UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir...

12
origem desse mesmo narcisismo são os elementos primor- diais diferenciadores dos diversos estilos de liderança. * PALAVRAS-CHAVES: Personalidade, narcisismo, estilos de liderança, funcionamento organizacional . COLABORAÇÃO INTERNACIONAL NARCISISMO E LIDERANÇA UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* , t t • Manfred F.R. Kets de Vries Titular da cadeira Raoul de Vitry d' Avaucourt em Administração de Recursos Humanos no INSEAD, Fontainebleau. • Danny Miller Pesquisador Titular na Ecole des Hautes Etudes Commerciales, Montréal, Canadá. Tradução de Maria lrene Stocco Betiol - Professora Assistente do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV - e Olivier Girarei- aluno do Curso de Graduação em Administração de Empresas da EAESP/FGV. * RESUMO: A problemática da liderança e das carac- terísticas de personalidade dos líderes, não obstante o grande número de pesquisas realizadas, parece não estar ainda suficientemente explorada. Segundo os autores deste artigo, o que parece haver em comum entre a maio- ria dos líderes é a capacidade de despertar emoções primi- tivas, tais como: fortes identificações ou rejeições, amor e ódio, facilitando ou impedindo a tarefa administrativa. O que faz um líder ser patologicamente destrutivo ou muito inspirador? O grau de narcisismo da personalidade dos líderes e a * ABSTRACT: Problems concerning leadership and personality features of leaders, despite ali the research al- ready conducted, still deserve further study. According to the authors of this article, the feature shared by most leaders is their ability to arouse primary emo- tions like: strong identifications or rejections, love and hate, helping or obstructing the administra tive task. What makes a leader pathologicaly destructive or very inspiring? The degree of narcisism kept by each leader's personal- ity and its origin are the main elements that establish the different leadership styles. * KEY WORDS: Personality, narcisism, leader's ship styles, character organizational functions. * Artigo publicado originalmente sob o título "Narcissisme et Leadership: une perspective de relations d'objets" na Gestion, Reoue internationale de gestion, 13 (4):41.50,novembro de 1988, edita- da pela Ecole des Hautes Etudes Commerciales, Montreal, Canadá. Revista de Administração de Empresas São Paulo, 30 (3) 5-16 Jul./Set. 1990 5 ~~~~-~ --~~-

Transcript of UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir...

Page 1: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

origem desse mesmo narcisismo são os elementos primor-diais diferenciadores dos diversos estilos de liderança.* PALAVRAS-CHAVES: Personalidade, narcisismo,estilos de liderança, funcionamento organizacional .

COLABORAÇÃO INTERNACIONAL

NARCISISMO E LIDERANÇAUMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS*

,tt• Manfred F.R. Kets de Vries

Titular da cadeira Raoul de Vitry d' Avaucourt emAdministração de Recursos Humanos no INSEAD,Fontainebleau.

• Danny MillerPesquisador Titular na Ecole des Hautes EtudesCommerciales, Montréal, Canadá.

Tradução de Maria lrene Stocco Betiol -Professora Assistente do Departamento deFundamentos Sociais e Jurídicos da Administraçãoda EAESP/FGV - e Olivier Girarei - aluno do Cursode Graduação emAdministração de Empresas da EAESP/FGV.

* RESUMO: A problemática da liderança e das carac-terísticas de personalidade dos líderes, não obstante ogrande número de pesquisas realizadas, parece não estarainda suficientemente explorada. Segundo os autoresdeste artigo, o que parece haver em comum entre a maio-ria dos líderes é a capacidade de despertar emoções primi-tivas, tais como: fortes identificações ou rejeições, amor eódio, facilitando ou impedindo a tarefa administrativa.

O que faz um líder ser patologicamente destrutivo oumuito inspirador?

O grau de narcisismo da personalidade dos líderes e a

* ABSTRACT: Problems concerning leadership andpersonality features of leaders, despite ali the research al-ready conducted, still deserve further study.According to the authors of this article, the feature sharedby most leaders is their ability to arouse primary emo-tions like: strong identifications or rejections, love andhate, helping or obstructing the administra tive task.

What makes a leader pathologicaly destructive or veryinspiring?

The degree of narcisism kept by each leader's personal-ity and its origin are the main elements that establish thedifferent leadership styles.

* KEY WORDS: Personality, narcisism, leader's shipstyles, character organizational functions.

* Artigo publicado originalmente sob o título "Narcissisme etLeadership: une perspective de relations d'objets" na Gestion,Reoue internationale de gestion, 13 (4):41.50,novembro de 1988, edita-da pela Ecole des Hautes Etudes Commerciales, Montreal, Canadá.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 30 (3) 5-16 Jul./Set. 1990 5

~~~~-~ --~~-

Page 2: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

NARCISISMO E UDERANÇA RAE

1. KETS DE VRIES, M.F.R."Leadership in a narcissisticage. Faculty of Manage-ment." McGill UniversityWorking Paper, 1980.2. BASS, B.B. Stogdill'shandbook of leadership. N.Y.,The Free Press, 1981, p. 7.

3. MINTZBERG, H. "If you'renot serving Bill and Barbara,then you're not serving lead-ership". In: HUNT, J.G.; SE-KARAN, U. & SCHRIESHEIMC.A., (orgs.) Leadership: Be-yond establishment views.Carbondale lIIinois, South-ern lIIinois University Press,1981, p.250.4. BASS, B.B. Op. cit., p.26.5. HOUSE, R.J. & BAETZ, M.L. "Leadership: some empir-ical generalizations and newresearch directions". Re-search in Organizational Be-havior, 1:341-423, 1979.6. Idem, ibidem, p. 348.7. ZALEZNIK, A. & KETS DEVRIES, M.F.R. Power andthe Corporate Mind. Boston,Houghton Mifflin, 1975.

6

"'--

INTRODUÇÃO

Quando pensamos em líderes e na lide-rança, uma multidão de imagens vêm àcabeça, muitas vezes coloridas de reações

emotivas. Alguns líderes fazem nascer umsentimento de força, de poder e de res-ponsabilidade. Outros evocam as forças doterror, a perseguição e a destruição. Nossaspercepções da ''bondade'' ou da "maldade" deum líder são refletidas nos epítetos que lhesdamos: Akbar, o Grande; ou Ivan, o Terrível.

Tentaremos aqui demonstrar que a eficáciaou ineficácia da liderança se explica, muitasvezes, pelas disposições narcisistas do líder.Compararemos três tipos de líderes e explo-raremos a etiologia e as conseqüências de suasorientações narcisistas. Destacaremos as rela-ções entre o desenvolvimento intrapsíquicodo líder (utilizando a perspectiva da relaçãode objeto), sua orientação narcisista subse-qüente e as manifestações concretas dessa ori-entação sobre seu comportamento como líder.

De forma alguma, nosso método será posi-tivista. Não nos basearemos nas nossas expe-riências de psicanalistas, de professores e deconsultores em administração para demons-trar os vínculos existentes entre as experiên-cias infantis, os tipos de narcisismo e o com-portamento do líder'. A estrutura empregadaestá ancorada em nossas experiências clínicascom indivíduos ocupando cargos de líder.Não é necessário dizer que nossas conclusõesdevem ser consideradas muito mais comohipóteses do que como descobertas.

LíDERES E SEGUIDORES

A dinâmica da liderança continua sendoum quebra-cabeças. Ainda não sabemos muitacoisa sobre o que faz de alguém um bom líder.E não é por falta de pesquisa.O falecido RalphStogdill cunhou esta frase desencorajadora:"Existem tantas definições de liderança quanto pes-soas que tentaram cercar o conceito">. Stogdill, emseu Handbook of Leadership, recenseou 72definições propostas por especialistas entre1902 e 1967. Mas a ausência de consenso nãodesencorajou os pesquisadores. A proliferaçãodos escritos sobre a liderança é refletida pelonúmero de artigos repertorizados no Hand-book. A primeira versão do Handbook [1974]levantava três mil estudos; sete anos maistarde, o número ultrapassava cinco mil. Infe-lizmente, como Mintzberg" observou, a popu-laridade da pesquisa sobre a liderança não setraduziu por uma maior pertinência. Esse au-tor afirma: "Mesmo os títulos das teorias - as

-------- ----

novas como as antigas - revelam a natureza deseu conteúdo: pesado e fora da realidade. Desde oinício, parece haver convergência para a periferia,na melhor das hipóteses e, freqüentemente, sobre osaspectos insignificantes ou não pertinentes". Min-tzberg não é, aliás, o único a criticar a abs-tração excessiva no estudo da liderança.Bass',na sua nova edição do Handbook, notava que"uma teoria da liderança deve ser solidamente an-corada no real - ancorada nos conceitos e nashipóteses utilizadas pelos administradores, diri-gentes e líderes que emergem".

As teorias contraditórias abundam. Reen-contramos as teorias dos grandes homens, asteorias relativas aos traços do caráter, as teo-rias ambientais, as teorias pessoa-situação, asteorias interação-expectativa e as teorias per-ceptuais e cognitivas. Por causa dessa con-fusão, alguns especialistas abandonaramcompletamente o assunto; eles concentram-seem problemas mais específicos, tais como opoder ou a motivação. Entretanto, outros pes-quisadores são menos pessimistas, antecipan-do que a abundância dos resultados lança asbases de uma teoria pertinente de liderança.Eles tentam escapar do labirinto das des-cobertas e das teorias contraditórias, propon-do um paradigma contingentes. Eles tentamexplicar as divergências, observando que "aliderança tem um efeito em certas condições e ne-nhum em outras. As relações causais entre o com-portamento do líder e os critérios geralmenteaceitos de desempenho organizacional agem nosdois eentidos", Mas a despeito dos seus méri-tos reais, podemos perguntar se esse paradig-ma contingente será, ele próprio, suficientepara inspirar nova vida a um domínio fre-qüentemente depreciado.

E necessária uma melhor caracterização daliderança, que leve em conta ao mesmo tem-po as dimensões cognitivas e afetivas, trazi-das pela psicanálise e pela psiquiatria. Aprimeira dessas disciplinas analisa o "mundointerno" dos líderes e de suas personalidadese põe em relação seus caracteres com seuscomportamentos e suas situações. Inúmeroshistoriadores e biógrafos utilizam esse tipo deabordagem há muito tempo. A pesquisa,visando a decifrar o processo de pensamentointrapsíquico, e as ações resultantes implicamentão no estudo do "drama psicopolítico"(psycho-political drama)' que põe a personali-dade dirigente em relação, ao mesmo tempo,com o comportamento (ligado ao papel) ecom a cena administrativa.

O que a maioria dos líderes parece ter emcomum é a capacidade de despertar emoçõesprimitivas naqueles que os seguem. Os

Page 3: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

RAE NARCISISMO E LIDERANÇA

líderes, principalmente os carismáticos, sãomestres na arte de manipular certos símbolos.Os seguidores, quando estão "sob o charme"de certos tipos de líderes, sentem-se, muitasvezes, fortes e orgulhosos, ou então impo-tentes e profundamente dependentes. MaxWeber utilizou a palavra carisma para ex-plicar essa estranha influência que têm certoslíderes sobre seus seguidores. Segundo ele,ela é feita "de uma certa qualidade da personali-dade individual, em virtude da qual ele se diferen-cia dos homens ordinários; ele é tratado como sefosse dotado de poderes ou de qualidades suprana-turais, sobre-humanas ou excepcionais. Não éacessível aos homens ordinários, mas é considera-do como exemplar ou como sendo de origem divi-na; e nessas bases, tal indivíduo é tratado comoum lider'",

Não precisamos ir tão longe quanto Weber;mas qualquer que seja essa estranha "quali-dade" que possuem os líderes, alguns tem opoder de provocar um comportamento re-gressivo nos seus seguidores. Eles possuem ainquietante habilidade de explorar, não neces-sariamente conscientemente, os sentimentosinconscientes de seus subordinados. Nesseprocesso, alguns seguidores podem escolherum líder idealizado, "onipotente", que res-ponde às suas necessidades de dependência.Isso pode levar a uma suspensão destrutivade suas faculdades racionais. Essa influênciahipnótica pode igualmente conduzir ao sacri-fício do bem comum em proveito da loucurapessoal. As atividades ligadas às tarefas po-dem ser suplantadas por rituais de adulação.A forma tende a substituir o conteúdo quan-do o seguidor vira um peão passível de ma-nipulação, como os espectadores crédulos doconto de Andersen, A roupa nova do Imperador.A partir daí as exigências funcionais relativasaos alvos ou aos ideais comuns podem sernegligenciadas em favor de gratificações nar-cisistas efêmeras.

Apesar do potencial regressivo de certoslíderes, existem alguns que transcendem osdetalhes insignificantes, que criam um climaconstrutivo de participação e de responsabili-dade. Estes suscitam a iniciativa e incitam aosensaios criadores. Zaleznik pensava nelesquando escreveu: "Freqüentemente, escutamosfalar dos líderes em termos ricos de conteúdo emo-tivo. Os líderes suscitam fortes sentimentos deidentificação e de diferenciação, ou de amor e deódio. Nas estruturas dominadas por um líder, asrelações humanas aparecem freqüentemente agi-tadas, intensas e às vezes desorganizadas. Uma talatmosfera intensifica as motivações individuais eproduz resultados inesperados":

[ames Mac Gregor Burns pensava pro-vavelmente da mesma forma, quando com-parou a liderança transacional e a liderançatransformadora. Enquanto o primeiro tipo delíder motiva seus subordinados com recom-pensas por serviços prestados (econômicos,políticos ou psicológicos), o segundo conhecee explora uma necessidade existente em umsubordinado em potencial. Mas, além disso, olíder transformador que é bem-sucedidoprocura em seus subordinados as motivaçõespotenciais, tenta satisfazer as mais elevadasde suas necessidades e desperta os seusplenos potenciais. A melhor das liderançastransformadoras leva a uma estimulação e auma elevação mútuas que transformam ossubordinados em líderes e os líderes emagentes morais".

Para concluir, a liderança pode ser pato-logicamente destrutiva ou muito inspiradora.O que é que, nos próprios líderes, gera isso?O que é que diferencia os estilos de liderança?Para nós, o grau de narcisismo e sua origemsão primordiais.

A DISPOSiÇÃO NARCISISTA

Quando estudamos os líderes, percebemosrapidamente que entre os componentes críti-cos de suas orientações estão a qualidade e aintensidade de seu desenvolvimento narci-sista. Os líderes gravitam sobretudo ao redorde uma constelação narcisista da personali-dade. Freud, em seu estudo das relações entrelíderes e subordinados, já confirmava issodizendo que "o líder não necessita do amor dosoutros; ele pode ter uma natureza dominadora,absolutamente narcisista, estar seguro de si e inde-pendente'», Mais tarde, acresceu à sua teoria a"personalidade narcisista libidinal": um indi-víduo principalmente ocupado com sua so-brevivência, independente e impossível de in-timidar. Uma grande agressividade é, então,possível que se manifeste, às vezes pelo fatode que o líder está sempre pronto para o tra-balho. Essas pessoas impressionam os outrospor sua forte personalidade. Podem agir co-mo bastiões ideológicos e morais para os ou-tros; ou seja, como verdadeiros líderes". Emum contexto parecido, Wilhelm Reich falavade uma personalidade fálica narcisista, queele descrevia como sendo "segura de si mesma,muitas vezes arrogante, vigorosa e muitas vezesimpressionante ...Essas pessoas diretas tendem aalcançar os cargos de poder e não apreciam a su-bordinação ...Se sua vaidade é ferida, eles reagemdiferentemente: um frio recato, uma depressão pro-funda ou clara agressioidade"",

8. WEBER, M. The theory ofsocial and economic orga-nizations. N.Y., Oxford Uni-versity Press, 1947, pp.358-359.9. ZALEZNIK, A. "Managersand leaders: are they differ-ent?" Harvard Business Re-view, 55:67-78,1977 (p. 74).10. BURNS, J.M. Leader-ship. N.Y., Harper and Row,1978, p.4.

11. FREUD, S. Group psy-chology and the analysis ofthe ego, The standard eai-tion of the complete psy-chological works of Sig-mund Freud (vaI. XVIII).Londres, The Hogarth Presse Institute of Psychoanaly-sis, 1921, pp, 123-124.12. FREUD, S. Libidinal ty-pes, The standard edition ofthe complete psychologicalworks of Sigmund Freud(vaI. XXI). Londres, TheHogarth Press e Institute ofPsychoanalysis, 1931, p.21.

13. REICH, W. Charactera-na/ysis. N.Y., Farrar, Straussand Giroux, 1949, p.201.

7

Page 4: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

NARCISISMO E LIDERANÇA RAE

14. KOHUT, H. The analysisof tne self. N.V., Internation-ai University Press, 1971;KERNBERG, O. Borderlineconditions and pathologicalnarcissism. N.Y., JasonAronson, 1975.15. KERNBERG, O. "Regres-sion in organizational lead-ership. Psychiatry, 42:29-39,1979 (p.33).16. KOHUT, H. Op. cit., p.316.17. AMERICAN PSYCHI-ATRIC ASSOCIATION. DSM111. Diagnostic and statisti-cal manual of mental disor-ders. 3rd ed. Washington,1980.

8

o narcisismo tornou-se um importante ob-jeto de estudos quando novos desenvolvi-mentos apareceram na teoria psicanalítica. Aintrodução da teoria da relação do objeto e dapsicologia do ego verificou-se particular-mente proveitosa. Os ajustes maiores sobre onarcisismo foram formulados por clínicos co-mo Otto Kernberg e Heinz Kohut",

Dentro do âmbito deste artigo, não insis-tiremos sobre as controvérsias teóricas, parasaber se o narcisismo é, sobretudo, o resulta-do de uma regressão, ou uma interrupção dodesenvolvimento, ou se ele se desenvolve se-guindo um esquema que lhe é próprio. Nossoobjetivo é o de explorar as relações existentesentre o narcisismo e a liderança, relações re-conhecidas ao mesmo tempo por Kernberg eKohut. Por exemplo, Kernberg diz que:"porque as personalidades narcisistas são freqüen-temente motivadas por necessidades intensas depoder e de prestígio a assumir cargos de autori-dade e de liderança, os indivíduos dotados dessascaracterísticas se encontram muitas vezes nos al-tos cargos de liderança"». Kohut, destacando oslíderes como objetos de identificação, men-ciona que "certos tipos de personalidades narci-sistas, com sua confiança em si e sua convicçãoaparentemente absolutas, prestam-se eles mesmosa este papei">.

O narcisismo é, muitas vezes, a força con-dutora alimentando o desejo de obter um car-go de liderança. Os indivíduos dotados dascaracterísticas de uma forte personalidadenarcisista são talvez mais dispostos a em-preender o processo árduo que leva a um car-go de poder. Um ponto central de nossa argu-mentação é que o tipo de comportamento en-contrado em um líder refletirá verdadeira-mente a natureza e o grau de suas tendênciasnarcisistas.

Mesmo que se a personalidade narcisistatenha sido conhecida há muito tempo, só re-centemente ela foi submetida a um examecrítico minucioso. Por exemplo, a última ver-são do Diagnostic and Statistical Manual ofMental Disorders" arrola um grande númerode critérios descrevendo as desordens da per-sonalidade narcisista.Notam-se traços da do-ença mental e de enfraquecimento do fun-cionamento. Entre os sintomas enumerados,encontramos os extremos da grandiloqüência,da exploração, do exibicionismo etc. Muitasdessas características, embora em menor me-dida, são aplicáveis a indivíduos narcisistasadotando um modo de funcionamento mais"normal".

Os narcisistas sentem que devem confiarem si próprios mais do que nos outros, para

saciar suas necessidades. Estão persuadidosde que não podem confiar no amor ou na leal-dade de ninguém. Acreditam ser auto-sufi-cientes mas, no seu íntimo, ressentem-se deum sentimento de perda e de vazio. Para fa-zer face a esses sentimentos, e talvez paramascarar sua insegurança, os narcisistas pre-ocupam-se em estabelecer sua competência,seu poder, sua beleza, seu status, seu prestígioe sua superioridade. Paralelamente a isso, osnarcisistas desejam que os outros partilhemda alta estima que eles próprios têm de simesmos e que satisfaçam suas necessidades.O que espanta no comportamento dessas pes-soas é a exploração dos outros.Os narcisistasvivem na ilusão de que eles devem ser servi-dos, de que seus desejos têm preferência so-bre os dos outros. Acreditam merecer aten-ções particulares.

Temos que sublinhar que esses traços apa-recem em graus de intensidade diferentes.Uma certa dose de narcisismo é necessáriapara funcionar com eficácia. Todos nós apre-sentamos sinais de comportamento narcisista.Entre os indivíduos apresentando tendênciasnarcisistas limitadas, encontramos algunsmuito dotados e capazes de grandes con-tribuições à sociedade. São os indivíduos ten-dendo aos extremos do espectro comporta-mental que dão ao narcisismo sua má repu-tação. Esses extremos apresentam excessos derigidez, de estreiteza, de resistência e de difi-culdade de entrar em relação com o meio am-biente. As implicações gerenciais do narcisis-mo podem ser, ao mesmo tempo, dramáticas edecisivas.

TRÊS TIPOS DE NARCISISMO: ETIOLOGIA, DEFESASE MANIFESTAÇÕES

Apresentaremos três tipos de orientaçõesnarcisistas, começando pela mais danosa oupatológica para terminar pela mais fun-cional. Trata-se dos tipos reativo, auto-ilusório (self-deceptive) e construtivo. Esta-beleceremos primeiro a etiologia geral e asdefesas comuns aos três tipos, utilizando aperspectiva das relações de objetos. Discu-tiremos, a seguir, as manifestações comporta-mentais de cada um dos tipos em situação deliderança. Cada tipo é baseado em exemplostirados de nossas experiências clínicas. Essesexemplos mostram como executivos de for-mações diferentes apresentam um comporta-mento narcisista em diversas situações deliderança.

O quadro I resume as conclusões às quaischegamos sobre cada um dos três tipos.

Page 5: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

RAE NARCiSISMO F UnFI\ANçA

Quadro I: Tipos "Ideais" de Narcisismo

• Exibicionismo• Grandiosidade• Impiedade• Frieza• Considera ter direitos (quer dominar)

• Ausência de empatia• Maquiavelismo• Medo do fracasso• "Carente de ideal"• Preocupado com suas próprias

necessidades (deseja ser amado)

• Senso de humor• Criatividade• Confiança em si• Ambição• Energia• Obstinação• Orgulho (quer dominar)

• Orientação transformadora

Modo de Expulsão

• Só tolera os bajuladores• Tirano cruel• Ignora as necessidades dos

subordinados• Tem raiva da crítica

• Orientação transacional

Modo de Vinculação

• Prefere os subordinados não críticos• Diplomata• Considera os subordinados como

instrumentos• Fere-se com as críticas

• Orientação transformadora e transacional.

Modo de Reciprocidade

• Meritocrático• Inspirador• Desempenha o papel de mentor• Aprende algo da crítica

• Projetos espetaculares, de grandeimportância e arriscados

• Não consulta ninguém• Esmaga os opositores• Utiliza-se de bodes-expiatórios• Não admite derrota

• Conservador, pouco inclinado aorisco, prudente demais

• Consulta gente demais• Indecisão

• Consultador na coleta de informações,mas independente na tomada dedecisões

• Dirigido interiormente

9

Page 6: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

NARCISISMO E LIDERANÇA RAE

18. KLEIN, M. Contributionsto psychoanalysis, 1921-1945. Londres, The HogarthPress, 1948; FAIRBAIRN,W.R.D. An object-relationstheory of personality. N.V.,Basic Books, 1952; JACOB-SON, E. The seft and the ob-ject world. N. V., Internation-ai Universities Press, 1964;GUNTRIP, H. Schizoid phe-nomena, object relationsand the self. N.V., Interna-tio naI Universities Press,1969; MAHLER, M.S.; PINE,F. & BERGMAN, A. The psy-chological birth of the nu-man infanto N.V., BasicBooks, 1975; KERNBERG,O. Object relations theoryand clinicai psychoanalysisN.Y., Jason Aronson, 1976.19. GREENBERG, J.R. &MITCHELL, S.A. Object rela-tions in psychoanalytic tne-ory. Cambridge, Mass., Har-vard University Press, 1983.20. KOHUT, H. Op. cit.

21. KOHUT, H. "Creativeness,charisma, group psycholo-gy". In: ORNSTEIN, Paul H.(org.) The sesrct; for the seft(vol.2). N.Y.,lnternationalUniversities Press, 1978, p.826.22. WINNICOTT, DW. Thr-ough paediatricst to psy-cho-analysis. N.Y., BasicBook,1975.23. KLEIM, M. Op.cit.

24. KOHUT, H. The analysisof the seft. Op. cit.

25. KOHUT, H. & WOLF, E.S."The disorders of the selfand their treatment: an out-line". The InternationalJournal of Psychoanalysis,59:413-426,1978.

10

As Relações Objetais e a Etiologia doNarcisismo

Podemos dizer dos líderes que eles ocu-pam posições diferentes numa escala que vaido narcisismo sadio ao patológico. Não trata-mos com categorias distintas. Os fatores quedistinguem saúde da disfunção são asdinâmicas intrapsíquicas e interpessoais dolíder.

Com o tempo, a maioria das pessoas de-senvolve maneiras relativamente estáveis derepresentar suas experiências e a dos outros.Chamamos de "objetos internos" essas re-presentações psíquicas do mundo interior deum indivíduo. Os objetos internos são umconjunto de percepções acumuladas. Eles sãocompostos de fantasmas, de ideais, de pen-samentos e de imagens que compõem umaespécie de mapa cognitivo do mundo", Ostermos "relações objetais" se referem então ateorias, ou a aspectos de teorias que dizemrespeito às relações com os indivíduos reais,exteriores, às imagens mentais retidas dessaspessoas e ao significado desses resíduosmentais para o funcionamento psíquico".Nossas interações com os indivíduos reaisnão dependem somente da maneira como osvemos, mas também de nossa visão do quesão interiormente. Essas representaçõespsíquicas influenciam profundamente nos-sos estados afetivos, tanto quanto nossocomportamento. Os bons objetos internostêm uma função geradora e fortificante e sãofonte de vitalidade para se afrontarem as di-ficuldades da vida. Eles constituem os fun-damentos de um funcionamento sadio. Massua ausência aumenta as diversas dis-funções. É aí que está a origem do narcisis-mo patológico. Naturalmente, os primeiros"objetos" são os pais; sua educação suscitadiferentes tipos de "mundos interiores". Ospais não sendo sempre coerentes em suas re-lações com suas crianças, este mundo podeser muito complexo e agitado.

Abordaremos agora a etiologia, ou asprimeiras relações objetais dos três tipos delíderes narcisistas.

O Narcisismo ReativoEm sua descrição dos líderes messiânicos e

carismáticos, Kohut" sustenta que tais líderessofrem de uma patologia do desenvolvimentonarcisista. Ele a atribui à impossibilidade deintegrar, no curso de sua infância, duas im-portantes esferas do ego: o Ego grandioso e aimagem parental idealizada". A primeiraconstrução mental vem dos primeiros senti-mentos de grandiosidade onipotente, quando

uma criança deseja exibir suas capacidades dedesenvolvimento e quer ser admirada porelas. A segunda construção se aplica aos dese-jos, igualmente ilusórios, dos poderes idea-lizados atribuídos aos pais, ao desejo de sefundir a uma pessoa idealizada. Tipicamente,a criança passa gradualmente de: "Eu sou per-feito e você me admira" para: "Você é perfeito e eufaço parte de você".

Os estudos clínicos indicam que essasprimeiras experiências que fazem parte dodesenvolvimento de todo mundo se atenuame se neutralizam no curso de um desenvolvi-mento seguindo as fases apropriadas". Poresse processo, a criança torna-se gradual-mente capaz de reduzir as frustrações cau-sadas pelo fracasso dos pais em preenchersuas expectativas arcaicas. Com a experiência,ela se torna, pouco a pouco, capaz de com-preender a diferença entre o ideal de per-feição e o fato de ser simplesmente "suficien-temente bom". Ela aprende que os pais nãosão nem completamente bons, nem inteira-mente maus. Uma imagem mais equilibrada emais integrada dos pais é interiorizada, per-mitindo uma apreciação mais realista. Essafusão da dicotomia original "bom e mau" éconsiderada essencial para o desenvolvimen-to da confiança e da permanência, da "cons-tância" ou da confiabilidade nas figurasparentaís", Este primeiro sucesso na criaçãode vínculos interpessoais seguros, atua sobrea segurança da auto-estima para relações es-táveis. Kohut" chama a esse processo de "in-teriorização transmutável" (transmuting inter-nalization). Ele o considera como a base do de-senvolvimento de uma estrutura psíquicapermanente e durável.

Infelizmente, o desenvolvimento seguindoas fases apropriadas não acontece sempre. Ocomportamento dos pais pode ser percebido,mesmo nos primeiros estágios do desenvolvi-mento, como frio e pouco empático. Os paispodem não ser suficientemente sensíveis àsnecessidades de sua criança. Nesse caso, ascrianças adquirem uma sensação de Ego defi-ciente e são incapazes de manter a auto-esti-ma em um nível estável. Conseqüentemente,as necessidades da infância não são nemmodificadas, nem neutralizadas, mas continu-am a prevalecer, o que tem por resultado umdesejo persistente e uma procura do reco-nhecimento narcisista durante toda a vidaadulta. A via do narcisismo "reativo" é desdeentão toda traçada. Num artigo, consideradoclássico, Kohut e Wolf25fazem referência aoEgo subestimulado e fragmentado que resultade respostas parentais muito pouco estimu-

Page 7: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

RAE NARCISISMO E UDERANÇA

lantes e muito pouco integrantes durante a in-fância.

O que resta para a criança de interações tãodeficientes pode ser um sentimento persis-tente de impotência. Para fazer face a essesentimento, certos indivíduos criam uma ima-gem de "diferença" (specialness). Podemosconsiderar essa atitude como compensatória,um refúgio reativo contra o sentimento sem-pre presente de não ter sido amado pelospais. Essa ilusão de ser o único afetará funda-mentalmente a maneira como o indivíduo es-tabelece suas relações com o meio externo. To-da contradição entre as capacidades e os dese-jos criará a ansiedade e contribuirá parafalsear a análise da realidade, adicionar-se-á àincapacidade de distinguir os desejos da per-cepção, de distinguir o "dentro do fora". Osindivíduos orientados "reativamente" terãotendência a deformar os eventos exteriorespara evitar a ansiedade e um sentimento deperda e de decepção. Essa atitude pode tergraves conseqüências se eles ocupam cargosde líderes. O narcisismo reativo causado porpais que não respondem emocionalmente demaneira adequada é o tipo mais sério. Issoserá mais evidente quando falarmos das defe-sas e dos sintomas.

Fazendo essas deduções, devemos ter emmente que as primeiras experiências, por sipróprias, raramente têm um impacto diretosobre o funcionamento do adulto. Há nu-merosas experiências mediadoras no curso davida de um indivíduo. As primeiras experiên-cias têm, entretanto, um papel importante naformação do núcleo da personalidade, o qualinfluencia o tipo de meio ambiente procuradopelo indivíduo. Isso tem um impacto sobre aexperiência que, por sua vez, influenciará apersonalidade. Estamos falando, então, de umciclo interativo entre a personalidade, o com-portamento e a situação".

o Narcisismo Auto-Ilusório(Self-Deceptive)

Encontramos, freqüentemente, um segundotipo de líder narcisista que teve um desen-volvimento durante a infância muito dife-rente.

Esses indivíduos foram levados, por umdos pais ou por ambos, a crer que eles eramincondicionalmente amados e perfeitos, semrelação com o que faziam e a despeito de todaa base real. Esses líderes, provavelmente,sofreram daquilo que Kohut e Wolf27des-crevem como um ego superestimulado e so-brecarregado. Em virtude de as respostasdadas pelas figuras da infância não serem

adaptadas à idade da criança, esta não apren-deu a modelar a imagem grandiosa de seuego ou a imagem parental idealizada. Osideais de perfeição eram muito elevados paralhe permitirem interiorizar objetos internosapaziguadores e estabilizantes. Essas criançastornaram-se os mandatários de seus pais, en-carregadas de satisfazerem as esperançasparentais não realizadas. Aquilo que podeparecer indulgência da parte dos pais é, de fa-to, exatamente o contrário. Os pais utilizamseus filhos para preencherem suas própriasnecessidades, sobrecarregando-os de seus de-sejos recônditos. Quando os pais impõemsuas esperanças irrealistas a seus filhos, elesengendram ilusões. Eles enganam seus filhosquanto às suas reais capacidades.

Essas convicções irrealistas podem, àsvezes, constituir-se no impulso de origemque diferencia esses indivíduos dos outros elhes permite ser bem-sucedidos. Talvez sejaisso o que Freud" tinha em mente, quandoescreveu que "se um homem foi a criança incon-testavelmente querida de sua mãe, ele guarda du-rante toda sua vida um sentimento de triunfo, deconfiança no sucesso, sentimento que nãoraramente o levará ao sucesso real". Nos raroscasos em que esses encorajamentos deram re-sultados, as crianças eram, talvez, suficiente-mente dotadas para estarem à altura das ex-pectativas exageradas de seus pais. Uma pes-soa que, em circunstâncias mais normais,vive uma vida comum, utilizará as expectati-vas impostas durante a infância como basede excelência.

Em geral, entretanto, o caráter ilusório dasconvicções irrealistas dos pais conduzirá a cer-tos problemas. Uma auto-imagem engrandeci-da é, geralmente, difícil de manter-se à luz decircunstâncias externas como a decepção e ofracasso. Assim, mesmo se os primeiros obje-tos internalizados são protetores, os encontrosinterpessoais inquietantes que se produzemquando a criança sai do ambiente familiar pro-tetor lhes trarão um elemento de instabili-dade, de fraqueza. A imagem supervalorizadade si obtida de um pai idealizado, torna-semais realista em contato com pais mais ho-nestos e mais críticos. Não obstante, os trau-matismos das primeiras decepções podemdeixar uma auto-imagem frágil e alterada. Osnarcisistas auto-ilusórios (self-deceptive) sofre-rão dificuldades nos relacionamentos inter-pessoais em virtude de seus desejos semostrarem à altura das ilusões parentais. Elestendem a demonstrar uma superficialidadeemocional e uma pobreza de afetividade. Seuscomportamentos apresentam um caráter de

26. ERIKSON, E.H. Child-hood and society. N.Y.,W.w.Norton and Co., 1963;MCKINLEY RUNYAN, W.Life histories and psychobi-ography. N.Y., Oxford Uni-versity Press, 1982.27. KOHUT, H. & WOLF, E.S.Op. cit.

28. FREUD, S. A childhoodrecollection from Dichtungund Wahrheit, The standardedition of the complete psy-chological works of Sig-mund Freud (vol. XVII).Londres, The Hogarth Pressand the Institute of Psycho-analysis, 1917, p, 156.

11

Page 8: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

NARCISISMO E LIDERANÇA RAE

29. MILLER, A. Prisoners ofchildhood. N.Y., Basic Boo-ks, 1981, pp. 33-34.30. ERIKSON, E.H. Life his-tory and the historical mo-ment. N.V., W.w. Norton andCo., 1978.

31. KERNBERG, O. Border-fine conditions and patho-logical narcissism. Op. cit.

12

"carência de ideal", resultante de dificuldadesna formação da identidade.

Conceitualmente, devemos ser capazes dediferenciar a etiologia do narcisismo reativodaquela do narcisismo auto-ilusório (self-de-cepiioe). Na prática, entretanto, a distinção émais difícil de fazer-se. Os pais podem terrespondido diferentemente à criança emcrescimento. Um deles pode ter adotadouma atitude de rejeição, fria e hostil, enquan-to que o outro pode ter sido encorajador.Diferentes gradações de objetos internos,protetores e perseguidores, podem ter sidocriadas e devem ser levadas em consideraçãonas mesclas de estilos narcisistas. De mais amais, ao invés de se frustrar quando as ex-pectativas dos pais não estão de acordo coma realidade externa, a criança pode, às vezes,se esforçar, com sucesso, desenvolver suascapacidades acima daquilo que acreditáva-mos que ela fosse capaz, como Freud afirma,de maneira contundente.

Por outro lado, como havíamos sublinha-do, as experiências advindas mais tarde na vi-da podem ter efeitos suavizantes ou atenu-antes.

o Narcisismo ConstrutivoMiller, quando descreve as relações de ob-

jetos da infância que conduzem ao narcisismosaudável ou construtivo, diz: "Os impulsosagressivos foram neutralizados porque eles nãoperturbaram a confiança e a estima dos pais.

A luta pela autonomia não foi percebida (pelospais) como um ataque.

A criança tinha o direito de experimentar e ex-primir impulsos 'primitivos' porque seus pais nãoesperavam que ela fosse 'especial', que ela repro-duzisse suas atitudes morais, por exemplo.

Ela não tinha que agradar a quem quer que fosse(em condições ótimas); a criança podia desenvolver emostrar aquilo que estava ativo nela durante cadafase de seu desenvolvimento.

Porque a criança podia mostrar sentimentosambivalentes, ela podia aprender a considerar aomesmo tempo ela mesma e o sujeito (o outro) comosendo 'bom e mau'; ela não precisava separar o'bom' objeto do 'mau' obieto?".

Os narcisistas construtivos não agem demaneira reativa ou auto-ilusória (self-decep-tive). Eles não experimentam a necessidadede deformar a realidade para lidar com asfrustrações da vida. Assim sendo, eles nãotêm tendência à ansiedade. Utilizam, commenos freqüência, defesas primitivas, sãomais próximos de seus sentimentos, desejose pensamentos. Irradiam, freqüentemente,uma sensação de vitalidade positiva, deriva-

da da confiança que têm em seu próprio va-lor. Essas pessoas interiorizaram objetos rela-tivamente estáveis e protetores que as am-param diante da adversidade. Elas estão emcondição de exprimir seus desejos e de as-sumir suas ações, sem levar em conta asreações dos outros. Quando se decepcionam,não agem por despeito, mas são capazes dese engajar em uma ação reparadora. Elas têma paciência de esperar, de buscar o momentoem que os outros terão necessidade de seustalentos", A habilidade na ação, a intros-pecção e a consideração são característicasfreqüentes delas.

OS SISTEMAS DE DEFESA

Como esses três tipos de líderes utilizamseus sistemas de defesa? Ficamos muito sur-presos, na observação de seus comportamen-tos, com o fato de as defesas dos doisprimeiros tipos terem a tendência a ser muitoprimitivas". Um processo mental chamadoclivagem está no centro dos sistemas de defe-sa. Todas as outras defesas podem ser consi-deradas como derivadas desse mecanismomuito primitivo.

O que queremos designar pelo termo cli-vagem é a tendência a ver tudo como ideal(inteiramente bom) ou ameaçador (inteira-mente mau). Quando um indivíduo não inte-grou ou sintetizou as características opostasdos objetos internos, essas representações per-manecem separadas, a fim de evitar a conta-minação do "bom" pelo "mau". Os indivíduosdotados dessa tendência à clivagem têm re-presentações afetivas e cognitivas deles mes-mos e dos outros dramaticamente simplifi-cadas. Eles são incapazes de avaliar a com-plexidade e a ambigüidade reais das relaçõeshumanas. As relações são polarizadas entreuma raiva, um medo ou uma agressão desen-freadas de um lado, e a onipotência e a su-peridealização de outro lado. A clivagemevitaos conflitos e preserva o sentimento ilusóriode ser bom. Atribuímos aos outros todo o mal.O preço a pagar pela manutenção desse senti-mento ilusório de bondade é, bem entendido,uma concepção falseada da realidade.

A idealização e a desvalorização primitivasestão estreitamente ligadas a essa defesa. Emprimeiro lugar, existe necessidade de criarrepresentações irrealistas dos outros, repre-sentações de "suprema bondade" e de supre-ma potência. Esse processo pode ser visto co-mo uma proteção contra os objetos amea-çadores. Um sentimento intenso de impotên-cia e de insignificância cria a necessidade de

Page 9: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

RAE NARCISISMO E UDERANÇA

protetores todo-poderosos. A longo prazo, en-tretanto, ninguém consegue manter expectati-vas exageradas. Quando as necessidades nãosão satisfeitas, uma desvalorização vingativada figura idealizada sobrevém.

A projeção e a identificação projetiva" sãooutros derivativos da clivagem. Essesmecanis-mos servem como defesa contra os maus obje-tos internos perseguidores. O indivíduo tentadesvencilhar-se de aspectos indesejáveis de simesmo. Conseqüentemente, as representaçõesinternas de si e dos outros são exteriorizadas eatribuídas (projetadas) aos outros. A culpa ésempre atribuída a uma outra pessoa ou a al-guma outra coisa. A responsabilidade pessoalnão aparece nunca. Mais uma vez, tudo issoestá associado às distorções da realidade.

Como pode ser verificado no quadro 1, afreqüência, severidade e intensidade dessesmecanismos de defesa variam segundo ostipos de narcisismo. O tipo reativo apresenta

a freqüência e a intensidade mais altas, en-quanto que o tipo construtivo apresenta asmais baixas.

OS SINTOMAS DO NARCISISMO

Os sintomas mais extremos dessa herançado desenvolvimento e dessas defesas estão re-sumidos no DSM III33;os seguintes critériosdiagnósticos estão aí enumerados, dando con-ta das desordens da personalidade narcisista:

- Sentimento grandioso de suficiência e deser único, por exemplo, exagero na avaliaçãodas próprias realizações e talentos, destaqueespecial dos problemas do indivíduo.

- Preocupação com fantasias de sucessosem limite, de poder, de inteligência superior,de beleza ou de amor ideal.

- Exibicionismo: o indivíduo exige umaatenção e uma admiração constantes.

- Indiferença ou sentimentos marcados de

32. OGDEN, IH. Projectiveidentification and psy-chotherapeutic technique.N.V., Jason Aronson, 1982.

33. AMERICAN PSYCHI-ATRIC ASSOCIATION. DSM111.Op. cit., p. 313.

13

Page 10: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

NARCISISMO E UDERANÇA RAE

34. DEUTSCH, H. Neurosesand character types. N. V.,International UniversitiesPress, 1965.

14

raiva, de inferioridade, de vergonha, de hu-milhação ou de vazio em resposta à crítica, àindiferença dos outros ou ao fracasso.

- Ao menos duas das seguintes característi-cas de perturbação nas relações interpessoais:

• Considera-se com direito a favores espe-ciais sem ter que assumir a reciprocidade, porexemplo, surpresa e raiva se as pessoas nãofazem o que o indivíduo quer.

• Exploração interpessoal: tirar vantagensdos outros para satisfazer seus próprios de-sejos ou para seu benefício pessoal, semconsideração pela integridade e pelos direi-tos dos outros.

• Relações que se alternam entre a supe-ridealização e a desvalorização.

• Ausência de empatia: incapacidade parareconhecer os sentimentos dos outros. Porexemplo, um indivíduo pode ser incapaz deavaliar a angústia de uma pessoa que sofre.

Ainda uma vez é importante perceber queos dois primeiros tipos de líderes narcisistasapresentarão muitas dessas indicações clíni-cas, mas cada um em graus diferentes.

Segundo nossa experiência, os narcisistasreativos serão cruéis, grandiosos e exibi-cionistas. Demonstrarão um desejo de do-minar e de controlar e serão extremamenteexploradores. Os narcisistas auto-ilusórios(self-deceptive) serão mais doces; eles que-rem ser amados e são menos tirânicos. Fal-ta-lhes, porém, o sentimento de empatia,eles são obcecados, sobretudo por suas pró-prias necessidades, e podemos lhes atribuirum lado discretamente maquiavélico. Seuscomportamentos têm um traço de "comose", porque eles não têm forte sentimentode convicção e de identidade", Finalmente,os líderes narcisistas construtivos são igual-mente muito ambiciosos; podem ser mani-puladores e hipersensíveis à crítica. Massua autoconfiança, sua capacidade de adap-tação e seu humor são suficientemente for-tes para lhes permitir trabalhar e obter rea-lizações verdadeiras. Eles não têm proble-mas interpessoais, por causa da perspicáciade que são dotados e provam isso em suasrelações.

FUNCIONAMENTO ORGANIZACIONAL

o Líder ReativoDescreveremos agora duas situações ge-

renciais, onde presenciamos a personalidadenarcisista reativa (NR) em ação. A primeiradiz respeito à liderança ou às relações inter-pessoais. A segunda lida com o esforço noexame do meio ambiente, na análise e toma-

da de decisão. O narcisista reativo pode serum tirano extremamente exigente. Suagrandiosidade e seu exibicionismo fazem-noprocurar subordinados bajuladores. Os argu-mentos dos outros são ignorados se vão con-tra as idéias do patrão. Os narcisistasreativos toleram apenas os subordinadoscheios de solicitude; os outros são "evacua-dos". Uma forte tendência maquiavélica per-passa todas essas situações: no afã deavançar, o líder não se importa de ferir e ex-plorar os outros. Os subordinados atuamdiplomaticamente a fim de sobreviver. Olíder NR é o mais desprovido de empatia.Ele ignora completamente as necessidadesde seus subordinados, bem como a de seuspares, reservando sua atenção exclusivamen-te a seus interesses.

As flutuações de sua atitude em relação àspessoas são extremadas. O giro de mão-de-obra é, então, muito elevado. Os projetos quenecessitem de um trabalho de equipe ou dainiciativa dos subordinados estão seriamenteameaçados.

O líder NR apresenta disfunções sérias natomada de decisões que repercutem na suaempresa. O escrutínio e a análise do ambienteinterno e externo, antes da tomada de de-cisão, são deficientes. O líder NR crê quepode manipular seu meio ambiente e agir so-bre ele de tal maneira, que não o precisa exa-minar muito atentamene. O meio ambienteestá "abaixo" dele, e não constitui um desafiosério. Sua grandiosidade, seu exibicionismo,sua preocupação com seus fantasmas desucesso ilimitado fazem o líder NR empreen-der projetos extremamente audaciosos. A ca-racterística de seu estilo de liderança é maistransformadora do que transacional. Ele dese-ja chamar a atenção de um auditório invisível,demonstrar seu domínio e sua inteligência su-perior. Os projetos são empreendidos emgrande escala mas freqüentemente condena-dos ao fracasso; primeiro, seu tamanho refletemais o desejo do líder que as realidades situa-cionais e muitos recursos são postos em jogo,desnecessariamente; segundo, o líder não es-cuta nem seus conselheiros, nem seus pares,nem seus subordinados. O líder NR consi-dera-se a única pessoa suficientemente infor-mada para julgar. Um fórum potencialmentecrítico se perde, portanto. Terceiro, mesmoquando está claro que o projeto não fun-cionou como o previsto, o líder NR é reticenteem admitir a evidência. Não admitirá tercometido erros e ficará particularmente rígidoe sensível às críticas.

Desencadeia-se, então, um movimento

Page 11: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

RAE NARCISISMO E LIDERANÇA

difícil de reverter". Quando o líder percebe,enfim, a velocidade da deterioração da situ-ação, sua tendência à clivagem leva-o a cul-par os outros. Ele não se considera jamaisresponsável pelo que quer que seja de nega-tivo.

o Líder Auto-Ilusório (Self-Deceptive)Esses indivíduos têm inúmeros traços em

comum com os dirigentes narcisistas reativos,porém, esses traços são menos evidentes emuma situação gerencial. Podemos explorar,mais uma vez, os tipos de liderança, o examedo meio ambiente e a tomada de decisão. Co-mo líderes, os dirigentes narcisistas self-decep-tive (50) são mais acessíveis que seus homólo-gos NR. Eles se preocupam mais com seussubordinados, são mais receptivos às opiniõesdos outros e não são tão exploradores quantoos NR. Apresentam, ainda, uma grande inse-gurança e uma profunda necessidade deserem amados. Serão, porém, mais tolerantesàs opiniões divergentes; parecem reagir comsimpatia quando tais opiniões são expressas.Mas tenderão a ser menos abertos às críticashabituais e tenderão a promover subordina-dos mais fracos ao invés de seus pares maisativos.

O líder 50 expressará interesse pelas preo-cupações de seus subordinados; essa atitudedecorrerá, entretanto, mais do desejo de pare-cer simpático que de um verdadeiro interesse.Ele desejará fazer o gesto apropriado, masnão o fará com muito entusiasmo.

Uma exceçãoaparece no cenário: o caso emque o líder se vincula a um subordinado queele idealizou. Fará tudo para que essa pessoase vincule a ele, para levá-la a satisfazer suaprópria imagem. Não espanta a constataçãode que esse tesouro de subordinado, geral-mente bastante fraco, idolatra seu patrão. To-da iniciativa pessoal será considerada traição.A idealização do líder transformar-se-á rapi-damente em desvalorização, acompanhada deresultados previsíveis para o futuro do subor-dinado na organização.

O líder 50, contrariamente ao seu homólo-go NR, pode ser ávido de descobrir oportu-nidades, e particularmente as ameaças, emseu meio ambiente. Sendo pouco seguro de sipróprio, ele procede a um exame minuciosodo meio ambiente interno e externo, a fim dese assegurar de sua capacidade de impedir asameaças e de evitar os erros custosos. Os con-correntes são fiscalizados, os clientes interro-gados, e os sistemas de informação estabeleci-dos. Investe tanto tempo na análise e ava-liação, que isso, às vezes, paralisa a ação.

O líder 50 sente grande ansiedade natomada de decisões estratégicas. Ele quer fa-zer o melhor trabalho possível - assim seráadmirado e respeitado - mas colocaem dúvi-da sua capacidade de fazê-lo.Temeo fracasso.Isso o torna muito mais conservador que odirigente narcisista reativo. O dirigente 50 es-tuda a situação em profundidade e solicita aopinião dos outros. A tomada de decisão faz-se levando em conta trocas de diversos tipos,contrariamente ao estilo transformador perni-cioso do líder reativo. A orientação do líder50 é, portanto, principalmente de naturezatransacional. Naturalmente, os adminis-tradores conservadores são mais escutadosque os aventureiros. Ele tem a tendência defazer as coisas se arrastarem por um longotempo; seu perfeccionismo e sua hesitaçãopodem .engendrar uma estagnação organiza-cional. E preciso notar que o líder reativo tra-balhava para impressionar a platéia (meiopolítico, comunidade de negócios), para servenerado, para realizar sonhos audaciosos eimpossíveis. O líder 50 deseja, apenas, seramado e admirado pelos que estão ao seu re-dor. De resto, esses sintomas variarão de in-tensidade segundo seu grau de ansiedade,muito mais que aqueles do líder NR.

o Líder ConstrutivoEsses líderes não ignoram a manipulação e

não estão acima de atos ocasionais de opor-tunismo. Mas em geral, eles se saem bem comseus subordinados. Têm um alto grau de con-fiança em sua capacidade e são bastante ori-entados em direção ao trabalho e aos obje-tivos a alcançar. Percebe-se neles, às vezes,falta de calor humano e consideração.

Mesmo gostando de ser admirados, oslíderes construtivos têm uma visão realistade suas capacidades e de seus limites. Elestêm uma atitude de partilhamento e reco-nhecem a competência dos outros. Os líderesconstrutivos escutam e apreciam as opiniõesde seus subordinados, ficando felizes, porém,em assumir a responsabilidade das ações co-letivas.

Essa atitude pode, às vezes, levar os subor-dinados a se queixarem do fato de que esseslíderes são pouco sociáveis e cooperativos.Realmente, falta a esses líderes, às vezes, a ver-dadeira empatia e eles podem estar inclinadosa utilizar os outros como simples instrumentospara atingirem seus próprios objetivos.

Esses líderes têm um sentimento de au-todeterminação que os torna confiantes. Têma capacidade de inspirar os outros e de criaruma causa comum, transcendendo os inte-

35. MILLER, D. & FRIESEN,P.H. "Momentum and revo-lution in organizational ada-ptation". Academy of Man-agement Journal, 24:591-614, 1980; MILLER, D. &FRIESEN, P.H. Organiza-tions: a quantum view. En-glewood Cliffs, N.J., Pren-tice-Hall, 1984.

15

___L"

Page 12: UMA PERSPECTIVA DE RELACÕES DE OB)ETOS* · contode Andersen, A roupa nova do Imperador. A partir daí as exigênciasfuncionais relativas aos alvos ou aos ideais comuns podem ser

NARCICISMO E LIDERANÇA RAE

36. KETS DE VRIES, M.F.R.& MILLER, D. The neuroticorganization: diagnosing andchanging counterproductivesty/es af management. SanFrancisco, Jossey Bass,1984.

16

resses pessoais. Seu senso de direção pode,entretanto, refletir frieza, arrogância ou umainsensibilidade obstinada às necessidadesdos outros. Assuntos abstratos como "o bemda companhia" ou "a ajuda ao trabalhador"podem substituir a reciprocidade nas re-lações interpessoais na formação de umaequipe. Em geral, entretanto, os líderesconstrutivos têm um senso de humor quelhes permite recolocar as coisas em seu con-texto. Sua independência conduz à criativi-dade e à visão necessárias para engajar ossubordinados no empreendimento de proje-tos ambiciosos. Por não ter a rigidez dosoutros dois tipos de liderança, este último,apresenta ao mesmo tempo característicastransformadoras e transacionais.

O estilo de tomada de decisão varia muito.Ele é mais o reflexo da situação da firma, doque do capricho do dirigente. A flexibilidadedos líderes construtivos dá-lhes a possibili-dade de efetuar uma boa dose de análise, deexame do meio ambiente e de consulta antesda tomada de decisões estratégicas de grandeenvergadura. Ela lhes permite, também, fazerface mais facilmente às situações de rotina,como a distribuição do trabalho aos subordi-nados. Esses indivíduos evitam os extremos, aaudácia ou o conservadorismo, agindo maisdentro de um registro médio.

OS CORRETIVOS ORGANIZACIONAIS

Os líderes narcisistas construtivos nãocausam muitos problemas organizacionais.Mas o que podem fazer os administradores apropósito dos dois outros tipos de líderes dis-funcionais? Quando a organização é centra-lizada e o líder narcisista domina, um desem-penho medíocre seguido de afastamento porum conselho de administração forte, pode sero único catalizador de mudanças. Mas essasinfluências são reduzidas a zero quando umlíder tem um controle financeiro importante.As perspectivas são, todavia, melhores, quan-do o poder organizacional é mais distribuídoou quando o narcisista ocupa um cargomenos elevado",

De fato, existem várias medidas organiza-cionais permitindo minimizar os danos causa-dos por líderes narcisistas dos níveis maisbaixos. O primeiro seria tomar consciência desua existência. E preciso não perder de vistaque as indicações isoladas correspondendo acada um dos tipos neuróticos não são sufi-cientes para justificar um diagnóstico de nar-cisismo.Masquando estas se combinam e for-mam uma síndrome, isso pode indicar uma

desregulação.E muito difícil mudar a personalidade nar-

cisista. E preciso, inicialmente, impedir o indi-víduo de perturbar ou reduzir sua influência.Numerosos mecanismos estruturais podemser utilizados para isso. Por exemplo, o poderpode ser mais distribuído entre os membrosda organização, de modo que muitas pessoasestejam implicadas nas decisões estratégicas.Os administradores de níveis inferiores po-dem ainda ser incitados a tomar decisões derotina. Comitês especiais, grupos de trabalhoe conselhos executivos podem ser fórunsúteis, onde muitos administradores ex-primem seus pontos de vista; isso ofereceuma chance aos líderes narcisistas (e especial-mente a seus subordinados) de aprender comos outros, suas influências sendo, desse mo-do, reduzidas. As perspectivas irrealistas emonolíticas são, então, impedidas.

Avaliaçõesregulares do líder, pelas quais ossubordinados têm chance de exprimir a umterceiro suas opiniões sobre o chefe, podemtambém, ser úteis. Quando a insatisfação éconsensual, particularmente se ela coincidecom desempenhos medíocres ao nível do de-partamento, talvez, seja tempo de transferir oudemitir o líder. Uma tal política de avaliaçãopode reduzir a exploraçãonarcisistamanifesta.

Quando os tomadores de decisões de umaempresa estão conscientes das propensõesnarcisistas de certos administradores, eles po-dem utilizar essa informação na execução desuas políticas de pessoal. Isso é particular-mente verdadeiro quando do momento dedesignar subordinados a um líder narcisista.Um dos grandes perigos é o de engajar ad-ministradores pouco seguros de si, e inexperi-entes para trabalharem com líderes narcisistas.

Esses empregados terão pouca força efirmeza para se saírem bem e menos potencialainda para agir como contrapeso. Ao con-trário, será, talvez, útil escolher personali-dades fortes, seguras delas mesmas e sólidas,para trabalhar com dirigentes inclinados aonarcisismo, pessoas que não tenham medo deexprimir suas opiniões, podendo contribuirpara introduzir mais "realismo" nos proces-sos de tomada de decisão.

É particularmente importante estar atentoaos sinais de narcisismoexcessivodurante o re-crutamento e atribuição de promoções. Testespsicológicosefetuados por clínicase entrevistascom superiores precedentes e antigos subordi-nados podem revelar um líder narcisista.

O melhor meio de lidar com esses adminis-tradores é evitar contratá-los;na impossibilida-de disso, abster-sede dar-lhesmuito poder. O