Tibério Graco e Questão Agrária Na República Romana.

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Tibério Graco e a questão agrária na República Romana JONATHAN BARRETO AZEVEDO 115002037 [email protected] A questão agrária foi um dos temais que mais ocupou o debate político durante a república romana. A história contabiliza mais de vinte leis agrárias durante o período. Parte dessa relevância ao tema se deve as conquistas territoriais e a como o poder público lidava com essas terras, e somado à divergência que pode ser remontada, pelo menos, ao século V entre patrícios e plebeus no tocante à utilização de tais terras. Algumas figuras públicas de Roma tiveram importante participação no processo, das quais se destaca neste trabalho, a de Tibério Graco. É ainda importante observar a atualidade do tema, e como notou Silvio Meira, “há dois mil e quinhentos anos já se falava em reforma agrária, em legislação agrária, em reinvindicações de terras concentradas em mãos de alguns e que outros disputavam, numa luta exacerbada” 1 A tentativa de uma reforma agrária aparece com frequência na história romana, como exemplo, as seguintes: em 486 a de Espúrio Cássio, a Lex Icilia de Aventino Publicando provavelmente do ano de 393, O Tribuno Flamínio no ano de 232, ano de 167 a de Licínio Stolo, todas essas antes da nossa era e que antecederam as reformas de Tibério Graco, em 134 e em sequência a de seu irmão, Caio Graco, no ano de 123 a.C. A citada reforma proposta por Espúrio Cássio, em 486, culminou em um desfecho similar ao das reformas que a sucederão: a morte do seu instituidor. Cássio, que era patrício, defendia a divisão das terras públicas com os plebeus (ager publicus). Comumente o Senado arrendava as terras aos patrícios. Os senadores acusaram-no de tentar reestabelecer a monarquia, e os tribunos da plebe, por sua vez, recusaram-se a defender Espúrio por ser um patrício. 2 1 MEIRA, Sílvio A.B. Novos e velhos temas de direito. Rio de Janeiro: Forense, 1973. p.39 2 FLORES, Moacy. Os Revolucionários na Roma antiga in O mundo Greco-Romano: O sagrado e o Profano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 116

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O presente trabalho tem como objetivo analisar a questão agrária na República Romana, traçando relações diretas com o direito romano e como as estruturas políticas da época dialogam com questões mais recentes como a reforma agrária.

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Tibério Graco

e a questão agrária na República Romana

JONATHAN BARRETO AZEVEDO

115002037

[email protected]

A questão agrária foi um dos temais que mais ocupou o debate político durante a

república romana. A história contabiliza mais de vinte leis agrárias durante o período.

Parte dessa relevância ao tema se deve as conquistas territoriais e a como o poder

público lidava com essas terras, e somado à divergência – que pode ser remontada, pelo

menos, ao século V – entre patrícios e plebeus no tocante à utilização de tais terras.

Algumas figuras públicas de Roma tiveram importante participação no processo, das

quais se destaca neste trabalho, a de Tibério Graco. É ainda importante observar a

atualidade do tema, e como notou Silvio Meira, “há dois mil e quinhentos anos já se

falava em reforma agrária, em legislação agrária, em reinvindicações de terras

concentradas em mãos de alguns e que outros disputavam, numa luta exacerbada”1

A tentativa de uma reforma agrária aparece com frequência na história romana, como

exemplo, as seguintes: em 486 a de Espúrio Cássio, a Lex Icilia de Aventino

Publicando – provavelmente do ano de 393, O Tribuno Flamínio no ano de 232, ano de

167 a de Licínio Stolo, todas essas antes da nossa era e que antecederam as reformas de

Tibério Graco, em 134 e em sequência a de seu irmão, Caio Graco, no ano de 123 a.C.

A citada reforma proposta por Espúrio Cássio, em 486, culminou em um desfecho

similar ao das reformas que a sucederão: a morte do seu instituidor. Cássio, que era

patrício, defendia a divisão das terras públicas com os plebeus (ager publicus).

Comumente o Senado arrendava as terras aos patrícios. Os senadores acusaram-no de

tentar reestabelecer a monarquia, e os tribunos da plebe, por sua vez, recusaram-se a

defender Espúrio por ser um patrício. 2

1 MEIRA, Sílvio A.B. Novos e velhos temas de direito. Rio de Janeiro: Forense, 1973. p.39 2 FLORES, Moacy. Os Revolucionários na Roma antiga in O mundo Greco-Romano: O sagrado e o Profano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 116

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O Tribuno Flamínio (232 a.C.) estipula que o ager publicus considerava-se dividido

em: Agri scripturarii; Agri arcifinales e Agri adsignati. Que eram, sucessivamente,

campos de florestas ou pátios que o Estado, mediante pagamento de um tributo

adjudicava; terrenos cultiváveis em estado de abandono que o Estado arrendava

mediante o pagamento do dízimo ou da quinta parte da colheita; e os terrenos cultivados

e bem delimitados. Esses últimos, poderiam ter fins distintos, como ser arrendados,

divididos em lotes para venda ou mesmo distribuídos gratuitamente por diversos

pretendentes e recebendo assim a designação de ager colunicus.3 Na realidade, era a

minoria rica quem acabava arrendando as terras, o que organicamente levaria a

formação de latifúndios, cujos donos não habitam a cidade, e são cultivados por

escravos. Tendo como consequência, uma das preocupações de Tibério, o êxodo rural e

o inchaço urbano.

“Uma outra transformação importante na sociedade romana em consequência do

sucesso das conquistas e da utilização do trabalho escravo em grande escala foi o

aumento significativo do contingente de plebeus desocupados. A estes juntaram-

se levas de pequenos agricultores arruinados que faziam crescer os números do

êxodo rural e inchar as cidades, sobretudo a capital”4 (FUNARI, 2001, p. 98)

Tibério Semprônio Graco

Seu casamento com a filha de Ápio Cláudio Pulcro permite seu ingresso num meio

aristocrático minoritário que deseja realizar algumas reformas sociais e econômicas. É

importante observar ainda alguns episódios e momentos da vida de Tibério – um

patrício - que foram relevantes para a formação do desejo de atuar pelas causas do povo.

A sua formação intelectual, por exemplo, foi dada por dois gregos: Bóssio de Cumas e

Diófones de Mitilene. O primeiro era um estoico, cuja filosofia acreditava ser destino do

Homem servir a sociedade e que o Homem só é inteligível à medida que se integra na

sociedade5. Já o segundo, propôs-lhe Péricles como modelo de eloquência e ação

política. Outro fato que veio a confirmar suas suspeitas quanto a possibilidade de uma

revolução popular dada as condições do momento foi a revolta dos escravos na Sicilia

no ano de 135.

No verão de 134, Tibério que já era largamente conhecido por ser um veemente

defensor da reforma agrária, anunciou sua candidatura ao tribuno da plebe de 133.

Naquele ano as eleições foram agitadas em torno das questões da terra, como se pode

ver em um excerto de Plutarco:

3 D’ENCARNAÇÃO, José. Tiberio Semprónio Graco (162-133 a.C.) entre o voo das águias e a voracidade dos abutres. Espacio, Tiempo y Forma, Serie II, Historia Antigua, t. 13, 2000, p. 220 4 FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. 5 D’ENCARNAÇÃO, José. Ob. Cit., p.29

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“Mais que qualquer outra coisa, manifestaram-se nas eleições as tendências

ambiciosas e a decisão de atuar do povo romano que, com inscrições sobre os

pórticos, os muros e os monumentos, incitavam Tibério a tirar dos ricos as terras

pertencentes ao Poder Público para redistribuí-las aos pobres.”6

Ao assumir o cargo, apresentou seu projeto, redigido com a colaboração dos mais

famosos juristas da época, entre eles Públio M. Scevola, Públio Lícinio Craso e outros,

à Assembleia Popular no qual constava que “nenhum cidadão romano ou confederado

poderia ser proprietário de mais de 500 jeiras de terras fiscais (125 hectares),

acrescentando-se 250 jeiras para cada um dos filhos maiores. O excesso seria

adjudicado ao Poder Público e dividido em lotes de 30 jeiras (sete e meio hectares), que

seriam entregues aos que precisassem de terras, como posses inalienáveis e livres de

quaisquer tributos.”7

Analisando os discursos de Tibério Graco que chegaram a nós através de Plutarco é

notável como ele os desenvolveu à luz de Péricles. Mesmo que com certa distância –

pouco significativa em termos de história antiga -, os relatos de Plutarco, historiador

grego que viveu entre os anos 50 d. C. e 120 d. C. não são carentes de autenticidade.8

“As feras que vivem na Itália têm as suas tocas e os seus esconderijos onde se

recolher; mas aqueles que combatem pela Itália e que pela Itália dão a própria

vida, a esses homens nada lhes é devido, a não ser a comunidade do ar e da luz.

E, assim, privados de habitação, eles erram, vagabundos, acompanhados das

mulheres e dos filhos.

Mentem os generais, guando exortam os soldados a que combatam contra os

inimigos, porque dessa forma salvaguardam as suas sepulturas e as suas coisas

sagradas! Mentem! E mentem porque, numa tão grande multidão da plebe

romana, ninguém tem um altar paterno nem um monumento dos seus

antepassados!... Eles combatem e eles morrem por aquilo que é alheio e pelas

alheias riquezas. E, sendo chamados "senhores de toda a Terra", eles nem sequer

possuem uma jeira de terreno!” 9

A organização romana permitia que outro tribuno vetasse uma proposta por meio da

intercessio e assim Marco Otávio procedeu, bloqueando o projeto da reforma agrária que só

seria trazido novamente a votação no ano seguinte. Tibério Graco, então, pediu o afastamento

de Otávio do tribunato se valendo do poder das Assembleias populares.

A atitude de Graco, ao destituir Otávio do cargo com o apoio popular, era avessa à tradição

republicana romana, onde o mos maiorum era lei. As ações de Graco atentaram contra o

6 PLUTARCO, Tibério Graco, VIII. 7 SURGIK, Aloísio. A luta pela propriedade da terra na história de Roma e do Brasil. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 32, 1999. p.25 8 BOWDER, Diana. Quem foi quem na Roma antiga. São Paulo: Art Editora, 1980. 9 PLUTARCO, Tibério Graco, IX.

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princípio de colegialidade e acabava por transferir dos magistrados para a assembleia popular

a suprema autoridade, o que parecia colocar em cheque a tradição institucional dos

tribunatos. Em seguida “fez eleger como triunviros para superintenderem aplicação da lei,

além dele próprio, duas pessoas da sua família: o sogro e o irmão, Gaio. Os protestos não se

fizeram esperar; mas, alheio a eles, Tibério Graco ousou de mais: recandidatou-se ao tri-

bunado.”10 Nesse contexto fica subentendido um desejo de personificar o poder por parte de

Tibério que o acaba traindo. Por fim, abandonado pela plebe já servida, na cidade onde

integrava as clientelas, na província onde novas terras lhe tinham sido entregues e por seus

colegas de tribunato que não suportavam sua supremacia sobre eles, acaba sendo morto com

outros 300 dos seus partidários por seus perseguidores.

Doravante, durante a república, a tentativa da plebe de conseguir mais direito à terra. O irmão

Graco mais novo, Caio, dez anos após a morte de Tibério em 123 a.C. se candidata ao tribuno e

ganha, iniciando uma incessante tentativa de concluir a reforma iniciada por seu irmão. Mas

acabou por encontrar fortes reações, “porém seu fim foi mais trágico que o de seu irmão

Tibério, pois, enquanto este fora lançado ao Tibre, Caio teve a cabeça cortada e espetada em

uma lança”11

A relevância das reformas agrárias na República Romana talvez seja didática, nossa sociedade

e aquela guardam traços muito comuns, e em certos momentos da narrativa histórica é

convidativo fazer um paralelo entre os tempos. Se valendo de bastante rigor teórico na

tentativa de escapar dos famigerados anacronismos, é possível partir para instigantes

reflexões nesse paralelo historiográfico. É possível, talvez, enxergar nas ações dos Gracos –

acrescenta-se aqui também Caio – certa precursão do socialismo ou ainda, acusá-los de pura

demagogia. 12

Ademais, pode-se ainda notar o surgimento de um poder mais pessoalizado, algo que viria se

concretizar futuramente na decadência da República e com o surgimento do Império, nas

desmedidas ações de Tibério Graco que na tentativa de conceder às camadas mais populares,

seja por oportunismo ou um por uma consciência social, atenta contra as instituições da

república, usando sua dignitas pessoal conquistada com apoio popular para obstruir a libertas

dos aristocratas. Algo que levou inclusive ao senador Cipião Násica a acusação de “pretensão à

realeza”.

O futuro do pretérito, pouco caro à história, deixa em aberto as questões que parecem

perturbar todas as fracassadas tentativas de reformas – ou revolução, ser mais contido,

respeitar as instituições já sedimentadas, e dialogar com a aristocracia não permitiria, talvez, o

encontro de uma solução melhor para o povo romano ou impossibilitaria isso qualquer

mudança no status quo? Ou ainda, seria a total radicalização, com ações por completo

disruptivas que permitiriam a solução do problema, uma revolução?

10 D’ENCARNAÇÃO, José. Ob. Cit., p.226 11 MEIRA, Sílvio A.B. Ob. Cit., p.51 12 D’ENCARNAÇÃO, José. Ob. Cit., p.226