Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro...

22
Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje. A: A finalidade da nossa entrevista vai ser perceber o processo de integração profissional da nossa área de Ciências da Educação, agora Educação e Formação, e a importância desta entrevista é basicamente isso, para nós termos umas luzes mais abrangentes do que nós podemos ou não fazer com este curso após a licenciatura. Pelo que a sua participação é..., para nós é muito importante e seja o mais honestamente possível connosco ou esteja à vontade para partilhar histórias que ache relevantes para além do que for questionado. Garantimos também o anonimato das informações que nos vai disponibilizar e podemos também fornecer os resultados do nosso trabalho no final. A: Pronto, já agora queria confirmar se a entrevista pode ser gravada. E: Pode ser gravada. A: Então, nós gostaríamos de começar pelo seu percurso antes da licenciatura. A: Gostaríamos de começar pelas suas razões que o levaram a escolher este curso. E: Então, eu sou o Ruben tenho 25 anos e sou natural de lagos. Vim para Lisboa estudar foi sempre uma vontade que eu quis, vir a para a capital estudar. Na altura não sabia muito bem o que é que queria..., pronto, a área que queria seguir e Ciências da Educação apareceu com ali como.... como mais uma possibilidade sem saber muito bem para o que é que.... quais seriam as saídas profissionais. A primeira opção foi Direito, a segunda foi Educação Básica e a terceira foi Ciências da Educação, foram estas as

Transcript of Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro...

Page 1: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

Transcrição da entrevista

A: Boa tarde

E: Boa tarde

A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui

connosco hoje.

A: A finalidade da nossa entrevista vai ser perceber o processo de integração

profissional da nossa área de Ciências da Educação, agora Educação e Formação, e a

importância desta entrevista é basicamente isso, para nós termos umas luzes mais

abrangentes do que nós podemos ou não fazer com este curso após a licenciatura. Pelo

que a sua participação é..., para nós é muito importante e seja o mais honestamente

possível connosco ou esteja à vontade para partilhar histórias que ache relevantes para

além do que for questionado. Garantimos também o anonimato das informações que nos

vai disponibilizar e podemos também fornecer os resultados do nosso trabalho no final.

A: Pronto, já agora queria confirmar se a entrevista pode ser gravada.

E: Pode ser gravada.

A: Então, nós gostaríamos de começar pelo seu percurso antes da licenciatura.

A: Gostaríamos de começar pelas suas razões que o levaram a escolher este curso.

E: Então, eu sou o Ruben tenho 25 anos e sou natural de lagos. Vim para Lisboa estudar

foi sempre uma vontade que eu quis, vir a para a capital estudar. Na altura não sabia

muito bem o que é que queria..., pronto, a área que queria seguir e Ciências da

Educação apareceu com ali como.... como mais uma possibilidade sem saber muito bem

para o que é que.... quais seriam as saídas profissionais. A primeira opção foi Direito, a

segunda foi Educação Básica e a terceira foi Ciências da Educação, foram estas as

Page 2: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

minhas opções. Por uma questão de média não entrei, nem em na primeira nem na

segunda. Entrei na terceira. Ora bem, entrei em Ciências da Educação não sabia muito

bem para o que é que este curso servia em termos de saídas profissionais uma vez que a

única informação que no prestavam era que este curso não dá para ser professor e creio

que quando nós pensamos em educação pensamos... Acabamos sempre por associar à

escola. Mas, felizmente, percebi que educação existe em todo o lado e a escola é apenas

uma pequena fatia. É claro que no início não percebi isso, só percebi isso mais tarde,

basicamente. Não sei se respondi bem à primeira pergunta!

A: Sim, a maneira como chegou aqui acabou por ser um bocado acidental.

E: Sim, foi acidental e acho que acaba por ser acidental para a maioria dos casos.

A: Também acho que sim.

E: Sim, contudo existe uma grande percentagem de pessoas que entram para as Ciências

de Educação, nomeadamente aqui para esta instituição, sempre com o objetivo de

fazerem transferência mais tarde para o curso de psicologia, mas essa não foi de todo a

minha intenção, nunca quis ser psicólogo.

A: E antes de entrar para a faculdade tirou o curso de Ciências e Humanidades?

E: Sim, essa foi a minha área em Lagos, numa escola secundaria claro, em Ciências

Sociais e Humanas, foi essa a minha área.

A: Já agora, quando entrou no curso, de uma forma por assim dizer "acidental" , assim,

nos primeiros tempos que expetativas é que começou a criar em relação ao curso?

E: Eu não criei grandes expetativas, no meu primeiro ano aliás fazia somente as

cadeiras, tentava-me esforçar para ter boas notas, pois sabia que mais tarde poderia ser

importante, mas nunca criei grandes expetativas porque na verdade eu não sabia para o

que é que este curso servia e creio que nessa altura os professores também acabavam

por não facultar muitas informações nesse sentido, isso no início custa-nos um bocado,

não é? Estarmos aqui sem sabermos muito bem para o que é que vamos ne? Mas creio

Page 3: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

que também cabe a cada um de nós tentar perceber e tentar investir, tentar investigar e

tentar perceber quais são as saídas profissionais.

A: E ao longo do tempo foi criando expetativas?

E: Bom, há um momento muito importante em que eu creio que foi aí o momento de

viragem, que foi quando decidi inscrever-me no encontro nacional de estudantes de

Ciências de Educação em Braga na Universidade do Minho para... para além de ter sido

muito importante lá foi o momento também ..., porque um professor daqui, um

professor desta... daqui do Instituto de Educação, o professor Fernando Costa, ele

estava lá, ele ia lá comunicar, dar um conferência e ele ficou muito entusiasmado, veio

pergunta o porquê de eu estar ali e perguntou-me quais seriam assim as ocupações

dentro das Ciências da Educação que eu gostava de fazer/ frequentar, eu disse-lhe que

havia uma que a mim me despertava muito interesse, que era ser professor universitário

e então, nesse momento ele perguntou-me: " Então mas se quiseres, podes já começar

amanhã"- e eu - " Como assim?". Uma vez que tinha tido uma... uma boa nota a uma

disciplina dele, que também era dada pela professora Joana Viana, eles..., eu fiquei

responsável por dinamizar creio que cinco sessões de tecnologias I. Na altura estava no

segundo ano e foi aí que possivelmente houve um maior despertar. E aí tive a

possibilidade de falar com o professor Fernando Costa, com a professora Joana Viana e

eles ensinaram-me outras coisas de uma forma mais próxima, ou seja, que ia ao

encontro daquilo que eu precisava naquele momento, que era nomeadamente planificar

sessões de formação para as aulas de Tecnologia I. Isto foi assim, o grande início e creio

que foi aí que comecei a gostar e a tirar boas notas, porque percebi que isso era

importante, é efetivamente muito importante tirar boas notas. É claro que há coisas que

também são mais importantes, por vezes o que nós sabemos não consegue estar

catalisado numa nota, não é? Por vezes não cabe dentro de um número, mas creio que é

importante o valor de certo modo, permite pelo menos distinguir e possivelmente

permite-nos tentar chegar mais longe uma vez que nós vivemos num mundo que é

altamente competitivo e uma nota faz a diferença. Até porque num momento de uma

entrevista, ao nível das entrevistas de recrutamento que são momentos tão curtos, é

muito difícil nós conseguirmos mostrar as nossas reais capacidades e competências e

possivelmente uma nota tem um peso maior, não deveria ter, mas tem.

A: Sim acaba por ser um indicador de certa forma.

Page 4: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

A: Mas, então, pode-se concluir que se adaptou bem a faculdade. Não?

E: Se me adaptei bem a faculdade? Não sei muito bem se me adaptei à faculdade,

possivelmente está adaptação aconteceu também porque fiz parte da associação de

estudantes, já na altura estava no meu primeiro ano quando conheci pessoas mais velhas

do que eu, que me vieram formular esse convite e eu aceitei. Foi um momento

importante, não o considero muito importante, foi importante ali o quanto basta e aí

possivelmente fiquei a conhecer mais pessoas, comecei a trabalhar em equipa com

outros colegas e tive dois mandatos, um a trabalhar as questões da comunicação, eu é

que fazia os cartazes, a publicidade, o site, que aliás foi feito por mim e que hoje

atualmente ainda existe e creio que esta participação na associação de estudantes

também permitiu de de certo modo uma maior integração, mas não me considero de

todo uma pessoa popular, nem hoje nem na altura, sou uma pessoa completamente

normal.

A: Olhando em retrospetiva e olhando para a licenciatura qual é diria que foram os

pontos fortes e os pontos mais fracos em termo de currículo?

E: Bom pelo que sei o curso ao longo dos últimos anos tem vindo a sofrer algumas

alterações, nomeadamente ao nível da designação, antigamente era Ciências da

Educação e hoje é Educação e Formação, isto é um bocado estranho e isto por mais que

possa parecer apenas uma designação, isto tem muita coisa por de trás, isto tem muita

política por trás e muitos interesses. Pontos fortes e pontos fracos?

A: Na sua opinião o que é que consideraria.

E: Pontos fortes, possivelmente os trabalhos de grupo que foram sempre realizados,

basicamente em todas as disciplinas, os trabalhos de campo que nos permite ter uma

certa visão do conjunto de saídas profissionais, o que nos permite também ouvir um

"não" e saber pensar porquê, se não tentar arranjar outras estratégias/alternativas e

acima de tudo um ponto forte, que é hoje em dia um ponto forte, mas que na altura

achava que podia ser melhorado, era portanto fragilidade que era o facto de sermos nós

alunos ir à procura das pessoas e não ser o professor a dar a instituição ou as pessoas,

Page 5: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

porque é importante nós assumirmos uma postura ativa, tentar investigar, tentar saber

quem são as pessoa. Um ponto fraco que hoje identifico, mas que na altura não

identificava era que em praticamente todas as instituições onde existia Ciências da

Educação existe uma cadeira de filosofia de educação e acho que essa é uma grande

lacuna, porque aqui creio que falta essa disciplina, pôr as pessoas a pensar, uma

disciplina em que o objetivo seja somente a reflexão sobre as temáticas que são

importantes, creio que poderia ser melhorado nesse sentido. Sei que já foram feitas

muitas alterações, mas sei que não foi integrada nenhuma disciplina com esta

designação. Um outro ponto fraco foi quando houve uma junção, aliás houve a

separação da faculdade de Psicologia das Ciências da Educação, isto porque houve uma

junção do departamento de Ciências, aliás departamento entre ensino e faculdade de

Ciências, em que está faculdade foi invadida por um conjunto de professores que não

são não de Ciências de Educação e não sabem o que são Ciências da Educação, portanto

se aqui se entendia a educação de uma forma mais alternativa, pensada fora dos

contextos mais escolares e universitários, também esses professores trouxeram essa

leitura mais tradicional, mais redutora e isso veio alterar aqui a forma como as

disciplinas eram dadas e hoje em dia se vocês repararem nós estamos numa faculdade

de Ciências da Educação e quere o diretor da faculdade, quere o presidente da

assembleia, quere o presidente do Conselho pedagógico não são pessoas das ciências da

educação, são posso as do ensino com visões mais direcionadas para a escola, para a

didática e creio que esta junção não foi a melhor de todo positiva. Aliás até é muito

evidente o conflito que se faz sentir entre professores da Ciências de Educação, desta

casa, e os professores que pronto…, dali do outro lado da Alameda e creio que este foi

um ponto fraco que eu senti, embora muitos colegas meus não façam ideia de que isto

se tenha passado.

A: Abocado, quando estava a dizer que faria falta a disciplina de filosofia da educação,

existem outras disciplinas ou outras mudanças curriculares que faria se pode-se no

curso?

E: Eu não sei muito bem como o curso agora está estruturado, mas sim uma mudança é

que aqui Ciências da Educação possivelmente…, alias ao tentarem encaixar a escola

dentro das ciências da educação eu diria que isto remete para a ideia de um “Iceberg”,

que em cima de água nós temos 25% e de baixo de água temos 75%, ou seja, a escola

Page 6: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

poderia ser somente os 25% e creio que a licenciatura está muito vocacionada e muito

direcionada para as práticas escolares e se nós pensarmos bem o mestrado em Educação

e Formação de adultos, que é o meu mestrado. Ele já não existe, ele foi instinto, ou seja,

isto é tudo uma questão de interesses, de políticas, também possivelmente eu colocaria

um conjunto enorme de disciplinas que consigam partilhar uma visão mais abrangente

da educação e da formação e não tanto afunilada para a escola. Se nós pensarmos aqui o

que é que nós temos Administração, alias e é muito engraçado que aqui é Sociologia da

Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, tudo é educação mas no

fundo é tudo da escola. Eu creio que aqui os nomes estão um bocado trocados

basicamente, pelo menos esta é a minha visão das coisas.

A: Continuando com o Mestrado, já que o mencionou, como considera importante a sua

escola da área específica?

E: Bom, eu confesso que no meu terceiro ano eu estava com vontade de sair daqui,

estava com vontade de conhecer uma outra instituição universitária. Na altura como me

tinha candidatado para fazer Erasmus durante a licenciatura e na altura não foi possível

eu pensei: “vou continuar aqui e vou aproveitar os protocolos que existem entre o

instituto, entre a Universidade de Lisboa e outras universidades”. E assim foi, só fiquei

aqui porque já existiam protocolos bem definidos e eu já na licenciatura inscrevi-me

para fazer Erasmus, o que iria dar equivalência ao primeiro ano de mestrado, e assim

foi. Decidi Educação e Formação de Adultos porque na altura pareceu-me, e hoje ainda

me parece, que é… é um mestrado mais abrangente, ainda que tenha o nome Educação

e Formação de Adultos, ele não está somente vocacionado para trabalhar ao nível de

educação com adultos, tomara muito que as metodologias que se utilizam em alguns

contextos com os adultos fossem aplicadas em contextos onde se trabalha com crianças,

e pareceu-me porque era o campo mais abrangente, porque se nós pensarmos, eu com

este mestrado consigo trabalhar por exemplo as questões das tecnologias, consigo

formar professores, porque eles são adultos, ou seja, estou convencido que é a área mais

abrangente. Depois acabei também por ir para São Paulo fazer o meu… meu primeiro

ano de mestrado e ai sim tive a possibilidade de conviver com uma metodologia de

trabalho de encarar a educação de uma forma muito diferente, muito mais

problematizada, muito mais vidada para a liberdade e não tanto para as regras, coisas

obrigatórias que são impostas pelas pessoas. Depois também tinha gostado de trabalhar

Page 7: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

com alguns professores, nomeadamente a Professora Cármen Cavaco, e aqui

possivelmente a escolha também foi aquela temáticas, porque a disciplina de Educação

e Formação de Adultos tinha sido muito bem dada, não só pela Professora Cármen

Cavaco, mas também pela professora Irene Santos, e foi uma coisa que pesou na

escolha.

A: Acabou por fazer estágio durante o Mestrado?

E: Não.

A: Não fez estágio?

E: Não. Não porque eu acredito que o estágios…, hoje em dia os estágios estão … estão

a ser desenvolvidos de uma forma muito pouco ética. O estágio basicamente serve para

nós estarmos ocupados, estarmos a desenvolver um conjunto de funções e tarefas que

podiam estar a ser renumeradas e não estão. Na altura fui para São Paulo e quando

chega-se, quando regressa-se tinha de escolher entre dissertação, estágio e projeto. Eu

na altura, assim que cheguei comecei logo a trabalhar, pensei: “ bom, eu não preciso de

estagiar eu já estou a trabalhar e isto funciona já como um estágio e estou a ser pago o

que é ainda melhor”, e como achava que conseguia fazer uma Dissertação de mestrado,

fiz uma Dissertação de Mestrado, acabando já no Brasil, sem qualquer tipo de

orientação, recolher dados para depois utilizar na minha Dissertação, e assim foi.

A: Hum … começou logo a trabalhar por contive. Nós agora podemos começar …

E: Não foi por convite.

A: O convite que abocado mencionou do professor …

E: Ah …, sim, mas aí eu não eu não considero … não considero um trabalho, considero

um apoio às aulas de tecnologias.

A: Então, quando é que começou a exercer a sua primeira profissão?

Page 8: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

E: Assim que regressei do Brasil. Já era licenciado, na altura partiu-se muito da ideia de

que com uma licenciatura não se conseguia trabalhar em Ciências de Educação e eu

achava que isso não … não tinha que ser exatamente assim e então, tipo, candidatei-me

para um local de formação, que era o local onde eu tinha lá vários colegas a trabalhar e

sabia que a relação do trabalho não era a melhor, mas percebi na altura que podia ser

uma pampa de lançamento para muitas coisas, e assim foi. Eu fui trabalhar para um sítio

que sabia que iria receber pouco, que iria receber muito atrasado, que iria ser explorado,

iria ter um trabalho altamente precário, mas decidi arriscar. Às vezes dizem: “ Ah pois,

é porque tu tinhas um conjunto de pessoas atrás de ti que te poderiam suportar em

termos monetários”, não … não foi nada disso, apenas decidi arriscar. Hoje em dia, já

me paragem tudo aquilo que me deviam, mas foi muito importante porque foi o

primeiro sítio onde trabalhei na área que me permitiu ganhar experiência para hoje em

dia estar onde estou.

A: Se poder dizer, que funções desempenhava?

E: Nesse primeiro trabalho?

A: Sim

E: Nesse primeiro trabalho era formador numa empresa de formação, que ainda hoje

existe, é uma empresa que ainda hoje explora o pessoal das Ciências de Educação, eles

gostam de ter pessoal de Ciências de Educação. Portanto, isto … isto é muito perigoso,

as pessoas aproveitam-se do desespero das pessoas, as entidades sabem que as pessoas

querem ter experiência, querem ganhar dinheiro e aproveitam-se, exploram e isto é

muito triste! A área da Educação e da Formação está muito subjugada a estes

preconceitos. Mas lá o que é que fazia? Muito bem, nós quando acabamos a licenciatura

em Ciência da Educação temos a possibilidade de pedir equivalência ao nosso

certificado de competências pedagógicas que é obrigatório para darmos formação em

contexto profissional. É uma questão de nós fazermos uma equivalência das nossas e

dirigirmo-nos a uma plataforma estatal e pedirmos então o certificado, fazer um

conjunto de disciplinas, unidades curriculares, as várias competências que é necessário

um formador possuir. Então, pedi, candidatei-me, passei na fase da entrevista, na altura

a receber cinco euros à hora, hoje em dia à licenciados e mestrados nesse mesmo local a

Page 9: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

receberem três euros à hora, quer dizer é qualquer coisa muito … muito baixa, mas

basicamente estava responsável estava responsável por dar formação, ao nível da

formação pedagógica inicial de formadores, em Portugal para ser dar formação em

qualquer contexto é obrigatório ter um certificado que é o CCP o antigo CAP, e eu dava

os vários módulos. O que é que se aborda? A legislação associada à formação

profissional relacionada também com a educação e a formação de adultos, fala-se das

principais competências que um formador deve ter, um conjunto de competências de

natureza mais técnica ao nível da gestão e organização da formação, definir objetivos,

conteúdos, por ai fora e depois competências a nível mais interpessoal que é liderança,

comunicação, conflitos, autoconfiança, por ai. Então, esta responsável por trabalhar

estes conteúdos e ainda falar sobre plataformas colaborativas de aprendizagem, aquilo

que se trabalha em tecnologias, falar também sobre a avaliação, falar sobre

metodologias, esta responsável basicamente por dar formação em contexto presencial,

um curso que tem noventa horas. Tive lá cerca de um ano, nessa mesma empresa.

A: Tirando, pronto, o ordenado e os colegas, mas a nível mesmo da exerção das suas

funções, que dificuldades assim mais relevantes é que encontrou logo a partida?

R: Dificuldades… possivelmente conseguir estabelecer ali uma relação empática e

harmoniosa com um conjunto de pessoas que são todas diferentes e que parece que o

formador e obrigado a ter que gostar de todos, e ter que, ter que estabelecer uma relação

minimamente positiva e assertiva e empática com todos. Isso e particularmente difícil.

Do ponto de vista dos conteúdos, é claro que exige muita investigação, muito estudo

numa fase inicial. Hoje em dia eu dou exatamente o mesmo, esse mesmo curso numa

outra instituição, e eu… eu não me preparo. Não me preparo porque aquilo são

conteúdos que fazem parte já da minha vida eu todos os dias trabalho em parte com

pessoas com esse objetivo e já não sinto esse necessidade de me preparar. Sinto sim,

necessidade de investigar, de ler mais, para que possa aperfeiçoar também as minhas

competências, isso sim… mas ao tentar estabelecer aqui uma ponte entres os

conhecimentos que se trabalham aqui e os conhecimentos que eu tive que trabalhar

enquanto ex-formativo tive que portanto ensinar… existe algum desfasamento. Ou seja,

ainda que seja tudo muito semelhante, por exemplo, lá abordam-se questões que aqui

não se abordam, ou seja, e é necessário investigar mais, contudo é o curso em Portugal

que tem, hum, que tem uma maior proximidade em termos de conteúdos – as Ciências

Page 10: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

da Educação e a Formação de, de Formadores. Grandes dificuldades, não consigo

identificar assim uma grande dificuldade, sou uma pessoa que acho que consigo lidar

bem com as dificuldades e… e arranjo sempre um conjunto de estratégias para

conseguir ultrapassa-las, e ai quando surgem algumas dificuldades falava com pessoas

mais experientes do que eu; partilhava também algumas situações com alguns

professores daqui e eles foram sempre pessoas que me conseguiram ajudar. É claro que

estas dificuldades elas são muito ultrapassadas com a experiencia, quanto mais vezes se

repete aquela situação a partida vamos conseguir também aperfeiçoando e ganhar um

conjunto de estratégias para ultrapassar estas dificuldades.

A: Hum… Em termos do que estou a um nível mais teórico e depois a aplicar na pratica

sentiu assim algum contraste, algum choque, que não tivesse assim a espera?

R: Hum… repete lá a pergunta, se faz favor?

A: Se… se ao passar o conteúdo teórico, se depois ao aplica-lo na prática sentiu assim

algum contraste.

R: Hum… É assim, muito sinceramente, eu acho que aquilo que se aprende aqui, por

vezes nos aprendemos porque, porque quer dizer aqui os conteúdos eles são

espartilhados não é, um dia aprendesse isto, um dia aprendesse aquilo, na disciplina

aprendesse aquilo… e basicamente as coisas perdem-se, né? Tipo na altura, como eu

não sabia para que e que isto servia né, eu estudava para os testes mas depois

rapidamente aquela informação desaparecia da minha memória não é? E ao voltar a

trabalhar, ao voltar, alias, ao iniciar o trabalho na formação inicial de formadores ai sim

parece que houve aqui uma dinâmica retrospetiva e fui buscar alguns apontamentos, fui

ler os materiais que ai sim foram… foram uteis. Mas é claro que, no ponto visto teórico

aquilo… tudo aquilo que nos aprendemos aqui é muito importante até que não seja para

tentar não fazer ou…, ou tentar não repetir aquilo que se aprendeu aqui é sempre uma

dinâmica que é, que é interessante e que cabe refletir no que é melhor ou pior que se

aprende em qualquer instituição do ensino superior.

A: Nesse caso, consideraria o seu… o local de trabalho, o mundo de trabalho também

como um processo, um mundo diferente de aprendizagem?

Page 11: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

R: Claro que sim, claro que sim. Alias, o local de trabalho é altamente formativo e se

nós pensarmos um bocadinho, não é… eu creio que, cada vez, acho que isto é mais,

acontece cada vez com mais frequência que é: nós tentamos, eu creio que o ser humano

tem tendência para associar a aprendizagem à escola, à universidade, mas isso não é

verdade. Basta pensarmos que possivelmente os vossos avós, os vossos bisavós não

andaram na escola. E ele… E eles certamente foram pessoas capazes para encontrar um

conjunto de estratégias para ultrapassar as dificuldades que foram aparecendo nas vidas

deles, não é? A escola é uma invenção relativamente recente e surge aqui muito como

uma instituição, criada pelo estado, para manter… para tentar preservar aqui uma certa

herança cultural mas acima de tudo com uma perspetiva muito vincada ao nível do

controlo social, tentar definir aquilo que as pessoas devem aprender, e a que horas, por

ai fora.

A: Hum…

R: Sim, o local é muito… o local de trabalho é altamente formativo porque à partida

trabalha-se, alias, eu tenho vindo a trabalhar sempre com, com colegas, e felizmente

existem sempre uma, sempre possibilidade para trocar ideias, para tentar dar feedback, e

tentar encontrar novas estratégias de dinamizar o conteúdo. E também eu aprendo muito

com os meus formandos ou os nossos alunos, como queiram chamar, não é, são pessoas

que ajudam muito a perceber estas questões da educação, da formação, e quando

qualquer coisa não corre bem com um grupo eu tenho que alterar para que esse mesmo

problema não se verifique com outros grupos. Isto está a gravar não está?

A: Eu… espero que sim…

R: Tá.

M: Acho que está.

R: Sim.

M: É de lado.

Page 12: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

R: É aqui, isto é igual ao meu. Aqui.

A: Hum, em relação ao, agora que… já nos disse que continua a exercer as mesmas

profissões, enquanto a perspetivas futuras, hum, o que é que pensa…

R: Se calhar é, é importante falar um bocadinho sobre o meu percurso profissional,

porque entretanto eu já fiz muitas coisas. Algumas coisas… que é… eu iniciei então,

hum, nessa primeira empresa que vos falei a dar a formação pedagógica inicial de

formadores no momento em que voltei de S. Paulo. E eu em S. Paulo, para além das

disciplinas que frequentei, tive a possibilidade de integrar um conjunto de projetos, de

iniciativas não-governamentais, ou seja, onde se trabalha a educação num ponto de via

mais horizontal, mais flexível, onde as pessoas vão ao encontro dessas iniciativas

porque sentem que é uma necessidade, estão motivadas, e à partida nestes contextos a

aprendizagem acaba por ser mais significativa porque eu vou aprender aquilo que eu

quero, eu quero tentar dar resposta a uma dificuldade, a uma necessidade. Então foi ai

que tive possibilidade de contactar com o movimento dos trabalhadores rurais sem terra,

não sei se conhecem?

A: Ah, eu pessoalmente não…

R: O MST que é um movimento… são pessoas que não tem casa, e que ocupam

espaços. Aqui possivelmente na Europa isto acontece em países mais urbanos. No

Brasil, como existe uma grande zona rural isto acontece, estas ocupações ocorrem ao

nível de terras, que não tem dono. Então as pessoas sentem-se no seu direito de ocupar

terras que não cumprem qualquer função social e lá, ah, constroem as suas casas,

cultivam as suas... os seus, os seus alimentos, criam os seus próprios animais, e tive a

possibilidade de contactar com um destes movimentos socais através de uma disciplina.

E depois, como eu na altura que fui para S. Paulo queria fazer mais qualquer coisa do

que fazer as disciplinas e tentar divertir-me, fui falar com uma professora e ela levou-

me a conhecer um projeto de alfabetização e, ah, em S. Paulo. E, quando voltei a

Portugal, eu senti muita vontade em dar continuidade a este trabalho porque é muito

engraçado perceber que a educação ela pode-se posicionar em dois pontos muito

distintos. Aqui em Portugal e na União Europeia, em grande parte devido à adesão à

Page 13: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

União Europeia, falar de educação parece que é falar, alias, falar de educação destinada

a adultos parece que remete automaticamente para a ideia de formação profissional. E

não é por nada que agora a vossa licenciatura é de Formação e Educação, porque a

formação está associada a formação profissional. Esta associada, esta associada ao

ganho de competências para que possam ser automaticamente colocadas no posto de

trabalho a favor de uma certa produtividade, dum lucro, falamos aqui de recursos

humanos. E lá, no Brasil, eu pude contactar com outra visão da educação, uma educação

virada para a emancipação seja a nível da escrita, da escrita e leitura. E a, e acaba por

ser uma escrita e leitura que não é para ler o abecedário e saber contar, é uma escritura-

leitura para que as pessoas possam ter acesso aos seus direitos, aos seus deveres, e a

uma postura mais ativa. E quando cheguei a Portugal, queria, quis, na altura queria

muito dar continuidade a este tipo de projetos, de iniciativas, foi então que contactei

uma organização não-governamental “Os Médicos do Mundo” e consegui abrir uma

oficina de escrita e leitura num projeto que hoje já terminou que é o projeto, que era o

projeto “Viver Saudável” cujo objetivo era de promover o envelhecimento ativo a um

conjunto de idosos, vítimas da exclusão social. Entretanto, a organização gostou muito

do meu trabalho, e eu passei de voluntário a trabalhador. Tive portanto cerca de sete

meses a trabalhar nos “Médicos do Mundo”, uma organização que não trabalha somente

as questões da saúde ligadas aos aspetos físicos mas também aos aspetos psicológicos e

sociais. Tive a coordenar um conjunto de oficinas ocupacionais, ou seja, isto na prática

o que é que, como é que isto ocorria? Nós tínhamos um conjunto de oficinas, vamos

imaginar, escrita e leitura, teatro, dança, canto, horta, jardinagem, trabalhos manuais,

passeios, yoga, tai-chi, e a, medicina tradicional chinesa… e eu tava a coordenar na

altura quinze oficinas ocupacionais em que, diariamente, os idosos deslocavam-se às

nossas instalações no centro de convívio para, pronto, para terem… para terem acesso a

estes serviços e conviverem, e também para saírem um bocadinho de casa e não estarem

tão isolados, não é? Acho que esse era também o objetivo do projeto. Para além disso, o

que é que eu fazia nos “Médicos do Mundo”, fazia muitas outras coisas, fazia relatórios

estatísticos, não é, mais uma vez aqui a, a quantidade sobrepõe-se a qualidade, por

exemplo eu lembro-me que na altura foram várias as oficinas que fecharam porque não

tinham uma adesão que a minha coordenação considerasse adequada, ou seja,

basicamente estas organizações não-governamentais funcionam hoje em dia como as

empresas, onde a quantidade é melhor que a qualidade, em que um número é muito

mais importante do que tentar tirar um, ou uma pessoa de casa. E, e fui despedido. Fui

Page 14: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

despedido porque basicamente criou-se um grande conflito entre mim e a minha

coordenadora, porque por vezes, quem sabe pensar sobre as questões da educação e da

formação pode arranjar grandes conflitos lá fora, não é? E não é por nada que, e não é,

exatamente, e não é por nada que aqui não existe uma cadeira de filosofia de educação!

Porque pensar, dá trabalho, e pode arranjar muitos conflitos, muitos problemas, então

prefere-se trabalhar a educação num ponto de vista mais mecânico, mais técnico. Ora

bem, saí dos “Médicos do Mundo”, fiquei ali uma semana sem, sem trabalho. Consegui

logo arranjar trabalho, na área, mais uma vez, nomeadamente no local onde hoje estou a

trabalhar. Trabalho no “Instituto de Educação e Desenvolvimento Profissional”, aqui no

Campo Grande, e sou responsável pela formação pedagógica inicial de formadores, tou

lá a praticamente um ano. Entretanto no meio de tudo isto, tive a possibilidade de

trabalhar numa outra empresa, um trabalho feito em casa, portanto, o objetivo era

construir um conjunto de recursos, nomeadamente vídeos, para serem instrumentos,

ferramentas de apoio a cursos dados à distância. Trabalhei também numa, ah, numa

outra entidade mais pontual que é o SENJOR, que é uma escola muito conceituada em

Portugal de formação de jornalistas. E, em Junho, tive a possibilidade de ir para Angola,

tive em angola a dar, a dar um projeto de consultadoria de três semanas, tive a trabalhar

no Banco de Desenvolvimento Angolano, e que o objetivo foi trabalhar três áreas de

conteúdos muito distintas: condução de reuniões, atendimento ao cliente e

apresentações em público. E este foi assim mais ou menos o meu percurso profissional.

A: Ocupado…

R: Ah! E entretanto no meio disto tudo uma tese, uma dissertação de mestrado que deu

muito, muito trabalho.

(Risos)

A: Em termos de realização pessoal, no entanto, tem sido satisfatório, tem…?

R: Sim. Mas creio que poderia estar ainda mais realizado porque… a grande tendência

que existe é para desvalorizar a educação do seu ponto de vista inicial, que é… que é

mais relacionado com uma certa ideia de emancipação e não tanto de adaptação à

sociedade. Hoje em dia, aquilo que me deixa… aquilo que me entristece mais é que as

pessoas vão aprender numa perspetiva de adaptação à sociedade em que nós vivemos,

Page 15: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

não é? Vamos imaginar que temos muitos desempregados, temos uma vaga de trabalho.

Possivelmente vai vencer aquela pessoa que, hoje em dia, tenha… mais diplomas,

contudo isso não significa necessariamente que essa pessoa seja mais conhecedora ou

que seja mais competente. Isto por vezes deixa-me um bocado triste. E também ao nível

salarial, não é? Por vezes… Aliás, eu estou convencido que já não existe uma relação

direta entre o trabalho e o salário. Felizmente no local onde eu trabalho isto não se

verifica assim tanto, contudo, no último mês, aconteceu, pela primeira vez, que parece

que a entidade está a fazer um favor ao pagar o formador, o trabalhador. Já não é

direto… as pessoas têm que enviar emails, têm que explicar que precisam do dinheiro

para pagar isto, isto, isto e isto. Isto desmotiva! Isto desmotiva. E a tendência é diminuir

salários e não aumentar. Contudo, as exigências são cada vez maiores… as

responsabilidades. E dinamizar um grupo de adultos que… um grupo de adultos que são

muitíssimo exigentes, que são pessoas que são todas licenciadas, pessoas com mestrado,

com doutoramento nas mais variadas áreas, não é? E tentar encontrar ali pontos em

comum, dá muito trabalho. Eu levo muito trabalho para casa. Eu… eu há um ano que

sou eu a pessoa que avalia e corrige um conjunto de propostas formativas. E isso não é

feito no local de trabalho, isso não é contabilizado, eu faço isso em casa. E eu não

recebo mais dinheiro por isso, não é?

A: Mas vamos aproveitar já agora essa questão para… na sua, na sua.... No seu ver

como é que a sociedade em geral olha para nós de Ciências de Educação? Já

mencionaste que é assim com um bocadinho de desprezo…

R: Aliás como é que a sociedade olha para as Ciências da Educação? A sociedade não

sabe da existência das Ciências da Educação, creio eu, não é? Eu acho que são poucas

as pessoas que sabem. Eu creio que a sociedade em geral não conhece as Ciências da

Educação. Conhece a educação. Conhece as escolas superiores de educação e,

possivelmente, se nós formos para a rua perguntar… ahhh… o que é que são as

Ciências da Educação, possivelmente, vamos ter muitas pessoas que não vão saber dar

uma resposta e, se calhar, aquelas que vão responder, vão dizer que “Ah! São

professores”. Contudo, as Ciências da Educação são muitíssimo importantes. Existem

muitas leituras de Ciências da Educação. Eu tenho a minha própria leitura. Ninguém me

disse que as Ciências da Educação eram… é isto. É claro que depois sustento esta a

minha opinião num conjunto de autores, de professores que considero muitíssimo

Page 16: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

importantes. E aqui não posso deixar de mencionar a professora Cármen Cavaco, a

professora Paula Guimarães, o professor António Nova, que são pessoas que têm uma

visão alternativa, diferente daquilo que é a educação. Educação não é… A educação...

Se nós formos para a rua perguntar o que é que é a educação, as pessoas vão dizer…

Aliás eu deparo-me com isto no meu local de trabalho. Eu pergunto a pessoas que vão

ser formadores, o que é que é a educação. Ah, é a escola, é transmitir conteúdos. Não,

não é nada disso. Educação é qualquer coisa que se confunde com a nossa própria vida.

Começa a partir do momento em que nós nascemos e acaba no momento em que nós

vamos, em que nós vamos para a cova. E basicamente educação é tudo aquilo que… é

tudo aquilo que vai acontecendo no nosso percurso de vida. As Ciências da Educação

não são reconhecidas, tenho a certeza absoluta, esta é a minha visão, mas são

muitíssimo importantes. Creio que se as pessoas conseguissem perceber a importância

das Ciências da Educação, creio que nós não teríamos tanto insucesso escolar, por

exemplo. Creio que nós teríamos escolas muito mais felizes e creio que outros projectos

relacionados com iniciativas de natureza mais… de natureza não governamental, que

são construídos a partir dos interesses das pessoas poderiam ser muito importantes a

partir do momento em que as Ciências da Educação acreditam neste tipo de ideias e que

estas ideias pudessem chegar aos espaços que são concebidos para ensinar, como é a

escola, como é a universidade. Mas felizmente existem grandes profissionais da área das

Ciências da Educação que têm feito um trabalho muitíssimo importante. Poderemos

pensar, por exemplo, na Escola da Ponte, não sei se conhecem. Uma escola no Porto

que foi desenhado e foi desenvolvida por um professor da Universidade do Minho, de

Ciências de Educação, que é o José Pacheco, em que basicamente é uma escola onde

não existe campainhas. E não existe campainhas porquê? Porque o objetivo não é

separar. Agora temos o Português, toca a campainha para o intervalo e depois temos a

Matemática. Não. Lá não há separação de conteúdos. Todo o conteúdo é um todo. E

acaba por ser uma relação muito mais… horizontal, existe um clima de cooperação

muito, muito elevado e creio que isso é muito importante. E creio que as Ciências da

Educação permitem-nos cultivar esta ideia que faz todo o sentido, a partir do momento

em que nós só aprendemos aquilo que realmente é importante, não é? E creio que a

aprendizagem que acontece em função dos nossos desejos, das nossas motivações, das

nossas necessidades é aquela que realmente é importante. E as Ciências da Educação

permitem-nos pensar… permitem-nos pensar a educação de um ponto de vista mais

correto, mais democrático também, e mais justo.

Page 17: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

A: Acha que… há bocado falou dos empregadores que se aproveitam um bocadinho de

nós… Acha que esta visão também é partilhada pelos seus colegas de trabalho, não

empregadores, mas …?

E: Os meus colegas de trabalho... Eu acho que, e pelo menos no meu trabalho eu falo

muito em ciência da educação, e espero que tudo aquilo que eu digo possa ser

importante, e felizmente a minha coordenação é uma coordenação que acredita muito

nas ciências da educação, o que é muito importante hoje em dia, só recruta pessoas das

ciências da educação. Temos lá duas alunas do 3º ano que vão fazer o estágio do

seminário IV e V, ali, naquele local de trabalho, o que é muito importante. Contudo

também há colegas que fazem muita porcaria, muita asneira e que acabam por partilhar

uma imagem mais negra das ciências da educação, mas isso acontece em todo o lado.

A: Agora em relação a perspetivas futuras, porque há bocado perguntei mas acabou por

se desviar o assunto, já tem um plano definido?

E: Sim, aliás, para a semana quero ir falar com a professora Cármen Cavaco, porque

quero começar a desenhar o meu projeto de doutoramento. Como vos disse, o meu

objetivo é ser professor universitário, esse é assim o meu grande objetivo. Contudo,

para o ano espero ir novamente a angola, e gostava de ter outros trabalhos também. Tou

um bocado cansado de fazer sempre a mesma coisa.

A: Formação?

E: sim.

A: Mas também estagnamos um bocado diferentes, com o tempo...

E: Sim, se bem que todos os grupos são diferentes, mas estou à mais de um ano a

trabalhar os mesmos conteúdos... Sinto que preciso de mais, qualquer coisa mais

desafiante.

Page 18: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

A: Em termos agora de auto formação, a nível mais pessoal, já mencionou que esteve a

fazer uma pesquisa mais alargada para lecionar estes conteúdos, existe alguma razão

para ter optado por dar certas formações? A nível profissional, e agora a nível

académico..

E: Ora bem, toda a formação é auto formação, não há formação que não seja auto

formação. Contudo, nós aprendemos sempre com apoios exteriores, é muito importante

nós socializar os com o outro, mas a minha socialização com o outro não significa

necessariamente aprendizagem. As informações que são partilhadas com o outro, e cada

vez existe mais informação que podemos passar, por exemplo, na internet isso não

significa necessariamente aprendizagem, só é aprendizagem quando eu reflito sobre

essa informação. Portanto, a formação é auto formação, toda! Não há formação que não

seja auto formativa. Aliás, eu estou em formação todos os dias. No meu trabalho, a

socialização que eu tenho com os meus formandos é muitíssimo importante para a

pessoa que sou hoje. Mas formação dum ponto de vista mais formal? Provavelmente é

isso que vocês querem saber... Os diplomas, os certificados...

A: Não, não... Eu referi-me auto formação mas mais no sentido de conteúdos que tenha

sentido necessidade de aprofundar, que podem, ou não estar relacionados com o

trabalho, mas que não tenha necessariamente a ver com receber um diploma..

E: Sim, ou seja, conteúdos que ao longo do tempo, ao longo da minha vida profissional

tenha sentido necessidade de aprofundar?

A: Exato!

E: foram realmente conteúdos relacionados com as tecnologias da informação e da

comunicação, uma vez que dou vários módulos desta formação que fala exatamente

sobre estas questões. Tentar perceber um bocadinho, tentar aprofundar estes conteúdos

relacionados com a web 2.0, tentar aprofundar qual é a diferença que existe entre um

professor, um educador ou um formador que trabalha de forma presencial e um

formador que trabalha à distância. Tentar perceber quais são as diferenças. E sim, se

calhar, o meu estudo mais autónomo tem passado por esta área das tecnologias da

informação e comunicação. Eu sou uma pessoa que leio muito, e essas leituras

Page 19: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

exprimem-se muito com o meu percurso aqui nesta faculdade, porque às tantas foram-

me convidando para prestar apoio a seminários, a aulas... E isso foi importante a partir

do momento em que, a recompensa que me era dada, eram livros. Aqui a faculdade tem

uma editora que é a educa, e sempre que nós colaborávamos na organização de eventos,

eles ofereciam-nos livros. Diziam "podes vir aqui à sala e leva cinco livros" , e

entretanto fiquei com a coleção toda da educa, que é muito importante e ajuda também a

pesquisar e a saber mais.

A: Em termos de promoção do nosso curso, acha que era importante uma promoção

assim, pronto, já falámos à pouco de como a sociedade não tem noção da existência do

curso e os que têm desprezam um bocado, acha que seria bom promover um

conhecimento mais próprio do nosso curso?

E: Agora a faculdade fez aí grandes campanhas, uns outdoors pela cidade de Lisboa...

Sim, claro que sim, acho que é muito importante, mas depois não sei até que ponto é

que há escoamento destes profissionais, aqui em Portugal parece-me difícil. Mas

também ninguém nos diz que temos que ficar em Portugal, na nossa cidade, na nossa

vila, na nossa aldeia... Possivelmente, também é muito gratificante, nós termos a

capacidade de perceber que ir para contextos que não são os nossos, que são

desconhecidos eles serão muitíssimo importantes, e levar estas mensagens, a

importância das ciências da educação é muito importante. Mas por aquilo que eu sei,

aqui, parece que o instituto de educação não está com muita vontade de fazer essa

divulgação do curso, até porque agora se deu esta mudança, e parece que agora se

esquece um bocadinho o que é as ciências da educação, e não há licenciatura em

ciências da educação, o que há é formação e educação. São coisas diferentes, creio eu.

Mas sim, é muito importante, seria muito importante e faz todo o sentido divulgar o que

é que isto significa, mas não sei se há espaço cá fora. Aliás, hoje em dia nós temos um

ministro da educação que não gosta das ciências da educação. Ele escreveu um livro

exatamente a falar mal das ciências da educação, a criticar.

A: Pois, ele tem dado muito nas vistas ultimamente... Enquanto profissional, o que é

que pensa da sua atividade profissional, na vertente, não quero dizer da produtividade,

mas do... Qual é a importância que sente que o seu pap tem tido, enquanto profissional

da área?

Page 20: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

E: Para já, aprender, para mim é uma mudança que é observável no comportamento das

pessoas, que envolve o saber no domínio cognitivo, e o domínio psicomotor, a nível da

manipulação, do saber fazer, das atitudes. E realmente, eu sinto que o meu papel é

importante, no momento em que consigo reparar que em 90 horas de curso eu consigo

reparar que as pessoas conseguem mudar de comportamentos, conseguem efetivamente

aprender. E realmente os questionários que se passam no final das ações de formação, as

classificações são muito boas, são até mesmo excelentes, e entendi que as pessoas

gostam do meu trabalho, e para alem disso, de gostarem de mim como profissional,

gostam de mim enquanto pessoa, e isso acaba por ser muito importante e muito

gratificante. Tenho noção que faço um bom trabalho, sim tenho, e tenho noção que

posso fazer cada vez melhor, e que posso evoluir sempre cada vez mais. Sinto que o

meu papel é importante, no sentido em que me permite construi uma visão diferente

daquela que as pessoas têm inicialmente sobre a educação. Permite igualmente fazer

com que as pessoas partilhem uma visão mais humana, mais humanista que ensinar e

educar é qualquer coisa que pode ser muito próxima, há uma relação muito inter

pessoal, muito intima até mesmo, é possível estabelecer onde é necessário estabelecer

uma relação de empatia porque para ensinarmos temos que nos colocar no lugar do

outro. Quando isso não acontece, provavelmente também não acontece aprendizagem. É

um processo contínuo.

A: Pronto, isto agora é uma pergunta mais pessoal, se tem algum tipo de mudança assim

das ciências da educação que possa revelar.

E: Eu acho que aqui acho que sim, acho que o programa da disciplina das ciências da

educação poderia ser alterado. Por exemplo, já na altura achei que havia disciplinas do

último ano que possivelmente seria do primeiro. Há uma disciplina que provavelmente

já não existe que era teoria da educação, e isso é uma disciplina que era muito

importante estar no primeiro ano. Tentar lançar algumas pistas de melhoria, creio que é

muito melhor invocar outros autores do que aqueles que são referenciados aqui, que têm

ainda muita ligação com a psicologia e é necessário fazer essa separação, creio que uma

das melhorias a fazer-se nas ciências da educação seria trabalhar outros autores,

trabalhar de uma forma mais constante, e aqui falo dos contributos de Paulo Freire, falo

dos contributos de Ivan Illiche, e falo dos contributos de Carl Rogers, são pessoas que

Page 21: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

permitem-nos ter outra visão da educação e consequentemente das ciências da

educação. Uma visão mais problematizadora, mais horizontal e não tanto na vertical,

nem bancária. Uma visão mais humanista onde seja possível trabalhar a experiência das

pessoas porque quando tocamos na história de vida das pessoas, dificilmente ocorre

aprendizagem, ocorre um depositar de informação, um acumular de conteúdos, e creio

que aqui, as disciplinas ainda, pelo menos falo da maioria dos professores que tive,

partilham todos muito desta visão, muito bancária. Vão para as aulas ler PowerPoint,

mandam trabalhos, testes sem consulta também. Creio que isso não vale a pena, nós não

aprendemos mais por ter um teste sem consulta, aprendemos a decorar, mas depois essa

informação é esquecida. Agora quando nós temos um livro e vamos ter que pesquisar,

ter de encontrar os conteúdos, creio que aí é mais importante.

A: Para além de tudo o que temos vindo a falar nesta entrevista, há alguma coisa que

ache pertinen mencionar?

E: Sim, aliás eu terminei o mestrado no dia 15 de setembro, em que o meu objetivo foi

tentar perceber, aliás eu entrevistei quatro educadores de adultos, uma alfabetizadora em

são paulo, como vos disse, um instrutor de aviação aeronáutica, um animador

sociocultural e um professor, de faro, ou seja, são portanto quatro profissionais que

trabalham diretamente com adultos a nível da formação a nível da educação, e o meu

objetivo foi tentar perceber qual é que é o impacto das modalidades educativas. As

modalidade educativas são três, não sei se já trabalharam estes conteúdos, existem três

modalidades educativas, que é a modalidade educativa formal, que aqui se comprova

com a escola, e a universidade também acaba por ser uma modalidade educativa formal,

e a formação profissional, uma vez que elas são inspiradas no modelo escolar, existe

uma assimetria de papéis, tanto da pessoa que ensina como da pessoa que aprende,

existe horários, os conteúdos são escritos, são obrigatórios e é o impacto da escola na

vida daquelas pessoas, o impacto da educação não formal e o impacto da educação

informal. Educação informal é aquilo que se faz sem ser organizado, que se confunde

com a própria vida, e depois a educação não formal são iniciativas de natureza não

governamental, por exemplo associações de bairro, clubes desportivos... E basicamente,

eu tive de perceber como é que as pessoas aprenderam a partir destas três modalidades.

E a conclusão a que eu cheguei foi que as escolas estão muito longe de cumprir as suas

finalidades, ou seja, aquilo que aquelas pessoas aprenderam na escola não tem nada a

Page 22: Transcrição da entrevista · Transcrição da entrevista A: Boa tarde E: Boa tarde A: Primeiro que tudo queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para estar aqui connosco hoje.

ver com aquilo que está no currículo. É muito engraçado, e outra conclusão é que as

pessoas só aprendem aquilo que querem, só aprendem quando estão motivadas, quando

aprender se torna uma necessidade. Por exemplo, há entrevistado que dizia que "eu

quando vim para Lisboa estudar eu não sabia fazer nada, eu morava em casa dos meus

pais, eu não cozinhava, eu não lavava, eu não fazia a cama, e quando vim para Lisboa

estudar eu passei, aliás, aprender tornou-se uma necessidade. Eu para gerir a casa tive

que aprender" e isto são alguns contributos que as ciências da educação dão, numa

perspetiva diferente. Defendi a tese no dia 15 de setembro, foi importante, tive 19, não

sei se é importante aqui para a entrevista. E basicamente é isto, não sei se foi útil ou

não.

A: Para mim foi, creio que para todos nós... Se não quiser adicionar mais nada...

E: Para já não, mas se depois quando estiverem a transcrever a entrevista acharem

necessário acrescentar alguma informação, digam.

A: Temos que agradece ao nosso entrevistado, pela sua disponibilidade, obrigado mais

uma vez.