Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro...
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Transcrição da entrevista
A: Boa tarde
E: Boa tarde
A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui
connosco hoje.
A: A finalidade da nossa entrevista vai ser perceber o processo de integração
profissional da nossa área de Ciências da Educação, agora Educação e Formação, e a
importância desta entrevista é basicamente isso, para nós termos umas luzes mais
abrangentes do que nós podemos ou não fazer com este curso após a licenciatura. Pelo
que a sua participação é..., para nós é muito importante e seja o mais honestamente
possível connosco ou esteja à vontade para partilhar histórias que ache relevantes para
além do que for questionado. Garantimos também o anonimato das informações que nos
vai disponibilizar e podemos também fornecer os resultados do nosso trabalho no final.
A: Pronto, já agora queria confirmar se a entrevista pode ser gravada.
E: Pode ser gravada.
A: Então, nós gostaríamos de começar pelo seu percurso antes da licenciatura.
A: Gostaríamos de começar pelas suas razões que o levaram a escolher este curso.
E: Então, eu sou o Ruben tenho 25 anos e sou natural de lagos. Vim para Lisboa estudar
foi sempre uma vontade que eu quis, vir a para a capital estudar. Na altura não sabia
muito bem o que é que queria..., pronto, a área que queria seguir e Ciências da
Educação apareceu com ali como.... como mais uma possibilidade sem saber muito bem
para o que é que.... quais seriam as saídas profissionais. A primeira opção foi Direito, a
segunda foi Educação Básica e a terceira foi Ciências da Educação, foram estas as
minhas opções. Por uma questão de média não entrei, nem em na primeira nem na
segunda. Entrei na terceira. Ora bem, entrei em Ciências da Educação não sabia muito
bem para o que é que este curso servia em termos de saídas profissionais uma vez que a
única informação que no prestavam era que este curso não dá para ser professor e creio
que quando nós pensamos em educação pensamos... Acabamos sempre por associar à
escola. Mas, felizmente, percebi que educação existe em todo o lado e a escola é apenas
uma pequena fatia. É claro que no início não percebi isso, só percebi isso mais tarde,
basicamente. Não sei se respondi bem à primeira pergunta!
A: Sim, a maneira como chegou aqui acabou por ser um bocado acidental.
E: Sim, foi acidental e acho que acaba por ser acidental para a maioria dos casos.
A: Também acho que sim.
E: Sim, contudo existe uma grande percentagem de pessoas que entram para as Ciências
de Educação, nomeadamente aqui para esta instituição, sempre com o objetivo de
fazerem transferência mais tarde para o curso de psicologia, mas essa não foi de todo a
minha intenção, nunca quis ser psicólogo.
A: E antes de entrar para a faculdade tirou o curso de Ciências e Humanidades?
E: Sim, essa foi a minha área em Lagos, numa escola secundaria claro, em Ciências
Sociais e Humanas, foi essa a minha área.
A: Já agora, quando entrou no curso, de uma forma por assim dizer "acidental" , assim,
nos primeiros tempos que expetativas é que começou a criar em relação ao curso?
E: Eu não criei grandes expetativas, no meu primeiro ano aliás fazia somente as
cadeiras, tentava-me esforçar para ter boas notas, pois sabia que mais tarde poderia ser
importante, mas nunca criei grandes expetativas porque na verdade eu não sabia para o
que é que este curso servia e creio que nessa altura os professores também acabavam
por não facultar muitas informações nesse sentido, isso no início custa-nos um bocado,
não é? Estarmos aqui sem sabermos muito bem para o que é que vamos ne? Mas creio
que também cabe a cada um de nós tentar perceber e tentar investir, tentar investigar e
tentar perceber quais são as saídas profissionais.
A: E ao longo do tempo foi criando expetativas?
E: Bom, há um momento muito importante em que eu creio que foi aí o momento de
viragem, que foi quando decidi inscrever-me no encontro nacional de estudantes de
Ciências de Educação em Braga na Universidade do Minho para... para além de ter sido
muito importante lá foi o momento também ..., porque um professor daqui, um
professor desta... daqui do Instituto de Educação, o professor Fernando Costa, ele
estava lá, ele ia lá comunicar, dar um conferência e ele ficou muito entusiasmado, veio
pergunta o porquê de eu estar ali e perguntou-me quais seriam assim as ocupações
dentro das Ciências da Educação que eu gostava de fazer/ frequentar, eu disse-lhe que
havia uma que a mim me despertava muito interesse, que era ser professor universitário
e então, nesse momento ele perguntou-me: " Então mas se quiseres, podes já começar
amanhã"- e eu - " Como assim?". Uma vez que tinha tido uma... uma boa nota a uma
disciplina dele, que também era dada pela professora Joana Viana, eles..., eu fiquei
responsável por dinamizar creio que cinco sessões de tecnologias I. Na altura estava no
segundo ano e foi aí que possivelmente houve um maior despertar. E aí tive a
possibilidade de falar com o professor Fernando Costa, com a professora Joana Viana e
eles ensinaram-me outras coisas de uma forma mais próxima, ou seja, que ia ao
encontro daquilo que eu precisava naquele momento, que era nomeadamente planificar
sessões de formação para as aulas de Tecnologia I. Isto foi assim, o grande início e creio
que foi aí que comecei a gostar e a tirar boas notas, porque percebi que isso era
importante, é efetivamente muito importante tirar boas notas. É claro que há coisas que
também são mais importantes, por vezes o que nós sabemos não consegue estar
catalisado numa nota, não é? Por vezes não cabe dentro de um número, mas creio que é
importante o valor de certo modo, permite pelo menos distinguir e possivelmente
permite-nos tentar chegar mais longe uma vez que nós vivemos num mundo que é
altamente competitivo e uma nota faz a diferença. Até porque num momento de uma
entrevista, ao nível das entrevistas de recrutamento que são momentos tão curtos, é
muito difícil nós conseguirmos mostrar as nossas reais capacidades e competências e
possivelmente uma nota tem um peso maior, não deveria ter, mas tem.
A: Sim acaba por ser um indicador de certa forma.
A: Mas, então, pode-se concluir que se adaptou bem a faculdade. Não?
E: Se me adaptei bem a faculdade? Não sei muito bem se me adaptei à faculdade,
possivelmente está adaptação aconteceu também porque fiz parte da associação de
estudantes, já na altura estava no meu primeiro ano quando conheci pessoas mais velhas
do que eu, que me vieram formular esse convite e eu aceitei. Foi um momento
importante, não o considero muito importante, foi importante ali o quanto basta e aí
possivelmente fiquei a conhecer mais pessoas, comecei a trabalhar em equipa com
outros colegas e tive dois mandatos, um a trabalhar as questões da comunicação, eu é
que fazia os cartazes, a publicidade, o site, que aliás foi feito por mim e que hoje
atualmente ainda existe e creio que esta participação na associação de estudantes
também permitiu de de certo modo uma maior integração, mas não me considero de
todo uma pessoa popular, nem hoje nem na altura, sou uma pessoa completamente
normal.
A: Olhando em retrospetiva e olhando para a licenciatura qual é diria que foram os
pontos fortes e os pontos mais fracos em termo de currículo?
E: Bom pelo que sei o curso ao longo dos últimos anos tem vindo a sofrer algumas
alterações, nomeadamente ao nível da designação, antigamente era Ciências da
Educação e hoje é Educação e Formação, isto é um bocado estranho e isto por mais que
possa parecer apenas uma designação, isto tem muita coisa por de trás, isto tem muita
política por trás e muitos interesses. Pontos fortes e pontos fracos?
A: Na sua opinião o que é que consideraria.
E: Pontos fortes, possivelmente os trabalhos de grupo que foram sempre realizados,
basicamente em todas as disciplinas, os trabalhos de campo que nos permite ter uma
certa visão do conjunto de saídas profissionais, o que nos permite também ouvir um
"não" e saber pensar porquê, se não tentar arranjar outras estratégias/alternativas e
acima de tudo um ponto forte, que é hoje em dia um ponto forte, mas que na altura
achava que podia ser melhorado, era portanto fragilidade que era o facto de sermos nós
alunos ir à procura das pessoas e não ser o professor a dar a instituição ou as pessoas,
porque é importante nós assumirmos uma postura ativa, tentar investigar, tentar saber
quem são as pessoa. Um ponto fraco que hoje identifico, mas que na altura não
identificava era que em praticamente todas as instituições onde existia Ciências da
Educação existe uma cadeira de filosofia de educação e acho que essa é uma grande
lacuna, porque aqui creio que falta essa disciplina, pôr as pessoas a pensar, uma
disciplina em que o objetivo seja somente a reflexão sobre as temáticas que são
importantes, creio que poderia ser melhorado nesse sentido. Sei que já foram feitas
muitas alterações, mas sei que não foi integrada nenhuma disciplina com esta
designação. Um outro ponto fraco foi quando houve uma junção, aliás houve a
separação da faculdade de Psicologia das Ciências da Educação, isto porque houve uma
junção do departamento de Ciências, aliás departamento entre ensino e faculdade de
Ciências, em que está faculdade foi invadida por um conjunto de professores que não
são não de Ciências de Educação e não sabem o que são Ciências da Educação, portanto
se aqui se entendia a educação de uma forma mais alternativa, pensada fora dos
contextos mais escolares e universitários, também esses professores trouxeram essa
leitura mais tradicional, mais redutora e isso veio alterar aqui a forma como as
disciplinas eram dadas e hoje em dia se vocês repararem nós estamos numa faculdade
de Ciências da Educação e quere o diretor da faculdade, quere o presidente da
assembleia, quere o presidente do Conselho pedagógico não são pessoas das ciências da
educação, são posso as do ensino com visões mais direcionadas para a escola, para a
didática e creio que esta junção não foi a melhor de todo positiva. Aliás até é muito
evidente o conflito que se faz sentir entre professores da Ciências de Educação, desta
casa, e os professores que pronto…, dali do outro lado da Alameda e creio que este foi
um ponto fraco que eu senti, embora muitos colegas meus não façam ideia de que isto
se tenha passado.
A: Abocado, quando estava a dizer que faria falta a disciplina de filosofia da educação,
existem outras disciplinas ou outras mudanças curriculares que faria se pode-se no
curso?
E: Eu não sei muito bem como o curso agora está estruturado, mas sim uma mudança é
que aqui Ciências da Educação possivelmente…, alias ao tentarem encaixar a escola
dentro das ciências da educação eu diria que isto remete para a ideia de um “Iceberg”,
que em cima de água nós temos 25% e de baixo de água temos 75%, ou seja, a escola
poderia ser somente os 25% e creio que a licenciatura está muito vocacionada e muito
direcionada para as práticas escolares e se nós pensarmos bem o mestrado em Educação
e Formação de adultos, que é o meu mestrado. Ele já não existe, ele foi instinto, ou seja,
isto é tudo uma questão de interesses, de políticas, também possivelmente eu colocaria
um conjunto enorme de disciplinas que consigam partilhar uma visão mais abrangente
da educação e da formação e não tanto afunilada para a escola. Se nós pensarmos aqui o
que é que nós temos Administração, alias e é muito engraçado que aqui é Sociologia da
Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, tudo é educação mas no
fundo é tudo da escola. Eu creio que aqui os nomes estão um bocado trocados
basicamente, pelo menos esta é a minha visão das coisas.
A: Continuando com o Mestrado, já que o mencionou, como considera importante a sua
escola da área específica?
E: Bom, eu confesso que no meu terceiro ano eu estava com vontade de sair daqui,
estava com vontade de conhecer uma outra instituição universitária. Na altura como me
tinha candidatado para fazer Erasmus durante a licenciatura e na altura não foi possível
eu pensei: “vou continuar aqui e vou aproveitar os protocolos que existem entre o
instituto, entre a Universidade de Lisboa e outras universidades”. E assim foi, só fiquei
aqui porque já existiam protocolos bem definidos e eu já na licenciatura inscrevi-me
para fazer Erasmus, o que iria dar equivalência ao primeiro ano de mestrado, e assim
foi. Decidi Educação e Formação de Adultos porque na altura pareceu-me, e hoje ainda
me parece, que é… é um mestrado mais abrangente, ainda que tenha o nome Educação
e Formação de Adultos, ele não está somente vocacionado para trabalhar ao nível de
educação com adultos, tomara muito que as metodologias que se utilizam em alguns
contextos com os adultos fossem aplicadas em contextos onde se trabalha com crianças,
e pareceu-me porque era o campo mais abrangente, porque se nós pensarmos, eu com
este mestrado consigo trabalhar por exemplo as questões das tecnologias, consigo
formar professores, porque eles são adultos, ou seja, estou convencido que é a área mais
abrangente. Depois acabei também por ir para São Paulo fazer o meu… meu primeiro
ano de mestrado e ai sim tive a possibilidade de conviver com uma metodologia de
trabalho de encarar a educação de uma forma muito diferente, muito mais
problematizada, muito mais vidada para a liberdade e não tanto para as regras, coisas
obrigatórias que são impostas pelas pessoas. Depois também tinha gostado de trabalhar
com alguns professores, nomeadamente a Professora Cármen Cavaco, e aqui
possivelmente a escolha também foi aquela temáticas, porque a disciplina de Educação
e Formação de Adultos tinha sido muito bem dada, não só pela Professora Cármen
Cavaco, mas também pela professora Irene Santos, e foi uma coisa que pesou na
escolha.
A: Acabou por fazer estágio durante o Mestrado?
E: Não.
A: Não fez estágio?
E: Não. Não porque eu acredito que o estágios…, hoje em dia os estágios estão … estão
a ser desenvolvidos de uma forma muito pouco ética. O estágio basicamente serve para
nós estarmos ocupados, estarmos a desenvolver um conjunto de funções e tarefas que
podiam estar a ser renumeradas e não estão. Na altura fui para São Paulo e quando
chega-se, quando regressa-se tinha de escolher entre dissertação, estágio e projeto. Eu
na altura, assim que cheguei comecei logo a trabalhar, pensei: “ bom, eu não preciso de
estagiar eu já estou a trabalhar e isto funciona já como um estágio e estou a ser pago o
que é ainda melhor”, e como achava que conseguia fazer uma Dissertação de mestrado,
fiz uma Dissertação de Mestrado, acabando já no Brasil, sem qualquer tipo de
orientação, recolher dados para depois utilizar na minha Dissertação, e assim foi.
A: Hum … começou logo a trabalhar por contive. Nós agora podemos começar …
E: Não foi por convite.
A: O convite que abocado mencionou do professor …
E: Ah …, sim, mas aí eu não eu não considero … não considero um trabalho, considero
um apoio às aulas de tecnologias.
A: Então, quando é que começou a exercer a sua primeira profissão?
E: Assim que regressei do Brasil. Já era licenciado, na altura partiu-se muito da ideia de
que com uma licenciatura não se conseguia trabalhar em Ciências de Educação e eu
achava que isso não … não tinha que ser exatamente assim e então, tipo, candidatei-me
para um local de formação, que era o local onde eu tinha lá vários colegas a trabalhar e
sabia que a relação do trabalho não era a melhor, mas percebi na altura que podia ser
uma pampa de lançamento para muitas coisas, e assim foi. Eu fui trabalhar para um sítio
que sabia que iria receber pouco, que iria receber muito atrasado, que iria ser explorado,
iria ter um trabalho altamente precário, mas decidi arriscar. Às vezes dizem: “ Ah pois,
é porque tu tinhas um conjunto de pessoas atrás de ti que te poderiam suportar em
termos monetários”, não … não foi nada disso, apenas decidi arriscar. Hoje em dia, já
me paragem tudo aquilo que me deviam, mas foi muito importante porque foi o
primeiro sítio onde trabalhei na área que me permitiu ganhar experiência para hoje em
dia estar onde estou.
A: Se poder dizer, que funções desempenhava?
E: Nesse primeiro trabalho?
A: Sim
E: Nesse primeiro trabalho era formador numa empresa de formação, que ainda hoje
existe, é uma empresa que ainda hoje explora o pessoal das Ciências de Educação, eles
gostam de ter pessoal de Ciências de Educação. Portanto, isto … isto é muito perigoso,
as pessoas aproveitam-se do desespero das pessoas, as entidades sabem que as pessoas
querem ter experiência, querem ganhar dinheiro e aproveitam-se, exploram e isto é
muito triste! A área da Educação e da Formação está muito subjugada a estes
preconceitos. Mas lá o que é que fazia? Muito bem, nós quando acabamos a licenciatura
em Ciência da Educação temos a possibilidade de pedir equivalência ao nosso
certificado de competências pedagógicas que é obrigatório para darmos formação em
contexto profissional. É uma questão de nós fazermos uma equivalência das nossas e
dirigirmo-nos a uma plataforma estatal e pedirmos então o certificado, fazer um
conjunto de disciplinas, unidades curriculares, as várias competências que é necessário
um formador possuir. Então, pedi, candidatei-me, passei na fase da entrevista, na altura
a receber cinco euros à hora, hoje em dia à licenciados e mestrados nesse mesmo local a
receberem três euros à hora, quer dizer é qualquer coisa muito … muito baixa, mas
basicamente estava responsável estava responsável por dar formação, ao nível da
formação pedagógica inicial de formadores, em Portugal para ser dar formação em
qualquer contexto é obrigatório ter um certificado que é o CCP o antigo CAP, e eu dava
os vários módulos. O que é que se aborda? A legislação associada à formação
profissional relacionada também com a educação e a formação de adultos, fala-se das
principais competências que um formador deve ter, um conjunto de competências de
natureza mais técnica ao nível da gestão e organização da formação, definir objetivos,
conteúdos, por ai fora e depois competências a nível mais interpessoal que é liderança,
comunicação, conflitos, autoconfiança, por ai. Então, esta responsável por trabalhar
estes conteúdos e ainda falar sobre plataformas colaborativas de aprendizagem, aquilo
que se trabalha em tecnologias, falar também sobre a avaliação, falar sobre
metodologias, esta responsável basicamente por dar formação em contexto presencial,
um curso que tem noventa horas. Tive lá cerca de um ano, nessa mesma empresa.
A: Tirando, pronto, o ordenado e os colegas, mas a nível mesmo da exerção das suas
funções, que dificuldades assim mais relevantes é que encontrou logo a partida?
R: Dificuldades… possivelmente conseguir estabelecer ali uma relação empática e
harmoniosa com um conjunto de pessoas que são todas diferentes e que parece que o
formador e obrigado a ter que gostar de todos, e ter que, ter que estabelecer uma relação
minimamente positiva e assertiva e empática com todos. Isso e particularmente difícil.
Do ponto de vista dos conteúdos, é claro que exige muita investigação, muito estudo
numa fase inicial. Hoje em dia eu dou exatamente o mesmo, esse mesmo curso numa
outra instituição, e eu… eu não me preparo. Não me preparo porque aquilo são
conteúdos que fazem parte já da minha vida eu todos os dias trabalho em parte com
pessoas com esse objetivo e já não sinto esse necessidade de me preparar. Sinto sim,
necessidade de investigar, de ler mais, para que possa aperfeiçoar também as minhas
competências, isso sim… mas ao tentar estabelecer aqui uma ponte entres os
conhecimentos que se trabalham aqui e os conhecimentos que eu tive que trabalhar
enquanto ex-formativo tive que portanto ensinar… existe algum desfasamento. Ou seja,
ainda que seja tudo muito semelhante, por exemplo, lá abordam-se questões que aqui
não se abordam, ou seja, e é necessário investigar mais, contudo é o curso em Portugal
que tem, hum, que tem uma maior proximidade em termos de conteúdos – as Ciências
da Educação e a Formação de, de Formadores. Grandes dificuldades, não consigo
identificar assim uma grande dificuldade, sou uma pessoa que acho que consigo lidar
bem com as dificuldades e… e arranjo sempre um conjunto de estratégias para
conseguir ultrapassa-las, e ai quando surgem algumas dificuldades falava com pessoas
mais experientes do que eu; partilhava também algumas situações com alguns
professores daqui e eles foram sempre pessoas que me conseguiram ajudar. É claro que
estas dificuldades elas são muito ultrapassadas com a experiencia, quanto mais vezes se
repete aquela situação a partida vamos conseguir também aperfeiçoando e ganhar um
conjunto de estratégias para ultrapassar estas dificuldades.
A: Hum… Em termos do que estou a um nível mais teórico e depois a aplicar na pratica
sentiu assim algum contraste, algum choque, que não tivesse assim a espera?
R: Hum… repete lá a pergunta, se faz favor?
A: Se… se ao passar o conteúdo teórico, se depois ao aplica-lo na prática sentiu assim
algum contraste.
R: Hum… É assim, muito sinceramente, eu acho que aquilo que se aprende aqui, por
vezes nos aprendemos porque, porque quer dizer aqui os conteúdos eles são
espartilhados não é, um dia aprendesse isto, um dia aprendesse aquilo, na disciplina
aprendesse aquilo… e basicamente as coisas perdem-se, né? Tipo na altura, como eu
não sabia para que e que isto servia né, eu estudava para os testes mas depois
rapidamente aquela informação desaparecia da minha memória não é? E ao voltar a
trabalhar, ao voltar, alias, ao iniciar o trabalho na formação inicial de formadores ai sim
parece que houve aqui uma dinâmica retrospetiva e fui buscar alguns apontamentos, fui
ler os materiais que ai sim foram… foram uteis. Mas é claro que, no ponto visto teórico
aquilo… tudo aquilo que nos aprendemos aqui é muito importante até que não seja para
tentar não fazer ou…, ou tentar não repetir aquilo que se aprendeu aqui é sempre uma
dinâmica que é, que é interessante e que cabe refletir no que é melhor ou pior que se
aprende em qualquer instituição do ensino superior.
A: Nesse caso, consideraria o seu… o local de trabalho, o mundo de trabalho também
como um processo, um mundo diferente de aprendizagem?
R: Claro que sim, claro que sim. Alias, o local de trabalho é altamente formativo e se
nós pensarmos um bocadinho, não é… eu creio que, cada vez, acho que isto é mais,
acontece cada vez com mais frequência que é: nós tentamos, eu creio que o ser humano
tem tendência para associar a aprendizagem à escola, à universidade, mas isso não é
verdade. Basta pensarmos que possivelmente os vossos avós, os vossos bisavós não
andaram na escola. E ele… E eles certamente foram pessoas capazes para encontrar um
conjunto de estratégias para ultrapassar as dificuldades que foram aparecendo nas vidas
deles, não é? A escola é uma invenção relativamente recente e surge aqui muito como
uma instituição, criada pelo estado, para manter… para tentar preservar aqui uma certa
herança cultural mas acima de tudo com uma perspetiva muito vincada ao nível do
controlo social, tentar definir aquilo que as pessoas devem aprender, e a que horas, por
ai fora.
A: Hum…
R: Sim, o local é muito… o local de trabalho é altamente formativo porque à partida
trabalha-se, alias, eu tenho vindo a trabalhar sempre com, com colegas, e felizmente
existem sempre uma, sempre possibilidade para trocar ideias, para tentar dar feedback, e
tentar encontrar novas estratégias de dinamizar o conteúdo. E também eu aprendo muito
com os meus formandos ou os nossos alunos, como queiram chamar, não é, são pessoas
que ajudam muito a perceber estas questões da educação, da formação, e quando
qualquer coisa não corre bem com um grupo eu tenho que alterar para que esse mesmo
problema não se verifique com outros grupos. Isto está a gravar não está?
A: Eu… espero que sim…
R: Tá.
M: Acho que está.
R: Sim.
M: É de lado.
R: É aqui, isto é igual ao meu. Aqui.
A: Hum, em relação ao, agora que… já nos disse que continua a exercer as mesmas
profissões, enquanto a perspetivas futuras, hum, o que é que pensa…
R: Se calhar é, é importante falar um bocadinho sobre o meu percurso profissional,
porque entretanto eu já fiz muitas coisas. Algumas coisas… que é… eu iniciei então,
hum, nessa primeira empresa que vos falei a dar a formação pedagógica inicial de
formadores no momento em que voltei de S. Paulo. E eu em S. Paulo, para além das
disciplinas que frequentei, tive a possibilidade de integrar um conjunto de projetos, de
iniciativas não-governamentais, ou seja, onde se trabalha a educação num ponto de via
mais horizontal, mais flexível, onde as pessoas vão ao encontro dessas iniciativas
porque sentem que é uma necessidade, estão motivadas, e à partida nestes contextos a
aprendizagem acaba por ser mais significativa porque eu vou aprender aquilo que eu
quero, eu quero tentar dar resposta a uma dificuldade, a uma necessidade. Então foi ai
que tive possibilidade de contactar com o movimento dos trabalhadores rurais sem terra,
não sei se conhecem?
A: Ah, eu pessoalmente não…
R: O MST que é um movimento… são pessoas que não tem casa, e que ocupam
espaços. Aqui possivelmente na Europa isto acontece em países mais urbanos. No
Brasil, como existe uma grande zona rural isto acontece, estas ocupações ocorrem ao
nível de terras, que não tem dono. Então as pessoas sentem-se no seu direito de ocupar
terras que não cumprem qualquer função social e lá, ah, constroem as suas casas,
cultivam as suas... os seus, os seus alimentos, criam os seus próprios animais, e tive a
possibilidade de contactar com um destes movimentos socais através de uma disciplina.
E depois, como eu na altura que fui para S. Paulo queria fazer mais qualquer coisa do
que fazer as disciplinas e tentar divertir-me, fui falar com uma professora e ela levou-
me a conhecer um projeto de alfabetização e, ah, em S. Paulo. E, quando voltei a
Portugal, eu senti muita vontade em dar continuidade a este trabalho porque é muito
engraçado perceber que a educação ela pode-se posicionar em dois pontos muito
distintos. Aqui em Portugal e na União Europeia, em grande parte devido à adesão à
União Europeia, falar de educação parece que é falar, alias, falar de educação destinada
a adultos parece que remete automaticamente para a ideia de formação profissional. E
não é por nada que agora a vossa licenciatura é de Formação e Educação, porque a
formação está associada a formação profissional. Esta associada, esta associada ao
ganho de competências para que possam ser automaticamente colocadas no posto de
trabalho a favor de uma certa produtividade, dum lucro, falamos aqui de recursos
humanos. E lá, no Brasil, eu pude contactar com outra visão da educação, uma educação
virada para a emancipação seja a nível da escrita, da escrita e leitura. E a, e acaba por
ser uma escrita e leitura que não é para ler o abecedário e saber contar, é uma escritura-
leitura para que as pessoas possam ter acesso aos seus direitos, aos seus deveres, e a
uma postura mais ativa. E quando cheguei a Portugal, queria, quis, na altura queria
muito dar continuidade a este tipo de projetos, de iniciativas, foi então que contactei
uma organização não-governamental “Os Médicos do Mundo” e consegui abrir uma
oficina de escrita e leitura num projeto que hoje já terminou que é o projeto, que era o
projeto “Viver Saudável” cujo objetivo era de promover o envelhecimento ativo a um
conjunto de idosos, vítimas da exclusão social. Entretanto, a organização gostou muito
do meu trabalho, e eu passei de voluntário a trabalhador. Tive portanto cerca de sete
meses a trabalhar nos “Médicos do Mundo”, uma organização que não trabalha somente
as questões da saúde ligadas aos aspetos físicos mas também aos aspetos psicológicos e
sociais. Tive a coordenar um conjunto de oficinas ocupacionais, ou seja, isto na prática
o que é que, como é que isto ocorria? Nós tínhamos um conjunto de oficinas, vamos
imaginar, escrita e leitura, teatro, dança, canto, horta, jardinagem, trabalhos manuais,
passeios, yoga, tai-chi, e a, medicina tradicional chinesa… e eu tava a coordenar na
altura quinze oficinas ocupacionais em que, diariamente, os idosos deslocavam-se às
nossas instalações no centro de convívio para, pronto, para terem… para terem acesso a
estes serviços e conviverem, e também para saírem um bocadinho de casa e não estarem
tão isolados, não é? Acho que esse era também o objetivo do projeto. Para além disso, o
que é que eu fazia nos “Médicos do Mundo”, fazia muitas outras coisas, fazia relatórios
estatísticos, não é, mais uma vez aqui a, a quantidade sobrepõe-se a qualidade, por
exemplo eu lembro-me que na altura foram várias as oficinas que fecharam porque não
tinham uma adesão que a minha coordenação considerasse adequada, ou seja,
basicamente estas organizações não-governamentais funcionam hoje em dia como as
empresas, onde a quantidade é melhor que a qualidade, em que um número é muito
mais importante do que tentar tirar um, ou uma pessoa de casa. E, e fui despedido. Fui
despedido porque basicamente criou-se um grande conflito entre mim e a minha
coordenadora, porque por vezes, quem sabe pensar sobre as questões da educação e da
formação pode arranjar grandes conflitos lá fora, não é? E não é por nada que, e não é,
exatamente, e não é por nada que aqui não existe uma cadeira de filosofia de educação!
Porque pensar, dá trabalho, e pode arranjar muitos conflitos, muitos problemas, então
prefere-se trabalhar a educação num ponto de vista mais mecânico, mais técnico. Ora
bem, saí dos “Médicos do Mundo”, fiquei ali uma semana sem, sem trabalho. Consegui
logo arranjar trabalho, na área, mais uma vez, nomeadamente no local onde hoje estou a
trabalhar. Trabalho no “Instituto de Educação e Desenvolvimento Profissional”, aqui no
Campo Grande, e sou responsável pela formação pedagógica inicial de formadores, tou
lá a praticamente um ano. Entretanto no meio de tudo isto, tive a possibilidade de
trabalhar numa outra empresa, um trabalho feito em casa, portanto, o objetivo era
construir um conjunto de recursos, nomeadamente vídeos, para serem instrumentos,
ferramentas de apoio a cursos dados à distância. Trabalhei também numa, ah, numa
outra entidade mais pontual que é o SENJOR, que é uma escola muito conceituada em
Portugal de formação de jornalistas. E, em Junho, tive a possibilidade de ir para Angola,
tive em angola a dar, a dar um projeto de consultadoria de três semanas, tive a trabalhar
no Banco de Desenvolvimento Angolano, e que o objetivo foi trabalhar três áreas de
conteúdos muito distintas: condução de reuniões, atendimento ao cliente e
apresentações em público. E este foi assim mais ou menos o meu percurso profissional.
A: Ocupado…
R: Ah! E entretanto no meio disto tudo uma tese, uma dissertação de mestrado que deu
muito, muito trabalho.
(Risos)
A: Em termos de realização pessoal, no entanto, tem sido satisfatório, tem…?
R: Sim. Mas creio que poderia estar ainda mais realizado porque… a grande tendência
que existe é para desvalorizar a educação do seu ponto de vista inicial, que é… que é
mais relacionado com uma certa ideia de emancipação e não tanto de adaptação à
sociedade. Hoje em dia, aquilo que me deixa… aquilo que me entristece mais é que as
pessoas vão aprender numa perspetiva de adaptação à sociedade em que nós vivemos,
não é? Vamos imaginar que temos muitos desempregados, temos uma vaga de trabalho.
Possivelmente vai vencer aquela pessoa que, hoje em dia, tenha… mais diplomas,
contudo isso não significa necessariamente que essa pessoa seja mais conhecedora ou
que seja mais competente. Isto por vezes deixa-me um bocado triste. E também ao nível
salarial, não é? Por vezes… Aliás, eu estou convencido que já não existe uma relação
direta entre o trabalho e o salário. Felizmente no local onde eu trabalho isto não se
verifica assim tanto, contudo, no último mês, aconteceu, pela primeira vez, que parece
que a entidade está a fazer um favor ao pagar o formador, o trabalhador. Já não é
direto… as pessoas têm que enviar emails, têm que explicar que precisam do dinheiro
para pagar isto, isto, isto e isto. Isto desmotiva! Isto desmotiva. E a tendência é diminuir
salários e não aumentar. Contudo, as exigências são cada vez maiores… as
responsabilidades. E dinamizar um grupo de adultos que… um grupo de adultos que são
muitíssimo exigentes, que são pessoas que são todas licenciadas, pessoas com mestrado,
com doutoramento nas mais variadas áreas, não é? E tentar encontrar ali pontos em
comum, dá muito trabalho. Eu levo muito trabalho para casa. Eu… eu há um ano que
sou eu a pessoa que avalia e corrige um conjunto de propostas formativas. E isso não é
feito no local de trabalho, isso não é contabilizado, eu faço isso em casa. E eu não
recebo mais dinheiro por isso, não é?
A: Mas vamos aproveitar já agora essa questão para… na sua, na sua.... No seu ver
como é que a sociedade em geral olha para nós de Ciências de Educação? Já
mencionaste que é assim com um bocadinho de desprezo…
R: Aliás como é que a sociedade olha para as Ciências da Educação? A sociedade não
sabe da existência das Ciências da Educação, creio eu, não é? Eu acho que são poucas
as pessoas que sabem. Eu creio que a sociedade em geral não conhece as Ciências da
Educação. Conhece a educação. Conhece as escolas superiores de educação e,
possivelmente, se nós formos para a rua perguntar… ahhh… o que é que são as
Ciências da Educação, possivelmente, vamos ter muitas pessoas que não vão saber dar
uma resposta e, se calhar, aquelas que vão responder, vão dizer que “Ah! São
professores”. Contudo, as Ciências da Educação são muitíssimo importantes. Existem
muitas leituras de Ciências da Educação. Eu tenho a minha própria leitura. Ninguém me
disse que as Ciências da Educação eram… é isto. É claro que depois sustento esta a
minha opinião num conjunto de autores, de professores que considero muitíssimo
importantes. E aqui não posso deixar de mencionar a professora Cármen Cavaco, a
professora Paula Guimarães, o professor António Nova, que são pessoas que têm uma
visão alternativa, diferente daquilo que é a educação. Educação não é… A educação...
Se nós formos para a rua perguntar o que é que é a educação, as pessoas vão dizer…
Aliás eu deparo-me com isto no meu local de trabalho. Eu pergunto a pessoas que vão
ser formadores, o que é que é a educação. Ah, é a escola, é transmitir conteúdos. Não,
não é nada disso. Educação é qualquer coisa que se confunde com a nossa própria vida.
Começa a partir do momento em que nós nascemos e acaba no momento em que nós
vamos, em que nós vamos para a cova. E basicamente educação é tudo aquilo que… é
tudo aquilo que vai acontecendo no nosso percurso de vida. As Ciências da Educação
não são reconhecidas, tenho a certeza absoluta, esta é a minha visão, mas são
muitíssimo importantes. Creio que se as pessoas conseguissem perceber a importância
das Ciências da Educação, creio que nós não teríamos tanto insucesso escolar, por
exemplo. Creio que nós teríamos escolas muito mais felizes e creio que outros projectos
relacionados com iniciativas de natureza mais… de natureza não governamental, que
são construídos a partir dos interesses das pessoas poderiam ser muito importantes a
partir do momento em que as Ciências da Educação acreditam neste tipo de ideias e que
estas ideias pudessem chegar aos espaços que são concebidos para ensinar, como é a
escola, como é a universidade. Mas felizmente existem grandes profissionais da área das
Ciências da Educação que têm feito um trabalho muitíssimo importante. Poderemos
pensar, por exemplo, na Escola da Ponte, não sei se conhecem. Uma escola no Porto
que foi desenhado e foi desenvolvida por um professor da Universidade do Minho, de
Ciências de Educação, que é o José Pacheco, em que basicamente é uma escola onde
não existe campainhas. E não existe campainhas porquê? Porque o objetivo não é
separar. Agora temos o Português, toca a campainha para o intervalo e depois temos a
Matemática. Não. Lá não há separação de conteúdos. Todo o conteúdo é um todo. E
acaba por ser uma relação muito mais… horizontal, existe um clima de cooperação
muito, muito elevado e creio que isso é muito importante. E creio que as Ciências da
Educação permitem-nos cultivar esta ideia que faz todo o sentido, a partir do momento
em que nós só aprendemos aquilo que realmente é importante, não é? E creio que a
aprendizagem que acontece em função dos nossos desejos, das nossas motivações, das
nossas necessidades é aquela que realmente é importante. E as Ciências da Educação
permitem-nos pensar… permitem-nos pensar a educação de um ponto de vista mais
correto, mais democrático também, e mais justo.
A: Acha que… há bocado falou dos empregadores que se aproveitam um bocadinho de
nós… Acha que esta visão também é partilhada pelos seus colegas de trabalho, não
empregadores, mas …?
E: Os meus colegas de trabalho... Eu acho que, e pelo menos no meu trabalho eu falo
muito em ciência da educação, e espero que tudo aquilo que eu digo possa ser
importante, e felizmente a minha coordenação é uma coordenação que acredita muito
nas ciências da educação, o que é muito importante hoje em dia, só recruta pessoas das
ciências da educação. Temos lá duas alunas do 3º ano que vão fazer o estágio do
seminário IV e V, ali, naquele local de trabalho, o que é muito importante. Contudo
também há colegas que fazem muita porcaria, muita asneira e que acabam por partilhar
uma imagem mais negra das ciências da educação, mas isso acontece em todo o lado.
A: Agora em relação a perspetivas futuras, porque há bocado perguntei mas acabou por
se desviar o assunto, já tem um plano definido?
E: Sim, aliás, para a semana quero ir falar com a professora Cármen Cavaco, porque
quero começar a desenhar o meu projeto de doutoramento. Como vos disse, o meu
objetivo é ser professor universitário, esse é assim o meu grande objetivo. Contudo,
para o ano espero ir novamente a angola, e gostava de ter outros trabalhos também. Tou
um bocado cansado de fazer sempre a mesma coisa.
A: Formação?
E: sim.
A: Mas também estagnamos um bocado diferentes, com o tempo...
E: Sim, se bem que todos os grupos são diferentes, mas estou à mais de um ano a
trabalhar os mesmos conteúdos... Sinto que preciso de mais, qualquer coisa mais
desafiante.
A: Em termos agora de auto formação, a nível mais pessoal, já mencionou que esteve a
fazer uma pesquisa mais alargada para lecionar estes conteúdos, existe alguma razão
para ter optado por dar certas formações? A nível profissional, e agora a nível
académico..
E: Ora bem, toda a formação é auto formação, não há formação que não seja auto
formação. Contudo, nós aprendemos sempre com apoios exteriores, é muito importante
nós socializar os com o outro, mas a minha socialização com o outro não significa
necessariamente aprendizagem. As informações que são partilhadas com o outro, e cada
vez existe mais informação que podemos passar, por exemplo, na internet isso não
significa necessariamente aprendizagem, só é aprendizagem quando eu reflito sobre
essa informação. Portanto, a formação é auto formação, toda! Não há formação que não
seja auto formativa. Aliás, eu estou em formação todos os dias. No meu trabalho, a
socialização que eu tenho com os meus formandos é muitíssimo importante para a
pessoa que sou hoje. Mas formação dum ponto de vista mais formal? Provavelmente é
isso que vocês querem saber... Os diplomas, os certificados...
A: Não, não... Eu referi-me auto formação mas mais no sentido de conteúdos que tenha
sentido necessidade de aprofundar, que podem, ou não estar relacionados com o
trabalho, mas que não tenha necessariamente a ver com receber um diploma..
E: Sim, ou seja, conteúdos que ao longo do tempo, ao longo da minha vida profissional
tenha sentido necessidade de aprofundar?
A: Exato!
E: foram realmente conteúdos relacionados com as tecnologias da informação e da
comunicação, uma vez que dou vários módulos desta formação que fala exatamente
sobre estas questões. Tentar perceber um bocadinho, tentar aprofundar estes conteúdos
relacionados com a web 2.0, tentar aprofundar qual é a diferença que existe entre um
professor, um educador ou um formador que trabalha de forma presencial e um
formador que trabalha à distância. Tentar perceber quais são as diferenças. E sim, se
calhar, o meu estudo mais autónomo tem passado por esta área das tecnologias da
informação e comunicação. Eu sou uma pessoa que leio muito, e essas leituras
exprimem-se muito com o meu percurso aqui nesta faculdade, porque às tantas foram-
me convidando para prestar apoio a seminários, a aulas... E isso foi importante a partir
do momento em que, a recompensa que me era dada, eram livros. Aqui a faculdade tem
uma editora que é a educa, e sempre que nós colaborávamos na organização de eventos,
eles ofereciam-nos livros. Diziam "podes vir aqui à sala e leva cinco livros" , e
entretanto fiquei com a coleção toda da educa, que é muito importante e ajuda também a
pesquisar e a saber mais.
A: Em termos de promoção do nosso curso, acha que era importante uma promoção
assim, pronto, já falámos à pouco de como a sociedade não tem noção da existência do
curso e os que têm desprezam um bocado, acha que seria bom promover um
conhecimento mais próprio do nosso curso?
E: Agora a faculdade fez aí grandes campanhas, uns outdoors pela cidade de Lisboa...
Sim, claro que sim, acho que é muito importante, mas depois não sei até que ponto é
que há escoamento destes profissionais, aqui em Portugal parece-me difícil. Mas
também ninguém nos diz que temos que ficar em Portugal, na nossa cidade, na nossa
vila, na nossa aldeia... Possivelmente, também é muito gratificante, nós termos a
capacidade de perceber que ir para contextos que não são os nossos, que são
desconhecidos eles serão muitíssimo importantes, e levar estas mensagens, a
importância das ciências da educação é muito importante. Mas por aquilo que eu sei,
aqui, parece que o instituto de educação não está com muita vontade de fazer essa
divulgação do curso, até porque agora se deu esta mudança, e parece que agora se
esquece um bocadinho o que é as ciências da educação, e não há licenciatura em
ciências da educação, o que há é formação e educação. São coisas diferentes, creio eu.
Mas sim, é muito importante, seria muito importante e faz todo o sentido divulgar o que
é que isto significa, mas não sei se há espaço cá fora. Aliás, hoje em dia nós temos um
ministro da educação que não gosta das ciências da educação. Ele escreveu um livro
exatamente a falar mal das ciências da educação, a criticar.
A: Pois, ele tem dado muito nas vistas ultimamente... Enquanto profissional, o que é
que pensa da sua atividade profissional, na vertente, não quero dizer da produtividade,
mas do... Qual é a importância que sente que o seu pap tem tido, enquanto profissional
da área?
E: Para já, aprender, para mim é uma mudança que é observável no comportamento das
pessoas, que envolve o saber no domínio cognitivo, e o domínio psicomotor, a nível da
manipulação, do saber fazer, das atitudes. E realmente, eu sinto que o meu papel é
importante, no momento em que consigo reparar que em 90 horas de curso eu consigo
reparar que as pessoas conseguem mudar de comportamentos, conseguem efetivamente
aprender. E realmente os questionários que se passam no final das ações de formação, as
classificações são muito boas, são até mesmo excelentes, e entendi que as pessoas
gostam do meu trabalho, e para alem disso, de gostarem de mim como profissional,
gostam de mim enquanto pessoa, e isso acaba por ser muito importante e muito
gratificante. Tenho noção que faço um bom trabalho, sim tenho, e tenho noção que
posso fazer cada vez melhor, e que posso evoluir sempre cada vez mais. Sinto que o
meu papel é importante, no sentido em que me permite construi uma visão diferente
daquela que as pessoas têm inicialmente sobre a educação. Permite igualmente fazer
com que as pessoas partilhem uma visão mais humana, mais humanista que ensinar e
educar é qualquer coisa que pode ser muito próxima, há uma relação muito inter
pessoal, muito intima até mesmo, é possível estabelecer onde é necessário estabelecer
uma relação de empatia porque para ensinarmos temos que nos colocar no lugar do
outro. Quando isso não acontece, provavelmente também não acontece aprendizagem. É
um processo contínuo.
A: Pronto, isto agora é uma pergunta mais pessoal, se tem algum tipo de mudança assim
das ciências da educação que possa revelar.
E: Eu acho que aqui acho que sim, acho que o programa da disciplina das ciências da
educação poderia ser alterado. Por exemplo, já na altura achei que havia disciplinas do
último ano que possivelmente seria do primeiro. Há uma disciplina que provavelmente
já não existe que era teoria da educação, e isso é uma disciplina que era muito
importante estar no primeiro ano. Tentar lançar algumas pistas de melhoria, creio que é
muito melhor invocar outros autores do que aqueles que são referenciados aqui, que têm
ainda muita ligação com a psicologia e é necessário fazer essa separação, creio que uma
das melhorias a fazer-se nas ciências da educação seria trabalhar outros autores,
trabalhar de uma forma mais constante, e aqui falo dos contributos de Paulo Freire, falo
dos contributos de Ivan Illiche, e falo dos contributos de Carl Rogers, são pessoas que
permitem-nos ter outra visão da educação e consequentemente das ciências da
educação. Uma visão mais problematizadora, mais horizontal e não tanto na vertical,
nem bancária. Uma visão mais humanista onde seja possível trabalhar a experiência das
pessoas porque quando tocamos na história de vida das pessoas, dificilmente ocorre
aprendizagem, ocorre um depositar de informação, um acumular de conteúdos, e creio
que aqui, as disciplinas ainda, pelo menos falo da maioria dos professores que tive,
partilham todos muito desta visão, muito bancária. Vão para as aulas ler PowerPoint,
mandam trabalhos, testes sem consulta também. Creio que isso não vale a pena, nós não
aprendemos mais por ter um teste sem consulta, aprendemos a decorar, mas depois essa
informação é esquecida. Agora quando nós temos um livro e vamos ter que pesquisar,
ter de encontrar os conteúdos, creio que aí é mais importante.
A: Para além de tudo o que temos vindo a falar nesta entrevista, há alguma coisa que
ache pertinen mencionar?
E: Sim, aliás eu terminei o mestrado no dia 15 de setembro, em que o meu objetivo foi
tentar perceber, aliás eu entrevistei quatro educadores de adultos, uma alfabetizadora em
são paulo, como vos disse, um instrutor de aviação aeronáutica, um animador
sociocultural e um professor, de faro, ou seja, são portanto quatro profissionais que
trabalham diretamente com adultos a nível da formação a nível da educação, e o meu
objetivo foi tentar perceber qual é que é o impacto das modalidades educativas. As
modalidade educativas são três, não sei se já trabalharam estes conteúdos, existem três
modalidades educativas, que é a modalidade educativa formal, que aqui se comprova
com a escola, e a universidade também acaba por ser uma modalidade educativa formal,
e a formação profissional, uma vez que elas são inspiradas no modelo escolar, existe
uma assimetria de papéis, tanto da pessoa que ensina como da pessoa que aprende,
existe horários, os conteúdos são escritos, são obrigatórios e é o impacto da escola na
vida daquelas pessoas, o impacto da educação não formal e o impacto da educação
informal. Educação informal é aquilo que se faz sem ser organizado, que se confunde
com a própria vida, e depois a educação não formal são iniciativas de natureza não
governamental, por exemplo associações de bairro, clubes desportivos... E basicamente,
eu tive de perceber como é que as pessoas aprenderam a partir destas três modalidades.
E a conclusão a que eu cheguei foi que as escolas estão muito longe de cumprir as suas
finalidades, ou seja, aquilo que aquelas pessoas aprenderam na escola não tem nada a
ver com aquilo que está no currículo. É muito engraçado, e outra conclusão é que as
pessoas só aprendem aquilo que querem, só aprendem quando estão motivadas, quando
aprender se torna uma necessidade. Por exemplo, há entrevistado que dizia que "eu
quando vim para Lisboa estudar eu não sabia fazer nada, eu morava em casa dos meus
pais, eu não cozinhava, eu não lavava, eu não fazia a cama, e quando vim para Lisboa
estudar eu passei, aliás, aprender tornou-se uma necessidade. Eu para gerir a casa tive
que aprender" e isto são alguns contributos que as ciências da educação dão, numa
perspetiva diferente. Defendi a tese no dia 15 de setembro, foi importante, tive 19, não
sei se é importante aqui para a entrevista. E basicamente é isto, não sei se foi útil ou
não.
A: Para mim foi, creio que para todos nós... Se não quiser adicionar mais nada...
E: Para já não, mas se depois quando estiverem a transcrever a entrevista acharem
necessário acrescentar alguma informação, digam.
A: Temos que agradece ao nosso entrevistado, pela sua disponibilidade, obrigado mais
uma vez.