Um amor em um momento - Trata-se de um conto que integra o Livro do Autor, "Devaneios em Prosa"...

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Um amor em um momento Marcio José de Lima _________________________________________ A dieta da luz Era um dia como qualquer um outro na vida de Sinestética. Ela comentava com suas amigas que chegara ao limite do seu peso e que haveria necessidade urgente em começar um regime, precisava manter-se saudável. A amiga mais magra e mais vaidosa, por consequência, comentava que ouvira falar de uma super dieta da luz. Sinestética e Monavir nunca ouviram falar, mas queriam saber como que era essa dieta. A esguia explicava que se ela não estava enganada era uma dieta praticada pela esposa do imperador do Japão ou da China, não tinha muita certeza de qual país ela era. Só lembrava que a mulher ensinou: “era como que colher laranjas em uma árvore imaginária em um dia de sol e pronto”. Era só tomar água e comer luz. Todas riram muito. Despediram-se e cada uma foi para sua casa.

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Conto. História fictícia. A história gira em torno de uma dieta totalmente maluca, em que a protagonista substitui a sua alimentação pela luz do sol. Neste devaneio, ela conhece muitas outras coisas que estavam passando despercebidas em sua vida. .

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Um amor em um momentoMarcio José de Lima_________________________________________

A dieta da luz

Era um dia como qualquer um outro na vida de Sinestética.

Ela comentava com suas amigas que chegara ao limite do

seu peso e que haveria necessidade urgente em começar

um regime, precisava manter-se saudável. A amiga mais

magra e mais vaidosa, por consequência, comentava que

ouvira falar de uma super dieta da luz. Sinestética e

Monavir nunca ouviram falar, mas queriam saber como que

era essa dieta. A esguia explicava que se ela não estava

enganada era uma dieta praticada pela esposa do

imperador do Japão ou da China, não tinha muita certeza

de qual país ela era. Só lembrava que a mulher ensinou:

“era como que colher laranjas em uma árvore imaginária

em um dia de sol e pronto”. Era só tomar água e comer luz.

Todas riram muito. Despediram-se e cada uma foi para sua

casa.

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Todas solteironas, todavia, Sinestética era a única que não

tivera namorado até agora. Dizia-se feliz como era: solteira

e morando sozinha, embora a sua vida fosse uma imensa

monotonia.

A noite chegou e os pensamentos voaram. Sinestética

decidiu começar a dieta. Aquela noite comeria de tudo. E na

manhã seguinte começaria a comentada abstinência de

alimentos. Comeu muito. Teve que dormir sentada porque

passou mal.

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Primeiro dia da Dieta

Chega a manhã. Três grandes copos de água foram seu

alimento. E como uma doida varrida começou sua colheita

de laranjas imaginárias. Deve ter colhido quase uma

caminhão imaginário - pensou. Riu muito. Quase rolou de

rir. Sentiu-se feliz. Com a barriga roncando – no entanto –

feliz.

Doméstica era sua profissão. Fazia com tanta dedicação

seu serviço que ao final do dia tudo parecia que tinha

recebido um toque de mágica pelo brilho dos móveis e pelo

agradável perfume de limpeza que exalava da casa que

cuidava.

Mais uns dois litros de água, tomou no almoço. Precisava

se alimentar. E imaginou-se colhendo de novo as

imaginárias laranjinhas. Saiu ao quintal e pôs-se a colhê-

las. Uma mãozadinha aqui, outra mãozadinha lá e mais uns

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cem quilos colhidos. Que delícia – delirou ela. A vizinha que

estava no sobrado ao lado observava a doméstica pela

janela de vidro fumê. Ah mais uma doida fazendo a dieta da

luz – afirmou – isso não vai dar certo. Se bem que se essa

ficar um ano sem comer não vai dar muita diferença. - Riu

maliciosamente a crítica vizinha.

A barriga parecia que tinha um caminhão roncando. Pensou

nessa hora em tantas coisas. - Um boi inteiro assando no

espeto. - Acho que vai ser pouco. – delirava a caprichosa

secretária do lar. Sentou-se um pouquinho, antes de

terminar o segundo piso. Olhou uma barra de cereais que

trazia na sua mochila. É agora, lá vai ela. Não vai resistir.

Seus olhos se arregalaram. Seus lábios desapareceram.

Vai comê-los. – Não vou c-o-m-e-r! E realmente não comeu.

Pôs-se a trabalhar.

A tarde chegou. Hora de ir para casa. Mais uns quatro litros

de água. Saiu na janela e começou a colheita. Só que

agora imaginou uvas. Uma colheita de deliciosas uvas.

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Contava duzentos e três cachos deliciosamente colhidos.

Água na boca. Um barulho na barriga. E um turbilhão nos

olhos. – Vou me sentar. Pensou “isso passa”. Enfraqueceu-

se. Suou um pouco. Suou mais ainda. Quase lavada de

suor resolveu tomar banho.

No banho começa a lembrar de tudo que comera até ali. As

guloseimas, os bolos, os salgadinhos um mais gostoso do

que o outro: coxinha, risólis, pastéis, quibes, e outros...

Seus pensamentos em abrupto ímpeto mudam de direção.

E o intento cada vez fica mais forte: emagrecer, ficar bela,

saudável e quem sabe conseguir um amor – casar.

O banho termina. Ela vai para frente do espelho. Observa-

se, admira-se, gosta-se. Nunca se olhara daquele jeito,

nunca se gostara tanto. E a pergunta da aflita: - será que já

emagreci? – Riu. Comentou: – que precipitada eu sou. Já

quero resultado.

As primeiras horas da noite lhe são muito extensas,

demoram a passar. Esta sensação lhe era estranha. A

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fome. A dor no estômago. Os delírios por comida. - Quantas

horas demoram esses minutos? – pensou Sinestética. - Eu

vou sair para ajudar a passar o tempo mais ligeiro. Talvez

eu me esqueça um pouco dessa fome.

A rua estava muito iluminada, pois era noite de lua cheia.

Lembrou-se do brilho da luz. Resolveu sentar-se no banco

da praça e ficar ali a se alimentar da luz da lua. – Agora vou

colher o quê? Já sei vou colher lírios. – As flores naquela

noite estavam muito iluminadas. A igreja branquinha parecia

que possuía luz própria. Os holofotes iluminavam toda a

extensão da praça. Dando impressão de que era dia.

Observava as crianças correndo no parquinho, brincando

muito. Via a felicidade nelas, seus sorrisos ecoavam e a

cada um deles era como se ela se saciasse um pouco mais.

Um sorriso da molecada lhe apagava uma lembrança de

um salgadinho. Um beijo de um pai ou uma mãe em filho -

um tipo de docinho lhe saía da vontade de comer. E isso

começava a lhe dar prazer. Os namorados na praça se

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beijando – davam-lhe a seu paladar o doce do mel, o

frescor da menta. E isso lhe deu muito prazer – extasiada -

por um minuto ficou atônita. Não entendia bem o que era

isso. Mas, gostou. Quando se sentiu realmente alimentada,

decidiu caminhar um pouco. Esqueceu de sua colheita.

Achou que não precisaria mais se alimentar naquele

momento. – Estou cheia! Agora tenho que caminhar pra

gastar essas calorias a mais. – balançou a cabeça em sinal

de autossarcasmo.

O calor daquela noite lhe dava sede. Resolveu voltar para

casa. No caminho tudo lhe era - de certa forma – novo. A

maneira como olhava para cada coisa era diferente. Sua

vida parecia ter outro sabor. E algo lhe batia no peito

galopante, mais intenso – talvez a vida se renovando –

filosofava.

Chegou em casa depois de caminhar bastante. Tomou

muita água, precisava digerir tudo o que viu-viveu.

Fazia muito tempo que não observava as estrelas. Decidiu

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sair e louvá-las, decifrá-las. Esta noite elas estavam muito

belas, pareciam um shake de escuridão e luz. Alguns

minutos observando dava-lhe uma paz sem igual. Sentia

que seus horizontes se estendiam para mais longe. Pensou

ser um cometa. Viajava por entre estrelas e planetas, mas

se emocionou realmente quando passou pela terra e viu um

planeta azul com sua grandiosidade e beleza. Pensou em

sua perpetuação – pensou eu sua preservação – pensou-se

como criação – pensou na paz entre os homens. A viagem

terminou. E estava na hora de dormir.

Deitou-se, agradeceu a Deus por mais um dia. E como uma

criança que conheceu algo de novo no mundo dormiu como

um anjo.

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Segundo dia da dieta

O sol brilha. Com uma energia fora do comum, sente-se

mais viva do que no dia anterior. A fome já não lhe

incomoda. Dirige-se à pia e toma seus dois litros de água.

Agora sente que a água tem mais gosto. Delicia-se a cada

gole de água tomado. Veste sua roupa. As cores escolhidas

por ela deveria naquele dia ser verde e branca. Com esta

mistura de cores determinaria que seu dia fosse de paz e

esperança. – Paz e esperança. - Riu. Não sabia bem o

porquê. Mas deveria ser assim...

Saiu de casa e, antes de iniciar o trabalho resolveu passar

na igreja. Teve uma imensa vontade de agradecer a Deus

pela manhã, pelo canto dos pássaros, pela noite bem

dormida, pela natureza, e por tantas coisas que se fosse

agradecer por cada uma perderia a hora do trabalho. Fazia

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muito tempo que não rezava. Fazia matutinamente o

caminho casa-trabalho e trabalho-casa, poucas vezes

passava na igreja rezar, a pressa lhe determinava o trajeto

– como se tivesse o compromisso de chegar em casa em

determinado horário.

Começou a notar as pessoas. Suas expressões avivavam

nela sentimento de curiosidade - o que pensava cada uma,

suas histórias, seus sofrimentos, suas vitórias...

Em sua frente ia uma moça de vestido azul escuro.

Resolveu, como quem não manda em seus atos, conversar

com ela. Mas como? – pensou. Simplesmente decidiu.

Cumprimentá-la com um alegre bom dia. E assim fez. A

moça alegremente retribuiu.

- Que belo dia hein? – falou Sinestética.

- Parece que hoje vai ser de sol. – retribuiu a moça de azul

num tom de intimidade.

- Está indo pra que lado? –

- Estou indo para o meu trabalho que fica em frente do

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cinema. Trabalho em uma livraria. E hoje tem o lançamento

de um livro. Preciso arrumar a exposição. O Autor vai estar

lá. Tem coquetel e tudo. Se você quiser ir lá será à noite. O

escritor dará uma breve palestra de apresentação de seu

livro.

- Quem é ele? Qual o nome do livro?

- Trata-se de um escritor novo, ele possui uns oito livros

lançados, o nome dele é Maximilliano Di Bruno - é um

pseudônimo. O livro é sobre o poder da mente e

neurolinguística.

Sinestética riu muito. Pediu desculpas mas falou que não

sabia o que era esse negócio de “neuro... neuro...”

- Neurolinguística. – Traduziu a moça. – Eu também não sei

muito sobre isso, mas ouvi falar que é algo que ajuda as

pessoas a serem mais felizes se entenderem mais. Dizem

até que as pessoas podem mudar suas vidas. O livro pelo

que ouvi falar tem a ênfase em tornar as pessoas mais

confiantes. Dizem que ele ajuda a superar algum de nossos

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traumas do passado e vivermos melhor.

- Parece muito interessante. Vou fazer o possível para ir.

- Tenho aqui um convite. Você aceita?

- Sim é claro.

As duas se despediram e Sinestética seguiu seu caminho.

A casa em que trabalhava parecia-lhe maior do que os

outros dias. Parou em frente e ficou a admirar a sua forma.

Era um sobrado em estilo alemão. Havia na frente um

bonito jardim. As janelas eram grandes. As cores da pintura

eram creme e marrom escuro. Havia no jardim uma estátua

de São Francisco de Assis. – História de doação e amor. –

Pensou ela. – É tem que ter coragem e muito amor pra

fazer o que este homem fez. Desprender-se de todos os

bens e viver uma vida de abstinência e doação.

Abriu o portão eletrônico e entrou. Na entrada da casa

sentiu uma forte dor na barriga. A fome lhe voltou. A tontura

também. Entrou na casa e foi direto para a geladeira.

Tomou um gole de água. Melhorou um pouco. Tomou mais

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água e sentiu-se melhor. Saiu no jardim e abaixou-se

tocando em petúnias, sentiu suas folhas, suas flores, e isto

a fez melhorar. Voltou para casa. Começou seu trabalho

que foi concluído antes do almoço. A hora do almoço - que

ela comeria - foi dedicada ao jardim. Regou-o, tirou as

daninhas, e passou um inseticida não tóxico para cuidar

das pragas. Retornou à estátua de São Francisco tocou-lhe

a mão. Admirou os pássaros que faziam seu cortejo e

pensou na integração do homem com o animal. Que luz os

atraía? Que luz tinha este homem? Sentou-se. Ficou vendo

as joaninhas, as abelhas, os beija-flores, as folhagens.

O tempo passou e já alimentada pela natureza sentia-se

satisfeita. Com mais força retorna ao trabalho. O dia de

trabalho termina. Liga o alarme e segue para sua casa.

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A palestra

Chega na sua casa. Checa sua caixa de correios - somente

cheia de contas a pagar: água, luz, telefone e crediários.

Imagina-se recebendo cartas de amigos, parentes, até de

admiradores – quem me dera, secretos; também de valores

a serem creditados em minha conta. Gargalhou de sua

medíocre condição. – Ah a esperança, florzinha que rego

diariamente e que teima em nascer...

Tomou um banho rápido. Tinha que chegar a tempo na

palestra. Sentiu-se um pouco fraca. Lembrou-se da janta. A

luz já tinha se ido e agora? Somente lhe restava a água. No

caminho de casa pegou água mineral de dois litros. Tomou

de um gole só mais ou menos um litro e meio. Sentiu o

doce da água, também sua salobridade - sentiu um

pouquinho de seu caminho, imaginou-a viajando por rios e

mares – mas isso foi só em um repente e retomou a sua

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missão arrumar-se para ir ao evento. Pegou em seu

guarda-roupa sua mais bela vestimenta, um conjunto muito

bonito de jeans e uma batinha azul-escura com uma

plataforma que nunca fora usada, aliás como todo o resto.

- O que será que vai acontecer lá? Nunca ouvi falar nisso.

Vou fazer feio... Aliás vou só conhecer melhor sobre isso –

na verdade nem estou interessada nesse negócio de

neuro... qualquer coisa – vou conhecer pessoas diferentes.

Quem sabe...

Sinestética não tinha o interesse por palestras. Sempre

evitava multidões. Seu interesse no máximo era ir fazer

visitas em pizzarias, lanchonetes, em petiscarias e na casa

de suas amigas Monavir e Tiseta. Sentia-se estranha.

Sentia algumas vontades novas. Amava ultimamente as

leituras fúteis, mas por alguns instantes pensava nos

clássicos, em alguns problemas do homem. O ócio na

maior parte do seu tempo era seu amigo e a tevê sua rede

para embalá-la ao sono dos finais de semana e às noites.

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Agora, sua vida dava uma guinada, se via toda arrumada

para um lançamento de um livro nem sabia de quem, nem

sabia para quem, nem sabia por quê. E, quem diria? Toda

arrumada, mais bela do que nunca.

Com o convite em mãos chegou em um hotel muito

elegante no centro da cidade. No hall a nova amiga estava

dando boas vindas aos presentes. Ela foi ficando por ali

mesmo. – Já chegou muita gente? – Você é a primeira. Riu

discretamente a amiga. – Nem o escritor chegou. Prometeu

que estaria aqui na porta. A propósito me chamo Durvalina,

pode me chamar de Dorva. Minutos depois começam a

chegar os convidados. Parece que ficaram na esquina

amontoados combinando em chegarem juntos. Também

chegou o escritor. Cumprimentou-as com um largo sorriso.

– Essas são minhas fiéis escudeiras? Brincou Maximilliano.

Dorva cumprimentou, como se estivesse em êxtase, um

mega star. – Nos falamos a maior parte do tempo só por

telefone, precisamos nos ver mais. Joseph está lá em cima.

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Ele dará as boas-vindas às pessoas na sala de palestras.

Já está tudo arrumado. O coquetel ficará a cargo do hotel.

Tudo em ordem. – Agradeceu exaustivamente Maxi. – Era

como queria ser chamado.

O olhar de Maxi e Sinestética se cruzaram de forma meiga

e verdadeira.

- Essa sua amiga é?

- Sinestética, muito prazer. – A esta altura Siné – era como

queria ser chamada ali pelo menos – estava muito à

vontade ajudando Dorva que entre um boa noite aos

convidados e uma palavra com Maxi organizavam a

recepção e davam um tom intimista ao lançamento – o que

era elogiado pela imprensa ali presente bem como por

alguns críticos de plantão que taxavam o comportamento

do autor de acordo com a linha de pensamento adotado em

seus livros: - a valorização do ser pelo ser. Sem distinção -

como se fosse um serviçal que de fato o era - resolveu não

vender ali nem um de seus livros – o que era feito por

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Joseph lá em cima.

- Não se preocupem autografo depois os livros. –

Tranquilizou o simpático escritor.

A recepção foi tranquila. As pessoas estavam à vontade. A

amizade de Dorva e Siné começou a se desenhar.

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O Triângulo

Siné percebeu que Dorva olhava cobiçosamente Maxi. Ele

com olhar fugidio desviava a admiradora, voltando-se para

Siné. Tudo se apagava ao seu redor como se aquilo não

estivesse acontecendo a ela como se as pessoas não

estivessem ali – só enxergava aquele que em um instante

roubou seus sentimentos – amor à primeira vista - pensou.

Dorva percebeu que havia um clima romântico entre os

dois. Um leve toque na mão quase que imperceptível entre

os dois selou tal desconfiança.

- Ah que bela amiga esta. – Ruminava Dorva.

Todavia, resolveu manter-se discreta. Morria ali – em seus

pensamentos medíocres - a possibilidade de uma amizade

verdadeira. Mas quem realmente saberia o destino desta

amizade?

- Dorva passou a observar Siné. Seus gestos suaves, sua

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profundidade de pensamento – embora não fosse de falar

muito – era preciso – falava com veemência e sabedoria. A

dor veio-lhe em segundos ao seu peito. - A ladra de coração

– pensou.

- Quem é esta mulher misteriosa? - Respirava Maxi. O

acontecimento já lhe rendera a oportunidade de conhecer

aquela bela moça que exalava um perfume de rosas. Seus

cabelos escuros davam-lhe um charme sem igual

contrastando com sua pele clara com algumas sardinhas

próximas ao seu aquilino nariz.

- Você... sentimento que nasceu em meu coração como se

estes minutos que passamos aqui fossem triplicados com

tão agradável companhia. – Maxi, falou quase que

automaticamente corando frente a Siné, frase ouvida por

Dorva que teve em frangalhos seu palpitante coração.

A recepção estava feita. Era subirem à sala. Siné falou que

subiria. E o fez, entrando na sala cheia, deixando para trás

Dorva e Maxi.

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Dorva aproveitou o ensejo e atacou Maxi, roubando-lhe um

beijo no elevador. Maxi atônito vermelhou, nada falou. E

ambos chegaram ao salão sem mais nem uma palavra

proferida.

Joseph compôs a mesa chamando alguns repórteres e um

vereador da cidade que se fazia presente. Maxi expôs

durante quarenta minutos o mote do encontro, falando

extasiado sobre a experiência do livro que tratava de forma

profunda – mas segundo ele – com linguagem simples

vulgarizando teorias tão complexas como a filosofia

existencialista e a teoria da relatividade de Einstein. Os

focos principais eram: a ajuda ao homem para se perceber

como homem e; aproveitar seu tempo dando-lhe uma

elasticidade promovida pelo prazer de uma vida vivida em

sua plenitude - do homem que aprecia um simples lírio ao

homem que descobre Deus na grandiosidade complexa das

relações humanas.

A eloquência de Maxi fazia Siné voar por suas palavras,

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tudo parecia tão claro, tudo tão profundo, viajava numa

nebulosa de saber-amor-prazer.

Dorva era ensurdecida pelo ciúme. Os recônditos da sua

mente eram abrigados por estratégias de conquistas. –

Como não pude perceber esta traidora no primeiro

encontro. Seus olhos ligeiros, seu sorriso malicioso. Quanto

fui tola. Chamá-la ao meu lado. O lobo vem à casa do

cordeiro. Ruía-se por dentro Dorva.

A palestra acabou, os convidados se retiraram, Joseph

levou as autoridades para um jantar. Saiu dizendo que

aguardaria Maxi assim que ele terminasse ali.

Ficaram Dorva, Maxi e Siné no final. A conversa fluiu em

torno do sucesso que foi o lançamento do livro. Maxi

elogiou desmedidamente a competência de Dorva. – Esta

foi a melhor apresentação que já participei. Muita

simplicidade, objetividade, e de um profissionalismo sem

igual. Dorva corou e orgulhou-se. Agradeceu afirmando que

o evento foi o sucesso que foi pela qualidade do trabalho do

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escritor que não merecia que fosse diferente.

- Irei fechar a conta. Vocês vem comigo? – Falou Dorva.

- Não ficaremos aqui. Preciso conversar com Siné. Vou

chamá-la para trabalhar em meu consultório. Você achou

uma auxiliar à altura da qualidade do evento, preciso de

alguém assim a meu lado. Declarou Maxi – provocando

mais ainda a ira de Dorva.

Os dois a sós. Siné ainda extasiada pela eloquencia e

charme de Maxi. Parabeniza-o. – Você topa sair comigo

logo após o jantar? Convida meio que descrente Maxi.

Rindo discretamente, com a humildade de uma jovem

inexperiente – aceita.

- Temos muito que conversar. E com um discreto beijo

incendeia as bochechas de Siné. O que é flagrado pela

admiradora de Maxi que fica tristemente parada no final da

escada que dá acesso à cena.

Despendem-se deixando primeiro Siné em sua casa. Segue

levando Dorva ao jantar. – Nos vemos... diz Maxi. – Té

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Miga. Brigadão... A gente se vê. Despede-se Dorva.

No carro ao sair para o jantar Maxi deixa claro a Dorva que

o relacionamento entre os dois seria apenas profissional.

Desculpa-se afirmando: - Dorva não é por nada, você é

uma mulher atraente, muito inteligente, madura nos seus

atos e palavras, mas... podemos ser amigos e só... acho

que encontrei a pessoa que há muito procuro. Siné sua

amiga... – Ela não é minha amiga – braveja Dorva. – Ela foi

alguém que conheci no momento errado. Tudo bem

podemos ser amigos? Mas assim que você se decepcionar

com aquela imatura estou esperando por você. – Ambos

aceitam a condição, e sobem sem nada se falar, para o

jantar.

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O Amor bateu no coração

Siné vai para a geladeira pega de sua água e a consome

como se estivesse no deserto. Meio que aturdida não

compreendia o que estava acontecendo em sua vida. –

Tudo tão diferente em tão pouco tempo... – balbuciava a si

mesma. Nunca um homem havia a olhado como Maxi. –

Aqueles olhos, aquela expressão sábia, sua boca, sua voz,

seus cabelos, sua sensibilidade, sua inteligência. – Quantas

palavras para descrever o que o coração não entendia,

somente sentia. Mais do que nunca a necessidade de

conhecer o mundo para impressioná-lo fazia-se presente. –

Quero saber mais. Quero viver mais. Quero viajar mais.

Quero me embelezar. Quero ser feliz. Tudo isso com meu

amor. Jogou-se de cabeça – com palavras – no amor de um

desconhecido, que o sabia assim, todavia por alguma razão

lhe transmitia confiança.

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A lua ainda iluminada no céu com brilho se assemelhava a

um grande copo de leite alvo, luminoso, inspirador.

Ela pôs uma roupa leve e saiu na escada de sua casa que

dava para o quintal. De lá ficou a se alimentar da luz da lua,

dos sonhos ao lado do seu amado, das verdadeiras

amizades como Dorva que lhe oferecera até ali o que nem

uma amiga lhe tinha oferecido – a oportunidade de ser feliz,

de sonhar, de conhecer pessoas diferentes – embora não

soubesse o que se passava nos pensamentos de sua rival

amorosa. Isso Siné não sabia, pois Dorva dissimulou-se

muito bem. Sempre prestativa, sempre sorridente, sempre

pronta a responder atenciosamente o que Siné perguntava -

aparentemente uma pessoa sensível e autêntica. Talvez

tenha sido desfigurada pelos flamejantes dragões do ciúme

- quem sabe?

Os planos foram inevitáveis voltar a estudar. Decidiu voltar

a estudar, preparar-se para o vestibular, pois havia três

anos que tinha se formado no ensino médio. – Quero fazer

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psicologia. Decidi. – Quero fazer poemas. Aliás, esta noite

vou fazer um. - Adorava poemas. Eles a faziam sentir-se

melhor. No entanto poucas vezes pegou da caneta para

compor um. Eis a oportunidade. E num ímpeto queria ler

sonetos. Queria fazer para o seu amor – por ora platônico –

sonetos. Eles ajudariam também explicar sua paixão. Talvez

idealizá-lo como um cavaleiro que a acompanharia, que

estaria a protegê-la como a uma donzela em perigo.

O resultado de algumas horas tentando foi festejado logo

que saiu a primeira estrofe em um velho caderno:

Meu amor, que de longe imaginado

Pensava existir somente em estrela

Distante, outrora só em meu fado

Acendeu em mim, da esperança, a centelha.

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As tentativas se sucederam e adormeceu sentada no sofá

não conseguindo continuar a segunda estrofe.

Às duas horas da manhã. Bateu-lhe à porta Maxi. Meio que

atordoada abriu-a. Surpreendeu-a com um caliente beijo. E

a noite lhe ofereceu a inspiração que precisava para

terminar seu soneto. O que foi descrito logo de manhã após

Maxi ter se despedido com beijo - enquanto ela dormia -

deixando o número de seu telefone e as juras de amor

eterno presas pelos ímãs em sua geladeira num bilhete:

“Que desta noite ecoe o mais puro amor dos nossos

corações. Tomei a liberdade de ver seus versos. Amei-os.

Bjs.”

Emaranhei desejo não gozado

Em gotas de orvalho na lapela

Nunca havia deste mel experimentado

Sinto-me agora tinta em sua tela.

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Controlava, o pecado, meus conceitos

E você, meu amor, os olhou se quer

Com carinho ignorou meus defeitos

E com amor selou uma mulher

Que jamais sonhara tais deleitos

Que docemente em minha vida se fez mister.

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Dia de folga.

Ainda atônita perguntava-se era digna de tanta paixão.

Nunca imaginou que em tão pouco tempo começaria em

sua vida um momento deveras sublime.

A fome lhe veio como algo inesperado, como o verme que

lhe rói as vísceras. Com ela a sensação do esgotamento

tomou seus membros. Resolveu caminhar para esquecê-la.

Foi até a uma fonte no centro da praça próxima à sua casa.

Lavou-se: a cada vez que tocava sua face lhe vinha à

mente suores, ofegos, calafrios, felicidade... Embora, a

felicidade fosse um mar em que se encontrava submersa,

estremecia-se suas entranhas e o medo do amor frustrado

toldava-lhe por alguns instantes a luz que cintilava sorrisos

na alma que cobriam as mais densas lembranças de uma

vida sofrida. Aqui-agora-felicidade, pensou.

Vestia amarelo claro. Sentia na boca o gosto do enxaguante

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bucal que lhe enjoava. Sentou-se em um banco bem de

frente à igreja. Os raios solares, lambiam-lhe o rosto,

refletidos nas águas da pequena lagoa em que nadavam

alguns patinhos. A água naquele dia tinha que ser

reflexivamente apreciada goles calmos no fundo

ensalobros, salgado-doce. O coração sentia-o bater

aceleradamente. Mais água, os patos pareciam não se

mover, aliás tudo parecia não se mover – pelo menos é o

que parecia.

Apreciou um velho ipê amarelo. Seus galhos cobertos por

um ponche verde claro davam-lhe uma imponência real.

Lembrou-se do rei Salomão, suas riquezas, sua sabedoria,

sua mortalidade, do sermão do padre na quarta-feira de

cinzas, da simplicidade dos lírios da praça... O sofrer pelas

coisas terrenas. A correria do dia a dia em busca de se

eternizar por um momento, em um mísero momento. O fato

de não ter que animalescamente perder a eternidade para

garantir um tórrido pedaço de pão. Riu-se, xingou-se “boba,

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isso não é tua realidade! Esquece. Ô ô volte à tua aguinha!”

Sua voz ordenou para que voltasse de seu momento de

reflexão. O homem às vezes se animaliza na busca de seus

ideais, esquece de sua origem subliminar e prende-se ao

predatório materialismo. Espiralava seus sentidos tal

reflexão. “Já sei a fome. Quero mais água”. Saciou-se por

mais alguns segundos.

Não queria se lembrar da incrível noite – o medo do

abandono a atormentava – a eternização daquele momento

era seu locus amoenus. “Aprazíveis caminhos me levam ao

meu Amor. Seu celular... Vou ligar... Nem que eu queira

meus dedos não me obedecem, nem minha razão... Não

posso ser aquela que rasteja... Mas é o meu amor... Não

posso...”

- Minhas amigas. – Lembrou-se de suas amigas. Mas de

todas Dorva era a que lhe puxava o fio da memória.

Admirava-a, sua paciência, sua sabedoria, seu

conhecimento. – Minha mentora. – Balbuciou.

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As amigas

Já não se sentia tão faminta. Dirigiu-se à livraria em que

trabalhava Dorva. Ao chegar à vitrine da loja um choque

correu-lhe à vértebra. O livro de Maxi exposto, um grande

folder à porta com a fotografia de Maxi segurando o fruto de

seu trabalho e o slogan “Viver um fardo? Ou um presente

divino? Você faz a escolha.”

Para ela a escolha do amor gerava-lhe uma dúvida,

mesclada de satisfação e esperança.

Ficou alguns segundos em um plano diferente daquele em

que estava. As coisas ao seu lado ofuscaram-se. Maxi saía

do folder lhe abraçava, satisfazia-lhe, saciava-lhe, entendia-

lhe. Maxi talvez não soubesse a que intensidade incendiara

esta rica criatura. O amor de Siné era algo que – segundo

muitos - não existe mais em nossos dias. Em pouco tempo -

como uma adolescente – entregara-se aos encantos de

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uma paixão.

A mulher degladiava-se com a inocente criança que

habitava os recônditos de sua essência. A primeira alertava-

a à possível decepção, à superficialidade dos

relacionamentos, à maturidade da mulher que não se

aprisiona, mas deixa a paixão livre como um cavalo

selvagem. Já a segunda... possessiva, louca de paixão... a

entrega certa... a espera do príncipe encantado... algo

edipiano; o casamento; a casa limpinha... a dona de casa, a

comidinha, os filhinhos, os cachorros, as juras de amor

eterno...

Alguém a desperta com leve toque ao ombro. Com um

sobressalto interrompe-se a divagação. Olha para trás e

Dorva lhe recepciona com um largo sorriso. Siné a abraça

sinceramente. A amiga – pensou: porto seguro, conselho

certo.

- Como vai você? Desculpe-me o jeito. Onde você estava?

– sorriu maliciosamente Dorva.

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- Longe, muito longe. Aqui no meu peito tem um navio que

navega sem rumo. Ora no mar, ora no cais. – Filosofa Siné.

- Ah malandrinha, apaixonada não é?

- Digamos que... talvez...

- Seus olhos não enganam. Maxi é um Don Juan com as

mulheres, um legítimo gentleman. Esse Maxi. – apontou

com o dedo – Não se entregue fácil. É das mais difíceis que

ele mais gosta. - Alertou tardiamente Dorva.

Siné só sorriu.

- Maxi esteve aqui hoje cedinho. Ele passou aqui assinar o

contrato com a editora. Joseph estava muito contente com

a expectativa positiva do livro frente às vendas. Já é um

sucesso. – Comemorou Dorva.

Siné sorriu.

– Ele é muito inteligente. Inteligência e carisma são um prato

cheio para o sucesso. Reafirmou Dorva.

- E você como está Dorva?

- Estou ótima. Vou ganhar uma promoção. Vou ser

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responsável pela turnê de Maxi. Vou viajar com ele no

lançamento do livro na Europa por uns três meses. Depois

me estabeleço na França por mais seis meses na filial de lá

me aperfeiçoando e volto para gerir os negócios aqui no

Brasil na região sul. – Extasiava-se Dorva comemorando

oceanicamente.

Os olhos de Siné arderam, a palpitação, a falta de ar.

Engoliu tudo isso a seco e falou:

- Que bom! Quando vocês viajam?

- Daqui uns quinze dias. – Pausa.

- A propósito você não quer trabalhar aqui? Uma de nossas

atendentes vai ficar no meu lugar e vai sobrar uma vaga o

que você acha? Joseph amou seu trabalho, você ontem se

saiu muito bem. Vou acertar com você, você foi ótima. –

Dorva acatou muito bem a ordem. A discrição era pedido de

Maxi para que Siné não desconfiasse que o pedido viera

dele. Ele acreditava nela, mas, quem daria trabalho nesta

área para uma pessoa que não tem muito conhecimento em

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literaturas. Deveria ela conhecer muito. Mas isso não era

problema para Siné gostava de leitura, embora não tivesse

ainda frequentado uma faculdade. Era autodidata, aprendia

com a vida, aprendia com a natureza. – Um espírito

inquieto, uma mente limpa, um coração mais limpo ainda,

uma malícia pueril que decifrava o espírito das coisas.

Talvez foi isso que só Maxi percebeu. O conteúdo e não o

frasco daquela incomensurável fragrância.

- Amei o que fiz ontem. Não se preocupe aprendo rápido,

amo livros. Aceito o emprego. Quando começo? – Abraçou

Dorva agradeceu-a exaustivamente.

A situação era nova. Poucas vezes decidiu tão prontamente

por alguma coisa. Sabia que o desafio era grande. Mas que

engrandecida sentia-se. Era uma sensação de felicidade e

um dedinho de preocupação com seus patrões. Sempre

confiaram nela... e assim sair de repente, deixá-los na mão.

Eles entenderiam, - pensou, - sempre torceram por mim e

sabem que o meu momento chegou. Tenho que voar, tenho

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que conhecer coisas diferentes. Sempre estivera anônima

na multidão. Os rostos das pessoas lhe pareciam não

focarem em sua direção. Sempre uma anônima. Mais uma

carinha assustada que caminha na rua. Seus sentimentos,

sua vida, sua história, não interessava a ninguém... às

vezes nem a ela que procurava recalcar tudo que a fazia

infeliz. Tudo que a diminuía. Sua tristeza embora

embalasse seus dias, empurrava-a à uma vida diferente de

sublimação de apreciação das coisas pequenas: do canto

dos pássaros, das flores amarelinhas que faziam sua vida

mais feliz, dos cachorros na rua com seus olhares tristes,

solitários, famintos, às vezes doentinhos... Chorava por não

poder cuidá-los como deveria, o tempo lhe era pouco.

Cuidava poucos dias, encaminhava-os a alguém que

pudesse criá-los, o último que adotou morreu... Decidiu por

um tempo não tê-los. A posse: quem tem quem? Síntese

quase perfeita: homem x cão: amizade e não solidão.

Pensou “Seria muito infeliz se não tivesse sido curada da

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solidão pela presença em minha vida no momento em que

mais precisava de um amigo cão”.

Dorva selou neste momento, sem perceber, um contrato de

amizade. Uma amiga verdadeira. Daquelas que briga por

aqueles que a cercam.

Por outro lado, na ótica de Dorva, teria Siné por perto.

Vigiaria sua concorrente. Pelo fato de como mencionou que

seria companhia a Maxi em sua turnê já causou – bem no

íntimo de Siné – ciúme. Dorva comemorava o fato de quem

ficaria com Maxi seria ela. Era uma questão de tempo e em

poucos dias seriam um casal.

Que mesquinha sou eu! Por que estes pensamentos me

rondam? Não posso pensar isso. Esta pobre alma amou

aquele homem... Ela confia em mim... Pobre menina

perdida...

Por um instante Dorva compadeceu-se de Siné.

A viagem de Maxi trazia ao coração de Siné a realidade

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dura, dura realidade, e, isso a puxava ao seu mundo.

“Sei que Maxi não gosta de mim!” O conflito entre paixão

possessiva e consciência desconcertou Siné. E por alguns

segundos entregou-se à figura de amiga. – Talvez eu seja a

ele uma amiga, mais uma em sua vida. Seja o que for, foi

ótimo.

Um calor imenso corou Siné e Dorva notou. Mas não

comentou, apenas percebeu que fazia algum tempinho que

estava falando sobre o trabalho. O que deveria fazer. Ela

balança a cabeça e pede que ela continue.

- Vamos tomar um café assim a coisa flui melhor. E Dorva

sai com Siné como duas amigas confidentes, traçando

planos de quando ela começaria.

- Você folga hoje, amanhã você começa. Acerta a tua vida.

Tudo bem? Sorriu Dorva muito prestativa.

Siné festejou mais uma vez: carteira assinada, uma chance

diferente, um universo diferente...

Por outro lado a família que há dois anos a adotara seria

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deixada. Sentiu-se traidora. Mas a mudança teria que

acontecer e o pedido de conta: o choro, a despedida, o

início de uma nova vida.

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A tarde do Passeio

Siné resolveu retirar-se do mundo pois precisava refletir

sobre sua mudança repentina de vida. Tudo a aturdia: o

amor, a dieta, o novo trabalho, novas amizades, passou a

gostar-se.

Saiu diretamente do café e embarcou no ônibus. Ao

adentrá-lo as pessoas a fitavam alegremente. Algumas a

olhavam com inveja. Interrogava-se se era para ela mesma

que olhavam. Não se sentia neste momento como antes –

invisível ao olhar das pessoas – era como se uma luz

despertasse aqueles que a cercavam. Sentou-se na

poltrona. A brisa daquela tarde entrava alegre pela janela

lavando-lhe ainda mais suas desilusões passadas. Sentia-

se linda, sentia-se desejada, sentia-se como se a vida lhe

valesse a dura pena que pagara até aquele momento... “a

dor me edificou, hoje mereço o que vivo pela imensa dor

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que senti. Valeu ser uma boa moça e ter um amor

verdadeiro, pelo menos o meu é verdadeiro, e é isso que

realmente conta.” No seu interior Siné sabia que a sua dor

não era tão imensa como daquelas pessoas que sofrem de

doenças, ou daquelas que sofrem privadas da liberdade, ou

males maiores. Todavia, havia algo nela que poderia ter-lhe

tirado a vida. Sentia que às vezes não tinha liberdade, pois

não a vivia na sua mais profunda significação. Vivia presa

dentro de si mesma. Havia de se libertar. E essa nova vida

estava lhe oferecendo a oportunidade de sair de seu interior

e no mais íntimo de seus desejos viajar muito longe.

Absorver a vida que raiava nas manhãs e que ela por muito

tempo a ignorou optando por ficar na escuridão que toldava

seu desejo de presenciar coisas tão simples como o raiar

de uma manhã ensolarada.

Junto com a brisa veio-lhe gritinhos. Era da filhinha de uma

senhora que estava com uma pequena menina. A criança

chamava-lhe a atenção. Como se quisesse conversar com

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ela. Sorriu-lhe altivamente e se escondia atrás da mãe. Fez

várias vezes e Siné retribuía com um sorriso tão largo

quanto o da menina.

- Linda menina... uma princesinha. – Falou Siné elogiando

meio que timidamente.

- Ela realmente é muito linda, é minha meninha. Não é

filha? - Encolheu-se muito mais a criança quase que

desaparecendo atrás da mãe.

- Você tem filhos? Indagou a mãe da menina segurando a

menina que queria sair do colo.

Siné respondeu: - Não. (pausa) - Mas tenho veneração por

elas. Elas me relembram um tempo em que somente as

crianças me eram verdadeiras.

A mãe sorriu meio reticente. – Elas nos entendem, embora

sua consciência de mundo seja limitada e ingênua, seus

olhinhos veem coisas que nós adultos não enxergamos.

Elas nos pregam, às vezes, uma imensa lição.

Siné encantada com a meninha viajou a sua infância.

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Infância dura de uma família de poucos recursos. O pai era

biscateiro e a mãe trabalhava como diarista. Seu pai,

semianalfabeto, assim como a mãe. Mas a honestidade e o

valor à vida – pela vontade de sobreviver - era o que

segundo eles deixariam a ela. O pai sempre lhe falava: “te

darei estudo filha e ele não é tudo, mas é o que não podem

te tirar, meu maior presente a você. Enquanto eu puder te

sustentarei para você estudar”. Esta possibilidade não

durou muito tempo, haja vista ter tido a necessidade de

trabalhar bem nova para ajudar sua família no sustento da

casa. Ajudava sua mãe de manhã e à tarde ia para a

escola. Sua sofrida vida nem era percebida. As dores lhe

açoitavam, no entanto, com sua valentia as suportava, e no

fundo acabava até se divertindo com as poucas coisas que

lhe davam prazer. “Siné é muito madura para idade dela”

falavam as amigas da mãe. Essa menina um dia será

alguém na vida. A inteligência de Siné era elogiada pelas

patroas da mãe. “Uma menina com olhar vivo, com atitudes

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vivas, e uma luz muito grande.” Foi assim que foi definida

Siné por uma historiadora dona de uma das casas em que

a mãe dela faxinava. “Eu lhe darei alguns livros e você os

leia, assim que puder te darei mais. Conseguirei para você

uma carteirinha da biblioteca.” Esse foi um dos maiores

presentes que Siné ganhou, pois lhe traria uma lucidez de

espírito que a faria forte em sua caminhada.

Trabalhando, estudando, vivendo. As dores lhe eram

diversões, fortaleciam-lhe. Sua sofrida vida passava e os

sofrimentos não lhe eram assimilados. Mas, com o passar

do tempo veio-lhe a ansiedade. E sua dieta calórica,

oferecida pelos poucos recursos, lhe daria os contornos os

quais odiaria e lhe faria – como vaga desculpa – infeliz com

sua aparência. Mesmo assim, no seu interior, dizia-se feliz,

e seus pais até o final de sua adolescência sempre

estiveram com ela dando-lhe companhia e força para

suportar as dificuldades da vida e a sua desenfreada busca,

quase que inutilmente, em entendê-la. Lembrava-se

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também que às noites o pais contava histórias e não raras

as vezes seus pais cantavam embalados à luz do lampião.

Definia aqueles momentos como sua riqueza, sua

integridade. Seus pais cuidando - instintivamente - em seu

pouco entendimento, da integridade emocional da filha,

queriam que ela não se ferisse. Protegê-la, pois ela era a

eles “sua menininha”.

Aproximava-se o ponto de parada precisava descer. Beija

calorosamente a menina no rosto, bem como sua mãe e

desce. “Você valeu o dia!” disse docemente Siné

despedindo-se.

Havia perto de onde ela desceu um santuário. Tirou as

sandálias e andou pela grama até chegar à capela central.

Uma pequena capela em volta muitas árvores ao longe um

vale. Precisava olhar longe libertar sua mente. O céu tocava

o verde. Sentou-se embaixo de uma árvore. O canto dos

pássaros se fizeram sua música, relaxava-a. A lucidez

precisava fazer-se amiga dela, pois nesse momento ela

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precisava mais do que nunca ser lúcida. Entendia que a

felicidade podia ser momentânea e neste momento ela

poderia toldar-lhe seus sentidos.

Rezou alguns instantes. Entregou a Deus suas decisões.

Entregou a Deus seu amor por Maxi.

Ficou o resto da tarde ali. Depois foi para casa.

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As juras de amor

Quando chegou próximo a sua casa viu que o carro de Maxi

estava estacionado em frente. Sentiu uma imensa alegria, e

também insegurança. Não sabia o que falar. Gostaria de

poder encantá-lo, mas a criatividade é um animal selvagem.

Às vezes não conseguimos domá-lo, às vezes nem

conseguimos nem se quer vê-lo.

Maxi estava sentado na pequena varanda que havia na

saída para o jardim.

- Olá? Como vai? – perguntou Maxi.

- Muito bem e você?

- Já conseguiu assimilar a nova vida que você viverá daqui

para frente? – Sorriu Maxi.

- A maior mudança aqui é você. – Justificava Siné, com um

largo sorriso.

Ele a beijou suavemente, pegou suas mãos. E interrogou: -

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você não vai me convidar para entrar?

Siné sorriu novamente e abriu a porta. Abre toda a casa.

Sentam-se na sala.

A conversa foi longa. Haviam coisas para serem tratadas.

Maxi disse que era como se ele a conhecesse há muito

tempo. Não precisava conversar muito com ela para saber

que havia algo de muito bom nela.

- O que você viu em mim? Não tenho nada de interessante.

Sou uma menina sem a metade do seu conhecimento de

mundo. Você é viajado. Não sei nada de você.

Nesse instante Maxi põe levemente a mão nos lábios de

Siné e suavemente pede que ela não fale mais nada. Beija

carinhosamente sua mão. E diz: - amanhã você entenderá.

Poderia te dizer tudo o que senti por você. Mas passei a

tarde inteira escrevendo sobre isso. Seria tautológico.

Portanto amanhã leia minha crônica que publiquei sobre

nosso amor. Peço desculpa se expus a gente. Mas

precisava falar para o mundo inteiro. Eternizar um momento

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que para mim foi um dos mais felizes da minha vida. A

mulher que sempre sonhei. Mas... Amanhã você lerá e

entenderá tudo. Agora vamos aproveitar este momento.

Resolveram sair. Precisavam aproveitar o tempo. Maxi

dispensou seus compromissos e entregou-se a Siné.

- Vamos jantar depois, vamos ao cinema.

Não sabia da dieta de Siné. Logo saberia. Ficou meio

atônito, todavia resolveu respeitar. Não sem antes

aconselhá-la como quem tem conhecimento de causa, por

ter como aconselhadas várias meninas que sofriam de

anorexia.

- Você não sabe o quão triste é o sofrimento dessas

meninas, o quanto sofrem suas famílias e aqueles que as

amam. Pense profundamente no que você está fazendo. Na

livraria você encontrará vários livros a respeito do assunto.

Siné contra-argumenta afirmando que não está passando

fome, só mudou seu alimento. E desde que mudara, sua

vida também mudou. E agora ela se sentia muito feliz.

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- Olhe Maxi. (pausa) Desde que mudei meu foco de vida

cresci muito. Talvez não seja o momento de eu parar. Eu

supervalorizava algumas coisas. E não aproveitava outras.

Deixei de me alimentar da vida. E é isso que entendi.

Sentada à mesa com Maxi se alimentava de suas palavras

de sua preocupação, de seu amor quase que paternal. E a

noite passou agradável. Com cada um contando sua

história de vida.

Mais Siné falava, Maxi só ouvia como que se sonhasse.

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A crônica

Maxi saiu antes de amanhecer. Um bilhete na geladeira: “os

sonhos que mais nos prendem são aqueles a que nos

entregamos sem nem uma reação. Um agradável dia a

você. Um início ótimo de trabalho. Boa sorte. Passo à tarde

aqui. Com amor Maxi.”

Siné era toda empolgação. Seus olhos flamejavam. Era um

sonho que não sonhara, mas que o vivia com intensidade.

As colegas de trabalho a receberam com bonomia. Foram

simpáticas e dispostas. Embora uma delas, a mais velha,

aparentemente falou com ar de graça “aqui se muito

trabalha, pouco se ganha, mas muito se diverte, boa sorte

colega. Aliás livros novos chegaram, você já tem o que

fazer. Axulina você ensina Siné na catalogação?”.

Era um ambiente bem arejado, uma iluminação ótima, havia

uma sala de leitura com confortáveis almofadas, um

ambiente Hi-Fi, e tudo que uma livraria bem montada

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precisava ter, inclusive um ambiente infantil com salinha de

leitura e jogos lúdicos. Era algo muito agradável a Siné. O

saber batia em sua porta. Ali com certeza aprenderia muito.

Axulina chegou com um exemplar do jornal de circulação

regional em mãos. Falou a Siné. Dorva pediu que eu o

entregasse a você. Tem algo muito importante aí que te

interessa. Siné continuou catalogando. Observava as

pessoas que entravam. E cada uma delas apresentava um

ar que despertava nela o interesse de saber um pouco de

suas vidas. Aproximava-se para vê-las qual eram suas

preferências de leitura. Estudava-as e sem perceber a cada

pessoa que entrava arriscava mais ou menos a que sessão

se dirigiria – algumas vezes acertava – e isso se fazia uma

interessante brincadeira. As colegas às vezes não muito

simpáticas abandonavam os clientes muitas vezes nem

perguntando no que se interessaria. O que desejaria. E

assim passou a manhã. Dorva chegou perto da hora de

Siné sair para o almoço. Abraçou-a e falou:

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- Siné hoje estou conversando com algum de nossos

clientes e fornecedores, caso você precise de alguma ajuda

só você me ligar te deixo meu número de celular com você.

Ligue não se apure. Se você precisar de algum livro para

você se familiarizar temos todos em versão digital. Alguns

dos editores nos abrem para conhecermos seu conteúdo

com sinopses muito interessantes. A senha te entregarei

também. Não se envergonhe em perguntar. Todas as

meninas estão muito bem aconselhadas em não te deixar

na mão. Você é minha amiga. Eu não vou te deixar na mão

(insistiu). – Dorva falava ligeiro Siné só balançava com a

cabeça concordando. – A propósito tenho que ir ligeiro em

casa almoçar, à tarde continuo com meus serviços

externos. Até mais Siné. Amanhã conversamos mais.

Beijão.

Dessa forma sem Siné dizer alguma coisa Dorva falou com

uma das meninas e saiu apressada.

Logo após sai Siné para a hora do almoço.

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Curiosa Siné dirigiu-se à igreja. Benzeu-se. Sentou-se e

tirou de sua bolsa o jornal. Foi folhando até chegar na

coluna de Maxi. E começou a ler:

“O amor em sonhos e realidades. Prezados leitores.

Sempre venho a vocês semanalmente falar das relações

humanas e suas dificuldades. Atualmente tenho vivido um

conto de fadas. Lembram-se vocês de alguma vezes ter

citado em minhas crônicas uma mulher que sempre sonhei?

Era minha companheira ideal. Não digo que não tenho que

agradecer às muitas mulheres a que conheci e que muitas

vezes traçamos histórias muito felizes. Decepções vivi sim.

E mesmo elas me ajudaram a definir o meu padrão do que

realmente quero para minha vida. Agora volto a falar de

minha companheira ideal. Vejam só os senhores. Sairei de

minha formal maneira de escrever baseada na ciência para

de maneira – quase que coloquial – traduzir o que estou

vivendo. Há poucos dias no lançamento de meu último livro

havia feito um pedido aos céus. Que precisaria conhecer

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alguém especial. E foi nessa mesma noite que conheci. Eu

antes mesmo de conhecê-la pessoalmente já a imaginava

há muito tempo. A descrição era a mesma: fisicamente,

intelectualmente e sentimentalmente. Ela poucos dias, em

forma de sonho já havia se apresentado a mim. Seu rosto

não conseguia enxergar, mas sua voz para mim era clara,

era a mesma da mulher que me ajudou ter sucesso num

dos eventos mais importantes a que participei. Meu maior

contrato com uma editora. Minha maior chance de minha

vida. Sobretudo minha noite mais feliz depois de tantas que

se passaram como que se fosse a repetição de outras

opacas noites. Saliento que sua luz era sem igual. Sua aura

de bondade era um coisa fora do normal. Sua aparência

física era completada por uma sabedoria, daquelas

imanentes, daquelas que nasce com a pessoa. Confesso

que ela não precisa dizer muitas coisas. Como já falei, eu já

a conhecia. Senti medo disso. Mas o amor é maior. As

viagens que fiz me conduziram para caminhos

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desconhecidos. A cada uma delas a novidade me trazia

algo um pedaço do desconhecido e necessário à minha

vida. Sinto que de todas as viagens amorosas essa é a que

mais tem a me trazer algo novo. (Desculpo-me aqui aos

meus amores passados a que tenho muito que agradecer).

Confesso que pensei que não confessaria nunca um amor.

Principalmente a vocês leitores. Nunca fui tão pessoal nas

minhas escritas destinadas a vocês. Mas achei que esta

seria a chance de me fazer conhecer – uma pessoa

sensível, leitor de poesias, que se emociona com um filme,

que se emociona com a natureza, que se compraz com

aqueles que padecem, e que também sofre, mas não deixa

de acreditar. Em meus artigos, vocês sempre encontrarão

um pouquinho de mim. Hoje vocês tiveram a chance de ver

muito de mim. E isso graças a uma mulher que colocará

com certeza nos meus próximos livros – se ela mesma

quiser – um charme maior às minhas manifestações por

quanto tempo ela assim desejar. Termino hoje afirmando

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que vale a pena se entregar ao amor, ele é o remédio a

todos os males trazidos pelo tédio. Uma ótima e iluminada

semana.”

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A quinzena de amor

A crônica de Maxi aumentou ainda mais o amor de Siné,

bem como a admiração do público-alvo de seus livros que o

viam como um homem da ciência que escrevia friamente,

mas não de forma vazia, sobre o homem e seus recônditos

– suas fraquezas e seus caminhos alternativos para sair da

depressão e enfrentar de frente este mundo capitalista

predador. Este conflito, admiradores e Siné não perturbava

Maxi que tinha bem claro seu caminho, seus ideais – ter

filhos, viver um grande amor, fazer profissionalmente o que

sentia prazer: escrever.

Os quinze dias passavam rapidamente. Siné não

abandonou sua dieta que já não a incomodava – o sol, as

alegrias, as idas a lugares floridos ou em que a natureza

cantava silenciosamente uma canção, a igreja, aos templos,

suas amizades, seu novo trabalho que a cada dia mais a

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impressionava pela riqueza que possuía as infinitas páginas

das obras que se ofereciam carinhosamente a ela – que

servia como mediadora entre objeto desejado e ávido

consumidor. Enfim alimentava-se, às vezes, enfastiando-se

de vida que se fazia abundante ao seu lado.

Esses dias foram transcritos em uma poesia em seu diário:

“Fez-se enfim primavera

Fez-se em mim felicidade

E a quinzena... Já era.”

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A viagem de Maxi

Chegou o dia da viagem de Maxi. Abre-se aqui um

parêntese para comentários a respeito do tempo. Os dias

antes da revolução na vida de Siné eram muito extensos –

a sua dor – muitas vezes sem motivo, pareciam infindáveis.

Suas mágoas regurgitavam em suas vísceras e o tempo

regurgitava dessa forma. Seu sofrimento diário sempre era

novo. No seu interior a dor era intensa – fibromiálgica.

Embora buscasse externar-se como pessoa feliz,

sorridente, muito pronta a tudo, quase uma mãe de suas

amigas. Era estoicista, sofria por suas amigas, por ela

mesma, pelo mundo, pelas estrelas... Agora as novidades

de uma vida radiante aceleravam sua vida, páginas novas

no livro de sua existência, eram páginas prazerosas de

serem folheadas e quando revistas reavivavam mais ainda

seu dia a dia. Tornou-se solidária, agora, de sorrisos, de

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bons conselhos, porém sem deixar-se contaminar pela dor

do outro. Sentia prazer e, ser fonte de luz aos outros. Uma

nova vida.

Com essa radiância acordou ao lado de seu amado. As

malas estavam prontas. Era o dia. Maxi afirmou que

noivaria com ela no retorno e, ela ficava na incumbência da

organização do noivado. Sentou-se aos pés de Maxi a olhá-

lo era como um sonho que ainda não acreditava: o amor em

um tempo em que sentimentos puros são raros em meio a

tanta atitude mesquinha com o semelhante em que as

pessoas parecem ter saído de um iceberg.

O avião partiria às 15 horas, até lá buscaria fazer o que

pudesse para disfarçar a Maxi a imensa saudade que iria

sentir e a que já estava sentindo mesmo antes da partida.

Precisava ser forte. E de fato o dia foi muito agradável,

conseguindo aproveitá-lo mesmo diante de tal situação.

O fato que mais marcou o dia de Siné, foi Maxi ter feito um

noivado simbólico no meio da praça. O que ele fez a Siné,

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foi tirar suas sandálias, ele tirou os seus sapatos. Embaixo

de um pé de plátamo, apanhou um galho de uma flor

branca fazendo-o à forma de uma grinalda, no celular o

toque da marcha nupcial. Mas, o cortejo da natureza e dos

pássaros foi o que mais impressionou o momento – embora

não planejados – pareciam que o fora. Siné achou muito

engraçado, muito espontâneo, Maxi parecia muito feliz,

mais do que nunca, e seu sorriso ora quase que orbital,

seus olhos em chama não o deixaria mentir diante de tão

grande evento: natural, original, poético. Ao fim selaram um

amor, uma aliança. E devido à demora, quase que Maxi

perdeu o avião, saiu um pouco do planejado. Dorva estava

preocupadíssima – ligando sem parar a Maxi. Até que ele

chegou e ela se sentiu aliviada.

- Cuida bem dele Dorva.

- Cuidarei como meu irmão. Não se preocupe Siné.

Siné abraçou calorosamente Maxi, em seus olhos o amor,

em seus olhos a saudade, em seus olhos uma história que

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parecia não ter fim. O choro-riso inevitáveis. Olhar vivo de

ambos: o amor celebrado em de uma rica e transparente

taça de cristal.

- Contigo vai meu coração.

As lágrimas em seu olhos marejados caíram timidamente,

sua tez resplandeceu, e uma indescritível fragrância floral

foi sentida por Maxi, as flores abençoando uma união.

A solidão

Siné sentiu-se muito só. Em seus primeiros dias sem Maxi

ainda ecoavam seus momentos de felicidade ao seu lado.

Com o passar dos dias o sol já não brilhava para ela da

mesma forma. Nem os e-mails de Maxi com as fotos dos

lugares aos quais visitara conseguiam colocá-la para cima.

Certo dia quando caminhava na rua, viu um senhor sentado

na calçada. Era um dia muito quente. O homem lhe pediu

uma moeda para comprar pão. Ela parou e enquanto

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procurava em sua carteira moedas o senhor a interrompeu.

- Minha filha você está triste. Não se preocupe. (pausa) Ele

voltará.

Ela pegou as moedas e as entregou ao pedinte.

- Este homem não merece seu sofrimento.

- Como assim? – Indagou Siné.

(até aqui) - Ele trairá você com sua melhor amiga. – Meio

que sussurrou o homem com um imenso bafo de cachaça.

- O senhor não conhece meu noivo. Não me conhece.

- Não o conheço. Mas sei que ele não é fiel a você.

Siné sentiu um choque correr por se corpo. Sua garganta

quase que se fechou, seu coração palpitou. Suas mãos

suaram. Sua mente pedia-lhe que não contra-

argumentasse, que nada falasse – afinal era somente um

bêbado – alguém fora de seu juízo normal. Mas, tem coisas

que a razão não explica, como o nosso corpo reage

instintivamente quando provocado.

- O senhor diz isso porque a maior parte das pessoas trai.

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Nós somos muito felizes. Ele não vai me trair.

Num súbito impulso Siné deu por si e resolveu sair dali.

“Esse senhor está blefando. Quanto sou tola, dando

importância ao que diz esse bêbado.” Quando se afastou

um pouco mais, o senhor insistiu:

- O escritor... O escritor vai te trair.

Aí foi o golpe final. Siné fitou profundamente aquele

homem. Formigava seu estômago. O medo apoderou-se de

seus sentidos. E, ela afastou-se rapidamente com os olhos

marejados. A angústia. A dúvida. “Não vou acreditar... Esse

bêbado com certeza conhece Maxi... Ele deve ter nos

visto.” Assim pensava, assim esperava, assim rezava.

Mesmo tendo duvidado das palavras do mendigo – pelo

menos era assim que insistia em pensar – elas ecoavam

em sua mente. Agora a dieta era também de noites

dormidas. Os seus livros lidos passaram a ser os

ultrarromânticos. A dor. A nostalgia. A fuga. Trabalhava o dia

todo e à noite se internava na leitura. Suas amizades se

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preocupavam com ela, mas o telefone não o atendia. Os e-

mails de Maxi ficaram sem resposta e os colegas de

trabalho entregavam inutilmente os recados a ela. Os

postais chegavam à sua casa esbofeteando-a como uma

imensa mão que trazia escrita em seus vãos dos dedos a

palavra: traição.

Siné resolveu conversar com o mendigo. Dias ela desviou o

caminho em que ele poderia se encontrar. Todavia, chegou

o momento em que ela enfrentaria seus temores.

Aproximou-se da esquina em que ficava aquela esfarrapada

criatura – pensava-o assim por seu incrustado ódio. Parou.

Decidiu retornar e não o enfrentar. “Não. Decididamente

preciso ir.” O mundo nesta hora girou. Quase desmaiou.

Sentia as veias do corpo inteiro, seu coração a pulsar

fortemente. Seus braços estavam formigando. Passa uma

moça com olhar assustado e pergunta a Siné ali parada.

- Tudo bem com você?

- Só estou um pouco enjoada. Isso pode ser gravidez minha

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filha. - Sorriu a moça.

Sentou-se havia esquecido da possibilidade de gravidez.

- Não, não é minha senhora, estou em dia.

- Então pode ser o sol minha filha. Se alimente com comida

leve. Beba muita água. Aliás já te trago um pouco de água

pra você. – Assim entrou a senhora na lanchonete trazendo

em seguida água a ela.

- Obrigada minha senhora pode deixar estou melhor.

Siné recuperou-se um pouco e decidiu continuar no

empreendimento.

Quando virou a esquina olhou o senhor que estava sentado

no mesmo lugar que o vira antes. Ao observá-lo mais de

perto, não o reconheceu como sendo o mesmo daquele dia.

- Uma moedinha para o “veinho” minha filhinha.

- O senhor sabe onde está o homem que estava sentado

aqui dias atrás?

- Aqui é meu ponto minha filha. Não tem outro que pode

ficar aqui minha filha. É a lei da selva. Tudo para sobreviver.

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Depois eu contribuo com a cachacinha para os irmãos. –

Assim sorriu largamente o senhor com muitas falhas nos

dentes.

Siné insistiu.

- O Senhor me conhece?

- Já vi você passar por aqui. Mas nunca falei antes com

você. Difícil alguém me enxergar aqui minha fiinha. Ainda

mais moça bonita assim...

- Atônita Siné teve sua visão tolhida. Quase desmaiou.

- Tudo bem moça? – Perguntou um homem de terno que

passava por ali.

- Tô bem. Tô bem. – E saiu Siné apressada dirigindo-se à

ingreja.

Siné não entendia. Parecia estar alucinada. Vendo coisas

estranhas. Era a falta de Maxi? Era a dieta? Não conseguia

resposta.

A resposta talvez estivesse nos livros. Mas em que livro?

Mergulhou na leitura sobre o assunto. Metafísica não era

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seu forte, mas aos poucos ganhou força, apegando-se com

santos e anjos para enfrentar o momento.

Deixou-se esquecer do que havia ocorrido. Desligou-se da

saudade de Maxi. Embora às vezes ela a açoitasse. Suas

Suas chagas: trabalhos voluntários aos finais de semana.

Assim distraía-se. E os dias passavam.

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A invisibilidade

Aquele dia ao se acordar sentiu-se diferente. A luz parecia-

lhe mais amiga que outrora. Conseguia - como se seu

corpo fosse o fim de uma aresta - ver as diversas cores da

branca luz que lhe transpassava. A corpulência desse

evento distraía-lhe os sentidos. Notou suas mãos diferentes

– muito brilhantes. Sua face quase translúcida ao espelho

também refletia muito forte a luz. Ao sair à janela, um beija-

flor parou em sua frente, quase imóvel, tentou beijar-lhe os

lábios, o que conseguiu de leve. Ficou atônita diante de tal

acontecimento.

“Um beija-flor tentou provar de meu néctar.” Brincou consigo

mesma. Sentia como se formigas devorassem seu

estômago. A luz, agora, transpassava-lhe completamente. A

fome se intensificava. A saudade de Maxi, suas palavras.

Precisava abrir seus postais, seus e-mails. Decidiu em meio

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a tudo aqui – ir à tarde à uma lan house. Era domingo, não

trabalhava. Precisava ir ao parque, ir à igreja. O abraço dos

idosos um dia antes a reanimara, assim como a umas

palavras em sinal de gratidão e carinho de uma senhorinha

de cabelos azuis: “viva o amor como se ele fosse o único

motivo de sua vida, o tempo passa e só ele é a lembrança

que mais nos impulsiona a viver mais. Lembre-se disso,

pois ainda vivo intensamente aqui cada ato de amor que

vivi (apontava para o coração). Vale muito a pena, pode ter

certeza, pois é uma das poucas que tenho”. Sentia uma

imensa vontade de sair. Apressou-se em se arrumar. Foi

apanhar a escova dental, segurou-a, mas ela caiu. Achou

natural “escorregou”, pensou. Continuou logo após

arrumando-se. Ao tentar fechar a porta caiu-lhe da mão a

chave. Tentou pegá-la quase que não conseguiu. No

entanto, teve dificuldades, mas fechou a porta – a esse

momento o medo e a loucura eram tolhidos por um

resquício de sobriedade que não deixa nós pobres mortais

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acreditarmos em coisas do gênero. “Que está

acontecendo??!!” – indagou Siné. Descartou a loucura,

ignorou o fato e seguiu. Viu ao longe uma colega de

trabalho. Ao se aproximar a mesma não a viu. O que foi

autojustificado como sendo sua amiga “orgulhosa. Finge

que não vê as outras pessoas. Normal isso hoje em dia.

Falsas amizades, falsos colegas.” O padre de sua paróquia

– amigo de Siné – também não a enxergou. Aliás, todos

pareciam não enxergá-la. “Opa, opa, opa, tem algo de

estranho aqui!.” - Sentia alguma coisa que não sabia bem o

que era. Ela só sabia que isso não era o que deveria sentir.

Nesta situação os sintomas de um ataque de nervos seria o

mínimo razoável. Mas... não era o que estava acontecendo

com ela.

Vinha-lhe uma outra colega de trabalho em sua direção e -

esta daria graça se não a visse mesmo - o que acabou

acontecendo. Queria chorar. Não conseguia. Gritou,

ninguém a ouviu. Olhou-se: o corpo em luz, radiante, muito

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belo. Seus pés levitavam. “Subliminar” pensou. “Agora sou

um anjo” - não deixando de lado seu censo de humor. “Que

sonho mais demoradinho esse!” devaneava ironicamente.

No fundo, ela pensava-se num sonho. Aparentemente não

era. E esse frio da dúvida corria-lhe pelo seu subliminar

corpo.

“Cadê meus sentimentos? Se dissiparam com... com... –

não sabia definir. – Deve ser... isso?!” Que êxtase. Sentiu-

se inebriada. As pessoas ao seu comando andavam

devagar, bem devagar.

Pensou “Sei...! eu acho que... como é que eu vou dizer

isso? Eu...” Resolveu não dizer o que achava o que tinha

ocorrido. Mas então deve se igual aquele filme “O sexto

sentido”. Então...” Parou na praça em frente à fonte e ao

velho ipê. Voltou no tempo na noite de lua cheia e viu-se

sendo iluminada. Viu-se bela. Viu-se plena... A solidão a

deixou. Cada pessoa que passava perto dela agora a

alimentava. Seus sabores corriam - como se fossem

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essência – aos seus olhos. Suas dores, felicidades e

angústias. Escutava-lhes seus pensamentos – quando

assim desejava. Tudo isso a aturdia, mas não a

incomodava. Andou, viajou, viveu de forma diferente. Sentiu

prazer no canto do pássaro o qual contou com sua

presença por alguns instantes. Se emocionou ao ver vida

no ninho e a mãe alimentando seus filhotinhos. Continuou

andando na rua. Ao passar pela esquina em que tinha visto

o mendigo, o avistou novamente. Ela parou em sua frente.

Encarou-o com coragem, mas ele abaixou sua cabeça.

Conferiu - não foi o segundo que negou conhecê-la. Ela

parou poucos instantes ali. O senhor lhe dirigiu a palavra:

- Você ainda tem dúvida minha filha?

- O senhor consegue enxergar-me?

- Sim até seu lindo interior.

- Procurei o senhor novamente, mas não estava aqui.

- Eu estava aqui. Você não me enxergou. Éramos dois.

- Então...

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Um silêncio imperou. Siné resolveu não entender o que

havia realmente ocorrido. O fato é que ela conseguiu vê-lo.

As indagações eram menores que ânsia de talvez

aproveitar o estado em que se encontrava: feliz, em paz.

- O que está acontecendo? O senhor quem é?

- Você estava muito confiante em um amor e eu resolvi

testá-la. Hoje poucas pessoas amam de forma que você

está amando. – A face do senhor era tão expressiva quanto

suas palavras, como um druida respondia Siné com

sabedoria e paciência.

- Eu o amo muito...

- Você quer vê-lo?

- Sim muito.

- Então que se faça.

Tudo se espiralou ao seu lado em fechos de luzes

multicolores. Pararam em frente à janela do apartamento

em que estava hospedado Maxi. Pela janela Siné observou

Maxi abraçado com Dorva. Neste momento compreendeu

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as palavras que a alertavam à traição. Mas não se

enfureceu, apenas observou. Não entendeu porque a fúria

não invadiu seu coração que parecia bloqueado. Ficaram ali

alguns instantes.

- Nos aproximemos mais.

Ao se aproximarem ela viu que Maxi chorava. Durva

Consolava. Abraçados Maxi afirmou:

- Siné. (pausa) – O que aconteceu com ela?

Em um repuxo tão forte Siné e o misterioso homem saíram

dali. Retornaram à esquina. Siné fitou o senhor, pegou a

sua mão, beijou-lhe a face e atônita retirou-se.

Em frente à igreja sentada sentia os primeiros pingos de

chuva. A chuva engrossou e a água começou a lhe trazer

de novo à materialidade. Pouco tempo depois a mãe e a

criança que ela havia acompanhado no ônibus se

aproximaram e a menina ao colo da mãe lhe sorriu, jogou-

lhe um beijo com as mãos, sua mãe não percebeu o que

ocorria.

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Siné seguiu para casa. No caminho desmaiou. Uma mão

quente tocou-lhe à face. Abriu lentamente os olhos e com

um sorriso um médico - com a mesma face do mendigo –

lhe falou:

- Você menina precisa se alimentar... (sorrindo brincou)

agora você precisa comer por dois.

Fim