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    Um Rei Catlico

    Otto de Alencar de S-Pereira

    Trabalho no publicado - 01/10/2006

    Nos exemplares dos dias 8 e 9 de fevereiro de 2006, do Jornal O Globo, naseo intitulada O Mundo, encontramos a terrvel notcia do

    assassinato do padre catlico, Andra Santoro, de 61 anos, italiano,proco de Trebizonda, na Turquia. Poucos dias antes de sua trgica

    morte, ele havia escrito ao Santo Padre Bento XVI, pedindo que, em suaviagem Turquia, programada para novembro desse ano, no deixassede visitar sua Parquia de Trebizonda (nome que nos faz reviver antigas

    passagens histricas da Idade Mdia, do tempo das Cruzadas e doImprio Bizantino).

    O Padre Andra foi morto a tiros por um jovem islmico de 16 anos,recrutado por um grupo extremista, como vingana das chargesofensivas a Maom, publicadas em diversos jornais europeus e

    americanos.

    A resposta do Santo Padre ao nefasto ocorrido foi declarar que o PadreAndra era um silencioso e corajoso servidor do Evangelhoe que o

    sacrifcio de sua vida contribua para a causa do dilogo entre as religiese a Paz entre os povos.

    Entretanto, o Ministro da Reforma, da Itlia, Roberto Calderoli, sugeriuque o Papa liderasse uma Cruzada, naturalmente Crist, contra o Isl,

    assim como haviam feito S. Pio V (1566-1572), com a vitria dos cristos,na batalha naval de Lepanto, contra enorme frota turca, que pretendia

    invadir a Europa, ou ento Inocncio XI (1676-1689), que conseguira queo Imperador do Sacro Imprio Romano Alemo e o Rei da Polnia,

    Poniatowski, vencessem os turcos otomanos que j cercavam Viena e que,com o tempo, mais tarde, foram expulsos totalmente da pennsula

    balcnica. preciso lembrar que a queda do Imprio Bizantino em 1453,com a tomada de Constantinopla pelos turcos, deu incio invaso

    islmica, em todos os pases balcnicos, tanto que, at hoje, algumasdessas naes, ainda se conservam muulmanas, como, por exemplo, a

    Bsnia-Herzegovina e a Albnia.

    Vejamos, nesse fato histrico, um contraste: o jovem islmico, ao atirarno Padre Santoro, que terminara de consagrar o Corpo e o Sangue de

    Cristo, pois estava no fim de sua missa, ao atirar, gritou: Al Grande!A essa ao ignominiosa, a resposta da Santa Igreja sada dos lbios do

    Vigrio de Cristo, foi plena de doura e paz. Apesar dessa resposta,verdadeiramente sublime, o Ministro da Reforma da Itlia quereria

    voltar aos tempos de guerra armada entre cristos e muulmanos. Em

    uma coisa ele est certo: Os islmicos mudaram sua estratgia; antesusavam s terroristas, agora movem as massas e atacam embaixadas.

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    Mas da a voltarmos aos tempos das cruzadas e das reaes da Igreja ede reis cristos contra os islamitas, nos sculo XVI e XVII, h um abismo!

    Esse abismo no s histrico, mas, tambm psicolgico. Nos temposmedievais, os turcos, que se tinham convertido ao Isl, graas aos rabes,

    de repente consideraram os rabes muito benvolos em relao aomundo cristo. Eram principalmente os rabes que faziam a ligaocomercial entre o Ocidente e o Oriente, o que permitia aos cristos

    visitarem os lugares santos etc. E conquistaram o Imprio rabe doOriente, dos Abssidas, cortando totalmente a comunicao da Europa

    com o Oriente (cristo bom cristo morto). Naturalmente isto causoua indignao contra os turcos, sendo o pretexto das sete cruzadas, que sesucederam desde o sculo XI at o sculo XIII, inicialmente movidas porum esprito totalmente religioso e, com o tempo, levadas por interessestambm polticos, econmicos e sociais. A ltima delas, a 7, do sculo

    XIII, causou a morte do grande Rei de Frana, S. Luis IX.

    J nos sculos XVI e XVII, com as vitrias crists de Lepanto (sculo XVI)e das portas de Viena (sculo XVII), os cristos estavam se defendendo em

    legtima defesa. Se nos sculos das Cruzadas, eles tinham sido osatacantes, agora eles eram os agredidos. J muda de figura!

    Hoje, os cristos voltam a ser os agredidos e por qu? Na realidade, natriste realidade atual, o percentual de muulmanos que leva sua religioa srio muitssimo maior que o de cristos, principalmente os cristos

    europeus e norte-americanos, que no fazem s charges ofensivas aMaom, mas que tambm o fazem ao prprio Cristo, a Maria e aos anjos

    e santos, e pior ainda, filmes e livros blasfemos, dos quais os pioresforam A ltima tentao de Cristo e o ridculo Cdigo Da Vinci.

    Os cristos no crem mais em Deus! Se Cristo fosse vtima de charges emDamasco, ou Beyruth ou Bagd, no haveria, tenho certeza, a menor

    reao dos cristos. Haveria certamente uma nota reprobatria doVaticano e os catlicos integristas e os mais tradicionais e piedosos,

    talvez fizessem alguns atos pacficos de desagravo a Jesus e Maria, comprocisses, missas e ladainhas. E essa seria a reao justa, mas

    infelizmente estes catlicos constituem hoje uma minoria no mundo

    cristo. No Ocidente moderno vive-se, ou no tomando em considerao adoutrina crist ou como se Deus no existisse. Hlas, malhereusement!J na Idade Mdia e mesmo no sculo XVI, especialmente na Espanha, a

    terra do grande rei catlico, as atitudes eram outras. A batalha deLepanto, contra a invaso dos turcos na Europa foi vitoriosa graas s

    oraes, jejuns, penitncias e missas que S. Pio V, o Papa, Felipe II, ogrande Rei da Espanha, o Rei Catlico, e seu general-almirante D. Joo

    dustria (tio bastardo do Rei) ordenaram que fossem praticados portodos os soldados e marinheiros cristos. E veio a vitria! Os turcosforam massacrados. A notcia da vitria catlica s chegou a Roma

    alguns dias depois, mas na hora da vitria, S. Pio V recebeu um aviso doCu, e ordenou o badalar de sinos de todas as igrejas de Roma.

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    Felipe II rezava na sua capela do Escorial, quando chegou boa nova davitria de Lepanto. Quando o Rei estava em orao, nenhum de seus

    palacianos, nem mesmo da Famlia Real, ousava interromp-lo. Quandofinalmente terminou suas preces, os nobres aproximaram-se dele, emrebolio, para lhe transmitirem a notcia alvissareira. Ele, entretanto,

    impvido, sem mudar sua expresso facial, respondeu: Ya lo sabia (jsabia). Como era possvel que ele soubesse? S mesmo, tambm, por meiode uma comunicao sobrenatural. Depois, ordenou que se badalassemos sinos e se celebrassem vrios Te Deum e missas em Ao de Graas.

    Quem foi esse Rei que, injustamente, a Enciclopdia Britnica tem apetulncia de declarar, o menos devasso dos reis europeus do perodo

    Renascentista? Devasso? Um rei quase santo, isso sim.

    J sua origem dinstica, genealgica, o encaminhava para uma vidasanta. Seu pai fora o Imperador Carlos V do Sacro-Imprio-Romano-

    Alemo e Carlos I da Espanha, homem de sua poca, mas tambm umsoberano que no vivia sem Deus. A prova est nos fatos que precederam

    seu falecimento: sentindo que ia morrer, abdicou da coroa espanholapara seu filho Felipe II e de suas possesses germnicas para seu irmoFernando, conseguindo que esse o sucedesse como imperador do Sacro-Imprio. Depois dessa dupla abdicao, retirou-se para o mosteiro de

    Yuste, fez-se frade, onde veio a morrer poucos anos depois. Carlos Vdividira em duas partes, suas possesses hereditrias, pois, dizia-se na

    poca, que o sol nunca se punha sobre seus domnios. E era verdade, pois,de seu pai Felipe I de ustria (Habsburgo) ele herdara as naes

    germnicas e a Coroa Imperial. De sua me Joana de Arago e Castela,

    vinham os feudos ibricos reunidos nos reinos de Arago e Castela, deseus avs, os Reis Catlicos, Fernando e Isabel, de onde provinhamtambm as terras de Flandres, Npoles e Siclia, o ducado de Milo, e

    alm-mar, quase todo o Continente Americano, e possesses africanas,asiticas e na Oceania, as Filipinas. J Felipe II, de sua me recebera uma

    rgida e piedosa educao catlica, pois a Imperatriz Isabel era nascidainfanta de Portugal, filha de D. Manuel I, o Venturoso, em cujo reinado

    Cabral tomou posse das terras de Santa Cruz, depois Brasil.

    Carlos V e Isabel, os pais de Felipe, o educaram como prncipe catlico,pleno da concepo de que seu poder provinha de Deus e o modo de dar

    contas a Deus de seus direitos consistia em amar e dedicar-seinteiramente Igreja e a seu povo.Pola ley e pola Grey, como se dizia na

    poca: pela Lei de Deus e pelopovo de Deus. O Rei, desde seu tempo deprncipe herdeiro, era quase adorado pelo povo espanhol e por todos seus

    sditos catlicos das outras regies e continentes. S no era apreciado,por razes bvias, pelos sditos protestantes, das terras de Flandres.

    Casou-se quatro vezes. O primeiro casamento, com sua prima Maria dePortugal, lhe deu um herdeiro, D. Carlos, que ele muito amou, mas, quemorreu cedo. Seu segundo casamento, foi inteiramente poltico, pois sua

    esposa Maria I Tudor, da Inglaterra, pretendia, com o marido,

    restabelecer o catolicismo na Inglaterra, que desde o pai dela HenriqueVIII, estava dividida entre catlicos e protestantes, com a criao da

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    Igreja Anglicana, pelo Rei seu pai. Mas Maria I Tudor, tambm morreucedo, de um tumor cancergeno, deixando-o vivo pela segunda vez e

    perdida a Inglaterra para o protestantismo. Organizou a InvencvelArmada para reconquistar a Grande Albion, mas, os caminhos da

    Providncia so diferentes dos nossos, e a Armada fez-se em pedaos pela

    fria dos mares no Golfo de Biscaia. A Inglaterra ficou com sua cunhadaElizabeth I, filha bastarda de Henrique VIII com Ana Bolena, que

    concretizou um protestantismo, moda inglesa, em seu reinado. Paraevitar guerras com a Frana, Felipe II casou-se, uma terceira vez, com

    Isabel de Valois (filha de Henrique II de Frana e de Catarina de Mdicis).A rainha morreu sem lhe dar um herdeiro homem, e ei-lo vivo pela

    terceira vez. Casou-se ainda uma quarta vez com Ana Maria de ustria(uma Habsburgo, como ele), e essa ento deu-lhe o esperado herdeiro,

    que o sucederia no trono espanhol como Felipe III. interessanteobservar que foi Felipe II que usurpou o trono de Portugal, em 1580. Uma

    usurpao um tanto sui generis. Seu primo, o Rei D. Sebastio dePortugal, morrera ou desaparecera na Batalha de Alcacer-Kebir, contraos mouros, no norte da frica. D. Sebastio era solteiro, no tinha filhos,nem irmos, nem sobrinhos, nem primos de primeiro grau. Sua morte oudesaparecimento, deu-se em 1578 e, no havendo herdeiro direto, quem

    assumiu a coroa, pela Sagrada Linha de Sucesso Dinstica, foi um irmode seu av D. Joo III (das Capitanias Hereditrias), seu tio-av, o

    Cardeal-Rei D. Henrique II, que s viveu dois anos, falecendo em 1580,ano trgico na Histria de Portugal. Com a morte do Cardeal-Rei,

    naturalmente sem herdeiros diretos, a Coroa portuguesa caberia a umasobrinha-neta de D. Henrique II e de D. Joo III, D. Catarina, casada com

    um Prncipe portugus, de uma ramo mais colateral, o Duque deBragana. (Origens da Dinastia de Bragana). Mas, D. Catarina era

    mulher e seu marido no tinha poder militar. Outro primo dela tambmsobrinho-neto dos reis citados e, portanto, como ela, primos em 2 grau

    de D. Sebastio (o desejado), D. Antnio, Prior do Crato, tentou umaresistncia militar contra Felipe II (que tambm era primo deles, uma vezque sua me, a Imperatriz D. Isabel, era irm de D. Joo III e do Cardeal-

    Rei D. Henrique II). Felipe II era, entretanto, o mais poderoso rei daEuropa. O Prior do Crato tentou resistir mas, alm de sua fraqueza

    militar, havia outro percalo contra ele: ele era bastardo do sobrinho dos

    citados reis. A verdadeira detentora dos direitos ao trono era mesmo D.Catarina de Bragana. Apresentamos como um empecilho de fazer valerseus direitos, o fato de ser mulher. Mas, nessa mesma poca, Elizabeth I

    no mandava e desmandava na Inglaterra? E Catarina de Mdicis(princesa florentina), viva de Henrique II de Frana, no fora Regente,com autoridade absoluta, nas minoridades de seus filhos, Francisco II,

    Carlos IX e Henrique III? No fora ela que determinara o assassinato detodos os protestantes de Paris na clebre noite de S. Bartolomeu? No

    eram elas tambm mulheres? Sim! Mas no eram ibricas! A PennsulaIbrica, onde se situam Portugal e Espanha, passara por sete sculos de

    domnio islmico e guerras contra os mouros. Em sete sculos de lutas,cada lado pde conservar sua f, mas as culturas mesclam-se. Houve at

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    casamentos entre prncipes cristos e princesas muulmanas e vice-versa! A cultura mourisca-islmica influenciou muito a vida de espanhis

    e portugueses. A mulher espanhola ou portuguesa sofrera uma soluode inferioridade, como a mulher islmica, por fora do Coro. (O Coro

    ou Al Coro ensina que Al criou primeiro o homem, depois o cavalo e s

    depois a mulher).

    Com um resqucio dessa cultura, mesmo sendo catlica, como D. Catarinapoderia opor-se ao poderoso primo, Felipe II de Espanha? Felipe II,

    embora neto de D. Manuel I, e sobrinho de D. Joo III e de D. Henrique II,no poderia nunca pretender coroa portuguesa, pois, nas Cortes de

    Leiria, originrias do sculo XIV, ficava determinado, com fora de lei,que jamais um soberano estrangeiro poderia cingir a coroa portuguesa. E

    Felipe II, como Rei de Espanha, era soberano estrangeiro.

    Apesar disso, ele, vitorioso, desembarcou em Lisboa como Rei de

    Portugal, (Felipe II em Madri; Felipe I em Lisboa) e quando os fidalgosportugueses, bajuladores, prostraram-se a seus ps, saudando-o em

    espanhol, o Rei lhes reprovou asperamente, mas, em um portugusperfeito: Como ousais dirigir-vos ao Rei de Portugal, em lngua

    estrangeira? O resultado dessa usurpao, de 60 anos, (1580-1640) comFelipe II (Felipe I em Portugal), Felipe III (Felipe II em Portugal) e Felipe

    IV (Felipe III em Portugal), foi o incio das decadncias espanhola eportuguesa, como potncias de primeira categoria, para potncias

    inferiores. Portugal foi humilhado pelo domnio dos Felipes, tanto que,quando da Restaurao (com D. Joo IV de Bragana, neto de D.

    Catarina), usa-se, em terras lusitanas, chamar-se a Restaurao deIndependncia de Portugal.A Espanha era inimiga e rival tradicionaldos Estados dos Pases Baixos, tanto do ponto de vista religioso (osholandeses eram protestantes), como dos pontos de vista poltico e

    econmico-comercial (os batavos possuam uma excelente frotacomercial). A antiga aliana entre Portugal e Holanda, no comrcio

    triangular do acar, desfez-se, por ordem de Felipe II. Ele no podiapermitir que seus arqui-inimigos, os holandeses, se beneficiassem desse

    comrcio, que era de grande valia. De fato, ele consistia no seguinte:navios comerciais, portugueses e holandeses (com a autorizao do Rei

    de Portugal, naturalmente, anteriores aos Felipes), partiam de seusportos de origem, na Holanda e em Portugal, carregados de bugigangas

    baratssimas, compradas nos camels de Amsterd e de Lisboa. Eramsem valor para os europeus, mas enchiam a vista dos reis africanos, que

    ainda se encontravam na Idade da Pedra. Essas embarcaes dirigiam-separa a frica Ocidental, onde trocavam (escambo) as bugigangas por

    centenas ou milhares de escravos. Os reis africanos possuam milhares deescravos de tribos vencidas em guerras. O Rei catlico Felipe II permitia

    esse barbarismo, no por considerar que os negros no tivessem alma(sculos antes a Santa S Apostlica j ensinara que todos os homens,

    brancos, negros ou amarelos, descendiam de Ado e Eva, e que portanto

    possuam alma), mas sim movido pela ganncia dos interesseseconmicos. Muito antes de seu reinado, nos sculos XI, XII e XIII, as

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    Cruzadas, como j vimos, no tinham sido movidas por interessespolticos, econmicos e sociais alm do religioso? E isso na Idade Mdia,Lge de la Foi, a Doce primavera da F, como a qualificou Leo XIII,no sculo XIX. Isso portanto nos mostra que, mesmo nos perodos mais

    msticos da Histria da Humanidade, o homem sempre foi o homem,

    pleno de defeitos e qualidades, na medida em que desequilibrava ouconseguia equilibrar as potncias de seu esprito, a racionalidade (ou

    inteligncia), a sensibilidade e a vontade, luz da f, praticando vcios ouvirtudes. Na Idade Mdia predominaram as virtudes, no meio de muitos

    vcios. J no Renascimento, predominaram os vcios, no centro de muitasvirtudes. Felipe II foi um Rei renascentista, mas com esprito ainda

    medieval. Em seu esprito predominavam as virtudes, mas havia vcios(por isso, nunca se pensou em canoniz-lo).Continuando o comrcio

    triangular do acar, os navios comerciais partiam da frica carregadosde escravos negros, e seguiam para o Brasil. Aqui, esses escravos, depois

    de devidamente engordados (nos navios negreiros, os que no morriam eeram jogados ao mar, emagreciam enormemente, ou por doenas oualimentao deficiente; por isso, a necessidade de engorda), eram

    vendidos a preo de ouro, homens, mulheres e crianas. S a, essescomerciantes j obtinham enorme lucro. Com parte desse lucro,

    compravam acar (artigo cobiadssimo na Europa).Vendiam o acarna Europa, e ento estava terminado o tringulo: Europa, frica, Brasil enovamente Europa. Com a milionsima partes desse lucro, compravam asbugigangas e davam incio a outro tringulo comercial. O que se passava

    na Europa, nessa poca, o que os historiadores costumam chamar deRevoluo Comercial, Grandes Navegaes, Descobrimentos

    Martimos, Proto-Capitalismo. E no meio dessas mudanas brutais, daIdade Mdia Feudal para a Idade Moderna, Proto ou Pr-Capitalista,

    situa-se Felipe II, um rei de esprito medieval e de hbitos renascentistas.Houve um escritor que comparou o esprito de dois grandes padres,

    contemporneos a Felipe, e que compartilham, os dois juntos a alma dorei espanhol. Dizia o escritor: Padre Manuel Bernardes, mesmo falando

    dos homens, tem os olhos em Deus, e Padre Antnio Vieira, mesmofalando de Deus, tem os olhos nos homens. Felipe II tinha sempre osolhos em Deus, mas lidava com os homens. Entretanto, s vezes queriaque os homens, seus sditos, fossem perfeitos, como Deus perfeito. Na

    realidade repetia as palavras de Jesus: Sede perfeito como Vosso PaiCelestial perfeito. A est a contradio: um Rei catolicssimo vivendono sculo XVI, incio do Renascimento, tendo de lidar com reis franceses

    libertinos como Henrique II, Carlos IX e Henrique III. Tendo que seindispor constantemente com Elizabeth I da Inglaterra e s vezes at com

    alguns papas de esprito renascentista, como por exemplo, os papaspolticos e guerreiros Jlio II, Leo X e seus imediatos sucessores que

    vestiam armadura e iam combater em campo de batalha. Como Felipe IItinha possesses na Itlia, no raras vezes, seus exrcitos se chocavamcom os exrcitos pontifcios. Em uma das vitrias espanholas, o Papa

    mandou perguntar ao Rei, qual seria o seu butin. O Rei deu umaresposta que consiste numa mescla de rei catlico com O Quixote

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    Renascentista: Que Vossa Santidade me considere o mais catlico detodos os reis da Cristandade!.

    Tinha que lidar com os protestantes, que no existiam na Espanha, nemna Itlia, nem na ustria de seus primos Habsburgo, mas que

    proliferavam na Frana (os huguenotes), sua vizinha fronteiria, e emsuas terras de Flandres, pegadas aos superprotestantes EstadosHolandeses e da Alemanha do Norte. Apesar de todos os seus problemas

    polticos, religiosos, militares e de seus casamentos sucessivos e nadafelizes, apesar de seu desgosto com a morte do filho D. Carlos, apesar detudo isso, o reinado de Felipe II era apreciadssimo por seus sditos e ,at hoje, reconhecido como um dos grandes reinados da Histria, por

    historiadores coerentes. Rei da Espanha e de Portugal, Rei de Npoles eda Siclia, Duque de Milo, Senhor de Flandres, soberano das colnias

    americanas do Norte do Centro e do Sul, de possesses africanas,asiticas e da Oceania (as Filipinas), espalhou a cultura, a lngua, os

    costumes espanhis por toda a parte, e a Religio Catlica tornara-seprofessada em todos os continentes do mundo, pois ele incentivava e

    financiava as ordens religiosas (principalmente jesutas e franciscanos) ea formao de dioceses catlicas em todos os rinces do mundo. No

    Brasil, devido ao seu decreto de suspenso do comrcio triangular doacar praticado pelos holandeses, foi o causador das invases

    holandesas (da Companhia das ndias Ocidentais) que queriam recuperarseus portos, do comrcio triangular do acar, aqui e na frica. A Bahiae depois Pernambuco, quase todo nordeste brasileiro foram os alvos dos

    holandeses, o que, sem dvida foi uma derrota espanhola, apesar da final

    expulso dos holandeses em 1650 (j no reinado de seu neto Felipe IV).Seu reinado de vitrias e derrotas teve um aspecto positivo (segundo o

    ponto de vista espiritual) e negativo (segundo o ponto de vistamaterialista-capitalista). Esse duplo aspecto pode ser assim apresentado:

    para espalhar a f catlica por todo o Orbe, ele arruinou a Espanha.Seu esprito visto, at hoje, concretizado em uma das maiores obras

    arquitetnicas j construdas: O Palcio-Convento-Fortaleza doEscorial. Quem o observar de fora, e mesmo de dentro, se deparar com

    uma beleza austera de rara felicidade. Sbrio, forte, magnfico,dominador! Entretanto a igreja do Escorial embora sria, leve, quase

    barroca de grandeza e beleza verdadeiramente celestiais! Nele vemos aalma de Felipe II, do Rei Catlico que, agora, certamente j estcontemplando a Sagrada Face de Deus, em companhia da Santssima

    Virgem, dos Anjos e Santos e, com toda a certeza do mrtir Padre AndraSantoro, Proco de Trebizonda.