Trabalho 3 Amazônia(1)

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Histór ia Trabalho indígena na Amazônia Colonial: diálogo com realidades políticas diversas A escravidão indígena no Brasil colonial iniciou em meados do século XVI devido à intensificação das atividades econômicas no litoral. A utilização da mão-de-obra dos nativos foi predominante durante o período colonial em locais como a Amazônia. A instituição do modo de produção escravista no Brasil foi responsável por profundas alterações nas formas de vida dos indígenas, em suas culturas e suas relações sociais, tais como as formas de trabalho, os hábitos de alimentação e vestimenta, as crenças, os casamentos, os rituais etc. O contato entre as populações indígenas e os europeus se deu de diferentes maneiras: através de relações de aliança, de troca ou por meio de guerras. Para que o projeto colonial que consistia no conjunto de intenções e práticas dos europeus no sentido de colonizar o novo território – funcionasse bem era necessária a utilização da mão-de-obra indígena. Entretanto, como nem todos os nativos aceitaram pacificamente trabalhar para os colonos, a legislação indigenista assumiu posições diferenciadas dependendo das ações dos grupos indígenas. A fim de “civilizar” e re-socializar os nativos, os colonizadores incentivaram a evangelização promovida pelos missionários, que no início também era responsável pela organização e distribuição da mão-de-obra indígena. Os religiosos eram, ainda, responsáveis por legitimar ou não o aprisionamento dos nativos por meio de guerras justas (tema ao qual voltaremos a diante). Essas funções dos missionários

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História

Trabalho indígena na Amazônia Colonial: diálogo com realidades políticas diversas

A escravidão indígena no Brasil

colonial iniciou em meados do século XVI

devido à intensificação das atividades

econômicas no litoral. A utilização da mão-

de-obra dos nativos foi predominante

durante o período colonial em locais como a

Amazônia. A instituição do modo de

produção escravista no Brasil foi

responsável por profundas alterações nas

formas de vida dos indígenas, em suas

culturas e suas relações sociais, tais como as

formas de trabalho, os hábitos de

alimentação e vestimenta, as crenças, os

casamentos, os rituais etc.

O contato entre as populações

indígenas e os europeus se deu de diferentes

maneiras: através de relações de aliança, de

troca ou por meio de guerras. Para que o

projeto colonial – que consistia no conjunto

de intenções e práticas dos europeus no

sentido de colonizar o novo território –

funcionasse bem era necessária a utilização

da mão-de-obra indígena. Entretanto, como

nem todos os nativos aceitaram

pacificamente trabalhar para os colonos, a

legislação indigenista assumiu posições

diferenciadas dependendo das ações dos

grupos indígenas.

A fim de “civilizar” e re-socializar

os nativos, os colonizadores incentivaram a

evangelização promovida pelos

missionários, que no início também era

responsável pela organização e distribuição

da mão-de-obra indígena. Os religiosos

eram, ainda, responsáveis por legitimar ou

não o aprisionamento dos nativos por meio

de guerras justas (tema ao qual voltaremos a

diante). Essas funções dos missionários

provocaram, no decorrer do tempo, embates

entre missionários e colonos. Estes últimos

desejavam ter maior controle sobre a mão-

de-obra indígena. Assim, para atenuar esses

conflitos a legislação indigenista sofreu, ao

longo do tempo, modificações em relação à

liberdade e escravização indígena.

Primeiramente, é preciso ressaltar

que o Regimento do Governador-Geral

Tomé de Sousa, de 1548 – primeiro

documento legal relativo ao Brasil –, já

estabelecia a diferença entre índios aliados e

índios inimigos, e os diferentes tratamentos

dispensados a esses grupos distintos. De

acordo com a legislação, apenas os índios

inimigos, denominados “gentios de corso”

ou “gentios bravos”, podiam ser

escravizados.

Aos índios aliados e aldeados foi

garantida a liberdade durante toda a

colonização. Além disso, a legislação

garantia também a posse de terras e o

recebimento de salários pelas atividades

realizadas para os moradores. Eles deveriam

ser bem tratados, “descidos” (retirados) de

suas comunidades tradicionais e

estabelecidos nos aldeamentos

(comunidades dirigidas por portugueses,

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onde os índios trabalhavam e eram

catequizaos) por vontade própria, sem

nenhum tipo de violência. Os responsáveis

pela realização dos descimentos –

missionários ou colonos – e a localização

dos aldeamentos variaram ao longo do

período colonial.

A legislação permitia que os índios

inimigos fossem escravizados por meio da

Guerra Justa, que podia acontecer devido à

recusa dos nativos à conversão, ao

impedimento da evangelização ou à

hostilidade contra os colonos e seus aliados.

A violência, apesar de ser considerada

prejudicial à conversão, era utilizada para

“civilizar” os nativos hostis. Outra forma de

escravização permitida era aquela realizada

por meio dos resgates, que consistiam na

libertação de índios prisioneiros de outras

tribos.

No entanto , o projeto colonial

expresso nas leis nem sempre correspondia

à realidade. Os colonos cometeram diversos

abusos na conquista de terras e povos

indígenas, promovendo Guerra Justa e

“descimentos” ilegais. Tais práticas

contribuíram para o despovoamento de

várias áreas, tanto devido ao aprisionamento

de índios, quanto às epidemias que os

europeus trouxeram, contra as quais os

índios não apresentavam nenhuma

resistência natural.

Os indígenas, buscando seus espaços

de sobrevivência, autonomia e liberdade,

recorreram a diferentes estratégias para

reverter o quadro opressivo que

vivenciavam. Dentre estas estratégias

podemos destacar que eles: forneciam

escravos cativos de grupos inimigos;

planejavam fugas coletivas; buscavam

reconstituir parte da sociedade tradicional

em territórios de difícil acesso;

estabeleciam comércio paralelo ao

realizado pelos colonos; recorriam à Justiça

Colonial em busca da liberdade.

Entretanto, como a legislação sofreu

alterações devido às demandas do diferentes

interesses dos agentes coloniais, as leis ora

concediam liberdade a todos os indígenas

ora retornavam a permitir a escravidão dos

índios inimigos. Como exemplo, há o

Alvará de 28 de abril de 1688 que

reintroduziu a escravização indígena através

dos resgates e das Guerras Justas, que

esteve, primeiramente, sobre o controle do

estado e, posteriormente, foi permitida a

organização de expedições particulares.

Esse alvará estabelecia que as

Câmaras das cidades fossem responsáveis

pela repartição dos indígenas. A

escravização seria permitida em guerras

defensivas contra índios inimigos e infiéis

deflagradas devido à invasão dos índios a

aldeias e terras do Estado do Maranhão ou

no caso de os nativos impedirem a

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evangelização. A guerra ofensiva também

era legalizada em caso de comprovação de

que os índios infiéis invadiriam as terras

coloniais. Essas guerras seriam legalizadas

pela apresentação de documentos e

testemunhas que comprovem a necessidade

de se fazer guerra.

O Alvará substitui a lei de 1º de

Abril de 1680 que proibiu todas as formas

de cativeiro, de resgate e de guerra justa.

Essa mudança ocorreu devido ao não

cumprimento da referida lei, que ao invés

de impedir os abusos e a violência contra os

índios acabava promovendo maiores danos

aos nativos, pois os colonos os matavam

cruelmente, já que não podiam torná-los

cativos.

Assim, a questão do trabalho

indígena na Amazônia foi definida não

somente pela imposição das ordens da

colônia portuguesa, mas constitui-se num

diálogo entre os agentes coloniais que

tinham objetivos diferentes para os

indígenas. Por isso, observa-se as alterações

que a legislação indigenista sofreu ao longo

do processo histórico de integração das

populações indígenas a nova realidade

colonial

- Glossário:

* Modo de produção escravista: forma de trabalho no qual a principal mão-de-obra são os escravos.

* Legislação indigenista: conjunto de leis que regulavam as relações sociais e de trabalho dos indígenas

* Índios aldeados: índios que viviam nas aldeias missionárias

- Referências bibliográficas:

“Alvará em forma de ley expedido pelo secretario de Estado que deroga as demais leys que se hão passado sobre os indios do Maranhão” 28 de abril de 1688. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 66 (1948), pp. 97-101.

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PERRONE-MOISÉS, Beatriz. “Índios livres e índios escravos. Os princípios da legislação indigenista colonial (séculos XVI a XVIII)”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 115-132.