TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E RESISTÊNCIAS: novos e velhos ... · Trabalho no Brasil: uma proposta de...

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CADERNO CRH, Salvador, v. 24, n. spe 01, p. 37-57, 2011 37 Graça Druck TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E RESISTÊNCIAS: novos e velhos desafios? 1 Graça Druck * O artigo discute por que a precarização social do trabalho é um novo e velho fenômeno, é diferente e igual, é passado e presente, um fenômeno de caráter macro e microssocial. Apresen- ta alguns fetiches presentes nas análises sobre o trabalho no contexto de mundialização do capital, marcado pela hegemonia do capital financeiro, pela reestruturação da produção e do trabalho e por um “novo espírito do capitalismo”. São cinco seções: introdução; discussão sobre aspectos metodológicos a partir de reflexões de projetos de pesquisa em andamento; considerações teóricas sobre a caracterização do capitalismo flexível e a centralidade da precarização social do trabalho; contextualização do trabalho na América Latina e no Brasil à luz dos estudos da OIT, indicadores de precarização e de resistências; e debate os velhos e novos desafios trazidos pelas transformações sob a égide da precarização social do trabalho e de um “espírito do capitalismo” reformulado, que, ao mesmo tempo em que reafirma o velho espírito, constitui um novo espírito. PALAVRAS-CHAVE: trabalho, precarização, resistências, indicadores sociais. O artigo tem por objetivo apresentar três conjuntos de questões de naturezas diversas, que estão presentes em pesquisas cujas temáticas es- tão inseridas no debate sobre as transformações do trabalho nas últimas quatro décadas. Mais especificamente, busca-se tratar da precarização social do trabalho e das formas atuais de resis- tência numa perspectiva que contemple desafi- os de caráter metodológico, de conteúdo teórico e de análise de realidades empíricas. Grande parte das pesquisas produzidas de- para-se com essas questões. Portanto, não há no- vidade alguma ao se destacar esses desafios. En- tretanto, pretende-se abordá-los de forma articu- lada, de tal modo que as escolhas metodológicas não apenas sejam coerentes com os elementos conceituais e de investigação de realidades con- cretas, mas expliquem a formulação de categori- as mediadoras para a compreensão das transfor- mações, tendências e continuidades ou reconfigurações trazidas sob a égide da precari- zação social do trabalho. É com essa perspectiva que se pretende defender que o mundo do trabalho contemporâ- neo, na transição do século XX para o século XXI, vivencia uma rede de transformações cuja com- plexidade só pode ser desvendada a partir de uma perspectiva histórico-dialética. As contradições histórico-sociais do trabalho não permitem con- clusões apressadas ou definitivas sobre rupturas e novas formas de trabalho ou de relações sociais, pois, ao lado de novas condições e situações soci- ais de trabalho, velhas formas e modalidades se reproduzem e se reconfiguram, num claro pro- cesso de metamorfose social. Portanto, pretende-se explicitar por que a precarização social do trabalho é um novo e um velho fenômeno, por que é diferente e igual, por que é passado e presente e por que é um fenô- meno de caráter macro e microssocial. Para tal * Doutora em Ciências Sociais, com pós-doutorado na Universidade de Paris XIII. Professora associada I do De- partamento de Sociologia e da Pós-Graduação em Ciênci- as Sociais da Universidade Federal da Bahia PPGCS/ FFCH/UFBA. Pesquisadora do Centro de Recursos Hu- manos/FFCH/UFBA e do CNPq. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Estrada de São Lázaro, 197. Federação, Cep: 40.210-730. Salvador, Bahia – Brasil. [email protected] 1 Este artigo contou com a colaboração de Selma Silva, Bolsista de Pós-doutorado do PNPD/Capes, a quem agra- deço a elaboração e atualização dos dados da PNAD. Agra- deço também a sua leitura, os comentários e sugestões que foram, em sua maioria, incorporados ao texto.

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TRABALHO, PRECARIZAÇÃO E RESISTÊNCIAS:novos e velhos desafios? 1

Graça Druck*

O artigo discute por que a precarização social do trabalho é um novo e velho fenômeno, édiferente e igual, é passado e presente, um fenômeno de caráter macro e microssocial. Apresen-ta alguns fetiches presentes nas análises sobre o trabalho no contexto de mundialização docapital, marcado pela hegemonia do capital financeiro, pela reestruturação da produção e dotrabalho e por um “novo espírito do capitalismo”. São cinco seções: introdução; discussãosobre aspectos metodológicos a partir de reflexões de projetos de pesquisa em andamento;considerações teóricas sobre a caracterização do capitalismo flexível e a centralidade daprecarização social do trabalho; contextualização do trabalho na América Latina e no Brasil àluz dos estudos da OIT, indicadores de precarização e de resistências; e debate os velhos e novosdesafios trazidos pelas transformações sob a égide da precarização social do trabalho e de um“espírito do capitalismo” reformulado, que, ao mesmo tempo em que reafirma o velho espírito,constitui um novo espírito.PALAVRAS-CHAVE: trabalho, precarização, resistências, indicadores sociais.

O artigo tem por objetivo apresentar trêsconjuntos de questões de naturezas diversas, queestão presentes em pesquisas cujas temáticas es-tão inseridas no debate sobre as transformaçõesdo trabalho nas últimas quatro décadas. Maisespecificamente, busca-se tratar da precarizaçãosocial do trabalho e das formas atuais de resis-tência numa perspectiva que contemple desafi-os de caráter metodológico, de conteúdo teóricoe de análise de realidades empíricas.

Grande parte das pesquisas produzidas de-para-se com essas questões. Portanto, não há no-vidade alguma ao se destacar esses desafios. En-tretanto, pretende-se abordá-los de forma articu-lada, de tal modo que as escolhas metodológicasnão apenas sejam coerentes com os elementos

conceituais e de investigação de realidades con-cretas, mas expliquem a formulação de categori-as mediadoras para a compreensão das transfor-mações, tendências e continuidades oureconfigurações trazidas sob a égide da precari-zação social do trabalho.

É com essa perspectiva que se pretendedefender que o mundo do trabalho contemporâ-neo, na transição do século XX para o século XXI,vivencia uma rede de transformações cuja com-plexidade só pode ser desvendada a partir de umaperspectiva histórico-dialética. As contradiçõeshistórico-sociais do trabalho não permitem con-clusões apressadas ou definitivas sobre rupturase novas formas de trabalho ou de relações sociais,pois, ao lado de novas condições e situações soci-ais de trabalho, velhas formas e modalidades sereproduzem e se reconfiguram, num claro pro-cesso de metamorfose social.

Portanto, pretende-se explicitar por que aprecarização social do trabalho é um novo e umvelho fenômeno, por que é diferente e igual, porque é passado e presente e por que é um fenô-meno de caráter macro e microssocial. Para tal

* Doutora em Ciências Sociais, com pós-doutorado naUniversidade de Paris XIII. Professora associada I do De-partamento de Sociologia e da Pós-Graduação em Ciênci-as Sociais da Universidade Federal da Bahia – PPGCS/FFCH/UFBA. Pesquisadora do Centro de Recursos Hu-manos/FFCH/UFBA e do CNPq.Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Estrada deSão Lázaro, 197. Federação, Cep: 40.210-730. Salvador,Bahia – Brasil. [email protected]

1 Este artigo contou com a colaboração de Selma Silva,Bolsista de Pós-doutorado do PNPD/Capes, a quem agra-deço a elaboração e atualização dos dados da PNAD. Agra-deço também a sua leitura, os comentários e sugestõesque foram, em sua maioria, incorporados ao texto.

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empreitada, discutem-se alguns dos mitos e feti-

ches2 estatísticos que têm influenciado as análi-ses sobre o trabalho e os trabalhadores no atualcontexto de mundialização do capital, marcadopela hegemonia do capital financeiro, de umanova reestruturação da produção e do trabalhoe de um “novo espírito do capitalismo”,3 comoformulado por Luc Boltanski e Ève Chiapello(2009).

Para atingir esses objetivos, dividiu-se otexto em quatro seções, além desta introdução.A primeira enuncia alguns aspectos e preocupa-ções metodológicas, a partir de reflexões sobreprojetos de pesquisa em andamento. A segundaapresenta algumas considerações de caráter teó-rico, a fim de avançar na precisão do momentohistórico, da caracterização do capitalismo flexí-vel e da centralidade da precarização social dotrabalho. A terceira contextualiza, à luz dos es-tudos da OIT, o quadro do trabalho e do empre-go na América Latina e no Brasil, apresentandoalguns indicadores de precarização social e deresistência dos trabalhadores. E a quarta seçãopretende enunciar algumas reflexões na tentati-va de explicitar quais são os velhos e os novosdesafios trazidos pelas transformações sob a égideda precarização social do trabalho e de um “es-pírito do capitalismo” reformulado, redefinido,que reafirma o velho espírito ao tempo que re-nova e constitui um novo espírito.

ALGUMAS REFLEXÕES METODOLÓGICAS

Este artigo recupera alguns referenciaismetodológicos que foram se explicitando no de-senrolar de uma pesquisa que venho desenvol-vendo sobre a construção de indicadores sociaisda precarização social4 no Brasil. Nela, toma-sepor referência a definição de “indicador social”de Januzzi (2003):

Um indicador social é uma medida em geralquantitativa dotada de significado social subs-tantivo, usado para substituir, quantificar ouoperacionalizar um conceito social abstrato, deinteresse teórico (para pesquisa acadêmica) ouprogramático (para formulação de políticas). Éum recurso metodológico, empiricamente refe-rido, que informa algo sobre um aspecto da rea-lidade social ou sobre mudanças que estão seprocessando na mesma.Para a pesquisa acadêmica, o Indicador Social é,pois, o elo de ligação entre os modelos explicativosda Teoria Social e a evidência empírica dos fenô-menos sociais observados (p.15).

Observa-se que os indicadores sociais sãoclassificados como: quantitativos (ou objetivos),construídos a partir de estatísticas e fontes se-cundárias ou de informações quantitativas deestudos de casos e (ou) surveys; e qualitativos(ou subjetivos), constituídos por pesquisas decunho qualitativo, que utilizam estudos de casosde vários tipos (locais, setoriais, regionais, longi-tudinais etc.) através de pesquisa direta e fontesprimárias e que também formam uma base dedados significativa nos estudos das ciências so-ciais no Brasil.

Após dois anos de pesquisa, algumas ob-servações merecem ser acrescentadas a essas con-siderações. Em primeiro lugar, um esclarecimen-to no que se refere aos indicadores quantitativos,ou com base em estatísticas. É fundamental nãose deixar levar pelo fetiche dos números. Isso por-que, quando se compreende o quantitativo comosó objetividade, a tendência é autonomizar o nú-

2 A noção de fetiche aplicada neste artigo, conforme expli-cado na seção “algumas reflexões metodológicas“, refere-se aos processos de análise que absolutizam e autonomizamas informações quantitativas ou qualitativas, naturalizan-do o dado e os considerando como a própria realidade (cf.Bresson, 1995).

3 Trata-se do título do livro desses autores, que analisa astransformações do capitalismo nos tempos atuais e asmudanças ideológicas, à luz dos fundadores da Sociolo-gia, especialmente Max Weber, tendo por objetivo princi-pal revelar as relações que se estabelecem entre o capita-lismo e seus críticos. Consideram como “espírito”, “... aideologia que justifica o engajamento no capitalismo” (p.39), buscam compreender como esse novo espírito conse-guiu neutralizar a crítica social e apresentam uma propos-ta que desnaturalize o social, historicizando-o numa pers-pectiva de contraposição à perplexidade ideológica e dereforço à resistência ao fatalismo intelectual que tomouconta da esquerda e de grande parte da intelectualidadefrancesa. Título original do livro: Le Nouvel Esprit duCapitalisme. Paris: Gallimard, 1999. Traduzido e publica-do no Brasil como O Novo Espírito do Capitalismo, SãoPaulo:Martins Fontes, 2009. p.700

4 Trata-se do projeto de pesquisa A Precarização Social doTrabalho no Brasil: uma proposta de construção de indi-cadores, apresentado em 2007 e iniciado em 2008. Projetoapresentado ao CNPq para obtenção de Bolsa produtivi-dade, aprovado, realizado com apoio também da Capes/PNPD, desde 2008, e do PIBIC/UFBa/CNPq.

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mero da sua própria origem, da sua construção erepresentatividade. É essa autonomização que levaà absolutização do quantitativismo, reconhecen-do-se as estatísticas como única fonte legítimade conhecimento da realidade e de sua veracida-de, impondo-as a outras formas de conhecimen-to, de dados e informações de pesquisas que nãosão “objetivas” e, portanto, “científicas”.

De acordo com Besson (1995), as estatísti-cas são resultados de observação de fatos e nãouma simples operação de medida. Os “fatos” sãoconstruídos, e a observação é um processo de de-finição do objeto. Assim, “As estatísticas não re-fletem a realidade, refletem o olhar da sociedadesobre si mesma” (p.19). Toda informação estatís-tica é resultado de um trabalho de conceituação,organização e observação e de exploração (p.19).Trata-se, portanto, de relativizar essa objetivida-de das informações quantitativas, pois:

Por detrás das informações estatísticas se encon-tra um modelo conceitual, por meio do qual arealidade é filtrada. As categorias são definidas eos casos, resolvidos. Todo quadro de cifras temassim uma dupla natureza: qualitativa e quanti-tativa. Sua estrutura, os títulos das linhas e dascolunas traduzem a modelização preliminar dofenômeno (p.47).

No que se refere às informações de cará-ter qualitativo, também a fetichização se mani-festa quando, ao desqualificar as estatísticas peloseu caráter globalizante e massificante, que re-duz os homens a números, a uma contagem, re-afirma-se a qualidade do subjetivo, do individu-al, do singular, como único caminho para o co-nhecimento “real” da realidade social. Trata-sedo mesmo tipo de equívoco, já que, mais umavez, absolutiza-se o método de produção da in-formação como se ele fosse o preciso e exatoconhecimento do real. Não se leva em conta queas informações obtidas, interpretadas e analisa-das, são todas dotadas de representaçõesconceituais e ideológicas e, portanto, estão sen-do construídas pelos homens que pesquisam epelos pesquisados, como sujeitos e atores do pro-cesso de sua produção e dos resultados que sin-

tetizam. Mais uma vez, vale retomar Besson (1995):

O fetichismo estatístico nasce da confusão doíndice com a realidade. Ele infecta constantemen-te não só os ‘quantitativistas’, mas também nu-merosos ‘qualitativistas’. Os primeiros acreditam;os segundos, não; os dois desconhecem as con-dições da produção da estatística, o caráter nor-mal e inevitável das convenções, das contingên-cias, dos fluxos que a acompanham. Os primei-ros não querem vê-las; os segundos, quando aspercebem, fazem de tudo para rejeitar as estatís-ticas; os dois dividem a mesma concepção abso-lutista do conhecimento (p.49).

É nessa perspectiva que se propôs a cons-trução de um conjunto de Indicadores de

Precarização do Trabalho e de Resistências queprocurasse combinar informações de naturezasdiversas e complementares: (a) as estatísticas –cujas bases de dados são elaboradas por institui-ções oficiais do estado e, por isso, são credenciadase sancionadas socialmente, como o IBGE, alémde outras bases específicas da área de Trabalho eEmprego, que estão sob a responsabilidade doMinistério do trabalho e do Emprego (MTe), doMinistério Público do Trabalho (MPT), da Justi-ça do Trabalho (JT) e do Instituto Nacional deSeguro Social (INSS), inclusive em parceria cominstituições já amplamente reconhecidas, comoé o caso do DIEESE5 – e (b) as bases de dadosque reúnem resultados de pesquisas qualitati-vas, individuais e coletivas, cujos estudos sãolocais, setoriais, de casos específicos, e conse-guem traduzir situações variadas de trabalho, deemprego e de desemprego, que as estatísticas,por serem classificações padronizadas e codifi-cadas, não podem revelar. É o caso de publica-ções individuais de resultados de projetos, deteses e dissertações, que apresentam a diversi-dade regional, setorial e de diferentes segmentosde trabalhadores, bem como das suas diferentesinserções e condições de trabalho.

Nessa medida, a intenção é de fugir aosfetiches e às armadilhas que as informações quan-titativas e qualitativas podem levar, mesmo que as

5 DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Es-tudos Socioeconômicos.

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dificuldades para tal sejam grandes. Isso porquese observa, tanto no campo da grande imprensacomo nos estudos acadêmicos, uma tendência aouso de “cifras fetiches”, como exemplifica Besson(1995), ou de casos paradigmáticos, que são trata-dos de forma retórica, acentuando-se e dramati-zando-se a sua representatividade, nos quais sesubstitui o todo pela parte e se confunde o realcom a síntese que as informações – qualitativas equantitativas – representam desse real.6

Assim, as estatísticas não são medidas oufotografias quantitativas, mas resultados de ob-servações e, portanto, não são nem verdadeirasnem falsas. Quando se pergunta se os númerossão precisos, é necessário reconhecer que “... todaobservação estatística tem um grau de inexati-dão. Isso porque “... as estatísticas são imagensde síntese, que representam não as situações in-dividuais, mas a média dessas situações.”(Besson, 1995, p.32, grifo meu).

Por sua vez, os estudos qualitativos nãopodem substituir as observações estatísticas. Elestambém são resultados de observações, cujacodificação e classificação são de outra nature-za, pois não precisam ser validados oficialmen-te, mas, necessariamente, tem de ter aceitação e,portanto, um tipo de validação e reconhecimen-to entre seus pares, isto é, entre os pesquisado-res da área temática da qual fazem parte. Dessaforma, também são portadores de uma síntesee, por isso, se constituem numa linguagem co-mum que dá inteligibilidade às situações de tra-balho, emprego e desemprego, por exemplo.

Ainda cabem duas considerações essenci-ais no que se refere ao uso das estatísticas. Seconsideradas em sua produção como “monopó-lio” das instituições do Estado, elas têm servidopara diagnosticar e sustentar propostas de políti-cas públicas, especialmente quando se trata de

indicadores sociais. No caso das estatísticas de tra-balho, emprego e renda, há que se pensar na estabi-lidade ou instabilidade das categorias conceituais,ainda mais quando se consideram as rápidas trans-formações no mundo do trabalho. Essa é uma pre-ocupação permanente dos profissionais que cons-troem as estatísticas. No caso do seu uso, a combi-nação de dados e a construção de indicadores éuma alternativa para acompanhar as transformações.Isso porque há uma relativa liberdade na formula-ção de indicadores, pois se podem combinar, deforma diferente, diversos indicadores, assim comoconstruir novos, mesmo tendo por base as “velhas”estatísticas. De toda forma, a produção de estatísti-cas assim como de indicadores é acionada pelastransformações da realidade socioeconômica. No-vas categorias conceituais e novas séries históricassão implementadas porque os fatos novos exigemobservação, codificação, classificação e explicação.

Por fim, considera-se que toda produção deestatísticas, de informações e dados, assim como oseu uso por estudiosos, é fruto de escolhas. E essasescolhas revelam uma postura científica e ideológi-ca que influencia decisivamente as modalidadesqualitativas e quantitativas de pesquisas. Por isso, asubjetividade e a objetividade são indissociáveistanto numa modalidade como na outra. Nem osnúmeros, nem os fatos, nem o “campo empírico”da pesquisa falam por si mesmos. Por isso, a pro-posta de um projeto de pesquisa para a constru-ção de Indicadores de Precarização Social do Tra-balho já revela, em sua denominação, uma esco-lha a partir de um posicionamento crítico frente àatual realidade do trabalho e que, por sua vez, di-fere da denominação dos Indicadores de TrabalhoDecente, formulada pela OIT. Entretanto, o objeti-vo não é contrapor uma denominação a outra. Aocontrário, busca-se demonstrar que a apropriaçãodas estatísticas e pesquisas sobre o trabalho, nasúltimas décadas no mundo, na América Latina eno Brasil, indica o mesmo processo: um “déficitde trabalho decente” ou um quadro de precarizaçãosocial do trabalho.

E, para deixar explícita essa escolha, resga-ta-se aqui o que está afirmado no projeto de pes-

6 O autor se refere ao uso de números fetiches, a exemplode número de mortos nas estradas, número de desempre-gados, etc., que vêm acompanhados da afirmação “...há xanos não acontecia, esta é a 1ª vez depois de x anos”, cujoobjetivo é dramatizar, diferenciar, escandalizar, a fim dedeixar a marca da informação nos que a ouvem e, em ge-ral, desconhecem a sua origem ou como são construídas,escolhidas e o que representam.

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quisa (Druck, 2007, p.19-20), quando introduz oconceito temático a partir do qual se pretende cons-truir os indicadores:

No caso do estudo proposto, o conceito temáticodo qual se parte para a construção de indicado-res é a Precarização Social do Trabalho, com-preendida como um processo em que se instala– econômica, social e politicamente – umainstitucionalização da flexibilização e daprecarização moderna do trabalho, que renova ereconfigura a precarização histórica e estruturaldo trabalho no Brasil, agora justificada pela ne-cessidade de adaptação aos novos tempos glo-bais [...]O conteúdo dessa (nova) precarização está dadopela condição de instabilidade, de insegurança,de adaptabilidade e de fragmentação dos coleti-vos de trabalhadores e da destituição do conteú-do social do trabalho. Essa condição se torna cen-tral e hegemônica, contrapondo-se a outras for-mas de trabalho e de direitos sociais duramenteconquistados em nosso país, que ainda perma-necem e resistem.O trabalho precário em suas diversas dimensões(nas formas de inserção e de contrato, nainformalidade, na terceirização, na desregulaçãoe flexibilização da legislação trabalhista, no de-semprego, no adoecimento, nos acidentes de tra-balho, na perda salarial, na fragilidade dos sin-dicatos) é um processo que dá unidade à classe-que-vive-do-trabalho e que dá unidade tambémaos distintos lugares em que essa precarizaçãose manifesta. Há um fio condutor, há uma arti-culação e uma indissociabilidade entre: as for-mas precárias de trabalho e de emprego, expres-sas na (des)estruturação do mercado de trabalhoe no papel do Estado e sua (des) proteção social,nas práticas de gestão e organização do trabalhoe nos sindicatos, todos contaminados por umaaltíssima vulnerabilidade social e política.

O ATUAL MOMENTO DA ACUMULAÇÃOFLEXÍVEL: a precarização como estratégiade dominação

Primeiramente, pretende-se apresentaruma reflexão acerca do atual momento históri-co, em que o trabalho assume uma determinadaconfiguração que se tornou hegemônica em ter-mos mundiais há, pelo menos, quatro décadas. Éa era identificada como de uma mundialização iné-dita do capital, apoiada num projeto político e eco-nômico de cunho neoliberal e que se concretizouessencialmente através de uma reestruturação in-

tensa e longa da produção e do trabalho.Parte-se, portanto, da caracterização de uma

nova fase do capitalismo contemporâneo, tambémdenominado de flexível (Sennett, 1999) ou de acu-mulação flexível (Harvey, 1995). E, nessa denomi-nação, já está subjacente a compreensão de que osistema capitalista, em seu desenvolvimento his-tórico, sofreu transformações significativas – espe-cialmente no campo do trabalho e das lutas dostrabalhadores – que redefiniram a sua configura-ção, mesmo que mantivessem sua essência comoum sistema cujas relações sociais se assentam so-bre o trabalho assalariado, ou seja, pela apropria-ção do trabalho pelo capital, através da compra evenda da força de trabalho no mercado, indepen-dentemente das formas de contrato existentes oupredominantes.

Assim, é o processo de acumulação ilimita-da de capital que comanda a sociedade, numa buscainsaciável pelo lucro, pela produção do exceden-te, cada vez mais estimulada pela concorrênciaintercapitalista no plano mundial. Um processoque dissocia o capital e as formas materiais de ri-queza (valores de uso), conferindo-lhes um caráterabstrato, cuja valorização através do trabalho exce-dente garante perpetuar-se a acumulação.

Entretanto, na história do capitalismo, esta-beleceram-se diferentes padrões de acumulação,frutos de um conjunto de fatores econômicos, so-ciais e políticos, destacadamente as lutas de resis-tência dos trabalhadores, que colocaram limites àacumulação, redefinindo e implementando direi-tos sociais e trabalhistas, assim como a aceitação elegitimação, pela sociedade e pelo Estado, da pro-teção social como um direito a ser garantido.

São conjunturas históricas que atuam so-bre as condições estruturais do sistema e o modi-ficam, interferindo sobre as suas formas e configu-rações. São, portanto, momentos que sintetizamdeterminadas relações de forças das ações das clas-ses sociais, cujas experiências também variam his-toricamente. O que se quer dizer, em síntese, é queo capitalismo do século XIX não é o mesmo doséculo XX, e muito menos o do século XXI.

Entretanto, as diferentes conjunturas histó-

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ricas e as transições de uma era a outra evidenci-am processos de transformação em que velhas enovas formas de trabalho e emprego coexistem, sãocombinadas e, ao mesmo tempo, se redefinem,indicando um típico movimento de metamorfose,que, no atual momento, se dá sob a égide de umadinâmica que passa a predominar sobre outras: éa dinâmica da precarização social do trabalho.

A acumulação flexível, que tão bem caracteri-za o capitalismo contemporâneo, tem sua origem nabusca por superar uma conjuntura de crise de outropadrão de desenvolvimento capitalista, marcado pelofordismo e por um regime de regulação cuja experi-ência mais completa se deu nos países que consegui-ram implementar um estado de bem-estar, experiên-cia que nem mesmo na Europa se generalizou.

Não se trata de retomar aqui o debate sobrea crise do fordismo. Entretanto, vale comparar al-gumas características daquela crise e o atual con-texto após 40 anos de alternativas ao velho padrãofordista de desenvolvimento. Como foi muito bemobservado por Boltanski e Chiapello (2009), con-trariamente à crise dos anos 1970, o quadro hoje éde “... coexistência entre a degradação da situaçãoeconômica e social de um número crescente depessoas e um capitalismo em plena expansão eprofundamente transformado” (p.19).

Nas análises da crise do fordismo, havia umconsenso que apontava uma situação de saturaçãoda produção em massa, com queda no ritmo daprodutividade nos principais países do mundo equeda da lucratividade. No capitalismo flexível,embora o crescimento econômico tenha sedesacelerado, a lucratividade aumentou, e os gan-hos do capital nunca foram tão altos e tão rápidos.No ambiente socioeconômico dos países que fize-ram a experiência dos Estados de Bem-estar ou depolíticas públicas de pleno emprego, em respostaà crise de 1929, o fordismo representou uma soci-edade em que o progresso econômico e social atin-giu amplos segmentos e onde era possível plane-jar o futuro das novas gerações, pois as condiçõesde trabalho e emprego permitiam algum tipo devínculo de longo prazo.

Conforme Boltanski e Chiapello (2009), no

contexto dos anos 1960, além de um padrão de vidaque permitia planejar o progresso social, havia umambiente político de grande mobilização e críticaaos padrões capitalistas, o que desembocou no maio

de 68. As lutas sociais contra as diferentes formasde desigualdade no trabalho, na escola, na família,de gênero, raça e geração tiveram uma forte expres-são e levaram a protestos no mundo inteiro.

Na era da acumulação flexível, as transfor-mações trazidas pela ruptura com o padrão fordistageraram outro modo de trabalho e de vida pautadona flexibilização e na precarização do trabalho,como exigências do processo de financeirização daeconomia, que viabilizaram a mundialização docapital num grau nunca antes alcançado. Houveuma evolução da esfera financeira, que passou adeterminar todos os demais empreendimentos docapital, subordinando a esfera produtiva e conta-minando todas as práticas produtivas e os modosde gestão do trabalho, apoiada centralmente numanova configuração do Estado, que passa a desem-penhar um papel cada vez mais de “gestor dosnegócios da burguesia”, já que ele age agora emdefesa da desregulamentação dos mercados, espe-cialmente o financeiro e o de trabalho.

Conforme já foi afirmado em outros escritos(Druck, 2007, 2010), essa hegemonia do setor finan-ceiro ultrapassa o terreno estritamente econômico domercado e impregna todos os âmbitos da vida social,dando conteúdo a um novo modo de trabalho e devida. Trata-se de uma rapidez inédita do tempo soci-

al, sustentado na volatilidade, efemeridade edescartabilidade sem limites de tudo o que se pro-duz e, principalmente, dos que produzem – os ho-mens e mulheres que vivem do trabalho. É isso quedá novo conteúdo à flexibilização e à precarização dotrabalho, que se metamorfoseiam, assumindo novasdimensões e configurações. O curto prazo – comoelemento central dos investimentos financeiros –impõe processos ágeis de produção e de trabalho, e,para tal, é indispensável contar com trabalhadoresque se submetam a quaisquer condições para aten-der ao novo ritmo e às rápidas mudanças.

Assim, a mesma lógica que incentiva a per-manente inovação no campo da tecnologia e dos

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novos produtos financeiros, atinge a força de tra-balho de forma impiedosa, transformando rapida-mente os homens que trabalham em obsoletos edescartáveis, que devem ser “superados” e substi-tuídos por outros “novos” e “modernos”, isto é,flexíveis. É o tempo de novos (des)empregados,de homens empregáveis no curto prazo, atravésdas (novas) e precárias formas de contrato.

Nesta era, de um “novo espírito do capitalis-mo” (Boltanski; Chiapello, 2009), o capital leva atéas últimas consequências o fim único de fazer maisdinheiro do dinheiro, não mais tendo como meioprincipal a produção em massa de mercadorias, massim a especulação financeira, pautada navolatilidade, na efemeridade, no curtíssimo prazo,sem estabelecer laços ou vínculos com lugar ne-nhum, sem compromissos de nenhum tipo a nãoser com o jogo do mercado (financeiro em primeirolugar), pautado numa desmedida concorrência in-ternacional que não aceita qualquer tipo de regulação.

Assim, não é mais o padrão da sociedadedo pleno emprego, mas o de uma sociedade dedesempregados e de formas precárias de trabalho,de emprego e de vida que passa a predominar tam-bém onde se tinha atingido um alto grau de desen-volvimento econômico e social, a exemplo dospaíses que tiveram as experiências dos Estados deBem-Estar Social.

Trata-se, segundo Castel (1998), da precari-zação do trabalho como elemento central da novadinâmica do desenvolvimento do capitalismo, cri-ando uma nova condição de vulnerabilidade soci-al: um processo social que modifica as condiçõesdo assalariamento (estável) anteriormentehegemônico no período da chamada sociedadesalarial ou fordista. A perda do emprego ou a per-da da condição de uma inserção estável no empre-go cria uma condição de insegurança e de um modode vida e de trabalho precários, nos planos objeti-vo e subjetivo, fazendo desenvolver a ruptura doslaços e dos vínculos, tornando-os vulneráveis esob uma condição social fragilizada, ou de“desfiliação” social (Druck, 2011a).

Afirmar que a precarização social do traba-lho está no centro da dinâmica do capitalismo flexí-

vel significa também entendê-la como uma estraté-gia de dominação. Isto é, força e consentimento sãoos recursos que o capital se utiliza para viabilizaresse grau de acumulação sem limites materiais emorais. A força se materializa principalmente naimposição de condições de trabalho e de empregoprecárias frente à permanente ameaça de desempre-go estrutural criado pelo capitalismo. Afinal, terqualquer emprego é melhor do que não ter nenhum.Aplica-se aqui, de forma generalizada, o que Marx eEngels elaboraram acerca da função política princi-pal do “exército industrial de reserva”,7 qual seja: ade criar uma profunda concorrência e divisão entreos próprios trabalhadores e, com isso, garantir umaquase absoluta submissão e subordinação do traba-lho ao capital, como única via de sobrevivência paraos trabalhadores. O consenso se produz a partir domomento em que os próprios trabalhadores, influ-enciados por seus dirigentes políticos e sindicais,passam a acreditar que as transformações no traba-lho são inexoráveis e, como tal, passam a serjustificadas como resultados de uma nova época oude um “novo espírito do capitalismo”.

Esse “novo espírito” insiste em desqualificaros valores construídos na era anterior, fazendodesmoronar a crença no progresso, nas possibili-dades de emprego e de direitos sociais de longoprazo e num Estado protetor. Em nome da “viaúnica” e do “pensamento único”, impõe um con-junto de mudanças que passam a ser justificadasno plano material e intelectual como uma força danatureza e, portanto, sem possibilidades de umaintervenção humana. Para Boltanski e Chiapello(2009), nesse processo, identifica-se uma “perple-xidade ideológica” que atinge todos os segmentoscríticos da sociedade (intelectuais, sindicatos, par-tidos) que, em nome de um “fatalismo dominan-te”, não dão vazão à sua indignação e acabam porse resignar diante dessa “força avassaladora” docapitalismo flexível.87 Ver, particularmente, em K. Marx, O Capital, Capítulo

XXIII Livro I.8 Os autores definem que seu principal objetivo é compre-

ender o enfraquecimento da “crítica” numa perspectivahistórica, que resultou num fatalismo dominante, istoé, numa “desnaturalização do social”, a fim de reforçar aresistência ao fatalismo, sem, no entanto, cair num sau-dosismo em relação ao passado.

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Nas palavras de Bourdieu (1998), essa tran-sição apoia-se na flexibilidade como “estratégia deprecarização”, inspirada por razões econômicas epolíticas, produto de uma “vontade política” e nãode uma “fatalidade econômica”, que seria dada,supostamente, pela mundialização. Nela, considera-se a precarização como um

... regime político [...] inscrita num modo de do-minação de tipo novo, fundado na instituição deuma situação generalizada e permanente de in-segurança, visando a obrigar os trabalhadores àsubmissão, à aceitação da exploração (Bourdieu,1998, p.124-125).

Esse regime é constituído por vontades (ati-vas ou passivas) de poderes políticos e, portanto,não pode ser explicada por “leis inflexíveis” de umregime econômico, mas sim por escolhas orienta-das para preservar a dominação cada vez mais com-pleta do trabalho e dos trabalhadores (Druck, 2007).

Mais uma vez, o que as formulações acimaestão a tratar é de um fenômeno novo e velho: ofetiche do mercado que se desdobra em diferentesexpressões, a exemplo do fetiche da flexibilização,isto é, de sua autonomização frente aos homensem suas relações sociais e de trabalho, como umainversão entre sujeito e objeto. E a flexibilizaçãopassa a determinar o comportamento dos sujeitoscomo uma força exterior e natural, sem que eles –os sujeitos – sejam capazes de reagir e reassumir ocontrole sobre os processos sociais.

Nessa conjuntura histórica – da acumula-ção flexível, de um regime político sustentado naestratégia da precarização, de um capitalismo fle-xível ou de um novo espírito do capitalismo – éque se busca compreender, no plano de realida-des concretas, onde e como a precarização socialdo trabalho pode ser demonstrada. Para tal, recor-re-se a um conjunto de indicadores quantitativos,com base em estatísticas, e qualitativos, a partir deestudos locais, setoriais ou de casos, que serãoapresentados na próxima seção.

O QUADRO MAIS GERAL DO TRABALHO EDO EMPREGO NA AMÉRICA LATINA E NOBRASIL NOS ANOS 2000: alguns indicadores

A Organização Internacional do Trabalho(OIT) criou, em 1999, a Agenda do Trabalho De-

cente, cuja definição expressa as lacunas e defici-ências ou o grau de precarização do trabalho, ob-servados a partir de um diagnóstico sobre a déca-da de 1990, especialmente na América Latina, alémde indicar que as transformações do trabalho tam-bém fizeram regredir conquistas significativas,redefinindo o patamar dos direitos sociais e traba-lhistas em todo o mundo, inclusive nos países maisdesenvolvidos.

Segundo a OIT, nos anos 1990, o quadrosocial e do trabalho, na América Latina e Caribe,revelou graves problemas em decorrência das re-formas e políticas aplicadas pelos governos: umabaixa produtividade do trabalho e um aumento dodesemprego e da informalidade, com destaque paraos países que flexibilizaram suas respectivas legis-lações, liberalizando as formas de contratos e de-missões, diminuindo ou sustando mecanismos deproteção social (aposentadorias, pensões, saúde,acidentes e doenças ocupacionais). Tais ações eramjustificadas por uma necessidade de romper coma rigidez desses sistemas de proteção e de rela-ções de emprego, a fim de possibilitar o aumentodo emprego formal, com a redução dos custos dotrabalho para o empresariado. Essa mesma justifi-cativa se encontrou em nosso país, através da dis-cussão sobre o “Custo Brasil”. Entretanto, os re-sultados dessas reformas não confirmaram as jus-tificativas, como diagnostica a OIT (2006):

... depois de uma década, a experiência de váriospaíses mostra que, apesar dessas reformas, emlugar do aumento do emprego formal, o que seproduziu foi um incremento do desemprego e dainformalidade, acentuando-se ainda aprecarização dos empregos, associada à insegu-rança das remunerações, à menor proteção soci-al, à maior rotatividade da força de trabalho etc.Argumentou-se que os maus resultados se devi-am ao fato de as reformas não terem sido com-pletadas, ficando na metade do caminho. No en-tanto, não dispomos de qualquer evidência de

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que uma dose maior de reformas desse tipo tra-ria melhorias a essa situação. Pelo contrário, aexperiência recente faz pensar que mais refor-mas talvez a piorasse ainda mais (p.3).

No documento Emprego, Desenvolvimento

Humano e Trabalho Decente: a experiência brasi-

leira recente (OIT, CEPAL, PNUD, 2008), destaca-se que as características mais gerais do mercado detrabalho, na América Latina e no Brasil, nos anos2000, mantêm a tendência e os principais proble-mas que caracterizam a precarização social do tra-balho na região, mas apresentam queda na taxa dedesemprego, que cai de 11,4% em 1999 para 8%em 2007. Entretanto, o documento reconhece que:houve criação insuficiente de postos de trabalho,com um crescimento da produtividade limitado aalguns setores produtivos; parte do crescimentodas ocupações foi no trabalho informal; o trabalhonas atividades terciárias (comércio e serviços) ga-nhou peso; os empregos criados são ainda de bai-xa qualidade (informais, temporários e sem con-tratos); aumentou a população ocupada sem direi-to à seguridade social; os rendimentos do trabalhose deterioraram num significativo número de paí-ses (OIT, CEPAL, PNUD, 2008, p.11).

Os recentes documentos da OIT apresen-tam uma sistematização das informações sobre oquadro mundial e latino-americano do trabalho nasúltimas duas décadas, cujas conclusões demons-tram não ter ocorrido uma ruptura das tendênciase dos indicadores de precarização social do traba-lho no período, em que pesem alguns movimen-tos conjunturais, a exemplo da retomada do cres-cimento econômico a partir de 2000, que atingiu amaior parte dos países em todo o mundo, comritmos diferenciados em cada país ou região.

Essas sistematizações e análises da OIT per-mitem afirmar que a década de 1990 – marcadapela mundialização das políticas neoliberais, pelahegemonia do capital financeiro e pela flexibilizaçãoe precarização do trabalho como estratégias cen-trais – teve a sua continuidade nos anos 2000, semsofrer inflexão ou ruptura no quadro mais geral dotrabalho no mundo. Mesmo considerando algunsresultados, como a diminuição das taxas de de-

semprego e a redução de níveis de pobreza paracertos países na América Latina, inclusive o Bra-sil, eles não chegaram a se firmar como tendênciasconsolidadas, pois a crise mundial que se abriuem 2008, em meses, colocou por terra alguns avan-ços localizados, evidenciando a permanência deuma profunda vulnerabilidade social (Druck; Oli-veira; Silva, 2010).

Observa-se, portanto, que as análises da OITexpressam as influências de diferentes conjuntu-ras, e, se não houver clareza sobre a natureza des-ses movimentos e mudanças, podem-se confun-dir transformações de caráter conjuntural com aque-las de caráter estrutural. É o que se pode depreenderdos relatórios que analisaram a repercussão dacrise mundial aberta em 2008, quando a OITalertava sobre a gravidade da situação no campodo trabalho e do emprego, com previsões que fo-ram manchetes em vários meios de comunicação,a exemplo da previsão de se atingir o quantitativode 230 milhões de desempregados no mundo em2009, com um acréscimo de 40 milhões em rela-ção a 2008.

No World of Work Report 2009 - The Global

Jobs crisis and Beyond (2009a), a OIT reconheceque havia sinais de recuperação da economia mun-dial e que a queda do emprego fora inferior às pre-visões, devido à intervenção do Estado e dos go-vernos. Entretanto, entre outubro de 2008, quan-do se iniciou a crise, e o final de 2009, em 51países com dados disponíveis, foram perdidos 20milhões de postos de trabalho e 5 milhões de tra-balhadores se encontravam numa situação extre-mamente vulnerável, ameaçados de perder o em-prego, já que estavam com jornada de trabalho re-duzida, desemprego parcial ou trabalhoinvoluntário em tempo parcial. Além disso, esti-mava que 45 milhões de trabalhadores poderiamficar fora do mercado de trabalho, especialmenteno caso dos pouco qualificados, imigrantes, maisvelhos e os jovens. Também fazia novas previsõespara os países emergentes e em desenvolvimento:haveria uma recuperação dos níveis de emprego jáem 2010, mas eles não atingiriam os mesmos ní-veis no período anterior a crise antes de 2011. No

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caso dos países mais ricos, a previsão era de que oemprego não recuperaria o mesmo patamar anteri-or à crise, antes de 2013.

Para além dos diagnósticos e balanços dosestragos da crise mundial, a 98ª Conferência Inter-nacional do Trabalho da OIT, realizada em junhode 2009, adotou o Um Pacto Mundial para o Em-

prego da OIT, que se constitui num amplo progra-ma de propostas de ações, o qual pede

... a governos e organizações de trabalhadores eempregadores que trabalhem unidos para en-frentar a crise mundial de emprego com políti-cas que estejam alinhadas com o Programa deTrabalho Decente da OIT (OIT, 2009b, p. 2).

Nesse documento (“Para superar a crise: umpacto mundial para o emprego”), são elencados 28pontos que estão divididos em quatro diretrizes prin-cipais: criação de empregos, aumento da proteçãosocial, respeito aos direitos e às normas internacio-nais do trabalho e o diálogo social. Todas elas sinte-tizam a definição de Trabalho Decente da OIT:

O Trabalho Decente é um trabalho produtivo eadequadamente remunerado, exercido em con-dições de liberdade, equidade, e segurança, semquaisquer formas de discriminação, e capaz degarantir uma vida digna a todas as pessoas quevivem de seu trabalho […] Os quatro eixos cen-trais da Agenda do Trabalho Decente são a cria-ção de emprego de qualidade para homens e mu-lheres, a extensão da proteção social, a promoçãoe fortalecimento do diálogo social e o respeito aosprincípios e direitos fundamentais no trabalho,expressos na Declaração dos Direitos, adotada em1998 (MTE, 2006, p.5 grifo do texto original).

Embora a iniciativa da OIT seja muito positi-va e represente uma tentativa de reafirmar a Agendado Trabalho Decente em plena crise mundial, trans-formando-a numa plataforma de lutas, as propostascontidas no documento partem de uma concepçãoda conjuntura de crise que omite as condições e asresponsabilidades pelo seu desencadeamento. Écomo se a crise fosse obra das forças incontroláveisda natureza ou do mercado, como um campo quese autonomiza dos sujeitos ou das classes sociais eé exterior a eles. E, dessa forma, a OIT desconsideraas suas próprias análises apresentadas em relató-

rios que afirmam sobre as más consequências dafinanceirização da economia, da desregulamentaçãodos mercados e da flexibilização do trabalho,adotadas pelos governos dos principais países domundo em todos os continentes, mesmo que deforma diferenciada. De acordo com o texto Sumá-

rio Executivo da OIT (2008, p.2):

A globalização financeira intensificou a instabi-lidade econômica. Nos anos 90, as crises do siste-ma bancário foram dez vezes mais frequentesque as do final dos turbulentos anos 70. O custodeste aumento de instabilidade, em geral, foi pagomuito mais pelos grupos de baixa renda. Experi-ências anteriores sugerem que a perda de em-pregos ocasionada pelas crises do sistema finan-ceiro foram muito graves, com efeitos mais per-manentes nos grupos mais vulneráveis. Tambémse pode prever que o desemprego aumente comoresultado da queda dos investimentos e isto podeintensificar ainda mais as desigualdades de ren-dimentos. E mais: existem evidências de que aglobalização financeira reforçou a tendência des-cendente na distribuição dos salários registradana maioria dos países. Por outro lado, a globalizaçãofinanceira teve um efeito disciplinador sobre aspolíticas macroeconômicas, tanto nos países de-senvolvidos como nos países emergentes.

Assim, compreende-se que a crise mundialatual é produto exatamente desse processo, da açãodos grandes investidores, apoiados nas políticasadotadas pela grande maioria dos seus respecti-vos governos, que tiveram como central adesregulamentação dos mercados, isto é, aliberalização sem limites para a mobilidade do ca-pital, cujos custos recaíram sobre os trabalhado-res, conforme alertado pela OIT, em relatórios so-bre o trabalho e o emprego no mundo, nas duasúltimas décadas, cujos indicadores expressam umdéficit de trabalho decente, ou, dito de outra for-ma, sinalizam a precarização social do trabalho aindacomo predominante.

O caso brasileiro, nesse contexto

Franco e Druck (2009) elaboraram umatipologia da precarização, aqui retomada para agru-par alguns indicadores selecionados para a reali-dade brasileira.

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· O primeiro tipo da precarização do trabalho:

vulnerabilidade das formas de inserção e desi-

gualdades sociais

As formas de mercantilização da força detrabalho produziram um mercado de trabalho he-terogêneo, segmentado, marcado por umavulnerabilidade estrutural e com formas de inser-ção (contratos) precários, sem proteção social, cujasformas de ocupação e o desemprego ainda reve-lam, em 2009, um alto grau de precarização social.

De acordo com dados da Pesquisa Nacionalde Amostra por Domicílios – PNAD 2009, havia101,1 milhões de pessoas economicamente ativasno Brasil, com 8,4 milhões de desempregados emais 8,2 milhões de pessoas com ocupações semremuneração.9 Ou seja, são 16,6 milhões de pes-soas (16,4%) economicamente ativas que estavamfora do mercado de trabalho.

Quando se analisa a distribuição das pes-soas ocupadas com remuneração monetária, elaseram em 2009, no Brasil, 84,5 milhões, dos quais43,5 milhões sem carteira assinada10 e, portanto,sem os direitos trabalhistas garantidos pelo em-prego formal, representando 51% dos ocupadoscom remuneração. Desse conjunto de trabalhado-res sem carteira assinada, 80% não contribuem paraa previdência social. Isso significa que estão semnenhuma proteção social e trabalhista.

Ao se agruparem os 16,6 milhões de desem-pregados e sem remuneração com os 43,5 milhõessem carteira assinada, teremos 60,1 milhões de pes-soas em condições precárias no que se refere aosdireitos básicos do trabalho assalariado, segundo aregulamentação das leis brasileiras, o que represen-ta 59% das pessoas economicamente ativas.

Tais números revelam um cenário de altaprecarização, em termos das formas de ocupação ede direitos sociais e trabalhistas, que o mercadode trabalho brasileiro ainda apresenta, indicando,

dessa forma, que o país expressa uma realidadede trabalho ainda distante dos indicadores de tra-balho decente definidos pela OIT.

Esses dados confirmam tendências apresen-tadas pela OIT, CEPAL e PNUD (2008),11 quandoexaminam o desempenho do mercado de trabalhobrasileiro no período 1990 a 2006. Embora se evi-dencie uma situação de recuperação nos anos 2000em relação à década de 1990, por conta da retoma-da do crescimento econômico, principalmente apartir de 2004, ainda se mantém um quadro emque é constatado:

a) Elevadas taxas de desemprego e deinformalidade, que resultam em baixo grau deproteção social e inserção inadequada dos traba-lhadores; b) expressiva parcela da mão de obrasujeita a baixos níveis de rendimento e produti-vidade; c) alta rotatividade no emprego; d) altograu de desigualdade entre diferentes grupos,refletindo um nível significativo de discrimina-ção, sobretudo em relação às mulheres e à popu-lação negra. (OIT, CEPAL, PNUD, 2008, p.17 )

Ao se examinar a evolução desse quadro noBrasil, tomando como um ponto de referência o iní-cio dos anos 2000, observa-se que, segundo dadosda PNAD, em 2001 havia uma população economi-camente ativa de 83,2 milhões, 16,4 milhões de pes-soas desempregadas e sem remuneração e 38,2 mi-lhões sem carteira assinada, ou seja, 54,4 milhõessem proteção social e trabalhista, representando 66%das pessoas economicamente ativas. Emborapercentualmente a situação fosse pior em 2001, emtermos absolutos o número de pessoas sem remune-ração e sem carteira assinada era menor.

Nesse período (2001-2009), o crescimentodo número de pessoas ocupadas com remunera-ção foi de 26% para uma população economica-mente ativa que cresceu 22%. Entretanto, o traba-lho sem carteira aumentou 43%, enquanto que otrabalho protegido (militares, funcionários públi-cos e com carteira assinada) cresceu na proporçãode 44%, o que se refletiu num aumento dos quecontribuem para a previdência social em 44%.

9 São dados da PNAD 2009, e, nas ocupações sem remu-neração, estão agrupados os trabalhadores para consu-mo próprio, os trabalhadores na construção para usopróprio e o trabalho não-remunerado.

10 Estão agrupados, na categoria dos “sem carteira”, osempregados sem carteira, o trabalhador doméstico semcarteira, o trabalhador por conta própria e o empregador.

11 Documento Emprego, Desenvolvimento Humano e Tra-balho Decente: a experiência brasileira recente, disponí-vel na HP da OIT, publicado em setembro de 2008.

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Em termos de rendimento mensal, houveum crescimento de 44% no número de pessoasque recebem menos do que 1 salário mínimo, noperíodo 2001-2009, sendo que esse número cres-ceu mais entre os empregados sem carteira (43%),trabalhadores domésticos sem carteira (54%) e tra-balhadores por conta própria (47%).

Em 2001, eram 12,6 milhões de trabalhado-res que recebiam menos do que 1 salário mínimo,que passaram a ser 18,2 milhões em 2009. Em 2001,representavam 19% dos ocupados com remunera-ção e, em 2009, passaram a ser 22%.

O salário mínimo foi objeto de valorização ede recuperação desde meados dos anos 1990, mascom correções mais altas nos anos 2000, sofrendouma valorização de 171% entre 2003 e 2009,12 oque teve impactos positivos no conjunto da eco-nomia, em especial para os trabalhadores que so-brevivem desse salário. Em 2009, eram 9,7 milhõesque ganhavam 1 salário mínimo, ou 7,8% do totaldos ocupados; já em 2001, eram 5,9 milhões ou7,8% dos ocupados. Entretanto, é importante re-gistrar que o valor nominal do Salário MínimoNecessário, calculado pelo DIEESE, deveria ser deR$ 2.227,53 em dezembro de 2009, quando era deR$ 510,00, ou seja, 4,4 vezes menor do que o esti-mado como necessário.

Os principais indicadores do mercado detrabalho para os anos 2000 demonstram uma ten-dência à recuperação do emprego, com a reduçãodas taxas de desemprego e o aumento do númerode empregados com carteira. Essa tendência foiinterrompida com a crise mundial de 2008. As-sim, quando se analisam as taxas de desempregourbano no Brasil, após a crise mundial, no perío-do de outubro de 2008 e março de 2009 (IBGE/PNAD), em apenas 6 meses, os desocupados cres-ceram 19%, passando de 1.743.000 para2.082.000. Esse é o mesmo percentual de recupe-ração do desemprego em 5 anos, no período 2003-2007, quando saiu de um total 2.608.000 desocu-

pados em 2003 para 2.100.000 em 2007. Ou seja,o que o país recuperou em 5 anos, perdeu em 6

meses, o que evidencia a vulnerabilidade dos em-pregos no Brasil, indicando as dificuldades desuperação dos altos níveis de desemprego, decor-rentes da forma de inserção do país na globalização,embora, a partir de agosto de 2009, um novo mo-vimento de recuperação do emprego tivesse sidoiniciado, inclusive com o aumento dos “emprega-dos com carteira assinada”.

Entretanto, em 2009, permanece um altonível de desigualdade e de discriminação no mer-cado de trabalho, especialmente em relação àsmulheres, aos negros e aos jovens, que continuamos segmentos mais precários de todos os trabalha-dores. A taxa de desemprego das mulheres era de11,1% contra 8,3% da dos homens; o desempregodos jovens negros era de 18,8% e dos jovens bran-cos de 16,5%. Além dessa desigualdade étnica ede gênero, há também uma brutal diferençageracional, pois a situação de desemprego dos jo-vens é a mais grave de todas. Em 2009, quando ataxa total de desemprego era de 8,3%, os jovensdesempregados entre 15 e 24 anos correspondiama 18%. Entre as mulheres jovens, a situação é ain-da pior: 22,4% de desempregadas. E havia 15,9%,ou 2,1 milhões de jovens entre 15 e 24 anos quenão estudavam nem trabalhavam.

· Segundo tipo de precarização: intensificação do

trabalho e terceirização

Um segundo tipo de precarização social éencontrado nos padrões de gestão e organização

do trabalho – o que tem levado a condições extre-mamente precárias, através da intensificação do tra-

balho (imposição de metas inalcançáveis, exten-são da jornada de trabalho, polivalência, etc.) sus-tentada na gestão pelo medo, na discriminação cri-ada pela terceirização, que tem se propagado deforma epidêmica, e nas formas de abuso de poder,através do assédio moral, que tem sido amplamen-te denunciado e objeto de processos na Justiça doTrabalho e no Ministério Público do Trabalho.

No que diz respeito à terceirização, no iní-cio dos anos 1990, numa conjuntura econômica

12 Variação do salário mínimo real com base ou aos preçosde setembro de 2010.

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de instabilidade e de crise, poder-se-ia afirmar queas empresas justificavam a adoção da terceirizaçãocomo “ferramenta” ou “estratégia” para sobreviverdiante da reestruturação e redefinição das basesde competitividade no plano internacional e naci-onal (Borges; Druck, 1993; DIEESE, 2007). Entre-tanto, nos anos 2000, numa conjuntura econômi-ca internacional favorável e de retomada do cresci-mento para todos os setores, especialmente aque-les estudados nos anos 1990 (automotivo,petroquímica e bancário), não se altera o movimen-to da terceirização, que continua a crescer em to-das as atividades, atingindo agora também o setorpúblico de forma intensa.

Essa “epidemia” da terceirização, como umamodalidade de gestão e organização do trabalho,explica-se pelo ambiente comandado pela lógicada acumulação financeira que, no âmbito do pro-cesso de trabalho, das condições de trabalho e domercado de trabalho, exige total flexibilidade emtodos os níveis, instituindo um novo tipo deprecarização que passa a dirigir a relação entre ca-pital e trabalho em todas as suas dimensões. E,num quadro em que a economia está toda conta-minada pela lógica financeira, sustentada nocurtíssimo prazo, mesmo as empresas do setorindustrial buscam garantir os rendimentos, exigin-do e transferindo aos trabalhadores a pressão pelamaximização do tempo, pelas altas taxas de pro-dutividade, pela redução dos custos com o traba-lho e pela “volatilidade” nas formas de inserção ede contratos. E a terceirização corresponde, comonenhuma outra modalidade de gestão, a essas exi-gências (Druck, 2011b).

Os diversos setores pesquisados nos anos2000, bancários, call centers, petroquímico, petro-leiro, além das empresas estatais ou privatizadasde energia elétrica, comunicações e dos serviçospúblicos de saúde, para além das estatísticas queindicam o crescimento da terceirização, revelam asmúltiplas formas de precarização dos trabalhado-res terceirizados nessas atividades: nos tipos decontrato, na remuneração, nas condições de traba-lho e de saúde e na representação sindical.

· Terceiro tipo de precarização social: insegurança

e saúde no trabalho

O terceiro tipo de precarização social refere-se às condições de (in) segurança e saúde no traba-lho – resultado dos padrões de gestão, que desres-peitam o necessário treinamento, as informaçõessobre riscos, as medidas preventivas coletivas, etc.,na busca de maior produtividade a qualquer custo,inclusive de vidas humanas. Um importante indi-cador dessa precarização é a evolução do númerode acidentes de trabalho no país, mesmo que reco-nhecidamente sejam estatísticas sub-registradas .13

Em 2001, foram registrados 340,3 mil acidentesno país e, em 2009, eles atingiram o número de723,5, ou seja, um aumento de 126% em 9 anos. Éinteressante observar que, a partir de 2007, o INSSpassou a contabilizar os acidentes sem registro noCadastro de Acidentes do Trabalho (CAT), que re-presentaram para cada um dos últimos 3 anos (2007,2008 e 2009) 27% do número total de acidentes.Além desse quadro, os estudos microssociais emempresas e organizações, no campo da Saúde Men-tal Relacionada ao Trabalho, definem uma“psicopatologia da precarização”, produto da vio-lência no ambiente de trabalho, gerada pela imposi-ção da busca de excelência como ideologia da per-feição humana, que pressiona os trabalhadores ig-norando seus limites e dificuldades, junto a umaradical defesa e implementação da flexibilidade como“norma” do presente. Isso exige uma adaptação con-tínua a mudanças e novas exigências de polivalência,de um indivíduo “volátil”, sem laços, sem vínculose sem caráter, isto é, flexível. Essa condição, agrava-da por outros imperativos típicos dos chamadospadrões modernos de organização empresarial(competitividade exacerbada, rapidez ou velocida-de ilimitada), tem gerado um cenário de adoecimentomental com expressões diversas, inclusive os sui-cídios (Seligmann-Silva, 2001; Franco; Druck;Seligmann-Silva, 2010).

13 Conforme é alertado pelos estudiosos da saúde do tra-balhador, as estatísticas sobre doenças ocupacionais eacidentes de trabalho, sob a responsabilidade do INSS,são subestimadas, pois dependem das CATs (Cadastrode Acidentes de Trabalho) emitidas pelas empresas.

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• Quarto tipo de precarização social: perda das

identidades individual e coletiva

O quarto tipo de precarização social tem suasraízes na condição de desempregado e na ameaçapermanente da perda do emprego, que tem se cons-tituído numa eficiente estratégia de dominação noâmbito do trabalho. O isolamento e a perda deenraizamento, de vínculos, de inserção, de umaperspectiva de identidade coletiva, resultantes dadescartabilidade, da desvalorização e da exclusão,são condições que afetam decisivamente a solida-riedade de classe, solapando-a pela brutal concor-rência que se desencadeia entre os próprios traba-lhadores (Druck; Oliveira; Silva, 2010). Essa con-dição de “desfiliação” ou de “inúteis para o mun-do”, a que se refere Castel (1998), explica esse se-gundo tipo de precarização do trabalho: a perdadas identidades individual e coletiva, fruto da des-valorização simbólica e real, que condena cada tra-balhador a ser o único responsável por suaempregabilidade, deixando-o subjugado à “ditadu-ra do sucesso” em condições extremamente adver-sas criadas pelo capitalismo flexível (Appay, 2005).

· Quinto tipo de precarização do trabalho:

fragilização da organização dos trabalhadores

O quinto tipo de precarização pode ser iden-tificado nas dificuldades da organização sindical edas formas de luta e representação dos trabalha-dores, decorrentes da violenta concorrência entreeles próprios, da sua heterogeneidade e divisão,implicando uma pulverização dos sindicatos, cri-ada, principalmente, pela terceirização. Dados so-bre número de greves, sindicatos, sindicalização,acordos, etc. são importantes, mas não explicamtudo. Indicam tendências, mudanças e redefiniçõesque também precisam ser explicadas. O menornúmero de greves nos anos 2000 em relação àsduas décadas anteriores, o crescimento do núme-ro de centrais sindicais – são hoje 11 centrais, 8delas formadas nos anos 200014 –, a permanência

ou mesmo queda das taxas de sindicalização, comoocorreu em 2009 em relação a 2008 (16,5 milhõesde sindicalizados contra 17,5 milhões, cf. dadosIBGE/PNAD, 2009), o tipo de estratégia de ação damaioria das direções sindicais, tudo isso só podeser compreendido no contexto da “perplexidadeideológica”, conforme já foi referido anteriormentee que será mais explicitado a seguir.

Há indicadores de resistência? Sim, umaresistência de tipo dispersa, fragmentada ou adap-tada. A literatura sobre os sindicatos e o movi-mento dos trabalhadores dos últimos anos temproblematizado sobre a crise dos sindicatos na erada globalização e da reestruturação sob a direçãodo neoliberalismo em âmbito mundial. Uma dasprincipais justificativas apontadas por Hayek15 nadefesa da doutrina neoliberal foi a responsabilizaçãodos sindicatos pela crise dos anos 1970, devido aseu excessivo e nefasto poder, influenciando omovimento dos trabalhadores em suas lutas poraumentos salariais e por políticas de bem-estar, queculminaram na deterioração das bases de acumu-lação do capital e da insustentabilidade de um es-tado de altos gastos sociais (Anderson, 1995).

Essa justificativa foi, aos poucos, conquis-tando adesões de governos, lideranças políticas edirigentes sindicais, naqueles países em que a ex-periência social-democrata foi mais marcante. Écomo se houvesse uma mea culpa por parte dossindicatos, que passaram a reconhecer os limitesou mesmo o fim daquela “era dos 30 anos glorio-sos” e que, perplexos diante da ofensiva do capital– nos planos material e ideológico –, não conse-guem reagir e oferecer alternativas ao novo padrãode desenvolvimento capitalista que se globaliza.

No caso do Brasil, que não viveu tal experi-ência, pois não se construiu aqui um pacto social-democrata nem um Estado de Bem-estar social, atragédia neoliberal talvez tenha sido mais forte ain-da, pois, antes mesmo de buscar realizar essa ex-periência, a maioria das direções sindicais, especi-

14 Conforme Sistema Integrado de Relações de Trabalho(SIRT) Ministério do Trabalho e do Emprego.

15 Friedrich Hayek, autor de O Caminho da Servidão [1944],considerado o texto que deu origem aos princípios teóri-cos e políticos do neoliberalismo, que tinha como foco oataque ao Estado de Bem-estar social na Europa, especi-almente, o da Inglaterra.

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almente a partir dos anos 1990, passaram aconsiderá-la inviável diante da “inexorávelglobalização”, ou da referida “modernidade empre-sarial”, cuja reestruturação produtiva passou a serassimilada como um processo “natural” e sem vol-ta. Tratava-se, portanto, de ações que limitassem ouminorassem os seus efeitos, num explícito compor-tamento de adaptação aos “novos tempos globais”.

A violência da ofensiva liberal no contextoda globalização foi de natureza material e simbóli-ca. A reestruturação produtiva e do trabalho – viademissões, enxugamentos, terceirização,polivalência –, inspirada no modelo japonês, le-vou, no plano objetivo, a condições de fragilizaçãodos trabalhadores e de sua capacidade de luta, queforam reforçadas, no plano subjetivo, pela defesade uma política e uma atuação sindical dentro doslimites dessa nova ordem (neoliberal) do capital,neutralizando a vontade política coletiva no senti-do de não apenas resistir, mas de buscar rupturascom essa nova ordem. Talvez, nessa perspectiva,torne-se mais claro compreender as especulaçõesem torno do “fim da história”, ou seja, de umavitória final do capitalismo diante das possibilida-des históricas – que agora estariam esgotadas – desua superação, a exemplo das transformações ca-pitalistas nos países que tinham realizado experi-ências socialistas.

Para exemplificar esse tipo de adaptaçãopolítica aos novos tempos liberais e de uma inevi-tável flexibilização do trabalho, escolheu-se o casodo debate acerca da regulamentação da terceirizaçãono Brasil, a partir dos dois projetos de lei que tra-mitam no Congresso Nacional. O primeiro deles éde autoria do deputado Sandro Mabel, apresenta-do em 1998 e reformulado em 2004, que tem porobjetivo adaptar a legislação ao processo de “revo-lução” na organização do trabalho, em que aterceirização é a “técnica de administração” quemais cresce no país. Trata-se, na realidade, de le-galizar todas as formas de terceirização que vêm sedesenvolvendo, inclusive com a liberação parapessoas físicas como contratantes de serviços deterceiros, o que dificultaria ainda mais qualquertipo de fiscalização. O outro é o Projeto de Lei Nº

1621 de 2007, de autoria do então deputadoVicentinho (ex-presidente da CUT), que contoucom a contribuição da Central Única dos Traba-lhadores (CUT) para a sua elaboração. Seus ter-mos, embora o diferenciem em aspectos importan-tes do Projeto do deputado Mabel – a exemplo daproibição de terceirização de atividades fins, a exi-gência de a empresa informar e justificar aos sin-dicatos a implementação da terceirização, o con-trole da contratante sobre as obrigações trabalhis-tas da contratada, a exigência de que não haverádistinção de salário, jornada, benefícios, ritmo detrabalho e condições de saúde e de segurança, den-tre outros – tem causado muita polêmica no pró-prio meio sindical e na CUT.

Para a Confederação Nacional dos Quími-cos (CNQ), que defende a “primeirização”16 dospostos de trabalho e uma campanha nacional desindicalização, incluindo os trabalhadores da em-presa terceirizada, e para o Sindicato dos Quími-cos e Petroleiros da Bahia, é muito discutível aproposta de regulamentação da CUT, pois

A gente não vai ser a favor de um projeto de leique regulamente aquilo que a gente quer acabar,embora a gente diga que é difícil acabar. As pes-soas dizem que ficar como está não pode. Sim, eaí faz um projeto de lei e o projeto de lei piora emalguns setores em que a terceirização se deu commais intensidade... (Santana, 2007).

Ainda segundo o depoimento desse diri-gente sindical, exatamente nos setores em que aterceirização mais cresceu – industrial e bancário–, houve uma redução muito grande do efetivo detrabalhadores que perderam direitos e seprecarizaram (Druck, 2011b).

Esse debate exemplifica certo estado de re-signação da maior parte dos dirigentes sindicaisbrasileiros diante da ofensiva neoliberal, o que levaa justificar uma atuação nos limites e no interiordo próprio jogo político controlado pelas forçasdominantes dessa era. Se a terceirização é maisuma “fatalidade” dos tempos modernos, contra aqual não se pode lutar, então a única alternativa é

16 A primeirização dos postos de trabalho, defendida pelaCNQ, é desfazer as contratações através da terceirização econtratar diretamente os trabalhadores pelas empresas.

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colocar alguns limites a essa prática, a fim de mi-norar os seus efeitos sobre os trabalhadores. Trata-se de uma atuação que contribui fortemente paralegitimar e legalizar a terceirização, com o avalpropositivo dos representantes dos trabalhadores,a exemplo do referido Projeto de Lei da CentralÚnica dos Trabalhadores.

Mas, ao lado dessa postura, chama a aten-ção uma tendência relativa ao número de grevesde trabalhadores terceirizados que ocorre no país.Embora não se disponha de estatísticas oficiais esistematizadas por outras instituições acerca des-se processo, em consultas a alguns jornais da gran-de imprensa e a sites de busca, é possível perceberque diariamente há notícias sobre movimentos gre-vistas de terceirizados que, na sua maior parte,reivindicam pagamento de salários atrasados, dedécimo terceiro, de férias e depósitos do FGTS,ou seja, os direitos básicos garantidos aos traba-lhadores com carteira assinada que não estão sen-do cumpridos por essas empresas.

Além disso, há também um esforço de sin-dicatos na luta contra a terceirização, a exemplo dacriação de departamentos ou secretarias deterceirizados nos grandes sindicatos, incorporaçãoda representação sindical dos terceirizados juntoaos trabalhadores contratados diretamente, gruposde discussão sobre os projetos de lei e ações con-tra a terceirização, organização e criação de sindi-catos de trabalhadores terceirizados e, mais recen-temente, a inclusão, nas pautas de reivindicaçõesdas campanhas salariais e dissídios dos grandessindicatos, das pautas específicas dos terceirizados(em relação a salários, jornadas de trabalho, parti-cipação nos lucros, horas extras, prevenção deacidentes, cobertura de planos de saúde, transpor-tes, alimentação, dentre outras). Dentre os exem-plos mais fortes dessas iniciativas, estão o da Con-federação Nacional dos Bancários, que passou alutar para representar os trabalhadores terceirizadosdos bancos e instituições financeiras, o caso maisilustrativo dos trabalhadores em telemarketing, eo da Federação Única dos Petroleiros, que na últi-ma greve geral realizada em 2009, incorporou emsua pauta as reivindicações dos terceirizados da

Petrobras e contou com a adesão desses trabalha-dores na maioria dos estados (Druck, 2011b).

· Um sexto tipo de precarização social do trabalho:

a condenação e o descarte do Direito do Traba-

lho17

Por fim, e não menos importante, afetichização do mercado18 tem orquestrado e de-cretado uma “crise do Direito do Trabalho”, ques-tionando a sua tradição e existência, o que se ex-pressa no ataque às formas de regulamentação doEstado, cujas leis trabalhistas e sociais têm sidoviolentamente condenadas pelos “princípios” li-berais de defesa da flexibilização, como processoinexorável trazido pela modernidade dos temposde globalização.

O debate entre os profissionais e especialistasdo setor reflete opiniões que se dividem: há os quesustentam a defesa do Direito do Trabalho e seu prin-cípio protetor, reconhecendo a desigualdade e a infe-rioridade econômica dos trabalhadores na sociedadecapitalista, mais forte na era atual, o que exige, por-tanto, mais direitos e proteção social; e há aquelesque, em nome dos princípios liberais, afirmam o res-peito à individualidade do trabalhador, que, ao “de-pender” do Estado (pela estrutura dos direitos soci-ais), estaria supostamente impedido de desenvolveras suas qualidades e atributos livremente no traba-lho, dificultando, dessa forma, o próprio desenvol-vimento do mercado capitalista na atual conjunturade desregulamentação mundial.

No Brasil, as alterações já realizadas na Con-solidação das Leis do Trabalho (CLT), nos anos1990, e a defesa atual de uma reforma trabalhista“moderna”, que corresponda “às mudanças nomundo do trabalho”, enquadram-se nessa segun-da defesa, isto é, que, para o livre funcionamento

17 Esse último tipo de precarização está sendo acrescenta-do aos demais cinco tipos que foram formulados porFranco e Druck (2009), conforme foi referido no texto.

18 Aqui, a fetichização é usada no sentido marxista, quan-do o mercado e as mercadorias”assumem vida própria”,autonomizando-se em relação aos sujeitos sociais, e des-sa forma, querem prescindir de qualquer limite à suaautonomia e liberdade, especialmente a liberdade de ex-ploração do trabalho que, em tempos neoliberais, impõea desregulamentação do estado e a retirada dos direitos.

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do mercado, seria preciso retirar os limites, ou seja,retirar os encargos sociais elevados (direitos soci-ais e trabalhistas), considerados como entulhos davelha e ultrapassada CLT, que já teria cumprido asua função num momento histórico já superado.

Num outro campo – o da ação do poderpúblico –, a disputa em torno do fim do Direito doTrabalho ou da sua manutenção se intensifica atra-vés do papel que jogam ou podem jogar algunsórgãos ou instituições públicas, que têm como fun-ção primordial assegurar a aplicação e o respeito àlegislação em vigor. No caso do Ministério do Tra-balho e Emprego (MTe), a ação dos auditores fis-cais – com a liberdade e independência hierárqui-ca que lhes é de direito, ao fiscalizar, autuar e multaras empresas e instituições, respaldados na lei –tem sido motivo de questionamento e já foi objetode projeto de lei voltado para lhes retirar esse po-der,19 o que gerou ampla mobilização dos agentesde fiscalização e dos sindicatos, que fizeram retro-ceder tal proposta.

O Ministério Público do Trabalho (MPT),por sua vez, tem sido objeto de fortes críticas vei-culadas pela grande imprensa, na voz de empresá-rios e até mesmo de sindicalistas, que acusam ospromotores de atuarem como empecilhos para aabertura de novos empregos, ao exigirem respeitoà legislação, já que estariam dificultando a açãoempresarial.

Na realidade, são instituições que têm umpapel fundamental como agentes dotados de pode-res para colocar limites à ação do capital – atravésda regulamentação – na relação de mercantilizaçãodo trabalho, a qual, nos últimos tempos, tem idomais além da compra e venda da força de trabalhoatravés do assalariamento, pois vem se utilizando

de outras formas que pareciam estar superadas, aexemplo do trabalho infantil e do trabalho análogoao escravo.

Nesse sentido, a atuação conjunta do Mi-nistério do Trabalho e Emprego e do MinistérioPúblico do Trabalho, com o apoio da Polícia Fede-ral, no combate ao trabalho análogo ao escravo,20

tem sido efetiva, com resultados muito expressi-vos, seja em número de trabalhadores resgatados,como na repercussão política dessa atuação, quetem revelado o grau de exploração de modernasempresas nacionais e multinacionais no Brasil, eque deu origem ao “Cadastro de Empregadoresflagrados explorando mão de obra escrava”, co-nhecido como “Lista Suja” e disponível no site doMTe. No período de 2000 a 2010, foram realizadas959 operações nas diversas regiões do país, ondeforam resgatados 37.092 trabalhadores e um totalde 35.790 trabalhadores tiveram seus contratosformalizados a partir da ação dos fiscais. O valordo pagamento de indenizações relativas a dívidassalariais (saldo de salários, férias, décimo terceiro,gratificação natalina etc) atingiu a cifra de R$ 61,2milhões, nesses dez anos, sem incluir as multas eindenizações por danos morais.

Essas ações mostram, de um lado, um altocrescimento do recurso ao trabalho escravo no con-texto dos tempos modernos do trabalho, que setorna visível, a partir de denúncias e da realizaçãodessas operações coordenadas pelo MTE; de ou-tro, indicam a capacidade que o Estado tem, quan-do assim o quer e decide, de pôr limites à voraci-dade do capital.

Esse exemplo, dentre outros, é representa-tivo, por si só, da ausência de limites morais docapital e explicita por que o Direito do Trabalho écolocado em questão, ao tempo que indica a im-portância da ação regulatória do poder público,como agente do Direito do Trabalho brasileiro, quetanto incomoda os radicais defensores da ordemneoliberal.

19 Foi o caso da Emenda 3 ao Projeto de Lei que criou aSuper Receita, em 2007, que proibia os auditores fiscaisde autuarem ou fecharem as empresas prestadoras deserviço constituídas por uma única pessoa, se verificas-sem que a relação de prestação de serviços com umaoutra empresa, na verdade, configura uma relação traba-lhista. E transferia para o Poder Judiciário a definição devínculo empregatício, beneficiando profissionais liberaisque atuam como pessoas jurídicas e as empresas queutilizam seus serviços, em substituição ao contrato detrabalho pela CLT. Aprovada no Congresso, a Emendafoi vetada pelo presidente Lula, após ampla mobilizaçãodos sindicatos, inclusive do Sindicato Nacional dosAuditores Fiscais do Trabalho (SINAIT).

20 Trabalhadores resgatados por trabalho análogo ao escra-vo, conforme art.149 do Código Penal, são aqueles queatuam nas seguintes condições: trabalho forçado, servi-dão por dívida, jornada exaustiva e (ou) trabalho degra-dante (Mte, www.mte.gov.br) Para uma análise sobreessa condição, ver Filgueiras (2010).

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Vale ainda destacar a experiência singularno estado da Bahia, com a formação do FORUMAT– Fórum de Proteção ao Meio Ambiente do Traba-lho no Estado da Bahia, que reúne um conjunto deinstituições, como: Ministério Público do Trabalho,Delegacias Regionais do Trabalho, Fundacentro,Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador –CESAT/SESAB e sindicatos de trabalhadores. Comdestaque para a atuação do Ministério Público doTrabalho, proponente e coordenador do Fórum, cujaindependência e autonomia têm garantido uma prá-tica que vem impondo o cumprimento da legisla-ção, fazendo recuar a terceirização e a precarizaçãodo trabalho em várias empresas públicas e priva-das. A existência desse Fórum representa a defesado papel do Direito do Trabalho, cuja origem sejustifica pelo grau de desigualdade e assimetria dasrelações entre empregados e empregadores que, emtempos neoliberais, se agrava ainda mais, resultan-do numa relação de forças extremamente despro-porcional e desfavorável aos trabalhadores (Druck;Franco, 2007).

COMENTÁRIOS FINAIS: novos ou velhosdesafios?

A conjuntura atual do trabalho no Brasil,embora venha motivando declarações ufanistas emtorno do crescimento do emprego com carteira as-sinada, não pode ser analisada a partir do “fetichedos números”. É o que se procurou indicar nesteartigo, ao se analisar o momento históricocaraterizado pelo capitalismo flexível, cuja confi-guração contemporânea –e estrutural –, definidapela mundialização do capital hegemonizada pelaesfera financeira, tem, na precarização social dotrabalho, o centro da sua dinâmica.

Nessa medida, considera-se que o aspectocentral que explica a estrutura capitalista hoje é ograu ilimitado da mercantilização do trabalho e davida, conforme explicitam as dimensões do proces-so de precarização como indicadores qualitativosaqui apresentados. Se, na conjuntura mais recente,os números indicam a queda do desemprego e a

recuperação do emprego, cabe refletir, como afir-mou Juan Somavia, diretor geral do OIT, que:

... além da taxa de desemprego, temos o desafiode melhorar a produtividade e os salários, redu-zir a informalidade, melhorar a cobertura daproteção social e enfrentar as desigualdades [...].Não é só importante gerar mais empregos, masque estes empregos sejam de qualidade”.21

É preciso ainda ir mais além, para definir oque são empregos de qualidade, num momento emque essa mercantilização atingiu níveis extremos,encoberta pelo fetichismo do mercado, banalizandoos riscos, os acidentes e a saúde dos trabalhadores,conforme indica o crescimento do número de aci-dentes de trabalho, e desrespeitando normas ele-mentares de segurança do trabalho, conforme é re-velado pelas fiscalizações do MTE. Tal quadro éagravado por uma política de monetarização da saúdee dos riscos, que passa a pautar as negociações ejulgamentos da Justiça do Trabalho, emcontraposição às determinações de políticas deprevenção e proteção, principalmente, o controledo seu exercício.

Na perspectiva do capital, a monetarizaçãoe a mercantilização das relações de trabalho trans-formam os direitos dos trabalhadores em “custos”(o “custo Brasil”, o “custo China”) e invadem tam-bém o ideário dos trabalhadores e de suas lideran-ças sindicais, que passam a interiorizar a lógica domercado, tomando-a como sua. Isso é estimuladoainda pela concorrência entre os próprios traba-lhadores, expressa em disputas regionais, a exem-plo da guerra fiscal no país, que faz competir nãosomente os estados, através da ação de seus gover-nos, mas também os trabalhadores de uma regiãocom os de outra região.

Tais transformações, ao tempo que reafir-mam a essência do capitalismo, que transformouo trabalho em mercadoria, dão outra amplitude aessa relação social, ao enfraquecerem a capacidadede resistir e de questionar as novas condições im-postas pelo capital, numa clara demonstração de

21 Discurso de abertura da 17ª Reunião Regional da OITrealizada no Chile em 14 de dezembro de 2009, confor-me www.oit.org.pe/americas2010/ESP/.

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uma atitude de resignação que, aos poucos, conta-mina até mesmo a capacidade de indignação dian-te das injustiças sociais, da negação dos direitos eda proteção social, encaradas como uma “fatalida-de econômica”.

Talvez a maior dificuldade, tanto no âmbitoda ação política como no campo dos estudos aca-dêmicos, seja a pressa em identificar, nomear eclassificar o que há de novo no mundo do traba-lho, a fim de caracterizar as rupturas que anunci-am um novo tipo de sociedade – pós-capitalista,pós-moderna, pós-emprego, pós-fordista ou pós-neoliberal –, como se esse processo de mudançastivesse uma evolução linear.

Por isso, as análises apoiadas numa pers-pectiva histórico-dialética podem ajudar em muitoa desvendar as contradições contemporâneas docapitalismo. Assim, o esforço analítico aqui adota-do foi o de buscar demonstrar as principais meta-morfoses do trabalho, explicitadas nas diversasdimensões do processo de precarização social dotrabalho (e tipos), as quais, mesmo no Brasil – paístradicionalmente marcado pelo trabalho precárioem todas as suas dimensões, cuja origem maiorestá no trabalho escravo e nas formas assumidaspela sua transição ao trabalho assalariado –, sereconfiguraram ou se redefiniram, apresentando,hoje, uma precarização antiga e moderna,metamorfoseada.

Considera-se, portanto, que, ao lado do“novo espírito do capitalismo”, caracterizado porBoltanski e Chiapello (2009) como um fatalismodominante, e da impotência da crítica social, háum “velho espírito do capitalismo” que ressaltasuas contradições, suas incoerências e seus limi-tes. Mesmo assim, ainda se encontra a defesa dautopia da sua superação através de uma crítica ra-dical, mesmo que de forma pontual e minoritária.

Por fim, compreende-se que há velhos enovos desafios. Saber combiná-los e tirar as con-clusões e consequências exige muita sabedoria ereflexão. Talvez um começo para essas reflexões seencontre na convenção definida na Conferência deFiladélfia, em 1944, que consolida a construçãoda Organização Internacional do Trabalho: “o tra-

balho não é uma mercadoria!” O que leva a questi-onar o centro da dinâmica capitalista ontem e hoje.Que consequências – teóricas e práticas – se po-dem inferir dessa afirmação? São possíveis refor-mas que implementem o “trabalho decente” semrupturas com o atual padrão de capitalismo,construído na era da globalização financeira? Esseé o grande desafio. Nem “novo”, nem “velho”: ode sempre.

(Recebido para publicação em 30 de outubro de 2010)(Aceito em 03 de fevereiro de 2011)

REFERÊNCIAS

ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo, In: SADER,E; GENTILI, P. (Org.) Pós-neoliberalismo – as políticassociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1995. 205p.

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Graça Druck - Doutora em Ciências Sociais, com pós-doutorado na Universidade de Paris XIII. Professoraassociada I do Departamento de Sociologia e da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federalda Bahia – PPGCS/FFCH/UFBA. Pesquisadora do Centro de Recursos Humanos/FFCH/UFBA e do CNPq.Realiza pesquisas na área de Sociologia do Trabalho. Autora do livro Terceirização: (Des)Fordizando aFábrica – um estudo do complexo petroquímico da Bahia (Ed. Boitempo/Edufba, 1999 e 2001) e co-organizadora do livro A perda da razão social do trabalho: precarização e terceirização. (Ed. Boitempo,2007). Tem artigos publicados em diversos periódicos, Revista Latinoamericana de Estudios del Trabajo –;Pistes; Laboreal; Revista Brasileira de Saúde Ocupacional; Caderno CRH).

LABOR, PRECARIZATION ANDRESISTANCES: old and new challenges

Graça Druck

This paper discusses why the precarizationof labor is an old and young phenomenon, differentand equal, past and present, a phenomenon of amacro- and microssocial character. It presents somefetishes present in the analysis of labor in thecontext of globalization of capital, marked by thehegemony of finance capital, the restructuring ofproduction and labor and a “new spirit ofcapitalism.” There are five sections: introduction,discussion of methodological issues based onreflections of research projects in progress,theoretical considerations on the characterizationof flexible capitalism and the centrality of socialprecarization of labor, a contextualization of laborin Latin America and Brazil in the light of ILOstudies, indicators of precarization and resistances,and a debate on the new and old challenges broughtabout by the changes under the aegis of the socialprecarization of labor and a “spirit of capitalism”reformulated, which, while reaffirming the oldspirit, constitutes a new spirit.

KEYWORDS: labor, precarization, resistances, so-cial indicators.

TRAVAIL, PRÉCARISATION ETRÉSISTANCES: anciens et nouveaux défis

Graça Druck

L’article explique en quoi la précarité dutravail est à la fois ancienne et nouvelle,semblable et différente, passée et présente, enquoi elle est un phénomène de nature macro etmicro sociale. On y présente quelques fétichesqui se trouvent dans les analyses sur le travailpris dans le contexte de la mondialisation ducapital, marqué par l’hégémonie du capitalfinancier, la restructuration de la production etdu travail et un “nouvel esprit du capitalisme”.Il se divise en cinq parties: l’introduction;l’analyse des questions méthodologiques fondéessur les réflexions des projets de recherche encours ; les considérations théoriques concernantla caractérisation du capitalisme flexible et lacentralité de la fragilisation sociale du travail ;la contextualité du travail en Amérique Latineet au Brésil, à la lumière des études de l’OIT, desindicateurs de précarité et de résistances ; et undébat concernant les anciens et les nouveauxdéfis issus des transformations sous l’égide de lafragilisation sociale du travail et d’un “esprit ducapitalisme” reformulé qui, tout en réaffirmantl’ancien esprit, en constitue un nouveau.

MOTS-CLÉS: Le travail, la précarisation, lesrésistances, les indicateurs sociaux.