Mas a oposição a estas políticas não deve levar tampouco à autoproclamação estéril de pequenos grupos. Para avançar em direção à construção de verdadeiros partidos marxistas revolucionários, é preciso sustentar distintas políticas transitórias que permitam dar passos na independência política da classe operária.

Trotski: a defesa da posição de princípio correta quando o “pensamento

único” prevalece

“Épocas reacionárias como a atual não apenas desagregam e enfraquecem a classe operária, isolando-a de sua vanguarda, como também

rebaixam o nível ideológico geral do movimento, fazendo retroagir o pensamento político a etapas

já superadas desde há muito tempo. Nestas condições, a tarefa da vanguarda consiste, antes de tudo, em não deixar-se arrastar pelo refluxo

geral: é necessário avançar contra a corrente. Se as desfavoráveis relações de forças não permitem conservar antigas posições políticas, pelo menos se deve conservar as posições ideológicas, pois nelas se concentram a custosa experiência do

passado. Aos olhos dos tolos, tal política aparece como “sectária”. Em realidade é a única maneira

de preparar um novo e gigantesco salto para a frente, impulsionada pela onda ascendente do

próximo ascenso histórico”.(Bolchevismo e stalinismo de Trotski,

�9 agosto �9�7)

Trotski: sem revolução política a URSS será vítima da restauração capitalista

“Recordemos o prognóstico que os bolcheviques fizeram não somente às vésperas da Revolução

de Outubro, como também anos antes. O agrupamento fundamental das forças em escala nacional e internacional abre pela primeira vez

para ao proletariado de um país tão atrasado como a Rússia a possibilidade de chegar à conquista do poder. Mas esse mesmo agrupamento de forças permite assegurar de antemão que sem a vitória mais ou menos rápida do proletariado dos países adiantados o Estado operário não podia manter-se na Rússia. O regime soviético, abandonado às suas próprias forças, cairá ou degenerará. Mais exatamente: primeiro degenerará e logo cairá

rapidamente. Eu tive oportunidade de escrever sobre isso, mais de uma vez, desde �905. Em minha História da Revolução Russa (apêndice ao último tomo, “Socialismo em um só país”)

há uma resenha do que disseram a esse respeito os chefes do bolchevismo desde �9�7 até �9��. Tudo se reduz a uma só coisa: sem revolução

no Ocidente o bolchevismo será liquidado pela contra-revolução; pela intervenção estrangeira ou por sua combinação. Lênin, em particular, indicou mais de uma vez que a burocratização do regime

soviético não é uma questão técnica ou de organização, mas que é o começo de

uma possível degeneração social do Estado operário”.

(Bolchevismo e stalinismo de Trotski, �9 agosto �9�7)