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estiço, negro e índio, cara re d o n- da, olhos negros e pele marrom. O rosto oleoso sob o calor de Jardim América. Cigarro aceso na mão esquerda. Na dire i- ta, o copo contendo seu ouro bri- lhante, apoiado sobre o balcão. Olhar fixo, quase vago, entre a embriaguez e a aguda concen- tração. Ao seu redor, seus com- p a n h e i ros de botequim pedem agitados que cantem algo. Nel- son, igualmente embriagado pa- rece um lorde ao lado deles. Ca- belos brancos e penteados. Impas- sível. Esnobe nunca. Exaltado, muito menos. Nelson, em mais uma de suas intermináveis pere- grinações nos botequins do Rio, pega seu violão, toca levemente no braço de quem o rodeia, e, num passe de mágica tudo pára: “Sei que é doloroso um palhaço / Se afastar do palco por alguém / C o rra que a platéia te reclama / Sei que choras palhaço / Por al- guém que não lhe ama”. Nelson Antônio da Silva, filho de militar e sobrinho de um pro- fessor de violino, nasceu na Rua Mariz e Barros, na Tijuca. Co- nhecido simplesmente como Nelson Cavaquinho, ele foi talvez a maior personificação do artista popular. Seu reino: um violão, um copo de cerveja, um bote- quim. Os olhos e ouvidos atentos ao estalar das cordas que prece- dem e acompanham o seu canto. Sua poesia evoca as desventuras do cotidiano, e, principalmente, a maior delas: o fim da vida. Talvez a primeira grande imagem que Nelson teve da morte e que ficaria sempre registrada em sua vida tenha sido a da gripe espanho- la. A epidemia chegou a matar quase 300 mil em 1918. Outubro desse ano, mês do aniversário de Nelson, foi o mais tenebroso, quan- do a espanhola chegou a matar 8 mil pessoas em quatro dias. – Eu morava na Rua Joaquim Silva, na Lapa, e até hoje não me esqueço daqueles caminhões chei- os de cadáveres passando – afir- mou o músico. Calça-balão Parceiro maior de Nelson Ca- vaquinho, Guilherme de Brito Bollhorst, nascido e criado em Vila Isabel, foi obrigado a largar os estudos e começar a trabalhar com 12 anos de idade. O motivo: a morte de seu pai, Alfredo Ni- colau Bollhorst. Apesar de ainda ser criança, começou a bater pon- to na Casa Edison como office boy para ajudar sua mãe no sustento da casa. JULIANO GOMES, JULIO LOBATO, MARIA LUISA PORTO E VERÔNICA HERINGER Todo c a rn a v a l tem seu f i m A indesejada das gentes 37 Os parceiros Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito fazem da morte a matéria-prima de seus sambas Nelson Cavaquinho e seu principal instrumento, o violão Foto extraída do filme Nelson Cavaquinho

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Page 1: Todo c a rn a v a l tem seu f i m - Portal PUC-Rio Digitalpuc-riodigital.com.puc-rio.br/media/11 - todo carnaval tem seu fim.pdf · sível. Esnobe nunca. Exaltado, muito menos. Nelson,

estiço, negro eíndio, cara re d o n-da, olhos negros epele marrom. Orosto oleoso sob o

calor de Jardim América. Cigarroaceso na mão esquerda. Na dire i-ta, o copo contendo seu ouro bri-lhante, apoiado sobre o balcão.Olhar fixo, quase vago, entre aembriaguez e a aguda concen-tração. Ao seu re d o r, seus com-p a n h e i ros de botequim pedemagitados que cantem algo. Nel-son, igualmente embriagado pa-rece um lorde ao lado deles. Ca-belos brancos e penteados. Impas-sível. Esnobe nunca. Exaltado,muito menos. Nelson, em maisuma de suas intermináveis pere-grinações nos botequins do Rio,pega seu violão, toca levementeno braço de quem o rodeia, e,num passe de mágica tudo pára:“Sei que é doloroso um palhaço /Se afastar do palco por alguém /C o rra que a platéia te reclama /Sei que choras palhaço / Por al-guém que não lhe ama”.

Nelson Antônio da Silva, filhode militar e sobrinho de um pro-fessor de violino, nasceu na RuaMariz e Barros, na Tijuca. Co-nhecido simplesmente comoNelson Cavaquinho, ele foi talveza maior personificação do artistapopular. Seu reino: um violão,

um copo de cerveja, um bote-quim. Os olhos e ouvidos atentosao estalar das cordas que prece-dem e acompanham o seu canto.Sua poesia evoca as desventurasdo cotidiano, e, principalmente,a maior delas: o fim da vida.

Talvez a primeira grande imagemque Nelson teve da morte e queficaria sempre registrada em suavida tenha sido a da gripe espanho-la. A epidemia chegou a matarquase 300 mil em 1918. Outubrodesse ano, mês do aniversário deNelson, foi o mais tenebroso, quan-do a espanhola chegou a matar 8mil pessoas em quatro dias.

– Eu morava na Rua Joaquim

Silva, na Lapa, e até hoje não meesqueço daqueles caminhões chei-os de cadáveres passando – afir-mou o músico.

Calça-balãoParceiro maior de Nelson Ca-

vaquinho, Guilherme de BritoBollhorst, nascido e criado emVila Isabel, foi obrigado a largaros estudos e começar a trabalharcom 12 anos de idade. O motivo:a morte de seu pai, Alfredo Ni-colau Bollhorst. Apesar de aindaser criança, começou a bater pon-to na Casa Edison como office boypara ajudar sua mãe no sustentoda casa.

JULIANO GOMES, JULIO LOBATO, MARIA LUISA PORTO E VERÔNICA HERINGER

Todo c a rn a v a l tem seu f i m

A indesejada das gentes37

Os parceiros Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito fazemda morte a matéria-prima de seus sambas

Nelson Cavaquinho e seu principal instrumento, o violão

Foto extraída do filme Nelson Cavaquinho

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Ainda muitos anos antes deconhecer o parceiro que o torna-ria ilustre, Guilherme tinha umahistória de proximidade com omeio musical. Apesar de não pos-suir um piano em casa, sua mãesabia tocar o instrumento e o pai,que tocava violão, promovia se-restas, sempre convidando músi-cos e compositores para noites deanimadas reuniões.

No trabalho, Guilherme era oencarregado de espanar a poeiradas vitrolas da Casa Edison, ondeSinhô e Donga, pioneiros do sam-ba, gravavam seus discos. Foitambém no trabalho que suaprimeira composição foi feita.Como na época era necessárioestar vestido de paletó, calça egravata para ir trabalhar eG u i l h e rme e sua mãe não ti-nham condições de comprar aspeças, ele recebeu doações de doisamigos: um lhe emprestou ascalças e outro o paletó, enquantosua mãe criou uma gravatarecortando um pedaço de pano.

Ao chegar ao trabalho, Gui-l h e rme foi então o pro t a g o n i s t ade uma situação humilhante:seus colegas o chamaram de “cal-ça-balão” pelo formato e tama-nho da calça, que não havia sidofeita ou comprada para ele. Estepassou a ser o título de sua pri-meira composição, da qual elenem se re c o rda mais. Lembra-seapenas da humilhação e diz queesse foi um grande estímulo paracontinuar compondo.

Filho de pais pobres, Guilherm egastava seus momentos de lazerp e regrinando pelas ruas de Vi l aIsabel com um cavaquinho namão. Autodidata na música e napintura (sua outra paixão), o jovemrapaz tocava trechos de músicaspara quem solicitasse e conta que,assim, foi ganhando seus primeiro scachês, como as frutas que o donode uma quitanda lhe dava após aexecução de alguma música.

Solidão peregrinaE foi assim, nessa trajetória er-

rante, pegando carona no porta-malas de Noel Rosa e freqüentan-do estações de rádio à procura dealguém que gravasse uma desuas composições que Guilhermefoi se aproximando cada vezmais dos sambistas e composi-tores, sem saber ainda que maistarde encontraria em uma mesade bar seu maior parceiro, NelsonCavaquinho.

Assim como conheceu NoelRosa na Vila, foi também peregri-nando que Guilherme encontrouNelson. Sempre fora um sonhoseu apresentar uma composiçãoàquele que já começava a ga-nhar notoriedade nas rodas desamba e na gravação de algunsdiscos de artistas famosos.

A amizade entre os dois jánasceu da parceria. Um dia aover a roda de pessoas se forman-do ao redor de Nelson, Guilhermese aproximou e cantou a pri-meira parte de um samba, Gar-ça. Nelson aceitou e topou a céle-bre parceria, no ato.

– Nelson já era conhecido, ti-nha Degraus da vida. Ofereci aele, humildemente. Daí, foi dan-do certo, eu fazia as primeiraspartes e ele continuava, entãocombinamos de sermos parceirosexclusivos, mas volta e meia elepulava a cerca.

E do encontro nasceu umaespécie de paixão em que os fru-tos eram quase sempre ilumina-dos pela “luz negra” da morte.Fascinado pelo novo parceiro queconheceu em mesas de bar, Gui-lherme começou a compor versosem que a tristeza era o sentimen-to predominante.

– Sempre achei que a tristezatoca mais fundo às pessoas do

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Guilherme de Brito, remanescente da geração de ouro do samba

Paulo Eduardo Neves/2001

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que a alegria – confessou ementrevista ao site Samba-Choro.

Além de compartilhar dessavisão de que “sem um bocado detristeza não se faz um sambanão”, Guilherme passou a co-nhecer e respeitar seu novoamigo. A melancolia que Nelsonsentia, sua solidão de peregrino,a ausência de um encargo quelhe ocupasse os dias, a fissurapela mesa de bar, pela cervejaescura e gelada, pelo samba deimprovisação.

E foi compreendendo um poucoda dor de Nelson que Guilhermecompôs os versos que, mais tarde,ficaram conhecidos como uns dosmais bonitos da música popularbrasileira “tire seu sorriso docaminho, que eu quero passarcom a minha dor / hoje pra vocêeu sou um espinho, espinho nãomachuca a flor”. Segundo ele, foiexatamente numa mesa de bar,observando uma linda e sorri-dente mulher e incorporando oespírito melancólico de Nelson,que nasceram esses versos, quedepois Cavaquinho viria a com-pletar com: “é no espelho que euvejo minhas mágoas / E minhador e os meus olhos rasos d’água/ eu na sua vida já fui uma flor /hoje sou espinho em seu amor”

Samba macabroA morte sempre foi tema de

sambas e esteve presente nascomposições que embalavamcordões de carnaval desde o iní-cio do século XX. A expressão datristeza popular por meio de sam-bas cantados em cerimônias queesbanjavam alegria compunhacrônicas de uma história queficava à margem das páginas de

j o rnal e da literatura da altaclasse.

Um episódio que ilustra deforma lírica a convivência pacífi-ca entre a morte e a alegria car-navalesca ocorreu em 1902, du-rante o enterro de dois foliõesmortos em confronto com umbloco adversário. Argelino Gon-çalves, o Boi, e Jorge dos Santos,integrantes do cordão Filhos daEstrela de Dois Diamantes eramc o rtejados por integrantes dediversos blocos, no caminho en-tre o necrotério e o cemitério. Oscaixões, negros e pobres, pas-savam em meio à massa defoliões fantasiados em profusãode cores e temas diferentes, rode-ados por flores, instrumentos e osrufos dos tambores.

“Só o povo diverte-se nãoesquecendo as sua chagas, só apopulaça desta terra de solencara sem pavor a morte nossambas macabros do carnaval”sintetizou João do Rio. Essa era aexpressão fiel do sentimento po-pular de que o fúnebre e o lúdicotêm pontos de encontro.

Também Noel Rosa, grandecompositor da época de ouro dosamba nos anos 1920, expre s s a r i acom destreza o sentimento an-tagônico da presença da mort enos ares do carnaval. Nas pri-meiras estrofes de Fita Amare l a

(1933), o poeta exalta seu senti-mento fúnebre incorporando umamulata sambando à imagem deseu próprio caixão: “Quando eum o rrer / não quero choro nemvela (...) se existe alma / se háoutra encarnação / eu queria quea mulata / sapateasse no meucaixão (...) só quero choro de flau-ta / com violão e cavaquinho...”.

Nestes versos, Noel mostra-setranqüilo ao encarar a mort e ,talvez com um sentimento próxi-mo ao expressado por Nelson eG u i l h e rme de Brito em Pranto deum poeta. Nesta composição, ac e rteza de que um pranto alegre esem lenço soasse através do pan-d e i ro e do tamborim após a mort edo poeta evoca a resignação dorei vadio e de seu fiel compa-n h e i ro. Os versos “vivo tranqüiloem Mangueira / porque sei quealguém há de chorar / quando eum o rrer” se juntam a outras com-posições de sambas famososcomo Na cadência do samba”, deAtaulfo Alves e Paulo Gesta, quedemonstram a inclinação dosa rtistas populares do samba a

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“Música minha e doNelson, quem tiver

assinando juntopagou para entrar”

Guilherme de Brito

Auto-retrato de Gulherme de Brito

Guilhreme de Brito

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esse sentimento de re s i g n a ç ã opróprio do ritmo.“Quero morre rnuma batucada de bamba / nacadência bonita do samba”.

Deus, o criadorAssim como a morte, Deus

também é um tema recorrente naobra de Nelson e seu parceiroGuilherme. A mãe de Nelson tra-balhava como lavadeira noConvento das Carmelitas, emSanta Teresa. Em sua casa, ondemorava com sua última mulher,Durvalina, no Jardim América,havia um altar com imagens deSão Cosme e São Damião, JesusCristo, um Preto Velho, SãoSebastião, e outras divindades,rodeando um prato com moedas,sobre um pano branco que cobriaa mesinha baixa. Um dia, umamigo perguntou-lhe ao passarem frente a uma igreja:

– Nelson, você fala tanto emDeus nas suas músicas, porquenão entra nessa Igreja aí?

– Porque não posso – Nelsonrespondeu, grave.

– Por causa de quê?– Por que eu bebo – disse,

fechando o assuntoSegundo seu parc e i ro maior,

G u i l h e rme de Brito, Nelson era dotipo que se despedia com um “Deuste abençoe, meu filho” e afirm a :“ele não ia à Igreja, mas era muitoreligioso”. Em sua parceria M e uc a m i n h o os últimos três versosmostram essa reverência: “Só possoagradecer a Deus o criador / Queme deu tudo o que mereço /Estoutranqüilo com o meu amor”.

“Não sei negar esmola”A grande ligação de Nelson com

a religião se dá em um dos seusprincipais traços: a genero s i d a d e .

Embora estivesse quase sempresem dinheiro, tocando para poderb e b e r, quando recebia algum di-n h e i ro estava sempre a re p a rt i - l ocom quem fosse. O compositorPaulo César Pinheiro afirma que“Nelson ganhava seus cachês ealgumas vezes, pela manhã, nofinal de suas sessões de botequim,se via sem dinheiro para voltarpara casa, pois havia distribuídotudo entre os ali pre s e n t e s ” .

O jornalista Sérgio Cabral con-firma esse forte traço altruísta:

– Poucas vezes vi pessoas tãot e rnas no tratar com seus seme-lhantes, com a gente simples ehumilde – prostitutas, marg i n a i s ,t r a b a l h a d o res, bêbados e mendi-gos – que povoava seu mundocotidiano. Nelson, em depoimen-to ao cineasta Leon Hirszman pa-ra o documentário que leva o seunome, afirma que seu samba

Depois da vida(Guilherme de Brito / Nelson Cavaquinho)

Passei a mocidade esperando dar-te um beijo Sei que agora é tarde, mas matei o meu desejo É pena que os lábios gelados como os teus Não sintam o calor que eu conservei nos lábiosmeus.

No teu funeral estás tão fria assim Ai de mim, e dos beijos meus Eu te esperei, minha querida Mas só te beijei depois da vida

Eu e as flores(Guilherme de Brito / Nelson Cavaquinho)

Quando eu passo Perto das flores Quase elas dizem assimVai que amanhã enfeitaremos o seu fim A nossa vida é tão curta Estamos nesse mundo de passagem Ó meu grande Deus, nosso criador A minha vida pertence ao senhor

Quando eu me chamar saudade(Guilherme de Brito / Nelson Cavaquinho)

Sei que amanhãQuando eu morrerOs meus amigos vão dizerQue eu tinha um bom coraçãoAlguns até hão de chorarE querer me homenagearFazendo de ouro um violãoMas depois que o tempo passarSei que ninguém vai se lembrarQue eu fui emboraPor isso é que eu penso assimSe alguém quiser fazer por mimQue faça agoraMe dê as flores em vidaO carinhoA mão amigaPara aliviar meus aisDepois que eu me chamar saudadeNão preciso de vaidadeQuero preces e nada mais

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Músicas

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“mais sincero” é C a r i d a d e. Dentreas mais de 600 canções que com-pôs, esse era seu samba preferido:

“Não sei negar esmola /Aquem implora a caridade / Mecompadeço sempre de quem temnecessidade / Embora algum diaeu receba ingratidão / Não dei-xarei de socorrer a quem pedirum pão / Eu nunca soube evitarde praticar o bem / Porque euposso precisar também / Sei quea maior herança que eu tenho navida / É meu coração, amigo dosaflitos / Sei que não perco nadaem pensar assim / Porque ama-nhã não sei o que será de mim”

Samba compradoSua generosidade também se

expressa na freqüência em queNelson fornecia a autoria de seussambas a qualquer um que lheoferecesse algo, lhe pagasse uma

conta de bar, ou uma ínfimaquantia de dinheiro. Sobre oassunto, Guilherme de Brito écategórico: “música minha e doNelson, quem tiver assinandojunto pagou para entrar”.

Uma dessas canções creditadasa duvidosos autores, é Luto. Gui-l h e rme conta que sempre quecompunha algo mostrava parasua sogra. Segundo o compositor“ela tinha o gosto muito apura-do”. Já nos primeiros versos danova canção, os olhos de suaouvinte foram mareando. Mes-mo desconcertado continuou:

– Foi aí que eu lembrei quenaquela semana havia falecidouma neta dela, de doença azul,uma doença que tinha antiga-mente. Eu continuei cantando,ela continuou chorando e eu melembrando que não era hora decantar pra ela.

Daí nasceram os versos:“Respeite a minha dor / Nãocante agora / Perdi meu grandeamor / Faz uma hora / O seugesto é muito feio / Você deverespeitar o mal alheio / Eu tam-bém já fui feliz até que um dia /O luto envolveu minha alegria”.

Nesse mundo de eterno sofrer es o rr i r, estes poetas populare s(que até hoje não detém todos osl o u ros que merecem) se torn a-ram os cronistas das pequenas egrandes mortes do dia a dia.Suas vozes re p resentam a “dorque não sai nos jornais” da qualse referiu Zé Keti. O violão esta-lado, acompanhado das ro u c a svozes de Nelson e Guilherme, éuma das mais autênticas re p re-sentações do trágico e do lúdico,que tanto teimam em misturar-se ao longo desse triste sambaque é viver.

Nelson CavaquinhoDireção: Leon HirszmanFotografia: Mario Carneiro

Montagem: Eduardo EscorelSaga Filmes 1969

A indesejada das gentes 41

Roda de SambaA Voz do Morro1964 / Musidisc

Elizete sobe o morroElizete Cardoso1965 / Copacabana

Telma canta Nelson CavaquinhoNelson Cavaquinho1966 / CBS

Fala Mangueira!Carlos Cachaça, Cartola,Clementina de Jesus, NelsonCavaquinho e Odete Amaral1968 / Odeon

Q u a t ro do sambaNelson Cavaquinho, Guilherm ede Brito, Candeia e EltonM e d e i ro s1977 / RCA Vi c t o r

A música brasileira deste séculopor seus autores e intérpretes Nelson Cavaquinho2000 / SESC - SP

Nome sagrado – Beth Carvalhocanta Nelson CavaquinhoBeth Carvalho2001 / Jam Music

LIVROS

Fala Mangueira!Carlos Cachaça, Marília T.Barboza da Silva e Arthur L.Oliveira FilhoEditora José Olympio1980

Nelson Cavaquinho: enxugue os olhos e me dê um abraçoFlávio Moreira da Costa Coleção Perfis do Rio Relume-Dumará S/D

Nelson Cavaquinho: luto emelancolia na Música Popular BrasileiraJosé NovaesEditora Intertexto e Oficina doAutor Editora 2003

O repouso do samba

F I L M E

D I S C O G R A F I A