Um Feminino a Fiar-se outramente à luz da desconstrução

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UM FEMININO A FIAR-SE OUTRAMENTE À LUZ DA

DESCONSTRUÇÃO

“... e pensei em como é desagradável ser trancada do lado de fora; e pensei em como talvez seja pior ser trancada do ladode dentro... (WOOLF, 1!", p.#1$%.

Tecer pensamentos acerca do feminino como questão filosófica, consoante Jacques

Derrida, está no para fora e no para dentro do gênero. Um feminino que se põe a fiar-se

outramente. Tal reflexão nos instiga a uscar no métier desconstrucionista elementos para

se pensar um feminino que parta deste o&tro ente  ' a mul!er "  que fia-se no tempo e no

espa#o atra$%s dos s%culos. & questão que ora se fa' pertinente %( como pensar nesse

feminino como um outro que fia-se ) procura de sua composi#ão*

 +islumramos, pois, um feminino que emerge para al%m da diferen#a sexual, a

transpor inariedades e a apontar para uma gama de infinitas possiilidades de diferen#as e

 possiilidades de afastamento de oposi#ões inárias. Uma $e' que aquilo que(

Derrida c!ama de feminino, por exemplo, está para al%m da mul!er,está para al%m da distin#ão sexual !omem-mul!er( % o fim dadistin#ão polar e a aertura para uma pluralidade de sexualidades.nquanto se manter preso a um discurso classificatório, sea nos

discursos mac!istas dos !eterossexuais masculinos ou nos discursosliertários das feministas ou dos !omossexuais, ainda assim seestará insistindo em di$isões dualistas tais como a metafsicatradicional sempre imp/s. 0o este prisma, o feminino  não % 1amul!er2, mas sim a possiilidade de se lidar com a ausência da$erdade fálica e masculina3 % a possiilidade do descon!ecido e dono$o e, por isso a c!ance de se pensar para-al%m de qualquer classifica#ão sexual, sea !%tero, trans, !omo, metro, ou mesmo, pansexual 45&DD678-96:6, ;<<=, p. >?@.

 Aesta passagem, 5addocB-9oo nos c!ama aten#ão para as infinitas possiilidades

de tril!as que Derrida nos aponta a partir de um feminino  que está para muito al%m de

quais seam as di$ersas possiilidades de classifica#ão sexual.

Cas $oltemos ) premente questão a que se refere este artigo, qual sea, partir deste

outro ente - a mul!er. Aão pretendo aqui ater- me a estatsticas ou dados puramente

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!istóricos, outrossim, uscar na ora de +irgnia oolf, m )eto )odo *e&, elementos que

nos aude a compor tal tessitura. m seu ensaio, +irgnia lan#a um ol!ar sore a condi#ão

feminina e examina o quanto a estrutura patriarcal, opressora e anuladora aprisiona$a as

mul!eres em suas teias por meio de imposi#ões. analisa ainda o quanto esta opressãoimpediu o desen$ol$imento da mul!er " soretudo o intelectual.

 Ao decurso de sua ora, +irgnia oolf dialoga com $ários autores que descre$em

as mul!eres de formas tanto paradoxais. Eor $e'es as mul!eres eram descritas pelos poetas

e dramaturgos em suas fic#ões enquanto 1muito $ersátil3 !eróica e mesquin!a3 admirá$el e

sórdida3 infinitamente ela e medon!a ao extremo3 tão grande quanto os !omens e at%

maior, para alguns. Cas isso % a mul!er na fic#ão2. 4669F, G?;?, p. HH@ Eois, na

realidade, ainda )s mul!eres era negado todo e qualquer acesso )s mais di$ersificadasformas de ati$idades intelectuais " e at% mesmo sociais - dentre as quais, escre$er. Uma $e'

que elas, não receiam incenti$o para desen$ol$erem suas !ailidades artsticas.

m m )eto )odo *e&, a autora nos apresenta a $isão dualista dos !omens em

rela#ão )s mul!eres, que nos permite perceer atra$%s de suas descri#ões, duas mul!eres( a

real, suugada e insignificante e a imaginária, a !erona... , assim, % poss$el enxergar )

somra espectral do poder opressor do falo, a mul!er se põe a fiar-se... num infindá$el

mo$imento cclico, tal qual uma roda de fiar. :uscando tecer sua !istória atra$%s de suaconquista de emancipa#ão. Fato ao qual desde sempre toda a sociedade patriarcal se op/s.

1& !istória da oposi#ão dos !omens ) emancipa#ão das mul!eres tal$e' sea mais

interessante do que a !istória da própria emancipa#ão2. 4669F, G?;?, p.>?@. 7omo

sugere a própria autora nesta passagem, seria este, tema para se escre$er &m livro divertido.

Cas assim como ela, tam%m nós, por !ora, não nos ateremos a este tema.

+oltemos, pois, ao cerne de nosso traal!o, a saer, um feminino que se fia

outramente ) lu' da desconstru#ão a partir da m&l+er . Cas a mul!er não como ser emconstante oposi#ão ao !omem, mas sim, o que se formaria a partir de uma completa

anula#ão da $erdade fálica. 0omente então, poderamos dar inicio a um cclico e

 permanente processo de Desconstru#ão. Eara tanto, faculta-nos uscar na ora de Jacques

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Derrida a compreensão dos conceitos " ou quase conceitos ou não conceitos - de

Desconstru#ão. 6nde o filósofo propõe o duplo gesto, qual sea, in$ersão e deslocamento.

Tradicionalmente, o que se percee em constantes tentati$as de deslocamento são

constru#ões de no$as estruturas !ierárquicas, onde um primeiro " que se encontra em

estado de pri$il%gio " % reaixado para que um segundo " que ocupa posi#ão inferior 

suugada " possa deslocar-se e in$erter sua posi#ão em detrimento do primeiro. Tam%m a

mul!er, que !istoricamente desempen!a$a papel inferior, desloca-se e in$erte sua posi#ão

em detrimento do outro sexo, ocupando um lugar que ulga ser seu por direito - ad&irido a

d&ras penas Igrifo meu. dessa feita, o mo$imento de in$ersão se finda nesse gesto Knico,

qual sea, a troca de lugar. Cantendo-se assim, a domina#ão de um sexo sore o outro.

Trocam-se os atores, mas as personagens continuam eternamente... 6 filósofo JacquesDerrida propõe um 1duplo gesto no pensamento da desconstru#ão(2 mo$imentos

simultLneos de in$ersão e deslocamento, nos quais promo$e a in$ersão não como forma de

soreposi#ão, mas como uma maneira de recon!ecer o $alor daquele que se encontra$a

!istoricamente reaixado. Eortanto, esclarece que 1deslocar-se %, antes de mais nada, não se

fixar a identidades2.

&ssim, Duque-strada $ai pontuar que, quando esse mo$imento dedeslocamento se completa, não % em dire#ão a um no$o conceito

ou a conceito com no$as identidades, mas a um 1multiplicar deidentidades2, o que de fato interessa a desconstru#ão. &desconstru#ão, para manter-se fiel ) tarefa que se propõe, não poderia se agenciar a nen!um tipo de identidade fixa. Aem podeestar a ser$i#o de disputas polticas pela usca ou pela imposi#ãode uma $erdade 4M6DMNOU0, ;<<?, p. PQ@.

R exatamente para não se fixar a identidades, para encontrar o se& n-o l&gar , que a

 personagem 6f%lia, de 5amlet Cac!ine, como que num grito de auto-socorro reela-se e

rompe com tudo que a cerceia. Fa'endo nascer uma incessante usca pela compreensão de

um o&tro conceito, &m n-o conceito o& &m &ase conceito  de feminino. ste feminino $isto

 pela ótica da alteridade, tam%m pass$el de ser encontrado na ora de Jacques Derrida.

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m seu monólogo, que em momento algum pretende registrar-se como $o' de um

mo$imento feminista ou qualquer outro mo$imento que se fa#a pertinente, ela nos ilumina

com seu deseo de lierta#ão(

u sou 6f%lia. &quela que o rio não conser$ou. & mul!er na forca.& mul!er com as $eias cortadas. & mul!er com excesso de dose.06:M 60 9S:N60 A+ I grifo do a&tor . & mul!er com acae#a no fogão a gás. 6ntem deixei de me matar. stou só commeus seios, min!as coxas, meu $entre. Meento os instrumentos domeu cati$eiro " a cadeira, a mesa, a cama. Destruo o campo de atal!a que foi o meu lar. scancaro as portas para que o $ento possa entrar e o grito do mundo. Despeda#o a anela. 7om as mãossangrando rasgo as fotografias dos !omens que amei e que seser$iram de mim na cama, mesa, na cadeira, no c!ão. Toco fogo namin!a prisão. &tiro min!as roupas no fogo. xumo do meu peito orelógio que era o meu cora#ão. +ou para a rua, $estida em meu

sangue2 4C99M, ano, p. @

Diante do exposto, como pensar nesse feminino como um o&tro que fia-se ) procura

de sua composi#ão* qual seria essa composi#ão* Eara pensá-la % necessário consoante

Derrida, uma $iglia constante como requisito indispensá$el ) desconstru#ão - que aarca o

mo$imento do duplo gesto( in$ersão e deslocamento.

& discussão que se fa' pertinente, ainda se percee en$olta a inariedade, onde a

questão do gênero gan!a destaque na cena contemporLnea. Ao cenário onde reina$a apenaso deseo do outro sexoV, onde o Knico go$ernante era o falo, a mul!er se põe a fiar-se

cotidianamente, e a partir de atos re$olucionários come#a a adentrar esse espa#o sagrado,

dominado apenas por costumes paternalistas. Eois, para desconstruir, % preciso antes existir.

 Aão como mera repeti#ão do con!ecido, do $el!o re$estido de no$os formatos, outrossim,

do nascimento de uma no$a $erdade, de um no$o ente. & mul!er então $em se consagrando

dia após dia como parte desse cenário outro, atra$%s de cclicos processos de inicia-o, e,

 paulatinamente, come#a a desen!ar suas próprias tril!as, pensar seus próprios pensamentos,

e, num ato de se$era ruptura, aandona " ou pelo menos usca aandonar " a retrospec#ão

do pensar atra$%s de sua mãe. & mul!er deixa rastros.

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 +irginia oolf fa'endo alusão ) literatura, por exemplo, afirma que 1sem

dK$ida, a literatura elisaetana teria sido muito diferente do que % se o mo$imento feminista

ti$esse come#ado no s%culo W+N e não no WNW2 4 G?;X, p. G;P@. nos instiga a refletir(

Eois as mul!eres têm permanecido dentro de casa por todos essesmil!ões de anos, de modo que a essa altura as próprias paredes estãoimpregnadas por sua for#a criadora, que, de fato, sorecarregou de talmaneira a capacidade dos tiolos e da argamassa que de$e precisar atrelar-se a caneta e pinc%is e negócios e poltica. Cas esse poder criati$odifere em grande parte do poder criati$o dos !omens. % preciso que seconclua que seria mil $e'es lastimá$el se as mul!eres escre$essem comoos !omens, ou $i$essem como os !omens, pois se dois sexos são eminsuficientes, considerando-se a $astidão e $ariedade do mundo comonos arranaramos com apenas um* 4G?;X, p. G<?@

mora oolf demonstre recon!ecer o inestimá$el e !istórico $alor do mo$imento

feminista enquanto ato re$olucionário no processo de lierta#ão da mul!er, ao que se

 percee nesta passagem não nos parece endossá-lo. &o contrário, a autora em seus escritos

critica a educa#ão por 1re$elar e fortalecer as similaridades, e não as diferen#as2. Earece-

nos que tam%m ela, assim como Derrida, não acredita na mera repeti#ão de uma

soreposi#ão de um sexo ao outro, ou mesmo sua anula#ão, como por $e'es nos fora

apresentado pelo mo$imento feminista.

u diria que a grande contriui#ão do feminismo ao discurso filosófico

contemporLneo % a $alori'a#ão, sim, da diferen#a, mas não a diferen#acomo simples oposi#ão inária entre masculino e feminino, mas adiferen#a como um processo de diferencia#ão que se dá a cada $e'.4M6DMNOU0, em entre$ista ao N5U 6n-9ine@.

assim, a partir deste processo de diferencia#ão proposto por 7arla Modrigues, %

 poss$el acreditarmos ter acesso ao fio condutor de todo esse processo de composi#ão da

mul!er. Uma tessitura que se dá em $irtude das diferen#as, e não do massacre das infinitas

 possiilidades em fun#ão de um poder Knico, da manuten#ão deste poder que impera em

todo o processo !istórico e cultural en$ol$endo a questão do gênero.

5á, pois, a necessidade do retorno, não como regressão, mas como possiilidade de

lierta#ão, de incio da indi$idua#ão. Uma fuga em dire#ão ao no$o a partir do que se

encontra dado, estaelecido, estratificado. Eois apenas quando partimos do á então

con!ecido, podemos nos aster das possiilidades de incorrermos nas mesmas repeti#ões.

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Derrida, em /argens da Filosofia, nos alerta para a questão da necessidade do esc&tar'se

enquanto experiência asolutamente normal, tanto quanto asurda e imposs$el. seria

tal$e' em alguma fenda encontrada nesta impossiilidade, o surgimento de um importante

 ponto de partida.

Eortanto, % poss$el perceer, a partir da filosofia de Jacques Derrida, as condi#ões

 para se pensar o feminino o&tramente numa incessante e poss$el usca pelo camin!o do

meio, no qual a teoria'pensamento  cede lugar )  prática'e0perincia. ,assim, encontrar 

fendas Irisuras entre tempo e espa#o onde tudo 4ou nada@ acontece em um  porvir   que

oscila entre passado e futuro, mas que não % presente, que % real e imaginário, sua$e e

forte, masculino e feminino...V. Tal risura tam%m pode ser entendida como rastro, ou sea,

aquilo que está apto a sustituir uma presen#a, que em momento algum se fe' presente, umcome#o de nen!um come#o.

 Aeste sentido, me $al!o das pala$ras de +irgnia oolf quando a autora afirma que

1se encararmos o fato, porque % um fato, de que não !á nen!um ra#o onde nos apoiarmos,

mas que seguimos so'in!as e que nossa rela#ão % para com o mundo da realidade e não

apenas para com o mundo dos !omens e das mul!eres, então a oportunidade surgirá...2

4G?;?, p. GPX@. &ssim quando a autora nos pede que gan!emos din!eiro, e que ten!amos

um teto todo nosso em $erdade, o que ela realmente quer de nós, mul!eres, % que $i$amosem presen#a da realidade. Cas uma realidade que está para muito al%m das questões

temporais, que está entre e al%m do para fora e do para dentro das questões filosóficas

acerca do feminino, que cotidianamente se põe a fiar-se em usca de sua composi#ão.

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Referências

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 YYYYYYYYYYYYYYYY. /argens da Filosofia. 7ampinas( Eapirus, G??G.

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Eaulo( ditora EU7-Mio[di#ões 9o\ola, ;<<;.

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;<<X.

C99M, 5einner. :amlet /ac+ine. Texto Teatral.

M6DMNOU0, 7arla. oreografias do feminino. Florianópolis( ditora Cul!eres, ;<<?.

669F, +irgnia. m teto todo se&. 0ão Eaulo( ditora Ao$a Fronteira 0.&, G?;X.