ULFBA_TES47tese3

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES INFLUÊNCIA DOS PRODUTOS TECNOLÓGICOS NO MOBILIÁRIO DOMÉSTICO Cláudia Sofia Gomes Delgado MESTRADO EM DESIGN DE EQUIPAMENTO NA ESPECIALIDADE DE DESIGN URBANO E DE INTERIORES 2011

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS-ARTES

    INFLUNCIA DOS PRODUTOS TECNOLGICOS

    NO MOBILIRIO DOMSTICO

    Cludia Sofia Gomes Delgado

    MESTRADO EM DESIGN DE EQUIPAMENTO

    NA ESPECIALIDADE DE DESIGN URBANO E DE INTERIORES

    2011

  • 1

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS-ARTES

    INFLUNCIA DOS PRODUTOS TECNOLGICOS

    NO MOBILIRIO DOMSTICO

    Cludia Sofia Gomes Delgado

    MESTRADO EM DESIGN DE EQUIPAMENTO

    NA ESPECIALIDADE DE DESIGN URBANO E DE INTERIORES

    Dissertao orientada pelo Prof. Doutor Raul Cunca e co-orientada pelo

    Assistente Cristvo Pereira

    2011

  • 2

    RESUMO

    Os progressos tecnolgicos relativos a processos de produo de artefactos e de

    materiais e desenvolvimentos na rea da electrnica ocorrem em simultneo com a

    evoluo humana, social e cultural, estimulando novas necessidades, comportamentos

    e modos de vida.

    A forma, organizao e utilizao do espao domstico so influenciados por diversos

    factores sociais, culturais e tecnolgicos, nomeadamente a insero na habitao de

    tecnologias de informao, comunicao e de apoio a tarefas domsticas, sob a forma

    de produtos tecnolgicos.

    A utilizao destes produtos, que possibilitam a rentabilizao de espao, tempo,

    recursos econmicos, grande mobilidade e flexibilizao da habitao e que motivam

    novos meios de informao, comunicao e conhecimento, interferindo positivamente

    no conforto e bem-estar humano, persistente e incessante, particularmente em

    meios urbanos.

    O presente trabalho explora as etapas de surgimento, desenvolvimento e introduo

    de produtos tecnolgicos no espao domstico, procurando analisar a sua influncia

    na organizao e manuteno das divises da casa e do mobilirio domstico e as

    consequncias da interaco com os habitantes, no seu quotidiano.

    Foram analisados dados de um questionrio aplicado a uma amostra de 104

    residentes em reas urbanas e suburbanas. Deste modo, foi possvel constatar que a

    tecnologia e os produtos tecnolgicos contribuem para uma flexibilizao do espao

    domstico e para a mobilidade virtual ou digital dos indivduos.

    Consequentemente, o mobilirio poder ser reconfigurado, a sua utilizao tornar-se

    desnecessria ou serem desenvolvidas e produzidas novas tipologias de mveis.

    Palavras-Chave: Design de Interiores, Espao Domstico, Electrodomsticos,

    Mobilirio, Tecnologia.

  • 3

    ABSTRACT

    Technological advances on the production processes of artifacts and materials and

    developments in electronics occur simultaneously with human evolution, social and

    cultural development, stimulating new needs, behaviors and lifestyles.

    The form, organization and use of domestic space are influenced by several social,

    cultural and technological factors, particularly the inclusion in housing of information,

    communication and support of household chores technologies, in the form of

    technological products.

    The use of these products, which save space, time, economic resources, enable great

    home mobility and flexibility and which motivate new media, communication and

    knowledge, interfering positively on comfort and human welfare, is persistent and

    incessant, particularly in urban areas.

    The present study explores the stages of emergence, development and introduction of

    technological products in the domestic space, in order to examine its influence on the

    organization and maintenance of home and household furniture and the

    consequences from its interaction with inhabitants, in their daily lives.

    Data from a questionnaire administered to a sample of 104 residents living in urban

    and suburban areas has been analyzed. This way, it was established that technology

    and technological products contribute to a flexibility of domestic space and "virtual" or

    "digital" mobility of individuals. Therefore, the furniture can be reconfigured, its use

    become unnecessary or be developed and produced new types of furniture.

    Keywords: Interior Design, Domestic Space, Appliances, Furniture, Technology.

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar expresso a minha gratido a todos aqueles que tornaram possvel

    este trabalho, envolvendo-se de forma directa ou indirecta no processo.

    Agradeo Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e em particular aos

    orientadores deste trabalho, Professor Doutor Raul Cunca e Professor Assistente

    Cristvo Pereira, pelo interesse, empenho e oportunidade que me deram.

    A todos os presentes no meu meio profissional por toda a disponibilidade e

    compreenso concedidas durante a etapa crucial do trabalho.

    Aos meus pais pelo apoio incondicional que sempre me proporcionaram. Sem eles, a

    minha educao, valores e princpios no seriam o que so hoje.

    minha restante famlia, pelo seu apoio e presena na minha vida.

    E, por fim, ao meu namorado por todo o incentivo, motivao, carinho e fora que me

    deu durante todo o processo.

  • 5

    NDICE

    RESUMO ............................................................................................................................ 2

    ABSTRACT ......................................................................................................................... 3

    AGRADECIMENTOS ........................................................................................................... 4

    NDICE ............................................................................................................................... 5

    NDICE DE FIGURAS........................................................................................................... 7

    INTRODUO .................................................................................................................. 10

    CAPTULO I: O ESPAO DOMSTICO .............................................................................. 15

    1.1. A NOO DE HABITAR ................................................................................................. 16

    1.2. O ESPAO DOMSTICO: CONCEITO E DEFINIO ....................................................... 19

    1.3. O DESPONTAR DA EVOLUO DO ESPAO DOMSTICO NA ERA PS-INDUSTRIAL: A

    MECANIZAO E AS PROPOSTAS FEMINISTAS ....................................................................... 23

    1.3.1. A REVOLUO INDUSTRIAL NO ESPAO DOMSTICO ........................................ 23

    1.3.2. A RACIONALIZAO DO ESPAO DOMSTICO .................................................... 25

    1.3.3. O ESPAO DOMSTICO MODERNO ..................................................................... 31

    1.3.4. O ESPAO DOMSTICO MODERNO DO PS-GUERRA ........................................ 44

    1.3.5. O ESPAO DOMSTICO PS-MODERNO ............................................................. 47

    CAPTULO II: A TECNOLOGIA NO ESPAO DOMSTICO E A HABITAO URBANA ........ 57

    2.1. TECNOLOGIA .................................................................................................................... 59

    2.1.1. DEFINIO E CONCEITO ............................................................................................ 59

    2.1.2. APLICAO E CONSEQUNCIAS GLOBAIS ................................................................. 61

    2.2. A HABITAO URBANA NA ERA PS-INDUSTRIAL: FACTORES ANTROPOLGICOS,

    PSICOLGICOS, SOCIAIS E ECONMICOS NA ESCOLHA DE HABITAO EM AMBIENTE

    URBANO .................................................................................................................................. 64

    2.2.1. O XODO RURAL E A URBANIZAO ................................................................... 64

    2.2.2. FACTORES ANTROPOLGICOS, PSICOLGICOS, SOCIAIS E ECONMICOS NA

    ESCOLHA DE HABITAO EM AMBIENTE URBANO ............................................................ 67

    2.3. A EVOLUO DAS TECNOLOGIAS E DOS PRODUTOS TECNOLGICOS ....................... 72

    2.3.1. OS APARELHOS ELCTRICOS DOMSTICOS ......................................................... 74

    2.3.2. A EVOLUO DOS APARELHOS DE CONFECO DE ALIMENTOS ....................... 76

    2.3.3. A EVOLUO DOS APARELHOS DE MANUTENO E LIMPEZA ........................... 81

    2.3.4. A TECNOLOGIA NO PS-GUERRA: MINIATURIZAO E PORTABILIDADE ........... 84

  • 6

    2.3.5. A EVOLUO DOS APARELHOS DE INFORMAO E COMUNICAO................. 90

    2.4. A INTRODUO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO ESPAO DOMSTICO ...................... 96

    CAPTULO III: ESTUDO EMPRICO ................................................................................. 107

    3.1. METODOLOGIA ............................................................................................................... 107

    3.2. INSTRUMENTO DE RECOLHA DE DADOS ........................................................................ 108

    3.3. TRATAMENTO ESTATSTICO ........................................................................................... 110

    3.4. AMOSTRA ....................................................................................................................... 111

    3.4.1. FICHA SOCIODEMOGRFICA ................................................................................... 111

    3.5. RESULTADOS .................................................................................................................. 114

    3.5.1. PRODUTOS TECNOLGICOS DISPONVEIS NA HABITAO .................................... 114

    3.5.2. CRITRIOS DE ESCOLHA NA AQUISIO DE PRODUTOS TECNOLGICOS ............... 118

    3.5.3. CRITRIOS DE ESCOLHA NA AQUISIO DE MOBILIRIO ....................................... 119

    3.5.4. CARACTERSTICAS DOS PRODUTOS TECNOLGICOS .............................................. 120

    3.5.5. CARACTERSTICAS DO MOBILIRIO ......................................................................... 123

    3.5.6. EMBUTIMENTO DE PRODUTOS TECNOLGICOS EM MOBILIRIO ......................... 125

    3.5.7. AFIRMAES ........................................................................................................... 126

    3.6. DISCUSSO ..................................................................................................................... 133

    3.7. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 141

    CONCLUSO .................................................................................................................. 143

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 146

    BIBLIOGRAFIA DIGITAL ................................................................................................. 150

    FONTES ICONOGRFICAS ............................................................................................. 151

    ANEXOS ......................................................................................................................... 155

  • 7

    NDICE DE FIGURAS

    Fig. 1. Metodologia utilizada na dissertao. ................................................................. 14

    Fig. 2. Planta da cave e do piso trreo, respectivamente, da casa suburbana, concebida

    por Catherine Beecher e Harriet Beecher Stowe em The American Womans Home,

    1869. ............................................................................................................................... 27

    Fig. 3. Planta do apartamento de cidade, concebida por Catherine Beecher e Harriet

    Beecher Stowe em The American Womans Home, 1869. ............................................. 28

    Fig. 4. Plantas das cozinhas ineficiente ( esq.) e eficiente ( dir.), concebidas por

    Christine Frederick em Household Engineering, Scientific Management in the Home,

    1915. ............................................................................................................................... 30

    Fig. 5. Chaleira elctrica de lato e cromada a metal, concebida por Peter Behrens e

    fabricada pela AEG, em Berlim, 1908-12. ....................................................................... 32

    Fig. 6. Cozinha concebida por Marcel Breuer, 1923. ...................................................... 34

    Fig. 7. / Fig. 8. Exterior e Interior da Schreder House, concebida por Gerrit Rietveld,

    1924. ............................................................................................................................... 35

    Fig. 9. / Fig. 10. Cadeira Zig-Zag de Rietveld, 1932-1934 / Cadeira Wassily de Breuer,

    1925. ............................................................................................................................... 36

    Fig. 11. Edifcio Habitacional de Mies van der Rohe, Estugarda, 1927. ......................... 37

    Fig. 12. Pavilho do LEsprit Nouveau, concebido por Le Corbusier para a Exposio de

    1925. ............................................................................................................................... 38

    Fig. 13. Villa Savoye, concebida por Le Corbusier, 1928. ............................................... 39

    Fig. 14 / Fig. 15.Vista exterior e interior da casa Tugendhat de Mies van der Rohe, Brno,

    1928-1930. ...................................................................................................................... 40

    Fig. 16 / Fig. 17. Plantas da casa Tugendhat de Mies van der Rohe, Brno, 1928-1930. 40

    Fig. 18. Fogo em chapa metlica, concebido por Norman Bel Geddes, 1933. ............. 42

    Fig. 19. Frigorfico em porcelana sobre ao e alumnio, concebido por Raymond Lowey,

    1935. ............................................................................................................................... 42

    Fig. 20. Telefone Type 300, concebido por Henry Dreyfuss para a Bell Telephone

    Corporation, 1937. .......................................................................................................... 42

    Fig. 21 / Fig. 22. Casa Dymaxion de Fuller. Maqueta, Alado e Planta, 1929 e bloco de

    banho, 1938. ................................................................................................................... 43

    Fig. 23 / Fig. 24. Planta e unidades da Dymaxion Deployment Unit de Buckminster

    Fuller, 1940. .................................................................................................................... 43

    Fig. 25. Cadeira DAR moldada em fibra de vidro e resina de polister, de Charles

    Eames, 1948.................................................................................................................... 45

    Fig. 26 / Fig. 27. Vista geral e plantas da Unit dHabitation de Le Corbusier, Marselha,

    1947-52. .......................................................................................................................... 46

    Fig. 28. Interior da Casa do Futuro, concebida por Alison e Peter Smithson, 1956. ...... 48

  • 8

    Fig. 29. Trs etapas de construo da Spray Plastic House: Escavar, Dissolver, e

    Acabamentos. Concebida por David Greene, 1962. ...................................................... 49

    Fig. 30 / Fig. 31. Empilhamento e componentes das Capsule Homes, de Warren Chalk,

    1964. ............................................................................................................................... 49

    Fig. 32 / Fig. 33. Plano e Elevao da Living Pod, de David Green, 1965. ...................... 49

    Fig. 34. / Fig. 35. Cushicle de Michael Webb, 1956-57, e componentes do Living 1990,

    1967. ............................................................................................................................... 50

    Fig. 36 / Fig. 37. Sacco de Gatti, Paolini e Teodoro, e Cadeira Panton de Vernon Panton,

    1960. ............................................................................................................................... 51

    Fig. 38 / Fig. 39. Fases da configurao da Casa Mobile e interior da mesma, de Alberto

    Rosselli, 1972. ................................................................................................................. 53

    Fig. 40 / Fig. 41. Sistema modular Total Furnishing Unit de Joe Colombo e sistema

    modular de Ettore Sottsass, 1972. ................................................................................. 53

    Fig. 42. Taxas de urbanizao mundiais, presentemente. ............................................. 66

    Fig. 43. Pirmide de Necessidades Humanas, segundo Abraham Maslow, 1968. (trad.

    livre) ................................................................................................................................ 68

    Fig. 44. Grande oferta de transportes pblicos no meio urbano. .................................. 70

    Fig. 45. Misturadores que antecederam o liquidificador e o processador de alimentos,

    1890. ............................................................................................................................... 78

    Fig. 46. Patente do aspirador elctrico porttil, concebido por James Spangler. 1908. 83

    Fig. 47 / Fig. 48. Anncio publicitrio de Frigorfico, fabricado pela Frigidaire

    Corporation em Ohio, 1954, e anncio publicitrio da Poltrona Stratolounger, fabricada

    pela U.S. Naugahyde. ..................................................................................................... 85

    Fig. 49. Kitchen Machine (aparelho de cozinha), de Gerd Alfred Muller e fabricado pela

    Braun AG Taurius, Alemanha, 1957. .............................................................................. 85

    Fig. 50. Estgios de miniaturizao do fogo da cozinha domstica, acompanhando as

    evolues tecnolgicas. 1. Fogo de Rumford, incios do sc. XIX; 2. Fogo em ferro

    fundido, 1858; 3. Fogo elctrico, 1927; 4. Fogo a gs compacto com balco de

    trabalho, 1931; 5. Fogo elctrico com controlo automtico de calor e de tempo, 1942;

    6. Placa vitrocermica, 2003........................................................................................... 86

    Fig. 51. / Fig. 52.Televiso porttil em metal e Walkman porttil em alumnio,

    fabricados pela Sony Corporation em Tokyo, em 1959 e 1978, respectivamente. ....... 89

    Fig. 53. / Fig. 54. Modelos iniciais de mquinas de calcular electrnicas e cmaras de

    vdeo portteis. ............................................................................................................... 89

    Fig. 55. / Fig. 56. Modelo do primeiro telefone elctrico de Bell. Transmissor ( esq.) e

    receptor ( dir.) ............................................................................................................... 90

    Fig. 57. / Fig. 58. / Fig. 59. Modelos comerciais iniciais de computador de bolso, PDA

    (assistente pessoal digital) e Notebook (computador porttil). .................................... 93

    Fig. 60. Esquema cronolgico: Produtos Tecnolgicos. ................................................. 95

    Fig. 61 / Fig. 62. Distribuio por Gnero e Idade (n indivduos). .............................. 111

  • 9

    Fig. 63 / Fig. 64. Constituio do Agregado familiar e Habilitaes Literrias (n

    indivduos). ................................................................................................................... 112

    Fig. 65 / Fig. 66. Rendimento do Agregado Familiar e Nmero de Assoalhadas da

    Habitao (n indivduos). ............................................................................................ 112

    Fig. 67. Servios de comunicao disponveis na habitao (n indivduos). .............. 114

    Fig. 68. Produtos de comunicao disponveis na habitao (n indivduos). ............. 115

    Fig. 69. Produtos tecnolgicos de entretenimento e de informtica disponveis na

    habitao (n indivduos). ............................................................................................ 115

    Fig. 70. Grandes electrodomsticos disponveis na habitao (n indivduos). ........... 116

    Fig. 71. Pequenos electrodomsticos disponveis na habitao (n indivduos). ........ 117

    Fig. 72. Critrios de escolha na aquisio de produtos tecnolgicos (n indivduos). . 118

    Fig. 73. Critrios de escolha na aquisio de mobilirio (n indivduos)...................... 119

    Fig. 74. Utilizao de produtos tecnolgicos: televisores, computadores e Internet, na

    habitao (n indivduos). ............................................................................................ 120

    Fig. 75. Utilizao de produtos tecnolgicos compactos e portteis (n indivduos). . 121

    Fig. 76. Utilizao de produtos tecnolgicos multifuncionais (n indivduos). ............ 122

    Fig. 77. Utilizao de mobilirio modular, na habitao (n indivduos). .................... 123

    Fig. 78. Utilizao de mobilirio dobrvel, na habitao (n indivduos). .................... 124

    Fig. 79. Produtos tecnolgicos embutidos em mobilirio, na habitao (n indivduos).

    ...................................................................................................................................... 125

    Fig. 80. Afirmaes relativas a produtos tecnolgicos e mobilirio na habitao (n

    indivduos). ................................................................................................................... 132

  • 10

    INTRODUO

    Proposta de Investigao

    A presente dissertao de mestrado prope-se a estudar a influncia da

    tecnologia e particularmente dos novos produtos tecnolgicos no mobilirio

    domstico.

    O tema surge do interesse na tecnologia, aliada ao design de interiores, na

    medida em que a tecnologia possui a capacidade excepcional de moldagem da

    humanidade, ao mesmo tempo que a humanidade a molda.

    medida que a tecnologia e os produtos tecnolgicos foram invadindo o espao

    domstico, novas configuraes e conceitos de mveis, equipamentos, e reas

    surgiram.

    Para compreender a sua influncia, necessrio transpor, primeiramente, um

    processo de anlise evolutiva do espao domstico e dos produtos tecnolgicos e

    anlise sociodemogrfica, de costumes e prticas na habitao, desde a dimenso e

    rendimentos dos agregados familiares, valores e culturas, hbitos e costumes, meio e

    estatuto social e tendncias de estilo de vida, at aos meios de comunicao e

    publicidade, preponderantes no mercado de consumo.

    A habitao parte integrante da vida humana desde sempre e, como tal,

    atravs dela possvel determinar as caractersticas de sociedades, o seu carcter, as

    suas condies de existncia, o seu grau de civilizao.1

    Desse modo, a concepo do espao domstico e de formas de habitar sempre foi

    uma questo de extrema importncia e responsabilidade.

    A revoluo industrial introduziu as primeiras grandes modificaes estruturais

    nas cidades e levou o mundo a aplicar as tecnologias na produo, atravs de novos

    materiais e tcnicas.

    1 TAVARES, Edmundo. A Habitao Portuguesa. 1956, p. 40.

  • 11

    A tecnologia tornou-se, assim, a proporo dominante de qualquer edifcio ou interior,

    permitindo que novas tecnologias, materiais e a mquina modificassem os nveis de

    conforto domstico. Introduziram-se novas energias, sistemas de abastecimento de

    gua e aparelhos mecnicos, respondendo a novas exigncias.

    Identicamente, as propostas femininas, tais como as planificaes domsticas

    de Catherine Beecher e Christine Frederick, foram cruciais para um melhoramento na

    planificao e racionalizao do espao e tarefas domsticas.

    No sculo XX, a produo em massa, movimentos, grupos e propostas de

    vanguarda modernistas influenciaram, diferentemente, as condies de

    habitabilidade.

    Os desenvolvimentos registados no campo das telecomunicaes, computadores e

    Internet fomentaram, no final da dcada de 1990, a inovao em telefones portteis

    pessoais, os telemveis, possibilitando o acesso Internet atravs de servios mveis.

    A multiplicidade de produtos tecnolgicos e electrnicos existentes no

    mercado concede aos consumidores grande liberdade de escolha.

    Atravs da utilizao desses produtos, os consumidores procuram alcanar conforto,

    melhor organizao das tarefas e do espao, ou ainda maior comunicao e interaco

    com indivduos por todo o mundo.

    Os aparelhos electrnicos evoluram e continuam a evoluir a um ritmo

    frentico, sendo que a miniaturizao e a portabilidade dos mais recentes produtos de

    tecnologia, por exemplo, com dimenses e peso inversamente proporcionais s suas

    capacidades operativas, revolucionam a produo de mobilirio domstico adequado

    utilizao desses mesmos produtos.

  • 12

    Questo de Investigao

    Com diversas alternativas de organizao do espao domstico e novos modos

    de habitar, associados a tendncias consumistas e novas tecnologias, ser que os

    projectos de design de interiores tendem a registar mudanas significativas, sendo

    necessrio transformar ou criar elementos adequados ao espao?

    Qual a influncia exercida pela tecnologia e produtos tecnolgicos no mobilirio

    domstico?

    Compreendendo qual o impacto que a tecnologia exerce sobre o mobilirio

    domstico, ser possvel entender quais so as necessidades de transformao e

    construo de novos equipamentos e espaos residenciais, de forma a auxiliar as

    tarefas, actividades e relaes sociais e alcanar conforto, bem-estar e qualidade de

    vida, dentro do espao domstico.

  • 13

    Estrutura da dissertao

    O trabalho organiza-se da seguinte forma: noes e conceitos, enquadramento

    histrico e evolutivo, anlise demogrfica e urbana e estudo emprico.

    O captulo I concernente noo de habitar, conceito e definio de espao

    domstico e sua anlise evolutiva e histrica, desde a revoluo industrial at ps-

    modernidade.

    No captulo II abordado o conceito e definio de tecnologia, a sua aplicao e

    consequncias globais na vida das sociedades.

    Seguidamente, e encadeando com a tecnologia, analisada a habitao urbana,

    expondo quer os fenmenos do xodo rural e da urbanizao, quer os factores

    antropolgicos, sociais e econmicos na escolha dos indivduos por habitao em

    ambiente urbano.

    Por fim, examinada a evoluo das tecnologias e dos produtos tecnolgicos,

    findando com a sua introduo no espao domstico.

    O captulo III composto pelo estudo emprico, concretizado atravs da aplicao de

    um questionrio a residentes em reas urbanas e suburbanas de Portugal, englobando

    questes de ndole geral referentes quantificao, qualificao e critrios de

    interesse, de produtos tecnolgicos e mobilirio domstico.

    No captulo so descritos a metodologia e o instrumento de recolha de dados

    utilizados, a amostra obtida, e os resultados da anlise estatstica, procedidos de

    discusso e consideraes finais.

  • 14

    Fig. 1. Metodologia utilizada na dissertao.

  • 15

    CAPTULO I: O ESPAO DOMSTICO

    A primeira parte da dissertao consiste numa anlise prvia do espao

    domstico, realizando primeiramente uma reflexo sobre o significado que o habitar,

    no captulo 1.1., e o espao domstico, no captulo 1.2., tm para o ser humano e,

    seguidamente, uma reflexo sobre a concepo e organizao espacial.

    O captulo 1.3. debrua-se sobre a evoluo do espao domstico, desde o

    perodo da Revoluo Industrial at aos dias de hoje, o qual sofreu as mais variadas

    alteraes de configurao, organizao e utilizao, em consequncia de avanos

    tecnolgicos e transformaes sociais.

    Depois de entender como a casa funcionou ao longo do tempo, juntamente

    com as mudanas registadas ao nvel das tecnologias domsticas, e como essas

    tecnologias, os espaos e os ambientes foram conduzidos pelos habitantes, ser

    possvel proceder anlise da habitao em ambiente urbano, da sua interaco com

    a populao citadina e tecnologias domsticas associadas cidade.

  • 16

    1.1. A NOO DE HABITAR

    Habitar: viver em determinado lugar ou regio, ser habitante; tornar habitado, ocupar,

    povoar, viver. Ocupar um espao usando-o como residncia, domiclio, local de habitao.2

    A noo de habitar pressupe uma srie de objectivos, necessidades e

    interesses que, quando explorados e atingidos, constituem o acto de habitar. Os

    requisitos para habitar so variveis consoante o habitante, no apenas no

    alojamento, mas tambm relativamente ao ambiente circundante e vizinhana, pois

    habita-se a casa e identicamente a cidade.

    Segundo Antnio Cabrita3, o conceito de habitar constitui-se pela delimitao

    de espaos que confiram ao ser humano: segurana (abrigo e proteco),

    privacidade, intimidade, isolamento, a possibilidade de estabelecer uma relao

    dialctica de sujeito-objecto, de realizar a imagem desejada (ideal) de si, exprimir

    uma territorialidade, afirmar-se, apropriar-se, assegurar uma libertao parcial mas

    efectiva, estabelecer relaes eficazes e criativas e desempenhar as actividades com

    facilidade, flexibilidade e liberdade, individualmente, ou em grupo familiar.

    Em ambiente prximo ao alojamento, para ser possvel habitar ser necessrio haver

    segurana fsica e psicolgica, simultaneamente a capacidade de estabelecimento de

    relaes sociais comunitrias e de vizinhana, ter mobilidade, autonomia e liberdade,

    sentir e exprimir mbitos de territorialidade superiores ao territrio residencial

    privado e contactar directamente com o meio natural.

    O nvel de qualidade de vida expe-se, desse modo, extremamente

    influenciado pela habitao, j que esta define, por exemplo, o espao fsico de

    vivncia do Homem.

    2 Dicionrio da Lngua Portuguesa Contempornea da Academia das Cincias de Lisboa. 2001.

    3 CABRITA, Antnio M. Reis. O Homem e a Casa - Definio Individual e Social da Qualidade da

    Habitao. 1995, pp. 12-15.

  • 17

    A sua importncia determina-se assim que compe um local de refgio, de

    relaxamento e de interaces sociais no quotidiano, reflectindo a cultura,

    personalidade e estilo de vida dos seus habitantes.

    Assim, a qualidade do habitar poder ser alterada por diversos aspectos como o

    espao/territrio em que se insere a habitao, a cultura e o perodo histrico, na

    medida em que as necessidades humanas e conceito de habitao se transformam ao

    longo do tempo, readaptando o modo de viver.

    Em ambiente urbano, por exemplo, a grande escala de espao torna necessrio

    recorrer a modelos de funcionamento habitacionais optimizados, que se articulem

    entre si.

    No obstante, certas caractersticas podero ser essenciais em todos os tipos de

    habitao, como o conforto, o sossego, sentimento de proteco e de abrigo,

    privacidade, boa manuteno, temperaturas agradveis, luminosidade e harmonia

    com o ambiente e vizinhana.

    S possvel habitar o que se constri.4

    De facto, so realizados projectos e construes em finalidade de serem

    habitadas, denominadas de habitao, residncia, casa, contudo possvel habitar em

    locais no destinados a esse fim, que constituem apenas locais de abrigo e refgio.

    Dessa forma, a noo de habitar, na perspectiva de Heidegger5, refere-se ao fim que

    se impe a toda a construo. Habitar e construir encontram-se numa relao de

    meios e fins.

    O Homem utiliza os espaos construdos habitando-os e moldando-os atravs

    dos seus costumes, desejos e necessidades, em processos perceptivos e afectivos

    inerentes s actividades desenvolvidas nos mesmos.

    4 A habitao ser, em qualquer caso, o fim que preside todos os edifcios. A habitao e a construo

    esto relacionadas como fim e meio; HEIDEGGER, Martin. Poetry, Language, Thought. 2001, p. 143. 5 Ibid, p. 144.

  • 18

    A habitao no deve ser considerada somente como um bem de consumo

    que responde a imperativos funcionais, mas tambm como um bem cultura6, isto , o

    investimento na habitao segue determinaes sociais e pessoais, estando o seu

    interesse voltado, sobretudo, para questes psicolgicas e simblicas, e em menor

    relevncia para questes arquitectnicas e tcnicas.

    Em suma, o mbito e condies do modo de habitar de um indivduo so um

    reflexo do seu estatuto e identidade.

    De acordo com Tnia Ramos7, compreender o funcionamento da habitao equivale a

    interpretar o significado que o espao habitacional tem para aqueles que nele

    habitam, conhecendo o modo como a habitao usada, isto , a habitao um

    local de domnio do ser humano, da sua vida ntima, o seu repouso do ritmo e stress

    da vida, um local de crescimento e desenvolvimento pessoal, e onde se estabelecem

    relaes sociais e familiares.

    Antnio Coelho8 assinala que essencial haver muitos leques de solues

    domsticas disponveis para se escolher como se quer habitar a casa e no, como

    infelizmente acontece, solues repetidas tantas vezes at nusea, como se

    organizar uma habitao fosse uma tarefa com uma nica soluo possvel.

    De facto, com costumes e modos de habitar to distintos torna-se essencial a

    existncia de configuraes e tipologias domsticas variadas, adaptadas aos gostos e

    escolhas dos possveis ocupantes das habitaes e tendo em considerao as

    necessidades de cada um, solues flexveis, inovadoras e estimulantes.

    A habitao, como espao de vivncia do ser humano, familiar e pessoal, compe uma

    matria fundamental de estudo e anlise constantes, de forma a de desenvolver e

    aprimorar o mesmo, numa tentativa de melhorar a qualidade de vida dos habitantes.

    6 COELHO, Antnio Baptista. Srie habitar e viver, I: A importncia de um verdadeiro habitar. 2008.

    7 RAMOS, Tnia Liani Beisl. Os espaos do Habitar Moderno: Evoluo e Significados - Os Casos

    Portugus e Brasileiro. 2006, p. 6. 8 COELHO, Antnio Baptista. Srie habitar e viver (melhor), VI: Mais espao ou melhores espaos

    residenciais. 2009.

  • 19

    1.2. O ESPAO DOMSTICO: CONCEITO E DEFINIO

    Depois de apresentada a noo de habitao e de habitar, torna-se relevante

    compreender o interior da habitao, o espao domstico.

    Ao reflectirmos sobre o conceito de espao domstico, possvel constatar que

    comporta valores sociais e culturais e identidades familiares e individuais. , por

    excelncia, um territrio propcio fuso de actividades, pois desde sempre que nele

    confluram vrios nveis de actuao9, assim como um espao ntimo de interaces

    quotidianas10, isto , local de experincias e memrias, acompanhando evolues

    pessoais, e de concretizaes e aspiraes.

    A criao de uma casa no apenas um exerccio de design intelectual

    separado do ocupante. Deve ser o seu prprio design11, na medida em que o

    contedo e o carcter do espao domstico so uma extenso da personalidade do

    habitante, dos seus gostos e necessidades.

    A habitao, depois de construda, no tem significado, vazia e annima. Apenas

    depois de ser ocupada que comeam a ser visveis reflexos das particularidades dos

    seus proprietrios, pois so eles que vm carcter nas suas divises vazias e

    transformam a casa no seu espao habitvel.12

    No interior da habitao so criadas regras para todos os elementos, objectos,

    mobilirio13 e actividades realizadas, fundamentais para a organizao da vida dentro

    da casa e para a harmonia da famlia.

    9 CUNCA, Raul. Territrios Hbridos. 2006, p. 21.

    10 Ibid, p. 22.

    11 The creation of a home is not therefore just an intellectual design exercise detached from the

    occupant. It should be their design; TOWERS, Graham. Introduction to Urban Housing Design: At Home in the City. 2007, p. Xi. 12

    they who see character in its empty rooms and transform an existing house into their home; LANE, Barbara Miller, ed. Housing and Dwelling: Perspectives on Modern Domestic Architecture. 2007, p. 327. 13

    O mobilirio ou moblia so os artefactos mveis numa diviso ou apartamento que a equipam para habitar (). Ainda assim, muito poucos mveis so realmente mveis. VITRA DESIGN MUSEUM. Living In Motion - Design and architecture for flexible dwelling. 2002, p. 80.

  • 20

    Estas regras dizem respeito a questes como a arrumao e disposio dos

    mveis, essenciais na rotina diria, manuteno e limpeza dos espaos e dos seus

    elementos, para alm da forma como os membros da famlia se comportam face uns

    aos outros.

    Os traos caracterizadores do espao domstico de hoje no so os mesmos do

    passado, pois embora os usos que devem preencher uma casa - cozinhar, relaxar,

    higiene pessoal, a interaco com outras pessoas, etc. - permaneam os mesmos de

    sempre, as solues para os desenvolver so muito diferentes agora e

    diversificadas.14

    As utilizaes e actividades podem ser desenvolvidas na mesma rea da casa

    ou em reas distintas, independentemente da funo de cada rea. Exemplificando, a

    funo de descanso/repouso est agora presente por toda a casa, no sendo o quarto

    o nico espao destinado a esse efeito.

    A explicao para as transformaes e ajustamentos que tm ocorrido nos

    espaos residenciais est, entre outras, nas mudanas ocorridas no seio da estrutura

    social, a nvel familiar e nmero de habitantes por cada casa.

    Como confirmado por Oliveira e Galhano15, a casa, como todos os elementos

    culturais, sujeita a evoluo e transformao, seja pela aco de novos factores

    exteriores, influncias e difuses, seja-o mesmo pela aco de uma dinmica interna,

    reflexos de mutaes gerais, invenes pessoais ou do grupo, etc.

    A grande diversidade de estilos de vida e de composies familiares

    constituem, assim, elementos determinantes.

    Em suma, o espao domstico sofre mutaes constantes impostas por

    diferentes culturas, realidades geogrficas, recursos econmicos e necessidades, por

    factores que afectam a vida do ser humano.

    14

    Although the uses that a home must fulfill - cooking, personal hygiene, interaction with other people, etc. - remain the same as ever, the solutions for tackling them are now very different and diverse; DAAB. House Design. 2006, p. 4. 15

    OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. GALHANO, Fernando. Arquitectura Tradicional Portuguesa. 2000, p. 367.

  • 21

    Desta forma, no ser possvel encontrar uma definio para como deve ser e

    funcionar o espao domstico, sendo que a casa concebida - e elaborada - com

    muitas consideraes em mente.16

    Dois pontos de partida, essenciais em qualquer caso, so o conforto fsico e o

    bem-estar, ou seja, conforto psicolgico, necessidades humanas que devem ser

    satisfeitas.

    Esta percepo de conforto como um dos elementos primrios principais no

    espao domstico tomada em considerao j desde o sculo XIX, como demonstra

    Barbara Lane17, ao mencionar que o conforto e a etiqueta suavizavam os defeitos do

    carcter humano e que a inteno era transmitir a domesticidade atravs do

    conforto O termo conforto designa a presena de uma famlia mais centrada em si

    mesma

    No obstante, a ideia de conforto domstico sofreu mudanas ao longo da

    histria, como referido por Witold Rybczynski18, em grande medida como resultado

    dos avanos da tecnologia, difundidos na habitao, tanto qualitativa como

    quantitativamente.

    Estes avanos tecnolgicos domsticos tm conduzido a alteraes nas

    deslocaes, mobilidade, desenvolvimento pessoal e relacionamento entre os

    indivduos, ao impulsionarem formatos inovadores, mais eficientes e confortveis para

    a realizao das tarefas.

    A tecnologia permite a insero de novas infra-estruturas na casa, sistemas e

    aparelhos que, por sua vez, permitem a automao e a auto-suficincia, trazendo

    consigo novos modelos de habitaes flexveis.

    16

    A house is conceived - and drawn up - with many considerations in mind.; DAAB. Ibid, p. 4. 17

    The intention was to convey domesticity through comfort The term comfort designates the presence of the more family-centered; LANE, Barbara Miller, ed. Ibid, p. 153. 18

    RYBCZYNSKI, Witold. La casa: Historia de una idea. 1989, p. 222.

  • 22

    Os valores conferidos a cada espao pelos habitantes so, assim, reflectidos

    nas actividades desenvolvidas nos mesmos.

    O espao domstico, a sua organizao e configurao esto directamente

    relacionados com as ligaes sociais e as utilizaes ocorridas nele, o mobilirio,

    objectos e a sua disposio nas reas, tecnologia domstica e, como tal, necessrio

    analisar estes factores para ser possvel compreend-lo, os quais faro parte

    integrante dos prximos captulos deste trabalho.

  • 23

    1.3. O DESPONTAR DA EVOLUO DO ESPAO DOMSTICO NA ERA PS-

    INDUSTRIAL: A MECANIZAO E AS PROPOSTAS FEMINISTAS

    1.3.1. A REVOLUO INDUSTRIAL NO ESPAO DOMSTICO

    A Revoluo Industrial, que ocorreu no final do sculo XVIII, marcou um

    momento de mudana e transformao na estrutura econmica e social dos pases e

    dos que mais tarde foram sujeitos aos efeitos da revoluo.

    O aparecimento de novas fontes de energia e a aplicao de novas tcnicas na

    indstria e nos transportes alterou grandemente os processos de produo e as

    formas de viver, desde a inveno da mquina a vapor, explorao do carvo, no

    final do sculo XVIII, at introduo da electricidade e do motor de exploso, no final

    do sculo XIX e incios do sculo XX.

    Por conseguinte, foi possvel a passagem da produo artesanal para a produo em

    srie.

    A expanso das indstrias em zonas urbanas desencadeou um xodo rural

    muito repentino para as mesmas, em busca de trabalho e de melhores condies de

    vida. Esta repentina intensificao de populao incitou a urgente e veloz edificao

    de agrupamentos de habitaes, resultando na falta de infra-estruturas e

    planeamento dbil, que por sua vez conduziram a baixos nveis de higiene e

    salubridade.

    No entanto, a distribuio por rede da gua e dos esgotos a partir do terceiro

    quartel do sculo XIX19, primeiramente aplicada em habitaes das classes altas, foi

    um grande promotor de melhoria na qualidade de vida, permitindo no s uma

    melhor higiene, mas tambm o aquecimento da casa atravs dos sistemas de

    canalizao e caldeiras e lavagem da roupa no interior e no ao ar livre.

    Do mesmo modo, os equipamentos sanitrios comearam a ser colocados em reas

    prprias, j que at a a sua portabilidade possibilitava a sua colocao em qualquer

    espao da habitao.20

    19

    CUNCA, Raul. Territrios Hbridos. 2006, p. 64. 20

    Estes objectos eram portteis e as banheiras e lavatrios encontravam-se, geralmente, nos quartos de dormir ou de vestir.; Ibid, p. 64.

  • 24

    Desta forma, a tipologia de organizao das vrias reas da casa modificou-se

    ao incluir novas divises, como a casa de banho, e reduzindo as dimenses de outras

    zonas ao distribuir as funes, como a cozinha.

    Para alm da distribuio da gua por rede pblica e da implementao de

    infra-estruturas para os esgotos, tambm a electricidade participou na melhoria da

    vida domstica, permitindo a substituio da iluminao a gs, difundida na maioria

    das habitaes nas primeiras dcadas do sculo XX21, pela elctrica, utilizada pelas

    populaes na segunda metade do sculo XX22, menos dissipadora de calor e de

    gases txicos, e equipamentos domsticos que funcionavam a lenha e gs por

    electrodomsticos, facilitando as tarefas domsticas e concedendo conforto e

    saneamento aos habitantes.

    21

    Ibid, p. 68. 22

    Ibid, p. 81.

  • 25

    1.3.2. A RACIONALIZAO DO ESPAO DOMSTICO

    Em simultaneidade com a Revoluo Industrial, grandes alteraes sucederam

    no que respeita s relaes de trabalho nas sociedades. O nmero de mulheres

    empregadas na indstria aumentou significativamente, e a mulher passou a ter

    mltiplos encargos, com os afazeres domsticos e a famlia para cuidar, para alm do

    trabalho remunerado, exterior ao espao domstico.23

    No mbito do planeamento habitacional, algumas mulheres contriburam com

    propostas inovadoras, econmicas, de organizao e gesto do espao domstico,

    onde o trabalho era aliado a comodidade, destacando-se as norte-americanas.

    Catherine Beecher, professora norte-americana e escritora, encetou as novas

    experincias de racionalizao domstica, lanando, em 1831, o seu primeiro livro The

    Elements of Mental and Moral Philosophy, no qual premiava as qualidades e direitos

    da mulher.

    Em 1841 escreveu Treatise on Domestic Economy, For the Use of Young Ladies

    at Home and at School, um grande sucesso no s entre as donas de casa mas tambm

    como manual escolar, onde abordou o tema da gesto da casa e centrou a ateno na

    cozinha, atravs do seu primeiro projecto de habitao, com uma planificao repleta

    de invenes mecnicas24 , apesar de convencional no contexto espacial e de

    planificao da casa.

    Beecher apresentou os espaos interiores da casa com economia de espao,

    com uma sala de estar e uma sala de jantar na parte dianteira da casa, apoiada por

    uma srie de espaos pequenos e independentes, incluindo quartos minsculos,

    armrios e cozinha25, e incluiu uma srie de inovaes prticas, como gavetas para

    toalhas e para o detergente debaixo do lavatrio, uma superfcie de trabalho

    23

    Tal como corroborado por Dolores Hayden, a industrializao aliciou as mulheres envolvncia na economia nacional, no apenas como consumidoras, mas tambm como trabalhadoras assalariadas nas fbricas, lojas e escritrios, originando mobilizaes e lutas feministas, em busca de novos valores sociais e morais, direitos e igualdades, na segunda metade do sculo XIX.; HAYDEN, Dolores. The Grand Domestic Revolution: A History of Feminist Designs for American Homes, Neighborhoods, and Cities. 1981, p. 12. 24

    Ibid, pp. 55-57. 25

    Ibid, p. 57.

  • 26

    continuada com prateleiras em cima, portas corredias de vidro26, e ainda camas

    colocadas em pequenas alcovas de modo a economizar espao.

    Esta economia dos espaos interiores por Beecher permitia um incremento de

    conforto na realizao das tarefas domsticas, associado maior facilidade e menor

    tempo gasto a cuidar da casa. 27

    A inteno primordial da autora era, portanto, rentabilizar o trabalho

    domstico atravs de uma racionalizao da casa.

    No ano de 1869, a autora editou, em conjunto com a sua irm, Harriet Beecher

    Stowe, a obra The American Womans Home, onde, para alm de avaliar o respeito e

    igualdade entre homens e mulheres, no tema do trabalho e actividades dentro e fora

    de casa, expe dois novos projectos de habitao.28

    A primeira casa, designada para o meio suburbano, era constituda por trs

    pisos, sendo que, no centro fsico do edifcio e atravessando os trs pisos, estavam

    colocados os equipamentos tcnicos, que definiam um plano de simetria da casa,

    delimitando dois espaos amplos, em cada piso.

    Deste modo, os espaos da casa e as actividades desenvolviam-se em redor deste

    centro funcional, concentrando diversos servios e libertando, dessa forma, grande

    parte da superfcie para outras actividades domsticas.29

    No piso trreo, junto ao centro dos equipamentos tcnicos e da chamin,

    situava-se uma pequena diviso dedicada ao fogo, com portas de correr

    envidraadas, para manter o calor e os odores afastados da cozinha, disposta em

    frente. 26

    cajones para los paos y para el detergente debajo del lavadero, una superficie de trabajo continuada con sitios para guardar cosas por abajo y vasares por arriba, con la cocina en s separada del resto de la zona de trabajo por puertas correderas de cristal.; RYBCZYNSKI, Witold. La casa: Historia de una idea. 1989, p. 165. 27

    Os planos de Beecher foram includos em cinco pontos fundamentais na construo de uma casa, enunciados no seu manual: economia de trabalho, economia de dinheiro, economia de sade, economia de conforto e bom gosto; BEECHER, Catherine. A Treatise on Domestic Economy.1856, p.258. 28

    Nestes projectos era proposto que casas pequenas e econmicas garantam a maioria dos requintes das casas maiores e mais caras, sendo que, o objectivo principal mostrar como o tempo, trabalho e gastos so economizados, no apenas no edifcio mas tambm no mobilirio e sua organizao.; BEECHER, Catherine E. STOWE, Harriet B. The American Womans Home: or, Principles of Domestic Science. 1869, p. 25. 29

    A casa estava ainda munida com sistemas de canalizao para a gua, aquecimento, renovao do ar, iluminao a gs e esgoto.; CUNCA, Raul. Ibid, p. 130.

  • 27

    Esta diviso era pouco maior que a do fogo, permitindo fcil deslocao e

    alcance dos inmeros armrios e gavetas com diversos utenslios de cozinha,

    alimentos e artigos de limpeza, que libertavam espao na bancada. Os elementos

    foram posicionados em locais estratgicos a fim de facilitar todas as operaes e

    tarefas realizadas.

    Uma ampla diviso, adjacente cozinha por uma das laterais, servia de sala de

    estar e outra, do lado oposto, tinha funo dupla, sendo ocupada como sala de jantar

    ou como quarto de visitas. A diviso destas duas reas era realizada atravs de um

    painel/mvel com rodas, que incorporava armrios e guarda-fatos num dos lados e

    podia ser deslocado conforme o espao pretendido para cada tarefa. 30

    O piso superior era constitudo por dois amplos quartos, correspondentes s

    salas do piso de baixo. Beecher deu novamente importncia economia de espao,

    disponibilizando, nas laterais dos quartos, mveis para arrumao.31

    Fig. 2. Planta da cave e do piso trreo, respectivamente, da casa suburbana, concebida por Catherine

    Beecher e Harriet Beecher Stowe em The American Womans Home, 1869.

    30

    De acordo com a anlise de Cunca, esta soluo demonstrava a inteno, j anteriormente mencionada, de adaptar os compartimentos a diferentes ocupaes, no qual o mobilirio constitua o primordial elemento gerador da transformao.; CUNCA, Raul. Ibid, p. 132 31

    Relativamente Iluminao da cave, era efectuada atravs de portas envidraadas e era dividida novamente em duas grandes reas, uma reservada a lavandaria, outra de armazenamento e conservao dos alimentos, contendo um armrio refrigerante. Os alimentos e a gua do reservatrio eram transportados para o andar superior com recurso a um elevador e a uma bomba, respectivamente; Idem.

  • 28

    A segunda casa concebida por Beecher, neste livro, foi um apartamento de

    cidade, destinado classe mdia, constitudo por trs divises fundamentais: a sala, a

    cozinha e o quarto.

    A diviso que se destacava mais pela avultada dimenso e pelas vrias funes que

    agregava (repouso, refeies e biblioteca), a sala, inclua uma mesa de jantar prxima

    da cozinha, de forma a minimizar o tempo das movimentaes, dois divs no centro

    do espao, um sof que servia tambm a funo de cama, diversos armrios

    encostados s paredes, e vrias portas corredias que, semelhana das divisrias da

    casa anterior, continham, num dos lados, ganchos, prateleiras e caixas de arrumao e

    formavam elo de ligao com a cozinha, vedando-a.

    A cozinha apresentava meios de arrumao e organizao semelhantes aos do

    modelo anterior, alterando-se apenas a condio do fogo, que passou a fazer parte

    desta diviso, apresentando dimenses mais reduzidas.

    Finalmente o quarto, para alm da sua funo intrnseca, englobava os

    equipamentos sanitrios, permitindo rentabilizar o espao interior.32

    Fig. 3. Planta do apartamento de cidade, concebida por Catherine Beecher e Harriet Beecher Stowe em The American Womans Home, 1869.

    32

    Todavia, esta distribuio poderia conduzir a consequncias prejudiciais do ponto de vista da salubridade e inerente intimidade requeridas para esta diviso.; CUNCA, Raul. Ibid, p. 133

  • 29

    Desta forma, possvel verificar que, quer na planta da casa inserida no meio

    suburbano (Fig.2), de dimenses um pouco superiores, quer na planta inserida na

    cidade (Fig.3), de dimenses mais reduzidas, a maior preocupao de Beecher foi a

    criao de estratgias de planeamento domstico que facilitassem as tarefas

    domsticas e que rentabilizassem espao e tempo, aplicando elementos mveis, como

    as divisrias na primeira casa e as portas corredias na segunda, e posicionando os

    equipamentos no espao de acordo com as sequncias realizadas nas tarefas, como o

    fogo prximo da bancada de trabalho, ou a mesa de jantar prxima da cozinha.

    Na segunda dcada do sculo XX, outra norte-americana, Christine Frederick

    elaborou artigos e livros sobre gesto domstica eficiente, dirigidos a mulheres da

    classe mdia, influenciada por tcnicas industriais.

    Em 1913, foi publicado o seu livro The New Housekeeping, Efficiency Studies in

    Home Management, onde exprimia as suas preocupaes com o tempo despendido

    nas movimentaes na cozinha, ao reflectir sobre as suas dimenses, a localizao e

    arrumao dos seus componentes, a iluminao e ao propor novas formas e materiais

    para os utenslios, de forma a poupar energia e aumentar a sua resistncia.33

    Em 1915, foi editado o seu segundo livro, Household Engineering, Scientific

    Management in the Home, desta feita com projectos e ilustraes de casas.

    Uma das plantas apresentadas foi analisada segundo duas propostas para a colocao

    dos equipamentos e resultantes percursos a realizar para cozinhar e para a lavagem,

    uma eficiente e outra ineficiente.

    No espao eficiente, os equipamentos foram agrupados de acordo com as suas

    funes e colocados em L, concentrando os movimentos numa rea reduzida e

    melhorando o desempenho, ao contrrio do outro modelo cujos equipamentos foram

    dispostos sem ordem lgica. 33

    A eficcia das solues prticas da cozinha, para Frederick, residia na correcta disposio dos elementos e, desse modo, definiu dois nveis de actividades domsticas: a preparao das refeies e a lavagem-arrumao. CUNCA, Raul. Ibid, p. 137

  • 30

    Para Frederick, a reduo do nmero de horas necessrias para limpar a casa,

    para cozinhar ou para lavar permitiria s mulheres libertar-se, definitivamente, do seu

    isolamento domstico34, isto , da rapidez da execuo das tarefas assomaria tempo

    livre para a realizao de outras actividades, no interior ou no exterior da habitao.

    Assim, possvel verificar que as ideias de Frederick coincidiram com as de

    Beecher na medida em que ambas determinaram solues para a racionalizao das

    tarefas domsticas. A planta da cozinha eficiente de Frederick (Fig.4) demonstra ter

    sido aquela que ganhou maior difuso, na medida em que o seu modelo de

    organizao semelhante aos utilizados actualmente, em habitaes urbanas,

    dispondo o fogo e o forno na proximidade ou seguimento da bancada, do frigorfico e

    dos armrios de arrumao de utenslios e aparelhos de confeco de alimentos.

    As suas experincias foram mais tarde determinantes para o aperfeioamento

    funcional da diviso da cozinha.35

    Fig. 4. Plantas das cozinhas ineficiente ( esq.) e eficiente ( dir.), concebidas por Christine Frederick em

    Household Engineering, Scientific Management in the Home, 1915.

    34

    la reduccin del nmero de horas necesarias para limpiar la casa, para cocinar o para lavar permitira a las mujeres liberarse, definitivamente, de su aislamiento domstico; RYBCZYNSKI, Witold. Ibid, p. 176. 35

    Em Portugal, neste sector, a promotora portuguesa foi Maria Jos Canuto, com a sua rubrica Noes de Economia Domstica, principiada em 1883, onde apresentava propostas dirigidas classe mdia, de organizao da casa, tarefas e actividades familiares. A gesto econmica e do tempo e a limpeza da casa eram os pontos de partida para as reflexes sobre todas as questes domsticas; CUNCA, Raul. Ibid, pp. 148,149.

  • 31

    1.3.3. O ESPAO DOMSTICO MODERNO

    O Movimento Moderno, que conquistou relevncia no incio do sculo XX,

    contou essencialmente com arquitectos e designers que preconizavam o

    funcionalismo, sendo que o conceito de funo nutriu a maior importncia para

    determinar o significado dos espaos e dos produtos e interligava-se directamente

    forma dos mesmos.

    No contexto moderno, o ambiente domstico exigia plantas flexveis com

    fluidez nas sequncias das divises que eram adaptadas a uma variedade de usos, ou

    com a ajuda de objectos interiores multifuncionais.36 Tambm os materiais a aplicar

    deveriam ser ajustados aos usos e a beleza deveria ser apenas o resultado de uma boa

    construo e funcionamento.

    Nos anos que antecederam a Grande Guerra, e na sequncia da Revoluo

    Industrial, a Estandardizao37 surgiu como indispensvel no processo de produo em

    srie e em massa, racionalizada, e marcou um ponto de viragem na indstria.

    Henry Ford principiou a aplicao destas tcnicas na criao de automveis, em

    linhas de montagem, ao acoplar padres de peas semelhantes entre vrios modelos,

    utilizando o mesmo sistema de medio para todas as partes 38, no processo

    produtivo.

    Tal como denota James Womack39, as novas tcnicas de Ford reduziriam

    significativamente os custos, aumentando a qualidade dos produtos. Deste modo, foi

    possvel conferir grande qualidade produo, incrementando a eficincia e

    produtividade.

    36

    flexible floor plans with flowing room sequences that were adaptable to a variety of uses, or with the help of multi-functional interior objects; VITRA DESIGN MUSEUM. Ibid, p. 12. 37

    Atravs da Estandardizao, componentes standard podiam ser acoplados com poucos ou nenhuns ajustamentos, e intermutveis entre produtos.; FIELL, Charlotte & Peter. Design do Sculo XX. 2005, p. 661. 38

    Ford insisted that the same gauging system be used for every part all the way through the entire manufacturing process; WOMACK, James P. JONES, Daniel T. ROOS, Daniel. The Machine That Changed the World. 1990, p. 27. 39

    Ford's new techniques would reduce costs dramatically while increasing product quality; Ibid, p. 26.

  • 32

    Na habitao, a estandardizao permitiu do mesmo modo a sua produo em

    srie com o emprego de elementos pr-fabricados, no s a nvel de espaos como

    tambm de equipamentos.

    A produo em srie possibilitou grande variedade de modelos e

    equipamentos. A esta ideia associam-se, igualmente, os novos materiais e tcnicas de

    construo que possibilitaram ambientes ligeiros, funcionais, sendo a simplicidade

    uma das principais caractersticas.40

    Um dos arquitectos que mais valorizou a simplicidade pura nos interiores

    domsticos, associando-a a ambientes confortveis e rejeitando a aplicao de

    ornamentos, foi Adolf Loos.41 Em 1908, no ensaio Ornamento e Delito, o arquitecto

    manifestou a sua opinio, referindo que o ornamento fora de trabalho

    desperdiada e, por isto, sade desperdiada. Hoje, alm disso, significa tambm

    material desperdiado e, ambas as coisas significam capital desperdiado42, isto ,

    para alm do consumo desnecessrio de recursos naturais, era exigido mais trabalho

    populao e, consequentemente, menos sade.

    Com os mesmos ideais, surgiu Peter Behrens43, que concebeu produtos

    elctricos integrando componentes estandardizados, intermutveis entre produtos e

    com solues prticas, simples e racionais, tal como comprova o seu trabalho

    Fig. 5. Chaleira elctrica de lato e cromada a metal, concebida por Peter Behrens e fabricada pela AEG,

    em Berlim, 1908-12.

    40

    CUNCA, Raul. Ibid, p. 187. 41

    Conforme evidencia Leonardo Benevolo, Loos defendia que a arquitectura e artes aplicadas deveriam prescindir de qualquer ornamento, considerado um resduo de costumes brbaros.; BENEVOLO, Leonardo. Historia de la arquitectura moderna. 1999, p. 322. 42

    Ornament is wasted manpower and therefore wasted health... but today it also means wasted material, and both mean wasted capital.; SARNITZ, August. GOSSEL, Peter. Loos. 2003, p. 87. 43

    FIELL, Charlotte & Peter. Ibid, pp. 99-102.

  • 33

    realizado para a empresa alem AEG, em que utilizou materiais e tcnicas recentes.

    Behrens constituiu uma poderosa influncia na associao Deutscher Werkbund, na

    qual foi protagonista, em conjunto com Hermann Muthesius44, entre outros.

    A Werkbund, fundada em 190745, preocupava-se em melhorar a habitao em

    massa, atravs de uma unio entre a produo industrial e a produo artstica,

    contudo, foram as propostas racionais que prevaleceram, eliminando o ornamento e

    destacando o funcionalismo na estruturao da casa, no mobilirio e

    electrodomsticos. Deste modo, iniciou-se a produo de mobilirio estandardizado e

    casas pr-fabricadas.

    Paralelamente, a Deutsche Werksttten46, estabelecida em 1898, por Karl

    Schimdt, em Dresden, foi modelo exemplar na aplicao da estandardizao

    produo de mobilirio, lanando, em 1901, a linha de mobilirio a preo baixo Unit,

    para toda a casa, e iniciando, em 1906, a comercializao de mveis feitos mquina,

    simplificando o processo de montagem e criando ritmo nas superfcies.

    Estes mveis47 destinavam-se a classes com menor poder econmico, tentando

    responder s suas carncias e necessidades, atravs da massificao da produo.

    Seguindo os propsitos da Werkbund, Walter Gropius, um dos seus

    colaboradores, dirigiu, em 191948 na cidade de Weimar, a Bauhaus, uma escola de arte

    que procurava conciliar a produo artesanal com a industrial e usar modelos

    tipologicamente e dimensionalmente estandardizados, em projectos de habitao.

    Adoptou a mxima a forma segue a funo49, popular entre muitos arquitectos e

    designers, na qual linhas simples, superfcies planas, e adequabilidade produo em

    massa50, tal como funcionalidade, eram caractersticas fundamentais.

    44

    Ibid, p. 661. 45

    Ibid, p. 211. 46

    BENEVOLO, Leonardo. Ibid, p. 346. 47

    CUNCA, Raul. Ibid, p. 192. 48

    MONTENEGRO, Riccardo. Guia de Historia do Mobilirio. 1995, p. 178. 49

    Expresso cunhada por Louis Sullivan, ao descrever o mtodo de projectar um arranha-cus. CUNCA, Raul. Ibid, p. 127. 50

    The unifying themes were simplicity of line, plain surfaces, suitability for mass production; KNOX, Paul L. Cities and Design. 2010, p. 122.

  • 34

    A primeira grande exposio da Bauhaus ocorreu em 1923, onde foi

    apresentado um novo conceito de habitao moderna, com a casa Haus am Horn,

    projectada por Georg Muche, com o apoio tcnico de Adolf Meyer.51

    A casa foi construda em ao e beto e baseada em elementos pr-fabricados,

    j que o seu objectivo era a economia e a facilidade de construo.

    A sua planta baseava-se na forma simples de um quadrado, com um ncleo

    central constitudo pela sala principal, iluminada por janelas do pequeno piso superior,

    onde os habitantes permaneciam mais tempo e os visitantes eram recebidos.

    As restantes divises organizavam-se em seu redor, de acordo com a sua

    funo e finalidade, de forma a garantir mxima eficincia, criando ainda uma

    separao entre a zona social e a zona funcional.52

    O equipamento da casa foi concebido nos laboratrios da Bauhaus e a cozinha,

    de dimenses reduzidas, foi da autoria de um estudante, Marcel Breuer. A diviso foi

    organizada de modo a economizar espao, tempo e energia, com as actividades de

    culinria concentradas e os armrios e superfcies montados uniformemente e de

    forma racional. As refeies a confeccionadas eram transportadas para a sala de

    jantar adjacente.53

    Fig. 6. Cozinha concebida por Marcel Breuer, 1923. 51

    MASSEY, Anne. Interior design of the 20th century. 1990, p. 71. 52

    A cozinha e a sala de jantar, ao serem colocadas lado a lado, conseguiam uma interaco directa e o quarto da mulher situava-se entre o quarto do homem e o das crianas, podendo a mulher aceder a este ltimo atravs de uma porta de ligao; CUNCA, Raul. Ibid, p. 204. 53

    O projecto tinha como inteno a sua repetio fcil na construo em srie, contudo, limitou-se a um prottipo e poucos exemplares.

  • 35

    O trabalho de arquitectos, designers e artistas em geral foi interrompido entre

    1914 e 1918, perodo da guerra, no entanto esta foi decisiva para o curso das suas

    ideias, causando mudanas de pensamento e conceitos.54

    A Grande Guerra fez despontar uma exigncia em habitaes funcionais e

    mobilirio barato, especialmente entre a ampla classe operria.

    No ano de 1917, um grupo de artistas fundou o movimento De Stijl,

    denominado de Neoplasticismo, na Holanda.55

    As habitaes do De Stijl eram simplificadas estruturalmente e colocadas em

    mdulos, segundo planos horizontais e verticais e elementos assimtricos, mas

    balanados e rtmicos, numa linguagem geomtrica e universal.

    Similarmente, os espaos interiores tornaram-se mais leves, atravs do escasso

    ornamento, abertos e dinmicos e neles predominavam as cores primrias conjugadas

    com cores neutras, ou seja o preto, branco, vermelho, azul e amarelo, e o mesmo

    aplicando-se ao mobilirio.

    Fig. 7. / Fig. 8. Exterior e Interior da Schreder House, concebida por Gerrit Rietveld, 1924.

    54

    De acordo com Benevolo a exigncia do racional vem a primeiro plano. Contudo no a razo optimista e orgulhosa da poca anterior, mas uma razo humilde e prudente.; BENEVOLO, Leonardo. Ibid, p. 422. 55

    O conceito de habitao foi actualizado, atravs de novas solues para uma vida harmoniosa e equilibrada; MONTENEGRO, Riccardo. Ibid, p. 178.

  • 36

    Theo Van Doesburg foi o seu principal divulgador, a par com Gerrit Thomas

    Rietveld, autor dos projectos mais notrios do De Stijl, destacando-se a sua habitao

    Schreder House, em Utrecht, de 1924, que utilizava sistemas de paredes e de painis

    deslizantes, articulados entre si, para determinar os espaos56, semelhana das

    divisrias Christine Frederick, concedendo grande flexibilidade na organizao e

    circulao dentro da habitao.

    O mobilirio de Rietveld era simples, abstracto e ideal para o fabrico em srie,

    resultando da unio de componentes quadrados e planos, como a cadeira Red/Blue ou

    a cadeira Zig-Zag, composta por apenas quatro elementos, ambas concretizadas em

    madeira. A caracterstica movvel das suas peas permitia a organizao nos espaos

    segundo as diferentes actividades realizadas e transformaes dos mesmos.57

    A nomenclatura geomtrica e formal da casa Schreder constituiu uma

    inspirao para o mobilirio concebido na Bauhaus por Marcel Breuer e pelo

    arquitecto suo Mies van der Rohe, em metal tubular, um material notvel pela sua

    resistncia, maleabilidade, baixo preo e higiene.

    Fig. 9. / Fig. 10. Cadeira Zig-Zag de Rietveld, 1932-1934 / Cadeira Wassily de Breuer, 1925.

    56

    A casa foi concebida no apenas para viver, mas tambm para trabalhar. No primeiro andar os sistemas de paredes e de painis deslizantes demarcavam os diversos espaos de estar, dormir e trabalhar, deixando-os abertos ou cerrando-os conforme as necessidades dos habitantes e proporcionando autonomia e diversidade de funes a cada um. As reas de estar, por exemplo, permutavam com os quartos quando os sofs se convertiam em camas e vice-versa. J no piso trreo cada diviso tinha uma ocupao especfica; CUNCA, Raul. Ibid, p. 222. 57

    Na casa Schreder, em suma, uma grande variedade de funes foram combinadas, criando uma quase inseparvel unio do mobilirio e arquitectura.; VITRA DESIGN MUSEUM. Ibid, p. 97.

  • 37

    Destacaram-se a poltrona Wassily, de Breuer, em 1925, leve, discreta, com estrutura

    elstica em ao cromado tubular e o assento, braos e costas em couro, uma cadeira

    formada por apenas uma pea em tubo de ao, criada por ambos, e a cadeira

    Barcelona em ao e couro, produzida por Mies, para a Exposio Mundial de 1929, em

    Barcelona.

    As prticas de Mies van der Rohe tiveram continuidade, ao dirigir a exposio

    de habitao moderna de Estugarda, Weissenhof Siedlung, em 1927.

    Nesta proposta da Deutscher Werkbund, foi apresentado um projecto urbano de

    bairro habitacional, constitudo por 21 modelos de moradias concebidas por diversos

    arquitectos modernos, incluindo o prprio Mies58, Le Corbusier59, Behrens e Gropius.

    As habitaes integraram modelos perfeitamente ilustrativos dos atributos do De Stijl

    e das ideias de Adolf Loos, na geometria, ausncia de ornamento e nfase na utilizao

    dos espaos, para alm da aplicao de mobilirio tubular.

    Fig. 11. Edifcio Habitacional de Mies van der Rohe, Estugarda, 1927.

    58

    Mies desenhou o maior edifcio de apartamentos, de trs andares, com plantas variadas para maior liberdade de escolha dos moradores e cuja organizao interna separava e agregava as divises privadas, das sociais e dos servios; BENEVOLO, Leonardo. Ibid, p. 495. 59

    As residncias de Estugarda, criadas por Le Corbusier, foram uma consolidao dos seus princpios divulgados ao longo da dcada de 20 em artigos e livros e aplicados em projectos inovadores; Idem.

  • 38

    Em 1925, ocorreu, em Paris, a Exposition Internationale des Arts Dcoratifs et

    Industriels Modernes60, onde se evidenciou um novo estilo artstico intitulado de Art

    Dco, de inspirao clssica, orientado para questes estilsticas e decorativas, e,

    simultaneamente, para o funcionalismo e tecnologia industrial.61

    Le Corbusier foi o responsvel pelo desenho do pavilho do LEsprit Nouveau,

    apresentado na exposio, planeado segundo a estandardizao, como uma unidade

    possvel de se agregar a outros mdulos, formando edifcios de apartamentos,

    intitulados pelo autor de Immeuble-villas.62

    Alguns anos mais tarde, em 1928, Le Corbusier projectou a Villa Savoye,

    estabelecida segundo os seus Cinco Pontos de Arquitectura63, um conjunto de ideias

    base fundamentais na construo de habitaes, no seu ponto de vista.

    Fig. 12. Pavilho do LEsprit Nouveau, concebido por Le Corbusier para a Exposio de 1925.

    60

    Exposio Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas; MASSEY, Anne. Ibid, p. 91. 61

    A Art Dco identificou-se pelas formas elegantes e slidas, de cores vivas e decoraes ricas com uma linha simplificada quer no mobilirio quer nos objectos, utilizando quer materiais raros e preciosos, quer os mais comuns; MONTENEGRO, Riccardo. Ibid, p. 168. 62

    O pavilho compreendia dois andares, isentos de decorao, com amplas janelas em toda a altura e divididos numa zona interior e outra exterior, com um terrao amplo, aumentando a percepo do espao da casa e contendo tambm vegetao, qual Le Corbusier chamou de jardim suspenso. Inclua ainda mobilirio produzido em massa, como cadeiras Thonet e outras estofadas e armazenamento modular, economizador de espao, designados de casiers standard, os quais, conforme a descrio de Jos Lamas, consistem em armrios multicolores constitudos por mdulos equipados com prateleiras, portas, vitrinas ou gavetas que se podem combinar de inmeros modos: pendurados nas paredes, pousados no cho ou servindo para dividir interiores.; LAMAS, Jos. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. 1993, p. 180. 63

    Benevolo enumera os elementos correspondentes a estes cinco pontos, sendo eles: Pilotis, Terraos-Jardim, Planta Livre, Janela em Comprimento e Fachada Livre.; BENEVOLO, Leonardo. Ibid, pp. 461,462.

  • 39

    Fig. 13. Villa Savoye, concebida por Le Corbusier, 1928.

    Os Pilotis, pilares de beto armado, suspendiam a casa no ar; os Terraos-

    jardim, colocados no telhado e acedidos atravs de uma rampa, compensavam a rea

    verde consumida pelo edifcio; a Planta-livre, sem necessidade de paredes,

    economizava o espao, permitindo melhor gesto do mesmo; a Janela em

    Comprimento, relevante para a iluminao, alongava-se a toda a fachada da casa; e a

    Fachada Livre, solta de apoios, j que os pilares recuavam em direco ao interior da

    casa, libertando uma vasta rea sob o edifcio.64

    Outro projecto assinalado pelos seus planos livres, dispensados de paredes, foi

    a casa Tugendhat, de Mies van der Rohe, desenvolvida entre 1928 e 1930 e composta

    por trs pisos, com janelas de vidro do piso ao tecto. 65

    Inversamente Bauhaus, o seu mobilirio em metal e outros materiais de luxo como o

    mrmore tiveram propsitos estticos, destinando-se a clientes cultos.

    64

    Le Corbusier reflectia sobre as actividades, aces e necessidades humanas dentro da casa, fundamentais na sua concepo e dos seus equipamentos. Do mesmo modo, exclua objectos de decorao, suprfluos; BENEVOLO, Leonardo. Ibid, pp. 462,463. 65

    A cave estava reservada a instalaes utilitrias, o piso trreo a reas sociais, cozinha, terrao, jardim de Inverno e aposentos dos empregados e o piso superior entrada principal e quartos. No interior, a nfase estava na sala de estar, um amplo espao aberto, que abrangia uma zona de livraria-estudo e uma rea de jantar e que continha pesadas cortinas de veludo, isolando-a acstica e visualmente; PILE, John. A History of Interior Design. 2005, p. 333.

  • 40

    Similarmente, as janelas salientavam-se na fachada da casa, pelas suas grandes

    dimenses e pela possibilidade de serem recolhidas atravs de meios mecnicos para

    o cho, deixando o espao totalmente aberto ao exterior.66

    Desta forma, possvel verificar o esforo realizado pela insero de tecnologia

    e elementos tecnolgicos no projecto da casa Tugendhat, atravs da aplicao de

    mecanismos sofisticados, concedendo mobilidade e, simultaneamente, funcionalidade

    e conforto habitao, atravs de componentes de iluminao e arejamento e de

    espaos amplos.

    Fig. 14 / Fig. 15.Vista exterior e interior da casa Tugendhat de Mies van der Rohe, Brno, 1928-1930.

    Fig. 16 / Fig. 17. Plantas da casa Tugendhat de Mies van der Rohe, Brno, 1928-1930.

    66

    Idem.

  • 41

    Na dcada de 1930, alguns arquitectos e designers rejeitavam o uso de pilotis e de

    blocos regulares caractersticos do Movimento Moderno67, e todas as restries

    estabelecidas neste estilo, como retratou, por exemplo, Frank Lloyd Wright, na casa

    Falling Water, em 1936.68

    Posteriormente, a particularidade da verticalidade da Art Dco foi substituda

    pela linha horizontal69, e simultaneamente surgiu um novo movimento na Amrica,

    o Streamlining, protagonizado por Norman Bel Geddes, Walter Dorwin Teague,

    Raymond Loewy e Henry Dreyfuss, entre outros.

    Neste estilo, o aerodinamismo era a particularidade fulcral. Por conseguinte, os

    aspectos visuais prevaleciam sobre os funcionais.70

    O conceito comeou por estar presente nos transportes, mas foi tambm

    aplicado a objectos, electrodomsticos e mobilirio domstico.71

    No perodo precedente Segunda Guerra Mundial, a habitao restringiu-se

    s condies mnimas de acordo com um determinado nvel de vida e os bairros

    residenciais resultavam da repetio de clulas normalizadas72, distribudas em vrios

    andares em construes densas, ou em elementos pr-fabricados.73

    67

    Frank Lloyd Wright and other American designers could not accept the restrictions of the Modern Movement, rejecting its characteristic use of pilotis and regular blocks; MASSEY, Anne. Ibid, p. 85. 68

    A Falling Water incorporava elementos orgnicos, como paredes de pedra, grandes janelas comunicando com a natureza, e mobilirio e objectos em madeira. Ainda assim, a estrutura foi edificada em beto, simplificada, sem adornos, incluindo caractersticas do modernismo; PILE, John. Ibid, pp. 375,376. 69

    The vertical so characteristic of Art Deco was to give way to the horizontal line during the 1930s; MASSEY, Anne. Ibid, p. 109. 70

    Existem, no entanto, consideraes relativas ao estilo como estratgia empresarial para incrementar a venda dos produtos industriais depois da depresso econmica que afectou os EUA em 1929, isto , cativar o consumidor atravs de formas elegantes, com arestas e cantos arredondados, materiais fulgurantes como o metal ou elementos cromados adaptados ao mobilirio j existente, estilizando-o novamente e renovando a sua aparncia; CUNCA, Raul. Ibid, pp. 165, 166. 71

    De acordo com Brunt alguns espritos mais aventureiros da dcada de 1930 quiseram imitar o estilo de vida moderno da dcada de 1920. Apareceu assim um Modernismo mais barato.; BRUNT, Andrew. Ibid, p. 234. 72

    La funcin de habitar se reduca a los mnimos trminos compatibles con un determinado nivel de vida y los barrios residenciales resultaban de la repeticin de clulas normalizadas; BENEVOLO, Leonardo. Ibid, p. 691. 73

    A habitao pr-fabricada englobava planeamento simples e flexvel, permitindo uma fcil adaptao dos seus habitantes ao espao e s actividades domsticas realizadas.

  • 42

    Fig. 18. Fogo em chapa metlica, concebido por Norman Bel Geddes, 1933.

    Fig. 19. Frigorfico em porcelana sobre ao e alumnio, concebido por Raymond Lowey, 1935.

    Fig. 20. Telefone Type 300, concebido por Henry Dreyfuss para a Bell Telephone Corporation, 1937.

    Gropius foi um dos arquitectos que se dedicou a projectos de casas pr-

    fabricadas, defendendo que as tcnicas de construo modular ofereciam sociedade

    benefcios econmicos e estticos.74

    Contudo, foi o norte-americano Buckminster Fuller que avanou na inovao do

    espao domstico com o projecto Dymaxion House, em 1927.75

    A Dymaxion, semelhana da Casa 4D, que idealizou no mesmo ano e reportando s

    ideias de Beecher, inclua uma coluna central que suportava a restante estrutura, em

    alumnio, onde se encontravam os equipamentos tcnicos e sistemas de canalizao. A

    planta hexagonal permitia uma maior unio com a natureza circundante.76

    No incio da dcada de 1940, Fuller desenhou uma habitao de nome

    Dymaxion Deployment Unit, constituda por duas clulas cilndricas justapostas, em

    ao galvanizado, e cobertura cnica, e destinada ao alojamento de famlias precrias,

    devido ao ambiente instvel da guerra e utilizada tambm por militares no decorrer da

    mesma.

    74

    Gropius maintained that modular building techniques offered society economic and aesthetic benefits; VITRA DESIGN MUSEUM. Ibid, p. 326. 75

    A designao deriva de dinmico (dynamic), io (ion) e mximo (maximum), pressupondo eficincia mxima, pois a sua inteno foi de conseguir o mximo com o mnimo.; FIELL, Charlotte & Peter. Ibid, p. 261. 76

    Apoiando-se no desenvolvimento tecnolgico e cientfico como via para a produo de sistemas de suporte de habitao eficientes, centrou-se no uso de recursos naturais e materiais ecolgicos, reciclveis e leves, de modo a obter mais desempenho e custos acessveis e, ao mesmo tempo, conceder conforto e proteco aos habitantes. Identicamente, o transporte, montagem dos componentes e resistncia a fenmenos naturais foram consideraes a ter na concepo; Idem.

  • 43

    Em 1946, Fuller apresentou uma verso aperfeioada da Dymaxion, a Wichita

    House, e em 1948 desenvolveu o Standard of Living Package, no qual os equipamentos

    da casa, para serem transportveis, eram compactados e colocados num contentor

    que servia tambm de pavimento aquando da sua instalao. Depois de montada,

    aplicava-se uma cobertura em plstico transparente.

    Os projectos de Fuller abraavam a noo de efmero, em simultneo com a

    estandardizao que proporcionava economia, flexibilidade e rapidez.

    Fig. 21 / Fig. 22. Casa Dymaxion de Fuller. Maqueta, Alado e Planta, 1929 e bloco de banho, 1938.

    Fig. 23 / Fig. 24. Planta e unidades da Dymaxion Deployment Unit de Buckminster Fuller, 1940.

  • 44

    1.3.4. O ESPAO DOMSTICO MODERNO DO PS-GUERRA

    Durante o perodo da Segunda Guerra Mundial, a produo para o espao

    domstico foi restringida a nvel de matrias-primas, j que as fbricas davam

    prioridade produo militar.

    Os esforos realizados, em investigaes, para responder quer s necessidades dos

    consumidores a nvel de habitao e de produtos, quer produo de guerra, na

    tentativa de encontrar materiais sintticos, leves e fortes e, simultaneamente, de

    moldagem fcil e rpida77, adequados utilizao pelas foras armadas, resultaram

    sobretudo no desenvolvimento do plstico.

    As tcnicas e os materiais explorados durante a guerra foram mais tarde

    aproveitados para a indstria, na concepo de produtos inovadores, conferindo-se

    particular importncia ao plstico, pelas suas propriedades maleveis e exuberncia

    visual.

    Nos espaos interiores, os materiais naturais foram substitudos por elementos

    moldados em matrias plsticas, como o vinil em pavimentos, a melanina em

    superfcies de balces e o plstico reforado de fibra de vidro em cadeiras

    curvilneas78, para alm das madeiras, metais e borracha de espuma, que foram

    aperfeioados e melhorados.79

    Aps o trmino da Segunda Guerra Mundial, emergiram novas necessidades

    habitacionais decorrentes do ambiente de instabilidade causado, sendo que, numa

    sociedade de consumo emergente nos anos de 195080, o apelo foi por espaos e

    mveis simples, leves e funcionais. Desta forma, a soluo foi a construo rpida e de

    baixos custos, no sentido de uma recuperao eficaz, reduzindo o tamanho das

    habitaes e utilizando mveis embutidos em substituio de outros.

    77

    BRUNT, Andrew. Ibid, p. 235. 78

    As novas indstrias forneciam os materiais e as tcnicas para a criao de um ambiente limpo e sinttico.; DORMER, Peter. The New Furniture. 1987, p. 24. 79

    Conjuntamente, a fonte de luz e de ar natural foi substituda pela iluminao fluorescente (em certas divises) e por sistemas de ar condicionado, permitindo a reduo ou eliminao de janelas; PILE, John. Ibid, pp. 387, 388. 80

    VITRA DESIGN MUSEUM. Ibid, p. 116.

  • 45

    Identicamente, surgiram os produtos descartveis, que incentivavam o consumo e

    contribuam para um aumento constante da produo e crescimento econmico.

    Em 1948 o designer Charles Eames, apresenta a sua cadeira de baixo custo

    DAR, o primeiro mvel em plstico a ser produzido em massa.81

    Paralelamente, de 1947 a 1952, no mbito da arquitectura, Le Corbusier

    desenvolveu o seu edifcio de habitaes mais influente, ao aplicar os seus ideais de

    estandardizao e pureza de forma ao conceito de habitaes em blocos.

    A Unit dHabitation 82 , em Marselha, composta por 337 unidades

    habitacionais, destinava-se a cerca de 1600 habitantes e revolucionou o sistema da

    cidade tradicional.

    Fig. 25. Cadeira DAR moldada em fibra de vidro e resina de polister, de Charles Eames, 1948.

    81

    Leve e durvel, era composto por uma nica pea moldada em fibra de vidro e reforado a resina de polister, que podia ser agregada a diversas bases. No obstante, a Itlia exportou mveis e outros produtos para outros pases vidos por algo novo e imaginativo, integrando um dos plos principais de inovao aps a guerra; PILE, John. Ibid, p. 388. 82

    A estrutura foi realizada em beto armado e orientada de acordo com a iluminao solar. Os apartamentos assentes em pilotis criavam um espao aberto no solo, facilitando a circulao numa extenso pblica. Cada apartamento era composto por dois pisos (Duplex) e todos continham uma varanda e boa iluminao e ventilao; RAMOS, Tnia Liani Beisl. Ibid, p. 226.

  • 46

    O edifcio procurava responder a necessidades fsicas e psicolgicas e convidar

    sociabilidade, numa edificao autnoma e inovadora.83

    Fig. 26 / Fig. 27. Vista geral e plantas da Unit dHabitation de Le Corbusier, Marselha, 1947-52.

    83

    O edifcio inclua, a meio da sua altura, um piso de comrcio e um telhado de instalaes comunitrias, abrangendo lojas, instalaes desportivas, mdicas e de educao, e um hotel.; KNOX, Paul L. Ibid, p. 121. Similarmente, em Portugal, no final da dcada de 1950 e incios da seguinte, produzida habitao de alta densidade, com o intento de libertar reas para os equipamentos colectivos.; RAMOS, Tnia Liani Beisl. Ibid, pp. 289-292.

  • 47

    1.3.5. O ESPAO DOMSTICO PS-MODERNO

    Os pases envolvidos no esforo de guerra depararam-se com uma escassez de

    materiais para o mobilirio e decorao e, por conseguinte, a simplicidade foi

    imposta por carncias84, originando mobilirio produzido em massa, e despertando

    uma sociedade consumista.

    Desse modo, nos anos cinquenta do sculo XX, o consumidor era livre de fazer as suas

    prprias escolhas, para o espao domstico, de entre um grande leque de produtos.85

    Esta noo emergiu assimilada num novo movimento, a Pop Art,

    fundamentalmente concernente cultura popular de consumo, e com equipamentos

    baratos, de mdia ou fraca qualidade, efmeros.86

    Em 1952, foi formado o Grupo Independente 87 , ao qual pertenciam os

    arquitectos Alison e Peter Smithson que, de 1955 a 1958, propuseram diversos

    projectos de residncias, de destacar a habitao House of the Future, urbana,

    futurista e orgnica.88

    A estrutura e os equipamentos da casa mo