Um pouco da história do erro médico

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Um pouco da história do erro médico O Código de Hamurabi (2400 a.C.) já estabelecia que: "O médico que mata alguém livre no tratamento ou que cega um cidadão livre terá suas mãos cortadas; se morre o escravo paga seu preço, se ficar cego, a metade do preço". Entre os povos antigos há notícias de que Visigodos e Ostrogodos entregavam o médico à família do doente falecido por suposta imperícia para que o justiçassem como bem entendessem. Outros códigos antigos, como o livro dos Vedas, o Levítico, já estabeleciam penas para os médicos que não aplicassem com rigor a medicina da época. Assim, eles poderiam ter as mãos decepadas ou perder a própria vida se o paciente ficasse cego ou viesse a falecer, quando este fosse um cidadão e, se escravo fosse, indenizariam o senhor com outro servo. Entre os egípcios havia a tradição de punir o médico quando este se afastava do cumprimento das normas, e ainda que o doente se salvasse estava o médico sujeito a penas várias, inclusive a morte. Entre os gregos havia também um tratamento rigoroso do suposto erro médico. Conta-se que "a mando de Alexandre Magno foi crucificado Clauco, médico de Efésio, por haver este sucumbido em conseqüência de uma infração dietética enquanto o médico se encontrava num teatro". Em Roma, à época do Império, os médicos pagavam indenização pela morte de um escravo e com a pena capital a morte de um cidadão quando considerados culpados por imperícia (Lei Aquília). Na Idade Média, a rainha Astrogilda exigiu do rei, seu marido, que fossem com ela enterrados os dois médicos que a trataram, aos quais atribuía o insucesso no tratamento. "Hoje pode-se descobrir os erros de ontem e amanhã obter talvez nova luz sobre aquilo que se pensa ter certeza". Este pensamento do médico judeu espanhol Maimonides reflete a preocupação em evitar o erro e aprender com sua ocorrência. Em suma, a existência de sanções inscritas nos livros sagrados ou nas constituições primitivas denota a atenção dispensada ao erro médico desde os primórdios da Medicina. A visão da mídia O erro médico tem sido mal focado pela mídia, que busca no rol dos eventos sociais a exceção, a ocorrência extravagante com forte fascínio e forte apelo comercial; a mídia vai em busca da versão factual da atitude humana com o duplo interesse da denúncia e da promoção de venda da notícia. Despreza em regra as causas concorrentes mais expressivas, como a má formação profissional, o ambiente adverso ao ato médico, a demanda assustadora aos órgãos de assistência médica, os baixos e tenebrosos padrões de saúde pública, etc. Há, sim, uma atenção especial sobre o erro médico por parte das entidades fiscalizadoras e não apenas essas, como também por parte das entidades associativas responsáveis pelo aprimoramento técnico no exercício ético-profissional, bem como temos, ainda, a convicção de um percentual expressivo de punição que recai sobre o médico, maior do que em outras profissões. Punições nem sempre tornadas públicas para não infundir descrédito sobre uma profissão que fundamenta-se na estreita relação de confiança entre médico e paciente, além da

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Um pouco da história do erro médico

O Código de Hamurabi (2400 a.C.) já estabelecia que: "O médico que mata alguém livre no tratamento ou que cega um cidadão livre terá suas mãos cortadas; se morre o escravo paga seu preço, se ficar cego, a metade do preço". Entre os povos antigos há notícias de que Visigodos e Ostrogodos entregavam o médico à família do doente falecido por suposta imperícia para que o justiçassem como bem entendessem. Outros códigos antigos, como o livro dos Vedas, o Levítico, já estabeleciam penas para os médicos que não aplicassem com rigor a medicina da época. Assim, eles poderiam ter as mãos decepadas ou perder a própria vida se o paciente ficasse cego ou viesse a falecer, quando este fosse um cidadão e, se escravo fosse, indenizariam o senhor com outro servo. Entre os egípcios havia a tradição de punir o médico quando este se afastava do cumprimento das normas, e ainda que o doente se salvasse estava o médico sujeito a penas várias, inclusive a morte. Entre os gregos havia também um tratamento rigoroso do suposto erro médico. Conta-se que "a mando de Alexandre Magno foi crucificado Clauco, médico de Efésio, por haver este sucumbido em conseqüência de uma infração dietética enquanto o médico se encontrava num teatro". Em Roma, à época do Império, os médicos pagavam indenização pela morte de um escravo e com a pena capital a morte de um cidadão quando considerados culpados por imperícia (Lei Aquília). Na Idade Média, a rainha Astrogilda exigiu do rei, seu marido, que fossem com ela enterrados os dois médicos que a trataram, aos quais atribuía o insucesso no tratamento.

"Hoje pode-se descobrir os erros de ontem e amanhã obter talvez nova luz sobre aquilo que se pensa ter certeza". Este pensamento do médico judeu espanhol Maimonides reflete a preocupação em evitar o erro e aprender com sua ocorrência. Em suma, a existência de sanções inscritas nos livros sagrados ou nas constituições primitivas denota a atenção dispensada ao erro médico desde os primórdios da Medicina.

A visão da mídia

O erro médico tem sido mal focado pela mídia, que busca no rol dos eventos sociais a exceção, a ocorrência extravagante com forte fascínio e forte apelo comercial; a mídia vai em busca da versão factual da atitude humana com o duplo interesse da denúncia e da promoção de venda da notícia. Despreza em regra as causas concorrentes mais expressivas, como a má formação profissional, o ambiente adverso ao ato médico, a demanda assustadora aos órgãos de assistência médica, os baixos e tenebrosos padrões de saúde pública, etc.

Há, sim, uma atenção especial sobre o erro médico por parte das entidades fiscalizadoras e não apenas essas, como também por parte das entidades associativas responsáveis pelo aprimoramento técnico no exercício ético-profissional, bem como temos, ainda, a convicção de um percentual expressivo de punição que recai sobre o médico, maior do que em outras profissões. Punições nem sempre tornadas públicas para não infundir descrédito sobre uma profissão que fundamenta-se na estreita relação de confiança entre médico e paciente, além da discrição própria dos tribunais de discernimento médico. Vale citar Dioclécio Campos Júnior em seu livro "Crise e Hipocrisia", onde dispõe:

"Pretende-se que ao médico não assista o direito de errar porque a medicina lida diretamente com a vida. Mas, a vida não é apenas a antítese da morte. Sua plenitude depende igualmente da economia, da moradia, da alimentação, do direito, da educação, do lazer, da imprensa, da polícia, da política, do transporte, da ecologia.

Os erros cometidos pelos profissionais de qualquer uma destas áreas atentam conseqüentemente contra a vida humana. Embora sejam freqüentes e graves, não têm merecido a mesma indignação, nem o mesmo destaque que os meios de comunicação dedicam às incorreções de médicos." E sintetiza:

"Em conclusão, o problema da sociedade brasileira não é o erro médico, mas o erro." Quanto à ação fiscalizadora e punitiva dos Conselhos de Medicina não existe rigor na acepção leiga do termo, há sim uma justiça singular, educativa, sábia, pluralista, que tem como objetivo fundamental a reabilitação do profissional e como tal não pode se restringir à simples punição. Há quem postule na reforma da lei dos Conselhos a prerrogativa de instituir programas de treinamento para reabilitação técnica do médico, quando seu erro advém de imperícia, inabilidade ou conhecimentos insatisfatórios. A leitura obrigatória de um tratado de medicina interna educa mais o médico relapso do que três anos de castigos corporais.

Mais do que a classe médica, carece a sociedade como um todo de uma reforma ética e estrutural, profunda e vigorosa, sobre a qual deve brotar a nova medicina como flor de rara beleza, furando o asfalto, o tédio, o nojo e erguendo-se pura e radiosa, meio ciência, meio arte, mas inteira na sua vocação do bem.

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No Código civil vigente a partir de 11 de janeiro 2003, pelos artigos 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." - com adição da referência ao dano "exclusivamente moral", e 927, caput: "Aquele que por ato ilícito (arts. 185 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.".

O artigo 951 ("O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda nos casos de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.")segundo o artigo 205 do código civil, em geral "As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 10 (dez) anos,(...), contados da data em que poderiam ter sido propostas, nos casos não previstos na lei."

http://jus.uol.com.br/revista/texto/3845/erro-medico-e-o-novo-codigo-civil

Conselho Federal de MedicinaCapítulo IIIRESPONSABILIDADE PROFISSIONALÉ vedado ao médico:Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.Art. 2º Delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica.Art. 3º Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal.Art. 5º Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou.Art. 6º Atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado.Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.Art. 8º Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave.Art. 9º Deixar de comparecer a plantão em horário preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo por justo impedimento.Parágrafo único. Na ausência de médico plantonista substituto, a direção técnica do estabelecimento de saúde deve providenciar a substituição.Art. 10. Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina ou com profissionais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos.Art. 11. Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos.Art. 12. Deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato aos empregadores responsáveis. Parágrafo único. Se o fato persistir, é dever do médico comunicar o ocorrido às autoridades competentes e ao Conselho Regional de Medicina.Art. 13. Deixar de esclarecer o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.Art. 14. Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País.Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.§ 1º No caso de procriação medicamente assistida, a fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários.§ 2º O médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos:I – criar seres humanos geneticamente modificados;II – criar embriões para investigação;III – criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras.

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§ 3º Praticar procedimento de procriação medicamente assistida sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo. Art. 16. Intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação genética da descendência.Art. 17. Deixar de cumprir, salvo por motivo justo, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações no prazo determinadoArt. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da Medicina.Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade.Art. 21. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinenteArt. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza.

Art. 69. Exercer simultaneamente a Medicina e a Farmácia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional