UM CAMINHO PARA A IMAGEM: PENSANDO PULOS EM EDUCAÇÃO

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UM CAMINHO PARA A IMAGEM: PENSANDO PULOS EM EDUCAÇÃO Daniela da Cruz Schneider 1 Cléber José Silveira da Costa [email protected] Graduando em Artes Visuais Pelotas Brasil Introdução Pensar a educação e a educação em arte a partir de um encontro com a imagem e com o pulo. Levando o ensino de arte e o experimentar arte para um nível que extrapola os limites da educação e do pensar academicamente. É isso que propõe este trabalho. É resultado de pesquisa realizada junto ao Núcleo de Infância e Cultura: Imagem, Poética e Alteridade, sob orientação da Profª. Drª. Denise Bussoletti. Foi realizado na escola em atuo como educadora em arte, Escola Núcleo Habitacional Dunas, o meu espaço de [trans]pirar. É o lugar que me possibilita o encontro entre Arte e a Infância. Olhamos a partir de onde estão nossos pés, estas crianças, quando em contato com a Arte na escola, fazem parte de uma construção social, habitam a Infância, ao mesmo tempo em que habitam nestas infâncias o lugar Dunas. Situada neste Loteamento (Bairro Areal – Pelotas), a Escola encontra-se na mesma situação do local: esquecida pelos desmandos públicos, reafirmando um lugar de exclusão e construção de estereótipos. Aí, há uma infância diferente, várias, a margem ou não! Um mundo em que crianças convivem com coisas de gente grande, fazem coisas de gente grande. Se há a beleza e o sublime de ser criança dentro deste mundo de coisas grandes e pequenas gentes? Há! Uma nova infância para mim: crianças que apesar de um isso ou de um isso tudo, não perderam a habilidade de sorrir ... se encantam e ainda não se embruteceram. Perdeu-se todo o referencial de beleza infantil: rosto rosado, cheirinho de banho misturado com o de doce lambuzado, as cores primárias! Ganha espaço no meu imaginário agora, uma infância de rosto negro, com nuances de amadurecimento precoce, de um conhecer a vida, que ainda não era hora de conhecer. Mas que ainda... e novamente ainda, resiste ao mundo virado. Virado? virado para quem? Quem olha ou quem vive aquela realidade? Como o gambá de Rubem Alves, nossos padrões de felicidade não se encaixam ao destas crianças. Aos olhos destes encantados, o mundo está como sempre foi. Há alegria em meio a poeira, que recobre as superfícies, formando as telas em que desenham. Cambalhotas despreocupadas, abaixo de um céu que inunda a "paisagem" ao contrário. Não há medo de desafiar... é um mundo em grandes gentes pequenas, que ainda sabem valorizar as coisas muito pequenas. Ao contrário para quem olha, faz sentido para quem fica! A aprendizagem nunca é de um lado para o outro, mas preenche a vida de todos aqueles que se envolvem. E que... não de forma contraria, ainda se encantam. 1 Arte-educadora da rede Municipal de ensino de Pelotas. Pós-graduanda do curso de especialização em educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel/FaE). Aluna especial do PPGE do curso de Mestrado em Educação (UFPel/FaE). Aluna especial do curso de Especialização em Artes Visuais (UFPel/IAD)

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Artigo versa acerca do ensino de arte como possibilidade de poetizar a educação. Foi desenvolvido a partir de pesquisa desenvolvida no curso de Especialização em Educação, da Universidade Federal de Pelotas.

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  • UM CAMINHO PARA A IMAGEM: PENSANDO PULOS EM EDUCAO

    Daniela da Cruz Schneider1 Clber Jos Silveira da Costa

    [email protected] Graduando em Artes Visuais

    Pelotas Brasil

    Introduo

    Pensar a educao e a educao em arte a partir de um encontro com a imagem e com o pulo. Levando o ensino de arte e o experimentar arte para um nvel que extrapola os limites da educao e do pensar academicamente. isso que prope este trabalho. resultado de pesquisa realizada junto ao Ncleo de Infncia e Cultura: Imagem, Potica e Alteridade, sob orientao da Prof. Dr. Denise Bussoletti.

    Foi realizado na escola em atuo como educadora em arte, Escola Ncleo Habitacional Dunas, o meu espao de [trans]pirar. o lugar que me possibilita o encontro entre Arte e a Infncia.

    Olhamos a partir de onde esto nossos ps, estas crianas, quando em contato com a Arte na escola, fazem parte de uma construo social, habitam a Infncia, ao mesmo tempo em que habitam nestas infncias o lugar Dunas.

    Situada neste Loteamento (Bairro Areal Pelotas), a Escola encontra-se na mesma situao do local: esquecida pelos desmandos pblicos, reafirmando um lugar de excluso e construo de esteretipos.

    A, h uma infncia diferente, vrias, a margem ou no! Um mundo em que crianas convivem com coisas de gente grande, fazem coisas de gente grande. Se h a beleza e o sublime de ser criana dentro deste mundo de coisas grandes e pequenas gentes? H!

    Uma nova infncia para mim: crianas que apesar de um isso ou de um isso tudo, no perderam a habilidade de sorrir ... se encantam e ainda no se embruteceram. Perdeu-se todo o referencial de beleza infantil: rosto rosado, cheirinho de banho misturado com o de doce lambuzado, as cores primrias! Ganha espao no meu imaginrio agora, uma infncia de rosto negro, com nuances de amadurecimento precoce, de um conhecer a vida, que ainda no era hora de conhecer. Mas que ainda... e novamente ainda, resiste ao mundo virado. Virado? virado para quem? Quem olha ou quem vive aquela realidade? Como o gamb de Rubem Alves, nossos padres de felicidade no se encaixam ao destas crianas. Aos olhos destes encantados, o mundo est como sempre foi. H alegria em meio a poeira, que recobre as superfcies, formando as telas em que desenham. Cambalhotas despreocupadas, abaixo de um cu que inunda a "paisagem" ao contrrio. No h medo de desafiar... um mundo em grandes gentes pequenas, que ainda sabem valorizar as coisas muito pequenas. Ao contrrio para quem olha, faz sentido para quem fica! A aprendizagem nunca de um lado para o outro, mas preenche a vida de todos aqueles que se envolvem. E que... no de forma contraria, ainda se encantam.

    1 Arte-educadora da rede Municipal de ensino de Pelotas. Ps-graduanda do curso de especializao em

    educao da Universidade Federal de Pelotas (UFPel/FaE). Aluna especial do PPGE do curso de Mestrado em Educao (UFPel/FaE). Aluna especial do curso de Especializao em Artes Visuais (UFPel/IAD)

  • Assim, no caberia dizer que a infncia mais ou menos infncia aqui ou ali. O ser questionador, que desacomoda o adulto, o faz rever seus conceitos e princpios morais. E sim! Virado! Virado ao contrrio, porque assim que uma criana faz sentir o mundo, de ponta cabea.

    Uma descrio

    A proposta de trabalho da qual parte este texto foi realizada em uma turma de 5 srie da Escola Ncleo Habitacional Dunas, com 22 alunos de idade entre 11 e 14 anos. Constituiu-se como atividade prevista por plano de estudo, na disciplina de Arte, tornando-se objeto de escrita de pesquisa somente aps o seu desenvolvimento.

    O trabalho partiu de fotografias realizadas pelo artista Philippe Halsmann, de uma srie que chamou Jump (pulos) e tambm de leituras de obras do Movimento Surrealista. Partindo da tcnica de pulologia do fotgrafo, em simbiose com a esttica surrealista, uma outra srie de fotografias foi sugerida: os alunos foram convidados a pular e registrar os pulos uns dos outros.

    Quanto aos procedimentos, o primeiro momento foi de encontro entre as crianas e as imagens. Possibilitar um contato de estranhamento ou aproximao com os pulos de Philippe Halsmann. Em seguida, uma breve fala sobre o Movimento Surrealista e nova apreciao de imagens, utilizando os trabalhos de Ren Magritte (1898 - 1967), Salvador Dal (1904 - 1989) e Max Ernst (1891- 1976)

    A partir destes pressupostos, gerada a primeira provocao que encadeia uma srie de fotografias, registros... possibilidades. Momentos de fotografar e deixar-se fotografar. As crianas foram convidadas a pular... saltar no espao de sua recreao, a rua, durante o espao de aula.

    A rua, porque na rua temos o cu e o pulo precisa ser livre. Porque na rua tem areia, tem outras crianas com seus olhares curiosos... tem platia para as nossas inspiraes. Donos de seus pulos, cada um com sua expresso, esperando o j ... 1, 2: j!! E l se faz materializado o gesto, um salto para alm do que se convenciona estudar. Fraes de segundo em um movimento que registra apenas uma parte desta trajetria.

    Imagem como um encontro

    A imagem este lugar de encontro e confronto, em que expectativas so criadas. Existe a concepo do criador, o apelo de um possvel manipulador e as verdades prprias de quem as recebe. respeito disso Alberto Manguel (2001) fala em seu livro Lendo Imagens:

    a imagem de uma obra de arte existe em algum local entre percepes: entre aquela que o pintor imaginou e aquela que o pintor ps na tela; entre aquela que podemos nomear e aquela que lembramos e aquilo que aprendemos; entre o vocabulrio comum, adquirido, de um mundo social, e um vocabulrio mais profundo, de smbolos ancestrais e secretos. (p. 29)

    No contexto do ensino, geralmente o professor assume o papel do manipulador, veste-se de personagem que possibilita as discusses a partir da imagem. O aluno, por sua vez, toma emprestado o papel de consumidor, aquele que aprende o que uma construo visual tem para/pode ensinar. Nesta pequena histria de ensinar e aprender, a

  • imagem no cenrio, to pouco o enredo, ela um outro personagem, que aglutina a histria e promove a reunio destes outros indivduos.

    A criao da imagem atravs do pulo se d pela vontade de desrespeitar os papis estipulados, uma troca honesta entre professor e aluno, propositor e receptor. As imagens que se geraram desta proposta partem de uma provocao feita por mim, mas no segue a linearidade objetivada de uma aula. Antes, fica a merc do acaso, de pulos captados em seu pice.

    Neste trabalho, por duas vezes as imagens se propem como lugar de encontro: primeiro, quando as imagens do surrealismo so trazidas para o contexto da sala de aula. Por contrariarem a realidade objetiva, inquietam... trazem o absurdo e o onrico, deixam percepes entrelaarem-se.Em um outro momento, as fotografias feitas pelos alunos, carregam suas percepes e olhares prprios.

    H de se pensar que alunos e professores possuem culturas visuais diferentes e, em alguns pontos seus acervos visuais tangenciam-se. O que uma imagem pode oferecer nesta trama o encontro e tambm o choque entre as diferentes culturas de olhar e as diferentes biografias visuais2. Se por um lado, a expectativa do professor motivada pelo conjunto de conhecimentos que cercam determinada imagem, por outro, os alunos reinventam os modos de ver e ler as provocaes visuais que lhes so feitas.

    Desta forma, a alteridade acaba sendo a grande mediadora das compreenses. No possvel pensar a educao como vetor, que se direciona de um extremo para o outro. Pensar a imagem como lugar de encontro, pressupe despir-se, deixar que as provocaes no sejam unilaterais, que se espalhem, partindo da multiplicidade dos acervos visuais que coexistem no espao sala de aula.

    Evocando uma reflexo que abarque o espao da arte na sala de aula, tratando de uma cultura visual pretensiosamente artstica, pensar a imagem como narrativa visual a ser decodificada, seria uma das formas de barrar esta dana entre percepes de alunos e professor. As imagens talvez sejam apenas presenas vazias que completamos como nosso desejo, experincia, questionamento e remorso. Experincias com estas e com as imagens estimuladoras de consumo nos constituem e qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, so a matria de que somos feitos (MANGUEL, 2001, p. 21)

    Este mltiplo de olhares resultados das diferentes vises de mundo que abarca a Escola. Os contextos culturais e sociais so diversos, mesmo em uma escola pblica de um determinado bairro. So diferentes concepes de mundo, construdas por pilares morais e de valores diferenciados, mediados por experincias visuais ainda mais diversificados. Desta forma, este lugar em que se pensa a cultura visual est longe de ser homognea, antes brinda as aes educativas com a diferena, que no pode ser apenas reconhecida, mas saboreada.

    Os discursos em torno das imagens, neste contexto, assumiro as matizes da diferena e suas significaes no iro emanar da imagem em si mas dos dilogos produzidos entre elas e as pessoas, sendo que estes dilogos so mediados pelos contextos culturais e histricos (CUNHA, 20007, p.119), corroborando o que j foi exposto.

    2 Termo utilizado por Susana Rangel Vieira da Cunha (IN: CUNHA, Susana R.V. da. Cultua Visual,

    Gnero, Educao e Arte, ANPED) que tomo emprestado para falar sobre as imagens que constituem a subjetividade de um indivduo.

  • Notas conclusivas

    Reaprender cada conhecimento j construdo, ver alm da pura racionalidade que o habita. Os conjuntos de conhecimentos estanques, as metanarrativas so ponto de partida para as subverses criativas e prazerosas do ato de ensinar, que no pressupe o caminho chato de uma reta, ou melhor, uma seta, que parte de um ponto para outro. Ensinar um verbo permeado de deixar-se relacionar, no vai em uma direo, mantm um movimento de vai-e-vem, uma dana entre as diferentes percepes e os diferentes saberes. Ser professor, neste contexto, ser convidado a danar... levinho... invadir os espaos.

    Despir-se de muito para encontrar meios de ensinar e aprender. Foi esta a reflexo maior que me levou a escrever este trabalho. As desacomodaes de um comeo torto, pretendendo-se em desvios, suscitaram a reflexo de como a arte pode possibilitar e como a Infncia do loteamento Dunas revira as determinaes da arte.

  • Bibliografia

    CUNHA, Susana R. V. Pedagogias de imagens. In: DORNELLES, Leni Vieira (org). Produzindo pedagogias interculturais na infncia. Porto Alegre: Vozes, 2007, p. 113-145.

    HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudana educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

    LARROSA, J. Pedagogia Profana: danas piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autntica, 2000.

    MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens: uma histria de amor e dio. So Paulo: Companhia das Letras, 2001.

    MIRZOEFF, Nicholas. An introduction to visual culture. Londres: Routledge, 1999.