Trangressão e contracultura nas marcas de moda: um olhar sobre a criação de Hedi Slimane para a...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE
DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM
PUBLICIDADE E PROPAGANDA
TRANSGRESSÃO E CONTRACULTURA NAS MARCAS DE MODA: UM OLHAR
SOBRE A CRIAÇÃO DE HEDI SLIMANE PARA A DIOR HOMME
PORTO ALEGRE
2012
JOSÉ FERREIRA MARURI NETO
TRANSGRESSÃO E CONTRACULTURA NAS MARCAS DE
MODA: UM OLHAR SOBRE A CRIAÇÃO DE HEDI SLIMANE
PARA A DIOR HOMME
Trabalho de conclusão de curso apresentado como
requisito para a obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social, com habilitação em Publicidade
e Propaganda, da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Profa. Dra. Sílvia Orsi Koch
PORTO ALEGRE
2012
JOSÉ FERREIRA MARURI NETO
TRANSGRESSÃO E CONTRACULTURA NAS MARCAS DE
MODA: UM OLHAR SOBRE A CRIAÇÃO DE HEDI SLIMANE
PARA A DIOR HOMME
Trabalho de conclusão de curso apresentado como
requisito para a obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e
Propaganda, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Aprovada em: _____de_______________de_______.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Sílvia Orsi Koch – PUCRS
____________________________________________
Profa. Dra. Cristiane Mafacioli Carvalho – PUCRS
____________________________________________
Profa. Dra. Denise Avancine Alves - PUCRS
PORTO ALEGRE
2012
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente aos meus pais, que sempre me apoiaram incondicionalmente
na realização dos meus projetos e sonhos, sempre me incentivando a superar quaisquer
dificuldades que encontrasse no caminho. A eles meu amor, carinho e respeito incondicionais.
Agradeço à minha irmã Juliana pela paciência e apoio em todos os aspectos da minha
vida.
Agradeço aos meus amigos pela companhia, suporte e pelos momentos de diversão
inesquecíveis, sempre me incentivando a ver o mundo através de diferentes perspectivas.
Agradeço especialmente à minha querida amiga Sofia, pelo apoio e incentivo na confecção
deste estudo.
Por fim, agradeço à Professora Sílvia Koch pela paciência e bom humor nas manhãs
de orientação, tornando a confecção deste trabalho de conclusão prazeroso e construtivo.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9
2 O DISCURSO DA MODA NO INÍCIO DO SÉCULO XIX ATÉ OS ANOS 70 – AS
ORIGENS DA TRANSGRESSÃO .......................................................................................... 11
2.1 Os signos da moda e a manipulação da identidade ........................................................ 11
2.2 Da La Belle Époque ao mundo em guerra: a nulificação das manifestações individuais
.............................................................................................................................................. 12
2.3 O período pós-guerra - A restabilização da indústria da moda e os novos discursos
visuais ................................................................................................................................... 14
2.4 Os anos 60 e a libertação da juventude .......................................................................... 19
2.5 O Rock’n roll como estilo característico da Pós- modernidade: o estilo punk .............. 22
3 AS FERRAMENTAS DA COMUNICAÇÃO DE MODA NA ATUALIDADE ................ 24
3.1 A fotografia de Moda ..................................................................................................... 25
3.2 Os desfiles de Moda ....................................................................................................... 29
3.3 Comunicação de moda e Publicidade ............................................................................. 31
3.4 A moda de rua ................................................................................................................ 34
4 O ESTILISTA HEDI SLIMANE, SUA OBRA PARA A DIOR HOMME E AS
ENGRENAGENS DE CONSTRUÇÃO DE MARCA ............................................................ 38
4.1 Sobre Hedi Slimane e a Dior Homme ............................................................................ 38
4.2 As engrenagens da construção de marca ....................................................................... 45
4.3 A volta de Hedi Slimane para a Yves Saint Laurent ..................................................... 49
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 51
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 56
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Coco Chanel........................................................................................................15
FIGURA 2 – O “New Look” de Dior.......................................................................................17
FIGURA 3 – Elvis Presley........................................................................................................21
FIGURA 4 – Punk anos 70.......................................................................................................24
FIGURA 5 – A silhueta de Slimane..........................................................................................39
FIGURA 6 – Modelo “no future”.............................................................................................41
FIGURA 7 – Estilo “Jerking”..................................................................................................43
FIGURA 8 – O “Le Smoking” de Yves Saint Laurent.............................................................50
RESUMO
Este trabalho discute as manifestações culturais transgressoras e sua influência na criação e
percepção de marcas de moda, utilizando como objeto de estudo as coleções criadas pelo
estilista Hedi Slimane para a marca Dior Homme. Observou-se que a criação de Slimane foi
inspirada pela cultura que nasceu das ruas, nos movimentos de contracultura juvenil
provenientes das décadas pós-guerra como o rock and roll e o punk, e surge como produto da
Dior, uma marca bem estabelecida na indústria da moda.
Através do cruzamento entre um resgate histórico sobre os efeitos das guerras na sociedade,
os movimentos juvenis de contracultura e uma pesquisa exploratória sobre principais
ferramentas de comunicação utilizadas pela indústria da moda atual, pretende-se entender a
transição da moda das ruas para as passarelas de marcas consagradas pelo tempo e pela
tradição, assim como a maneira como esta mudança alterou as definições de estilo. A moda
das ruas deixa a marginalidade para trás, tomando o lugar do luxo na percepção do que é
“estar na moda” atualmente.
Palavras-chave: Moda, Contracultura. Hedi Slimane. Comunicação.
ABSTRACT
This paper discusses the transgressive cultural manifestations and its influence in the creation
and perception of fashion brands, using as an object of study the collections created by Hedi
Slimane for Dior Homme. It was observed that Slimane’s creation was inspired by the culture
born on the streets, by the juvenile movements of counterculture from the post war decades
like rock and roll and punk, and it arises as a Dior’s product, a well established brand at the
fashion industry.
Through the cross-checking between a historical recovery about the effects of the wars on
society, the juvenile movements of counterculture and an exploratory research about the main
tools of communication used by nowadays’ fashion industry, it is intended to understand the
transition of the street fashion to the runways of brands consecrated by time and tradition, as
well as the way this shift altered the definitions of style. The street fashion leaves marginality
behind, taking the place of luxury on the perception of what it is “being fashionable”
nowadays.
Key-words: Fashion, Counterculture. Hedi Slimane. Communication.
9
1 INTRODUÇÃO
A distinção social está atrelada à moda desde sua concepção na sociedade ocidental.
Estar na moda, no início, significava ter dinheiro, condições sociais e, principalmente, nascer
em uma família de classe social elevada. A moda não era acessível para todos, estava nas
mãos da elite, dos mais poderosos. Com a queda das estruturas feudais e o surgimento da
burguesia, a moda ficou acessível para toda a sociedade, mas sempre tendo como referência
principal o luxo, o poder e a exclusividade, características próprias da aristocracia.
Foram nos anos 60 que ocorreram várias rupturas com esse ideal de luxo presente na
moda. Os movimentos juvenis, as tribos urbanas, consequências de uma sociedade doente que
saía de sucessivos períodos de guerra, lançavam novos conceitos de vida e cultura nas ruas
das grandes cidades. Esses novos discursos eram carregados de mensagens transgressivas, que
faziam críticas à sociedade e os valores vigentes.
Esta monografia de conclusão de curso trata da consagração do que Lipovetsky chama
de “antimoda” (1987 p. 126) ou ainda “[...] modas marginais que se apóiam em critérios de
ruptura com a moda profissional” presente na obra do estilista, designer e fotógrafo Hedi
Slimane para a marca Dior Homme.
Os principais objetivos dessa monografia são: conhecer a origem e os motivos que
levaram a existência dos principais movimentos de transgressão social e contracultura que se
originaram nos anos 50 e 60; perceber a importância e a valorização da cultura jovem pela
sociedade e pela indústria de moda; entender o papel das ferramentas comunicacionais que a
publicidade de moda utiliza para criar a identidade de uma coleção; entender como a cultura
marginal, de rua e transgressora foi transportada para uma das marcas de maior valor do
mundo através da obra de Slimane e analisar os desdobramentos do trabalho do estilista no
futuro.
Para isso será necessário entender o surgimento da contracultura nos anos 50 e 60 e as
principais mudanças no mundo da moda nessa época; o declínio do luxo e a priorização do
mercado jovem pela indústria da moda; as ligações entre cultura jovem, música, moda e
contracultura. É imprescindível também entender as todas as engrenagens de funcionamento
do mercado atual da moda e seu peso: desfiles, fotografia, publicidade e comunicação, bem
10
como a valorização crescente do patrimônio cultural e intelectual produzido pelos jovens nos
núcleos culturais marginais.
A motivação pessoal para a realização desse estudo é o profundo interesse na relação
da moda com a publicidade e o comportamento social. Esses temas estão inteiramente
conectados, a moda e a publicidade retratam o momento social vigente, ajudam a construir
novos valores e significados. O autor desta monografia considera a obra de Slimane para a
Dior Homme uma mudança significativa na moda masculina pois traz elementos que
incorporam os estilos das ruas, o rock e a androginia à uma marca de alto luxo. A sociedade
precisa de constante renovação, precisa valorizar as diversas manifestações intelectuais e
construir uma dinâmica de diálogo mais aberta à todos os indivíduos. A moda permite isso. É
a partir dela que muitos diálogos são mantidos, pois esta é repleta de símbolos e significados.
A moda é uma linguagem complexa.
A metodologia utilizada nessa monografia é exploratória com técnica bibliográfica. No
primeiro capítulo, um resgate da história da moda é realizado a cerca dos períodos pós guerra,
utilizando principalmente autores como James Laver (1982) e Alison Lurie (1992). A obra de
Kátia Castilho (2009) traz o conceito da moda como uma linguagem, que permeia todo o
estudo. A contribuição do teórico Gilles Lipovestky (1989) é importante para o embasamento
de uma análise da moda e as formas com que as pessoas se relacionam com a mesma. No
segundo capítulo, é feita uma análise das estruturas de comunicação de moda utilizadas
atualmente e suas principais funções na divulgação de coleções. Claudio Marra (2008) é
utilizado para traduzir a importância da fotografia de moda, principal ferramenta de
comunicação desta indústria. A autora Françoise Vicent-Ricard (1989) analisa a comunicação
de moda na atualidade e suas peculiaridades. O terceiro e último capítulo introduz o leitor à
vida e obra de Hedi Slimane, através de depoimentos do próprio estilista sobre sua obra, suas
inspirações. Neste mesmo capítulo, relacionam-se a transgressão das décadas passadas, as
estruturas comunicacionais e seus desdobramentos nas coleções de Slimane para Dior
Homme.
Em resumo, este estudo procura responder as seguintes perguntas: como as imagens e
signos próprios da contracultura abandonaram a marginalidade e se tornaram principal signo
de uma marca de associada ao luxo? Qual a função da moda de rua na produção da moda
profissional? Seria a transgressão na moda um sinal de instabilidade e insegurança do estilista,
uma fase passageira?
11
2 O DISCURSO DA MODA NO INÍCIO DO SÉCULO XIX ATÉ OS ANOS 70 – AS
ORIGENS DA TRANSGRESSÃO
O primeiro capítulo desta monografia objetiva traçar um olhar histórico sobre os
acontecimentos no mundo e na moda que culminaram na revolução jovem dos anos 60,
período histórico de relevante importância para este estudo. Para melhor entender a
efervescência desta década, fala-se sobre o período pré-guerra conhecido como Belle Époque,
as consequências trazidas pela primeira e segunda Guerra Mundial, culminando então nos
movimentos jovens, dando especial atenção para o rock and roll, forte inspiração para o
estilista Hedi Slimane. O capítulo inicia-se com uma pequena introdução que estabelece o que
o autor entende como Moda, seus significados e importância social, baseado na autora Kátia
Castilho (2009). Para traçar o retrato histórico que percorre o início do século XIX até os anos
70, foram utilizadas obras de Alison Lurie (1992), James Laver (1982), Iara Silva (2006),
Gilles Lipovetsky (1989) , Malcom Barnard (1996) e Theodore Roszak (1996).
2.1 OS SIGNOS DA MODA E A MANIPULAÇÃO DA IDENTIDADE
A linguagem das roupas vem sendo utilizada pelo homem por milhares de anos.
Desprovidos de proteção natural como penas ou pelugem, o homem viu a vestimenta como
uma das primeiras necessidades essenciais para a sobrevivência. Essa necessidade de proteção
alimenta o impulso contínuo do ser humano para alterar a plástica do seu corpo.
Ainda de acordo com Kátia Castilho (2009), a linguagem da moda articula dois sistemas
independentes: o do corpo e o da roupa. Enlaçados, esses dois sistemas configuram
posicionamentos de valores que ganham formas. O corpo é o suporte da roupa, e juntos
constroem a linguagem da moda.
O autor Alison Lurie (1992, p. 19) exemplifica a funcionalidade da linguagem da
moda no cotidiano: “Muito antes de eu ter me aproximado o suficiente para falar com você na
rua, em uma reunião ou em uma festa, você comunica seu sexo, idade e classe social através
do que está vestindo”.
Através da maneira de vestir, expressam-se pensamentos e vontades muito íntimas que
afirmam o que se é ou que se quer ser. Alison Lurie (1992) percebe a moda como um idioma.
Cada cultura possui o seu próprio vocabulário de roupas, sotaques, dialetos e gírias, fato que
12
pode ser percebido nas roupas típicas dos alemães, italianos e ameríndios, por exemplo. Essa
noção de linguagem também pode ser levada para o campo individual, onde cada um constrói
seu vocabulário próprio, empregando gírias e sotaques na sua vestimenta.
Assim como na fala, pode-se empregar vários recursos na comunicação através das
roupas: palavras arcaicas (artigos genuínos de roupas do passado); palavras estrangeiras
(trajes que não pertencem à cultura original do indivíduo); gírias e palavras vulgares (roupas
que transgridem, que chamam a atenção, que rompem com a formalidade); adjetivos e
advérbios (elementos decorativos, acessórios, adornos). Essa construção visual do indivíduo é
sempre uma resposta ao estilo vigente em determinada época, podendo ser uma mentira, uma
afronta ou uma afirmação. Para Kátia Castilho (2009, p. 178):
A moda é, portanto, regrada por uma gramática social que reorganiza o corpo
segundo concepções culturais, estabelecidas por um contrato implícito ao grupo, que
aceita as regras de estruturas básicas referentes às formas de adornar-se, de vestir-se,
etc., tornando-as presentes na linguagem das roupas.
Através da história, pode-se perceber diversas construções visuais em resposta aos
estímulos da época. São essas manifestações pessoais, sejam elas em forma de ilusão, afronta
ou afirmação, que constroem os estilos vigentes e são os pilares da moda e sua história.
2.2 DA LA BELLE ÉPOQUE AO MUNDO EM GUERRA: A NULIFICAÇÃO DAS
MANIFESTAÇÕES INDIVIDUAIS
A Belle Époque compreende um período que vai do início do século XX até o
princípio da Primeira Guerra Mundial. Na Inglaterra, também é conhecida como era
eduardiana. Esse período é marcado pela grande ostentação e extravagância predominantes na
França e na Inglaterra. Como cita James Laver (1982, p. 229) “ Tudo era maior que o natural.
Havia uma avalanche de bailes e jantares e festas em casas de campo. Gastava-se mais
dinheiro, consumia-se mais comida, mais cavalos corriam, mais infidelidades eram cometidas
[...]”.
A moda, sem dúvida, refletiu o espírito da época. Tecidos caros, rendas, decotes
extravagantes, chapéus muitíssimo adornados. De acordo com Laver (1982), neste período, a
corte e a sociedade, que sempre estiveram em conflito, começaram a se coincidir. O exemplo
fora dado pelo próprio rei da Inglaterra, como menciona o autor (1982, p. 239):
13
(...) o fato de o rei gostar de homens da cidade, de milionários, piadas de judeus e
herdeiras americanas e mulheres bonitas (não importando a sua origem) significava
que as portas estavam abertas a qualquer pessoa que conseguisse excitar os
caprichos do monarca.
Em meados de 1910 houve uma mudança significativa nas roupas femininas. Laver
(1982) comenta que uma onda de orientalismo causada pela produção da peça Schéhérazade
levou a uma profusão de cores “fortes e espalhafatosas”. Em 1913 os vestidos trouxeram uma
mudança surpreendente, o decote em V. De acordo com Laver, “Foi denunciado no púlpito
como exibição indecente e pelos médicos como um perigo para a saúde” (1982, p. 227). A
Europa vivia imersa em um eterna atmosfera de festa ao ar livre, os tecidos eram bordados
com temáticas florais, rendas e babados.
O fantasma da Primeira Guerra se tornando cada dia mais real começa a produzir
efeitos no comportamento e na vestimenta dos alegres viventes da Belle Èpoque. “O costume
simples também era popular porque as mulheres sentiam, muito acertadamente, que roupas
extravagantes não ficavam bem em época de guerra.” (LAVER, 1982, p. 229). A Europa
entrava em um período de crise. Alimentos e todo tipo de matéria prima foram direcionados
para os campos de batalha, deixando a população sem muitas opções de alimentos. Mães,
mulheres e filhos viram seus pais, maridos e filhos partirem sem a garantia de retorno para os
campos de batalha. Cabia ao governo controlar a população e mobilizá-la para a guerra, que
assim fazia através da disseminação de ideais políticos pelas mídias, exaltação da nação e de
seu exército.
Lurie (1992) discursa sobre o uso de uniformes militares, seu papel social e sua
significância no período de guerra. Este tipo de traje (seja ele civil, militar ou religioso) é
totalmente escolhido por outra pessoa e seu uso é sempre imposto. A autora ressalta que: “[...]
em termos de discurso falado é estar, parcial ou totalmente, sob censura” (p. 33).
Entendendo a moda como uma linguagem, um meio de comunicação que se opera
através da escolha das peças e montagem visual da indumentária, retirar essa função
construtiva do indivíduo sobre si é calar suas opiniões e posicionamentos. Nas palavras da
autora (1992, p. 35):
Usar uniforme é abandonar o direito do discurso livre na língua das roupas; ao invés
disso, você é obrigado a repetir o diálogo composto por outra pessoa. No caso
extremo, você se torna parte de uma massa de pessoas idênticas, todas gritando as
mesmas palavras ao mesmo tempo.
14
De acordo com James Laver (1982) a guerra, além de minar a expressão individual e
coletiva, alterou as estruturas de produção da moda. Tecidos ficaram escassos, a mão de obra
foi limitada e existiram restrições na confecção e nos processos de fabricação.
2.3 O PERÍODO PÓS-GUERRA - A RESTABILIZAÇÃO DA INDÚSTRIA DA
MODA E OS NOVOS DISCURSOS VISUAIS
Com o fantasma da Primeira Guerra no passado, a juventude e a novidade voltaram a
moda. No período pós Primeira Guerra, pode-se destacar duas principais grandes mudanças
no comportamento feminino. Laver (1982) cita em sua obra que as bainhas das saias
começaram a subir e a cintura a se alargar. Outro fenômeno apontado pelo autor foi o
desaparecimento da silhueta feminina: as mulheres nos anos 20 pareciam masculinizadas, seu
acervo de roupas se aproximando cada vez mais do armário masculino. Pernas mais finas
eram desejadas, simplicidade e praticidade eram almejadas por essas novas mulheres do
período pós-guerra, que ocuparam as vagas de seus maridos e filhos na indústria e no
comércio enquanto esses estavam no campo de batalha.
Essas mudanças comportamentais foram respostas à situação a qual o mundo tinha
recém enfrentado. A intenção de expressar novos ideais e de colocar a guerra no passado se
expressava no corpo e na vestimenta da população, principalmente entre as mulheres.
Segundo o autor:
Historiadores da moda sugeriram várias explicações para o fenômeno dos anos 20.
Alguns atribuíram à necessidade da espécie humana de manter seu número; para
compensar a perda de população na Primeira Guerra Mundial. Segundo essa teoria, a
moda feminina tinha de ser provocadora sexualmente para impulsionar o índice de
natalidade. [...] Também foi sugerido que as mulheres estavam afirmando seus
direitos recém-conquistados de se vestirem como homens; ou, alternativamente, que
estavam tentando substituir os homens jovens que haviam morrido na Primeira
Guerra Mundial. (LURIE, 1992, p. 87)
Lurie (1992) em seguida aponta que, uma análise mais atenta nas fotografias da
década de 20 leva a crer que as mulheres não se pareciam com homens, mas sim com
crianças. Elas se inspiravam nas meninas que haviam sido e, em menor escala, nos meninos
com quem brincavam. Mais uma vez na história, a moda resgata os tempos de paz e bonança,
15
fato que também ocorreu a 100 anos antes da década de vinte, quando as mulheres buscavam
parecer meninas boas e inocentes.
Para Coco Chanel, estilista símbolo da época, a figura feminina pós-guerra é, como
ressalta Iara Silva em sua Tese de Doutorado, a mulher andrógina, livre e independente. Silva
descreve que, em um momento em que as mulheres abandonaram a vida familiar privada e
passaram a atuar na esfera pública, juntamente com os homens e sonhando com a liberdade, é
que surge Chanel. De acordo com a descrição da autora ( SILVA, 2006, p. 119):
Chanel parece conferir à moda um estilo “chique pobre”, no qual a elegância é
sinônimo de simplicidade e despojamento – o que correspondente, em nossos dias,
ao minimalismo: formas simples e retas, mas que, pela sua simplicidade, trazem à
tona a complexidade, descortinando a personalidade da mulher, que, ainda hoje, se
vale dos modelos criados pela estilista.
Figura 1 - Coco Chanel
Fonte: The Biography Chanel UK (2012)
A busca pela infância na moda dos anos 20 criou a tão famosa melindrosa, alegre e
namoradeira. De acordo com a descrição de Lurie (1992, p. 88) “E embora tivesse a aparência
de um menino adolescente, seu rosto era o de uma criança pequena [...]”. Os homens também
foram afetados pela descontração do momento, deixando de lado a magnitude e a autoridade
eduardiana, típica da década. A autora (1992, p. 89) diz que é possível perceber que o homem
16
emagreceu e rejuvenesceu, “se tornou um menino de boa aparência, ao invés de um belo
homem de meia idade, com uma personalidade de acordo: atlético, audacioso, romântico,
moderno [...]”.
A alegria e a jovialidade do século vinte logo encontraram seu fim com a queda da
Bolsa em 29 e a grande depressão econômica. Mais uma vez, o mundo entrava em crise e a
moda se alterou, respondendo a novas condições impostas pela realidade. De acordo com
Laver (1987) as roupas das diversas classes sociais se pareciam cada vez mais. O autor
também aponta que as criações das grandes casas de Paris ficaram ao alcance de quase todas
as mulheres.
Com as nuvens da Segunda Guerra se formando, Laver (1987, p.248) destaca que o
crescimento do poder de Hitler influenciou também na moda. Um estilo camponês austríaco
composto de saias mais curtas e franzidas: “[...] como em um reconhecimento inconsciente do
poder cada vez maior de Hitler”. Ainda de acordo com o autor, a maioria dos estilistas de
moda, consciente ou inconscientemente acreditava que de fato não haveria uma Segunda
Guerra, havendo até mesmo uma tentativa de reviver o espartilho.
No decorrer da Segunda Guerra Mundial, viu-se necessário abandonar a inocência,
como Lurie (1992, p. 90) ressalta “Em épocas de ansiedade, a alegria infantil parece frívola e
mesmo insensível: seriedade e maturidade estão na moda”. Após a Segunda Guerra Mundial,
a indústria da moda se levanta por todo o globo. Nos Estados Unidos, onde houve poucas
restrições, a moda demonstrou certo desenvolvimento. Na Inglaterra, a falta de materiais
impediu qualquer evolução, sendo estabelecido até mesmo um modelo padrão chamado de
“utilidade”. Laver (1982, p. 256) comenta que, na Inglaterra, “regras estabelecidas limitavam
a metragem do tecido para cada categoria de roupa, a qualidade do tecido, o comprimento e a
largura das saias.”
Apesar das limitações impostas pelo pós-guerra, o uso de adornos e adereços fez a
diferença, como conta Laver (1982, p. 256): “[...]dava-se muita atenção aos detalhes, à cor do
debrum, ao bolso falso, à colocação do volume permitido nas saias.”
Em 1945, a fim de restabelecer a indústria da moda, o governo francês, juntamente
com os principais costureiros parisienses, como Balenciaga, Balmain, Dior, Givenchy e
Jacques Fath, participaram de uma exposição chamada “Le Théatre de La Mode” no Musée
dês Arts Décoratifs. Laver (1982,p. 255) salienta que “Paris novamente se transformou no
centro da moda.”
17
Após a Segunda Guerra, a Itália surge como novo expoente na produção de tecidos
para o mercado da moda. De acordo com o artigo publicado no sítio da Associação Ítalo-
Brasiliense1 o que alavancou essa grande mudança foi o Plano Marshall, iniciativa norte-
americana para ajudar os países da Europa Ocidental, destruídos pela Segunda Guerra. Os
setores industriais italianos estavam em péssimas condições, salvo a indústria têxtil, que era
vista como promissora. Com a alta exportação de tecidos de qualidade aliada à tradição de
arte e alfaiataria, nasce a moda italiana.
Segundo Barnard (1996, p. 210), no fim da década de 40 haviam duas principais
expressões de feminilidade, contrastantes entre si. O autor as descreve como “dona-de-casa
trabalhadora” e sua contrastante, a “sereia sedutora“. Barnard aponta que o New Look2 de
Dior corresponde à mulher “sereia tentadora” e os denominados “estilos Utility”
(remanescentes da Segunda Guerra Mundial) correspondiam às donas de casa trabalhadoras.
Figura 2 – O New Look de Dior
Fonte: Design Museum (2012)
1 Disponível em http://www.acib-rj.org.br/culturaitaliana/moda.php. Data de acesso: 30 de março de 2012.
2 LOOK: “Aparência pessoal; aspecto.” HOUAISS, Antônio. Dicionário inglês-português. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 2000
18
Sobre o New Look de Dior, James Laver (1982, p. 256) destaca que depois de crises, a
moda costuma apresentar uma tendência para o luxo e nostalgia de uma era ‘segura’. Foi o
que fez Christian Dior quando criou o seu New Look em 1947, enfurecendo a Câmara de
Comércio britânica, pois ainda faltava muita matéria prima na Inglaterra. Ainda de acordo
com o autor: “[...] essa moda foi considerada frívola diante das circunstâncias. Entretanto as
mulheres estavam dispostas até a se apertarem com cintas – “vespas” – para entrarem no
Look, e a desaprovação do governo não foi levada em consideração”. (LAVER, James. A
roupa e a moda: uma história concisa; capítulo final por Christina Probert; tradução de Glória
Maria de Mello Carvalho, São Paulo, 1982, p. 257).
O New Look, “a sereia sedutora” era marcado por ombros arredondados e macios,
cintura apertada e saias amplas e longas. Já o visual “dona-de-casa”, de acordo com Barnard
(1996, p.210), era representado por ombros quadrados, saias curtas e justas e o vestido
chemisier, que se tornou o símbolo dessa mulher.
Como visto também no final da Primeira Guerra, os homens recém-desmobilizados e
livres da farda, abandonaram os ternos muito escuros e passaram a utilizar paletós e calças
esportivas para trabalhar, como descrito por Laver (1982, p.258): “Apesar do desejo de não
usar fardas, alguns detalhes destas reapareceram mais tarde em roupas comuns. Na década de
50, a sofisticação e o luxo tomavam conta de Paris. “A ‘beleza’ tornou-se um tema de muita
importância assim que terminou a escassez de cosméticos do pós-guerra”, como descreve
Laver (1982, p. 260). Em contrapartida, fora de Paris, uma revolução jovem estava em
ebulição. As jovens moças queriam fazer elas próprias sua moda e não simplesmente aceitar o
que lhes era imposto. Como ressaltado por Laver, o look popular do momento era o chamado
“estudante de arte”, o oposto da moda luxuosa que estava em voga em Paris.
Com a aproximação da década de 60, os jovens, a música e a moda das ruas, também
chamadas por Gilles Lipovetsky de “modas marginais, que se apóiam em critérios de ruptura
com a moda profissional” começaram a ganhar os holofotes, inspirando o beatnik3, o punk
4,
entre outros. Gilles Lipovetsky (1987, p.126) chama os movimentos jovens dessa década de
“primeiras antimodas”, que a partir dos anos 60, ganharam nova amplitude e significação,
impulsionados pelo que o autor denomina como “anticonformismo exacerbado”, que se
3 Beatnik quer dizer Beatitude: felicidade serena, gozada sem inquietações.
4 O termo punk é uma gíria inglesa. De acordo com Vincent-Ricard (1989) quer dizer “inépcia, podridão, sujeira
e insanidade”.
19
manifesta não apenas no vestuário, mas nos valores, comportamentos e gostos. Lipovetsky
(1989, p. 126) explica:
Anticonformismo exacerbado, que encontra sua origem não apenas nas estratégias
de diferenciação em relação ao mundo dos adultos e de outros jovens, mas mais
profundamente no desenvolvimento dos valores hedonistas de massa e emancipação
dos jovens, ligado ao avanço do ideal individualista democrático.
A demanda desse público por roupas jovens e insinuantes era grande, e como ressalta
Laver (1982), não foi atendida prontamente. Foi nesse período que as indústrias de prêt-à-
porter foram ficando cada vez mais fortes: “Até os costureiros franceses estavam se voltando
para o prêt-à-porter: Jacques Fath foi um dos primeiros em 1948, mas a tendência aumentou à
medida que a alta costura começou a perder terreno” (Laver, 1982, p. 261).
2.4 OS ANOS 60 E A LIBERTAÇÃO DA JUVENTUDE
Com os prejuízos causados pela Segunda Guerra já num passado distante, o mundo foi
tomado por uma onda globalizada de renovação, que de acordo com Lurie (1992), atingiu as
esferas política, espiritual e “contracultural”. A contracultura era a resposta da juventude aos
padrões, normais e morais impostos pela sociedade e iria marcar para sempre a história da
moda. A autora (1992, p. 94) relata que:
A maioria das pessoas direitas e de direita foram ofendidas e incomodadas pela nova
música, nova arte e nova política, mas um estudante de moda esperto, observando o
que estava sendo vestido nas ruas da Europa e da América, podia predizer que em
alguns anos a juventude seria adorada e imitada por toda a parte; que, na verdade, ter
menos de 30 anos seria considerado uma virtude.
Na opinião da autora o jovem se tornou o centro da moda neste período pois pessoas
com menos de 30 anos eram maioria em países como Estados Unidos e França. Como a época
era próspera, esses indivíduos dispunham de grande poder financeiro. “E em uma sociedade
sofisticada, os gostos, hábitos, costumes e aparência da maioria tendem a ser celebrados e
encorajados” (1992, p. 94).
Em seu livro “A Contracultura”, Roszak (1969, p. 15) atribui ao jovem o papel de
fator alterador da cultura vigente. Todas as grandes mudanças sociais são frutos da alienação
de jovens em relação à geração de seus pais como afirma o autor:
20
É entre a juventude que a crítica social significativa busca hoje uma audiência receptiva, à
medida que, cada vez mais, cresce o consenso de que é aos jovens que compete agir, provocar
acontecimentos, correr os riscos e, de forma geral, proporcionar os estímulos.
Ainda de acordo com o autor, a juventude da década de 60 e início de 70 se entregou à
psicodelia e as drogas como parte do processo de rejeição aos hábitos dos pais: “O fascínio
pelas drogas alucinógenas aparece persistentemente como denominador comum das muitas
formas tomadas pela contracultura desde o fim da II Guerra Mundial.” (Roszak, 1969, p. 14)
Os ideais da juventude da contracultura, obviamente, se expressaram na vestimenta e no
visual corporal. Primeiro, se faz necessário entender como funciona a radicalização no campo
da moda. De acordo com Lurie (1992, p. 170): “um traje específico é interpretado como
radical ou conservador dependendo de vários fatores, entre os quais a idade e a classe social
de quem o usa, além do contexto social e da conjuntura política e econômica do momento”.
Contrariando as regras de indumentária vigentes e conservadoras, esses jovens
reagruparam signos de diferentes universos a fim de formar um visual expressar sua
indignação e construir um protesto social através de sua vestimenta, música e arte. Foi uma
época de libertação criativa, moral e social, onde arte, moda, música, cinema e sexo eram
palavras que definiam a juventude das décadas de 60 e 70.
Um dos símbolos da libertação feminina na época foi a invenção da minissaia por
Mary Quant. De acordo com artigo de Luciana Franca para a Revista Istoé,
Foi um ato de ousadia sem parâmetros. Em 1960, a jovem estilista Mary Quant
deixou a conservadora sociedade britânica de boca aberta ao apresentar sua mais
nova invenção: a minissaia. A minúscula peça virou febre entre as garotas. Todas
queriam se vestir à imagem e semelhança da magérrima modelo Twiggy, ícone de
beleza da época e uma das primeiras a aderir à criação.5
Um dos grandes nomes que retratam o espírito da época é Andy Warhol, inventor da
Pop Art6, e de acordo com a autora Pat Hackett, Warhol era “fascinado pela vida mundana,
pelo brilho do alto mundo nova-iorquinho” (1989, p.2). O artista símbolo do universo
underground reunia em seu “espaço de ateliê/estúdio-de-cinema/ponto-de-encontro” (1989, p.
5FRANCA, Luciana – Minissaia – Disponível em: <http://www.terra.com.br/istoegente/131/moda/index.htm>
Acesso em 31 de março de 2012.
6 Pop Art, abreviação de Popular Art, é um movimento artístico que traz elementos da cultura popular como
produtos e artistas famosos para o mundo da arte.
21
9) como definiu a autora, celebridades do cinema, da moda, da música, da arte e da
comunicação, criando um mundo misto de arte, cultura e droga.
Além disso, o papel do cinema também foi significativo para a construção da moda
jovem na década de 60. O cultura Rockabilly, que teve suas origens na década de 40 e se
solidificou na figura de Elvis Presley e James Dean na década de 50, retrata o sentimento pós
guerra e a rebeldia juvenil. Elvis, conhecido como o rei do rock’n roll, é personalidade
representativa, retratando um novo espírito juvenil de rebeldia e contravenção. Suas roupas de
espetáculo foram de grande contribuição para a moda: as jaquetas de couro, símbolo dos
motoqueiros, os topetes, e a camiseta branca são os signos que permanecem até hoje na moda
e na cultura. A figura do jovem motoqueiro rebelde é popularizada por Presley, e a marca de
motocicletas Harley Davidson, veículo usado na Segunda Guerra Mundial, passa a integrar o
quadro de símbolos dessa geração.
Imagem 3 – Elvis Presley
Fonte: COMMERCIAL APPEAL (2012)
22
Nos filmes é James Dean que contribui para a imortalização do estilo rockabilly7. Em
seu filme Juventude Transviada (1955), Dean interpreta o papel de Jim Stark, jovem
encrenqueiro com um relacionamento perturbado com os pais, que acaba sendo preso por
embriaguez e desordem. No distrito policial, Jim conhece Judy, uma jovem que está revoltada
com o pai por não a deixar usar maquiagem. Em suma, o filme retrata o conflito juvenil com
as figuras conservadoras dos pais e a sociedade que tem dificuldades em compreendê-los.
Gilles Lipovetsky em O Império do Efêmero (1987) aponta que, no período pós
Segunda Guerra Mundial, o desejo pela moda se expandiu para todas as camadas da
sociedade, alterando a maneira com que se produz o prêt-à-porter8, instaurando o que o autor
chama de “democratização da moda”. Essa democratização característica fez com que a
produção em massa de roupas padronizadas (prêt-à-porter) adquirisse características de Alta
Costura, anulando sua hegemonia, como explica o autor, “A democratização do sistema não
se baseia apenas na exclusão de fato da Alta Costura, mas, sobretudo na promoção
concomitante da qualidade moda do vestuário de massa”. (1987, p.114). Ainda segundo o
autor (1989, p. 115):
Na raiz do prêt-à-porter, há essa democratização última dos gostos de moda trazida
pelos ideais individualistas, pela multiplicação das revistas femininas e pelo cinema,
mas também pela vontade de viver no presente estimulada pela nova cultura
hedonista de massa. A elevação do nível de vida, a cultura do bem-estar, do lazer e
da felicidade imediata acarretaram a última etapa de legitimação e da
democratização das paixões de moda.
2.5 O ROCK’N ROLL COMO ESTILO CARACTERÍSTICO DA PÓS-
MODERNIDADE: O ESTILO PUNK
É nos anos 60 que a elegância e o luxo encontram seu declínio. Os mercados se voltam
para o consumo jovem, sua libertação e vontade de viver o presente. A Alta Costura não é
mais a única disseminadora de tendências. A democratização da moda através do prêt-à-
porter tornou possível que cada indivíduo estilizasse seu próprio visual. De acordo com
Lipovestky (1989) foi predominante uma cultura que exibe o não-conformismo, que exalta
7 Um dos primeiros subgêneros musicais do rock’n roll. Mistura elementos do rock e da música country norte-
americana. 8 PRÊT-À-PORTER: “Roupas cortadas em diferentes medidas normalizadas que se adaptam ao corpo do
cliente” (DUBOIS, 1971).
23
valores de expressão individual, de descontração, de humor e de espontaneidade livre”. O
autor se aprofunda em sua descrição, muito importante, do espírito da época (1989, p.115):
[...] a elegância se minimaliza, a artificialidade brinca de primitivismo ou de fim de mundo, o
estudado não deve “parecer de cerimônia”, o cuidado deu lugar ao pauperismo andrajoso, o ar
“classe” cedeu espaço à ironia e ao “bizarro”.
Essa perda da “classe” e exaltação ao bizarro, ao pauperismo, é o que abre espaço para
a valorização da moda de rua e suas diversas expressões, plenas de liberdade de expressão e
transgressão. Essas diversas expressões, no espaço urbano, constituem o que podem ser
chamadas de “tribos urbanas”. Adriana Amaral (2002) cita em seu artigo que o rock, nascido
em 1950, é um estilo musical característico da cultura pós-moderna, pois, de acordo com a
autora “é tanto um produto cultural quanto é produtor de uma cultura”. Além de um estilo
musical, o discurso de rebeldia do rock, seu “pauperismo andrajoso”, como ressaltado por
Lipovetsky (1989 p.115) se expressou principalmente através da moda.
Mesmo o rock sendo um movimento com características típicas da contracultura descrita por
Rolzak (1969) também se apresenta como um produto de consumo. De acordo com Amaral
(2002, p.39): “O rock faz parte da cultura de consumo e apresenta-se como produto
globalizado de assimilação universal, assim como o blue jeans e a coca-cola”. Amaral ressalta
a importância das mídias para que o rock adquirisse dimensões mundiais,
O rock como forma de manifestação iniciou no pós-guerra (década de 50), mas atingiu
um público maior depois, via programas de rádio, de TV, filmes e de outros produtos
culturais. [...] Milhares de jovens, portando uma guitarra, decidiram montar sua própria banda.
O rock, de maneira geral, pode ser desmembrado em vários estilos e abordagens
diferentes. Com diferentes níveis de alienação dos valores correntes. Um dos estilos mais
radicais é o punk. De acordo com Lurie (1992) o punk surgiu em meados da década de 70
entre adolescentes marginalmente empregados ou desempregados da classe trabalhadora de
Londres. O autor também fornece uma descrição visual desse estilo (1992, p. 175):
O cabelo característico era cortado rente em tufos e tingidos de cores surpreendentes
e artificiais: amarelo descorado, às vezes vermelho, verde, laranja ou roxo. [...] Os
punks usavam jaquetas de couro pretas e jeans adornados com tachas de metal e
zíperes supérfluos; as camisetas tinham impressas palavras vulgares e desenhos
violentos e/ou pornográficos – frequentemente imagens de estupro ou assassinato.
24
Imagem 4 – Punk anos 70
Fonte: Richmond Grid (2012)
Ainda de acordo com Lurie, as roupas do estilo punk eram um pedido de atenção
extremado. De acordo com o autor, “Foi preciso chegar a esses extremos para conseguir
alguma reação, pois as roupas comuns do final dos anos 60 e começo dos 70 já eram
razoavelmente insultantes, e as pessoas comuns tinham se tornado muito familiarizadas com a
violência e o sexo através da mídia.” (1992, p. 176)
Uma vez traçado o retrato histórico para melhor entender os principais movimentos
jovens da década de 50 e 60, serão discutidas a seguir as principais dinâmicas de comunicação
de moda na atualidade, para, futuramente, entender como se cria e transforma o trabalho de
Hedi Slimane.
3 AS FERRAMENTAS DA COMUNICAÇÃO DE MODA NA
ATUALIDADE
No segundo capítulo, serão retratadas as principais ferramentas de comunicação do
mundo da moda, sua dinâmica e funcionamento, começando pela formulação de um breve
histórico da fotografia de moda e sua importância, utilizando a obra do autor Italiano Cláudio
Marra. Em seguida, é tratada a importância do desfile para a comunicação da coleção e da
25
construção da marca perante a mídia e os consumidores, utilizando como exemplo o desfile de
roupas de papel do estilista Jum Nakao (2005). Na sequência, a publicidade de moda é
discutida, trazendo os autores Gilles Lipovetsky (1989), Erika Palomino (2003), Françoise
Vincent-Ricard (1989) e Sandra Regina Rech (2002) para tratar sobre comunicação de moda,
as principais ferramentas utilizadas por ela e os principais tipos de produtos de moda.
3.1 A FOTOGRAFIA DE MODA
A fotografia é um elemento importantíssimo para a moda. Entendendo a moda como
um composto de momentos transitórios, que se renovam ao passar dos anos, a fotografia de
moda é um registro permanente, que permeia o campo das artes e é objeto de estudo frequente
de diversos pensadores. Claudio Marra (2008) analisa o papel dual da fotografia: retratar a
realidade ou representar, através dos signos do imaginário, realidades alternativas ou
interpretações. Segundo o autor, a fotografia de moda se encontra entre essas duas funções,
utilizando o que o autor denomina de “efeito jogo duplo”, estilo fotográfico próprio da
fotografia publicitária.
Conforme estabelecido pela sociedade e pela cultura, a fotografia transmite a noção de
realidade, de representação do tangível. Aliado ao universo do plano denotativo e
representativo do universo da moda, a imagem final para o receptor é a de um sonho que é
completamente tangível, possível de ser realizado (MARRA, 2008).
A moda fotografada é um retrato de um momento, o espírito de uma época, que “se
torna um objeto, que permanece disponível nas revistas, nos catálogos, nos livros [...]” (
MARRA, 2008, p.53) adquirindo assim uma nova condição de existência, mais permanente,
passível até mesmo de ser exposta em museus e galerias. Ao ser fotografado, o ator ou
modelo tem sua performance (muitas vezes fictícia) tornada real através da fotografia. O autor
explica utilizando o exemplo de Marcel Duchamp, que escolheu um outro corpo para si e se
transformou em mulher num ensaio fotográfico:
Foi isso que realizou, por exemplo, mais uma vez com extraordinária capacidade
antecipatória, Marcel Duchamp, em 1921, quando se deixou fotografar pelo amigo
Man Ray em roupas femininas, conseguindo dar corpo ao personagem imaginário de
Rrose Sélavy. Rrose vivia (e vive) somente em uma série de imagens que Duchamp
colocou em circulação (...)
26
De acordo com Marra (2008, p. 69), a fotografia de moda passou a existir na última
década do século XIX, “quando o surgimento da fotogravura permitiu imprimir sobre uma
mesma página, foto e texto”. O autor ainda ressalta que, anteriormente, foram publicadas
fotos de moda em revistas exclusivas para um público seleto, artigos preciosos, de pouca
difusão entre a população, pois “[...] as fotografias eram coladas à mão, ao invés de serem
impressas sobre a página” (2008, p.69). No entanto, o verdadeiro nascimento da fotografia de
moda surgiu quando a massificação das revistas do segmento foi concretizada.
Na efervescência cultural da década de 60, as duas linhas de fotografia da moda
citadas anteriormente, a utilitária e a comportamental, se relacionam, nas palavras do autor,
respectivamente a linha op9 e na linha pop no mundo das artes visuais. De acordo com o autor
(2008, p. 153):
[...] a pop foi uma experiência artística marcadamente “extrovertida”, isto é, voltada
para fora, imersa nas coisas, por outro lado, a op interpretou uma dimensão do visual
requintadamente mais analítica, orientou toda a sua atenção para um responsive eye,
ou seja, para um tipo de visão compromissada em organizar e analisar as estruturas
formais da própria imagem.
O principal fotógrafo e representante da fotografia pop na década de 60 foi o inglês
David Bailey. Como mencionado por Marra (2008) Bailey não foi um artista extraordinário,
seu papel foi auxiliar a fotografia a instituir a moda, não apenas registrá-la. Por outro lado,
“Hiro (pseudônimo do nipo-chinês Yasuhiro Wakabayashi) se mostrou vinculado ao clima
formalista” (2008, p.156) que caracteriza a optical art, ou op art, as duas principais
linguagens fotográficas da década de sessenta, uma conceitual-comportamentista e outra
forma-visual, são contrárias e também complementares, havendo, como cita o autor, “muitas
comunicações e trocas entre as duas linhas” (2008, p.158).
É a partir da década de 1970 que a fotografia se torna mais cinema e menos pintura.
As roupas precisam contar uma história, estar inseridas num tempo espaço, num contexto que
as dê vida. O impulso sexual é forte, a valorização do corpo aflora nos editoriais (MARRA,
2008). O erotismo em si não é nenhuma novidade, o que surge de novo são os estilos com que
é apresentado. O que surge nesse momento na fotografia de moda é o voyeurismo,
intimamente ligado com o próprio ato de fotografar, captar momentos de outras pessoas. O
9 Op Art, abreviação de Optical Art, movimento artístico que defendia a visualização das imagens através de
ilusões de ótica.
27
autor cita uma frase de Helmut Newton, fotógrafo representante da época e da linguagem
voyeur:
Helmut Newton, talvez o mais emblemático representante dessa tendência, que
afirmou sem meios-termos: “Eu sou um voyeur. Acho que todo fotógrafo é um
voyeur, quer faça ele fotografia erótica ou outra qualquer, é sempre um voyeur.
Passa-se a vida toda a olhar por um buraco de fechadura. Se um fotógrafo diz que
não é um voyeur, é um idiota.” (MARRA, Cláudio. Nas sombras de um sonho:
história e linguagens da fotografia de moda. Tradução de Renato Ambrósio. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008, p.167)
A fotografia de moda dos anos 80, por sua vez, chega para por em discussão a
identidade do corpo, dessa vez não só feminina, como também a masculina.
Desde sempre o corpo masculino foi escondido por uniformes e roupas que não
valorizavam sua estrutura (MARRA, 2008). Ao homem também se garante o direito de ter
cuidados de beleza que antigamente só diziam respeito às mulheres, e passa a figurar junto as
mulheres em campanhas de grandes marcas dos anos 1970 e 1980 como Armani, Versace,
Calvin Klein e Ralph Lauren.
A discussão da libertação da sexualidade do homem fez com que muitos quebrassem
os antigos tabus de comportamento masculino, de virilidade, apresentando, pelo menos, uma
condição ambígua, que de acordo com o autor, é prontamente registrada pela fotografia de
moda.
O papel da moda, vale ressaltar, vai além de simplesmente retratar uma peça de roupa.
Ela é uma linguagem, construída através de conjuntos de comportamentos, símbolos e
discursos e não simplesmente a exibição de roupas. A criação do universo imaginário calcado
na possibilidade que traduz a fotografia de moda, na sua essência, deve trazer esse diálogo
com seu público receptor. Marra (2008, p.167) retrata essa nova realidade, que chama de
grande mudança cultural, ocorrida na década de 1980:
A moda antecipa, institui, difunde, e em todos esses processos se manifesta ainda
mais o papel ativo e fundamental representado pela fotografia, extraordinário
instrumento de medição entre instâncias culturais e esfera de produção:
corporificando a roupa, a fotografia traz a vida para dentro da moda e leva a moda
para dentro da vida.
Antecipando a tendência de valorização da sexualidade masculina, em 1970, o estilista
Calvin Klein confia ao fotógrafo americano Bruce Weber a comentada campanha para sua
marca de célebres cuecas. Na campanha de Weber para a Calvin Klein, além da figura
masculina estar representada ambiguamente em relação a sua masculinidade (não se sabe se
28
são heterossexuais ou homossexuais), essa é fragilizada pelo fator da idade. Os modelos são
rapazes jovens, que o autor classifica estarem em momentos de transição de suas vidas e por
isso são mais vulneráveis, mais predispostos aos jogos da ambiguidade. A figura masculina
viril, a qual foi sustentada por vários tabus durante muito tempo é afrontada por essa
fragilização da figura masculina (MARRA, 2008).
Os anos 1990 foram marcados por uma série de tendências que impediram o
desenvolvimento da moda para um estilo único. É verdade que, em uma visão geral, graças ao
efeito pendular das modas, uma maior austeridade substitui a magnificência dos anos 1980.
Porém, o fenômeno mais importante no fim do século XX foi o impacto das comunicações
instantâneas, possibilitado pela massificação dos computadores e a internet (MARRA, 2008).
O autor denomina esse período como uma década “sem limites”. A transgressão nas
linguagens visuais perde o fascínio, uma vez que não existem mais limitações ao que pode ser
feito, já que a amplitude de informações proporcionada pelas comunicações possibilita a
anulação do privado e a manipulação das identidades a qualquer momento.
Em uma época tão caótica, Marra assume que, nesse período, foi necessário voltar à
simplicidade da forma, ao minimalismo, que, de acordo com o autor, “[...] ser interpretado
como uma resposta mais adequada a um clima no qual a transgressão e o excesso perderam
progressivamente o significado” (2008, p.190).
Essa volta á formalidade deve ser entendida não como um retrocesso ou um apelo de
volta ao tradicionalismo, mas, nas palavras do autor, “como uma base aberta para um mundo
sem limites” (2008, p. 191).
É nos anos 90 que a vida virtual da moda se torna cada vez mais importante em
relação a todo o sistema. O acesso à informação possibilita pesquisas de estilos e linguagens e
novos formatos, criando um ambiente revolucionário no campo da fotografia de moda. Como
exemplo de uma das novas linguagens, o autor cita o trabalho de Olivieiro Toscani para a
Benetton, que apresenta uma fotografia jornalística feita por outro fotógrafo, inserindo apenas
no canto da imagem a marca United Colors of Benetton.
A parceria de Toscani com a Benetton culminou em um final dramático com a
campanha Beijo da Morte, que utilizava fotos tiradas de condenados à morte presos nos
cárceres americanos, quando a parceria entre o fotógrafo e a marca foi interrompida
(MARRA, 2008).
29
Soulages (1996, p.154) comenta o trabalho realizado por Toscani para a marca,
ressaltando que a verdadeira vontade do público ao receber imagens publicitárias é fugir da
realidade:
(...) essa transparência em relação ao real e o papel indicador ou motor na evolução
das mentalidades que outros, realizadores ou criadores, reivindicam, estão longe de
serem comprovados. Como podemos observar, a maior parte das mensagens
publicitárias bloqueiam, de preferência, o acesso à realidade, pois elas não o fazem,
nós a condenamos (Benetton).
O estilo fotográfico comportamental de Terry Richardson é um dos expoentes da
última década na fotografia de moda. A principal característica do estilo de Richardson é a
participação direta do fotógrafo na construção da imagem, “como um diário íntimo recolhido
fora daquele clima de perfeita artificialidade exibido pela moda” (Marra, 2008, p.217).
Inspirado na obra de Larry Clark e Nan Goldin, que segundo o autor, “[...] o que conta não é a
obra em si, a bela imagem, mas o próprio ato de fotografar, entendido como tomada de
consciência a respeito do mundo, como participação autêntica, pessoal, naquilo que acontece
em torno de nós.” (2008, p.219).
O principal motivo da obra de Richardson é a exploração da sexualidade e a
valorização da imperfeição. Seu principal objetivo como fotógrafo é explorar o lado sexual da
moda, afinal, como o autor o cita, “Richardson parte justamente da convicção de que ‘afinal,
as pessoas compram roupa porque querem se sentir bem, sexy e atraente’” (2008, p.219).
Richardson, através de sua obra, objetiva excitar o público, que, de acordo com o autor (2008,
p. 220):
[...] se funda em um princípio teórico muito refinado, aquele que concebe a própria
fotografia como transposição direta do real, como signo indicial ao invés de icônico,
como objeto capaz de nos pôr diretamente na presença do objeto fotografado.
Para o autor, essa última tendência da fotografia de moda “expõe um realismo mais
pragmático do que sintático”, colocando o público no papel do fotógrafo, valorizando a
fotografia pornográfica e o amadorismo técnico, aspectos até então totalmente negligenciados
pela fotografia de moda:
3.2 OS DESFILES DE MODA
30
O desfile, antes de tudo, é o momento auge de toda a construção e criação de uma
coleção e o início do processo de sedução da marca para com o público final e as mídias
especializadas em modas, grandes responsáveis pelo sucesso ou não de uma coleção. É
inegável que a prerrogativa primária do desfile é a divulgação das peças criadas para que
essas sejam produzidas e vendidas, que pode ser resumida em poucas palavras: mostrar para
poder vender. No entanto, no mundo de sedução artística que sempre envolveu a moda, o
desfile toma para si a função de fascinar, de contar uma história, de envolver o público no
“clima” proposto pelo estilista para aquela coleção. O espaço que separa a arte e a criação de
moda é cada vez menor, os desfiles de moda são capazes de provocar escândalo e são cada
vez mais criativos (LIPOVETSKY, 1989). O desfile é, portanto um momento de
encantamento, de espetáculo, que se situa entre a arte e a personalidade da marca. Sua
estrutura física, os cenários e a ambientação são todos pensados e alinhados com o objetivo de
transmitir as sensações propostas pelo estilista através da colação. Música, estrutura, luzes,
imagens, texturas, tudo é pensado e construído. Dias (2008, p. 240) descreve o espaço do
desfile:
A utilização da cenografia como elemento de composição do espaço nos desfiles, além
de compor o espaço, serve para contextualizar a idéia que o designer de moda quer transmitir
com sua coleção e, ainda, estabelecer a identidade de uma marca. Neste caso, a cenografia
pode acolher um público, para o qual a marca se destina, estilos de vida, que os usuários são
convidados a se ater.
É também verdade que, além da criação cenográfica em cima do espaço, alguns
estilistas apresentam em seus desfiles as chamadas criações conceitos. Essas são peças que
possuem apenas a função de transmitir o “espírito” daquela coleção, não serão
verdadeiramente produzidas.
É do estilista brasileiro Jum Nakao um dos desfiles mais conceituais e polêmicos já
apresentados. O estilista idealizou roupas que remetiam as costuras e aos acabamentos da
indumentária do século XIX, porém todas feitas de papel e vestindo modelos com perucas do
brinquedo Playmobil. No final do desfile, as modelos rasgaram suas roupas (NAKAO,2005).
Na apresentação da coleção de Nakao em 2005, além da ambientação do desfile, a natureza de
sua coleção era transitória, se confundindo com as coreografias e com o cenário do desfile,
também transitórios, harmonizados para representar uma atmosfera, transmitir uma sensação.
31
É claro que tal atitude contribuiu e muito para a divulgação da coleção de Nakao e influenciou
muitos outros artistas.
3.3 COMUNICAÇÃO DE MODA E PUBLICIDADE
O objetivo primário da comunicação de moda é divulgar as roupas para seus
consumidores. Como já destacado anteriormente na fala de Cláudio Marra (2008), o papel da
fotografia de moda é ambientar o consumidor e os meios de comunicação no universo de
sensações imaginado pelo estilista, mesclando o registro real do produto com o universo
imaginativo. O desfile, conforme citado pela jornalista de moda Bruna Feijó, cria vínculos
entre a fantasia e a realidade, característica própria da comunicação publicitária. Juntos, a
fotografia e o desfile são as principais ferramentas divulgadoras da coleção e do seu “espírito”
criativo. De acordo com Lipovetsky (1989) a moda e a publicidade estão interligadas através
dos princípios de originalidade, mudança constante e efemeridade.
A divulgação de uma coleção inicia-se com os esforços da própria marca: os anúncios,
os desfiles, notas na imprensa, entre outros. Esse lançamento, levado ao conhecimento do
consumidor, dos comunicadores e dos compradores, se desdobra em diversas formas de
divulgação. Os editoriais das revistas de moda, muitas vezes patrocinados pela própria marca,
são poderosas ferramentas de venda. Erika Palomino (2003, p. 39) descreve a importância do
editorial em revistas especializadas:
Para as marcas é muito importante aparecer nesses editorias; quanto mais prestigiosa
for a publicação, mais influente e importante será esse look, o que poderá resultar
também em venda. É muito comum clientes chegarem às lojas procurando por peças
específicas vistas nesta ou naquela revista. Nas publicações mais conceituais ou
alternativas, a presença das marcas serve como referência e mede também o
quociente de hype (ou prestígio) de cada estilista.
As revistas especializadas são fundamentais na comunicação de moda. A figura do
editor de moda, pessoa responsável pela revista e tudo que nela é divulgado é uma das mais
importantes para o mercado. Marcas e estilistas buscam sempre a presença desse profissional
em seus desfiles, uma vez que ele atua como um mediador entre produtores e consumidores.
As revistas de moda, muitas vezes, propõem a difusão de modelos prontos. De acordo com
Vincent-Ricard (1989), isso passa a ocorrer a partir da industrialização após Segunda Guerra
32
Mundial, quando mecanismos de difusão em massa das informações de moda passam a ser
indispensáveis para orientar o consumo.
As publicações são veículos da própria linguagem utilizada no mundo das modas e
ajudam a criar uma realidade fantasiosa e sedutora que se mistura com a realidade. Para a
autora, os termos da moda retratam uma sociedade híbrida e globalizada (VINCENT-
RICARD, 1989). Ao ler qualquer publicação de moda, é rapidamente constada a presença de
vários termos em inglês e em francês, utilizados muitas vezes em conjunto, juntamente com o
português. Essa hibridização presente nos termos da moda vem carregada de significados que
são transmitidos ao público. A predominância do inglês é evidente, conforme ressalta a autora
(1989, P. 145):
Cada vez mais, provêm da língua inglesa os termos básicos do vestuário: trench-
coat, duffle-coat, sportswear, blazer, suéter, pulôver,twin-set, jumper, separate,
knicker, kilt, short, tee-shirt, smoking, smock, body, stricking, baby-doll, patchwork.
Todos esses nomes se universalizam, como também training e jogging, os mais
recente.
Os termos utilizados no vocabulário do mundo da moda transmitem o espírito da
época, consequência de fatores econômicos e políticos. De acordo com Vincent-Ricard (1989,
p.146): “Durante os anos 70, e sobretudo nos anos 80, devido à crise econômica, volta a estar
“na moda” uma linguagem mais rica em termos que evocam proteção.” Nos últimos anos,
esse discurso jornalístico presente nas revistas de moda, segundo a autora (1989, p. 147):
[...] parece caracterizado por acentuada inflação verbal e pelo emprego de termos
contraditórios. Para poder acompanhar e até expressar a sociedade fragmentada em busca de
uma nova identidade, a linguagem de moda precisa ser rica e prolixa. Multiplicam-se
adjetivos e contrastes.
A linguagem de moda é sempre alterada entre as gerações mais jovens, suas aspirações
e éticas. É a partir da juventude que surgiram nomes de estilos como os zazous, os teddy-boys,
os beatniks, os hippies, entre outros.
A moda proposta pelo estilista, trabalhada pelo editor, as revistas de moda e seus
editores e a mídia em geral e então aceita pelo consumidor, pode se tornar uma tendência, um
comportamento de vestimenta que fica em voga: uma cor, um corte, um acessório, entre
outros. O consumidor, vestindo a peça criada, adota para si o universo linguístico proposto
pelo estilista e a transforma em comunicação visual na sua rotina. É nesse momento que a
mensagem da marca é incorporada aos signos do indivíduo, recebendo sua “aprovação” e
sendo “divulgada” no meio social do indivíduo.
33
Sandra Rech (2002), em seu livro “Moda: por um fio de qualidade” cita as definições
de Philip Kotler de ciclos de vida que se encaixam perfeitamente para produtos de moda. São
eles o Estilo, Moda e Modismo.
Os produtos de ciclo longo são produtos de Estilo. Nas palavras da autora. estes são
aqueles que permanecem por várias gerações, “estando dentro e fora de moda, com vários
períodos sucessivos de interesse”. De acordo com Rech (2002, p.41):
Os produtos de Moda têm um ciclo de vida médio, possuindo uma curva de
crescimento gradual, permanecendo aceita ou popularizada pelos consumidores
durante determinado período e descendo lentamente, normalmente o espaço de
tempo de uma estação climática.
A autora (2002) conceitua os produtos Modismo como aqueles com curto período de
vida, geralmente adotados rapidamente e com entusiasmo para rapidamente se tornar obsoleto
e utilizado por poucos. Esses modismos são estabelecidos, geralmente, através do aval de
personalidades famosas, que, em suas aparições em público, exibem adereços e peças de
vestuário que o público depois adota com o objetivo de se identificar com seu ídolo (RECH,
2002).
Normalmente os modismos são ditados por personalidades famosas, ícones do show-
business, que realizam aparições públicas exibindo roupas ou acessórios diferenciados dos
que existem no mercado, e o público consumidor, rapidamente, procura tais adereços como
forma de identificação com o seu ídolo.
A cultura de massa é parte essencial da moda, visto através da influência do cinema e
da música na mesma. Essa relação se dá, principalmente, através dos ídolos e estrelas. Como
diz Lipovetsky (1989, p.213): “Com as estrelas, a forma moda brilha com todo o seu
esplendor, a sedução está no ápice de sua magia”. O autor (1989, p. 214) descreve as
celebridades da seguinte forma:
O que a caracteriza é o charme insubstituível de sua aparência, e o star system pode
ser definido como a fábrica encantada de imagens de sedução. Produto moda, a
estrela deve agradar; a beleza, ainda que não seja nem absolutamente necessária nem
suficiente, é um de seus atributos principais. Uma beleza que exige encenação,
artifício, refabricação estética: os meios mais sofisticados, maquiagem, fotos e
ângulos de visão estudados, trajes, cirurgia plástica, massagens são utilizados para
confeccionar a imagem incomparável, a sedução enfeitiçadora das estrelas. Como a
moda, a estrela é a construção artificial, e se a moda é a estetização do vestuário, o
star system é a estetização do ator, de seu rosto, de toda a sua individualidade.
34
3.4 A MODA DE RUA
Nem todas as tendências propostas pelas marcas e estilistas são aceitas. O consumidor
possui a palavra final sobre o que vai vestir, é nas ruas que se pode perceber qual tendência
realmente foi adotada. De acordo com Erika Palomino (2003), “A rua impõe suas vontades, e
essas idiossincrasias ou rebeldias partem – normalmente – dos jovens. Esses jovens são o
principal público que, historicamente, rejeitou tendências. A juventude, aglutinada pelos
estilos musicais, foram por muito tempo categorizadas “tribos urbanas”. De acordo com a
autora, esses indivíduos “Passaram a usar literalmente o que bem entendiam – à sua moda,
sem se importar se estavam ou não na moda” (2003).
Conforme descrito por Palomino (2003), foi a partir da década de oitenta que um
importante processo passou a acontecer. A moda de rua passou a influenciar os estilistas de
grandes marcas, fazendo com que a moda acontecesse “das calçadas para a passarela de
moda”. A autora destaca (p. 39):
O marco zero dessa influência acontece em 1960, quando Yves Saint Laurent faz
desfilar, na Maison Dior, um casaco de couro de crocodilo com vison preto
inspirado no look rebelde de Marlon Brando no filme O Selvagem (1954). Depois, o
estilista introduziria em suas coleções itens como a calça comprida, refletindo uma
imagem que já estava sendo usada pelas jovens mais modernas em Londres e em
Paris.
A moda de rua se fez muito importante para a criação de moda nas últimas décadas. E
nesse ambiente que se percebe o desenvolvimento das tendências, sua aceitação e rejeição. De
acordo com Márlon Uliana Calzon (2010, p. 1):
As ruas, espaços plenos e instaurados de comunicação, passam, deste modo, a ser
considerados locais propícios para a difusão, aceitação, rejeição e desenvolvimento
da Moda. Passam a “ditá-la”, ao legitimar as propostas e tendências – que, ao
encontrarem ressonância no desejo de consumo dos sujeitos, são validadas.
Essa “ressonância no desejo de consumo” que as tendências e propostas instauradas na
rua são de grande importância para a criação de moda e, de acordo com o autor, são fonte de
inspiração para muitos estilistas (CALZON, 2010).
35
A moda que se encontra nas ruas é, muitas vezes, uma forma potente de contestação ao
sistema vigente, como foi visto no final dos anos 60 e início dos anos 70 através dos hippies e
punks. Conforme destaca a autora Vincent-Ricard (1989, p.217)
A inflação da comunicação cada vez mais pressionante, às vezes até martelante,
juntamente com o impulso cada vez maior do consumo, dificultava a harmonização de
produções e comportamentos. A partir de 1967, começam a surgir súbitos questionamentos
nos países desenvolvidos: os hippies na Califórnia, revoltas juvenis em quase toda a parte, em
1968.
As tribos urbanas ainda exercem forte influência no trabalho criativo de estilistas de
grandes marcas. Seus ideais diferem tanto quanto seus estilos, tendo em comum a contradição
e questionamento da sociedade. Vincent-Ricard destaca as principais tribos urbanas que mais
influenciaram (e continuam a influenciar) a moda e foram base para criação de vários estilos
atuais.
Os zazous, uma onomatopéia utilizada para descrever uma tribo urbana formada por
adolescentes franceses nos anos 40, apreciadores do jazz americano, se identificavam com a
palavra e o ritmo do swing e dos clássicos americanos. De acordo com Vincent-Ricard (1989,
p. 217):
Logo a onomatopéia se estende à moda do vestuário, que o número de 28 de março
de 1942 de L’Illustration assim descreve: “Os homens usam amplo paletó que vai
até as coxas, calças justas, franzidas sobre grandes sapatos não engraxados, e uma
gravata de algodão ou lã grosseira... À falta de outro tipo de óleo, lustram com azeite
de salada os cabelos longos demais, que quase lhes entravam pelas golas largas,
presas na frente por um alfinete transversal. Um capote longo também costuma fazer
parte do traje.
Outra importante tribo urbana são os Teddy Boys. Com o fim da guerra, os jovens da
Inglaterra passaram a se vestir de maneira muito sofisticada, mas a mensagem que querem
transmitir é, de acordo com a autora, muito mais agressiva que a dos zazous. Seu objetivo era
refletir a miscigenação social causada pela guerra, que destruiu grande parte das classes mais
ricas e possibilitou que outras pessoas pudessem ganhar dinheiro também (VINCENT-
RICARD, 1989).
Nos anos 50 surgem os beatniks entre os jovens americanos, conhecidos também
como a geração beat, que, de acordo com Vincet-Ricard, quer dizer beatitude. Segundo a
autora, durante a Guerra da Coréia, esses jovens se refugiaram em falsas sensações de
conforto no seio de uma sociedade de consumo criada pelo sonho americano. É desse grupo
36
que se originam os Beatles e a beatlemania. A autora ainda descreve o look que diferencia
esse grupo (1989, p.149):
Os homens começam a usar barba, mas ainda usam cabelo curto. Vestem-se com
calças cáqui, suéters longos e sandálias. Evitam cuidadosamente qualquer detalhe de
luxo ou brilho. As moças só pintam os olhos, jamais usam batom ou cores vistosas.
Enquanto os beatniks querem parecer pacíficos com suas roupas discretas e ternos de
veludo, “os Rolling Stones são a imagem da violência e dos que se opõem por princípio a
tudo.” (VINCENT-RICARD, 1989, p.150). De acordo com a autora, “o blusão de couro preto
dos roqueiros passa a ser um traje bastante específico, símbolo da união e até da identificação
de alguns grupos de jovens, chamados os ‘blusões negros’”.
No outono de 1966 na Califórnia, surge um grupo de jovens pacifistas e adeptos do
amor livre que foram amplamente divulgados pela mídia mundial. Os hippies. Conforme
descrição da autora (1989, p. 151):
Reuniram-se, com seus sininhos, suas flores e seus instrumentos musicais, para
expor ao ridículo a guerra do Vietnã. Sua reunião foi sem dúvida um ato de
zombaria, mas revelava também o desencanto meio passadista de uma juventude
sem ideais.
Outra tribo urbana bastante influente e importante na moda e na contracultura a foram
os punks, que, como descreve Vincent-Ricard (1989, p.151) “quer dizer inépcia, podridão,
sujeira e insanidade”. Os punks não acreditam no futuro e a rebeldia e a anarquia são o seu
lema. Surgiram na Inglaterra em 1977 em Birmingham, cidade muito afetada pela crise
econômica e pelo desemprego. Conforme explica a autora (1989 p. 151) a vestimenta básica
dos punks era composta por:
(...) botas, couro, correntes, óculos escuros, insígnias nazistas. O couro é a própria
pele – tatuagens – corpos banhados em suor, sujos, cheios de hematomas e
abscessos. Tee-shirts laboriosamente laceradas, inscrições rabiscadas a
esferográfica. Acessórios roubados em todos os lugares possíveis: capacetes
nazistas, creepers, boots, pulseiras de vinil tacheadas, alfinetes de gancho, guitarras
empunhadas como metralhadoras.
Simultaneamente ao surgimento dos punks surgem os preppies nos Estados Unidos,
com filosofias radicalmente opostas. Os preppies são caracterizados como jovens que “[...]
pretendem-se bem-comportados, bons universitários americanos e mais tarde internacionais
[...]” (1989, p.152). Conforme citado por Vincent-Ricard, sua ideologia é baseada na
37
tradicionalidade, “na fidelidade aos valores estabelecidos e aceitos, num certo senso de
perenidade”. De acordo com a autora (1989, p. 152):
Os preppies usam roupas que jamais saem de moda: Lacoste, jeans 501, sapatos
Weston. Podem usar acessórios insólitos, porém nunca provocantes ou vulgares.
Já em oposição aos hippies surgem os yuppies, ou Young Urban People, formam
uma geração ligada ao mundo dos negócios e das grandes metrópoles. São realistas e
ambiciosos e focados no profissionalismo e na produção de capital. (VINCENT-
RICARD, 1989, p. 152)
Como visto nos movimentos do passado, cada geração de jovens criou um termo para
se definir e se identificar como grupo. Atualmente, no entanto, presencia-se o surgimento de
vários grupos diferentes e simultâneos, o que a autora denomina de “multigrupos”, definidos
por ela como “símbolos da confusão de gêneros e testemunhos de um mundo cujos
referenciais básicos explodem e pulverizam-se” (1989, p.153). Conforme explica Vincent-
Ricard (1989, p.153):
Tais multigrupos tendem a adotar uma enorme variedade de looks impossíveis de
classificar. O reconhecimento, para quem quer que seja, só é possível por meio dos
sinais de identificação do próprio grupo. Percebe-se uma reminiscência dos
movimentos nascidos em gerações anteriores, que revela certa nostalgia do passado
(...) absoluto com estados de espírito nem com conotações pouco claras.
O ambiente de efervescência das tribos urbanas é sempre a rua. Vários fotógrafos se
dedicaram a fotografar looks de pessoas comuns, em suas rotinas, transitando nas avenidas
das grandes cidades. Esse estilo fotográfico, o street style, tem como objetivo registrar a moda
única que acontece fora das passarelas, esta que é cada vez mais importante para os criadores
e marcas de moda. O pioneiro da fotografia de moda de rua é Bill Cunningham, que iniciou
sua carreira nos anos 50, escrevendo artigos sobre moda e comportamento para o Chicago
Tribune. Foi nesse mesmo período que Cunningham começou a tirar fotos de pessoas nas ruas
de Nova York para suas colunas jornalísticas.
O trabalho de Cunningham foi essencial para o reconhecimento da moda de rua como
uma forma de expressão significativa e relevante para a moda. A moda que é produzida por
pessoas comuns que andam pelas ruas figurava em um dos jornais mais respeitados do
mundo, o The New York Times, abrindo espaço para estilistas com fortes influências das ruas,
como Hedi Slimane.
38
4 O ESTILISTA HEDI SLIMANE, SUA OBRA PARA A DIOR HOMME
E AS ENGRENAGENS DE CONSTRUÇÃO DE MARCA
O terceiro e último capítulo desta monografia objetiva relacionar o trabalho como
estilista de Hedi Slimane para a Dior Homme com os movimentos juvenis de transgressão e
contracultura, buscando entender as motivações e inspirações do artista para sua criação, bem
como os desdobramentos das coleções criadas e seus efeitos.
O capítulo inicia com um breve descrição histórica da vida de Slimane, sua criação,
marcas para nas quais atuou e obras que criou antes de entrar para a Dior. Em seguida,
procura-se entender através do discurso do próprio artista, suas motivações, inspirações e
objetivos com sua criação. Para isso, foi traduzida uma entrevista cedida por Slimane para o
site Style.com, onde o estilista, com suas próprias palavras, descreve seu trabalho. Para a
construção deste último capítulo, serão retomados alguns autores mencionados anteriormente
para melhor entender a aplicação das teorias na obra de Hedi Slimane. São eles: Kátia
Castilho (2009), Gilles Lipovestky (1989), Theodore Roszak (1996), Vincent-Ricard (1989),
Marra (2008), Erika Palomino (2003) e Don Slater (2002), primeira vez mencionado nesta
monografia para tratar do papel do consumismo na sociedade.
No fechamento do capítulo, é tratada a contratação de Slimane pela Yves Saint
Laurent, o histórico da marca, a relação do estilista com ela e, principalmente, é discutida a
possibilidade da manutenção do caráter transgressor na obra do artista nessa nova marca.
4.1 SOBRE HEDI SLIMANE E A DIOR HOMME
Hedi Slimane nasceu em Paris, em 1968. Seu pai nasceu na Tunísia e sua mãe é de
origem italiana. Antes mesmo de sua adolescência, Slimane aprendeu a fotografar e aos 16
anos, começou a produzir suas próprias roupas10
.
Depois de estudar História da Arte na Ecole Du Louvre, Slimane começou a trabalhar
como fashion consultant para Jacques Picart em 1992, numa exibição que celebrava o
centenário do famoso monograma da Louis Vuitton.
10 Informações publicadas no site da Vogue UK, atualizada em 12 de março de 2012, acessada em 23 de maio de
2012, disponível em: <http://www.vogue.co.uk/spy/biographies/hedi-slimane-biography>
39
Em 1996, Slimane foi nomeado diretor da linha masculina na Yves Saint Laurent,
antes de se tornar diretor criativo da mesma no ano seguinte. Após apresentar a coleção Black
Tie outono/inverno 2000-2001 em janeiro de 2000 – na qual o designer introduziu sua nova
silhueta skinny11
– Slimane deixou a Saint Laurent e aceitou trabalhar para a linha masculina
de Christian Dior.
Imagem 5 – A silhueta de Slimane
Fonte: VOGUE UK (2012)
Em novembro de 2000, Karl Lagerfeld, o renomado diretor da Chanel, declarou em
uma entrevista que perdeu peso a fim de adotar a tão famosa silhueta de Slimane:
Até então eu estava me sentindo bem com meu excesso de peso e não tinha
problemas de saúde, ou o que seria pior – problemas de ordem emocional – mas
então decidi usar as roupas criadas por Hedi Slimane, que trabalhava na Saint
Laurent e agora cria as coleções para a Dior Homme. (Entrevista disponível no site
Vogue.uk, , visualizada no dia 23 de maio de 2012. Tradução própria).12
11 Gíria que significa “magro, justo”. A silhueta skinny de Slimane define-se pelas roupas justas, coladas ao
corpo. 12
"Until then, I had got along fine with my excess weight and I had no health problems, or - which would be
worse - emotional problems, but I suddenly wanted to wear clothes designed by Hedi Slimane, who used to work
for Saint Laurent and now creates the Dior Homme collections,". Disponível em: <http://www.vogue.co.uk/spy/
biographies/hedi-slimane-biography>
40
Em junho de 2001, Slimane esteve à frente do lançamento da primeira fragrância da
Dior Homme sob seu controle criativo – chamada Higher. A criação da embalagem foi de sua
autoria, quando trabalhou em conjunto com Richard Avedon na campanha publicitária da
marca, a fim de garantir que todos os elementos fossem condizentes com sua nova visão para
o homem da Dior.
Em 2002, Slimane se tornou o primeiro designer de uma linha masculina a ser
nomeado CFDA International Designer of the Year 13
, premiação apresentada por David
Bowie, um fã confesso. Em seguida, Slimane passou a se associar com músicos – incluindo
Mick Jagger, Jack White, The Libertines, Franz Ferdinand e The Kills – criando figurinos
para seus shows. Ele também lançou bandas até então desconhecidas para o público,
particularmente grupos britânicos, encomendando músicas exclusivas para seus desfiles na
Dior Homme. Durante seu tempo trabalhando na marca, Slimane manteve seu interesse em
fotografia, publicando alguns livros, incluindo Berlin, um compilado de fotos da vida noturna
de Berlim no tempo em que viveu na cidade; Stage, sobre o avivamento do rock; e London
Birth of a Cult, sobre o até então desconhecido rock star Pete Doherty, que tocou em seu
aniversário junto com a banda The Paddingtons e os The Others em julho de 2005.
No ano de 2006, Slimane lançou o The Diary, um blog fotográfico onde publica fotos
de cool kids14
desconhecidos como também de grandes estrelas internacionais. Foi no verão
do mesmo ano que Slimane decidiu não renovar seu contrato com a Dior Homme. Seu posto
foi ocupado por Kris Van Assche em março de 2007.
Em 2011, Slimane publicou o livro Anthology of a Decade; um livro em quatro
volumes sobre os últimos dez anos em quatro cidades – Paris, Berlim, Londres e Los Angeles,
onde Slimane passou boa parte de sua vida.
Foi somente em 2012, seis anos após sua saída da Dior Homme, que Slimane volta a
atuar como designer. Em março do mesmo ano, a Yves Saint Laurent confirmou a contratação
do estilista, que terá controle total sobre a criação, das coleções femininas até a imagem das
campanhas publicitárias.
As coleções produzidas por Slimane no período em que trabalhou para a Dior Homme
causaram grandes mudanças na imagem da moda masculina. Sua silhueta skinny, com cortes
justos ao corpo beirando a androginia, carregada de elementos que fazem referências
13 CFDA: Council of Fashion Designers of America: Designer do ano.
14 Gíria utilizada para se referir a pessoas com atitudes e estilos diferentes, que ditam tendências de moda,
comportamento, música etc.
41
constantes à moda de rua e à vida noturna trouxe novos ares e possibilidades para o armário
masculino. Seus desfiles, sempre embalados ao som do rock, introduziram modelos
masculinos extremamente magros e pálidos, trazendo a tona uma releitura da estética e
rebeldia punk (ver anexo 1 e 2), sintetizado no lema “no future”, ou “não há futuro”.
Imagem 6 – Modelo “no future”
Fonte: Vogue UK (2012)
Essa ruptura com a estética masculina vigente, que trazia sempre o homem forte e
viril, exemplificado pelos anúncios do cigarro Marlboro, gerou muitas críticas ao trabalho de
Slimane:
Eu ouvi muito sobre minhas proporções e como eram absurdos e mal sucedidos o
meu skinny jeans e minha silhueta. Também escutei muito sobre a falta de uma
definição na masculinidade, sendo que estava justamente em busca de uma definição
diferente. (Entrevista de Hedi Slimane para o site Style.com, publicada no dia 23 de
fevereiro de 2012, visualizada em 24/05/2012. Tradução própria.)15
A relação sempre próxima de Slimane com a música e o rock também foi destacada
pelos críticos e sempre foi forte evidência em seu trabalho:
15 “I heard so much about my proportions, and how absurd and unsuccessful, my skinny jeans and sillhoute
would be. I also heard about my lack of definition in masculinity, as I was aiming to try another definition”.
Disponível em: <http://www.style.com/stylefile/2010/02/the-future-of-fashion-part-three-hedi-slimane/>
42
Também fui questionado sobre minha atração pela música, pois ainda acredito que
não há moda sem música. Maria Antonieta sabia bem quando convidou Gluck para
ir a Versailles para provar seu novo guarda-roupas na pista de dança. Nada vai
mudar isso. Moda = música + juventude + sexo. É sobre isso que minha linha
masculina e meu estilo sempre trataram. (Entrevista de Hedi Slimane para o site
Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia
24/05/2012. Tradução própria.)16
De acordo com o estilista, seu trabalho nunca foi apenas um “comentário” fashion,
mas sim uma ação direta sobre o que estava acontecendo com a moda no momento. Sua obra
é carregada de suas experiências e visões muito pessoais que o influenciaram ao decorrer dos
anos, como afirma o estilista:
[...] isso nunca foi um “comentário fashion”, pois eu estava interagindo diretamente,
e ainda faço por conta própria, trazendo músicos desconhecidos, artistas e pessoas
da rua para os meus shows. Não era sobre fazer punk rock ou metal quando punk
rock ou metal não eram relevantes para o momento. Minha moda e meu estilo eram
como um diário randômico e, as vezes, íntimo. (Entrevista de Hedi Slimane para o
site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia
24/05/2012. Tradução própria.)17
A inspiração de Slimane vem das ruas e de seu gosto pessoal que, em determinado
momento, souberam retratar uma tendência que estava sendo vivenciada globalmente:
Meus anos em Londres coincidiram com o surgimento de uma nova cena indie entre
meus amigos. Essas eram as roupas que queríamos usar, e essas eram as roupas, o
allure e estilo que se tornaram meus. O resto pode parecer conhecimento comum
agora. Quando Berlim de repente se tornou popular entre o cenário indie global
alguns anos depois, meu estilo se espalhou simultaneamente. (Entrevista de Hedi
Slimane para o site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120,
visualizada no dia 24/05/2012. Tradução própria.)18
O estilista traz para sua obra elementos urbanos, próprios da cultura punk e rock como
o couro, o coturno, rasgos, elementos visuais que remetem à arte de rua, num corte que
16“I also was questioned about my attraction to music, as I still believe there is no fashion without music. Marie
Antoinette knew better when she fetched Gluck to Versailles, to try her new wardrobe on the dance floor.
Nothing will ever change. Fashion = music + youth + sex. This is what my menswear and my style were always
about.” 17
“So that it was never a “fashion comment,” as I was interacting directly, and still do on my own, with
unknown musicians, artists, street casting for my shows. It was not about doing punk rock or metal when punk
rock or metal had no relevance to the moment. My fashion and my style were like a random and sometimes
intimate diary.” 18
“(…) my years in London happened to be the time when a new indie scene emerged among my friends. There
were no clothes available around, so I designed them for the rest of us. These are the clothes we wanted to wear,
and these are the clothes, allure, and style that ended up my own.”
43
transmite a imagem de “roupas que parecem não servir mais” (ver anexos 3, 4 E 5). Todo esse
universo foi transportado das ruas para a passarela e transfigurado para uma linguagem mais
sofisticada e bem trabalhada, mesclada com elementos de alfaiataria próprios de uma grande
marca de moda. Essa transformação da linguagem urbana em produto se popularizou pelo
mundo e voltou para as ruas, transformando-se nas mais variadas releituras. Slimane aponta
que realizou um estudo sobre um movimento emergente que surgiu em meados de 2008,
inspirados na sua silhueta:
Acabei de terminar um relatório sobre esse movimento emergente, com o qual
acabei me conectando, chamado Jerking. Surgiu em Long Beach, Los Angeles, no
final de 2008 entre adolescentes negros no ensino médio. Eles o chamam de Skinny
Jeans Movement e possuem músicas como “I Rock Skinny”. Eles criaram essa
comunidade criativa através de sites sociais e encontraram seu estilo na internet. O
look skinny surgiu primeiro entre eles, aí então veio a música, o que fez com que
inventassem o estilo de dança broken-beat. Como sempre, as grandes gravadoras os
descobriram e os contrataram um atrás do outro. (Entrevista de Hedi Slimane para o
site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia
24/05/2012. Tradução nossa.) 19
.
Imagem 7 – Estilo jerking
Fonte: NEW YORK TYMES (2012)
A internet teve sempre papel fundamental na carreira de Slimane. Como fotógrafo,
disseminou sua visão através de seus blogs globalmente; como estilista e designer, teve seu
19 “I just finished a report on this emerging movement I ended up being connected to called Jerking. It was born
in Long Beach, Los Angeles, in late 2008 among black teenagers in high school. They call it the Skinny Jeans
Movement and have songs like “I ROCK SKINNY.” They developed this creative community through social sites
and found their style on the Net. The skinny look came first among them, then the music, inventing a broken-beat
dance. As always, the music majors just spotted them and signed them one after the other.”
44
estilo divulgado rapidamente pela rede e reinterpretados de volta às ruas. Em entrevista,
quando indagado se conseguiria visualizar o dia em que a mídia digital tomaria o lugar das
revistas, Slimane responde:
Completamente, e não vejo isso como algo ruim. Você não luta contra, mas abraça
uma evolução natural, e tenta descobrir como isso irá revelar novos campos criativos
e multimídia dentro do acesso global. Com o crescimento da Internet, a moda se
tornou parte do entretenimento global nos últimos dez anos e irá seguir a revolução
digital da música ou do cinema. (Entrevista de Hedi Slimane para o site Style.com,
publicada no dia 23 de fevereiro de 2012, visualizada no dia 24/05/2012. Tradução
própria.)20
O estilista acredita também que, num mundo conectado pela internet, a moda é sobre
imediatismo, o que pode vir a alterar significantemente o papel das revistas de moda:
Imediatismo é melhor do que notícias antigas. O processo de “manufatura” de uma
revista é muito longo para esse mundo, para a definição e idéia de que a moda é
sobre o que acontece “neste exato momento”. (Entrevista de Hedi Slimane para o
site Style.com, publicada no dia 23 de fevereiro de 20120, visualizada no dia
24/05/2012. Tradução própria.)21
Para Slimane, no entanto, o desfile ainda tem papel significante e importante na
apresentação de uma coleção, pois é nele em que se aplicam a ambientação, o “espírito” e a
carga emocional que quem a concebeu deseja transmitir:
Eu gosto do ritual, da liturgia de um desfile bem produzido e emocional. Eu nunca
irei me cansar desse lado da moda. A passarela é pura antropologia, algo como uma
grande parada exotérica e incriptada. Pode ser completamente substituída mas fará
imensa falta. (Entrevista de Hedi Slimane para o site Style.com, publicada no dia 23
de fevereiro de 20120, visualizada no dia 24/05/2012. Tradução nossa.)22
Por trás do grande sucesso das coleções de Slimane está um conjunto de
“engrenagens” de fatores e elementos sociais que, juntos, possibilitaram o sucesso e a
20 “I totally do, and I don’t see it as a bad thing. You don’t fight but embrace a natural evolution, really, and try
to figure out how it would reveal new creative fields within global access, and multimedia features. With the rise
of the Internet, fashion did become part of the global entertainment industry in the last ten years, and will follow
the digital evolution of the music or film industry.” 21
“Besides, immediacy is better than old news. The “manufacturing” process of a magazine is far too long for
this world, for the definition and idea that fashion is about “right now.” I guess it is more about “right now”
now than ever before.” 22
“I like the ritual, the liturgy of a well-crafted, emotional fashion show. I will never be jaded with this side of
fashion. The “catwalk” is pure anthropology, something like an esoteric encrypted parade. It can totally be
replaced but it will be missed.”
45
consagração de seu trabalho: a sociedade de consumo e a importância da moda no linguajar
social, a transgressão e a contracultura, as identidades pessoas e a mídia global.
4.2 AS ENGRENAGENS DA CONSTRUÇÃO DE MARCA
É inegável que o materialismo e o consumismo fazem parte da sociedade humana
moderna. O dinheiro é grande regulador das relações sociais, e é ele que dá acesso aos bens
materiais. De acordo com Slater (2002, p. 33):
O acesso do consumidor ao consumo é estruturado em sua maior parte pela
distribuição de recursos materiais e culturais (dinheiro e gosto), determinada ela
própria de forma decisiva pelas relações de mercado – sobretudo pela relação
salarial e pela classe social.
A sociedade consumista torna possível aos indivíduos a possibilidade de negociar sua
identidade e seus status através da compra de mercadorias. Antigamente, os status sociais
eram fixos e intransferíveis, um direito adquirido no nascimento, como aponta Slater (2002, p.
37):
Na Europa, o ancien regime herdou a ideia feudal, mesmo que não correspondendo
mais a realidade, de uma estrutura social que compreendia status fixos e estáveis:
um mundo onde a posição social é determinada pelo nascimento e estabelecida
como parte de uma ordem cosmológica (“a grande corrente do ser”, por exemplo),
onde cada entidade tem um lugar predestinado e a ela anexou direitos, privilégios e
obrigações exclusivos. (SLATER, Don. Cultura do consumo & modernidade;
tradução de Dinah de Abreu Azevedo, - São Paulo : Nobel, 2002, p.37)
Na sociedade moderna, é o poder de troca no mercado que regula os status sociais. O
indivíduo se traduz para a sociedade através do que ele pode comprar, e não mais através de
direitos cósmicos adquiridos ao nascimento, como afirma o autor (2002, p. 37):
Numa sociedade pós-tradicional, a identidade social tem de ser construída pelos
indivíduos – pois não é mais dada ou atribuída – e nas circunstâncias mais
desnorteantes possíveis: não só a posição da pessoa deixou de ser fixa na ordem do
status, como a própria ordem é instável e cambiante e é representada por produtos ou
imagens igualmente cambiantes.
Em uma sociedade em que os bens são signos das identidades visuais, as mesmas
podem ser trocadas e alteradas como mercadorias: “(...) a sociedade parece um baile à fantasia
46
onde as identidades são criadas, experimentadas e usadas à noite, e depois trocadas para o
baile seguinte” (Slater, 2002, p.38).
A cultura consumista trata basicamente da capacidade do indivíduo de transmitir e
negociar seus status, bagagem cultural e identidade, papel esse bem representado através das
linguagens das modas.
O ato de vestir-se e a composição do vestuário é um ritual lingüístico, a construção de
um discurso através de diversos códigos, como descreve Castilhos:
Assim, a moda é, neste estudo, entendida como uma relação complexa entre
distintos códigos. Encadeado em uma manifestação discursiva ou numa
textualização, cada arranjo vestimentário é fruto do desse sincretismo e produz
múltiplos efeitos de significações. (CASTILHO, Kátia. Moda e Linguagem, São
Paulo. Anhembi Morumbi. 2009. p.178)
O discurso que o indivíduo constrói através do seu vestuário é resultado proveniente
de sua cultura, seus signos e significados. Isso fica evidenciado no discurso de Slimane,
quando o estilista afirma em uma entrevista que “Minha moda e meu estilo eram como um
diário randômico e, às vezes, íntimo” (Entrevista cedida ao site Style.com, publicada em
23/02/2010).
O estilista, ao decorrer do seu processo criativo, utilizou do seu próprio universo de
significados para construir sua coleção, e o que ele chama de seu estilo próprio. Esses signos
utilizados são transmissores de ideais e estilos de vida e e asseguram o pertencimento a um
grupo, que, de acordo com a autora, é essencial para o ser humano:
Na verdade, desde o momento de seu nascimento, o ser humano é moldado para
pertencer a um determinado grupo. A nudez, o seu estado natural, é ocultada pela
cultura (...). (CASTILHO, Kátia. Moda e Linguagem, São Paulo. Anhembi
Morumbi. 2009. p.84)
Ao mesmo tempo em que garante o sentimento de pertencimento a um grupo social, a
moda também possibilita a distinção, o poder que o indivíduo possui de transformar sua
realidade, alterar a ordem vigente e inserir elementos da sua própria individualidade, como
aponta Lipovetsky:
(...) o individualismo na moda é a possibilidade reconhecida à unidade individual –
ainda que deva ser da altíssima sociedade – de ter poder de iniciativa e de
transformação, de mudar a ordem existente, de apropriar-se em pessoa do mérito das
novidades ou, mais modestamente, de introduzir elementos de detalhe em
conformidade com seu próprio gosto. (LIPOVETSKY, Gilles. O império do
47
efêmero: a moda e seus destinos na sociedade moderna. Tradução: Maria Lucia
Machado. – São Paulo : Companhia das Letras, 1989, p.47)
A procura por essa distinção é a grande impulsionadora do consumo de moda. Ao
mesmo tempo em que querem se sentir parte de um grupo, as pessoas sentem a necessidade de
expressar sua individualidade e seus ideais, e os fazem, principalmente, através de sua
imagem pessoal.
No início dos anos 50 e 60 no período pós-guerra surgem os primeiros movimentos
jovens marginais que vão ao encontro dos parâmetros clássicos estabelecidos pela sociedade
para o vestuário. A realidade difícil que lhes foi imposta fez com que nesses jovens se
manifestasse a vontade de questionar aqueles valores que culminaram em momentos
tempestuosos. De acordo com o autor,
A fragmentação do sistema da moda liga-se, ainda, á emergência de um fenômeno
historicamente inédito: as modas de jovens, modas marginais, que se apóiam em
critérios de ruptura com a moda profissional. Após a Segunda Guerra Mundial
aparecem as primeiras modas jovens minoritárias (zazou, Saint-Germain-des-Prés,
beatniks), primeiras “antimodas” que, a partir dos anos 1960, ganharão uma
amplitude e uma significação novas. (LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero:
a moda e seus destinos na sociedade moderna. Tradução: Maria Lucia Machado. –
São Paulo : Companhia das Letras, 1989, p.126)
É justamente em busca desse individualismo que as modas jovens se consagram
perante o público. O ato de chocar, escandalizar, se mostrar único e autêntico, como aponta
Lipovetsky:
Com as modas jovens, a aparência registra um forte ímpeto individualista, uma
espécie de onda neodândi consagrando a importância extrema de parecer, exibindo o
afastamento radical com a média, arriscando a provocação, o excesso, à
excentricidade, para desagradar, surpreender ou chocar. (LIPOVETSKY, Gilles. O
império do efêmero: a moda e seus destinos na sociedade moderna. Tradução: Maria
Lucia Machado. – São Paulo : Companhia das Letras, 1989, p.126)
As novidades, rupturas e releituras são fatores que determinam a natureza da moda. As
pessoas não querem ser vistas usando algo que já esteve em voga e pertence ao passado. De
acordo com Lipovetsky “são a concorrência das classes e as estratégias de distinção social que
sustentam e acompanham a dinâmica da oferta.” (1989, p. 180).
Naturalmente, essas novas visões partem dos jovens, pessoas mais propensas a
questionar os fatores vigentes e propor novos parâmetros, fazendo com que a moda esteja
numa busca incessante por juventude, por renovação, como confirma Roszak em trecho já
48
citado no capítulo primeiro, que ressalta a relação entre a juventude e a renovação de valores
culturais na sociedade:
É entre a juventude que a crítica social significativa busca hoje uma audiência
receptiva, à medida que, cada vez mais cresce o consenso de que é aos jovens que
compete agir, provocar acontecimentos, correr riscos e, de forma geral, proporcionar
estímulos. (ROSZAK, Theodore. A contracultura; tradução de Donaldson M.
Garschagen, Petrópolis, 1996. P.15)
Para Hedi Slimane o comportamento das pessoas e como elas usam as roupas nas ruas,
em suas rotinas, é o que guia todo seu processo de criação. Para o estilista, a inspiração está
nos clubes noturnos, nos seus grupos de amigos, suas idéias, anseios e vontades, o que fica
claro na fala do estilista: “Essas eram as roupas que queríamos (ele e seus amigos) usar, e
essas eram as roupas, o allure e estilo que se tornaram meus”, fenômeno que confirma o
discurso de Calzon (2010), que diz que o espaço urbano é onde ocorrem a aceitação, rejeição
e o desenvolvimento da moda, das tendências.
O movimento Jerking, citado pelo estilista na entrevista ilustra perfeitamente a
dinâmica da criação de novos estilos. A silhueta skinny de Slimane, carregada de rock e
androginia se tornou famosa, carregada de personalidade e estilo únicos e marcantes, trazendo
uma nova proposta de silhueta para o armário masculino. As campanhas e fotos de seus
desfiles circularam pela rede mundial de computadores e acabou influenciando o estilo de
jovens negros de Los Angeles adeptos do rap a criarem um estilo completamente novo. O
surgimento desse movimento exemplifica muito bem a miscigenação de signos e elementos
de movimentos diferentes a qual Vincent-Ricard (1989) classifica como “multigrupos”,
caracterizados por adotar uma grande variedade de elementos de vestuários múltiplos. No
caso do movimento Jerking, onde a silhuetta skinny de Slimane, encontra cores e elementos
clássicos da cultura negra.
Para que as informações visuais e a mensagem das coleções sejam transmitidas e
assimiladas é necessário o trabalho de comunicação e divulgação desses elementos. A
fotografia está intimamente ligada à moda, pois através da imagem é possível ambientar o
consumidor no espírito da coleção, misturando o registro do produto com um universo
sensorial e fantasioso proposto pelo estilista. Como diz Marra (2008, p.167), “a fotografia traz
vida para dentro da moda e leva a moda para dentro da vida”.
49
Os desfiles também são parte importante na transmissão do imaginário que circunda
uma coleção. Como visto anteriormente, Slimane trouxe para seus fashion shows artistas
desconhecidos e elementos próprios da cultura das ruas para conseguir transmitir o que ele
idealizava com seu trabalho. O desfile é momento de espetáculo, é a oportunidade que o
estilista possui de encantar o público, as editoras das revistas de moda, os compradores e a
sociedade. Nas palavras do estilista, o desfile é “algo como uma grande parada exotérica e
incriptada” (Entrevista cedida para o site style.com, visualizada no dia 24/05/2012)23
.
O papel das revistas de moda vem sendo questionado devido ao imediatismo que
impera na sociedade global, mas ainda responde como grande influenciadora e formadora de
opinião. Para Slimane, o grande desafio dessas publicações é superar o imediatismo garantido
pela internet que as torna defasadas já no seu processo de fabricação.
De acordo com o discurso de Erika Palomino (2003) os editoriais das revistas de
moda são importantíssimos para as marcas, pois quanto à percepção de qualidade que o
público possui da revista será transferida em prestígio para a marca. Além disso, a revista
impressa serve como um registro permanente da produção de moda e sua importância como
tal ainda é significativa. Os veículos de comunicação são disseminadores das coleções,
tendências e comportamentos para a sociedade. São eles que abastecem as pessoas com
informações e referências de moda e direciona os desejos de consumo para marcas e produtos
específicos.
Percebe-se então a existência de cinco principais engrenagens que constroem a obra de
Hedi Slimane para a Dior Homme: O consumo, a moda, a transgressão, a identidade e a
mídia. Sua volta para a Yves Saint Laurent está sendo esperada com entusiasmo pela indústria
da moda, que, de acordo com um artigo publicado pelo jornal The Guardian pode ser vista
como uma “[...] tentativa de restaurar a marca Yves Saint Laurent para a vanguarda da
moda”24
.
4.3 A VOLTA DE HEDI SLIMANE PARA A YVES SAINT LAURENT
Yves Saint Laurent foi um importante estilista para a moda. Aos 17 anos, foi
contratado para trabalhar para Christian Dior, oito anos mais tarde, em 1961, fundava sua
23 “something like an esoteric encrypted parade” (tradução própria)
24 “(…) attempt to restore the YSL label to the forefront of fashion.” Entrevista disponível em:
<http://www.guardian.co.uk/fashion/2012/mar/07/hedi-slimane-yves-saint-laurent> Visualizado em 01/06
/2012.
50
própria marca casa, numa sociedade com o costureiro Pierre Bergé. Saint Laurent foi um dos
mais célebres estilistas da década de 60, juntamente com Coco Chanel e Dior. Sua mais
célebrebre criação foi o “Le Smoking”, ou smoking feminino. De acordo com artigo publicado
pelo banco de dados da folha,
Entre todas as suas criações, "le smoking", como foi chamado, sinalizava uma mudança na
forma como as mulheres se vestiriam dali por diante. A liberdade dada por Chanel agora
ganhava poder com o novo traje e tudo o que ele representava - uma nova atitude feminina.
(Visualizado no dia 2 de junho de 2012)25
Imagem 8 – O “Le Smoking” de Yves Saint Laurent
Fonte: VOGUE (2012)
Saint Laurent, juntamente com Chanel, produziu significantes mudanças na imagem
feminina resultante das revoluções de valores que ocorreram na década de 60. De acordo com
25 Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/saintlaurent.htm>
51
artigo de Cartney-Morley para o The Guardian, Slimane e Saint Laurent possuem muito em
comum:
Slimane, como Yves Saint Laurent, é um radicalista estético. Na Dior Homme ele
trocou os modelos musculosos que sempre figuraram nas passarelas masculinas, por
garotos pálidos e magros em roupas pretas e justas, vestiu uma nova geração de
jovens músicos e atores com suas roupas e revolucionou o reino estético da beleza
masculina. (Artigo visualizado no dia 2 de junho de 2012)26
.
Slimane, assim como Saint Laurent, foi capaz de criar um estilo próprio, uma mudança
significativa na maneira de se vestir de seu público. O Le Smoking femino pode ser
comparado à silhueta skinny feminina, uma conversa entre os armários masculino e feminino,
uma ruptura nos padrões sexuais que liga os dois estilistas. A contratação de Slimane tem
como principal objetivo resgatar a marca de Yves, levando-a de volta à frente da vanguarda
da moda internacional.
A transgressão e a moda de rua de Slimane o definem, são sua marca e seu estilo
próprio. A adaptação desse estilo mais jovem, urbano e transgressor para a Yves Saint
Laurent é de grande interesse para esse estudo. Seu primeiro trabalho na direção da marca
será apresentado em junho de 2012, numa coleção resort27
, que terá exibição exclusiva para
clientes exclusivos, sem a presença da imprensa.
A possibilidade de um diálogo entre a transgressão de Slimane e Saint Laurent, é a
aposta dos diretores para a renovação da marca. Serão essa transformação e possível
rejuvenescimento necessários para o reavivamento da marca? Como Slimane irá traduzir seu
universo punk, skinny e derivado da contracultura para uma das mais celebradas marcas
femininas da moda mundial? Seria o trabalho de Slimane para Dior Homme uma identidade
transitória e efêmera, que será esquecida nos trabalhos futuros do estilista?
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
26 “Slimane, like Yves Saint Laurent himself, is an aesthetic radical. At Dior Homme he replaced the beefcake
models who had always peopled the menswear catwalks with pale, skinny young boys in dark, skinny suits,
dressed a new generation of young musicians and actors in the clothes, and revolutionised the reigning aesthetic
of male beauty.” Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/fashion/2012/mar/07/hedi-slimane-yves-saint-
laurent> 27
Uma coleção “resort” é a dominação que ganham as peças criadas num período intermediário às coleções
tradicionais de outono/inverno e primavera/verão.
52
Os signos da moda das ruas e da contracultura surgem na moda profissional quando o
estilista ou a marca buscam a criação de um estilo próprio e único. A cultura marginal,
fortificada através das tribos urbanas e movimentos juvenis nas décadas de 50, 60 e 70 foi
idealizada para expressar ideais e filosofias de vida muito fortes e, muitas vezes, sugeriam
protestos políticos e sociais. Suas opiniões se propagam através de suas roupas, junto com
suas músicas e arte.
A transgressão é uma resposta às alterações, pressões e mudanças drásticas que
ocorrem na sociedade. O período pré-guerra é marcado pela vida tranquila, pela bonança,
festas e bailes. Com o início das guerras, vieram as repressões e restrições, afetando a maneira
da população de conduzir suas vidas e criar seus filhos. As sombras da guerra, a convivência
constante com a morte, as restrições de alimentos e roupas e várias outras privações pelas
quais passou a população que enfrentou os conflitos afetaram drasticamente os
comportamentos e posições sociais. Algumas dessas foram de cunho conflituoso e crítico,
questionando os grandes conflitos, políticas públicas e posicionamentos políticos. Esses
testemunhos são a base do comportamento transgressivo.
Entendendo a moda como uma linguagem, um conjunto de signos que transmite
mensagens sobre o indivíduo, sua cultura, personalidade, crenças e desejos, é fácil perceber
que coube também à vestimenta transmitir esses posicionamentos transgressivos e críticos,
que, na moda, se desdobram das diversas maneiras. A ruptura proposta por Coco Chanel, que,
pela primeira vez, traz elementos masculinos ao armário feminino, com a inserção de chapéu
palha, a calça para mulheres e a invenção do “pretinho básico” é uma forma relevante de
criticar o machismo e o sistema patriarcal dominantes na sociedade.
Os discursos da moda nem sempre são de contraposição à realidade econômica e
social. Podem ser simples respostas à necessidades ou adequação à novas propostas, como
quando a moda alegre e infantil das melindrosas saiu de cena após a queda da Bolsa em 1929
e a grande depressão, dando espaço à peças mais formais e utilitárias.
O New Look de Dior surge para contrastar com a mulher dona-de-casa e trabalhadora,
revelando uma silhueta mais sensual, o que Barnard (1996, p.210) chama de “sereia
tentadora”. Essa proposta visual, de acordo com Laver (1982, p.257) foi considerada frívola
para época. Em seu New Look, Dior utilizava tecidos cinturas apertadas e nobres em excesso,
numa época de privação de matérias primas, causando até mesmo a fúria da Câmara de
Comércio Britânica.
53
No início da década de 60, começa a efervescência cultural juvenil. Cansados de
privações econômicas e das agruras causadas pela guerra, muitos indivíduos se
marginalizaram da sociedade, se colocaram contra o moralismo e todo o sistema que eles
julgaram incoerente. Essa ruptura se deu através de seus estilos de vida, discursos, e
principalmente, através da moda. Denominadas por Lipovestky (1989) como “modas
marginais”, essas novas maneiras de se vestir romperam com a moda profissional, criaram
novas combinações e maneiras de se vestir, assim como Chanel e Dior fizeram anos antes.
De acordo com Lurie (1992), a partir dos anos 60 o jovem se torna o centro de todas as
atenções, especialmente da moda. Vivendo numa época de prosperidade econômica, essas
pessoas se entregaram às drogas e aos vícios, o que Roszak (1969) afirma ser um
“denominador comum das muitas formas de contracultura desde o fim da II Guerra Mundial”.
O hedonismo exacerbado, as drogas e a contracultura causam o declínio do luxo, e, segundo
Lipovestky (1989) abriram espaço para a espontaneidade, expressão individual e
descontração. Nessa nova realidade, o movimento musical que impera e permeia a vida dos
jovens é o rock e suas mais variadas vertentes.
A moda de rua tem uma ligação intrínseca com a juventude, a sexualidade e a música.
Essa combinação, atrelada aos manifestos culturais e políticos constroem os signos que
compõe a imagética das tribos urbanas e as acompanham, por exemplo, na construção das
coleções de Slimane para a Dior Homme. Essa transferência de significados da rua para a
passarela é reforçada através da comunicação de moda: desfiles, editoriais, fotografia de moda
e anúncios, veículos utilizados pelo estilista ou diretor da marca para transmitir o espírito da
coleção.
A moda de rua é, na sua essência, espontânea, criativa e autêntica. Ela não surge como
resposta à demandas comerciais, mas como uma resposta e um testemunho à sociedade. Ela é
criada por jovens artistas, músicos e boêmios. É nessa autenticidade que reside o interesse da
moda profissional nas manifestações da rua. É na rua que tendências ainda por vir podem se
manifestar, que, quando traduzidas para a moda comercial, essas informações provenientes
das ruas podem sofrem algumas alterações, mas é essencial que sua mensagem e sua razão de
existir sejam preservadas.
Através do trabalho realizado para a Dior Homme, Slimane construiu uma identidade única
para a marca e acabou desenvolvendo o seu estilo próprio, a silhueta skinny, que trazia em si
uma proposta bastante revolucionária para o armário masculino de alta costura: cortes
54
exageradamente justos, modelos andróginos e pálidos, como que recém saídos das ruas.
Slimane afirma em entrevista para o site Style.com que sua principal inspiração foi produzir
as roupas que ele e seus amigos gostariam de usar. Adepto da vida noturna, da moda de rua,
das influências punks e do poder revolucionário da juventude, o estilista conseguiu carregar
de significados sua nova proposta para a silhueta masculina. Essa significância, para ser
construída, utilizou os mais diversos meios de comunicação para traduzir para o público as
intenções do estilista.
A fotografia de moda é elemento essencial para essa transferência de significados. É
através da imagem estática que, com o auxílio de vários profissionais, é criada a ambientação
para coleção. As intenções são transmitidas através da escolha dos modelos, poses e locações.
As linguagens fotográficas são diversas e possuem funções múltiplas como por transmitir as
intenções dos estilistas e até atuar como veículo de registro histórico do momento social que a
moda nas roupas retrata.
Os desfiles de moda são um espetáculo propriamente dito. A função dele é encantar,
seduzir a imprensa e os consumidores finais, ambientado-os no universo simbólico criado
pelo estilista. Slimane, em seus desfilese em sua linguagem visual, trouxe elementos
diretamente das ruas para as passarelas. Bandas até então desconhecidas eram responsáveis
por criar músicas inéditas para ambientar seus desfiles. Celebridades do cenário musical,
artistas e famosos através do rock, das artes e do cinema eram seus amigos e principais
clientes. Coube a Slimane saber traduzir as linguagens das ruas para as passarelas, perceber a
necessidade de legitimar a cultura das ruas nas grandes marcas de moda.
O estilista trabalhou para duas grandes marcas que souberam valorizar discursos de
moda dissidentes do comum, a Yves Saint Laurent, com seu Le Smoking e a Dior com o New
Look pós-guerra. São marcas que marcaram a vida do estilista e que tentam constantemente
reinventar a moda desde suas fundações.
A transgressão, a vontade de alterar a realidade em que se vive, de buscar novos
caminhos é, de acordo com Roszak (1996) é inerente ao jovem. Pode ser ligada à sua
imaturidade, sua falta de experiência. Através dessa ótica, pode-se pressupor que a obra
produzida por Slimane para a Dior Homme é resultado de uma fase juvenil e experimental na
vida do estilista?
Esse estudo acredita que não. Marcas como Dior e Yves Saint Laurent, demonstram
através das respectivas contratações de Slimane, que, apesar dos muitos anos de experiência,
55
ainda acreditam no poder rejuvenescedor da juventude, da rebeldia e da autenticidade. A
moda nada mais é do que a constante busca pelo novo, pela novidade, pelo recém-criado. Um
mundo onde nada pode envelhecer ou continuar estanque. A moda é eternamente jovem,
eternamente transgressora. A transgressão é parte essencial da moda, pois sem ela, não existe
renovação, portanto, não existe moda.
56
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57
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