Uma caracterização sobre distúrbios de aprendizagem

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http://www.abpp.com.br/artigos/58.htm 25/4/08 Uma caracterização sobre distúrbios de aprendizagem Lourdes P.de Souza Manhani, Regina Célia T.Craveiro, Rita Cássia A.Rodrigues, Rose Inês Marchiori agosto/2006 Introdução Nas literaturas sobre aprendizagem, muito se tem discutido sobre distúrbios versos dificuldade de aprendizagem, ficando claro que não são sinônimos. Sem pretensão de esgotar o assunto, apresentamos uma revisão bibliográfica na visão de diversos autores sobre as terminologias adotadas. No Brasil, foi ( Lefèvre:1975) que introduziu o termo distúrbio de aprendizagem como sendo: síndrome que se refere à criança de inteligência próxima à média, média ou superior à média, com problemas de aprendizagem e/ou certos distúrbios do comportamento de grau leve a severo, associados a discretos desvios de funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC), que podem ser caracterizados por várias combinações de déficit na percepção, conceituação, linguagem, memória, atenção e na função motora”. Após esta data, muito se tem discutido e abordado sobre o assunto, visto a importância no contexto da aprendizagem, surgindo diversos trabalhos e outras definições sobre o assunto. Conforme (Fonseca: 1995) distúrbio de aprendizagem está relacionado a um grupo de dificuldades específicas e pontuais, caracterizadas pela presença de uma disfunção neurológica. Já a dificuldade de aprendizagem é um termo mais global e abrangente com causas relacionadas ao sujeito que aprende, aos conteúdos pedagógicos, ao professor, aos métodos de ensino, ao ambiente físico e social da escola. Já em (Ciasca e Rossini: 2000) as autoras defendem que a dificuldade de aprendizagem é um déficit específico da atividade acadêmica, enquanto o distúrbio de aprendizagem é uma disfunção intrínseca da criança relacionada aos fatores neurológicos. Os fatores neurológicos citados pelos autores, significa que essas dificuldades estão relacionadas na aquisição e no uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas que se referem as disfunções no sistema nervoso central. Não podemos também deixar de considerar que as dificuldades de aprendizagem muitas vezes podem ocorrer concomitantemente com outras situações desfavoráveis, como: alteração sensorial, retardo mental, distúrbio emocional, ou social, ou mesmo influências ambientais de qualquer natureza. Diante de todo o contexto envolvendo distúrbios de aprendizagem, é necessário que muito se reflita acerca de como podemos contribuir na aprendizagem dessas crianças. Uma conclusão prévia que já nos atrevemos a traçar é de que não é prudente inserirmos todas as crianças com distúrbio de aprendizagem num mesmo grupo. Para melhor distinção entre os distúrbios de aprendizagem, é evidente que devemos tomar como base as manifestações mais evidentes que produzem impacto no desempenho da criança. Há pelo menos dois grupos que se distinguem pelo quadro que apresentam. Enquanto num podemos encontrar crianças com um quadro de deficiência mental, sensorial (visual, auditiva) ou motora, resultem de retardo mental, afecções neurológicas ou sensoriais, de outro lado, ou outro grupo de crianças que apresentam como manifestação os problemas escolares decorrentes de alterações de linguagem cuja inteligência, audição, visão e capacidade motora estão adequadas, sendo, então, o quadro de distúrbio de aprendizagem decorrente de disfunções neuropsicológicas que acometem o processamento da informação, resultando em problemas de percepção, processamento, organização e execução da linguagem oral e escrita. Uma das questões fundamentais nesse contexto é detectar as manifestações desses distúrbios. A princípio parece-nos óbvio que alguns casos é perfeitamente perceptível, porem é relevante e necessário que saibamos como podem aparecer as

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http://www.abpp.com.br/artigos/58.htm 25/4/08

Uma caracterização sobre distúrbios de aprendizagemLourdes P.de Souza Manhani, Regina Célia T.Craveiro, Rita Cássia A.Rodrigues, Rose

Inês Marchioriagosto/2006

Introdução

Nas literaturas sobre aprendizagem, muito se tem discutido sobre distúrbios versos dificuldade de aprendizagem, ficando claro que não são sinônimos. Sem pretensão de esgotar o assunto, apresentamos uma revisão bibliográfica na visão de diversos autores sobre as terminologias adotadas.No Brasil, foi ( Lefèvre:1975) que introduziu o termo distúrbio de aprendizagem como sendo: “síndrome que se refere à criança de inteligência próxima à média, média ou superior à média, com problemas de aprendizagem e/ou certos distúrbios do comportamento de grau leve a severo, associados a discretos desvios de funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC), que podem ser caracterizados por várias combinações de déficit na percepção, conceituação, linguagem, memória, atenção e na função motora”. Após esta data, muito se tem discutido e abordado sobre o assunto, visto a importância no contexto da aprendizagem, surgindo diversos trabalhos e outras definições sobre o assunto.Conforme (Fonseca: 1995) distúrbio de aprendizagem está relacionado a um grupo de dificuldades específicas e pontuais, caracterizadas pela presença de uma disfunção neurológica. Já a dificuldade de aprendizagem é um termo mais global e abrangente com causas relacionadas ao sujeito que aprende, aos conteúdos pedagógicos, ao professor, aos métodos de ensino, ao ambiente físico e social da escola. Já em (Ciasca e Rossini: 2000) as autoras defendem que a dificuldade de aprendizagem é um déficit específico da atividade acadêmica, enquanto o distúrbio de aprendizagem é uma disfunção intrínseca da criança relacionada aos fatores neurológicos. Os fatores neurológicos citados pelos autores, significa que essas dificuldades estão relacionadas na aquisição e no uso da audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas que se referem as disfunções no sistema nervoso central. Não podemos também deixar de considerar que as dificuldades de aprendizagem muitas vezes podem ocorrer concomitantemente com outras situações desfavoráveis, como: alteração sensorial, retardo mental, distúrbio emocional, ou social, ou mesmo influências ambientais de qualquer natureza. Diante de todo o contexto envolvendo distúrbios de aprendizagem, é necessário que muito se reflita acerca de como podemos contribuir na aprendizagem dessas crianças. Uma conclusão prévia que já nos atrevemos a traçar é de que não é prudente inserirmos todas as crianças com distúrbio de aprendizagem num mesmo grupo. Para melhor distinção entre os distúrbios de aprendizagem, é evidente que devemos tomar como base as manifestações mais evidentes que produzem impacto no desempenho da criança. Há pelo menos dois grupos que se distinguem pelo quadro que apresentam. Enquanto num podemos encontrar crianças com um quadro de deficiência mental, sensorial (visual, auditiva) ou motora, resultem de retardo mental, afecções neurológicas ou sensoriais, de outro lado, ou outro grupo de crianças que apresentam como manifestação os problemas escolares decorrentes de alterações de linguagem cuja inteligência, audição, visão e capacidade motora estão adequadas, sendo, então, o quadro de distúrbio de aprendizagem decorrente de disfunções neuropsicológicas que acometem o processamento da informação, resultando em problemas de percepção, processamento, organização e execução da linguagem oral e escrita. Uma das questões fundamentais nesse contexto é detectar as manifestações desses distúrbios. A princípio parece-nos óbvio que alguns casos é perfeitamente perceptível, porem é relevante e necessário que saibamos como podem aparecer as manifestações de distúrbio de aprendizagem.Alguns autores já abordaram o assunto de uma forma que nos fica evidente como os sintomas aparecem ou são manifestados.Um dos autores que trata esse assunto de uma forma bastante clara é Lerner (1989), que descreveu as manifestações da seguinte forma:

Distúrbios da atenção e concentração que retrata os comportamentos das crianças com e sem hiperatividade e impulsividade;

Problemas receptivos e de processamento da informação diz respeito à competência lingüística, como as atividades de escrita, distinção de sons e de estímulos visuais, aquisição de léxico, compreensão e expressão verbal;

Dificuldades de leitura manifestada pela aquisição das competências básicas relacionadas a fase de decodificação, como sendo a compreensão e interpretação de textos, as dificuldades de escrita e presença de erros ortográficos em gera.

Dificuldades na matemática, que se revelam na aquisição da noção de números, no lidar com quantidades e relações espaços-temporais e problemas de aquisição e utilização de estratégias para aprender, manifestados na falta de organização e utilização

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de funções metacognitivas, comprometendo o sucesso na aprendizagem.

Definições sobre Aprendizagem:- Aprendizagem é a aquisição de conhecimento ou especialização; faz-nos ignorar todo processo oculto existente no ato de aprender;- Mudança permanente de comportamento, resultado de exposição a condições do meio ambiente;- Um processo evolutivo e constante, que implica uma seqüência de modificações observáveis e reais no comportamento do indivíduo, de forma global (físico e biológico), e do meio que o rodeia, onde esse processo se traduz pelo aparecimento de formas realmente novas compromissadas com o comportamento.Tanto na visão neurológica como em diversas correntes psicológicas, a aprendizagem, apresenta pontos comuns e com significados intrínsecos, que convergem para o fato de que tudo aquilo que se sabe, o homem deve aprendê-lo, porém, é na escola que há um vínculo integrativo da sociedade, cuja principal forma de ação é sobre o indivíduo em seu desenvolvimento global, direta e abrangentemente, visando à maior possibilidade de renovação e liberdade.O aprendiz é concebido como um manipulador inteligente e flexível que busca a informação e trata de organizá-la, integrá-la, armazená-la e recuperá-la, de forma ativa e ajustada às estruturas cognitivas de que dispõe internamente.Prestar atenção, compreender, aceitar, reter, transferir e agir são alguns dos componentes principais da aprendizagem. Todavia, se isso não ocorrer, com o aprendiz, implica que há nessa criança um Distúrbio de Aprendizagem.

Mas o que é Distúrbio de Aprendizagem?Designam-se crianças que apresentam dificuldades de aquisição de matéria teórica, embora apresentem inteligência normal, e não demonstrem desfavorecimento físico, emocional ou social.Segundo essa definição, as crianças portadoras de distúrbio de aprendizagem não são incapazes de aprender, pois os distúrbios não é uma deficiência irreversível, mas uma forma de imaturidade que requer atenção e métodos de ensino apropriados. Os distúrbios de aprendizagem não devem ser confundidos com deficiência mental.Considera-se que uma criança tenha distúrbio de aprendizagem quando: a) Não apresenta um desempenho compatível com sua idade quando lhe são fornecidas experiências de aprendizagem apropriadas; b) Apresenta discrepância entre seu desempenho e sua habilidade intelectual em uma ou mais das seguintes áreas; expressão oral e escrita, compreensão de ordens orais, habilidades de leitura e compreensão e cálculo e raciocínio matemático.Além disso, costuma-se considerar quatro critérios adicionais no diagnóstico de distúrbios de aprendizagem. Para que a criança possa ser incluída neste grupo, ela deverá: a) Apresentar problemas de aprendizagem em uma ou mais áreas; b) Apresentar uma discrepância significativa entre seu potencial e seu desempenho real; c) Apresentar um desempenho irregular, isto é, a criança tem desempenho satisfatório e insatisfatório alternadamente, no mesmo tipo de tarefa;  d) O problema de aprendizagem não é devido a deficiências visuais, auditivas, nem a carências ambientais ou culturais, nem problemas emocionais.

Principais distúrbios de aprendizagem:

1- DislexiaRefere-se à falha no processamento da habilidade da leitura e da escrita durante o desenvolvimento, é um atraso no desenvolvimento ou a diminuição em traduzir sons em símbolos gráficos e compreender qualquer material escrito. São de três tipos: visual, mediada pelo lóbulo occipital fonológica, ediada pelo lóbulo temporal; e mista, com mediação das áreas frontal, occipital, temporal e pré-frontal.

2- DisgrafiaFalha na aquisição da escrita implicando uma inabilidade ou diminuição no desenvolvimento da escrita.

3- DiscalculiaFalha na aquisição da capacidade e na habilidade de lidar com conceitos e símbolos matemáticos.

Diagnósticos de distúrbios de aprendizagemO processo de diagnosticar é como levantar hipóteses. Uma boa hipótese ou teoria explica uma grande quantidade de dados observáveis que são originados de diferentes níveis de análise. O diagnosticador apresenta vantagens importantes que compensam. Uma delas é que ele possui muito mais dados sobre um sujeito do que geralmente um pesquisador tem sobre todo o grupo de sujeitos.Para diagnosticar deve haver:

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Sintomas apresentados; O histórico inicial do desenvolvimento; Histórico escolar; O comportamento durante os testes; Os resultados dos testes;

Como diagnosticadores e terapeutas, é importante ter um bom domínio de quais características caem em qual categoria (algumas são típicas da espécie e outras são únicas do indivíduo).Embora um bom clínico deva estar consciente e fazer uso dos atributos únicos de um paciente, o processo científico na compreensão e no tratamento dos distúrbios mentais dependem de como eles apresentam variação “moderada”, diferenciando características de grupos dentro de nossa espécie. Se assim, não for, o trabalho com saúde mental se reduz apenas a tratar os problemas que cada um enfrenta na vida ou a recriar o campo para cada indivíduo único.Outra crítica pressupõe um único modelo de causalidade física para todos os distúrbios comportamentais. A maioria dos diagnósticos não fornece uma explicação para todos os aspectos do paciente. Eles permitem tratamento e identificação eficiente, e a pesquisa sobre um dado diagnóstico pode levar a identificação precoce ou a prevenção. Podem contribuir para pesquisa básica em desenvolvimento humano.Finalmente, o diagnóstico em si pode ser terapêutico para pais e pacientes, porque um diagnóstico acurado fornece uma explicação para os sintomas que perturbam o paciente e um foco para os esforços que os pais e a criança já estão fazendo para aliviar os sintomas.

Diagnóstico diferencialOs diagnósticos são um emaranhado de situações associadas, que dependem de algumas poucas restrições de peso e de muitas restrições mais leves. Nem todos os pacientes com determinados distúrbios apresentam os sintomas característicos. Ex: Nem sempre um autismo têm estereotipias motoras ou aversão à fixação do olhar, embora sejam sintomas freqüentes do autismo. Estes sintomas oferecem evidências para este diagnóstico, mas sua ausência não viola uma restrição de peso. A tomada de decisão diagnóstica envolve a ponderação da adequação de diferentes diagnósticos competitivos às restrições de peso e às leves, fornecidas pelos dados.Um outro componente importante no processo de diagnóstico é o reconhecimento de que isto é um processo e de que as decisões diagnósticas não são possíveis até que haja dados suficientes. Como há poucas restrições de peso em diagnósticos, diagnósticos duplos (ou triplos) são possíveis e mesmo desejáveis. Crianças com distúrbios de aprendizagem têm freqüentemente um segundo diagnóstico psiquiátricos co-morbido, que pode ou não estar etiologicamente separado dos distúrbios de aprendizagem. No modelo o “espaço diagnóstico” é definido por duas dimensões, uma para distúrbios de aprendizagem e a outra para distúrbios psiquiátricos. A finalidade do diagnóstico é encontrar o ponto neste espaço bidimensional que melhor se ajuste ao funcionamento cognitivo e emocional presente do paciente.Não se supõe que os dois eixos tenham diferentes implicações etiológicas, com os distúrbios de aprendizagem sendo mais orgânico e os distúrbios emocionais mais “ambientais”. Ao contrário, todos os diagnósticos em cada eixo são conceitualizados como resultado do funcionamento alterado do sistema nervoso central (SNC), sendo estas alterações causadas por certa mistura de influências genéticas e ambientais, em que influências ambientais se referem a fatores de riscos tanto neuro-evolutivos, como ferimento na cabeça, quanto à história de aprendizagem social da criança.Uma parte importante e às vezes negligenciada da avaliação da criança com distúrbios de aprendizagem é o fornecimento de um feedback ou retorno aos pais, a profissionais e à criança que é o paciente.

Aspectos psicopedagógicosAs causas mais freqüentes para as dificuldades de aprendizagem:1- EscolaAlém da instituição escola, estão incluídos nestes item os fatores intra-escolares como inadequação de currículos, de programas, de sistemas de avaliação, de métodos de ensino, e relacionamento professor - aluno. Vale salientar a necessidade de diferenciar com uma especial atenção, as crianças com dificuldades de aprendizagem das crianças com dificuldades escolares. Para elas essas últimas revelam a incompetência da instituição educacional no desempenho de seu papel social e não podem ser consideradas como problemas dos alunos.É comum vermos professores usando material de ensino desestimulante, desatualizado, totalmente desprovido de significado para muitas crianças, sem levar em consideração suas diferenças individuais. O aluno não se envolve no processo de ensino-aprendizagem e fica mais difícil a assimilação de conhecimentos.2- Fatores intelectuais ou cognitivos.3- Déficits físicos e ou sensoriais.4- Desenvolvimento da linguagem.5- Fatores afetivos-emocionais.6- Fatores ambientais (nutrição e saúde).7- Diferenças culturais e ou sociais.

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8- Dislexia.9- Deficiência não verbais.

Numa criança com DA o desenvolvimento se processa mais lentamente do que em outra criança, especialmente na área da atenção seletiva. Não considere essas crianças defeituosas, deficientes ou permanentemente inaptas. Podem aprender!Procure uma forma de ensino. Não procure algo que esteja errado na criança. É provável que seu método de ensino e a forma de aprendizagem pela criança estejam em defasagem. Nem a criança nem o professor devem ser responsabilizados por isso, mas o professor pode ser responsável se não tentar algo mais.

Conclusões e considerações finais Ao nos depararmos com quadros de crianças com distúrbios de aprendizagem, nos surge a preocupação em que nós professores podemos contribuir para que esse aluno, mesmo diante de suas dificuldades possa aprender? A esse questionamento refletimos sobre o papel da escola e a inter-relação com a família.Consideremos que o papel da escola deveria ser o de desenvolver o potencial de cada um, respeitando as características individuais do aluno e sempre procurando reforçar os pontos fracos e auxiliando na superação dos pontos fracos, evitando dessa forma que as dificuldades que as crianças possuem na sejam motivos para serem excluídas no processo de aprendizagem e muito menos possam ser rotuladas ou discriminadas.Outro fator que muito colabora no papel da escola, é a família, pois permite a troca de experiência entre pais e professores. É muito importante que haja uma integração entre os ambientes (escola e família) para se compor o quadro de uma forma real e objetiva. Tanto os pais quanto os professores precisam entender que as dificuldades que a criança possua não é culpa de ninguém, e que se tiver um trabalho em conjunto todos serão beneficiados, principalmente a criança.Temos que ter em mente que não há criança que não aprenda, o que ocorre é que algumas aprendem de modo mais rápido, outras não, mas sem sombras de dúvida, chega-se a conclusão que independentemente da via neurológica utilizada, o sucesso escolar de crianças com distúrbios de aprendizagem possa ser uma associação de fatores que envolvam ambiente adequado + estímulo+ motivação + organismo, possibilitando que o professor na sua árdua tarefa de lidar com as mais diferentes adversidades saiba que antes de tudo, ser necessário saber avaliar, distinguir e principalmente querer mudar, respeitando cada criança em seu estado de desenvolvimento.

Referências Bibliográficas

CIASCA, S.M. & ROSSINI, S.D.R.: Distúrbio de aprendizagem: mudanças ou não? Correlação de uma década de atendimento. Temas sobre desenvolvimento, 8(48): 11-16, 2000.

FONSECA, V. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

LEFRÈVE, AB. ( Coord. ) Disfunção Cerebral Mínima. São Paulo: Editora Sarvier, 1975. CIASCA, Sylvia M. Distúrbio de Aprendizagem: Proposta de Avaliação Interdisciplinar. S.P:

Casa do Psicólogo, 2003. Pp 19 – 29. LERNER, J. Learning disabilities: theories, diagnosis and teaching strategies. Boston:

Houghton Mifflin Comp., 1989. PENNINGTON, Bruce F. Diagnóstico de Distúrbios de Aprendizagem. S.P: Pioneira, 1997.

Pp 34 – 40. Cap.3, Parte I.

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Psicopedagogia: A solução para os problemas de aprendizagem

Mara Rubia Rodrigues Martins

BREVE HISTÓRICO.Segundo Bossa (2000), os primeiros esboços de Psicopedagogia aconteceram na França

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no início do século XIX com contribuições da Medicina, Psicologia e Psicanálise, para ação terapêutica em crianças que tinham lentidão ou dificuldades para aprender.

Os estudos franceses influenciaram a iniciação psicopedagógica na Argentina e esta no Brasil.

Aproximadamente há 30 anos, surgiram os primeiros grupos de estudos sobre a aprendizagem e o sistema educacional brasileiro.

Os cursos na área de Psicopedagogia começam a surgir nos anos 70, mas é na década de 90 que se multiplicam.

Em 1996 foi aprovado em Assembléia Geral no III Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, o Código de Ética que assinala dentre outras coisas, que a

Psicopedagogia é um campo de atuação em saúde e educação que lida com o processo de aprendizagem humana, é de natureza interdisciplinar e o trabalho pode se dar na

clínica ou instituição, de caráter preventivo e/ou remediativo e cabe ao psicopedagogo por direito e não por obrigação, seguir esse código.

O QUE É PSICOPEDAGOGIA?É a área do conhecimento que estuda a aprendizagem humana, objetivando facilitar o processo de aprendizagem não apenas no ambiente escolar, mas em todos os âmbitos:

cognitivo, afetivo, social e durante toda vida.A Psicopedagogia cuida do ser que aprende, pois deve evitar o fracasso e facilitar os

processos de aprendizagem.Para Rubinstein (1996, p. 127), “a Psicopedagogia tem como meta compreender a

complexidade dos múltiplos fatores envolvidos nesse processo”.Isso significa colher conhecimentos de várias áreas como a Psicologia, Pedagogia, Medicina, Fonoaudiologia e outras. Portanto, tem enfoque transdisciplinar, ou seja,

recebe influências de vários ramos.A transdisciplinaridade para Assmann (1998), não pretende desvalorizar o que cabe às

disciplinas específicas, mas melhorar e ampliar o conhecimento em todas.Apenas uma área de conhecimento não seria capaz de abarcar a complexidade de um

processo de aprendizagem, pois cada indivíduo possui uma modalidade de aprendizagem, um jeito particular de aprender, a Psicopedagogia aliada a outras áreas de conhecimento, está comprometida em resolver os problemas e melhorar as condições de

aprendizagem.A Psicopedagogia não é a associação da Psicologia com a Pedagogia, pois ela se propõe

a pesquisar e resolver os problemas de aprendizagem através de um intercâmbio dos conhecimentos de outras áreas.

COMPETÊNCIAS DO PSICOPEDAGOGOCabe ao Psicopedagogo em primeiro lugar, estabelecer um vínculo positivo com o

aprendiz, a fim de proporcionar o resgate do prazer de aprender.É um trabalho terapêutico centrado na aprendizagem, mas levando-se em consideração

o aprendente como um todo, seu meio e suas relações.O Psicopedagogo elabora diagnósticos e realiza intervenções durante o trabalho com

foco na aprendizagem, porém sem perder de vista o ser humano com sua individualidade, capacidade e ambiente no qual está inserido, ou seja, um olhar amplo,

imparcial e sem preconceito, uma escuta atenta que vai além das evidências, geralmente já observadas pela família e pela escola.

De acordo com Barone ( 1990, p.19 ), “a tarefa do Psicopedagogo é levar a criança a reintegrar-se à vida escolar normal, segundo suas potencialidades e interesses”.

O Psicopedagogo não trabalha sozinho, atua em parceria com outros profissionais como: Neurologista, Psiquiatras, Fonoaudiólogos, Psicólogos e outros.

Para Paín ( 1992, p.74 ), “o tratamento Psicopedagógico é o mais indicado no caso de

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tratar-se um transtorno de aprendizagem”.RECURSOS UTILIZADOS EM PSICOPEDAGOGIA

Não existem recursos específicos e limitados, mas são geralmente jogos, atividades de expressão artística, linguagem oral e escrita, dramatização e todo tipo de recursos que

facilitem o desenvolvimento da capacidade de aprender com autonomia e prazer.De acordo com Fernández ( 2001,p.163 ), devemos proporcionar “um espaço de confiança, criatividade onde possamos dar um sentido criativo e lúdico ao nosso

trabalho”.Seu filho não vai bem na escola? Tem dificuldades em aprender? Problemas escolares?

É inquieto? Desobediente? Desinteressado? Desatento? Agressivo? A Orientadora solicita sua presença constantemente na escola? A professora pede ajuda?

Quando esse pedido de ajuda está ligado à aprendizagem, procure um Psicopedagogo!Mara Rúbia Rodrigues Martins - Pedagoga, especialista em Psicopedagogia, Professora

de Ensino Especial da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. 

Processo Ensino-Aprendizagem: do Conceito à Análise do Atual Processo

Sabrina Luiza Ribeiro

Para se analisar os vários conceitos que envolvem o processo ensino-aprendizagem é necessário ter-se em mente as diferentes épocas nas quais estes se desenvolveram, como

também compreender sua mudança no decorrer da história de produção do saber do homem.

       O conceito de aprendizagem emergiu das investigações empiristas em Psicologia, ou seja, de investigações levadas a termo com base no pressuposto de que todo

conhecimento provém da experiência(1). Ora, se o conhecimento provém de outrem, externo ao indivíduo, isto significa afirmar o primado absoluto do objeto e considerar o sujeito como uma tábula rasa, como um ser vazio, sem saberes e com a função única de

depositário de conhecimento.        Este conceito inicial é baseado no positivismo que influenciou diferentes

conhecimentos, entre eles o behaviorismo. Neste, a aprendizagem se dá pela mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência(1). E se sustenta sobre os

trabalhos dos condicionamentos respondente e, posteriormente, operante.       Para refutar estes conceitos que determinam o ser humano como passivo e não

produtor, surge a Gestalt, racionalista. Neste momento histórico não se fala em aprendizagem mas em percepção, posto que tal corrente não acredita no conhecimento adquirido, mas defende o conhecimento como resultado de estruturas pré-formadas, do

biológico do indivíduo.       Por fim, há de se chegar à psicologia genética tendo como representantes nomes como Piaget, Vygotsk e Wallon e que segundo Giusta (1), levam a uma concepção de

aprendizagem a partir do confronto e colaboração do conhecimento destes três: empirismo, behaviorismo e gestáltico.

       Atualmente, não só na área da educação mas também em outras áreas, como a da saúde, pensa-se no indivíduo como um todo – paradigma holístico. Parte-se de uma

visão sistêmica e portanto, amplia-se o conceito de educação, o conceito do processo de ensino-aprendizagem.

       O processo de ensino-aprendizagem tem sido historicamente caracterizado de formas diferentes que vão desde a ênfase no papel do professor como transmissor de

conhecimento, até as concepções atuais que concebem o processo de ensino-

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aprendizagem com um todo integrado que destaca o papel do educando (2).       As reflexões sobre o estado atual do processo ensino-aprendizagem nos permite

identificar um movimento de idéias de diferentes correntes teóricas sobre a profundidade do binômio ensino e aprendizagem. Entre os fatores que estão provocando

esse movimento podemos apontar as contribuições da Psicologia atual em relação à aprendizagem, que leva todos a repensar a prática educativa, buscando uma

conceptualização do processo ensino-aprendizagem(2).       Apesar de tantas reflexões, a situação atual da prática educativa das escolas ainda demonstra a massificação dos alunos com pouca ou nenhuma capacidade de resolução

de problemas e poder crítico-reflexivo, a padronização dos mesmos em decorar os conteúdos, além da dicotomia ensino-aprendizagem e do estabelecimento de uma

hierarquia entre educador e educando.       A solução para tais problemas está no aprofundamento de como os educandos

aprendem e como o processo de ensinar pode conduzir à aprendizagem (2).        Acrescenta-se ainda que a solução está em partir da teoria e colocar em prática os

conhecimentos adquiridos ao longo do tempo de forma crítica-reflexiva-laborativa: crítica e reflexiva para pensar os conceitos atuais e passados e identificar o que há de melhor; laborativa não só para mudar como também para criar novos conhecimentos.

       “Para que se repensem as ciências humanas e a possibilidade de um conhecimento científico humanizado há que se romper com a relação hierárquica entre teoria, prática e

metodologia. Teoria e prática não se cristalizam, mas se redimensionam, criam e são também objetos de investigação. Nesse sentido, pesquisa é a atividade básica da ciência

na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino/aprendizagem e a atualiza”. (DIAS, 2001)

       Paulo Freire apud DIAS (3) diz que daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do

conhecimento ainda não existente. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o que se ensina e se aprende o conhecimento já

existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. A dodiscência – docência-discência – e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas

requeridas por estes momentos do ciclo gnosiológico.        Pensar nesse processo ensino-aprendizagem de forma dialética associando-se à

pesquisa, promove a formação de novos conhecimentos e traz a idéia de seres humanos como indivíduos inacabados e passíveis de uma curiosidade crescente – aqui

considerada como uma curiosidade epistemológica, uma capacidade de refletir criticamente o aprendido – capaz de levar a um continum no processo ensinar-aprender.       No processo pedagógico alunos e professores são sujeitos e devem atuar de forma

consciente. Não se trata apenas de sujeitos do processo de conhecimento e aprendizagem, mas de seres humanos imersos numa cultura e com histórias particulares

de vida. O aluno que o professor tem à sua frente traz seus componentes biológico, social, cultural, afetivo, lingüístico entre outros. Os conteúdos de ensino e as atividades

propostas enredam-se nessa trama de constituição complexa do indivíduo (4).       O processo de ensino-aprendizagem envolve um conteúdo que é ao mesmo tempo produção e produto. Parte de um conhecimento que é formal (curricular) e outro que é

latente, oculto e provém dos indivíduos (5).       Todo ato educativo depende, em grande parte, das características, interesses e

possibilidades dos sujeitos participantes, alunos, professores, comunidades escolares e demais fatores do processo (2). Assim, a educação se dá na coletividade, mas não perde

de vista o indivíduo que é singular (contextual, histórico, particular, complexo). Portanto, é preciso compreender que o processo ensino-aprendizagem se dá na relação

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entre indivíduos que possuem sua história de vida e estão inseridos em contextos de vida próprios.

       Pela diversidade individual e pela potencialidade que esta pode oferecer à produção de conhecimento, conseqüentemente ao processo de ensino e aprendizagem, pode-se

entender que há necessidade de estabelecer vínculos significativos entre as experiências de vida dos alunos, os conteúdos oferecidos pela escola e as exigências da sociedade, estabelecendo também relações necessárias para compreensão da realidade social em

que vive e para mobilização em direção a novas aprendizagens com sentido concreto(2).       Pensar cada indivíduo como um contribuinte no processo de ensinar-aprender é

participar da colocação de Giusta (1) sugerindo que se deve superar a dicotomia transmissão x produção do saber levando a uma concepção de aprendizagem que permite resgatar: a) a unidade do conhecimento, através de uma visão da relação sujeito/objeto, em que se afirma, ao mesmo tempo, a objetividade do mundo e a

subjetividade; b) a realidade concreta da vida dos indivíduos, como fundamento para toda e qualquer investigação(1).

       Lembrando que o processo ensino-aprendizagem ocorre a todo momento e em qualquer lugar questiona-se então neste processo, qual o papel da escola? Como deve

esta deve ser considerada? E qual o papel do professor?       É função da escola realizar a mediação entre o conhecimento prévio dos alunos e o sistematizado, propiciando formas de acesso ao conhecimento científico. Nesse sentido os alunos caminham, ao mesmo tempo, na apropriação do conhecimento sistematizado,

na capacidade de buscar e organizar informações, no desenvolvimento de seu pensamento e na formação de conceitos. O processo de ensino deve, pois, possibilitar a

apropriação dos conteúdos e da própria atividade de conhecer (4).       A escola é um palco de ações e reações, onde ocorre o saber-fazer. É constituída

por características políticas, sociais, culturais e críticas (5). Ela é um sistema vivo, aberto (6). E como tal, deve ser considerada como em contínuo processo de

desenvolvimento influenciando e sendo influenciada pelo ambiente, onde existe um feedback dinâmico e contínuo.

       É neste ambiente de produções e produto que se insere o professor, o educador, não como um indivíduo superior, em hierarquia com o educando, como detentor do saber-fazer, mas como um igual, onde o relacionamento ente ambos concretiza o processo de

ensinar-aprender.       O papel do professor é o de dirigir e orientar a atividade mental dos alunos, de modo que cada um deles seja um sujeito consciente, ativo e autônomo. É seu dever

conhecer como funciona o processo ensino-aprendizagem para descobrir o seu papel no todo e isoladamente. Pois, além de professor, ele será sempre ser humano, com direitos

e obrigações diversas (7).       Pensar no educador como um ser humano é levar à sua formação o desafio de

resgatar as dimensões cultural, política, social e pedagógica, isto é, resgatar os elementos cruciais para que se possa redimensionar suas ações no/para o mundo.

       Ainda no processo da história da produção do saber, permanece na atualidade o desafio de tornar as práticas educativas mais condizentes com a realidade, mais

humanas e, com teorias capazes de abranger o indivíduo como um todo, promovendo o conhecimento e a educação.

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Desenvolvendo o "Espaço Potencial" Nas dificuldades de

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aprendizagemElizabeth Polity

 

1. Introdução

A este artigo interessa observar o espaço que se cria nos encontros terapêuticos e que possibilitam o desenvolvimento das capacidades de aprendizagem, tanto do cliente como do terapeuta.Sobre o espaço potencial Winnicott afirma: "O brincar tem lugar no espaço potencial entre o bebê e a figura materna. Brincar desenvolve-se no espaço potencial de acordo com a oportunidade que o bebê tem de experenciar separação sem separação, e sua iniciação está associada com a experiência do bebê em desenvolver confiança na figura da mãe" (WINNICOTT, in ABRAM, p.226).Segundo o autor, quando o bebê pode "criar a figura da mãe", estabelece-se a experiência de ilusão. Desta experiência inicial de onipotência, surge o espaço potencial, que seria a "área de subjetividade" entre o bebê e a mãe, que emerge durante a fase de repúdio do objeto "não-eu". "A característica específica deste lugar em que se inscrevem o jogo e a experiência cultural é a seguinte: a existência deste lugar depende da experiência da vida e não das tendência herdadas" (WINNICOTT, 1967, p. 45).Não é um espaço transcendental nem instintivo a partir do qual compreendemos o mundo, mas um espaço co-construído juntamente com a nossa compreensão do mundo. Essa incorporação não é automática, mas gradual e deliberada, e provém de experiências vitais como a aprendizagem, como os exemplos e as relações intersubjetivas, que vão se configurando segundo a metodologia de um jogo. É a área importante da experiência "entre o indivíduo e o meio, esse espaço que no começo une e separa o filho e mãe, quando o amor da mãe que se revela e se manifesta pela comunicação de um sentimento de segurança, outorga de fato à criança um sentimento de confiança no meio" (idem).Entendo ser importante perceber que é a figura mediadora (a mãe ou sua substituta), uma figura metapessoal, quem simboliza e introduz seu assentamento, não apenas biológico, mas humano no mundo. Pode-se pensar, então, em união e separação. Processos que serão a base para a confiança, e para o desenvolvimento do amor-próprio, da autonomia. Processos que, quando não estiveram presentes nas primeiras fases da vida, serão muitas vezes, buscados incessantemente em trabalhos terapêuticos: o resgate do pertencimento, do movimento de aproximação, da busca de sentido para a ação.

2. Construindo um Espaço Potencial

Tenho como objetivo deste artigo tecer algumas considerações sobre a criação do espaço potencial, enfocando primeiramente a relação mãe-bebê e, posteriormente, estender este conceito no contexto terapêutico, no trato com a queixa de dificuldade de aprendizagem. Para tanto, pretendo trazer minha experiência clínica em atendimento familiar para identificar a construção de um espaço (que eu nomeio potencial) que abrigou clientes e terapeuta.Dentre tantos conceitos propostos por Winnicott, volto minha atenção para o assunto que privilegia a relação do sujeito com o contexto em que ele vive. Penso que isto se deva à minha formação em terapia familiar de abordagem sistêmica e também ao fato de eu pensar o sujeito da aprendizagem sempre em relação com o outro. Como afirma Safra: "ocupar um lugar no mundo é ocupar um lugar na vida do outro" (SAFRA, 2000, p. 80).Segundo BOGOMOLETZ (1995):"...para a existência de um espaço potencial é preciso antes de tudo que exista a possibilidade de se perceber esse outro como alguém distinto e separado de nós. Conforme sabemos, na díade, ou na relação simbiótica não há um 'primeiro' e um 'segundo'. As duas partes da relação não se percebem como indivíduos, como entidades separadas, como pessoas inteiras. Neste tipo de configuração humana percebe-se duas pessoas (do ponto de vista do observador, como diria Winnicott) que não se percebem duas pessoas, e sim uma espécie de gêmeos siameses, entre as quais existe um istmo invisível, como se fosse um cordão umbilical fantasma, que as une e as impede de existirem independentes (fisicamente) uma da outra. Esta condição 'física' torna-as psicologicamente inseparáveis, fusionadas e portanto inexistentes enquanto unidades individuais. 'Individual', nesse caso, é a díade, indivisível e indissolúvel". Winnicott explica: "A fase da fusão tem duas etapas. A primeira, do narcisismo primário ou da dependência

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absoluta. Não há 'outro' nessa fase, nem mesmo esse semi-outro que é a própria mãe. A mãe só se torna 'ela' na segunda fase, que ele chama de 'ruthlessness', ou da dependência relativa, na qual não há compaixão nem há empatia, na qual há ainda fusão e a qual se situa a meio caminho entre o narcisismo primário (ou absoluto) e a fase do 'concern', em que há compaixão, há empatia, e o 'outro' começa a ser aceito de bom grado, se todo o processo anterior transcorreu favoravelmente" (WINNICOTT, 1967, p. 65).Essa fase intermediária é aquela em que surge uma incipiente consciência do "eu", e também de tudo aquilo que "não é eu". Nessa fase, o "não-eu" não é tolerado porque o bebê ainda vive a ilusão de onipotência, ainda não passou pela desilusão em relação à existência prévia do mundo, e qualquer coisa que não pareça fruto da sua criatividade é percebida como uma coisa intrusa e intolerável.Parafraseando BOGOMOLETZ, a maior parte das mães inicia o seu processo de gestação na condição de unidade: mãe-embrião e depois mãe-feto. Para ela, a percepção de que a mãe e o bebê constituem um ser único e indivisível, somente pode ser empregado a partir de um certo momento no processo de desenvolvimento da criança. Para a mãe considerada "normal" há um momento, cedo ou tarde, em que o filho não é mais visto como uma parte dela mesma, mas não é fácil dizer que essa percepção algum dia possa se completar inteiramente. O fato é que a mãe considerada "normal" é aquela na qual percebemos uma consciência não muito atormentada de que há um mínimo de "in-dependência" entre ela e o filho.Numa segunda fase, podemos falar de díade propriamente dita, pois há duas pessoas que se percebem como uma só. Isto a partir da situação anterior, em que uma das pessoas (o bebê) nada podia perceber. Mas agora o bebê percebe, e vai relutar muito até aceitar, se tudo correr bem, como diz Winnicott, que aqui há duas pessoas, e não uma. E vai fazer o possível para que tudo continue como antes, pois a mudança lhe parece forçosamente assustadora. Crescer e aprender podem ser muito ameaçadores para algumas crianças.É a paciência da mãe, diz Winnicott, que permite ao bebê ir aceitando o inevitável. E o inevitável é a percepção de que há duas pessoas, não duas metades que formam um todo. Neste momento, o que importa é dizer que a passagem da fusão para a dependência mínima é a passagem do estado de natureza para o estado da cultura, é a aceitação (pelo bebê) da mãe e, posteriormente, dos demais como pessoas por direito próprio. É o surgimento de um "eu" que se relaciona com o "não eu", em vez de combatê-lo; é a derrota da onipotência como instrumento de administração do mundo, embora não como instrumento de aperfeiçoamento desse mundo; é o início do ser propriamente humano, com toda a dignidade e todo o risco que isto implica. Cria-se então a possibilidade de um espaço potencial.Parafraseando Safra (opus cit.), é no espaço potencial que o sujeito pode completar o processo de construção de seu self. À medida que interage com o outro - a mãe, primeiramente; mais tarde, o professor, o amigo, o terapeuta - pode entrar em contato com diversas subjetividades através de manifestações culturais como a música, o texto, o diálogo, enfim, a presença humana que o enriquece e complementa.

3. "...É uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser encontrado..." (WINNICOTT, 1967)

Todos nós sabemos como é gostoso brincar de esconde-esconde. Quando crianças, tentávamos encontrar o melhor lugar para que ninguém nos achasse e, assim, nos sentíamos vitoriosos e espertos. Mas, e se a brincadeira prosseguisse e ninguém nos tivesse achado e, pior, nem tivessem sentido nossa falta! Aí sim, seria um desastre. Parece que esperteza e astúcia têm limites. É bom podermos nos diferenciar - achar um lugar bem difícil para se esconder - mas, se por causa dessa diferença, formos excluídos, aí a tristeza e o desamparo abatem-se sobre nós. Nesta frase de Winnicott encontram-se os dois aspectos fundamentais para a realização pessoal: o registro do singular e do coletivo. Na ausência de um dos pólos, há um sofrimento e uma experiência de não realização do self.Com muito interesse pela psicanálise, foi a partir dos textos de Winnicott que pude começar a articular a teoria psicanalítica com conceitos relacionais. Desta combinação nasceu a possibilidade de perceber, na obra do autor, idéias que enfatizam ao que é construído "na relação" com o meio, com a cultura, com o mundo. E é dentro desta perspectiva que se encaixa o conceito de espaço potencial.Uma das idéias centrais no esquema do desenvolvimento proposto por Winnicott é a de que a mãe precisa, com o tempo, ir diminuindo o grau de sua adaptação às necessidades iniciais do bebê. De um certo momento em diante, é preciso que ela permita ao bebê vivenciar pequenas frustrações, pois esta será a única maneira de ele desenvolver um contato com o mundo, em que terá de viver, que não se caracterize por

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hostilidade e receio. Winnicott acentua a idéia de que esse processo de tolerância crescente à frustração só pode ocorrer quando houve anteriormente uma quantidade suficiente de ilusão - a ilusão de onipotência. Então nos vemos ante o paradoxo segundo o qual a aceitação da realidade depende essencialmente de uma prévia falta de percepção dessa mesma realidade. Assim sendo, não há porque espantar-se com a idéia de que, a partir de Winnicott, os assuntos humanos talvez devam ser entendidos segundo a lógica paradoxal, e não mais segundo a lógica linear. A saída da onipotência deve ser feita pela via da empatia recíproca. No contexto terapêutico, esta será a condição para que se criar o espaço potencial.Penso que com esta referência podemos descrever o sofrimento que alguns pacientes apresentam: o desamparo resultante de uma saída rápida demais do universo da fusão, ou o desamparo resultante de uma permanência demasiadamente longa dentro dele o que, por simetria, causa o mesmo estrago. Tanto a mãe que não percebe o desamparo do bebê e deixa que o mundo o invada, quanto a mãe que não percebe o crescimento do bebê e o afoga em seu amparo, roubando-lhe o acesso ao mundo, ambas fazem a mesma coisa: deixam de perceber o bebê. No processo de terapia temos (pelo menos) duas pessoas envolvidas que, no brincar, percebem-se mutuamente. Winnicott fala: "A psicoterapia tem lugar no encontro de duas áreas do brincar: uma do paciente, outra do terapeuta. A psicoterapia acontece quando duas pessoas brincam juntas. O corolário desta afirmação é que aonde não pode acontecer o brincar, o trabalho do terapeuta será o de trazer o paciente de um estágio onde o brincar não é possível para um estágio onde o brincar torne-se possível". (WINNICOTT, in ABRAM, p.228)Voltando ao início deste tópico e pensando na frase de Winnicott, percebemos que na brincadeira podemos re-significar o que é estar escondido - valorização das competências individuais, autonomia, independência - e o que é ser encontrado (ou não) - fazer parte do coletivo, sentir-se pertencendo, compartilhar experiências humanas - e perceber que é no equilíbrio dessas duas posições que se caminha rumo ao desenvolvimento e à aprendizagem.Relatarei a seguir o atendimento de uma família, visando demonstrar como através da criação de um espaço potencial - onde o brincar teve lugar - foi possível a seus membros resgatar a aprendizagem por meio da criatividade e da capacidade de resolução de conflitos.

4. Tempo de brincar/ de criar/ de despertar...

A., um rapaz de 15 anos, vem à terapia trazido pelos pais. A queixa central é de dificuldade de aprendizagem e envolvimento com drogas. Bem vestido e bem arrumado não lembra, nem pela aparência, nem pelas atitudes, um drogadicto. Seus pais dizem não entender o que se passou com o filho, que sempre fora um ótimo estudante e muito responsável em casa. Cursou até a 2º série do Ensino Médio. Ao se aproximar do fim do curso, ele parecia estar desmotivado e sem condições de prosseguir. A escola os chamou para informar que A. apresentava dificuldades de atenção, de concentração, de organização para tarefas sistematizadas, o que o deixava impossibilitado de acompanhar o ritmo dos colegas. Decidiram então que seria melhor tirá-lo do colégio. Neste momento, o rapaz afirma querer ajuda e estar disposto a retomar sua vida.Provenientes de famílias humildes de origem judaica, os pais tiveram de trabalhar muito para conquistar uma estabilidade econômica e poder mandar A. para o colégio. A história da família R. é muito rica e repleta de situações interessantes. Entretanto, para não fugir ao escopo deste trabalho, focalizarei, apenas, o que eu entendo pela construção de um espaço potencial entre a família e a terapeuta.De início, peço à família que me conte um pouco de sua história. Os pais falam dos avós, que vieram ao Brasil foragidos durante a 2a Guerra, e das dificuldades que aqui enfrentaram. Fico sabendo que apenas a avó materna ainda vive e que mora no interior do Estado. Incentivo-os a falarem de suas famílias de origem, de seus hábitos e costumes. Percebo que existem muitas histórias carregadas de emoção e tristeza que cercam os primeiros anos da família no Brasil. Percebo, ainda, que alguns assuntos parecem proibidos de serem mencionados. Não é uma proibição explícita, mas o assunto é desviado a cada vez que falamos; por exemplo, tudo o que se relaciona ao avô paterno. Depois de alguns atendimentos centrados em construções de narrativas, começo a perceber que estamos dando voltas em torno dos mesmos pontos e vou me sentindo como que paralisada pelo sistema. Aprendi, em decorrência de minha experiência, que nestes momentos, o uso de outros recursos, que não o puramente verbal, podem ser de grande ajuda. Proponho, então, o início do que eu mais tarde chamei de fase de jogos:

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atendimentos onde começamos a jogar WAR.Tanto os pais, como A., tinham um bom conhecimento de geografia e eles sentiam-se animados em me dar aulas e me contar os hábitos e os costumes de lugares que eu desconhecia. Nestas ocasiões, eram trazidos também assuntos pessoais e eu podia observar a hierarquia, as coalizões e as lealdades entre os três. Num desses encontros, fiquei sabendo que o avô paterno morrera dois dias antes do nascimento de A. Nesta mesma ocasião, ele falou, pela primeira vez, que se sentia muito pouco à vontade com o pai toda vez que falavam no avô. A mãe começa a chorar e diz que já era hora de terem esta conversa. O pai, visivelmente contrariado, inicia o relato contando que o avô se suicidara pouco antes de A. nascer.Com esta revelação, muitos assuntos são trazidos à tona e tenho a oportunidade de perceber o lugar que fora designado a A., cujo nome herdara do avô morto. É importante lembrar que neste contexto cultural, dar o nome de um antepassado a uma criança é a forma de homenageá-lo e expressar reconhecimento. Mas, neste caso, a nomeação trazia igualmente muita mágoa e ressentimento. Não vou me estender aqui sobre o fantasma do suicídio que assombra a família. Só não posso deixar de mencionar a enorme carga que um filho carrega quando deve ocupar concomitantemente o lugar do reparador (pelo suicídio) e do morto. O avô de A. era, segundo o pai, um homem muito inteligente e bem sucedido, que havia sido arrancado de seu meio pela eclosão da guerra. Valorizava muitos os estudos e não se conformara em deixar suas propriedades para fugir. Nunca aceitara a situação e, tendo ficado cada vez mais isolado, acabou pondo fim à própria vida.Deste avô, A. sabia apenas que fora uma pessoa muito esforçada, mas, conforme afirmou, sua fantasia era de que ele morrera louco. Nunca teve coragem de perguntar ao pai, mas disse sentir-se com medo de também acabar assim pois pensava que essa loucura poderia ser hereditária.Apesar de todo caminho já percorrido, eu buscava ainda entender, entre outras coisas, qual o sentido das drogas na vida de A. e como foi o processo de abandono dos estudos. Parecia-me que ele respondia a duas demandas paradoxais da família: ser bem sucedido e correr o risco de se matar X ser um fracassado e permanecer vivo.A partir daí, fizemos um trabalho com fotos e foi possível para a família resgatar muitas histórias que estavam enterradas juntamente com a memória deste avô. Aspectos culturais importantes e suas repercussões para a vida da família foram revistos. Pudemos, enfim, focar na vida atual de A. e suas possibilidades de reintegração social. O paradoxo pôde ser nomeado e finalmente entendido.Em muitos outros encontros voltamos a jogar. Certa vez, o pai de A. mencionou que este espaço da terapia era o único lugar onde ele se sentia à vontade por não precisar representar nenhum papel: neste lugar ele podia ser ele mesmo. Penso que neste momento ele se referia ao espaço que fora criado entre a família e a terapeuta, onde havia confiança, tolerância, continência, possibilidade de crescimento. Penso que ele se referia ao espaço potencial.Winnicott afirma que o tempo da terapia deve ser aquele que permita ao paciente experimentar confiança e que, posteriormente, o encoraje à separação e à autonomia. "Como o bebê com sua mãe, o paciente não pode tornar-se autônomo, exceto em conjunto com seu terapeuta, que deve estar pronto para deixá-lo partir..." (WINICOTT, in ABRAM, p. 324).O espaço potencial, criado entre o sistema familiar e o terapêutico, propiciou um continente seguro para o brincar, para a criação de símbolos e significados que fizessem sentido para o cliente e seu grupo familiar e, ainda, para que os legados de sua cultura pudessem ser introduzidos como elementos enriquecedores da compreensão da dinâmica familiar. Junto com essas mudanças, puderam ser observadas alterações no desempenho escolar de A., que voltou a estudar, encontrando prazer em se aproximar do conhecimento. Ao se libertar dos segredos e mandatos familiares pôde superar suas dificuldades de aprendizagem e compreender o que nomeamos "função protetora do sintoma" (POLITY, 2001).Gostaria de finalizar este artigo, lembrando que entendo a função terapêutica como facilitadora para a resolução de conflitos, mobilizando a família a encontrar seus próprios recursos para fazê-lo. . E, como agente facilitador, o terapeuta busca a criação de um espaço onde as potencialidades possam ser realizadas. Segundo Winnicott, espaço de brincar, de criar, de despertar para a vida.O enfoque psicanalítico de orientação winnicottiana não nos impede de pensarmos a família como um sistema de múltiplas interações. Ao contrário, esse enfoque, no meu entender, dá ênfase ao relacional e à importância do meio no desenvolvimento do ser humano. Se pensarmos que um membro da família apresenta algum problema por viver em um determinado contexto familiar, podemos considerar que este contexto, por sua vez, está sendo constituído pela conduta deste indivíduo. Perguntar onde termina uma ação e onde começa outra é como tentar determinar onde termina a praia e onde começa o

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mar. O que pude observar, dentro dessa experiência terapêutica, é que quando foi criado um espaço para as questões serem recriadas e recontadas, a família foi capaz de fazer uso de instrumentos internos e relacionais que os permitiram lidar melhor com as dificuldades. Esse espaço permitiu, ainda, trabalharmos com a queixa inicial na área da aprendizagem e "re-significá-la" para este sistema.Talvez possamos nos inspirar nas palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade para tentar compreender algumas das questões familiares:

"Vou dobrar-meÀ regra nova de viverSer outro que não eu até agoraMusicalmente agasalhadoNa voz de minha mãe, que cura doenças,EscoradoNo bronze de meu pai, que afasta os raiosOu vou ser - talvez isso apenas - apenas euUnicamente eu, a revelar-meNa sozinha aventura em terra estranha?Agora me retalhaO canivete desta descoberta:Eu não quero ser eu, prefiro continuarObjeto de família"

5. BIBLIOGRAFIA

ABRAM, J., The language of Winnicott, Jason Aronso Inc., New Jersey, London, 1997.BOGOMOLETZ, D., Considerações sobre o espaço potencial, artigo publicado no site www.dwwinnicott.com.br, (1995 orig.), 1999.POLITY, E., Dificuldades de Aprendizagem e Família: construindo novas narrativas, São Paulo, Ed. Vetor, 2001.SAFRA, G., A face estética do self, São Paulo, Ed. São Marcos, 2000.WINNICOTT, D., Da Pediatria à Psicanálise, Rio de Janeiro, Ed. Imago,1965.WINNICOTT, D, O Brincar e a Realidade, Rio de Janeiro, Ed. Imago,1967.

* Elizabeth PolityDoutora em Psicologia, Mestre em Educação, Psicopedagoga, Terapeuta Familiar e de Casal, Diretora da Associação Paulista de Terapia Familiar (APTF), Diretora do Colegio Winnicott, Coordenadora do Centro de Orientação e Aconselhamento Familiar e Escolar (CEOAFE), Professora dos Sistemas Humanos.Autora dos Livros:" Ensinando a ensinar - Ed. Lemos, 1997. 2aEdição, Ed. Vetor, 2003" Psicopedagogia - um enfoque sistêmico: Terapia Familiar nas dificuldades de aprendizagem - (org.)Empório do Livro, 1998" Dificuldade de Aprendizagem e Família: construindo novas narrativas. Ed. Vetor, 2001" Dificuldade de ensinagem. Que história é essa...? Ed Vetor, 2002" Co- autora: Psicopedagogia : um portal para a Inserção Social, Vozes, 2003" Co-autora: Psicopedagogia: diversas faces, múltiplos olhares. Olho d'agua/ Psicopedagogia on line, 2003

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Matematica e psicopedagogia institucional:

Jefferson Biajone

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 DE EXAME EM MATEMÁTICA E ATRASADO PARA O PROCESSO

SELETIVOEra uma Quinta-feira à noite. 7 de Dezembro de 2001. A 1o fase do exame de

seleção estava marcada para as 19 horas na sala 203 do imponente e centenário casarão sede da unidade central da PUC de Campinas. Retornando da Unicamp

onde havia ido saber da minha nota em estruturas algébricas - a última disciplina do meu curso de licenciatura em Matemática - chegava na PUC central faltando

alguns minutos antes da prova. Não chegava muito feliz. A nota que tinha ido buscar não fora boa o suficiente para evitar minha inclusão na lista daqueles que deveriam fazer o exame. Logo compreendi que o final da minha árdua graduação

ainda haveria de me proporcionar momentos inesquecíveis.Mas tentei deixar tudo aquilo de lado e concentrar-me no processo seletivo que estava

preste a começar. Ao adentrar no casarão procurei pelo posto de atendimento da Educação onde a secretária informou-me a localização da sala. Após alguns lances de

escada e alguns corredores avistei a sala de número 203. Qual fora a minha surpresa ao adentrá-la. A sala estava lotada de mulheres cujo número passava facilmente dos 40.

Mais tarde, vim a descobrir que foram 65 inscritos presentes para as 35 vagas disponíveis.

Tímido a princípio e ainda parado à porta, procurei por um lugar vazio em meio ao público de candidatas que aguardavam o início da prova envoltas em um

"converseiro" vivo e animado.Uma vez sentado, desliguei o celular e encostei minha mochila ao lado esquerdo da carteira. Enquanto procurava pelo lápis, caneta e borracha, disparava rápidas e discretas olhadelas para os lados procurando algum outro representante do sexo

masculino participante do concurso. Como não consegui identificar nenhum , concluí que, caso aprovado no processo seletivo, teria pela frente uma experiência acadêmica bem diferente dos anos de uma graduação onde mulheres foram uma

minoria marcante. Enfim, era uma oportunidade que se abria para uma mudança de "ares".

Às 19h05 adentra no recinto a Professora Maria Regina, Coordenadora do curso de Educação e Psicopedagogia, trazendo em mãos as avaliações escritas. A tarefa

da primeira fase do processo seletivo consistia em analisar e fornecer possíveis sugestões de intervenção psicopedagógica para uma situação-problema de

aprendizagem.Mesmo estando acostumado com números, demonstrações de teoremas e

derivações de fórmulas, não me deixei espantar pela tarefa que tinha a frente. Li a situação-problema repetidas vezes, apelei para o bom senso e a alguns dos

rudimentos pedagógicos adquiridos na licenciatura e apresentei o que de melhor tinha para a solução da mesma.

Fui um dos últimos a deixar o recinto com a sensação de que não havia feito uma boa prova. Qual foi a minha reação de surpresa ao saber, três dias depois, a 10 de

dezembro, que havia tido um dos melhores desempenhos na prova e que o meu nome estava entre os selecionados para a segunda fase do processo: a entrevista.A alegria foi ainda maior quando vim a saber, no dia 12, da minha aprovação no exame de estruturas algébricas, realizado na noite do dia 11. Foi uma sensação de

alívio pleno! Terminada a graduação, estava pronto para ingressar na pós. Só precisava agora ser aprovado na entrevista e estar classificado entre os 35

primeiros que ocupariam as vagas oferecidas. A ENTREVISTA E A SURPRESA NO RESULTADO DA SELEÇÃO

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Agendando a minha entrevista para as 22 horas daquele mesmo dia, compareci ao casarão universitário onde já havia outras candidatas também à espera da entrevista.

Como havia vários entrevistadores, não demorei muito para ser chamado. Minha entrevistadora foi a Professora Maria Regina, que simpática e sorridente, questionou-me a respeito de minha formação, interesses e objetivos em relação ao curso, além de uma

detalhada avaliação de meu currículo. O resultado final do processo seletivo veio uma semana depois. Na manhã do dia

18 o posto de atendimento da Educação divulgava as listas dos aprovados classificados e dos que ficavam à "espera" de possíveis desistentes. Para minha

surpresa - e que surpresa - estava classificado em 6o lugar dentre os 35 aprovados. Não me cabia de satisfação! Em uma rápida olhada pela lista identifiquei no 2o lugar um outro representante da ala masculina dentre os classificados - o colega José Donizete - o Donizete como veio a ficar conhecido na turma, e que viria a se

tornar uma das minhas grandes amizades para durante o ano daquele curso.A curso de Especialização em Educação e Psicopedagogia da PUC de Campinas

iniciou-se em 22 de Fevereiro de 2002. Sendo presencial e de enfoque institucional, nossos encontros se davam todas as sextas das 19 às 22h30 e sábados das 8 às 13 horas. Foram 10 disciplinas a cumprir, 5 no primeiro semestre e 5 no segundo,

além da monografia de conclusão de curso.O PRIMEIRO DIA DE AULA, A PINTURA NO TETO E OS COLEGAS DE

TURMAO primeiro dia de aula foi inesquecível. Como todo primeiro dia você não conhece ninguém, não sabe onde se sentar, com quem falar e nem o que dizer. . Comigo não foi diferente. Ainda tímido em meio a tantas mulheres, sentei-me em um lugar na

fileira do fundo junto à porta de entrada da sala. Enquanto aguardava o início da aula às 19 horas, a pintura no teto da sala de aula

logo chamou minha atenção. Um pouco que carcomida pela ação do tempo, ela ainda refletia a glória e o esplendor de uma época marcada pelo apogeu dos barões do café campineiros. Sob aquela pintura do século XIX, passamos o ano todo tendo

os nossos momentos de estudo e leituras intensas, aprendizado, trocas de experiências, apreensão, alegria e descontração.

Confesso que cheguei a me indagar se os antigos moradores daquele casarão teriam imaginado, que num futuro não muito distante, o seu lar, sua plantação e

sua senzala viriam a se transformar no berço de formação universitária de muitas gerações que iriam ali estudar e se tornar profissionais dos mais variados campos

do conhecimento.Minhas indagações históricas foram interrompidas pelas exclamações de

entusiasmo recheadas de abraços e beijos de satisfação por parte de algumas das novas alunas recém-chegadas: as amizades de outrora que se reencontravam para

o início de mais uma jornada de labores acadêmicos.Eu estava curioso para saber quem seria o outro colega também selecionado, o

Donizete. Não demorou muito a espera.Entrou na sala uma pessoa na casa dos 40 anos, de feições sérias e austeras, portando livros e cadernos em mãos, indo a

ocupar o último lugar na fileira do fundo só que exatamente no extremo oposto ao qual eu estava. (Mal sabia eu e todas as demais colegas que aquele de "feições

carrancudas" viria a ser um dos ícones da turma, dada a sua alegria inata, os seus dotes musicais e o seu jeito cativante e irreverente de ser).

Às 19 horas em ponto a Coordenadora do curso, Profa. Maria Regina, deu início à aula inaugural com a apresentação do curso e dos professores daquele semestre. Seguiu-se então a apresentação individual de cada um dos recém-ingressantes.

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Nossa turma inaugurava o 6o ano do curso de especialização em educação e psicopedagogia na PUC de Campinas e era composta de 31 pedagogas, 1

fonoaudióloga, 1 professora de história, 2 professoras de Português, 1 professor universitário (o Donizete) e 1 professor de matemática (eu).

AS DISCIPLINAS, OS PROFESSORES E OS GRUPOS DE TRABALHOAs aulas se seguiram e com elas os dias, as semanas e os meses - alguns tranqüilos com

aulas expositivas e leituras, outros tumultuados devido aos seminários, entrega de resenhas, relatórios e monografias.

As dez disciplinas que compunham o nosso curso versavam sobre a introdução a psicopedagogia, análise e construção do processo de ensino e aprendizagem, metodologia da pesquisa e educação, avaliação educacional e institucional,

orientação educacional, atuação e avaliação psicopedagógica. Cada qual com a sua proposta de trabalho, metodologia, bibliografia e avaliação.

Os professores proporcionaram momentos de rico aprendizado. Sendo todas também mulheres, algumas primaram pela didática dinâmica e simpatia pessoal, outras pela profundidade de seus conhecimentos teóricos e práticos nos campos

educacionais, psicológicos e psicopedagógicos. Foram, em suma, educadoras comprometidas com a formação integral do psicopedagogo.

Com o decorrer do curso fomos conhecendo os professores, os funcionários e sobretudo uns aos outros. Logo no primeiro semestre a turma fora dividida em sete grupos de

trabalho de acordo com a preferência dos assuntos a serem pesquisados para a disciplina de metodologia da pesquisa e educação. Os grupos aí constituídos permaneceram juntos até o final da especialização, desenvolvendo os vários projetos propostos e estreitando os laços de amizade e cooperação mútua, sem os quais a realização do curso não teria

sido possível.O nosso grupo contava com a presença das colegas Andréa e Karina, ambas pedagogas

recém-formadas, Rosana, professora de história e inglês, Sandra, a irreverente Sandrinha também pedagoga e eu, o matemático, ainda tímido em meio a tantas

mulheres.OS VOLUNTÁRIOS, MOMENTOS DE DESCONTRAÇÃO E O APELIDO

"QUINDIM"Um fenômeno interessante que observei no decorrer do curso era que, quando havia a necessidade de que alunos participassem em alguma atividade, teste, ou

dinâmica, era quase que certo que eu ou o Donizete, senão nós dois, seríamos escolhidos. O nosso nome era dito em voz alta e sob risos e pedidos íamos à frente da turma; para falar a verdade, eu e Donizete não podemos negar que gostávamos

da atenção e do carinho.Nos intervalos de aula, tanto nas sextas como nos sábados, nos reuníamos nas

lanchonetes da vizinhança cujos nomes eram bastante sugestivos - Senzala, Sinhá, etc. Eram os nossos momentos de descontração e festa em meio aos crossaints de

frango e catupiri, aliados às copadas de sucos naturais e refrigerantes. Nestes encontros colocávamos as novidades da semana em dia, planejávamos os nossos trabalhos e trocávamos impressões acerca de nossas aulas e do andamanento do

curso.Nos intervalos de sábado algumas das colegas aproveitavam o comércio das

redondezas para fazer compras pois muitas delas vinham de outros municípios - nossa turma teve representantes de Mogi Mirim, Salto, Indaiatuba e Piracicaba,

entre outras localidades da região.Foi numa destas lanchonetes no intervalo de sexta à noite que recebi das minhas colegas de grupo o inesquecível apelido de "Quindim". Após um dia conturbado

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no trabalho, eu estava muito cansado e sonolento. Conhecedor do altíssimo teor calórico inerente ao quindim decidi comer um para espantar o sono e avivar o

organismo. Por ter-me utilizado deste expediente mais de uma vez, acabei por ser tomado como um aficionado pelo doce e o apelido, "Quindim", inevitavelmente,

"pegou".Havia também o "Xerox" da amiga Nina onde visitávamos freqüentemente para

coletar as muitas páginas de textos a serem lidos bem como pôr em dia as novidades dos demais acontecimentos na universidade que ela bem conhecia pelo

contato que mantinha com os demais alunos.UMA IDÉIA QUE DEU CERTO: O SITE ESTUDANTIL DA

PSICOPEDAGOGIAEm meados de Abril de 2002 propus ao meu grupo a criação de um site na internet

onde poderíamos disponibilizar todos os nossos trabalhos realizados para as diferentes disciplinas do curso, facilitando assim o acesso aos mesmos por parte do

corpo docente e discente. Aceita a sugestão, disponibilizei o site na internet em meados de maio sob o endereço www.on.to/psicopedagogia. Á princípio o site só continha os nossos

trabalhos, mas com o tempo comecei a disponibilizar assuntos e links de interesse na área da psicopedagogia institucional, tais como o Código de Ética do psicopedagogo, endereços de outros sites relacionados a psicopedagogia,

associações educacionais, acadêmicas e profissionais relacionadas com a educação em geral. Nossa idéia era a de proporcionar um site 100% estudantil, informativo,

prestativo e de fácil acesso a qualquer pessoa interessada no assunto.Até a data de envio deste artigo, 16 de Dezembro de 2002, tivemos mais de 400 acessos.

O nosso livro de visitas já recebeu as assinaturas de professores e alunos da nossa turma, de alunos de turmas de psicopedagogia anteriores à nossa, de alunos da

graduação em pedagogia e outros cursos, bem como uma mensagem especial da Presidente Nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Profa. Maria Cecília

Castro Gasparian, que visitou nosso site em 18 de Junho de 2002.Com o final do curso, muitas pessoas nos perguntaram se o site seria desativado.

Muitíssimo pelo contrário, queremos agora é mantê-lo como ponto de encontro da nossa turma e tê-lo como um espaço aberto a todos que desejem compartilhar conosco o

desenvolvimento profissional da psicopedagogia institucional em nosso país.NA RETA FINAL: A MONOGRAFIA, MODINHAS DE VIOLÃO E AS

DESPEDIDASNo início de setembro e com a proximidade da conclusão do curso delineamos o tópico que seria objeto de nossa monografia de conclusão de curso. Todos os demais grupos da turma também se encontravam em ferrenha labuta para a aquisição da bibliografia, do

levantamento de dados, da estruturação da monografia. Além desta, havia a entrega dos relatórios de estágio supervisionado que cada um de nós foi incumbido de providenciar.

Foram 34 horas de estágio ao todo a serem cumpridas durante os dois semestres do curso em alguma instituição de ensino infantil, fundamental, médio ou superior a gosto

do aluno estagiário.O cumprimento das minhas 34 horas de estágio foi outro grande momento na especialização. Foram realizadas em um berçário e educandário infantil onde

acompanhei uma turma de jardim composta de meninos e meninas de 5 a 6 anos. Apesar de já ter estagiado a nível médio na graduação, eu desconhecia totalmente o trabalho

dos professores de educação infantil - foi um momento de total novidade, descobertas e aprendizado onde pude constatar a complexidade e importância do trabalho das

pedagogas para com as crianças, trabalho este muitas vezes não tão valorizado quanto

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deveria ser.A 6 de Dezembro, sexta-feira, iniciamos as jornadas de socialização das

monografias dos sete grupos da nossa turma. A nossa monografia, resultado de muito trabalho, pesquisa bibliográfica e dedicação foi apresentada pela irreverente

Sandrinha a uma banca constituída pelas professoras Wanilza, Selma, Maria Helena e Maria Regina obtendo, para a nossa completa alegria, aprovação plena.

Os demais grupos também lograram aprovação após brilhantes apresentações. Em uma destas houve até uma modinha de violão da autoria do nosso querido colega

Donizete que compôs e cantou sobre o tema da monografia de seu grupo - a Dislexia - contagiando a banca docente e a audiência que o acompanhavam à viva

voz. Não poderíamos aqui deixar de registrá-la:"Dislexia, você sabia

Realidade ou mito? O que que é isso? Vamos saber o que é?É um distúrbio de aprendizagem?

Um transtorno, uma doença ou coisa qualquer?Veja só nossa apresentação

Leia, estude, mas saia do meu pé!"PALAVRAS FINAIS DE UM MATEMÁTICO PSICOPEDAGOGO

No dia 13 de dezembro, com a apresentação do último grupo, deram-se os comentários finais por parte das professoras, a assinatura das atas com as notas

finais, o encerramento do curso e o momento da despedida, por muitos tão esperado, mas para todos já carregado de saudosismo, pois fora um ano de muitas

lutas, estudos, conflitos, reflexões, aprendizado e amizades para a vida.Das minhas companheiras de grupo é que tenho mais saudades. O nosso curso terminou mas as amizades ficaram. Sou daqueles que acreditam que nesta vida

nunca devemos dizer adeus, mas sim até logo.E assim ocorreu a 21 e 22 de Fevereiro de 2003 quando participava do 3º Congresso Internacional de Educação na capital paulistana, onde tive a

oportunidade de conhecer Philipe Perrenoud e as suas propostas de pedagogia de projetos, ensino por habilidades e competências Qual não foi a minha surpresa ao

encontrar algumas das colegas de curso também participando do referido congresso! Foi um momento para pôr em dia a conversa e relembrar os tempos do

velho casarão campineiro.Hoje, concluído o curso e refletindo sobre a formação psicopedagógica que obtive, constatei que a

matemática, em especial a educação matemática, tem muito a aprender e compartilhar com a psicopedagogia. E porque não o vice e versa? E mais: acredito que os cursos de licenciatura em

nosso país viriam a ser beneficiados em muito se fossem complementados com estudos psicopedagógicos, o que ampliaria os horizontes de atuação do professor, aperfeiçoando sua

prática pedagógica, melhorando sua auto-estima, e possibilitando conhecer melhor a importância do seu papel de educador junto aos alunos.

  

Problemas de aprendizado escolar. Responsabilidade de quem?

Elisa Pitombojunho/2004

 

O problema de aprendizado escolar é uma das questões que o educador e os pais deparam-se constantemente nos dias atuais: O que é um problema de aprendizado escolar, um distúrbio, uma patologia ? Para que se possa responder essas indagações, penso primeiramente descortinar alguns termos com a intenção de ampliar a leitura desse momento do processo educacional, o problema de aprendizado escolar.O termo aprendizado, etimologicamente, segundo Cunha (1987), significa o ato do

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aprendiz aprender, do latim apprenhendere, que significa apanhar algo. Portanto, a própria palavra aprendizado, em suas origens, sugere que o indivíduo dirige-se ativamente ao aprender. Segundo a definição etimológica, o termo problema surgiu no século XVII e refere-se a uma questão matemática, portanto, de ordem lógica, proposta a fim de que seja dada uma solução (Cunha, 1987).Já a palavra distúrbio, etimologicamente (Cunha,1987), significa alteração da ordem das coisas, interrupção e, quando se refere ao aprendizado, está em geral relacionado a comprometimentos neurológicos que afetam o ato de aprender. Esses relacionam-se à disfunção do sistema nervoso central, sem que haja uma vinculação direta com as condições deficientes ou ambientais (Campos,1997).Mas creio ser importante frisar que a expressão distúrbio de aprendizagem (Megda,1984) foi usado, pela primeira vez, por Kirk (1962, p. 263, apud Kirk e Winifred, 1983) que assim o define: " Um distúrbio de aprendizagem se refere a um retardo, desordem ou atraso no desenvolvimento em um ou mais dos processos de fala, linguagem, leitura, soletração, escrita ou aritmética, resultante de possível disfunção cerebral ou distúrbio emocional ou comportamental e não de retardo mental, privação sensorial, fatores culturais ou de instrução" (p.36).Essa maneira de analisar problemas de aprendizado escolar como distúrbios, com predominância do enfoque orgânico tem raízes históricas e culturais. Surgiu no Brasil por volta dos séculos XVIII e XIX, como resultante dos avanços científicos da Medicina e particularmente da Psiquiatria. As pesquisas da época conduziram a uma classificação dos pacientes hospitalares para os hospícios, sob a égide da anormalidade, obedecendo aos preceitos dados pela Neurologia, Neurofisiologia e a Neuropsiquiatria. Do hospital, esse conceito foi para as instituições educacionais (Antunes, 1999).E, como coloca Scoz (1994), "(...) as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem passavam a ser designados como anormais escolares, já que seu fracasso era atribuído a alguma anormalidade orgânica " (p.19).Essa perspectiva médica sobre os problemas do aprendizado escolar, segundo Scoz (1994), contagiou a Psicologia e a Pedagogia. E foi reforçada na década de 60, quando médicos introduziram no Brasil a abordagem psiconeurológica de desenvolvimento humano, com os conceitos de disfunção cerebral mínima e dislexia.Nos dias de hoje, ainda aparecem resquícios dessa posição, o problema do aprendizado escolar apresentado apenas sob a dimensão orgânica, como distúrbio, um fenômeno de causa única. Como demonstra Campos (1997), o problema de aprendizado escolar é "rotulado", e, assim, permanece paralisado conceitualmente em patologia.Na visão sócio-interacionista as atividades do aprendizado escolar são sistemáticas e têm uma intencionalidade deliberada; um compromisso explícito, historicamente comprometido em tornar acessível o conhecimento formal organizado pela cultura. As crianças, à medida que são encorajadas a adquirir conceitos científicos nas atividades propostas pela escola, estão modificando sua relação cognitiva com o mundo. Por conseqüência, o aprender modifica o desenvolver (Rego, 1995).Olhando dessa maneira, os alunos que apresentam diferentes ritmos e comportamentos tidos com problemas no aprendizado escolar, fazem parte da constituição heterogênea do grupo-escola; assim sendo, não deveriam ser vistos como casos estigmatizados e isolados.Trata-se, então, em meu ponto de vista, de olhar a criança com problema de aprendizado escolar muito mais para identificar as suas capacidades potenciais no seu próprio desenvolvimento e aprendizado, para reconstruir a fratura de um momento, do que patologizá-lo em "distúrbios" ou "doenças".O papel dos agentes educacionais seria o de possibilitar intervenções a fim de que seja dado uma solução ao problema de aprendizado escolar: ao educador caberia olhar o processo educativo global em oposição à rotulação do aluno indicando possíveis intervenções, aos pais o incentivo a credibilidade do saber e conhecimento que a escola desenvolve com seus filhos, bem como o enfrentar desafios do ato de aprender. O papel de cada uma destas instituições, escola e família, no atual cenário contemporâneo configura um quadro: a escola lidar com a formação do conhecimento e do saber culturalmente instituído e a família com o incentivo ao conhecimento e o saber cotidiano. Ambas são co-responsáveis pelo processo de aprendizagem escolar e seus problemas.Enfim, cabe aos pares educativos, professores e pais, ampliar ao visão sobre os problemas de aprendizagem aprimorando sua competência e atuação, de forma criativa.

Referências BibliográficasANTUNES, Mitsuko M. A psicologia no Brasil; leitura histórica sobre sua constituição. São Paulo, Unimarco, 1999.CAMPOS LUMARDI, Luciana M. A rotulação de alunos como portadores de "distúrbios de aprendizagem" ; uma questão a ser refletida. Idéias: os desafios do cotidiano escolar,

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São Paulo, vol. 28, p.125-140, F.D.E., 1997.CUNHA, Geraldo A. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1987.MEGDA DUARTE, Sylvia T. Crianças com distúrbios de aprendizagem; uma categoria de problemas de aprendizagem ignoradas por nós. Boletim da Associação Estadual de Psicopedagogia, São Paulo, ano 3, n.4, p.36-44 , abr. , 1984.REGO, Teresa C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação, Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 1995.SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e a realidade escolar; o problema escolar e de aprendizagem. Petrópolis, Editora Vozes , 1994.

 

 

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