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Teoria das Mediações: atualidade, críticas e usos do pensamento de Jesus Martín-

Barbero

Wesley Pereira Grijó1

Resumo : O artigo aborda o conceito de mediações de Martín- Barbero desde sua obra inicial “De losmedios” e as posteriores redefinições deste conceito. A partir de uma revisão bibliográfica, objetiva-seassim demonstrar todo o trajeto conceitual do termo até sua atual configuração para os estudos emcomunicação na América Latina, principalmente no Brasil. Pretende-se também evidenciar a ideia demediações surgiu como forma de deslocamento do pensamento comunicacional latino-americano, ligadomuito à recepção, para depois ser utilizada para se pensar todo o processo de comunicação (da produção àrecepção).

Palavras-Chave: Mediações; Recepção; Comunicação.Resumen : Este artículo aborda el concepto de la mediación de Martín-Barbero desde sus primeras obras"De los Medios" y la redefinición posterior de este concepto. A partir de una revisión de la literatura, elobjetivo es sólo para mostrar a todos el camino a su concepto de la palabra para la configuración actual delos estudios de comunicación en América Latina, principalmente Brasil. También se pretende poner derelieve la idea de la mediación se ha convertido en una manera de cambiar el pensamiento de lacomunicación en América Latina, muy conectado con la recepción, sólo para ser utilizado para que todo el

proceso de comunicación (desde la producción hasta la recepción).

Palabras clave : Mediación, Recepción, Comunicación.

Introdução

A partir de 1987, a pesquisa em comunicação na América Latina teve seus paradigmas questionados pela obra do filósofo espanhol-colombiano Jesus Martín-Barbero, “ De los medios a las mediaciones” . Se antes, nessa parte do continente, osestudos no campo da comunicação possuíam um forte vínculo com a tradição norte-americana (de cunho funcionalista) ou com a ortodoxia marxista da experiência da escola

de Frankfurt, a partir daquela obra, grande parte dos trabalhos seguiram a indicativa deMartín-Barbero. Assim, deixaram de pensar exclusivamente na lógica da produção e passaram a lançar reflexões sobre a recepção do conteúdo dos meios de comunicação.

Todo esse questionamento nas pesquisas centradas apenas emissor, ou seja, osmeios de comunicação, levou ao surgimento de vários trabalhos, principalmente no Brasil,que fizeram diversas leituras da obra de Martín-Barbero, sendo que, nas décadas seguintes,muitos trataram as reflexões do pesquisador espanhol-colombiano de forma tão radical

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação, da Universidade Federal doRio Grande do Sul, Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás. Email:

[email protected].

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quanto os trabalhos de linha frankfurtiana e renegaram em grande ou menor parte a presença dos meios em suas pesquisas, ficando exclusivamente com a recepção. Assim, emmuitos casos as mediações propostas por Martín-Barbero foram interpretadas com sendo

algo relativo apenas aos estudos de recepção.Essa postura deve-se também por uma questão política dentro do campo da

comunicação, visto que as pesquisas alinhadas à tradição teórico-metodológica dos estudossobre recepção surgiram como forma de deslocar o eixo das discussões, passando aconsiderar nos estudos dosmedia suas relações com a audiência. Entre os defensores desse posicionamento há aqueles que pensavam que a“pesquisa em comunicação não é a que

focaliza estritamente os meios, mas a que se dá no espaço de um circuito de consumo da

cultura midiática” (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 39). No contexto latino -americano,na década de 1980, os estudos de recepção emergiram como uma nova forma de pesquisara cultura de massas (LOPES, 2004).

Por essa linha de raciocínio, o foco para se refletir sobre a relação dosmedia com asociedade é deslocado para os receptores, o que na perspectiva de Martín-Barbero (1987) é pensar a comunicação a partir das mediações e não somente dos meios. Entretanto, nosúltimos anos houve uma crescente crítica aos trabalhos com essa perspectiva, sendo que o

principal argumento deve-se ao fato que tais estudos prendem-se em apenas uma parte do processo de comunicação e deixam de abarcar outras etapas de processo de extremaimportância para a compreensão do fenômeno.

Longe de querer responder a tais críticas, este trabalho pretende debater a trajetóriae redefinições da idéia de mediações, cujo marco inicial remonta 1987, sendo repensandonos anos posteriores. Assim, pretendemos expor o pensamento atual de Martín-Barberosobre as mediações, não se prendendo somente aos estudos de recepção, mas sim ao

processo de comunicação considerado de uma forma mais global.

A definição de “Mediação”

Conforme Lalande (1993), o termo mediação vem do inglêsmediate , que gerou osubstantivomediation e, por fim seus derivados, a exemplo deintermediation . Apesardessa origem na língua inglesa, se admite ainda uma vinculação da origem da palavra como francêsmediat , que deu geroumédiation .

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No campo da filosofia, o conceito de mediação tem procedência em duas vertentes:uma de caráter cristão, mais idealista; e a hegeliana, que se vinculou depois à tradiçãomarxista. A partir dessa origem conceitual das duas vertentes, podemos verificar que elas

apresentam distinções significativas: a primeira vincula-se a sua herança teológica mas, emseguida, assumiu uma postura de acordo com a corrente existencialista; a segunda vertente, possui uma preocupação pontual de dar respostas aos vínculos dialéticos entre categoriasseparadas.

Ao longo de suas trajetórias, as duas linhas para se pensar em termos teóricosmediação não sem mantiveram totalmente desvencilhadas entre si, o que de certa formaimplicou nas interpretações ambíguas que o conceito assumiu conforme o entendimento

que lhe foi atribuído, sendo esta uma das justificativas das críticas ao(s) conceito(s) demediações de Martín-Barbero.

Dentro das ciências sociais, conforme Dubois (1997), mediação tem sido utilizadarecorrentemente ligada à idéia de intermediário. Segundo ele, essa noção vincula-se àtradição behaviorista, quando se pensava em “elos intermediários” ligando o estímulo

inicial a uma posterior resposta. Já a relação do conceito de mediação com a esfera cultural parte da herança marxista, sendo Walter Benjamin um dos primeiros a pensar sobre a

questão de uma mediação fundamental a partir das transformações das condições de produção com as mudanças no espaço da cultura2. Essa contribuição de Benjamin serefletiu, principalmente, nos estudo de mediação a partir da cultura para se pensar acomunicação.

Presenciamos que dentro do campo da comunicação são cada vez mais crescentesos estudos que tratam das questões dos sujeitos a partir de uma idéia de mediação,geralmente ligado aos meios de comunicação de massa.

Do mapa noturno às novas formas de pensar as mediações

Dentro dos chamados estudos culturais latino-americanos (ESCOSTEGUY, 2001), podemos apontar como uma das maiores contribuições desse legado para a pesquisa emcomunicação o conceito de mediações pensando por Martín-Barbero, pois este, conforme já dissemos, deslocou em sua obra de 1987,“De los medios a las mediaciones” , o estudodos meios em si para concentrar-se no entorno, ou seja, nas mediações. Inicialmente, estas

2 Ainda dentro dessa perspectiva, havia a preocupação com as questões entre infra-estrutura e superestrutura,que por sua vez deu origem a noção de reflexo, que antecede a de mediação.

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se configuraram em articulações entre matrizes culturais distintas, e podem ser os meios,os sujeitos, os gêneros (televisivos) e os espaços - cotidiano familiar, trabalho, escola.(JACKS; ESCOSTEGUY, 2005)

Apesar de ter sido interpretada como algo quase sempre relacionada aos estudos derecepção, as mediações pensadas por Martín-Barbero englobam todo o processo decomunicação: da produção à recepção. E, diferentemente das leituras que muitos pesquisadores fizeram da obra do filosofo espanhol, a recepção não estaria como umaetapa final ou mesmo isolada de toda a dinâmica da comunicação. Pelo pensamento deMartín-Barbero (1987; 2002; 2003), a recepção é um momento do consumo cultural, sendoeste uma categoria que abarca os processos de comunicação e recepção dos bens

simbólicos. Assim, ele já descarta o axioma de que a recepção se constitui somente emuma relação direta entre dois pólos distantes: o produtor e o receptor. A recepção é vistaaqui como parte de um processo de produção de sentido através das mediações.

A partir do que verificamos nos trabalhos empíricos (JACKS, 1999; LOPES;BORELLI; RESENDE, 2002), nos críticos dessa perspectivas (BOAVENTURA;MARTINO, 2008; SIGNATES, 2006) e nas próprias redefinições propostas por Martín-Barbero (2002; 2003, 2009a), devemos aqui nos valer dessas questões para tentarmos

refletir sobre essa configuração da ideia de mediações. Isso se deve, pois a teoria dasmediações nos remete a paradoxos e a ambigüidades que mobilizam a comunicação no processo de negociação de sentido (MARTÍN-BARBERO, 2002b, p.14), o queimpossibilita-nos pensar numa definição única sem sermos imprecisos, uma vez que dentroda própria obra do filosofo espanhol encontramos essas indefinições.

Segundo o pensamento inicial de Martín-Barbero (1987), as mediações são oslugares que estão entre a produção e a recepção. Nesse sentido, a comunicação pensada sob

a perspectiva das mediações deve levar em consideração o entendimento de que entre a produção e a recepção há um espaço em que a cultura cotidiana se dinamiza. É por essalinha de raciocínio que Martín-Barbero (1987, p. 233), inicialmente, sugeriu três hipótesesde mediação que interferem e alteram a maneira como os receptores recebem os conteúdosmidiáticos. São eles: a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competênciacultural.

A primeira, a cotidianidade familiar, é o espaço em que as pessoas se confrontam emantêm suas relações mais intrínsecas, através da sociabilidade e da interação dos sujeitoscom as instituições. Pela tradição dos estudos nesta área, a cotidianidade familiar é uma

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das mais importantes mediações para a recepção dos meios de comunicação. A segundahipótese, a temporalidade social, coloca em oposição o tempo do cotidiano ao tempo produtivo. Numa diferenciação entre os dois, Martín-Barbero (1987) coloca que podemos

considerar o tempo produtivo como aquele valorizado pelo capital, podendo ser medido,enquanto o tempo do cotidiano se caracteriza por ser repetitivo.

Quando transpomos esse pensamento para a mensagem televisiva, Martín-Barbero(1987), diz que essemedia também está organizado pelo tempo da repetição e dofragmento, incorporando-se assim ao cotidiano dos receptores. Já a competência culturaldeve ser interpretada como produto do cotidiano das pessoas sendo relacionada ainda aquestões étnicas e de gênero. Na prática, devemos conceber essa mediação como todo

contexto cultural que os indivíduos adquirem ao longo da vida, não somente através daeducação formal, mas por experiências oriundas de seus cotidianos.

Num avanço de seu pensamento inicial, Martín-Barbero (1990; 2003; 2008)apresentou nos anos posteriores três “dimensões” de mediações: sociabilidade, ritualidade

e etnicidade. De modo geral, tais dimensões propõem pensar as mediações como um todono processo de comunicação.

FIGURA 1: Mapa das mediações proposto na 5ª edição da obra “Dos meios às mediações”.

FONTE : MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 16.

Desse modo, a socialidade refere-se à interação social permeada pelas constantesnegociações do indivíduo com o poder e com as instituições. Por sua vez, a ritualidade

deve ser considerada a partir das rotinas do trabalho imbricadas com a produção cultural. Neste caso, essa “dimensão” está estritamente relacionada com a sociabilidade, uma vez

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que se consubstancia nos mesmos ambientes onde ocorrem as interações sociais do processo de ritualidade de recepção e mediação da mensagem televisiva. Por fim, atecnicidade refere-se às características do próprio meio, ou seja, está voltada

principalmente para os estudos sobre produção e emissão. Martín-Barbero (2008, p.18)conceitua ainda a tecnicidade como “operadores perceptivos e destrezas discursivas”.

De acordo com o pensamento de Martín-Barbero (2002a), a ritualidade intercede arelação entre os formatos industriais emitidos pela televisão e a produção de sentidodurante o processo de recepção. Ou seja, essa “dimensão” envolve a interação cotidiana da

audiência com a mensagem televisiva, levando aos modos como o sentido é compartilhadoe apreendido por meio das práticas de recepção e da competência cultural dos sujeitos.

Nesse âmbito, o ritual está imbricado às práticas sociais, fazendo parte do nossocotidiano de diversas formas. O ritual envolve as pessoas em relações de troca, em quesignificados são compartilhados.

Ainda sobre a socialidade, Martín-Barbero (2008) considera-a como uma conexãoentre as matrizes culturais e as competências de recepção. Ele atribui a essa “dimensão”

um lugar de ancoragem da práxis comunicativa , sendo resultado dos modos e usoscoletivos de comunicação, isto é, de constituição dos atores sociais e de suas relações

sócio-culturais. Essa mediação opera a partir das competências de recepção, quando fazmenção às relações cotidianas que os homens presenciam, que, por sua vez, orientam os processos primários de constituição dos sujeitos e das identidades (MARTÍN-BARBERO,2002a).

A socialidade propicia ainda a análise do contexto onde os receptores mantêm suasrelações. Nessa questão, devemos pensá-la como agente responsável pelos modos atravésdos quais a família, a escola, a igreja, as comunidades, etc., ajudam os sujeitos se

constituírem como indivíduos. A partir do entendimento dessas matrizes mais amplas é possível se refletir sobre como os receptores ativam, conformam e moldam as diversascompetências de recepção das audiências. (JACKS; MENEZES; PIEDRAS, 2008)

Para Martín-Barbero (2002a), a mediação, ao dizer respeito às distintas formasatravés das quais os indivíduos se constituem em sociedade, tensiona, relaciona e põe emevidência sujeito e estrutura, aspectos micro e macrossociológicos, os quais são objetos erazão do desenvolvimento do campo da sociologia desde seus primeiros esboços e que ocampo da comunicação despertou nas últimas décadas para essa reflexão.

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A postura do pesquisador Martín-Barbero (2003;2008), em reformular suasreflexões iniciais difundidas no livro “Dos Meios às Mediações”, de 1987, deixa evidente

sua maneira de pensar as mediações comunicativas da cultura como algo essencial para se

estudar de forma mais consistente todo o conjunto do processo de comunicação.Consideramos ainda que apesar da impressão conceitual apontada por Signates

(2006), a ideia de mediações de Martín-Barbero (1987) é apresentado ainda como algo aser mais explorado pelo campo cientifico da comunicação, uma vez que possui uma postura que coloca os fenômenos comunicacionais de forma mais integradora, sendo pautado pela comunicação e pela cultura. Dessa forma, essa linha teórica apresenta uma perspectiva que pretende integrar todos os âmbitos da comunicação, tanto a produção,

como o produto e a recepção. (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002) Na prática da pesquisa em comunicação, é evidente ainda que os estudos sobre

recepção se fazem a partir de diferentes marcos metodológicos, com o objetivo de secompreender com maior eficácia a apropriação das mensagens midiáticas pelos receptores.Por essa linha de raciocínio, consideramos que essa questão não pode ser realizadaexcluindo as relações de poder existentes nos discursos dosmedia e nas interações sociaiscomo um todo. Assim, o pensamento teórico de Martín-Barbero se mostrou de bastante

influência para estudos nessa área, haja vista investiu na concepção de processo dacomunicação como relacionado a práticas sociais e o percebe de forma global.

Ao analisar a comunicação a partir da cultura, Martín-Barbero (2001) concentra-senas mediações, que se articulam entre matrizes culturais distintas e podem ser os meios, ossujeitos, os gêneros (televisivos) e os espaços (cotidiano familiar, trabalho, escola). Asmediações superam a bipolaridade ou a dicotomia entre produção e consumo. (JACKS;ESCOSTEGUY, 2005)

Em sua obra“Ofício de Cartógrafo” , Martín-Barbero (2002) prossegue com odiálogo sobre as mediações comunicativas da cultura. Segundo ele, essas mediações sãoordenadas em dois eixos: um diacrônico, tensionando as matrizes culturais e os formatosindustriais; e um sincrônico, que relaciona as lógicas de produção com as competências derecepção e consumo. Os esforços de Martín-Barbero em reformular seu pensamento inicialexposto em “ Dos los medios a las mediaciones ” fazem crer que as mediações

comunicativas da cultura foram elaboradas para dar conta de forma mais satisfatória detodas as esferas do processo de comunicação.

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Por fim, em entrevista concedida em 2009 à Revista Fapesp, Martín-Barberoapresenta outro mapa para se pensar as mediações em tempos de mutações culturais. Emnosso atual momento, o pesquisador considera que as mediações passam a ser

transformação do tempo e transformação do espaço a partir de dois grandes eixos, ou seja,migrações populacionais e fluxos de imagens.

FIGURA 2: Novo mapa das mediações proposto em entrevista à Revista Fapesp, em 2009.

FONTE : MARTÍN-BARBERO, 2009a, p. 12.

Martín-Barbero aponta que tais fluxos devem ser considerados de formaconjuntamente, pois tanto os fluxos de imagens quanto os de imigrações estão emdeslocamento. Juntamente a isso, há a compressão do tempo e do espaço, formando duasmediações consideradas fundamentais na contemporaneidade pelo pesquisador espanhol-colombiano: a identidade a tecnicidade3. Tais mediações estão estritamente ligadas àsnovas formas de identidades e subjetividades que os sujeitos têm contato a partir dos meiosde comunicação atuais. Para abarcar tais questões, Martín-Barbero acrescenta mais duascategorias como integrantes de seu novo mapa ritualidade e cognitividade. Com isso eleatualiza ainda mais seu mapa anterior e retira mediações que eram mais sociais comoinstitucionalidade e socialidade, mesmo assim a ideia central destas está imbricada nasmediações presentes no mapa atual.

Desdobramentos das Mediações a partir de Martín-Barbero

3 Termo adotado a partir do antropólogo francês André Leroi-Gourhan, cujo pensamento diz que a técnicaentre os “povos primitivos” também é sistema, não apenas um conjunto de ferramentas.

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Dentro da pesquisa em comunicação no Brasil, a teoria das mediações proposta porMartín-Barbero teve grande penetração, principalmente, nos trabalhos referentes àrecepção dos meios de comunicação de massa. Dentre esses trabalhos, tomamos como

pontuais três obras que partem das idéias de pesquisador espanhol, mas que ao mesmotempo acrescentaram especificidades aos postulados teóricos em experiências brasileiras.

Entre as obras temos: “ Querência: cultura regional como mediação simbólica ”,

produzida a partir da tese de doutoramento da pesquisadora Nilda Jacks (1999); “ Vivendo

com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade ”, feita a partir de uma pesquisa

multidisciplinar das pesquisadoras Maria Immacolata Vassalo de Lopes, Silvia HelenaSimões Borelli e Vera da Rocha Resende (2002); e por fim, “ Mediações na produção de

TV. Um Estudo sobre o Auto da Compadecida ”, produzida também a partir da tese de

doutoramento da pesquisadora Maria Isabel Orofino (2006).Em “ Querência: cultura regional como mediação simbólica ”; Jacks (1999) explora

empiricamente os vínculos entre cultura, televisão e identidade regional, ao descrever einterpretar o papel da televisão -telenovela “Pedra sobre Pedra” 4, da TV Globo - naconstrução de um imaginário regional que propaga valores, práticas e costumes aos quaisos gaúchos se reconhecem. No momento da produção deste estudo, a teorias das mediações

de Martín-Barbero ainda não possuía a difusão que assumiria nos anos posteriores, sendoum dos pioneiros a colocar tais questões como postulados teóricos para se entender arelação comunicação/cultura.

Nesta pesquisa Jacks (1999) se afasta do enfoque de outros estudos de recepção quetentam comprovar a capacidade da audiência em resistir à ideologia dominante, mostrandoa importância da televisão no Rio Grande do Sul para a produção e reprodução de umaimagem de gaúcho. Dessa forma, costura dados empíricos com um quadro teórico,

acrescentando às teorias das mediações de Martín-Barbero que é preciso apostar numahierarquia dentre todas as mediações que interagem no processo de ver, usar e interpretar atelevisão.

Em “ Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade ”, deLopes; Borelli e Resende (2002), a pesquisa de recepção é tratada de formamultidisciplinar – comunicação, antropologia e psicologia – como forma de organizaramuma estratégia metodológica de análise a partir da teoria latino-americana das mediações e

4 “Pedra Sobre Pedra” foi uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo de 6 de janeiro a 31de julho de 1992. Foi apresentada em 179 capítulos. Escrita por Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana

Maria Moretzsohn e dirigida por Paulo Ubiratan e Gonzaga Blota.

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a aplicaram à recepção de telenovela, gênero considerado pelas autoras comorepresentativo da modernização tardia da sociedade brasileira.

As mediações foram tratadas empiricamente a partir da análise da recepção datelenovela “A indomada” 5, da Rede Globo, em quatro famílias de condições sociaisdistintas, resultou de trabalho de campo que levou em conta toda a complexidade inerenteao processo de recepção.

Ao aderir à perspectiva teórica das mediações como proposta de abordagem darecepção de telenovelas no Brasil, Lopes, Borelli e Resende (2002) rebatem as críticasmais comuns aos estudos de recepção como a excessiva autonomização da esfera cultural ea desestruturação analítica. Ao constituir-se em uma exploração multimetodológica das

mediações, a pesquisa exercita a reflexão sobre a natureza dos métodos e o trabalho decombinações convergentes, de modo a realizar um estudo compreensivo da recepção,firmando-a como um momento privilegiado da produção de sentido, ou seja, a recepçãocomo perspectiva teórica integradora dos processos de produção, do produto e daaudiência.

Como último exemplo, temos “ Mediações na produção de TV. Um Estudo sobre o

Auto da Compadecida ”, Orofino (2006) aborda as teorias mediações a partir da perspectiva

da produção, diferentemente da maioria dos trabalhos que parte dos estudos de Martín-Barbero, que tratam geralmente as mediações como algo ligado somente ao processo derecepção.

Nesse sentido, Orofino desenvolve sua tese sobre mediações na produção a partirda obra o “ O Auto da Compadecida ”6, adentrando toda a lógica da construção de um produto televisivo de uma emissora comercial, cuja relações dos produtores têmsignificativa relação com o material levado ao ar para a audiência. Assim, a autora não

limita a teorias das mediações como algo limitado pelas relações de consumo, mas entratambém nas rotinas de produção.Orofino (2006) situa-nos também que seu trabalho busca uma visão integral do

processo de comunicação, o que difere do que vinha sendo realizado por outros

5 “A Indomada” foi uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo de 17 de fevereiro a 11 deoutubro de 1997. De autoria de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares, com colaboração de Maria ElisaBerredo, Márcia Prates e Nelson Nadotti e dirigida por Marcos Paulo, Roberto Naar e Luiz Henrique Reis,teve a direção geral e de núcleo de Marcos Paulo.6 O Auto da Compadecida foi uma minissérie produzida pela Rede Globo e exibida de 5 de janeiro a 8 de janeiro de 1999, totalizando 4 capítulos. Roteiro de Adriana Falcão, Guel Arraes e João Falcão, baseada na

peça teatral homônima de Ariano Suassuna e direção de Guel Arraes.

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pesquisadores ao tratar as mediações como algo relativo a penas à recepção. “Este estudo

buscou oferecer aportes para esta perspectiva ao trazer uma análise das rotinas de produçãoe da conduta estratégica para se pensar o texto enquanto prática social ” (OROFINO, 2006,

p. 206).Dessa forma, a partir dos exemplos citados acima, podemos ter noção de como as

teorias das mediações de Martín-Barbero foram utilizadas no Brasil, sendo os trabalhos deJacks (1999) e Lopes; Borelli e Resende (2002) seguem a tendência geral de tratar asmediações ligadas ao processo de recepção dos meios de comunicação de massa. Os postulados e experiências desses dois trabalhos evidenciam que estudar o campo dacomunicação, sob a ótica da recepção, das mediações é imprescindível se levar em

consideração as questões culturais dos receptores, pois são eles que dão o significado àmensagem televisiva.

Em comum com a pesquisa de Orofino (2006), os outros trabalhos utilizam a perspectiva das mediações de Martín-Barbero como ponto de partida para suas reflexões, eacrescentam conhecimentos oriundos de outros autores, principalmente, Guilhermo OrozcoGómez, com a Teoria das Multimediações7, sendo que esta também tem como ponto de partida as teorias desenvolvidas pelo pesquisador espanhol-colombiano.

Considerações Finais

Apesar de estar inserido em outra perspectiva (mas, ainda sim, pensando acomunicação relacionada à cultura) compartilhamos do postulado de Silverstone (2005),quando este diz que devemos pensar a mídia como processo, um processo de mediação. Amesma premissa fora colocada por Martín-Barbero quando produziu a obra“De los

medios” , contudo a apropriação que os pesquisadores do campo fizeram do conceito ao

longo dos anos, em muitos aspectos, colocou o questão das mediações relacionadas apenasao processo de recepção, sendo que no contexto das décadas de 1980 e 1990, isso se feznecessário como uma postura política de deslocamento do interesse das pesquisas para

7 Orozco Gómez se preocupou em, além de situar empiricamente as mediações, entendê-las em conjunto. Eleconsidera que os sujeitos-receptores, ao atribuírem sentido às mensagens midiáticas, são interpelados pordiversas fontes de mediação, e, portanto, o termo correto seria multimediações. Nesse contexto de múltiplasmediações, Orozco destaca cinco delas, antes como um recurso metodológico que como uma fragmentação

teórica: mediações individuais (esquemas mentais ou repertórios pessoais); mediações institucionais (família,escola, trabalho); massmediáticas (televisão, rádio, mídia impressa), situacionais (situação específica deaudiência) e, finalmente, mediações de referência (gênero, idade, classe social).

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atuar com os sujeitos, os receptores, vistos até então passivos e alvo de uma mídiaapocalíptica.

Identificamos também como válidas as críticas de Signates (2006) e Boaventura e

Martino (2008) quando questionam a impressão conceitual de Martín-Barbero sobremediações, inclusive sobre a variedade de definições do termo que este apresenta ao longode seu texto inicial.

O que percebemos, é a presença de um conceito ainda muito ligado ao campoteórico epistemológico dos estudos de comunicação, as mediações estariam mais a umarelação que envolve de forma dialógica as duas pontas do processo de comunicação(produção e recepção) numaatividade continua de “engajamento e desengajamento” com

significados que surgem nos textos mediados, e prosseguem com a experiência.Como postura epistemológica, consideramos que o rompimento feito com “os

meios” a partir da década de 1980, foi necessário para um entendimento da noção demediações, o que foi importante para a compreensão dessa nova postura dos estudos decomunicação. Vimos nos trabalhos de Jacks (1999) e Lopes, Borelli e Resende (2002)tentativas brasileiras de se pensar empiricamente as teorias das mediações de Martín-Barbero, visto que nem o próprio pesquisador conseguir operacionalizar em um estudo

empírico seus postulados teóricos. Ainda neste ponto, Orofino (2006) acrescenta à pesquisa em comunicação um deslocamento para se estudar as mediações, nãonecessariamente pelo viés da recepção, mas entendo-as dentro do processo de produção deum produto televisivo.

Agora, com as reformulações e redefinições do conceito de mediações, a missão(entendida aqui como vigília teórico-epistemológica) das pesquisas que seguem essa linhaé deixar de lado o dualismo, a bipolaridade ou a dicotomia entre produção e recepção, pois

tal separação minimiza as relações complexas entre comunicação e cultura. Dessa forma,entendemos também as mediações como “o lugar” de onde se outorga sentido ao processo

de comunicação, sendo este lugar a cultura, como define também o próprio pensamento deMartín-Barbero.

Referências

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