Trabalho Saudecoletiva Finalizado
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
AMANDA RAMOS
CAROLINE BARUFALDI
IVANICE LOPEZ
MANOELLA RHODEN
RAMIRO CATELAN
CLNICA AMPLIADA
Porto Alegre
2014
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AMANDA RAMOS
CAROLINE BARUFALDI
IVANICE LOPEZ
MANOELLA RHODEN
RAMIRO CATELAN
CLNICA AMPLIADA
Trabalho apresentado Faculdade de Psicologia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para aprovao na disciplina Sade Coletiva.
Orientadora: Prof. Dra. Ktia Bones Rocha
Porto Alegre
2014
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SUMRIO
1 INTRODUO .......................................................................................................... 4
2 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................... 6
3 DISCUSSO ........................................................................................................... 11
4 CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 16
REFERNCIAS .......................................................................................................... 17
ANEXO ENTREVISTA COM VANESSA SOARES MAURENTE ............................ 19
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1 INTRODUO
A clnica, enquanto instituio, constitui-se a partir do sculo XIX,
basilada pela noo de escrutnio, avaliao e interveno sobre signos e
sintomas ligados ao corpo, legitimando o saber-poder mdico sobre os
processos de sade e adoecimento e circunscrevendo a noo do clinicar
como assistncia remediativa, em conformidade com um paradigma naturalista,
biomdico e positivista (FOUCAULT, 1977). Traando uma linha histrica,
tendo como delimitao o cenrio brasileiro, pode-se descrever o cuidado
assistencial como hospitalocntrico; se segmentarmos ainda mais, indo ao
encontro da sade mental, nota-se que a poltica primordial, entre os sculos
XIX e XX, esteve atrelada ao mbito de colnias para alienados, manicmios e
hospitais psiquitricos, definidos por Goffmann (2001) como instituies totais,
ou seja, espaos organizacionais delimitados em que as pessoas perfazem
todos os passos cotidianos de sua vida, num processo de homogeneizao e
mortificao da subjetividade.
Procura-se, nessa perspectiva, isolar a loucura e afast-la do convvio
daqueles tomados por normais, estabelecendo um limite, tanto psicolgico
quanto fsico, entre o saudvel e o patolgico, o abjeto e o desejvel. A poltica
manicomial-asilar produziu, ao longo de sua hegemonia, centenas de milhares
de pessoas adoecidas, deslocando o monoplio da loucura para a figura do
mdico psiquiatra, costurando discursos mdicos, jurdicos e psicolgicos; isso
reverberou em severas cicatrizes nas histrias das pessoas diretamente
afetadas pelos mtodos primitivos e desrespeitosos de tratamento, assim como
deixando uma marca nas polticas modernas de sade mental (ALMEIDA,
2009).
H que se questionar a lgica curativa e remediativa da prtica clnica
aqui tomada em sua acepo geral, mas que pode ser aplicada sade mental
com o passar dos anos. Com o advento do movimento antimanicomial,
gestado nas lutas contra a privatizao da sade do movimento sanitarista, aos
poucos se foi alocando o paradigma da reforma psiquitrica, que preconiza a
descentralizao do cuidado e a progressiva substituio dos leitos
psiquitricos por servios assistenciais substitutivos (GOULART, 2006).
Contudo, apesar da aquisio de direitos e de diversas conquistas obtidas aps
o final da dcada de 80, uma sombra ainda paira sobre o fazer clnico.
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Assim, estariam as prticas de assistncia, promoo, preveno e cura
em sade conformes com os princpios do Sistema nico de Sade, ou teria
ainda o modelo biomdico fora para conduzir prticas e discursos no cotidiano
dos servios de sade? Faz sentido pensar na extino da estrutura fsica
asilar para substitu-la por uma mentalidade manicomial, que pode ser
perpetrada mesmo dentro de servios como os Centros de Ateno
Psicossocial?
O presente trabalho pretende tecer algumas consideraes incipientes
sobre o conceito de clnica ampliada, preconizado pela poltica nacional de
sade mental do Ministrio da Sade (BRASIL, 2009). Busca-se, por meio de
uma breve reviso bibliogrfica, entender sua conceitualizao e sua aplicao
prtica no cotidiano da sade. Realizou-se, ainda, uma entrevista com a
psicloga social e professora universitria Vanessa Soares Maurente - que traz
sua compreenso sobre clnica ampliada -, a fim de estabelecer uma
integrao terico-prtica para que se elucidem alguns aspectos sobre o tema
em questo, sem a pretenso de ter uma abordagem definitiva ou taxativa, mas
como modo de introduzir reflexes sobre o assunto.
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2 DESENVOLVIMENTO
A noo de clnica ampliada est ancorada em cinco eixos
fundamentais: 1) compreenso ampliada do processo sade-doena; 2)
construo compartilhada dos diagnsticos e teraputicas; 3) ampliao do
objeto de trabalho; 4) a transformao dos meios ou instrumentos de
trabalhos; e 5) suporte para os profissionais de sade (BRASIL, 2009).
Desse modo, busca-se entrar em consonncia com o modelo de ateno
biopsicossocial estabelecido pelas diretrizes do Sistema nico de Sade
(BRASIL, 2000), observando os aspectos integrais do processo de sade e
adoecimento, para alm de um olhar biologicista, essencialista e
eminentemente curativo. Uma das ideias centrais desvincular a noo de
sujeito da (psico)patologia, de modo a incorporar, alm da noo
remediativa/curativa, a prtica de promoo e preveno em sade.
A clnica ampliada opera entre dois pontos da Poltica Nacional de
Humanizao (PNH): com o sujeito enfermo e com o profissional que se dedica
ao cuidado da sade humana. Sendo uma diretriz da PNH, ela busca qualificar
o modo de se fazer sade. Atravs de uma equipe de profissionais da sade
que atuam em diversas reas, sempre com o cuidado de tratar cada caso de
acordo com suas especificidades (MOREIRA, 2007).
De acordo com Dhein (2009, p. 54), a clnica ampliada apresenta-se
enquanto tecnologia de humanizao da ateno sade no SUS. Da clnica
enquanto tecnologia passa-se clnica ampliada e compartilhada enquanto
tecnologia de humanizao. A Poltica Nacional de Humanizao (BRASIL,
2004) prope-se, pois, a estabelecer diretrizes norteadoras para a prtica nos
servios de sade, de modo a proporcionar acolhimento, bem-estar e
aprimoramentos nos cuidados, a fim de que se respeitem os direitos humanos
dos usurios.
Diante das dificuldades da prtica clnica na ateno bsica e das
peculiaridades da clnica ambulatorial, propem-se estratgias de construo e
transformao da clnica nos campos terico, educacional, cultural e poltico-
gerencial do SUS. Possibilitar que outros aspectos do sujeito sejam
trabalhados e compreendidos faz parte da construo da clnica ampliada,
transformando, assim, a ateno individual e coletiva.
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O trabalhador da sade trabalha junto com o usurio, buscando
entender a doena, os motivos para aquele adoecimento, estimulando o
envolvimento da sociedade e promovendo participao nos processos
decisrios sobre a qualidade de vida e sade. A clnica ampliada no se limita
ao diagnstico da doena; ao contrrio, vai alm, buscando entender quem o
o usurio, o que ele apresenta de igual e de diferente, abrindo possibilidades
de interveno e tratamentos, tendo um compromisso histrico e social com o
sujeito, procurando ajud-lo por meio da configurao do plano singular
teraputico (BRASIL, 2004).
Podemos dizer, ento, que a clnica ampliada:
a) um compromisso radical com o sujeito doente;
b) Assume a responsabilidade sobre os usurios dos servios de sade;
c) Busca ajuda em outros setores (intersetorialidade);
d) Reconhece os limites dos conhecimentos dos profissionais de sade e
das tecnologias, buscando outros conhecimentos em diferentes setores.
Portanto, a clnica ampliada prope que o profissional de sade
desenvolva a capacidade de ajudar as pessoas, no s a combater as
doenas, mas a transformar-se de forma que a doena, mesmo sendo um
limite, no as impea de viverem outras coisas em suas vidas (BRASIL, 2004).
Em clnica ampliada, crucial que se trabalhe com a perspectiva de
autonomizao do sujeito. Segundo Campos e Amaral (2007), falar em clnica
ampliada buscar produo de sade e autonomia dos usurios, fazendo com
que os mesmos tenham uma melhor compreenso de sua doena e
trabalhando para que consigam uma capacidade de autocuidado e
engajamento com sua sade.
A clnica ampliada tem como um de seus objetivos ampliar o escopo de
trabalho dentro da clnica; para isso, necessrio existir um vnculo estvel
entre os trabalhadores da sade e o paciente (CAMPOS; AMARAL, 2007).
Assim, possibilita-se transformar o sofrimento desses usurios em uma
possibilidade de melhorar a sua qualidade de vida, uma melhor forma de viver,
aprendendo a ressignificar eventuais situaes de adoecimento (BRASIL,
2004).
A psicologia vem reformulando o conceito de clnica e pensando uma
clnica ampliada que seja mais engajada nas questes sociais de vida em
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sociedade. Tratando especificamente da psicologia, esse um movimento
bastante recente, que perpassa, inclusive, reformas dentro do campo
acadmico, com diretrizes do Ministrio da Educao voltadas para a
ampliao da formao dos futuros psiclogos para estarem habilitados ao
trabalho nas polticas pblicas e na psicologia social comunitria (SCARPARO;
GUARESCHI, 2007; GUARESCHI; DHEIN; REIS; MACHRY; BENNEMANN,
2009; GUARESCHI; BENNEMANN; DHEIN; REIS; MACHRY, 2010).
Cabe ressaltar aqui que, nos ltimos anos, as polticas pblicas tem
convocado os profissionais psiclogos atuao na ateno e na gesto,
aumentando consideravelmente o campo de mercado. Porm, a insero dos
psiclogos no Sistema nico de Sade, por exemplo, alvo de crticas, por
muitas vezes transpor uma prtica privada e eminentemente individual para o
setor pblico (GUARESCHI; DHEIN; REIS; MACHRY; BENNEMANN, 2009), o
que justifica as reflexes de Dimenstein (2001) e Benevides (2005) sobre o
compromisso social do psiclogo nas polticas pblicas e a dificuldade de o
psiclogo pensar e trabalhar mediante uma lgica mais ampliada, que fuja
psicologia tradicional e sade assistencialista e remediativa (GUARESCHI;
BENNEMANN; DHEIN; REIS; MACHRY, 2010).
Ainda falando em psicologia, mas indo alm, Campos (2003) destaca
que, na clnica ampliada, as intervenes no plano biolgico se combinam aos
impactos e perspectivas subjetivos, disparando produes e abrindo caminhos
teraputicos para o sujeito que se encontra doente, sempre se atendo aos
atravessamentos histricos, econmicos, sociais, culturais e subjetivos que
esto implicados no processo de adoecimento.
No possvel pensar em sade coletiva sem pensar no jogo poltico e
econmico existente nas estratgias de governabilidade (CAMPOS, 2003).
Criando regras de emprego para o psiclogo, as polticas pblicas
possibilitaram que a populao tenha um acesso maior ateno integral em
sade mental e cuidados psicolgicos.
A possibilidade de uma clnica ampliada s pode ser viabilizada, por
consequncia, caso sejam seguidos risca os trs princpios doutrinrios do
SUS:
1) Universalidade: ateno sade de todos os cidados;
2) Equidade: sem distino de cor, sexo, nvel educacional;
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3) Integralidade: integrao entre os nveis de ateno sade (bsico,
secundrio e tercirio) (BRASIL, 2000).
Na clnica tradicional, o foco est na doena, e seu objetivo tratar o
agente patolgico causador e, possivelmente, curar o paciente. Por outro lado,
na clnica ampliada, h a juno do saber biomdico com outros saberes a fim
de incorpor-los no processo de sade-doena, considerando o indivduo em
todos os seus aspectos (biopsicossocial).
Segundo Cunha (2004, p. 72), a construo da clnica ampliada
justamente a transformao da ateno individual e coletiva, de forma a
possibilitar que outros aspectos do sujeito, que no apenas o biolgico, possam
ser compreendidos e trabalhados.
Na clnica tradicional, a verticalidade do poder imposta de quem trata
sobre quem tratado, ou seja, o doente recebe passivamente a interveno
mdica. No entanto, na clnica ampliada, o processo teraputico se d em
comum acordo entre o profissional da sade e o paciente, podendo este
interferir e questionar o tratamento que a ele ser dispensado, j que um dos
grandes objetivos de pensar numa lgica ampliada justo proporcionar a
autonomia do sujeito.
Logo, quando tratamos de clnica ampliada, assumimos um
compromisso, fundamentalmente tico, inspirado nos princpios basilares do
SUS, de lidar com sujeitos, e no com doenas, sem que se fragmente as
pessoas e as trate como se fossem patologias. Trata-se, pois, de reconhecer
um compromisso com o sujeito e sua capacidade de produo e autonomia
sobre prpria vida.
, ento, uma clnica que se abre para perceber e ajudar os sujeitos a
construrem sua percepo sobre a vida e o adoecimento. Para isso, a prpria
clnica tem que se reconhecer enquanto instrumento de uma instituio muito
forte (instituio mdica), manipulando saberes e classificaes diagnsticas
de grande repercusso para os sujeitos que se submetem a ela, e deve
desenvolver a competncia de utilizar os poderes que possui e desenvolve na
relao teraputica a favor da autonomia dos sujeitos (CUNHA, 2004, p. 73-
74).
Cabe ater-se, ainda, s reflexes que Dhein (2009) tece a respeito do
carter biopsquico que a clnica ampliada pode tomar, caso no seja posta
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constantemente sob crtica e anlise. A autora expe que, com o avano da
poltica de humanizao e a formulao do conceito de clnica ampliada, o
saber biomdico perdeu parte de seu terreno em termos de saber-poder
hegemnico, tendo as cincias psi especialmente a psicanlise e a psicologia
inundado a ideologia na confeco das polticas e diretrizes, o que, segundo
Dhein (2009), reflete-se inclusive no modo como os documentos so redigidos.
Porm, em seu estudo de mestrado, a autora observa que, em vez de
priorizar os aspectos integrais do sujeito, indo ao encontro de uma perspectiva
biopsicossocial, prticas atuais em sade coletiva versam sobre o sujeito
biopsquico com o aditivo da valorizao da subjetividade e dos aspectos
intrapsquicos relativos aos processos de adoecimento e produo de sade ,
desprezando a leitura e relevncia dos fatores sociais, culturais e
macropolticos relacionados a esses processos.
Assim sendo, deve-se considerar que mesmo um discurso contra-
hegemnico, como o da clnica ampliada, pode estar eivado de vcios, caso
no se reflita sobre o fazer. Isso pode ser exemplificado, por exemplo, pela
atuao duvidosa que alguns psiclogos tm ao entrarem no campo da sade
coletiva; quando no se reflete sobre as prticas e discursos que se reproduz,
corre-se o risco de dar continuidade a fazeres deslocados do contexto social, o
que reflexo, falando especificamente em psicologia, da formao enviesada e
voltada para modelos clnicos tradicionais, com uma apenas recente
abordagem de aspectos relacionados psicologia social comunitria e sade
coletiva (BENEVIDES, 2005; SCARPARO; GUARESCHI, 2007; GUARESCHI;
DHEIN; REIS; MACHRY; BENNEMANN, 2009; GUARESCHI; BENNEMANN;
DHEIN; REIS; MACHRY, 2010).
necessrio, ento, um processo constante de crtica e desconstruo
sobre os modos de pensar e agir em termos de clnica ampliada, para que ela,
de fato, v ao encontro da viso biopsicossocial de sujeito, sem fragment-lo
nem desconsiderar todos os fatores que o permeiam, a fim de que os
pressupostos da poltica de humanizao sejam efetivados.
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3 DISCUSSO
A seguir, expem-se reflexes acerca da entrevista realizada com a
professora Vanessa, de modo a concatenar seu discurso com os pensamentos
apontados na reviso da literatura.
Vanessa inicia a entrevista discorrendo sobre sua formao acadmica.
Concluiu seu doutorado na rea de sade mental e educao, estudando
terica, emprica e metodologicamente os processos de resignificao do
Hospital Psiquitrico So Pedro pela tica da reforma psiquitrica. Ela entende,
em conformidade com o preconizado pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2009),
que a prtica clnica pode ter um espectro muito alm do espao entre dois
indivduos, podendo se manifestar em prticas como o acompanhamento
teraputico e o matriciamento, por exemplo.
A entrevistada expe que a clnica no est restrita a um processo
meramente individual, envolvendo, por consequncia, outros espaos, outros
sujeitos, abarcando fatores sociais, culturais, histricos, polticos e econmicos,
convergindo com o referido pela literatura (CUNHA, 2004; BRASIL, 2009;
DHEIN, 2009). Vanessa acredita, ainda, que a clnica no se restringe ao
mbito curativo, mas que pode ser pensada em termos de preveno e
promoo da sade, indo ao encontro das diretrizes da poltica nacional de
humanizao e das orientaes tcnicas para a prtica da clnica ampliada
(BRASIL, 2000; BRASIL, 2004; BRASIL, 2009).
Nas palavras da professora, a clnica ampliada uma forma de ver a
clnica a partir de uma perspectiva ampliada. Ou seja, no se pode pensar
numa clnica descolada da realidade do sujeito, muito menos numa clnica
fragmentada, que tenha como escopo unicamente a patologia e tcnicas
incisivas de deteco e cura (CAMPOS; AMARAL, 2007; DHEIN, 2009).
Refuta-se, nas palavras de Vanessa, a noo de clnica tradicional, na medida
em que esta cindiria o sujeito e no abarcaria a perspectiva integral da noo
de sade e adoecimento, afastando-se dos pressupostos qualitativos
preconizados pelo Sistema nico de Sade (BRASIL, 2004; BRASIL, 2009).
Pensar a clnica ampliada, ento, nos termos da psicologia, por exemplo, seria
ir ao encontro da proposta de Dimenstein (2001) sobre o compromisso social
do psiclogo.
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Vanessa discorre sobre a entrada da noo de clnica ampliada na
ateno bsica, o que implicaria, necessariamente, que se repensasse a
atuao no s no mbito da psicologia, mas nas demais reas de
conhecimento na sade, o que convergiria com a noo de interdisciplinaridade
preconizada pelas diretrizes do SUS (BRASIL, 2000). Refere, ainda, que,
dentro da psicologia, estamos acostumados a fazer referncia clnica
ampliada dentro da rea da sade mental, mas que esta noo pode e deve
estar atrelada a outros setores de atuao dentro da sade, sendo fundamental
a noo de preveno e promoo, como j exposto anteriormente.
Sobre as origens da clnica ampliada, Vanessa as relaciona com as
bases da reforma psiquitrica, que prope uma nova forma de pensar e agir em
termos de sade mental, por meio de aes voltadas para promoo e
preveno em sade, fugindo ao escopo biomdico hegemnico durante
dcadas na poltica de sade brasileira, que tinha como foco principal detectar,
isolar e trancafiar os doentes mentais, numa lgica reducionista e atrelada ao
saber-poder psiquitrico. Desvincular a sade mental da hegemonia
psiquitrica um dos objetivos das atuais polticas em sade mental, como
forma de respeitar a viso integral de sujeito (BRASIL, 2004; BRASIL, 2009).
Nesse sentido, Vanessa pensa que pode existir uma clnica voltada
reinsero social dos sujeitos. Sabe-se que, durante muito tempo, a poltica
asilar foi referncia nos modos de cuidado no Brasil (GOULART, 2006;
ALMEIDA, 2009), atrelando o conceito de sade a espaos organizacionais
que produzem mortificao do sujeito (GOFFMANN, 2001). A reforma
psiquitrica e o conceito de clnica ampliada, por conseguinte, vo na
contramo dessa lgica.
Ainda segundo Vanessa, isso permite que a sade mental, pensada sob
o vis ampliado, produza maneiras de o sujeito experimentar novas formas de
existncia para alm das amarras manicomiais. Sujeitos subjetivados a partir
de uma lgica psiquitrica aprisionadora, como j referido, tenderiam a
(re)produzir adoecimento (FOUCAULT, 1977; GOFFMANN, 2001), e a
possibilidade da clnica ampliada justo abrir caminho para novas formas de
tratamento e entendimento dos processos da vida desses sujeitos, por meio da
ocupao de espaos, da produo de autonomia etc. Vanessa pensa a clnica
ampliada como produo de sade mental.
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Vanessa, considerando a amplitude do SUS, aponta que a noo de
clnica ampliada funciona bastante dentro da ateno bsica e dos Centros de
Ateno Psicossocial, sendo bastante bem aceita, por exemplo, por
profissionais que trabalham com apoio matricial e equipes da Estratgia Sade
da Famlia. Aponta, ainda, que no contexto hospitalar a lgica da clnica
ampliada no faz tanto sentido, visto que o ambiente hospitalar est
atravessado por uma lgica mais mdica e organicista, o que impediria que os
preceitos ampliados fossem postos em prtica. Seria difcil, portanto, pensar
em preveno dentro do hospital, at porque este possui um carter
historicamente remediativo, recuperativo e curativo. A professora refere, ainda,
que dentro das atenes secundria e terciria, a lgica ampliada vem se
fortalecendo; contudo, a prevalncia seria mais entre profissionais no
mdicos, contribuindo para o pensamento de que a medicina tradicionalmente
um reduto monoltico pouco aberto experimentao, dilogo e trabalho
interdisciplinar.
Vanessa considera que existem vrias formas de se compreender a
noo de psicopatologia. Existe a forma hegemnica, muito presente nos
discursos da sade, e essa lgica, a da patologizao dos sujeitos, que se d
por meio dos transtornos mentais, seria um processo que tem muito fora na
produo de conhecimento sobre sade e doena e nas prprias prticas. A
clnica ampliada, nesse sentido, viria para questionar esse paradigma, como
uma possibilidade de resgatar o sujeito e resgatar, tambm, a possibilidade de
produo de sade.
Sobre a questo da formao acadmica para clnica ampliada, a
entrevistada acredita que a situao vem mudando, com maior possibilidade de
abordagem do tema por meio de disciplinas universitrias voltadas para poltica
pblica. Mesmo assim, considera pouco abordada a temtica, expondo que, na
psicologia, por exemplo, a formao ainda voltada eminentemente para uma
abordagem clnica mais tradicional, reforando os achados da literatura
referentes formao em psicologia e a recente abertura para os estudos em
psicologia social comunitria e sade coletiva, temticas ainda bastante
problemticas dentro da academia (SCARPARO; GUARESCHI, 2007;
GUARESCHI; DHEIN; REIS; MACHRY; BENNEMANN, 2009; GUARESCHI;
BENNEMANN; DHEIN; REIS; MACHRY, 2010).
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Vanessa pensa que se pode falar em clnica ampliada fora do contexto
das polticas pblicas, como, por exemplo, dentro de prticas clnicas ligadas
iniciativa privada. Fala sobre a discusso de clnica ampliada dentro das
disciplinas de sade coletiva na psicologia, expondo que a discusso deveria
se estender para outras disciplinas que no as voltadas para a psicologia social
e as polticas sociais.
H, durante a entrevista, um dilogo sobre o conceito de clnica
ampliada, visto que alguns autores problematizam este conceito, apontando
que toda clnica deveria ser ampliada. Vanessa expe que a clnica tradicional,
mesmo adotando recursos extraindividuais, ainda corre o risco de ater-se
lgica mais ortodoxa, enquanto pensar em clnica ampliada justo ir alm
disso. Logo, segundo ela, a clnica tradicional no seria to ampliada dentro
dos conceitos de clnica ampliada que se debatem atualmente, presos
individualizao e essencializao dos sujeitos. Uma clnica ampliada, pelo
contrrio, questiona esse processo de individualizao, ao expor que o sujeito
no pode ser desvinculado de seu contexto (CUNHA, 2004; CAMPOS;
AMARAL, 2007; MOREIRA, 2007).
Vanessa considera que a produo cientfica relacionada clnica
ampliada tem aumentado bastante, existindo vrios grupos de pesquisa
voltados para essa temtica em vrios estados brasileiros. Contudo, considera
a produo insuficiente, ressaltado que ainda h muito que se pensar e
produzir a respeito, at porque a noo de clnica ampliada, segundo Vanessa,
se d a partir do compartilhamento de experincias. A aprendizagem sobre
clnica ampliada, da mesma forma, se daria a partir desse compartilhamento de
experincias. Para isso, preciso que se publique e invista na temtica, para
que esta possa se desenvolver.
Por fim, ao ser indagada sobre a relao entre clnica ampliada e a
lgica transdisciplinar de trabalho, a professora expe que essa relao no
acontece, porque a lgica hegemnica a da especialidade. Segundo ela,
vivemos em um paradigma constitudo historicamente pela questo da
especialidade, o que leva fragmentao do sujeito e dificuldade tanto de
dilogo entre reas do saber quanto de produo conjunta sobre o sujeito, que
seria o preconizado pela transdisciplinaridade. Trabalhar transdisciplinarmente
implicaria a quebra do objeto, abarcando o sujeito em toda a sua
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complexidade, no se trabalhando com apenas um objeto, indo ao encontro da
perspectiva integral de sujeito (BRASIL, 2004). Segundo Vanessa, o mximo
que se consegue um trabalho interdisciplinar, j que a prpria formao das
reas da sade voltada para a fragmentao e a especialidade, em que cada
rea toma um fragmento do sujeito como escopo de anlise e interveno.
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4 CONSIDERAES FINAIS
Pensamos que oportunizar a discusso sobre clnica ampliada
importante no s em termos de polticas pblicas, mas como prtica
profissional da psicologia de modo geral. As discusses acerca de sade
coletiva, sade mental e polticas sociais tm sido ampliadas no currculo de
psicologia da PUCRS e de outras universidades, vindo a responder a
demandas sociais urgentes do atual cenrio do Brasil.
Observamos, ao realizar a pesquisa bibliogrfica, que a incidncia de
maiores publicaes na literatura acerca de clnica ampliada esto em livros,
dissertaes, teses e manuais governamentais, sendo mais raros artigos
cientficos indexados, por exemplo. Essa constatao talvez diga um pouco a
respeito dos sujeitos que vm produzindo acerca da clnica ampliada, dos
modos de financiamento dessas pesquisas e do espao na academia
reservado a esse tipo de saber, j que muitos psiclogos sociais vem
questionando a lgica produtivista e quantitativa que impera nos programas de
ps-graduao Brasil afora.
Por fim, a experincia de entrevistar uma profissional que tenha
experincia numa temtica especfica sempre interessante. Pudemos
estabelecer elos claros entre as colocaes da professora entrevistada e os
achados na reviso bibliogrfica. A sensao que foi passada, durante a
entrevista, era de que a fala era enviesada para aspectos da sade mental e da
psicologia, quando a inteno da entrevista era discutir a clnica ampliada num
modo mais ampliado, mas isso de maneira alguma atrapalhou o andamento da
entrevista e do trabalho, sendo, porm, um aspecto importante a ser pontuado,
devido a questes envolvendo a pertinncia de se estudar sade coletiva
dentro da universidade. Afinal, de qual sade coletiva e de qual clnica
ampliada falamos? De uma sade e clnica restritas ao espectro mental e
psicolgico, ou de uma abordagem realmente ampliada? Eis algumas reflexes
que a confeco do trabalho suscitou no grupo.
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REFERNCIAS
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ANEXO ENTREVISTA COM VANESSA SOARES MAURENTE
E: Entrevistador
V: Vanessa
E1: Poderias falar um pouco sobre a tua formao e trajetria?
V1: Eu me formei em psicologia, pela UFRGS, em 2003. Durante a graduao
eu participava de grupos de pesquisa na rea da psicologia social. Depois fiz
mestrado em psicologia social na UFRGS tambm e doutorado na educao. A
minha pesquisa do doutorado foi na rea da sade mental. Antes do doutorado,
comecei a residncia em sade mental, mas em funo de estar fazendo
doutorado e residncia ao mesmo tempo tive que trancar a residncia.
Ento tu comeou os dois (residncia e doutorado) concomitantes? No. Eu
comecei a residncia eu tava fazendo o mestrado. Depois eu comecei o
doutorado, mas percebi que levar a residncia e o doutorado juntos no ia dar,
pois a residncia muito puxada. Eram 52 duas horas semanais.
Onde que tu fazia a residncia? Eu fiz uma residncia que foi da prefeitura, em
sade mental, mas s teve uma edio em Porto Alegre. A partir disso entrei
num projeto de pesquisa do doutorado, que foi no Hospital So Pedro e durou
6 anos.
E2: E o que tu estudou no doutorado?
V2: No doutorado eram quatro proposies da tese, duas tericas, uma
emprica e uma metodolgica. Talvez as questes mais importantes sejam as
empricas e metodolgicas. A emprica era entender os processos de
resignificao do Hospital So Pedro num processo de reforma psiquitrica, e a
metodolgica era pensar estratgias de pesquisa interveno atravs da
fotografia.
E3:O que tu entende por clnica ampliada?
V3: Eu entendo que a clnica no est restrita a um processo que se d entre
dois indivduos, ou entre consciente de analista e consciente de analisando,
mas que um processo que envolve outros espaos, outros sujeitos e que a
clnica pode se dar tanto em outros lugares, como por exemplo, o processo do
acompanhamento teraputico, como o processo de oficinas teraputicas de
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grupos, quanto ela pode se dar em outros mbitos da sade, como por
exemplo, na preveno; pois a clnica no tem que ser somente de
recuperao, ela tem que ser uma clnica tambm de preveno, que um
trabalho que vem sendo realizado no campo da sade mental. Ento a clnica
ampliada uma forma de ver a clnica a partir de uma perspectiva ampliada e
no s de uma perspectiva talvez mais tradicional, que a perspectiva da
clnica entre psiclogo e paciente.
E4:O manual do Ministrio da Sade de 2009, que prope as diretrizes da
clnica ampliada, fala da clnica do modo mais interdisciplinar, ele no fala
somente da psicologia. Como que tu enxerga isso em relao as outras reas
que no sejam da psicologia dentro do SUS?
V4: Eu enxergo que a entrada da clnica ampliada na noo de sade tem
bastante relao com a questo da atuao clnica em ateno primria, que
atravs da qual se trabalha a questo da preveno. Ento essa experincia
clnica de preveno e promoo e no s de recuperao, ela implica numa
clnica ampliada tambm para outras reas e no s para a psicologia. Ns em
geral estudamos a questo da rea da psicologia atravs da sade mental,
mas outras reas da sade tambm abordam processos de clnica ampliada,
atravs da preveno e promoo.
E5: Como que tu enxerga essa relao entre a clnica ampliada e a sade
mental, falando mais especificamente?
V5: que a clnica ampliada surge a partir dos pressupostos da reforma
psiquitrica, de trabalhar com preveno de sade mental e de se pensar que
pode existir uma clnica que est relacionada a uma insero social. Ento a
sade mental vai produzir uma possibilidade do sujeito se experimentar. Por
exemplo, um sujeito que passou p momentos de longas internaes, que foi
subjetivado a partir de uma lgica psiquitrica, pensar que esse sujeito pode
ser pensado de outra forma, pode ser pensado autonomamente, se pensar
como que ele vai ocupar os espaos da cidade, como que ele vai cuidar da sua
prpria vida, como que ele vai se reinserir no trabalho , como que ele ir se
relacionar com as outras pessoas, ento esse um processo de preveno
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para que esse sujeito no entre em crise e no necessite de novas internaes.
Nesse sentido a clnica ampliada produz sade mental.
E6: Como tu enxerga a insero da clnica ampliada, em termos gerais, no
SUS. bem vista? bem aceita? Quais classes aderem mais e melhor e em
quais regies?
V6: No SUS, nos CAPS, pois o SUS muito amplo, tem o SUS do hospital, do
hospital psiquitrico, do CAPS, da unidade bsica, do matriciamento, mas
dentro do SUS, onde a clnica ampliada mais funciona na ateno bsica e
nos CAPS. Em geral bem aceita pelos profissionais da estratgia da sade
da famlia, por exemplo, pelos profissionais do matriciamento, pelas equipes
especializadas e tambm pelos profissionais dos CAPS. No contexto
hospitalar, ela no faz tanto sentido, pois um contexto bem mais rgido,
atravessado por uma lgica mais mdica, organicista, ento difcil de pensar
preveno, at porque a funo do hospital de recuperao geral e
emergncia, ento o hospital j trabalha com uma complexidade muito maior,
apesar da ateno bsica tambm ser complexa, mas em termos de hierarquia
do SUS o hospital trabalha mais com recuperao. A questo da clnica
ampliada passa a ser mais aceita na ateno primria e secundria, e tambm
por profissionais da sade, em geral no mdicos, mas isso difcil dizer, pois
h muitos mdicos que trabalham por essa via.
E7: Como tu enxerga a relao da clnica ampliada com a psicopatologia, mais
especificamente dentro da sade mental?
V7: Tem vrias formas de compreender a psicopatologia. Existe uma forma que
hegemnica, que muito presente nos discursos da sade. Essa lgica que
da patologizao do sujeito, patologizao da pobreza, se d atravs dos
diagnsticos, por exemplo, transtornos de adio para usurios de drogas, os
moradores de rua. Isso um processo que sempre teve e tem bastante fora
desde a modernidade e continua tendo. A clnica ampliada busca tencionar
isso, busca ver um pouco mais o sujeito e menos a patologia, busca resgatar o
sujeito que est por trs daquele sintoma que considerado, por um discurso
tradicional, como uma patologia.
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Como tu enxerga clnica ampliada na formao em psicologia atualmente.
abordado? Como abordado? bem ou mal abordado? Eu acho que vem
mudando, hoje em dia tem muito mais possibilidade de abordar isso atravs
das disciplinas voltadas para as polticas pblicas, mas ainda sim acho que
pouco abordado. Pois que a formao em psicologia continua sendo
dominantemente de uma abordagem clnica mais tradicional.
E8: Tu acha que podemos pensar em clnica ampliada fora do contexto de
polticas pblicas?
V8: Claro. Deveria se pensar tambm fora do contexto das polticas pblicas,
inclusive agora ela ta sendo pensada na disciplina de sade coletiva, mas
poderia ser pensada dentro de qualquer outra disciplina de clnica. Ela no
precisaria ser pensada dentro de polticas pblicas.
E9: H autores que problematizam o discurso do conceito de clnica ampliada,
pois toda clnica deveria ser ampliada. Ento quando tu fala de uma clnica
ampliada tu est automaticamente dizendo que a outra no ampliada. Como
que tu te enxerga nisso?
V9: O que se pensa no que a outra no ampliada no sentido de no
utilizar recursos extraindividuais para trabalhar com a questo do sujeito, no
se pensa na relao desse sujeito com mbitos diversos, se pensa na
experincia individual desse sujeito e assim se individualiza um sujeito. Ento
nesse sentido que talvez uma clnica tradicional no seja to ampliada dentro
do ponto de vista do conceito de clnica ampliada, pois se pensa a partir do que
aquele sujeito tem para dizer, se pensa a partir da lgica da individualizao
daquele sujeito, que individuado, essencializado, que vai trazer a experincia
dele a partir do vis dele, do inconsciente dele, das crenas, ento no se
pensa na relao desse sujeito com outros mbitos, outros espaos, portanto
seria menos ampliado talvez.
E10: Como tu observa a produo cientfica em relao a clnica ampliada?
V10: Tambm tem aumentado e vrios grupos (UFRJ, Federal Fluminense,
UFRGS) tem abordado esse tema e ns temos nos apropriado bem desses
contedos em sala de aula, mas acho que ainda tem muito caminho a ser
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traado, muitas coisas a serem pensadas, muitas experincias a serem
compartilhadas, pois a noo de clnica ampliada se d principalmente atravs
do compartilhamento de experincias. Ento, apesar da clnica se dar muito
atravs do compartilhamento de experincias que j foram realizadas, e
preciso que isso seja publicado, divulgado, para que possa se desenvolver. A
questo do acompanhamento teraputico tambm um campo que vem
crescendo, que faz parte da clnica ampliada.
E11: Como tu enxerga a relao da clnica ampliada com a lgica mais
transdisciplinar de trabalho?
V11: Eu acho que a lgica transdisciplinar no acontece, pois ns vivemos num
modelo paradigmtico, que trouxe a questo da especialidade como algo muito
valorizado. Vivemos uma experincia de valorizao da especialidade e a
possibilidade de relacionar o sujeito com mbitos sociais, a possibilidade de
pensar a relao entre experincia psquica, social e orgnica como coisas
separadas tambm das questes polticas, econmicas do modelo de trabalho,
das formas como ns vivemos. Acho que isso muito difcil, pois cada
profissional costuma separar uma parte do indivduo para estudar aquela parte
e pronto. Ento o trabalho transdisciplinar implica uma quebra do objeto,
portanto no se trabalha com um objeto, por exemplo, no vou trabalhar com o
psiquismo, eu vou trabalhar com um sujeito que no est desintegrado, mas
sim trabalhar com um sujeito na sua complexidade e isso eu digo que no
existe, pois a formao dos profissionais atravs da especialidade e o mximo
que se consegue um trabalho interdisciplinar, que compartilhar os
conhecimentos em busca de uma forma de entendimento complexa, mas
quebrar a noo de objeto algo que talvez no pertena ao nosso tempo. a
minha opinio.