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  • ributaoe m r e v i s t a ano 17 N 59 T

    issN 1809-3426Uma publicao do sindicato Nacional dos auditores-Fiscais da receita Federal do Brasil sindifisco Nacional

    abrJun 11 Distribuio Dirigida

    Quem pagaa conta?

    Entrevista

    Fernando Gaiger - Progressividade da Tributao e Desonerao da Folha de Pagamento Pginas 6 a 13

    Desonerao

  • Poltica de Distribuio - Tributao em Revista uma publicao peridica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e divulgada eletronicamente no endereo http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-caes. Havendo interesse em receber um exemplar da publicao, entre em contato conosco pelo email: [email protected]. Poltica Editorial - Tributao em Revista um veculo de divulgao de ideias que explora temas tributrios com nfase em Economia e Direito Tributrio; Poltica e Administrao Tributria, Previdenciria e Aduaneira. Constitui-se num campo democrtico aberto a discusso e a colaboraes. Os artigos aqui divulgados so de inteira responsabilidade de seus autores e no refletem, necessariamente, a opinio da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexes neste espao devem remeter seus artigos para [email protected]. Os artigos devem ser inditos e estruturados segundo as normas tcnicas da ABNT - Associao Brasileira de Normas Tcnicas.

  • 5s u m r i os u m r i oEDITORIAL

    ENTREVISTAFernando Gaiger silveira

    ARTIGOinconsistncias da Proposta de Desonerao da Folha de salrioslvaro Luchiezi Jr.

    ARTIGOreforma tributria simples: reconstruindo os Laos Nacionais do Federalismo Brasileiro e resgatando a Dignidade do ContribuinteEurico Marcos Diniz de Santi

    ARTIGODa Capacidade Contributiva e o seu Processo real de efetividadeArlindo Marostica, Hlio Silvio Ourem Campos

    ARTIGOLegitimidade do Planejamento tributrio: critriosClaudemir Rodrigues Malaquias

    ARTIGOresponsabilidade tributria Objetiva?Otvio Alves Forte

    QUESTES POLMICAS EM DIREITO TRIBUTRIOstF reafirma possibilidade de tributao progressiva do iPtU paulistano

    6

    14

    26

    36

    47

    57

    64

  • DIRETORIA ExECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue tolentino Filho1 Vice-PresidenteLuprcio machado montenegro2 Vice-Presidentesergio aurlio velozo DinizSecretrio-GeralClaudio marcio Oliveira DamascenoDiretor-Secretriomauricio Gomes ZamboniDiretor de FinanasGilberto magalhes De CarvalhoDiretor-Adjunto de Finanasagnaldo NeriDiretora de Administraoivone marques monteDiretor-Adjunto de Administraoeduardo tanakaDiretor de Assuntos Jurdicossebastio Braz da Cunha Dos reis1 Diretor-Adjunto de Assuntos JurdicosWagner teixeira vaz2 Diretor-Adjunto de Assuntos JurdicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa ProfissionalGelson myskovsky santos1 Diretora-Adjunta de Defesa Profissionalmaria Cndida Capozzoli de Carvalho

    2 Diretor-Adjunto de Defesa ProfissionalDagoberto da silva LemosDiretor de Estudos TcnicosLuiz antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos Tcnicoselizabeth de Jesus mariaDiretor de Comunicao SocialKurt theodor Krause1 Diretora-Adjunta de Comunicao SocialCristina Barreto taveira2 Diretor-Adjunto de Comunicao Socialrafael Pillar JniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensesClotilde GuimaresDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e Pensesaparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SadeJesus Luiz BrandoDiretor-Adjunto do Plano de Sadeeduardo artur Neves moreiraDiretor de Assuntos ParlamentaresJoo da silva dos santosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo marcio secundinoDiretor de Relaes IntersindicaisCarlos eduardo Barcellos Dieguez

    Diretor-Adjunto de Relaes IntersindicaisLuiz Gonalves BomtempoDiretor de Relaes InternacionaisJoo Cunha da silvaDiretora de Defesa da Justia Fiscal e da Seguridade Socialmaria amlia Polotto alvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justia Fiscal e da Seguridade Socialrogrio said CalilDiretor de Polticas Sociais e Assuntos EspeciaisJos Devanir de OliveiraDiretores-SuplentesKleber Cabral Conselho FiscalMembros Titularesricardo skaf abdalaJose Benedito de meiramaria antonieta Figueiredo rodrigues Membros Suplentesiran Carlos toneli LimaNorberto antunes sampaioJos Yassuo Hashimoto

    Tributao em Revista uma publicao do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita

    Federal do Brasil Sindifisco Nacional.

    Conselho EditorialLuprcio machado montenegro, elizabeth de Jesus maria; Kurt theodor Krause; tarczio Dino medeiros; Joo Cunha da silva; Hlio socolik, ro-berto Barbosa de Castro e Luiz antonio Benedito.

    Coordenao Executiva lvaro Luchiezi Jr.

    Ediolvaro Luchiezi Jr.

    Projeto Grficoerika Yoda

    Fotolito e ImpressoBraslia artes Grficas

    CapaNcleo Cinco

    Diagramao Washington ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF

    Tiragem desta edio3.000 mil exemplares

    Produo EditorialPublicao Dirigida. acesso livre no seguinte endereo eletrnico http://www.sindifisconacional.org.br, link publicaes. Para receber um exemplar da publicao, entre em contato pelo email:[email protected]

    Redao e correspondncia sDs, Conjunto Baracat 1 andar, salas 1 a 11 Braslia-DF - CeP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

    Colaborao:Os artigos devem ser enviados para Tributao em Revista Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Tcnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Braslia-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos sero submetidos ao Conselho Editorial quanto convenincia de public-los, podero sofrer reviso e, se necessrio, sero devolvidos ao autor com sugestes de mudanas ou solicitao de informaes. Nenhuma modificao de estrutura ou contedo ser feita sem consentimento do autor. As matrias publicadas por Tributao em Revista s podero ser reproduzidas mediante autorizao do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, at 15 pginas e devero conter: Pgina inicial abordando os principais tpicos do artigo; Notas e referncias bibliogrficas; Currculo do autor (mximo 5 linhas).

    ributaoT e m r e v i s t a

  • triBUtaO em revista 5

    e DITORIALa desonerao da folha de pagamento um tema

    recorrente entre acadmicos, estudiosos, formuladores

    de poltica e empresrios. ela entrou definitivamente na

    agenda poltica brasileira em 2008, embutida na PeC

    233/08 que definiu a proposta de reforma tributria en-

    caminhada pelo Governo Federal. Desde ento a desone-

    rao tambm entrou na pauta das Centrais sindicais e

    de muitos sindicatos.

    sucessivos governos tm apresentado proposta de

    mudanas no sistema tributrio sem conseguir atacar

    definitivamente dois problemas centrais: a baixa progres-

    sividade da tributao brasileira e a m distribuio da

    carga tributria.

    Dada a relevncia destes dois temas, o sindifisco Na-

    cional firmou uma parceria com o iPea e com o Dieese

    para, estudando-os, levantar questes polmicas no to-

    talmente esclarecidas no discurso oficial. estas reflexes

    sero divulgadas classe dos auditores-Fiscais e socie-

    dade por meio de publicaes que viro a pblico em

    meados do segundo semestre deste ano. tributao em

    revista repercute nesta edio parte destas polmicas.

    a entrevista de Fernando Gaiger, tcnico do iPea es-

    pecializado em tributao, questes distributivas e deso-

    nerao tributria, traz respostas a algumas das preocu-

    paes dos auditores-Fiscais, sindicalistas e de grande

    parte da sociedade brasileira sobre ambos os temas. O

    artigo de alvaro Luchiezi Jr. questiona dois dos princi-

    pais argumentos em favor da desonerao da folha de

    pagamento, lanando dvidas sobre seus benefcios para

    o mercado de trabalho e para a competitividade externa

    dos nossos produtos.

    Qualquer proposta de reforma tributria somente lo-

    grar xito na medida em que primar pela simplicida-

    de das solues que ela aporta. isto particularmente

    verdade se quisermos elevar nosso sistema tributrio a

    um patamar de maior justia fiscal, com tributos mais

    progressivos e carga tributria melhor distribuda. esta

    a mensagem do artigo assinado pelo professor eurico

    de santi, da FGv/sP e que surgiu no bojo da parceria

    realizada pelo sindifisco Nacional e o Ncleo de estudos

    Fiscais da FGv/sP. O artigo de arlindo marostica e Hlio

    Ourm aborda outro aspecto relevante para questes de

    progressividade: a capacidade contributiva. No haver

    plena justia tributria enquanto perdurarem mecanis-

    mos de renncia tributria em favor da renda do capital

    ou iseno no pagamento de lucros e dividendos.

    tributao em revista tambm abre espao para ou-

    tras reflexes que sugerem melhorias em nosso sistema

    tributrio. este nmero traz o artigo do auditor Fiscal

    Claudemir malaquias abordando a questo do planeja-

    mento tributrio e fazendo srias observaes quanto

    s condutas de contribuintes que tentam fugir de suas

    obrigaes tributrias por meio de expedientes evasivos

    e elisivos. O tema desenvolvido por Otvio Fortes coloca

    em discusso a introduo, no CtN, da responsabilidade

    tributria objetiva.

    ao desenvolver estes temas tributao em revista es-

    pera provocar no leitor reflexes acerca da justia fiscal.

    seriam as propostas de reforma tributria e de desone-

    rao da folha de pagamento, nela embutida, caminhos

    para a prtica da justia fiscal? Ou elas representariam

    mais privilgios para alguns segmentos e contribuiriam

    para perpetuar as desigualdades de tratamento tributrio

    em nosso pas?

  • 6 triBUtaO em revista

    O Doutor em economia Fernando Gaiger silveira, Pesquisador do iPea insti-tuto de Pesquisa econmica aplicada um dos tcnicos desta respeitada ins-tituio com maior produo e conhecimento sobre questes relativas pro-gressividade na tributao e desonerao da folha de pagamento, temas da presente edio. sua participao tem sido bastante esclarecedora no ciclo de seminrios sobre estes temas que o sindifisco Nacional vem promovendo em parceria com o iPea e o Dieese. tributao em revista foi ouvi-lo para compartilhar com o leitor suas reflexes.

    e ntrevistaFernando Gaiger Silveira

    Compensar a desonerao da parcela patronal da contribuio previdenciria por mais uma contribuio sobre a receita ou faturamento, isenta nas exportaes, torna mais regressivo o financiamento da previdncia,

    pois implica onerar mais as parcelas da populao com baixos rendimentos e que no so afiliadas ao sistema

  • triBUtaO em revista 7

    Tributao em Revista - Cerca de 52% da Carga Tri-

    butria Brasileira composta de tributos indiretos.

    Maior incidncia tributria sobre a renda teria re-

    percusso direta sobre os gastos das famlias de me-

    nor renda, melhorando o perfil do seu consumo e,

    por conseguinte, o acesso a bens e servios? Ou esta

    equao mais complexa e dependeria de outros fa-

    tores?

    Fernando Gaiger - No resta dvida de que a compo-

    sio de nossa carga tributria, diferentemente dos pa-

    ses desenvolvidos, ao apresentar um predomnio dos

    tributos indiretos vai de encontro ao que se espera do

    sistema tributrio em termos distributivos. Na verda-

    de, os tributos no Brasil aprofundam a concentrao

    da renda ao incidir proporcionalmente mais sobre a

    renda dos mais pobres. segundo nossas estimativas,

    enquanto os 10% mais pobres arcam com 32% de sua

    renda com tributos, para os 10% mais ricos os tribu-

    tos respondem por 21% da renda. vale sublinhar, no

    entanto, que nossos tributos indiretos e diretos apre-

    sentam ndices de regressividade e progressividade

    prximos aos que se observam nos pases centrais,

    especialmente no caso dos indiretos. No caso dos di-

    retos, a progressividade que eles apresentam menos

    expressiva ao que se assiste nesses pases. a diferena

    se situa na composio da carga, fazendo com que o

    nosso sistema como um todo seja regressivo, portan-

    to, concentrador de renda. O potencial distributivo de

    um tributo ou de um benefcio depende do seu

    grau de progressividade ponderado por sua importn-

    cia na renda, podendo se empregar como analogia a

    ideia de que a progressividade como uma alavanca

    cujo potencial de alterar a posio inicial depende do

    tamanho dela. No caso brasileiro, pode-se dizer que

    os tributos diretos e indiretos so alavancas com po-

    tenciais distributivos semelhantes ao de outros pases,

    mas o nosso problema o tamanho relativo dessas ala-

    vancas: uma pequena alavanca no caso dos tributos

    diretos, que limita seus impactos distributivos; e uma

    enorme alavanca no caso dos indiretos, que potencia-

    liza seus efeitos concentradores.

    essa composio centrada nos impostos indiretos se

    deve a obstculos tanto polticos como econmicos

    para ampliar o peso dos tributos diretos. as dificulda-

    des polticas esto consubstanciadas no bloqueio que

    as camadas mais ricas da populao, notadamente os

    detentores de patrimnio, desenvolvem ampliao

    da carga tributria direta por meio da presena de seus

    interesses nas trs esferas do poder. No mbito da eco-

    nomia, o elevado grau de informalidade nas relaes

    de trabalho e nas atividades empresariais implica em

    menor eficincia arrecadatria dos tributos diretos, le-

    vando, assim, ao predomnio dos tributos indiretos,

    que se mostram mais efetivos nesse cenrio.assim, o

    crescimento do peso dos tributos diretos passa, neces-

    sariamente, pelo crescimento econmico e pela conse-

    quente formalizao das relaes comerciais, tornando

    mais efetiva a tributao direta e ampliando o grau de

    proteo social pelo aumento do contingente de traba-

    lhadores filiados previdncia social.

    TR - A atual estrutura de alquotas do Imposto de

    Renda adequada estrutura da distribuio de

    renda brasileira, a qual mostra grande concentrao

    de renda nas mos dos mais ricos (13% da renda

    apropriada por 1% mais rico da populao)?

    Os tributos no Brasil

    aprofundam a concentrao da renda ao incidir

    proporcionalmente mais sobre a

    renda dos mais pobres.

  • 8 triBUtaO em revista

    FG - Hoje o imposto de renda alcana a parcela dos

    mais ricos que so assalariados, tendo baixa efetivida-

    de sobre aqueles cuja renda proveniente ou de seus

    empreendimentos lucros e dividendos - ou de ga-

    nhos patrimoniais juros e aluguis. a dificuldade se

    deve tanto s lacunas da legislao, bem apontadas em

    estudos realizados por vocs do siNDiFisCO, em que

    se sobressai o fato de os empresrios no existirem

    enquanto pessoas fsicas, tornando seus gastos sua

    renda custos empresariais e sua riqueza patrimnio

    de pessoa jurdica. exemplo disso a importncia atu-

    al das consultorias em planejamento tributrio, que,

    em alguns casos, realizam, tambm, estudos voltados

    estimativa da carga tributria e de sua incidncia.

    mesmo assim, no se deve esquecer que a classe mdia

    brasileira, que se situa, em razo de nossa distribui-

    o de renda, nos estratos intermedirios superiores

    e elevados de renda, suporta uma carga fiscal direta

    pouco expressiva frente ao que se assiste em pases de-

    senvolvidos. O que quero dizer que arcamos (utilizo

    como exemplo o meu prprio caso, de pesquisador

    graduado do ipea) com um tributao direta pouco

    expressiva sobre a renda em comparao ao nus que

    um cidado de um pas central, em posio semelhan-

    te na pirmide social suporta em termos de tributos

    sobre a renda. assim, defendi junto com outros cole-

    gas a ampliao da estrutura de alquotas com vistas a

    aumentar a arrecadao do irPF, abrindo espao para

    diminuir a alquota do Pis-Cofins que o maior tri-

    buto indireto de competncia do governo federal. Ou

    seja, grosso modo, a populao alcanada pelo irPF

    no se alteraria, mas seriam criadas mais alquotas,

    implicando, por outro lado, benefcios aos contribuin-

    tes do ir com menores rendas, pois a incidncia da

    tributao indireta seria abrandada. Os ganhos para

    os mais pobres, no atingidos pelo ir, seriam ainda

    maiores, j que arcariam com um nus fiscal menor.

    evidentemente que apontamos para a necessidade de

    melhorar a eficcia do irPF para os rendimentos dos

    autnomos, denominados nas investigaes domicilia-

    res de conta-prpria, e os oriundos de lucros, juros e

    aluguis.

    TR - Em sua opinio, o sistema tributrio brasileiro,

    cuja tributao direta considerada por muitos es-

    pecialistas como similar a de pases desenvolvidos,

    eficaz em termos distributivos? Como a capacida-

    de contributiva dos indivduos pode contribuir para

    uma tributao mais equnime e melhoria distribu-

    tiva?

    FG - tributos so os custos que pagamos para cons-

    truirmos uma sociedade civilizada (taxes are what

    we pay for civilized society) disse Oliver W. Holmes

    essa frase se encontra no frontispcio do edifcio

    da receita federal norte-americana. essa conscincia

    e esse esprito de solidariedade o que falta nossa

    sociedade, evidenciados na valorizao dada aos que

    conseguem recolher menos imposto de renda lanan-

    do mo das brechas legais. Os dados mostram que o

    irPF bastante progressivo, sendo, no entanto, pouco

    efetivo para aqueles que percebem rendimentos fora

    do mercado de trabalho assalariado. Deve-se, assim,

    buscar melhorar seu alcance junto a esses segmentos e

    ampliar seu peso no conjunto da carga tributria. Nes-

    se particular devem ser avaliados alguns benefcios,

    entre os quais os gastos em sade e educao privada

    e para os mais idosos. Os descontos permitidos para

    Os dados mostram que o IRPF bastante

    progressivo, sendo, no entanto, pouco

    efetivo para aqueles que percebem

    rendimentos fora do mercado

    de trabalho assalariado.

  • triBUtaO em revista 9

    os dispndios com educao formal junto a institui-

    es privadas funcionam como uma espcie de Bolsa

    Famlia da classe mdia e dos ricos, tendo represen-

    tado, em 2010, um desconto da ordem de r$ 65,00

    mensais, bem superior aos benefcios do Bolsa Famlia

    associados a presena de crianas e jovens. J no que

    concerne aos impostos sobre patrimnio imveis e

    automveis o perfil de incidncia neutro, no caso

    do iPva, e regressivo para o iPtU. esse quadro vai de

    encontro ao objetivo re-distributivo que se espera dos

    tributos sobre patrimnio e riqueza. vale destacar que

    a progressividade no iPtU foi possvel recentemente,

    ainda sendo obstaculizada no caso do iPva. alquo-

    tas diferenciadas para o iPva so empregadas como

    instrumento de incentivo a determinados modelos de

    automveis movidos a etanol, entre os quais os flex,

    sendo controversa a aplicao de alquotas diferencia-

    das segundo o valor do bem. Cabe citar ainda as bai-

    xas alquotas dos impostos sobre herana (itCmD) e

    a baixa progressividade que se verifica nas legislaes

    estaduais, bem como a inexistncia de valores mxi-

    mos de transmisso como ocorre em vrios pases.

    TR - Temos uma legislao tributria moderna em

    termos distributivos? As diversas isenes do Impos-

    to de Renda por exemplo, na distribuio de lucros

    e dividendos e a prpria defasagem na correo da

    tabela do IR, no provocariam distores distributi-

    vas? Em grandes linhas, que alteraes o Sr. proporia

    em nosso sistema legal em favor de maior equidade?

    FG - No resta dvida que a iseno concedida dis-

    tribuio de lucros e dividendos negativa para a

    maior progressividade do irPF, mas, como apontei an-

    teriormente, os benefcios fiscais concedidos aos gas-

    tos privados em educao e sade atenuam, tambm,

    a progressividade do tributo, alm de beneficiar a pro-

    viso privada em reas onde o gasto pblico direto,

    como proporo do PiB, encontra-se bem aqum do

    praticado em pases desenvolvidos.

    Quanto defasagem da tabela do irPF, vale, primeira-

    mente, notar que a remunerao mdia do trabalhador

    urbano brasileiro foi, em 2009, segundo a PNaD, de

    r$ 1.131,98, situando-se ao redor do 70 percentil.

    Ou seja, 70% dos trabalhadores urbanos com renda

    positiva recebem por seu trabalho principal valores

    inferiores mdia. Caso se considere que a subdecla-

    rao da renda do trabalho nas pesquisas domiciliares

    da ordem de 75%, o rendimento mdio do trabalho

    estaria ao redor de r$ 1.500,00, valor bastante prxi-

    mo ao limite de iseno do irPF para o ano calendrio

    2009. sabendo que toda transferncia de renda pro-

    gressiva quando se desconta rendimentos das pessoas

    que se situam acima do rendimento mdio, a tabela

    do irPF, no que concerne aos rendimentos do tra-

    balho, mostra-se adequada em termos de incidncia.

    Como dito, h que se ampliar a estrutura de alquotas,

    com a majorao destas para os maiores rendimentos,

    buscando-se, tambm, melhorar a efetividade do irPF

    para os ganhos advindos do trabalho autnomo pro-

    fissionais liberais, dos empreendimentos e do patri-

    mnio.

    TR - As polticas tributria, previdenciria e assis-

    tencial do Brasil tm alguma eficcia e efetividade

    em termos distributivos? At que ponto a nossa ps-

    sima distribuio de renda um obstculo para que

    tais polticas operem largamente em favor do maior

    acesso a benefcios para as classes intermedirias e

    para as populaes mais carentes?

    No resta dvida que a iseno concedida distribuio

    de lucros e dividendos negativa para

    a maior progressividade do IRPF.

  • 10 triBUtaO em revista

    FG - Como j apontei a poltica tributria em seu con-

    junto regressiva, ou seja, refora o padro de concen-

    trao de renda nacional. em minha tese de doutora-

    do, avaliei os impactos distributivos da tributao e da

    previdncia e assistncia sociais com base na Pesquisa

    de Oramentos Familiares de 2003. Observei que esse

    conjunto de polticas no implicava alteraes na desi-

    gualdade de renda, ou seja, a ao do setor pblico no

    modificava o quadro de iniquidade na distribuio de

    renda. isso porque os ganhos distributivos da previ-

    dncia e da assistncia no eram expressivos poca,

    bem como os decorrentes da tributao direta, sendo

    todos eles perdidos com a incidncia dos tributos

    indiretos. Concretamente, o ndice de Gini da renda

    recebida via mercado do trabalho, de aluguis, por

    meio de doaes inter-domiciliares e de rendimentos

    do capital - diminua em 2,3% aps a concesso dos

    benefcios previdencirios e assistenciais, queda bem

    menos expressiva que a observada nos pases centrais.

    Um dos motivos para essa queda pouco expressiva o

    fato de a previdncia social refletir, em grande medida,

    o perfil distributivo do mercado de trabalho, dado seu

    carter de seguro social, ou seja, ter por parmetro

    da concesso dos benefcios a contribuio realizada

    pelos trabalhadores. Nesse particular, chama ateno o

    carter regressivo das aposentadorias do setor pblico,

    que decorre dos maiores salrios pagos aos trabalhado-

    res do setor pblico em razo da melhor qualificao

    desses frente aos do setor privado. Com a incidncia

    dos tributos diretos o ndice de Gini da renda mo-

    netria caiu, em 2003, 2,0%, bem inferior ao que se

    observa nos pases centrais. a queda na concentrao

    de renda, decorrente da concesso de benefcios previ-

    dencirios e assistenciais e da incidncia dos tributos

    diretos, era totalmente reposta pela tributao indireta

    com o Gini retornando ao patamar anterior inter-

    veno do estado por essas polticas previdncia,

    assistncia social e tributao direta. atualizei essas

    estimativas, para 2009, com base na ltima POF, ten-

    do ficado evidente o aprofundamento do impacto dis-

    tributivo das transferncias monetrias previdncia

    e assistncia sociais. efetivamente, enquanto o ndice

    de Gini da renda de mercado ficou, em 2009, 2,3%

    inferior ao observado em 2003, no caso da renda aps

    os benefcios previdencirios e assistenciais a queda

    foi de 5,2%. essa diferena se preservou entre a ren-

    da disponvel descontados os tributos diretos e a

    renda ps-tributao subtrados os tributos indiretos

    entre os dois anos. Fica patente, assim, que os efeitos

    distributivos da tributao tanto direta - progressiva

    - como indireta regressiva - preservaram-se nos mes-

    mos nveis; mas a novidade foi que houve ganhos sig-

    nificativos nos efeitos distributivos das transferncias

    monetrias pblicas previdncia e assistncia so-

    ciais. Ganhos esses que, desta vez, no foram anulados

    pela regressividade do sistema tributrio. interessante

    notar que justamente no momento em que avana

    essa maior efetividade distributiva da previdncia e

    assistncia sociais que ganha destaque na discusso

    pblica o peso da carga tributria e de sua iniquida-

    de, como a criao do impostmetro e da mensurao

    dos dias trabalhados para o pagamento de impostos.

    Pergunto-me se o impostmetro de fato um medidor

    de impostos ou a medida de uma impostura. im-

    postura ao esconder o real objeto dessa crtica que a

    melhoria distributiva do gasto social. Junto com essa

    atualizao das estimativas dos impactos distributivos

    das polticas tributria, previdenciria e assistencial,

    realizei a valorao e alocao dos gastos pblicos em

    sade e educao, ficando evidente o quo so dis-

    tributivas essas polticas universais. Como resultado

    final do balano entre o que se paga em tributos e o

    que se recebe por meio da previdncia e assistncia

    social e da proviso pblica de sade e educao tem-

    -se um saldo positivo para os estratos populacionais

    pobres e intermedirios, tendo esse saldo se ampliado

    entre 2003 e 2009. O ndice de Gini diminui 11,6% e

    15,2% quando se adicionam a renda os gastos pbli-

    cos com a educao e sade pblicas em 2003 e 2009,

    respectivamente. Concluo, assim, que o gasto social

  • triBUtaO em revista 11

    tem sido capaz de alterar a distribuio de renda, ain-

    da que o financiamento seja regressivo. existe espao

    para que esses ganhos se preservem e aumentem com a

    ampliao dos gastos sociais, bem como pela melhoria

    da incidncia tributria, com a ampliao dos tributos

    diretos.

    TR - Um dos argumentos a favor da desonerao da

    folha de pagamento o de que ela propiciaria maior

    competitividade aos produtos brasileiros no exterior.

    Contudo, o que relevante nesta questo so os cus-

    tos totais do trabalho, dos quais as contribuies pa-

    tronais so apenas uma parte. Os custos brasileiros

    so baixssimos comparados aos de outros pases.

    O foco da desonerao no seria de fato o mercado

    interno, visando maior rentabilidade e lucratividade

    das empresas para, hipoteticamente, elevar o inves-

    timento produtivo?

    FG - fato que temos custos totais do trabalho re-

    lativamente baixos, mas , tambm, fato que nossa

    alquota de contribuio previdenciria emprega-

    dor e empregado elevada. Como no permitida

    a retirada, no momento das exportaes, dos encar-

    gos previdencirios dos preos e encontramo-nos com

    dificuldades em competir dada a apreciao cambial,

    uma das alternativas a migrao dos encargos tra-

    balhistas para tributos que incidem sobre os produ-

    tos, tributos esses que so passveis de tratamento

    iseno quando das exportaes. a questo que

    esse real motivo para a desonerao das contribuies

    previdencirias patronais mascarado pela defesa des-

    sa medida como forma de incrementar o emprego e a

    formalidade. a desonerao da contribuio patronal

    , como diz um estudo recente, uma soluo busca

    de um problema, que hoje se faz presente na questo

    da competitividade, afetada pela apreciao cambial.

    Preocupa-me que a maior parte da crtica desone-

    rao se concentra nos riscos ao financiamento da se-

    guridade social, em geral, e da previdncia social, em

    particular, que podem ser mitigados pela instituio

    de nova fonte de financiamento, que aventada pela

    proposta oficiosa. Ora, compensar a desonerao da

    parcela patronal da contribuio previdenciria por

    mais uma contribuio sobre a receita ou faturamento,

    isenta nas exportaes, torna mais regressivo o finan-

    ciamento da previdncia, pois implica onerar mais as

    parcelas da populao com baixos rendimentos e que

    no so afiliadas ao sistema. Por que no buscar fontes

    outras de financiamento da previdncia que melhorem

    o perfil de financiamento?

    TR - Os defensores da desonerao das contribui-

    es patronais sobre a folha de pagamento alegam

    que ela propiciaria gerao de emprego e renda. Seus

    estudos indicam alguma correlao entre esta deso-

    nerao e o crescimento dos salrios? O crescimento

    da massa salarial, como consequncia desta desone-

    rao, traria efeitos distributivos benficos?

    FG - Primeiramente, despropositada, no atual cen-

    rio, a proposta de desonerao com vistas a ampliar

    o emprego e a formalidade, dada a dinmica a que

    se assiste no mercado de trabalho. Observa-se, nos

    ltimos anos, uma ampliao expressiva tanto do

    emprego como da formalidade, em razo, principal-

    mente, do crescimento econmico e das polticas de

    fortalecimento do mercado interno por meio da valo-

    rizao do salrio mnimo, da ampliao do crdito e

    de desoneraes fiscais. e a informalidade se concen-

    despropositada, no atual cenrio,

    a proposta de desonerao

    com vistas a ampliar o emprego e a formalidade, dada a dinmica a que se

    assiste no mercado de trabalho.

  • 12 triBUtaO em revista

    tra naqueles trabalhadores que percebem rendimen-

    tos baixos, inferiores ao salrio mnimo, tendo j sido

    implementadas polticas de incluso previdenciria,

    como o simples, o Plano simplificado de Previdncia

    social, o microempreendedor individual e o desconto

    da parcela patronal do iNss do empregado domstico

    no ir. em segundo lugar, os estudos apontam que a

    desonerao da contribuio patronal teria seus efei-

    tos concentrados nos rendimentos dos trabalhadores

    formais e, no meu entender, na ampliao da margem

    de lucro dos empresrios. esses efeitos seriam perver-

    sos em termos distributivos, tornando-se mais agudos

    caso a compensao dessa desonerao fosse realiza-

    da por meio de impostos contribuies sobre a

    receita ou o faturamento. trocaramos uma fonte de

    financiamento de carter neutro e incidente sobre os

    futuros beneficirios da previdncia por uma regressi-

    va e cuja incidncia proporcionalmente maior sobre

    a renda daqueles que no se encontram afiliados ao

    sistema previdencirio. assim, se hoje temos j uma

    parcela importante do financiamento das polticas

    sociais, notadamente, previdncia, assistncia e sa-

    de baseada em tributos indiretos, logo regressivos, a

    mudana que se noticia aprofundaria essa situao de

    iniquidade fiscal. estou, juntamente com colegas do

    ipea, desenvolvendo estudo em que iremos defender a

    necessidade de aes que possam mitigar esses efeitos

    regressivos da desonerao compensada por impostos

    sobre o consumo. Partimos do pressuposto de que

    a desonerao da folha tem por objetivo melhorar a

    competitividade de nossa economia por reduzir os en-

    cargos fiscais que no so passveis de serem retirados

    quando das exportaes, dado o quadro de apreciao

    cambial que vivemos. Nossas propostas de reduo

    de danos so de desonerar a parcela do empregado

    sobre o primeiro salrio mnimo por exemplo, de

    8% para 4% - e a busca de outras fontes de compensa-

    o, entre as quais a tributao sobre a exportao de

    minerais e outras commodities. O objetivo dessas pro-

    postas , de um lado, compensar os efeitos regressivos

    da medida e, de outro, diminuir os encargos sobre o

    mercado interno.

    TR - A mo de obra informal brasileira (vendedo-

    res ambulantes, prestadores de servio domsticos,

    etc.), principalmente, padece de baixa qualificao

    profissional, o que dificulta a sua formalizao.

    Diante deste fato, a pretendida desonerao total

    das contribuies previdencirias incidentes sobre a

    folha de pagamento seria eficaz em elevar o grau de

    formalizao da mo de obra?

    FG - Participei de estudo em que foram avaliados os

    efeitos das contribuies previdencirias sobre o em-

    prego e a formalizao. Dois colegas deram continuida-

    de ao tema e publicaram artigo na revista Planejamento

    e Polticas Pblicas (PPP) do iPea no primeiro nmero

    de 2009. ambos os textos apontam que a crena nos

    efeitos positivos da desonerao das contribuies pre-

    videncirias no emprego e na formalizao est intima-

    mente relacionada ao comportamento do mercado de

    trabalho nos anos 90, marcado pela precarizao das

    relaes trabalhistas e pelo aumento das taxas de de-

    semprego. Luis Henrique Paiva e Graziela ansiliero, au-

    tores do referido artigo, concluem, depois de refinada

    anlise dos trabalhos sobre os impactos da desonerao

    da folha sobre a formalizao que, a hiptese de que

    a reduo da alquota previdenciria ter impactos so-

    bre taxa de formalidade do mercado de trabalho parece

    A desonerao da contribuio

    patronal teria seu efeito concentrado nos

    salrios dos empregados formais,

    impactando negativamente a equidade.

  • triBUtaO em revista 13

    carecer de evidncia apropriada em volume suficiente

    para justificar a adoo da referida poltica fiscal. e,

    ademais, como consequncia da baixa elasticidade da

    oferta de trabalho ou, em outros termos, da demanda

    por emprego (o que significa que os trabalhadores esto

    no mercado de trabalho qualquer que seja o salrio), o

    volume de emprego pouco muda. esse fato associado s

    elasticidades da demanda de trabalho apuradas em v-

    rios estudos de cerca de 0,5 - implica que a incidncia

    econmica das contribuies patronais recai sobre os

    salrios dos trabalhadores. Cabe observar que se trata

    de uma anlise de esttica comparada, diferentemen-

    te do que ocorre no mundo real, que essencialmente

    dinmico. assim, se claro que a desonerao da con-

    tribuio do empregado se transformar imediatamente

    em salrio, no caso da desonerao na contribuio do

    empregador ocorreria, na melhor das hipteses, uma

    disputa ou barganha entre empregados e empregadores

    sobre a apropriao desse benefcio. Pode-se, portanto,

    sustentar que a desonerao da contribuio patronal

    teria seu efeito concentrado nos salrios dos emprega-

    dos formais, impactando negativamente a equidade.

    vale sublinhar, ainda, que a informalidade encontra-se

    concentrada nos trabalhadores de baixos salrios, em

    especial entre aqueles que recebem menos ou pouco

    acima de um salrio mnimo, para os quais vem se ins-

    tituindo polticas de incluso previdenciria, em que se

    destaca a concesso de benefcios tributrios. Os estu-

    dos sobre os impactos dessas polticas simples, PsPs,

    mei e desconto da contribuio patronal do empregado

    domstico no irFP ainda so poucos e no conclusi-

    vos.

    TR - Alm do faturamento, trs alternativas tm sido

    apontadas como possveis fontes de receita para a

    Previdncia Social em substituio s contribuies

    patronais sobre a folha de pagamento: tributao so-

    bre o faturamento; sobre o valor agregado e sobre

    movimentao financeira. Gostaramos de seus co-

    mentrios sobre a viabilidade e alcance de ambas no

    financiamento da Previdncia Social, principalmente

    sobre as repercusses destas fontes em termos distri-

    butivos e equitativos.

    FG - Qualquer uma dessas alternativas aprofunda o

    carter regressivo do financimento da previdncia so-

    cial, pois se troca uma fonte de incidncia neutra por

    tributos que incidem sobre o consumo. entre essas

    alternativas, pouco se sabe sobre a incidncia econ-

    mica ou o nus fiscal da contribuio sobre movimen-

    tao financeira. interessante notar que ao se concen-

    trar a crtica da desonerao da folha aos potenciais

    riscos dela para o financiamento da previdncia, se

    aceita tacitamente sua migrao por outra fonte de fi-

    nanciamento. Ora, o estado paga um novo benefcio

    previdencirio ao afiliado do rGPs quando esse se en-

    quadra nas regras de elegibilidade, direito esse inscrito

    na Constituio e regulamentado na Lei de Custos e

    Benefcios da Previdncia social a previdncia o

    que se chama de regime de caixa em aberto. De onde

    provm os recursos para seu financimento de fato

    fundamental, mas no o que garante o direito, a meu

    ver. Devemos buscar, portanto, que o financimento

    seja o mais progressivo, no lanando mo de fontes

    que oneram os mais pobres, cujo grau de cobertura

    previdenciria bastante incipiente. Como bem apon-

    ta Luis Henrique Paiva e Graziela ansiliero, a desone-

    rao com compensao far com que os mais pobres

    (que pagam proporcionalmente mais impostos sobre o

    consumo no total da renda que os mais ricos) partici-

    pem crescentemente do financiamento do sistema pre-

    videncirio ao qual no podero vir a se socorrer, pois

    no esto filiados. Por fim, deve-se ter presente que

    a desonerao diminui ou arrefece a vinculao exis-

    tente entre contribuies e benefcios, que basilar na

    consistncia tcnica e na sustentabilidade poltica do

    regime previdencirio. Nesse sentido, a desonerao

    tornar mais agudo o errneo conceito de rombo da

    previdncia, problema que sempre apontado pe-

    los mesmos que defendem a desonerao. sero eles

    formadores de opinio esquizofrnicos? acredito que

    no, so em verdade pouco srios e consistentes.

  • 14 triBUtaO em revista

    a RTIGOInconsistncias da Proposta

    de Desonerao da Folha de Salrios

    sar a reduo de receita provocada com a alterao na

    alquota da contribuio. Ou seja, a proposta hoje em

    trmite no Congresso Nacional prev a reduo da con-

    tribuio patronal incidente sobre a folha de salrios

    para 14% ao cabo das redues gradativas e com uma

    fonte alternativa de recursos para os 6% desonerados.

    Os defensores da desonerao da folha de salrios

    baseiam-se em dois argumentos principais para justi-

    fic-la. a reduo dos custos de produo seria trans-

    ferida para os preos, trazendo efeitos positivos para

    o mercado de trabalho e para os produtos brasileiros

    negociados no mercado externo.

    internamente, haveria estmulos ao crescimento

    dos investimentos, o que provocaria uma expanso

    do emprego formal, da parcela da renda atribuda aos

    salrios e, por esta via, do nvel de demanda. as per-

    das de receitas previdencirias resultantes da deso-

    1- economista e mestre em economia. Gerente de estudos tcnicos do sindifisco Nacional

    2- trata-se da contribuio social do empregador, empresa ou entidade a ele comparada, incidente sobre: a) a folha de salrios e demais rendimentos do trabalho; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro.

    lvaro Luchiezi Jr.1

    1 Introduo

    a desonerao das contribuies patronais inci-

    dentes sobre a folha de salrios um tema antigo e

    largamente discutido. ela entrou definitivamente na

    agenda poltica a partir de 2008 por meio da Proposta

    de emenda Constitucional (PeC) n 233/08, que en-

    caminhou a ltima proposta de reforma tributria do

    Governo Federal. O artigo 11 determina redues gra-

    dativas da alquota da contribuio social de que trata

    o art. 195, i, da Constituio2, a serem efetuadas entre

    o segundo e o stimo ano aps a entrada em vigor da

    emenda. a alquota da contribuio patronal incidente

    sobre a folha de salrios hoje de em 20%. em seu

    substitutivo, o relator da Comisso especial da refor-

    ma tributria especificou que estas redues seriam de

    um ponto percentual ao ano, acrescentando a previso

    de fonte de financiamento alternativa para compen-

  • triBUtaO em revista 15

    nerao seriam compensadas com o maior volume de

    contribuies dos trabalhadores formalizados3.

    Por outro lado, nossos produtos comercializados

    no mercado internacional ganhariam maior competi-

    tividade, melhorando o nosso saldo comercial.

    O aquecimento da economia decorrente de ambos

    os efeitos incrementaria a arrecadao tributria, ge-

    rando recursos para a recomposio das receitas pre-

    videncirias.

    este artigo discute as inconsistncias desses argu-

    mentos. a seo 2 mostra o crescimento da formali-

    zao na contratao da mo de obra, argumentando

    que ela decorre do crescimento do produto e de fato-

    res prevalecentes do lado da demanda. Na seo 3 so

    apresentados indicadores do desempenho da inds-

    tria de transformao, sugerindo que as estratgias

    econmico-financeiras empresariais no transferem

    para emprego e renda as redues de custos resul-

    tantes da desonerao da folha de salrios. a seo

    4 define e apresenta a composio do custo do traba-

    lho brasileiro comparativamente ao de outros pases,

    sugerindo que a desonerao no contribuiria para

    melhorar a competitividade dos produtos brasileiros

    no exterior. guisa de concluso, a seo 5 lana

    algumas dvidas sobre as conseqncias positivas da

    desonerao.

    2 Formalidade e Informalidade no Mercado de

    Trabalho

    segundo os defensores da desonerao da folha de

    salrios, as contribuies sociais patronais represen-

    tam um entrave para a gerao de empregos formais.

    maior desonerao levaria gerao de empregos

    formais. esta alegao foi reforada pela dinmica do

    mercado de trabalho brasileiro da segunda metade

    dos anos 1980 e da dcada de 1990 at o incio dos

    anos 2000.

    entre 1990 e 1999 o PiB brasileiro teve um cresci-

    mento mdio anual de 1,65% alternando perodos de

    leve retrao (1990-92), de pequena expanso (1993-

    1997), ou de estabilidade (1998-99).

    a abertura comercial do incio da dcada colocou

    nossas indstrias diante de um cenrio internacional

    fortemente competitivo, obrigando-as a mergulha-

    rem num forte processo de reestruturao produtiva,

    intensivo em capital. Do lado da poltica comercial,

    a taxa de cmbio sobrevalorizada contribuiu para a

    chamada desindustrializao. a oferta de empregos

    no acompanhou o ritmo do crescimento da fora de

    trabalho, resultando em duas conseqncias marcan-

    tes sobre o mercado de trabalho: aumento do desem-

    prego e maior informalidade4.

    Contriburam para este cenrio os seguintes fato-

    res: a contrao da indstria de transformao, setor

    tradicionalmente com alto nvel de formalidade; o

    crescimento do setor de servios, onde a informali-

    dade maior; maior terceirizao da mo de obra em

    decorrncia da reestruturao produtiva5; e fatores

    institucionais associados ao sistema de seguridade so-

    cial e legislao trabalhista, incentivando o estabe-

    lecimento de relaes informais (...)6.

    No contexto da reestruturao produtiva por que

    passava a economia brasileira, era imperativa a redu-

    o de custos, inclusive dos relacionados aos encar-

    gos sociais. a informalizao das relaes de trabalho

    evitava os custos trabalhistas e do sistema de segu-

    ridade social. Como estes eram inevitveis nas rela-

    es formais, a tese da desonerao difundiu-se. mais

    ainda, a reduo dos empregos formais comprometia

    as bases do financiamento da Previdncia social e co-

    3- O crescimento da massa salarial, resultante desta expanso de empregos formais, propiciaria incremento nos recolhimentos da alquota de empregados, do sat, das al-quotas de exposio a agente nocivo, da taxa de administrao da arrecadao de terceiros (apenas da parcela oriunda de empresas em geral) e da prpria alquota patronal esta ltima na hiptese de no haver desonerao total das contribuies patronais. (BarBOZa, aNsiLierO e Paiva, 2007, p.3)

    4- mte, 2002.

    5- ramOs, 2002, apud ULYssea, 2006 e mte, 2002

    6- mte, 2002, p. 2

  • 16 triBUtaO em revista

    locava em pauta a busca por outra base de incidncia

    mais estvel. tanto foi assim que a emenda Consti-

    tucional no 42 incluiu no artigo 195 da Constituio

    Federal o pargrafo 13 prevendo a hiptese da subs-

    tituio gradual, total ou parcial, da contribuio so-

    cial patronal incidente sobre a folha de salrios por

    outra no cumulativa incidente sobre a receita ou o

    faturamento7. mais recentemente, outros setores tm

    defendido a movimentao financeira como base de

    incidncia, alegando que uma alquota de 0,69% inci-

    dente sobre movimentao financeira bancria traria

    efeitos benficos sobre a inflao, crescimento da de-

    manda, do produto e do emprego.8

    a tendncia informalidade das relaes de traba-

    lho reverte-se a partir do incio dos anos 2000. Fato

    marcante foi a crise cambial do incio de 1999 que

    desembocou na criao do cmbio flutuante. a des-

    valorizao do real no incio de 1999 elevou as ex-

    portaes para os setores produtivos e a reduo das

    importaes promoveu o reaquecimento da indstria

    nacional. as conseqncias para o mercado de traba-

    lho foram positivas. registrou-se um forte dinamis-

    mo na gerao de empregos formais, cujas taxas de

    crescimento superaram o crescimento da populao

    economicamente ativa.

    Os dados relativos ao nvel de formalidade do mer-

    cado de trabalho comprovam a reverso da tendncia

    a partir do incio dos anos 2000, tal como indicam os

    dados da PNaD - Pesquisa Nacional por amostra de

    Domiclios, ilustrados no Grfico 1.

    7- vide siLveira e outros, 2008.

    8- CNs, 2009 e Nese, 2010.

    Grfico 1 - taxas de atividade e de Formalizao do mercado de trabalho Brasileiro: 1992-2009

    Fonte: iBGe, Pnad

  • triBUtaO em revista 17

    a taxa de formalizao da mo de obra cai cons-

    tantemente at 1998, tem um grande e rpido cresci-

    mento em 1999 e estabiliza-se at 2002. a partir da

    ela cresce constantemente. a taxa de atividade9 oscila

    em todo o perodo, chegando a 2009 em nvel pouco

    superior a 1992. No perodo 1992-2002 a taxa de for-

    malizao da mo de obra decresce de 56,57% para

    54,08%, enquanto que no perodo 2002-09, a inten-

    sidade do crescimento da formalizao bem maior

    do que o da atividade. enquanto que esta cresce 0,8

    pontos percentuais entre, aquela cresce 5,5 pontos

    percentuais.

    Os dados da Pme - Pesquisa mensal de empre-

    go, que abrange apenas seis regies metropolitanas10,

    confirmam este resultado, conforme indica o Grfico

    2. O emprego formal cresce paulatinamente nestas

    regies a partir de 2003, chegando a 51,64% em de-

    zembro de 2010, ao passo que o emprego informal cai

    de 20,97% para 17,52%.

    Os empregos formais tm crescido sem que haja

    nenhuma correlao com o nvel de incidncia da

    contribuio patronal.

    tal crescimento do nvel de empregos formal est,

    portanto, associado a outros fatores, principalmente

    ao desempenho da economia brasileira, bastante im-

    pulsionada pela demanda. veja-se o comportamento

    dos empregos formais em anos de bom desempenho

    do PiB. Nas regies metropolitanas, entre dezembro

    9- Porcentagem de pessoas economicamente ativas

    10- recife, salvador, Belo Horizonte, rio de Janeiro, so Paulo e Porto alegre.

    Grfico 2 - Pme: evoluo do emprego Formal. ms de referncia: Dezembro

    Fonte: iBGe, Pesquisa mensal de emprego

  • 18 triBUtaO em revista

    de 2009 e dezembro de 2010, eles aumentaram 2,9%,

    contra 1,4% entre o mesmo perodo de 2008 e 2009,

    ou seja, mais do que o dobro. em 2009 o PiB regis-

    trou crescimento negativo de 0,2%.

    a evoluo do nvel de emprego setorial mostrado

    na tabela 1 corrobora com esta afirmativa.

    exceo da agropecuria todos os demais setores

    econmicos foram capazes de gerar um saldo positivo

    entre admisses e desligamentos no perodo 2008-10.

    Novamente, o movimento do emprego acompanha o

    desempenho econmico. O saldo sempre maior nos

    anos de bom desempenho do produto (2008 e 2010)

    e menor no ano de mau desempenho (2009).

    3 Emprego e Indicadores de Desempenho na In-

    dstria de Transformao

    se por um lado a evoluo do emprego positiva,

    a indstria trata de mant-lo sempre num nvel est-

    vel. em momentos de crescimento econmico o de-

    sempenho dos ndices de produo fsica e de fatura-

    mento sempre melhor do que o ndice de emprego.

    Os dados do Grfico 3 mostram que, entre 2008

    e 2010, o ndice de emprego na indstria de trans-

    formao mantm-se bastante estvel e em nveis in-

    feriores produo fsica e ao faturamento real. No

    auge da crise econmica (2 trimestre de 2008 e 1 de

    2009) os trs indicadores apresentaram queda e o n-

    dice de emprego, embora casse, manteve-se acima da

    produo e do faturamento. Nos momentos de cresci-

    mento (trs primeiros trimestres de 2008 e todo o ano

    de 2010), contudo, os ndices de produo e de fatu-

    ramento so bem superiores aos de emprego. assim

    que, em 2010, o faturamento real cresceu 28,35%, a

    produo fsica 6,4% e o pessoal ocupado 2,5%.

    a tabela 2 mostra a evoluo dos ndices de fatu-

    ramento real, emprego e massa salarial real da inds-

    tria de transformao segundo os subsetores inten-

    sivos em mo de obra11 ou em capital12. No perodo

    analisado nessa tabela ambos os subsetores mantm

    um crescimento do faturamento real em nveis supe-

    riores a 20%. entretanto, o comportamento dos ndi-

    ces de emprego e da massa salarial bastante distin-

    Setores Produtivos2008 Desligamentos menos Admisses

    2009 Desligamentos menos Admisses

    2010 Desligamentos menos Admisses

    Total 1.452.204 995.110 2.555.421

    Ind. Extrativa Mineral 8.671 3.036 17.715

    Ind. Transformao 178.675 10.865 544.367

    Servios Ind. de Utilidade Pblica 7.965 4.984 20.034

    Construo Civil 197.868 177.185 334.311

    Comrcio 382.218 297.157 611.900

    Servios 648.259 500.177 1.018.052

    Administrao Pblica 10.316 18.075 10.417

    Agropecuria 18.232 (15.369) (1.375)

    11- alimentos e Bebidas, txteis, vesturio, Couros e calados, madeira, Papel e celulose, edio e impresso, refino e lcool, mveis.

    12- Produtos qumicos, Borracha e plstico, minerais no metlicos, metalurgia bsica, Produtos de metal, mquinas e equipamentos, mquinas, aparelhos e materiais eltricos, material eletrnico e comunicao, veculos automotores, Outros equipamentos de transporte.

    Tabela 1 - saldo entre Desligamentos e Demisses no mercado de trabalho Brasileiro

    Fonte: mte - CaGeD, Lei 4.932-65

  • triBUtaO em revista 19

    Grfico 3 - indstria de transformao: indice de evoluo da produo fsica, pessoal ocupado e faturamento 2008-2010 (2008 = 100)

    Fonte: CNi, indicadores industriais

    Subsetores/Indicadores 2008 2009 2010 2011

    mar jun set dez mar jun set dez mar jun set dez mar

    subsetores intensivos em mo de Obra

    Faturamento real 119,90 115,65 131,13 110,21 126,94 115,02 128,61 125,23 145,58 127,76 140,58 122,59 145,11

    emprego 100,70 102,96 104,10 99,18 97,19 97,35 98,86 97,13 99,62 100,67 102,40 100,13 100,15

    massa salarial real 101,53 103,78 104,87 122,75 100,91 100,39 101,62 120,55 105,21 107,59 111,14 127,42 107,21

    subsetores intensivos em Capital

    Faturamento real 114,12 126,48 134,40 110,24 113,21 109,49 122,08 122,08 131,62 122,09 130,24 144,15 141,21

    emprego 100,99 102,53 104,72 101,50 96,24 95,18 96,95 96,95 101,87 103,70 105,93 105,43 107,24

    massa salarial real 98,70 95,00 99,43 123,70 94,52 90,59 92,85 92,85 99,45 98,14 104,93 124,38 108,43

    Tabela 2 - ndices de Faturamento real, emprego e massa salarial real da indstria de transformao subsetores intensivos em mo de Obra e em Capital

    Fonte: CNi, indicadores industriais

  • 20 triBUtaO em revista

    to do ndice de faturamento real. enquanto que nos

    setores intensivos em mo de obra a massa salarial

    cresce 5,6% no perodo considerado, nos setores in-

    tensivos em capital ela cresce 9,86%. O ndice de em-

    prego registrou pequena queda de 0,5% nos setores

    intensivos em mo de obra, enquanto que nos setores

    intensivos em capital houve crescimento de 6,2%.

    a indstria de transformao consegue manter seu

    faturamento em nveis mais elevados do que o em-

    prego e a massa salarial. Nos setores intensivos em

    capital o desempenho do emprego e da massa salarial

    melhor do que nos setores intensivos em mo de

    obra.

    estes nmeros lanam dvidas sobre a capacidade

    de a desonerao gerar impactos positivos no merca-

    do de trabalho. Uma desonerao das contribuies

    patronais certamente reduziria os custos de produ-

    o, propiciando s empresas maior rentabilidade e

    lucratividade, mas um efeito positivo sobre a gerao

    de empregos e de renda incerto13. No haveria, ne-

    cessariamente, contratao de maior volume de tra-

    balhadores. O crescimento sustentado do produto o

    meio mais seguro para gerar tal resultado.

    estudo realizado por Bitencourt e teixeira14 indica

    que a maior parte dos efeitos benficos de uma deso-

    nerao dos encargos sociais para a economia ocorre

    somente em nveis superiores a 50%. Os efeitos da

    reduo dos encargos sobre o mercado de trabalho

    so a queda nos salrios menor nos salrios urbanos

    de mo de obra qualificada do que no de no quali-

    ficada e o aumento da taxa de desemprego rural e

    urbano, esta ltima menor apenas quando a desone-

    rao superior a 50%.

    ressalte-se que a desonerao prejudica o nvel

    de emprego e, como conseqncia, implica em maior

    rentabilidade do capital:

    (...) os capitais rural e urbano apresentam va-riao positiva. O que ocorre na economia uma transferncia do fator mo-de-obra, principal-mente no qualificada, para capital (rentabilida-de), cuja conseqncia um acrscimo na taxa de desemprego, rural e urbano (...)15

    Os efeitos da reduo dos encargos sobre os nveis

    de preos e de investimentos so neutros.

    em termos de renda do governo e da arrecadao

    tributria, os efeitos so negativos qualquer que seja

    o percentual de desonerao. Obviamente, pela falta

    de um sucedneo em termos de arrecadao.

    4 Custo do Trabalho e Competitividade Interna-

    cional

    Os encargos sociais e os salrios so dois dos com-

    ponentes do custo total do trabalho. salrios devem

    ser entendidos como o total da remunerao, direta

    e indireta, recebida pelo trabalhador como contra-

    partida pela prestao de trabalho a um empregador.

    as contribuies sociais referem-se aos encargos in-

    cidentes sobre a folha de salrios e que no revertem

    diretamente em benefcio do trabalhador16.

    O custo total do trabalho , assim, um conceito

    mais amplo, sendo definido, segundo a Oit como:

    o custo incorrido pelo empregador na contra-tao de mo de obra. O conceito estatstico de custo do trabalho compreende a remunerao pelo trabalho realizado, os pagamentos relativos ao tempo pago, mas no trabalhado, bnus e gratificaes, o custo da comida, bebida e outros

    13- Fernando Gaiger, em entrevista publicada nesta edio, tambm compartilha deste ponto de vista. veja-se (...) a desonerao da contribuio patronal teria seus efeitos concentrados nos rendimentos formais e, no meu entender, na ampliao da margem de lucro dos empresrios.

    14- BiteNCOUrt, m. B. e teiXeira, 2008. Os autores chegaram ao resultado por meio da utilizao de modelo economtrico de equilbrio geral, construindo seis cen-rios, divididos em dois grupos. No primeiro grupo, composto de 3 cenrios, admite-se que o peso inicial dos encargos sociais sobre a folha de pagamentos de 25,1%. No segundo grupo, composto de mais 3 cenrios, o peso de 45%. No primeiro cenrio de cada grupo supe-se uma reduo de 5,8 pontos percentuais nos encargos, referen-tes s contribuies para o sistema s. No segundo, os encargos so reduzidos em 50% relativamente ao peso inicial e no terceiro, o peso dos encargos de 9%, percentual este prximo da mdia dos pases concorrentes ao Brasil.

    15- idem, p. 73

    16- Dieese, 2006. a ONU define a soma dos salrios e das contribuies como compensaes aos empregados da seguinte forma: a remunerao dos empregados composta por todos os pagamentos feitos por produtores de ordenados e salrios a seus empregados, em espcie, bem como em dinheiro, e de contribuies em relao aos seus empregados para a segurana social e de previdncia privada, seguro contra acidentes, seguro de vida e sistemas semelhantes. (ONU, 1968).

  • triBUtaO em revista 21

    pagamentos em espcie, o custo de habitaes sociais a cargo dos empregadores, gastos patro-nais com encargos sociais, custo para o emprega-dor para a formao profissional, servios sociais e itens diversos, tais como transporte de traba-lhadores, a roupa de trabalho e de recrutamento, juntamente com os impostos considerados como custo do trabalho17 (grifo nosso)

    resumidamente, o custo total do trabalho a soma

    das despesas remuneratrias e de manuteno do tra-

    balhador, encargos sociais incidentes sobre a folha de

    salrios, treinamento e benefcios.

    sendo assim, em termos da insero competitiva

    da empresa no mercado, especialmente no mercado

    internacional, o custo relevante o custo total do tra-

    balho, e no apenas o custo dos encargos incidentes

    sobre a folha de salrios18, uma vez que este parte

    daquele.

    Para duas empresas que tenham o mesmo custo

    total do trabalho, no haver diferencial competitivo

    entre elas do ponto de vista dos custos trabalhistas

    se os encargos sociais, como percentual sobre a folha

    de salrios, forem bastante inferiores numa delas19.

    isto significa que, no caso de uma forte desonerao

    da folha de salrios no Brasil, uma empresa brasilei-

    ra que compete no mercado internacional com, por

    exemplo, uma empresa chinesa, no passaria a ter,

    necessariamente, maior vantagem competitiva. sabe-

    -se que o componente salrio no custo do trabalho de

    uma empresa chinesa baixssimo e menor do que

    o brasileiro20. a vantagem competitiva, se existir, de-

    penderia da magnitude da desonerao e dos concor-

    rentes no mercado internacional.

    em termos internacionais, o custo do trabalho no

    Brasil j bastante baixo, tal como indicam os dados

    da tabela 3. Da amostra de 34 pases, a qual con-

    templa pases desenvolvidos, emergentes e em desen-

    volvimento, somente dois pases (Filipinas e mxico)

    apresentaram, em 2009, custo da mo de obra por

    hora inferior ao brasileiro.

    Para conseguir reduzir seus custos do trabalho a n-

    veis inferiores ao do mxico, exclusivamente por meio

    da desonerao das contribuies sociais, o Brasil pre-

    cisaria desonerar suas contribuies sociais, com base

    no ano de 2009, em 85,82%, o que seria impraticvel.

    alis, em termos de competio internacional, o

    mxico no parmetro para o Brasil. Dentre os fa-

    tores que tornam seus produtos mais competitivos,

    alm do reduzido custo total do trabalho, esto sua

    proximidade fsica dos estados Unidos, podendo

    atender mais rapidamente as encomendas do seu vi-

    zinho e com menor custo de transporte, alm de se

    beneficiar da ausncia de quotas de importao como

    membro do NaFta (acordo de Livre Comrcio da

    amrica do Norte)21.

    Dentre os pases relacionados na tabela 3, o Brasil

    apresenta a maior participao dos custos com segu-

    ro social e tributos trabalhistas na compensao total

    do trabalho. este indicador refere-se participao

    relativa dos gastos com seguro social no custo total

    do trabalho. talvez seja por esta razo que os empre-

    srios defendem a desonerao. ela uma forma de

    reduzir a participao relativa dos custos com encar-

    gos no custo total do trabalho. mas o seu reflexo em

    termos de vantagem competitiva para o Brasil prati-

    camente nulo. reduzir aquilo que j muito baixo

    o custo total do trabalho em nada contribuiria para

    o maior acesso a mercados dos produtos brasileiros.

    17- Oit, 1967, p. 39.

    18- eUZeBY (1999), apud marQUes e eUZBY, 2003.

    19- Dieese, idem.

    20- Chan (2009) aponta quatro razes principais para que os salrios chineses tornem os produtos daquele pas to competitivos no mercado internacional: oferta de traba-lho quase inexaurvel; descentralizao administrativa e desregulamentao de salrios na reforma econmica, fazendo com que os governos das provncias fizessem vistas grossas explorao da mo de obra; ausncia de sindicatos autnomos que lutem pela preservao de salrios; o sistema domstico de registro chamado hukou que previne fluxo migratrio rural-urbano incontrolado.

    21- idem.

  • 22 triBUtaO em revista

    Pases

    2009 2008

    Compen-sao aos emprega-

    dos1

    Pagamento Total2 Gastos com Seguro Social3

    Compen-sao aos emprega-

    dos1

    Pagamento Total2 Gastos com Seguro Social3

    Vlr. Vlr. % Vlr. % Vlr. Vlr. % Vlr. %

    estados Unidos 33,53 25,63 76% 7,90 24% 32,23 24,77 77% 7,46 23%

    argentina 10,14 8,37 83% 1,77 17% 9,95 8,21 83% 1,73 17%

    austrlia 34,62 27,49 79% 7,13 21% 36,91 29,31 79% 7,60 21%

    ustria 48,04 35,88 75% 12,16 25% 47,81 35,71 75% 12,10 25%

    Blgica 49,40 34,68 70% 14,72 30% 50,82 35,66 70% 15,16 30%

    Brasil 8,32 5,63 68% 2,70 32% 8,48 5,73 68% 2,75 32%

    Canad 29,60 23,61 80% 5,99 20% 32,70 26,08 80% 6,62 20%

    repblica Checa 11,21 8,15 73% 3,06 27% 12,20 8,95 73% 3,24 27%

    Dinamarca 49,56 44,52 90% 5,04 10% 50,08 44,83 90% 5,25 10%

    estnia 9,83 7,24 74% 2,58 26% 10,34 7,73 75% 2,61 25%

    Finlndia 43,77 34,31 78% 9,45 22% 44,68 35,03 78% 9,65 22%

    Frana 40,08 27,57 69% 12,51 31% 42,23 28,52 68% 13,71 32%

    alemanha 46,52 36,14 78% 10,37 22% 48,22 37,67 78% 10,55 22%

    Grcia 19,23 13,92 72% 5,31 28% 19,58 14,18 72% 5,41 28%

    Hungria 8,62 6,39 74% 2,24 26% 9,77 7,14 73% 2,64 27%

    irlanda 39,02 33,06 85% 5,96 15% 39,37 33,36 85% 6,01 15%

    israel 18,39 15,41 84% 2,98 16% 19,51 16,46 84% 3,05 16%

    itlia 34,97 24,34 70% 10,63 30% 35,77 24,90 70% 10,88 30%

    Japo 30,36 24,95 82% 5,42 18% 27,80 22,84 82% 4,96 18%

    Coreia do sul 14,20 11,68 82% 2,52 18% 16,27 13,38 82% 2,88 18%

    mxico 5,38 3,93 73% 1,45 27% 6,12 4,47 73% 1,65 27%

    Holanda 43,50 33,45 77% 10,05 23% 44,72 34,39 77% 10,33 23%

    Nova Zelndia 17,44 16,92 97% 0,52 3% 19,12 18,61 97% 0,51 3%

    Noruega 53,89 43,97 82% 9,91 18% 58,22 47,51 82% 10,71 18%

    Filipinas 1,50 1,37 91% 0,13 9% 1,55 1,42 92% 0,13 8%

    Polnia 7,50 6,32 84% 1,18 16% 9,38 7,91 84% 1,48 16%

    Portugal 11,95 9,54 80% 2,41 20% 12,24 9,77 80% 2,47 20%

    singapura 17,50 15,05 86% 2,45 14% 18,85 16,21 86% 2,63 14%

    eslovquia 11,24 8,02 71% 3,22 29% 10,89 7,84 72% 3,05 28%

    espanha 27,74 20,46 74% 7,29 26% 27,63 20,62 75% 7,00 25%

    sucia 39,87 27,18 68% 12,69 32% 44,09 30,42 69% 13,66 31%

    sua 44,29 37,72 85% 6,57 15% 43,76 37,00 85% 6,76 15%

    taiwan 7,76 6,61 85% 1,14 15% 8,68 7,40 85% 1,28 15%

    reino Unido 30,78 24,31 79% 6,46 21% 35,75 28,25 79% 7,51 21%

    Tabela 3 - Custo da mo de obra por hora na indstria manufatureira, 2008-09

    Fonte: Bureau of Labor statistics. international Comparisons of Hourly Compensation Costs in manufacturing, 1996-20091 - Compensao aos empregados = pagamento total + gastos com seguro social e tributos trabalhistas2 - Pagamento total = remunerao total por hora trabalhada ( salrio base; remunerao por empreitada; horas extras, pagamento por troca ou substiuio, trabalho noturno e feriados; bnus e prmios) + benefcios diretos (pagamento por dias no trabalhados - frias, feriados, e outras au-sncias, execeto ausncia por doena; bnus sazonais e irregulares; licenas para assuntos familiares, para mudanas, etc.; pagamentos em espcie; indenizaes no previstas em acordo coletivo)3 - Gastos com seguro social = aposentadoria e penso por invalidez; seguro sade; seguro de garantia de renda e licena por doena; seguro de vida e por invalidez acidental; acidentes de trabalho e compensaes por doena; outras despesas da seguridade social; impostos lquidos de subsdios sobre folhas de pagamento

  • triBUtaO em revista 23

    O estudo de Bitencourt e teixeira mostra que a de-

    sonerao dos encargos sociais traria melhorias para

    o comrcio internacional dada pelo crescimento das

    exportaes e reduo as importaes. a acumulao

    de maior rentabilidade do capital, conseqncia da

    elevao da taxa de desemprego, viabiliza os investi-

    mentos e, por esta via, maior produo e crescimento

    das vendas internas e externas.

    a desonerao dos encargos sociais provoca, assim,

    um resultado perverso. apenas o capital se beneficia,

    em detrimento dos empregos e dos salrios. Os ganhos

    de rentabilidade e de lucratividade somente mostrariam

    seus efeitos benficos sobre o nvel de investimentos,

    sem repercusses em termos de gerao de emprego e

    renda e de formalizao do mercado de trabalho.

    ressalte-se, entretanto, que tais benefcios, mes-

    mo que exclusivos ao capital, apenas ocorreriam me-

    diante nveis de desonerao impraticveis.

    a este respeito, um estudo realizado pelo Banco

    mundial22 mostra que at o patamar de 50% de deso-

    nerao haveria uma reduo de 2% a 5% no custo

    total das empresas, assumindo-se que o governo eli-

    minaria tributos (contribuies sociais) e os benefcios

    financiados pelos tributos. segundo as concluses do

    estudo, tal reduo no viabilizaria investimentos pro-

    dutivos ou gerao de empregos. Ou seja, uma forts-

    sima reduo de encargos traria um benefcio relativa-

    mente pequeno exclusivamente para empresrios, sem

    contrapartida para os trabalhadores e para o pas.

    5 Breve Concluso

    Um debate aprofundado sobre a desonerao da

    folha de salrios, construdo ao largo de posies

    dogmticas, deve necessariamente levar em conside-

    rao e de maneira abrangente e apropriada, os indi-

    cadores de evoluo recente da economia brasileira.

    Os dados aqui apresentados lanam dvidas so-

    bre os efeitos benficos que desonerao da folha de

    salrios capaz de promover para o mercado de tra-

    balho e para a competitividade externa dos nossos

    produtos.

    tais benefcios dependem muito mais do desem-

    penho positivo da economia a mdio e longo prazo

    crescimento sustentado do produto, controle fiscal

    e da inflao, etc. do que do estmulo de medidas

    regulatrias pontuais, como o caso a reduo das

    alquotas da contribuio social patronal.

    Os custos totais do trabalho no Brasil, bastante

    baixos se comparados internacionalmente, j impri-

    mem a necessria competitividade aos nossos produ-

    tos no exterior. a melhor insero competitiva de nos-

    sas empresas no mercado globalizado est muito mais

    associada ao desenvolvimento de vantagens compa-

    rativas clssicas como a especializao na produo,

    melhorias de produtividade, etc. pouco plausvel

    que uma reduo ainda maior desses custos venha a

    melhorar nossas vantagens comparativas.

    respondendo ao maior dinamismo da economia,

    o mercado de trabalho brasileiro est sendo capaz,

    desde 2002, de reduzir o nvel de informalidade e de

    gerar mais empregos sem o auxlio de qualquer medi-

    da de reduo dos encargos sociais.

    as estratgias empresariais tm sido bem sucedi-

    das, nos tempos de crise ou no, em manter o fatu-

    ramento e a produo das empresas bem acima dos

    ndices de emprego e de salrios.

    a desonerao da folha de salrios exerceria pou-

    ca ou quase nenhuma influncia sobre a dinmica do

    mercado de trabalho e sobre a competitividade exter-

    na dos produtos brasileiros, mas certamente exerceria

    efeito significativo sobre os custos totais das empresas,

    viabilizando-lhes, ao menos num primeiro momento, o

    crescimento da rentabilidade e da lucratividade.

    enquanto a desonerao acena para os trabalha-

    dores com a esperana de melhores salrios e mais

    empregos, ela pode viabilizar maior acumulao para

    os empresrios, ampliando a concentrao de renda

    e fragilizando o financiamento da previdncia social.

    22- BaNCO mUNDiaL,1996, p. 36.

  • 24 triBUtaO em revista

    BarBOZa, e. D.; aNsiLierO, G.; Paiva, L.H.s. Financiamento da Previdncia social:impactos de curto prazo de uma eventual desonerao da folha salarial. Braslia: ministrio da Previdncia social. informe da Previdncia social, v. 9, n. 9. set. 2007, p. 1 a 6.

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  • triBUtaO em revista 25

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    REFERNCIAS

  • 26 triBUtaO em revista

    a RTIGOReforma Tributria Simples: Reconstruindo

    os Laos Nacionais do Federalismo Brasileiro e Resgatando a Dignidade do Contribuinte

    ver sua atividade empresarial em parceria com o Fisco e

    no contra o Fisco.

    reforma Fiscal no um projeto de lei ou emenda

    constitucional, um pedao de papel, um processo de

    reconstruo de nossa identidade que exige a tomada

    de conscincia sobre fatos polticos, econmicos, jur-

    dicos e crenas que definem o pacto federativo e deter-

    minam o papel do estado e da participao do cidado

    nos rumos das polticas pblicas.

    O Direito no uma varinha de condo mgica que

    altera a realidade a partir de simples indicativo prescri-

    to em documento legal, obrigando, proibindo ou per-

    mitindo condutas. No cremos que a prtica de burlar

    leis seja um esporte nacional, mas h no ar, aparen-

    temente, essa percepo: uma idia de ineficcia legal

    que se associa idia de impunidade. Culpar o sistema

    1- Bacharel e Doutor em Direito. Professor e Coordenador do Ncleo de estudos Fiscais e da escola do Direito de so Paulo da FvG.

    eurico marcos Diniz de santi1

    1 Brasil, sai da UTI...

    ante a crise do petrleo na dcada de 70, quase 20

    anos de ditadura e sucessivas crises econmicas, um

    alento ver o Brasil exibindo essa exuberante situao

    na ordem econmica mundial, ainda que talvez fugaz.

    Contudo, foram muitos anos em que o Brasil ficou na

    Unidade de tributao intensiva, tributando para so-

    breviver e pagar as contas. Hoje o cenrio outro, o

    paciente exibe disposio para disputar mercados com

    a China e correr junto com os tigres asiticos; con-

    tudo, a mesma parafernlia tributria de outrora con-

    tinua desviando sangue que o pas poderia empregar

    em artrias mais produtivas: precisa sair da Uti, precisa

    ser competitivo, precisa resgatar os laos da federao

    estilhaada, precisa exportar, precisa de simplicidade e

    transparncia para que o contribuinte possa desenvol-

  • triBUtaO em revista 27

    moral simplista; pretender ensinar moral , no mni-

    mo, discutvel. ser que precisamos de regras morais

    mais rgidas? tornar o no pagamento de tributos e o

    desvio ou mal gasto de recursos pblicos um tormento

    e infligir o pecador no parece ser a soluo para nossos

    problemas fiscais.

    acreditamos que esse processo comea com a cons-

    truo dc uma base de informaes confivel sobre da-

    dos a ser compartilhada por pesquisadores, forrnulado-

    res de opinio e de polticas pblicas. No h sentido

    em discutir apenas modelos conceptuais e convices

    pessoais. O xito desse processo depende do debate p-

    blico e aberto dc suas premissas e de uma radiografia

    precisa do atual sistema. trata-se, pois, dc processo que

    h de ser informado pela idia central da transparncia

    que motive uma revoluo criadora de cidadania fis-

    cal: saber quanto se paga, porque se paga e, alm disso,

    indagar sobre a oportunidade e qualidade dos gastos

    pblicos.

    Os caminhos parecem turvos, talvez seja momen-

    to de resgatar os laos com a economia, a Poltica e,

    principalmente, com o Direito Financeiro, como vem

    insistindo h mais de duas dcadas ary Oswaldo mattos

    Filho.2 eis um caminho necessrio: uma reforma fiscal

    que se conecte com outros saberes, pois tributao, or-

    amento e gasto pblico formam um s sistema e no

    podem ser pensados isoladamente: a carga tributria

    sobe porque sobem os gastos pblicos. impor raciona-

    lidade to-s no sistema tributrio ajuda, mas no altera

    a equao da carga tributria demandada pelo sistema

    dos gastos pblicos.

    2 Problemas no Sistema Tributrio Brasileiro: au-

    sncia de um Fisco Nacional e a presena dos trs

    lees federados

    apesar das divergncias entre modelos e propostas, h

    grande convergncia entre especialistas e o prprio Gover-

    no sobre os problemas do sistema tributrio Brasileiro: (i)

    muitos tributos incidentes sobre as mesmas bases: seis tri-

    butos indiretos sobre bens e servios (iPi, COFtNs, Pis,

    CiDe, iCms e iss); dois tributos incidentes sobre o lucro

    (irPJ e CsLL); (ii) alto custo de adequao das empresas

    no cumprimento de obrigaes acessrias; (iii) insegu-

    rana jurdica gerada nos contenciosos administrativos e

    judiciais; (iv) incidncia cumulativa da tributao indire-

    ta, onerando investimentos e exportaes; (v) tributao

    excessiva da folha de salrios quc prejudica a competiti-

    vidade nacional, estimulando a informalidade e a forma-

    o de pessoas jurdicas artificiais; (vi) guerra fiscal entre

    estados (iCms x iCms); (vii) guerra fiscal entre estados e

    municpios (iCms x iss); (viii) guerra fiscal entre muni-

    cpios (1ss x iss); (ix) guerra Fiscal da Unio contra es-

    tados e municpios, utilizando e desvinculando contribui-

    es e reduzindo a tributao sobre os impostos repartidos

    via Fundo de Participao dos estados (FPe) e Fundo de

    Participao dos municpios (FPm); (x) guerra fiscal dos

    contribuintes contra Unio, estados e municpios como

    forma de escapar da alta carga tributria mediante esque-

    mas legais alternativos de planejamento tributrio e; (xi)

    guerra fiscal entre contribuintes, que desloca a competiti-

    vidade para o custo tributrio e induz mais planejamento

    tributrio entre as empresas que concorrem entre si nos

    diversos segmentos da economia.

    3 Desafios da Guerra Fiscal: contra quem?

    a Guerra Fiscal, especialmente em relao ao iCms

    e entre os estados, um tema praticamente constante

    em todos os discursos e propostas sobre reforma tri-

    butria. Contudo, detectou-se na pcsquisa algumas

    perplexidades: de um lado, percebeu-se que na expe-

    rincia internacional o tema visto muitas vezes como

    uma forma sadia de baixar a carga tributria sobre o

    contribuinte; dc outro, consultadas as sries dos dados

    disponveis na secretaria do tesouro Nacional sobre as

    receitas tributrias estaduais. verificamos que a receita

    tributria do iCms s tem crescido. claro que esse

    2- mattOs FiLHO, ary Oswaldo (Coord.). reforma Fiscal: Coletnea de estudos tcnicos. so Paulo: Dorea, 1993.

  • 28 triBUtaO em revista

    crescimento pode decorrer da expanso do PiB, efi-

    cincia da administrao tributria ou outros fatores,

    contudo, tambm no se encontra prova emprica de

    que o expediente da guerra fiscal, numa perspectiva

    sistmica, tenha provocado perdas efetivas para os Fis-

    cos estaduais.

    Proibir no eficaz3. Na medida em que os dispo-

    sitivos que concedem incentivos revelia do CONFaZ

    dependem da declarao de inconstitucionalidade pelo

    stF, os estados sistematicamente burlam essa dinmi-

    ca: ora editando novas leis que garantam os mesmos in-

    centivos depois de declarada a eventual inconstitucio-

    nalidade; ora mediante a revogao do diploma antes

    do julgamento de sua inconstitucionalidade, de forma

    que a aDiN perca seu objeto, para em seguida editar

    nova lei concedendo o mesmo incentivo. H ainda o

    problema de que muitos incentivos so concedidos de

    foma obscura, dificultando seu questionamento.

    Guerra fiscal: contra quem? Nessa ttica de guer-

    rilha o contribuinte quem cai e sofre no campo de

    batalha: os estados seduzem com incentivos ilegais

    que mobilizam os contribuintes para seus territrios,

    mas os outros estados buscam caar os efeitos de tais

    incentivos, normalmente relativos ao direito ao crdi-

    to do iCms. causando dano direto aos contribuintes.

    Ou seja, na prtica dessa guerra fiscal quem sempre sai

    perdendo o contribuinte, que fica iludido por ilega-

    lidades patrocinadas pelos prprios estados, os quais

    fomentam a insegurana jurdica e subjugam o contri-

    buinte a enfrentar juridicamente, ao mesmo tempo, o

    estado que concede o beneficio ilegal e o estado que

    glosa o mesmo beneficio em nome da legalidade. Ou

    seja, nessa guerra fiscal, enquanto os estados e o stF

    brincam no jogo da legalidade/ilegalidade, explorando

    as ineficincias do sistema de controle de constitucio-

    nalidade, quem toma bala o contribuinte4. talvez

    isso explique o porqu do prolongamento dessa guerra

    sem nenhuma atitude efetiva por parte dos estados ou

    do senado Federal: no problema deles, problema

    do contribuinte!

    4 Tributao sobre folha de pagamentos: um pro-

    blema mundial

    No Brasil, h uma espcie de clamor social para a

    desonerao da tributao sobre a folha de pagamen-

    tos. alguns segmentos da sociedade, como a Confede-

    rao Nacional de servios e os sindicatos e centrais

    de trabalhadores, tm colocado especial nfase neste

    tema sob a alegao que tal desonerao geraria mais

    empregos, incentivaria a formalidade e aumentaria a

    competitividade nacional, pois o Brasil seria um dos

    pases que mais onera a folha.

    em vrios paises tais como Canad, alemanha. in-

    glaterra, ndia e Frana, observa-se que h tributao

    sobre a folha de pagamentos, bem como vrias alquo-

    tas para determinados beneficios, os quais variam de

    acordo com cada pas. sendo assim, nada muito dife-

    rente do que ocorre no Brasil. entretanto, h pontos

    que poderiam ser melhorados no Brasil para dar mais

    transparncia ao sistema: a questo da separao entre

    prmios, benefcios relativos a estes prmios (com cl-

    culos atuarias) e assistncia social.

    Outra peculiaridade da tributao sobre a folha no

    Brasil e que justifica o discurso reformista so os cha-

    mados penduricrios, tributos que tambm incidem

    sobre a folha, aumentando a onerao do trabalho no

    Brasil. Ou seja, alm da contribuio para a previdn-

    cia social, incidem sobre essa mesma base de clcu-

    lo: salrio educao (2,5%), iNCra (0,2%), imposto

    sindical (1 dia de salrio ao ano), sesC/sesi (1,5%),

    seNai/seNaC (1 %) e seBrae (0,6%). No obstante

    cada um desses tributos ter suas justificativas histri-

    3- varsaNO, ricardo. a Guerra Fiscal do iCms: Quem ganha e quem perde. rio de Janeiro, instituto de Pesquisa econmica aplicada. 1997.

    4- alis, se o improvvel acontecesse e o stF julgasse todos os incentivos indevidos como inconstitucionais, tambm no seriam os estados os perdedores, mas sim os con-tribuintes que acreditaram nos estados induzidos pelas vantagens fiscais: enfim, se a guerra fiscal acabar, caber ao contribuinte o esplio dessa batalha em que s funcionou corno vtim

  • triBUtaO em revista 29

    cas, a discusso que se coloca se a folha de salrio

    continua sendo a base mais adequada para obteno de

    tais recursos de forma impositiva.

    5 O engdo da no-cumulatividade

    a no-cumulatividade outra demanda sempre pre-

    sente nos discursos sobre reforma tributria, em especial

    dos setores exportadores. Foi utilizada, recentemente,

    como o cavalo de batalha central na derrocada da CPmF.

    No obstante seja encarada como direito do contri-

    buinte e at princpio constitucional, o fato que na pr-

    tica a no cumulatividade outorga mais complexidade ao

    sistema, menos transparncia e acaba funcionando como

    eficiente e silencioso instrumento para o aumento da ar-

    recadao do Fisco. O Fisco se utiliza de tal expediente

    quando oferece isenes no meio da cadeia. restringe a

    tomada de crditos financeiros e difere em 48 meses o

    aproveitamento de crditos na aquisio de bens do ativo

    imobilizado. enfim, na prtica impositiva, nega o direito

    ao crdito em decorrncia de sua prpria ineficincia, de-

    clarando contribuintes inidneos com efeitos ex tunc ou,

    na guerra fiscal, glosa crditos legalmente oferecidos por

    outros entes federativos. alm disso, assistimos atualmen-

    te a multiplicao dos regimes de substituio ou tributa-

    o monofsica que, em nome de facilitar a arrecadao,

    ignoram sobejamente a no-cumulatividade.

    enfim, para que serve mesmo a no-cumulatividade?

    6 Perspectivas jurdicas para superao do impasse

    sobre a reforma tributria no Brasil

    No h dvida sobre a complexidade do impasse que

    envolve o tema da reforma tributria no Brasil: acumulam-

    -se e acotovelam-se problemas de ordem histrica, polti-

    ca, econmica e social, aparentemente de dificil equacio-

    namento. alm disso, constatamos que, definitivamente,

    no so jurdicos os problemas centrais que impem resis-

    tncia ao discurso sobre a reforma tributria.

    Que fazer?

    acreditamos que o direito pode ajudar. Neste t-

    pico, desenvolveremos algumas idias e propostas de

    como o conhecimento das estruturas normativas pode

    ajudar a compreender e propor mudanas no processo

    propositivo da reforma tributria no Brasil.

    7 O Ovo da Serpente: Brasil Colonial e Origens do

    Extrativismo Fiscal

    No h texto sem contexto. Nem Direito sem His-

    tria. No possvel entender nossas instituies nem

    nossas leis, sem encontrarmos os devidos contextos

    histricos e culturais que do fundamento e sustenta-

    o ao nosso sistema tributrio: (i) seria a distribuio

    da renda?; (i