Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 1/296
FRANCISCORUDIGER
THEODOR
ORNOE
CRÍTICA
ÀINDÚSTRIA
CULTURAL
comunicação
e teoria crítica
dasociedade
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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N
stes
tempos
sombrios, marca
do s por análises fragmentadas
e
fragmentadoras,
em
que se
proclama
a
explosão das
velhas totalidades -
das
velhas
n a r r a t i v a s ,
para
se
usar o jargão
atual
-
e i s
um
ensaio
que
re t oma
a
b oa
tradição dialética
sem
concessões à
f l a c i d e z i n t e l e c t u a l vigente. E com um
traço
de
ousadia:
recupera
como
categoria de análise
a noção
de
i n d ú s t r i a c u l t u r a l .
Seguindo sugestão de
Habermas,
o autor
assume, com
plena
consciência
dos
r i s c o s ,
a
tarefa
de
reconstruir
as
proposições c r i t i c a s que se inscrevem
naquela categoria, ainda que
soterradas
s ob
o p e s o
de
leituras
p a r c i a i s equivocadas.
Com o propósito de retomar
o
sentido o r i g i n a l , c r i t i c o e d i a l é t i c o
do
conceito,
Francisco
Rúdiger
realiza
ampla e cuidadosa l e i t u r a da Teoria
C r i t i c a . O autor centra sua análise em
Adorno,
considerado fora
de moda,
apocalíptico e
nostálgico da a l t a
c u l t u r a
burguesa, segundo
os ideólogos do
neopopulismo
de mercado
e os
defensores
do
relativismo valorativo no
plano c u l t u r a l .
Questão essencial:
a indústria
cultural não s e
confunde com
as
empresas produtoras
e
nem com
as
técnicas
de difusão
dos
bens c u l t u r a i s ,
dizendo
respeito,
antes de tudo, à
extensão das
relações mercantis ao
conjunto da vida
s o c i a l , nas
condições
de
crescente
monopolização
do
c a p i t a l .
Hoje
se
vive o estágio
f i n a l
de um
processo
em
que, segundo Adorno,
o
mundo
i n t e i r o é
forçado a pas sar pelo
f i l t r o da máquina p u b l i c i t á r i a
que
se
t o r nou
a
indústria cultural,
desaparecendo
a di fe re nç a e nt re
cultura e vida p r á t i c a .
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TheodorAdorno
e
a
crítica
à
indústriacultural
Comunicaçãoe teoria crítica da sociedade
Th1 s One
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Chanceler:
Dom Dadeus G r i n g s
R e i t o r :
N o r b e r t o
F r a n c i s c o
Rauch
V i c e - R e i t o r :
Joaquim C l o t e t
Conselho E d i t o r i a l :
Antoninho
Muza Naime
A n t o n i o Mário P a s c u a l
B i a n c h i
D é l c i a
E n r i c o n e
Helena Noronha Cury
Jayme P a v i a n i
J u s s a r a
Maria
Rosa
Mendes
L u i z A n t o n i o d e A s s i s B ra s il e S i l v a
M a r í l i a
Gerhardt
d e
O l i v e i r a
M í r i a n
O l i v e i r a
Urbano
Z i l l e s ( P r e s i d e n t e )
D i r e t o r
da
EDIPUCRS:
Antoninho Muza Naime
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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Francisco Riidiger
TheodorAdorno
ea
crítica
àindústriacultural
Comunicaçãoe
teoria
crítica
da
sociedade
Coleção
Comunicação
-
19
3 a
Edição
REVISTA E ATUALIZADA
P or t o Ale gr e , 2004
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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©
EDIPUCRS,
2 a e d i ç ã o
2 0 0 2 ;
3 a
e d i ç ã o : 2004
Capa: Samir
Machado
d e
Machado
Preparação
d e
o r i g i n a i s :
E u r i c o
S a l d a n h a d e Lemos
E d i t o r a ç ã o
e
c o m p o s i ç ã o : S u l i a n i
E d i t o g r a f i a
R e v i s ã o d e
normas:
Anaí
Zubik
Camargo
d e
Souza
R e v i s ã o : do
a u t o r
I m p r e s s ã o e acabamento:
G r á f i c a
EPECE
Coleção
Comunicação
- v o l . 1 9
Coordenador
da c o l e ç ã o : F r an c i s c o Menezes
M a r t i n s
Dados I n t e r n a c i o n a i s
d e
C a t a l o g a ç ã o
n a
P u b l i c a ç ã o
( C I P )
R916t
R i i d i g e r ,
F r a n c i s c o
Theodor Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l : c o
municação e t e o r i a c r í t i c a d a
s o c i e d a d e
/ F r a n c i s c o R i i
d i g e r .
-
3 . e d .
r e v .
e a t u a l . - P o r t o
A l e g r e :
EDIPUCRS,
2 0 0 4 .
288 p . - ( C o l e ç ã o Comunicação
;
1 9 )
A p r i m e i r a e s e g u n d a e d i ç ã o foram p u b l i c a d a s com
o t í t u l o : Comunicação e t e o r i a c r í t i c a
d a s o c i e d a d e :
fundamentos d a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
e m
A d o r n o .
ISBN
8 5 - 7 4 3 0 - 4 8 0 - 8
1 .
Comunicação
d e
Massa -
A s p e c t o s C u l t u r a i s . 2 .
I n d ú s t r i a C u l t u r a l . 3 . A d o r n o .
Theodor
W.
-
C r í t i c a e
I n t e r p r e t a ç ã o . 4 . C u l t u r a e M í d i a . 5 . C u l t u r a e
S o c i o l o
g i a .
I . T í t u l o .
I I .
T í t u l o :
Comunicação e t e or i a c r í t i c a d a
s o c i e d a d e : f u n d a m e n t o s
d a
c r í t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
e m A d o r n o . I I I . S é r i e .
CDD
3 0 1 . 1 6
3 0 1 . 2
F i c h a C a t a l o g r á f i c a e l a b o r a d a p e l o
S e t o r
d e
P r o c e s s a m e n t o T é c n i c o
d a BC-PUCRS
P r o i b i d a a
r e p r o d u ç ã o
t o t a l ou p a r c i a l d e s t a o b r a
sem a u t o r i z a ç ã o e x p r e s s a
d a
E d i t o r a .
EDIPUCRS
A v . I pi ra n ga ,
6681 - P r é d i o
33
Caixa P o s t a l 1429
90619-900 - P o r t o
A l e g r e - RS
B r a s i l
F o n e / f a x : (51)3320.3523
E - m a i l :
e d i p u c r s @ p u c r s . b r
www.pucrs. b r .
e d i p u c r s
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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Sumário
Prefácio à
3
edição / 7
Apresentação / 9
1 Premissas da c r í t i c a
à indústria cultural
/ 19
1 . 1 Capitalismo e c u l t u r a
moderna
/
2 0
1 . 2 Fetichismo e fantasmagoria / 3 5
1 . 3 A sociedade
administrada / 4 4
2 El e m e n t o s originadores da
problemática
/ 6 3
2 . 1 Os i n t e l e c t u a i s e a c r i s e da cultura /
6 4
2.2 Benjamin, Kracauer e Bloch / 75
3 Perspectivas da concepção adorniana / 95
3 . 1
Réplicas à visão progressista
/
95
3.2
Cultura e barbárie
tecnológica
/
1 10
4 A
dialética
da
arte: utopia
e tragédia / 127
4 . 1 A
a r t e
na e r a
da
técnica
/ 1
3 0
4.2 Técnica, a r t e e entretenimento / 141
5 Cultura e ideologia:
o vé u
tecnológico / 16 5
5 . 1 Tecnicismo e r e i f i c a ç ã o / 166
5.2 Esquematismo e
mercantilização
/
18 6
6 Destinações do s u j e i t o : regressão e assujeitamento / 199
6 . 1 Resistência e assujeitamento / 2 0 0
6.2
A regressão
da consciência / 2 15
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7 Programa de pesquisa: premissas
e
discurso
do
método / 2 3 7
7 .
1 Linhas
g e r a i s
de investigação /
2 3 9
7. 2 Ciência s o c i a l c r í t i c a e
cultura
de mercado / 2 5 3
7 . 3
Limites
da
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
/
2 6 2
Conclusão
/
2 6 9
Referências / 2 8
1
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Prefácio
à
3a
edição
Comunicação e teoria crítica da sociedade aparecia nas edi
ções
anteriores
como
t í t u l o principal
desta
obra.
Convertendo
a
expr e s são
em
subtítulo
do
volume,
busca-se
agora
ajustar
s ua
chamada
e
conteúdo. Afinal, o texto assume plenamente, nesta
edição, a condição ambígua de não s e r , em essência, nem recons
tituição
histórica, nem relato crítico da reflexão
adorniana
so b r e
a
indústria cultural.
Baseando-se no s escritos dess e autor, o trabalho procede,
como
já
d i t o , ao
que se
poderia
chamar
de
reconstrução epistê-
mica
e
reflexiva
do
s e u
espólio.
Importante
no
texto é
a
pr e m i s sa
ou
hipótese de
que o
reordenamento
dessa reflexão
é
capaz
de
nos
fornecer uma
fundamentação historicamente esclarecida
e
potencialmente
produtiva com que, cr e mo s , po de - se
fazer avan
çar o pensamento no
campo
do s chamados
estudos de
mídia e
cultura.
Caberá
ao l e i t o r
julgar
o
m é r i to
dos
resultados obtidos,
consciente
de
que
não
se
t r a t a
aqui
de
uma simples
restauração,
ortodoxa ou não, do legado
dess e
pensador frankfurtiano. Para
nós,
a c r í t i c a
à indústria cultural
não
tem
por que
ser menos
dia-
lética do que
a
crítica
cultural
com que
podíamos
analisar as
obras de a r t e , quer isso
t enha
ou não sido admitido por Adorno.
A
fisiognomia
sociológica ou c r í t i c a social da cultura que
se encontra nes sa última linha de análise, a da c r í t i c a da cultura,
também se aplica, em princípio, ao campo da produção cultural
para as massas.
O
ent endimento
apriorístico das
operações
do
capitalismo em
relação às
atividades culturais não precisa
ser
visto como uma
fatalidade
para a
c r í t i c a
da indústria
cultural.
A
autonomia relativa da c r í t i c a social da cultura não
a
isola dessa
última c r í t i c a , porque - agora - é e s sa -
a
c r í t i c a à indústria
cul
t u r a l -
que ocupa
o
lugar em que
antes
atuava
a c r í t i c a cultural,
fosse reacionária ou progressista.
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8
F r a n c i s c o R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Destarte,
apresenta-se
a c r í t i c a à
indústria
cultural
aqui
em
conexão com
a reflexão
c r í t i c a sobre o
racionalismo moderno e
com
as
propostas
fundamentadoras
de
uma
ciência
social
c r í t i c a .
Deseja-se pensar que é válido vê-la como
uma
espécie de rein
terpretação pós-moderna
da
velha c r í t i c a
cultural
em chave de
teoria c r í t i c a da sociedade. Sobre isso tudo, pode-se consultar, de
r e s t o , no s s o trabalho Ciência social crítica e
pesquisa
em comu
nicação ( 2 0 0 2 ) .
Continuam inéditos, ainda hoje, v ár io s t ext os de
interesse
para a di scus s ã o
levada
a
cabo
nestas
páginas.
Sobretudo
o con
junto, h á mui t o em
vias
de publicação, intitulado Current ofmu-
s i c : el em ent s of a radio
theory
( Ado rno , 1 93 8 - 19 4 4, org. de Ro-
bert Hullot-Kentor).
Levando
isso
em conta,
pode-se
afirmar que tanto
a
c r í t i c a
à
indústria cultural quanto
a
ciência social c r í t i c a que ela funda
menta conservam um interesse que, passando pelas pesquisas
que
essas
disciplinas
podem
orientar,
incide também
no que diz
respeito ao
aprofundamento
historiográfico mas, também, re-
construtivo
de suas
proposições
filosóficas.
As
alterações
no texto feitas nesta edição limitam-se a
acrescentar
referências
bibliográficas, a corrigir erros
gramati
c a i s ,
a mover parágrafos e a melhorar
o
e s t i l o de certas passa
gens.
Francisco
Rudiger
3 0 / 0 6 / 2 0 0 4
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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presentação
Em
969,
Adorno fazia notar
que
tive ram de se passar
t r i n t a
anos para que a teoria c r í t i c a da indústria cultural se afirmasse;
[ e ]
ainda
hoje
numerosas
instâncias
e
agências
tentam
sufocá-la,
por prejudicar os negócios .1
O panorama atual
não
só mudou pouco como re ve la a conso
lidação do recuo
em
relação
à aceitação dessa teoria
no
pensa
mento
publicístico
contemporâneo.
A reflexão c r í t i c a
perdeu t e r
reno diante do discurso entusiasta, quer em relação ao pr ogr e ss o
técnico,
quer
em
relação ao
bom
s en so das
massas.
A
própria
c r í t i c a
à
utopia
mergulhou
hoje
no
a r s e n a l
ideológico,
enquanto,
ao
mesmo tempo, o t r i u n f o da técnica serve para
ence
nar que
a u t o p i a ,
i r r e c o n c i l i á v e l com a s a t u a i s relações
de produ
ção,
j á
e s t a r i a realizada
e concretizada
no âmbito dessas
r e l a ç õ e s . 2
Chegada
a era pós-moderna -
vislumbrada
pelos
velhos
frankfurtianos, como se v ê pela nota acima, a c r í t i c a à indústria
da cultura parece t e r sido jogada às t raças pela maior parte dos
praticantes
dos
estudos
culturais
e
pesquisadores
da
comunica
ção.
Nas palavras de Lo wenthal, so b r evi vente do
grupo
original,
a relativização dos valores e o niilismo moral chegaram a t a l
ponto que seus formadores tornaram-se
alvo
de manobras que
v i sa m a
colocá-los
na posição de completos reacionários, apenas
porque mantiveram firm e m e n t e a idéia de a r t e autónoma e
c r i t i
cam
a
cultura
de
massa. 3
1
ADORNO, T .
S e r i a i
s o c i o l o g i c i . T u r i m : E in au di , 1 9 7 6 , p . 2 8 7 . D o r a v a n t e , a c o l e t â -
n e a
s e r á c i t a d a n o c o r p o d o t e x t o , e n t r e p a r ê n t e s e s , como E s c r i t o s .
2
ADORNO,
T . S o c i o l o g i a
( O r g . d e
G . C o h n ) .
S ã o P a u l o :
Á t i c a , 1 9 8 6 , p . 6 9 .
D o r a v a n
t e ,
a
c o l e t â n e a s e r á
c i t a d a ,
n o c o r p o
d o t e x t o , como
S o c i o l o g i a .
3 LOWENTHAL, L . An
u n m a s t e r e d
p a s t . B e r k e le y ( C A ) : The
U n i v e r s i t y
o f
C a l i f o r n i a
P r e s s ,
1 9 8 7 ,
p .
2 5 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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1
0 F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o e a c r í t i c a à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
A tendência agora é legitimar a cultura de massa e
saudar
o
advento
da sociedade de
comunicação. O recurso à
teoria c r í t i c a
s oa
como
um
anacronismo
ou
expediente
e l i t i s t a ,
carregado
de
esquematismo
e
visão e s t r e i t a ,
promovido por
modernistas
nos
tálgicos, saudosos da suposta cultura autêntica
gestada
nos p r i
mórdios da
era burguesa.
Acusada de
não
t e r
legitimidade
e provir
de um horizonte
fo
ra
de
moda, a
c r í t i c a
à
indústria cultural tornou-se
para
muitos
denuncismo rancoroso e espécie
de
discurso depressivo, metodo
logicamente de s p ro v ido do s
m e i o s
para
compreender
as
ben e s s e s
da técnica e as contradições
da
sociedade, a
cultura no
plural e as
m e di aç õe s n a co m un icaç ã o.
Adorno e Hor kh ei m er
raciocinaram
como s e a i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
de
massa i n s t a l a s s e
para todo o sempre uma coletividade
monolítica,
d e s t i t u í d a de raciocínio c r í t i c o e uniformizada pelos
mesmos
gos
t o s . Parecia
que haviam chegado ao fim de todas
a s
transformações
s o c i a i s .
Não levaram
em
consideração
o
constante devir
das
d i f e
renciações
i n t e r n a s da sociedade, em relação
à s
quais o progresso
tecnológico age
também
como um
f a t o r
de v a r i a ç õ e s . 4
Destarte, co ns ide ra- se h oj e que
s eu tempo
passou. Ainda
que po ss uí s s e algo r ele vant e a dizer,
nós teríamos
m e i o s melho
res de fazê-lo. Persistir
com o
e nfo que da Escola de Frankfurt
significa [portanto]
ficar preso a
um enfoque que
é
ao
mesmo
tempo
estreito
e ultrapassado .5
A
perspectiva do presente ensaio é d i s t i n t a , insere-se em uma
direção contrária,
ao
propor-se a fazer
uma
revisão menos sumá
r i a e
mais
positiva,
em
comparação
com
as usuais,
da c r í t i c a
à
indústria cultural proposta pela referida escola. O principal m o ti
vo que no s i mpuls i ona
é romper
o
consenso esboçado acima;
não
po rque h á e s s e consenso, mas pelo fato
do
mesmo ser f a l s o ,
manter-se através de clichês
e
simplificações.
Parafraseando
Adorno,
revisar
as
proposições
originárias
da
c r í t i c a à indústria cultural significa aqui uma tentativa de fazer
4
PUTERMAN, P . I n d ú s t r i a
cultural : a g o n i a d e
um c o n c e i t o .
S ã o
P a u l o : P e r s p e c t i v a .
1 9 9 4 , p . 2 1 - 2 2 .
STRINATI, D . An i n t r o d u c t i o n t o t h e t h e o r i e s o f p o p u l a r c u l t u r e .
L o n d r e s :
R o u t l e d g e , 1 9 9 5 ,
p .
5 2 . C f . J i m C o l l i n s : Uncommon
c u l t u r e s
- p o p u l a r
c u l t u r e
and
p o s t m o d e r n i s m . L o n d r e s :
R o u t l e d g e ,
1 9 8 7 .
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A p r e s e n t a ç ã o
1 1
ve r
ao
l e i t o r o que, segundo n o s s o juízo, subjaz à rejeição
de
suas teses ou, pelo menos um esforço no sentido de colocar à
disposição desse
outros
e l e m e n t o s
para
examinar
as
postulações
do filósofo e ,
assim, a
talvez
formar
um juízo menos
mecânico
sobre
a natureza e os problemas
dos quais
a
referida c r í t i c a se
ocupa
já
h á
mais de meio século.
Nos anos 1970, Umberto Eco difundiu entre
nós
uma distin
ç ão e nt re t eó ri co s
apocalípticos e
integrados
que, válida
como
resumo de uma trama urdida de
m ane i ra m ui t o
mais complexa,
todavia
t er m inou
se
tornando
um
código
de
contato
e
um
esque
ma
de realidade entre os pesquisadores da comun icaç ã o . Nela, os
pensadores
frankfurtianos foram
classificados como apocalípti
cos e a compreensão de s eu pensamento passou a
ser
dada como
encerrada com
a leitura rasteira
de um ou
dois
textos (geralmente
o Resumo d ' a indústria cultural [Adorno] e
A
ideologia da s o
ciedade industrial [Marcuse]).
Os frankfurtianos várias v ez e s fiz e ram
afirmações
grosseiras
e
taxativas sobre o significado das
comunicações
na
sociedade,
como,
por
exemplo,
as de que o entretenimento popular r e s pon
de em realidade
a
uma necessidade criada artificialmente pela
indústria
cultural, manipulada e
por
conseguinte
depravada por
ela ;
de que
os produtos da cultura de
massa
carecem de todos
os traços
da
genuína
a r t e , limitando-se a reproduzir
a
realidade
através do us o de instrumentos tomados de e m pr é s t im o ; 7 ou, e n
fim,
de
que
o
si s t ema
da indústria cultural
como
um
t odo m as si
fica e impede a formação de indivíduos autónomos e indepen
dentes, capazes de
julgar
e de
decidir
por s i mesmos .8
A colaboração
e incentivo
que
idéias
como essas
deram
ao
en t end i m en t o
mecanicista -
defendido
dentro
e
fora do meio i n
t e l e c t u a l , de que a mídia exerce um poder
direto
sobre o p en sa
mento e a
ação dos seres humanos não devem
ser
subestimados.
6 HORKHEIMER,
M.
T e o r i a c r i t i c a . B a r c e l o n a : B a r r a l . 1 9 7 4 , p . 1 3 4 .
7
LOWENTHAL, L . L i t e r a t u r e and
mass
c u l t u r e .
Ne w B r u n s w i c k ( N J ) :
T r a n s a c t i o n ,
1 9 8 4 ,
p .
7 .
8
ADORNO,
T .
T h e
C u l t u r e I n d u s t r y
E d i t .
p o r J . B e r n s t e i n ) .
L o n d r e s :
R o u t l e d g e ,
1 9 9 1 ,
p . 9 2 .
D o r a v a n t e , a c o l e t â n e a
s e r á c i t a d a ,
n o c o r p o d o t e x t o ,
como I n d ú s t r i a .
S o b r e o p r o b l e m a d o
j a z z e m
A d o r n o , e p i c e n t r o d a s r é p l i c a s a o s s e u s
j u í z o s
s o b r e a
a r t e l e v e , e x i s t e
h á
a n o s a m p l a l i t e r a t u r a , c u j o s m o t i v o s n ã o t ê m p e r d i d o i n t e r e s s e e m
s e d i s c u t i r , a o q u e p a r e c e . C f . C h r i s t i a n B é t h u n e : Adorno e t l e j a z z . P a r i s :
K l i n c k s i e c k ,
2 0 0 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 16/296
12 F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Entretanto, não
justificam
a
aceitação
acrítica
de que
o conjunto
de
s ua o b ra sobre a mat éria
baseia-se
em supersimplificações,
especialmente
a
ênfase
na mane ira
como a
cultura
de
massa
manipula seus consumidores .9
O pensamento crítico não está
menos
imune à
reificação
do
que qualquer outra e xpre s s ã o da vida s o c i a l . No
correr
do s anos,
vários
juí zo s s eus
passaram a
fazer
parte da consciência coletiva
como ideologia. As c r í t i c a s à indústria cultural tornaram-se em
boa
parte
fórmulas ocas
para contestar um ou outro
emprego
das
comunicações.
As
proposições
condenatórias
do
fenómeno
que
elas ensejaram assim, embora portadoras de certa razão,10 s ão
tão
falsas
e irracionais quanto a miserável
louvação populista
da cul
tura
de massa: 1
1
os conceitos críticos só
o s ão
quando eles mes
mos não se absolutizam, levando em conta o que
realmente de
signam
e até
onde se estende s e u â m b i t o de validade.
A
recepção de s s e s conce i t os
por muitos
estudiosos
da
maté
r i a todavia também não escapa desse processo, na medida em
que, tomando a c r í t i c a à indústria cultural pelo valor de face, co s
tuma proceder, malgrado s ua própria vontade, a uma leitura line
a r , logocêntrica mesmo,
de
um conjunto de idéias que não s ó
re
mete a um contexto
teórico mais amplo
mas, seguindo o
impulso
dess e
pano de fundo, pede para ser lido
pelas
margens
e
com es
p í r i t o negativo.12
MODLESKI,
T .
o r g . ) .
S t u d i e s
i n
e n t e r t a i n m e n t .
B l o o m i n g t o n
I N ) :
I n d i a n a
U n i v .
P r e s s ,
1 9 8 6 ,
p . x .
1 0
A
c r e n ç a
v i g e n t e
h o j e d e
q u e nenhuma i d é i a v e i c u l a d a p e l a m í d i a c o i n c i d e
co m
a
c o n v i c ç ã o p r i v a d a d e quem f a l a , s e m p r e h á uma
s e g u n d a
i n t e n ç ã o o u
p r o p ó s i t o e s
c o n d i d o , b a s e i a - s e sem
d ú v i d a n o c o n h e c i m e n t o
-
a m p l a m e n t e
d i f u n d i d o - d o f a t o
d e
q u e
a s c o m u n i c a ç õ e s p a s s a m
p o r
um p r o c e s s o
d e
c o n c e n t r a ç ã o e
a s
e m p r e s a s
q u e a s
c o n t r o l a m
d e t ê m f o r m i d á v e l p o d e r
n a
s o c i e d a d e .
Adorno c h e g o u a a fi rm ar d u ra n te s u a p o l ê m i c a co m o s e s t u d a n t e s n o f i n a l d o s a n o s
1 9 6 0 q u e o s c o n c e i t o s p o r e l e s e m p r e g a d o s , v i s t o o c u n h o p o p u l i s t a , d e v i a m m a i s à
i n d ú s t r i a
d a
c u l t u r a
d o
q u e
à
s u a
t e o r i a
c r í t i c a .1 2
C f . THEODOR ADORNO: D i a l é c t i c a n e g a t i v a [ 1 9 6 6 ] .
M a d r i :
T a u r u s , 1 9 7 5 .
Simon
J a r v i s : A d o r n o : a c r i t i c a l i n t r o d u c t i o n . Nova Y o r k : R o u t l e d g e , 1 9 9 8 .
F r a n c e s c a
A j e l -
l o : C o n o s c e n z a e i m m a g i n a z i o n e n e l p e n s i e r o d i T h e o d o r W . A d o r n o . Roma: C a r o c c i ,
2 0 0 1 .
M á r c i o
S e l i g m a n n - S i l v a :
A d o r n o . S ã o P a u l o : P u b l i f o l h a ,
2 0 0 3 . De
Bruno H e i n -
l e i n :
M a s s e n k u l t u r i n d e r K r i t i c h e n T h e o r i e ( E r l a n g e n : Palm E n k e ,
1 9 8 5 )
a R o d r i
g o D u a r t e :
T e o r i a
c r í t i c a d a
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
( B e l o
H o r i z o n t e :
U F M G , 2 0 0 3 )
n ã o
f a l t a m e x e g e s e s q u e ,
e m b o r a c u id a do s a s, l i mi t am - s e a r e p e t i r
c a n t i l e n a monótona s o
b r e o s
p e r i g o s d a
i n d ú s t r i a c u l t u r a l p a r a a
s o c i e d a d e .
R e a v al ia ç ã o d e c o nj un t o
d o p e n
s am e n t o d o a u t o r e m r e l a ç ã o a o t e m a a q u i e s t u d a d o
t e m
s e u p o n t o d e
p a r t i d a
n o e n
s a i o
d e
A n d r e a s
H u y s s e n :
Adorno
i n
r e v e r s e
I n :
A f t e r
t h e
g r e a t
d i v i d e
-
B l o o m i n g -
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 17/296
A p r e s e n t a ç ã o
13
Diante da
i m p r e s s ã o
duradoura que,
percebeu,
o
ensaio
sobre
a indústria
cultural estava causando em seus l e i t o r e s ,
Adorno e s
creveu
a
Horkheimer
dizendo
que
ambos
deviam
pro videnciar
na
elaboração
de
uma
teoria social
realmente concisa
e
integra
dora de todo o complexo .13
Contudo,
o
trabalho
jamais
saiu
de
s ua
intenção,
em que pese o volume
de
material
inédito
reunido
pelo pensador, hoje ainda em processo de publicação
por
Suhr-
kamp
Verlag (Frankfurt).
Apesar
disso,
parece-nos injustificado o t rat ame nt o que
a
o b ra
disponível
sobre
a
matéria
tem
merecido
por
parte
dos
es
pecialistas
em
comunicação. O pretendido s i mpli s mo da c r í t i c a à
indústria
cultural se
transmitiu a seus adversários, responsáveis
pela criação de uma familiaridade enganosa
a respeito
da maté
r i a , a qual, a l i á s , nunca se deram o trabalho de analisar mais
a
fundo,
nem que fosse para demarcar s ua linha
de
investigação.
Os estereótipos que a
referida
c r í t i c a ajudou
a
nutrir não s ão
pio
res
dos que surgiram a s e u
respeito
e levaram o coro
de
seus
c r i
adores a caracterizar os frankfurtianos com proposições que estes
- paradoxalmente
- dirigiram a
seus adversários.
Segundo
e s s e s
autores,
os
pensadores do grupo, por exem
plo:
- defendem
a cult ura e rudi ta
com uma postura nostálgica
e
i d e a l i s t a , s ile nciando s obre a oposição manifestada pelo grupo
frankfurtiano
à
cantilena
dos
críticos culturais,
desconhecedore s
do fato de que a e xaltaç ão da cultura em detrimento da cultura
de massa
e
do
consumo diligente dos b e ns
culturais
como prova
t o n
( I N ) ,
I n d i a n a
U n i v e r s i t y
P r e s s ,
1 9 8 6 ) .
C o n f i r a ,
s o b r e t u d o ,
D e b o r a h C o o k :
T h e
c u l t u r e i n d u s t r y r e v i s i t e d . Lanham ( M L ) :
Rowman L i t t l e f i e l d . 1 9 9 6 . Wolfgang
R i
v e r o : Modernidad
y
i n d u s t r i a c u l t u r a l .
México [ D F ] :
P l a z a
y V a l d e z, 1 9 9 9 . B l a n c a
Munoz:
T h e o d o r
A d o r n o : t e o r i a
c r i t i c a
e c u l t u r a d e m a s u s . M a d r i : F u n d a m e n t o s ,
2 0 0 0 .
D i e t e r P r o k o p :
M i t Adorno g e g e n Adorno - N e g a t i v e
D i a l e t i k
d e r K u l t u r i n d u s -
t r i e . B e r l i m : VSA, 2 0 0 2 . R o b e r t W i t k i n : Adorno o n p o p u l a r c u l t u r e . L o n d r e s :
R o u t l e d g e ,
2 0 0 3 . H e i n z S t e i n e r t : C u l t u r e i n d u s t r y . C a m b r i d g e ( U K ) : P o l i t y P r e s s ,
2 0 0 3
( n e s s a o b r a e n c o n t r a m - s e i m p o r t a n t e s o b s e r v a ç õ e s m e t o d o l ó g i c a s , p . 3 9 - 6 0 ,
e s p .
3 9 - 4 6 ) .
WIGGERSHAUS, R o l f .
T h e
F r a n k f u r t S c h o o l . Cambridge (MA): MIT
P r e s s ,
1 9 9 5 .
p .
4 0 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 18/296
14
F r a n c i s c o
R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o e
a c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
de
uma vida psíquica elevada está inseparavelmente conectada à
decadência da civilização ;14
-
conceberam
uma
visão
monolítica
do
processo
cultural
na
sociedade moderna,
esquecendo que
os frankfurtianos alertaram
contra os pensadores
que,
ao invés
de
antagonismos,
enxergam
nela alguma coisa
como
uma razão técnica
t o t a l
e intrinsecamen
t e não-contraditória ;15
-
enfim, rejeitam
totalmente a cultura de
massa, quando os
expo ent e s
da
teoria c r í t i c a chegaram a dizer
que
as expressões
dessa
cultura,
mal ou
bem,
ajudaram
a tornar
valores
como
liber
dade , b ele z a
e felicidade tão concretos e universais
que eles
se
prenderam
à vida de
todo
o ser humano e , assim, poderiam
até
mesmo
levar
a novas fo rm as de individualização .16
Os pontos sugerem que o
enfoque
em t e l a é bem menos s i m
ples do
que parece
e que
para
dar conta dele
em
s ua inteireza é
preciso, antes de
mais
nada, retomar
os
textos em
s eu conjunto,
construir
uma
amostra
documental
mais
abrangente
e
s u b m e t e r
o
material
a
uma análise
menos preconcebida. A c r í t i c a à indústria
cultural não
se
e sg o ta na rigidez das proposições negativas por
que, no método dialético, a contradição é tão essencial quanto a
identidade para conhecer e interagir com a realidade.
O
conhecimento
da coisificação da sociedade não deveria c o i s i f i -
c a r - s e
t a n t o
que s e
torne impossível
pensar qualquer i d é i a que s a i a
do
âmbito
da
c o i s i f i c a ç ã o :
neste
caso
s e
c a i r i a
no pe ns am e nt o
me
c a n i c i s t a . 1 7
Adorno não surge nestas páginas como nome de santo, mas
s e n ha de
uma forma
de pensar o
chamado
campo
da
comunica-
1 4
HORKHEIMER,
M.
S t u d i d i
f i l o s o f i a d e l i a
s o c i e t à .
T u r i m : E i n a u d i ,
1 9 8 2 ,
p . 2 2 2 . P a
r a
A d o r n o , a s p r é d i c a s e m f a v o r d a
a r t e
e r a m
j á ,
c o n s i d e r a n d o a d a t a d e h o j e , r e a c i o -
n á r i a s h á
um
s é c u l o ( M ú s i c a e t éc ni c a h o y .
I n :
K o s t a A x e l o s
e t
a l . E l a r t e e n
l a
s o c i e -
dad
i n d u s t r i a l . B u e n o s A i r e s :
A lv ar e z , 1 9 7 3 , p .
1 4 9 ) .
1 5
ADORNO,
T .
P r i s m s
[ 1 9 5 5 ] .
C a m b r i d g e ( M A ) :
MIT
P r e s s .
1 9 6 9 , p . 1
1 4 . D o r a v a n t e ,
o
l i v r o s e r á c i t a d o ,
n o
c o r p o
d o
t e x t o ,
como P r i s m a s .
1 0 MARCUSE, H . Some s o c i a l
i m p l i c a t i o n s
o f m o d e r n t e c h n o l o g y . I n : S t u d i e s i n
P h i l o s o p h y and
s o c i a l
s c i e n c e , v . 9
( 4 1 4 - 4 3 9 ) 1 9 4 1 ,
p . 4 3 6 - 4 3 8 .
1 7 ADORNO, T . I n t r o d u c c i ó n
a l a
s o c i o l o g i a [ 1 9 7 3 ] .
B a r ce l o n a: G e di sa , 1 9 9 6 ,
p . 1 9 9 .
A
f i l o s o f i a s e m p r e
r e m e t e a t e n d ê n c i a s e
n ã o
c o n s i s t e e m
a f i r m a ç õ e s f a c t u a i s ,
e s
c r e v e o f i l ó s o f o e m M e t a p h y s i c s :
c o n c e p t s
and p r o b l e m s
( S t a n f o r d
[ C A ] : S t a n f o r d
U n i v e r s i t y
P r e s s ,
2 0 0 0 ,
p .
1
1 0 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 19/296
A p r e s e n t a ç ã o 15
ção. Como ele mesmo d i z i a , a filosofia c r í t i c a é t a l à revelia do s
que a reclamam. Também esses, muitas
vezes,
vêem-se forçados
a
fazer
coisas,
a
empreender
tarefas
e
a
t omar
decisões
que
não
se conciliam com o conceito
de
filosofia que e u [por
exemplo]
represento nem com minha teoria [ c r í t i c a da sociedade] .18
A
sustentação
de uma
postura
c r í t i c a e o
reconhecimento
de
certas linhas de força não
negam,
antes supõem, a natureza con
t r a d i t ó r i a ,
ambígua e , em
princípio, abe rt a à mudança dos
fenó
menos
de
indústria c u l t u r a l .
A manipulação das massas
e
a pleni
tude mundial,
promovidas
por s eu intermédio, constituem ideo
logia, na
medida
em
que s ão
aparência
socialmente
necessária.
A
estabilidade das condições histór icas é algo sempre muito r e l a t i
vo, mas por
isso
mesmo sempre há a
possibilidade
de
que
uma
catástrofe radical no curso de no s sa vida seja
evitada .19
Significa que os processos referidos não s ão ficções - exis
tem fora da cabeça das pessoas, mas ao mesmo tempo s ão f a l s o s ,
porque realmente não s ão criados
s ó
por esse agenciamento (o da
indústria c u l t u r a l ) .
As massas s ó se
encaixam nesse
processo
porque, mal
ou bem,
ele conta
com
s eu consentimento. A prática
da indústria
cultural não
tem
o
poder
que
lh e apregoam: em sín
t e s e ,
é
e s sa
a principal
mensagem
da c r í t i c a a
e s sa indústria f e i t a
pela
Escola
de
Frankfurt.
Segundo Habermas, um programa de
pesquisa teórico
pode
ser restaurado, retornando-se às proposições fundamentais
que
o
emprego
sistemático
por
parte
seus
seguidores
corroeu;
revivido,
fazendo-o
s a i r
da
poeira
do
t e m p o ,
que o v ot ou ao e s que ci me nt o;
ou reconstruído, remontando a teoria de modo novo, a fim de
melhor atingir
a meta que
ela
própria
se
fixou .20
A
c r í t i c a
à
indústria
cultural precisa
passar
por
um
tratamen
t o em que
int ervenham esses t r ê s
expedientes, visto que, embora
1 8
ADORNO,
T . T e r m i n o l o g i a
f i l o s ó f i c a .
M a d r i :
T a u r u s ,
1 9 7 6 ,
tomo
1 ,
p .
1 4 6 - 1 4 7 .
C f .
S t e f a n
M i i I l e r - D o o h m : A d o r n o , u ne
b i o g r a p h i e .
P a r i s : G a l l i m a r d , 2 0 0 4 , p . 1 8 3 - 1 8 4
(com
n o t a s ) , s o br e o s f i a s c o s d o
a u t o r
n o s c a s o s d a p r o i b i ç ã o d o
j a z z p e l o s n a z i s t a s ,
d a
j u s t i f i c a t i v a
d a s u a
p o l í t i c a a u t o r i t á r i a d e r a d i o d i f u s ã o
e
d o
e l o g i o a o s
poemas f o l
c l ó r i c o s
d e B a l d u r Von S c h i r a c h . V e r a i n d a L o r e n z
J a g e r :
A d o r n o , a p o l i t i c a i b i o g r a -
p h y .
Ne w
Haven ( C O ) :
Y a l e
U n i v e r s i t y
P r e s s ,
2 0 0 4 .
C a r t a
a Thomas
Mann, 1 3 / 0 4 / 1 9 5 2 . / / m e t o d o d e i m o n t a g g i o . M i l ã o : A r c h i n t o ,
2 0 0 3 .
p . 7 0 .
2 0 HABERMAS, J . P a r a a r e c o n s t r u ç ã o do m a t e r i a l i s m o h i s t ó r i c o . S ã o
P a u l o :
B r a s i l i
e n s e ,
1 9 8 3 ,
p .
1 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 20/296
16 F r a n c i s c o R i i d i g e r
□ T h e o d o r
A d o r n o
e a c r í t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
po ssa progredir em diversos
aspectos,
suas idéias originais con
servam um potencial de estímulo à pesquisa e r e fle xã o bas tant e
c r í t i c o ,
rico
e
complexo
que,
segundo
no s
parece,
ainda
pode
ser
recuperado e explorado com proveito
pelo pensamento
publicís-
tico crítico con t e mpor ân e o .
Umberto Eco relata
conv ersa
com
Adorno
em que e s s e
con-
fidenciou-lhe que se a Dialética do Esclarecimento não tivesse
sido escrita
no s
Estados Unidos
dos ano s
1940 [ . . . ] mas
na
Ale
manha do pós-guerra, e se s ua
análise
considerasse a televisão
nes s e
país,
seus
juízos
seriam
menos
pessimistas
e
radicais . 1
Como ele
mesmo
escreveu a Thomas Mann, a experiência mos-
trou-lhe que nem
t udo h av ia caído
na
barbárie . Vários
fatos o
fizeram abandonar de vista inclusive
a
tese da extinção da cul-
5 >
2 2
tura
Quaisquer que
s e jam
os
pronunciamentos pessoais
sobre
o
assunto, p o r é m , o
ponto a
notar
é
que proposições
teóricas
não
se
deixam
reduzir em
s ua v ali dade a
juízos pessoais.
Lembremos,
de r e s t o , que
os
frankfurtianos e scr e v e ram sobre
a
matéria com
a
convicção de
que
nenhuma
circunstância externa tornaria suas
concepções
ultrapassadas,
dentro
de
determinado
horizonte
his
tórico, porque,
segundo
e l e s , a
ênfase
do
que estavam fazendo
n ão de s cans av a no material ef ême ro, mas em uma teoria da
s o
ciedade . 23
A
vinculação
de
suas análises
ao
que se denomina hoje de
r e g im e
fordista, embora correta do
ponto
de
vista histórico, não
significa
que elas tenham
perdido validade de
princípio, conside
rando
que a substituição desse r e g im e
por
novas matrizes de es
truturação
do ser
social não
cancela,
antes
expõe, de modo ainda
2 1
UMBERTO
ECO
a p u d
J o s t e i n
G r i s p r u d :
T h e
D i n a s t y
y e a r s .
L o n d re s : R o ut le d g e ,
1 9 9 5 , p .
7 .
A a t m o s f e r a c h e i a d e d i g n i d a d e humana e , s o b r e t u d o ,
a
c o m p l e t a l i b e r d a
d e d e
e x p r e s s ã o e o a n d a m e n t o sem
c o a ç ã o
d e
tempo
d a d i s c u s s ã o
p e r m i t i r a m co m
q u e a p a r e c e s s e uma
e s p é c i e
d e e s p o n t a n e i d a d e , uma a l t e r n â n c i a e n t r e o s
momentos
d e
t e n s ã o e r e l a x a m e n t o como j a m a i s s e e n c o n t r a n a t e l e v i sã o , r e p o r t o u o f i l ó s o f o s o b r e
e x p e r i ê n c i a
s u a
com
o v e í c u l o e m
1 9 6 8 c f .
S t e f a n M i i l l e r - D o o h m : A d o r n o , u n e
b i o g r a p h i e ,
p . 3 6 7 ) .
2 2 C a r t a a Thomas Mann, 1 d e z . 1 9 5 2 . / / m e t o d o d e l m o n t a g g i o , o p . c i t . , p . 8 9 .
2 1
THEODOR ADORNO
a p u d
Le o
L o w e n t h a l : C r i t i c a l t h e o r y
and F r a n k f u r t T h e o r i s t s .
Ne w
B r u n s w i c k
( N J ) : T r an sa ct io n , 1 9 8 9 , p . 1 4 5 .
C f .
R o b e r t W i t k i n : Adorno
o n
popu
l a r
c u l t u r e ,
o p .
c i t . ,
p .
3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 21/296
A p r e s e n t a ç ã o
17
mais
claro, o processo
de
conv ersão da cultura
em
mercadoria
que constitui o cerne da
reflexão
em juízo
nestas páginas.
Áxel
Honneth
por
certo
tem
razão
ao
dizer
que
qualquer
ten
tativa
de
reordenamento dessa
teoria terá de p a r t i r das constata
ções
c r í t i c a s que têm sido f e i t a s nos últimos anos. Somente com
uma percepção
de todas as suas
deficiências se pode hoje
conti
nuar
a
tradição teórica o ri unda de Ho rk h e im e r . 2 4
A
reconstrução
com intenção sistemática
da
c r í t i c a à indús
t r i a cultural que se ensaia
nestas
páginas não
passa
o ponto pelo
a l t o ,
considerando-o
em cada
um
de
seus
procedimentos.
A
pre
m i s s a em que se assenta é
a
de que e s sa teoria ainda é
relevante
para
t r a t a r
do s problemas
cont emporâneos, desde
que suas pro
postas s e jam
encaradas s e riamen t e
e aplicadas
às nossas
circuns
tâncias históricas .25 A l e i t u r a , todavia, não visa e v idenciar s eus
prejuízos ou expor suas tensões, assumindo uma ótica filológica.
Procura,
antes
revelar
a
maneira
como
e até onde o método
c r í t i
co
e dialético
que embasa
a referida
c r í t i c a leva em conta e s s e s
aspectos problemáticos.
Partindo do
princípio
de que o texto
que a veicula, embora
redigido
em
distintos momentos,
forma
uma
s ó constelação ( a -
porética) de i d é i a s , procura-se, em suma, explicá-la melhor do
que o fizeram
seus
próprios criadores, através de um exame mais
amplo
e
pr o fundo de seus t e mas
nucleares e principais proposi
ções doutrinárias.26
HONNETH. A . C r i t i c a i T h e o r y . I n : Anthony G i d d e n s J o h n T u r n e r o r g s . ) . S o c i a l
t h e o r y t o d a y . O x f o r d : P o l i t y P r e s s , 1 9 8 7 , p . 3 4 8 . C f . P e t e r H o h e n d h a l : R e a d i n g m a s s
c u l t u r e .
I n :
P r i s m a t i c
t h o u g h t .
L i n c o l n
( N E ) : U n i v e r s i t y o f N e b r a s k a
P r e s s ,
1 9 9 5 .
STEINERT, H . C u l t u r e
I n d u s t r y .
Cambridge
( U K ) : P o l i t y P r e s s ,
2 0 0 3 , p . 5 .
O l e v a n t a m e n t o
d o c u m e n t a l
n ã o p r e t e n d e s e r e x a u s t i v o , e m b o r a
p r o c u r e
c o n s i d e r a r
um número d e t e x t o s be m m a i o r q u e o c o s t u m e i r o . A b a r r e i r a d a l í n g u a a l e m ã f i x o u
o s
l i m i t e s
d a a m o s t r a g e m .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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Premissas
dacrítica
à indústria cultural
Onstituto
de
Pesquisa Social de Frankfurt, fundado em 1923,
começou
a
se tornar
influente oito
anos mais tarde,
quando sua
direção f o i entregue
ao
filósofo Max H o r k h e i m e r . O coletivo
re
unido à s ua
v olta decidiu, ent ão,
elaborar
um programa de
pe s
quisa
social
interdisciplinar,
estruturado
para
servir
de
base
a
uma teoria c r í t i c a da sociedade. Continuado no plano da reflexão
histórico-filosófica
durante
o exílio de seus membros
no s
Esta
dos
Unidos,
o
trabalho
encetado construiu ao longo dos anos um
conjunto
de
idéias que, no transcurso
dos
196 0 , pe rm it iu que se
passasse
a
falar em uma Escola de Frankfurt.1
O
de s e n v ol v im e n t o da
referida teoria c r í t i c a
da
sociedade,
com
a qual
se liga o
pensamento
de s s e gr upo ,
formado
por
dis
t i n t a s pessoas
conforme a época,
pode ser dividido em t r ê s mo
mentos principais.
O
materialismo interdisciplinar
do
primeiro período
propós-
se a
desenvolver
um trabalho
de
pesquisa e
análise do s
proble
mas
colocados
po r uma t e oria social fundada na crítica da e co
nomia política marxista. Em resumo, tratava-se de uma empresa
onde se
esperava
que
pudessem s e i nt e grar de
maneira dialética,
contínua
e
fecunda,
a
t eor ia filo sófica e
a
prática
científica
e sp e
cializada .2
C f .
R OL F W IG G E RHA U S: T h e
F r a n k f u r t S c h o o l . C a m b r i d g e
(MA): MIT
P r e s s ,
1 9 9 5 . M a r t i n
J a y :
T h e d i a l e c t i c a l i m a g i n a t i o n . 2 . e d . B e r k e le y ( C A ) : U n i v e r s i t y o f
C a l i f o r n i a P r e s s , 1 9 9 6 . D a v i d H e l d : I n t r o d u c t i o n t o c r i t i c a l t h e o r y . B e r k e l e y ( C A ) :
U n i v e r s i t y
o f
C a l i f o r n i a
P r e s s , 1 9 8 0 . D o u g l a s
K e l l n e r : C r i t i c a l T h e o r y , m a r x i s m
and
m o d e r n i t y . B a l t i m o r e ( N C ) :
J o h n s H o p k i n s
U n i v . P r e s s , 1 9 8 9 .
2 HORKHEIMER, M. S t u d i d i f i l o s o f i a d e l l a s o c i e t à , p .
3 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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2 0
F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o
e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Entre 1 9 4 0/19 5 1 seguiu-lhe
um
programa
de
pesquisa
de
ca-
ráter histórico e
filosófico,
através
do
qual e s s e s problemas pas
saram a ser
reinterpretados
no
marco de
uma crítica da razão
moderna. O obje to da c r í t i c a torna-se o racionalismo ocidental,
desde
suas origens primitivas até
a
época
contemporânea.
O terceiro e último momento a s s i s t e , enfim, entre outras
op
ç õe s , v ar iáv ei s conforme o
pensador enfocado,
à retomada
do
projeto original, via idéia
de uma ciência
social
crítica, cujo
ponto
de
partida remonta
ao famoso
ensaio T e oria crítica e t eo
ria
tradicional
(H o r k h e i m e r ,
1937).
A c r í t i c a à indústria cultural,
conforme
a e n t e nd e mo s , consti
t u i um capítulo teórico possível dessa ciência
social
c r í t i c a , em
b o ra seus conceitos tenham origem
no
segundo
momento,
na
análise
c r í t i c a dos tempos modernos pr o po s t a po r
seus
criadores.
Nos anos 1940, Horkheimer
e
Adorno transladaram os fun
damentos
da teoria
c r í t i c a
da
sociedade desenvolvida
do
materia
lismo
histórico para uma filosofia c r í t i c a da h i s t ó r i a .
O
programa
original
supunha
uma
unidade
entre
pesquisa
s o c i a l ,
análise
c r í t i
ca e ação revolucionária.
As
transformações no
capitalismo e a
experiência
t o t a l i t á r i a levaram
os
autores
a
abandonar e s sa idéia
e , em s e u lugar, a empreender uma h ermenêutica radical
da
mo
dernidade, em
cujo contexto acabaram criando a ci tada discipli
na, devedora sobretudo das idéias de Theodor Adorno.
1 1 Capitalismo e cultura moderna
Horkheimer e
Adorno
forjaram a
expr e s são
indústria cultu
ral
e a
empregaram
pela primeira v e z no contexto da c r í t i c a à ra
z ão
moderna que propuseram
no livro Dialética
do Iluminismo.*
A I I Guerra estava em
curso;
não havia mais o Estado Liberal.
Na
Europa,
a
barbárie
nazista
ainda
não
terminara,
e
o
socialis-
S e g u i m o s
d e
p e r t o
co m
a p e r i o d i z a ç ã o a c i m a - embora n ã o
d e t o d o ,
a
p r o p o s t a
p o r
H e l m u t D u b i e l : T h e o r y and p o l i t i c s . C a m b r i d g e ( M A ) : MIT P r e s s , 1 9 8 5 .
ADORNO, T . HORKHEIMER,
M. D i a l é t i c a
do E s c l a r e c i m e n t o [ 1 9 4 4 ] . R i o d e J a
n e i r o : Z a h ar , 1 9 8 5 . D o r a v a n t e , a o b r a s e r á c i t a d a , n o c o r p o d o t e x t o , como D i a l é t i c a .
Embora
a r e d a ç ã o t e n h a s id o d it ad a
e m
c o n j u n t o ,
o c a p í t u l o
s o b r e a i n d ú s t r i a c u l t u r a l
f o i
e l a b o r a do s o b r e t u d o
co m
b a s e
e m
m a t e r i a i s r e u ni do s p o r A d o r n o .
Horkheimer
u s o u
a e x p r e s s ã o
p e l a
p r i m e i r a
v e z e m A r t e moderna
e c u l t u r a
d e
massa [ 1 9 4 1 ] .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
2 1
moconsumira-se no
si s t ema
t o t a l i t á r i o . Resumidamente,
a s s i s t i a -
se ao que
os autores
chamaram de colapso da
e ra moderna.
O
problema
para
eles
consistia
não
só
em
saber os
m o t i v o s
h i s t ó r i
cos,
mas em situar e s s e
momento,
de sentido universal,
no
plano
do
processo civilizatório.
O
diagnóstico
que
os
pensadores elaboraram se
tornou clás
sico: a
civilização
nos tirou do barbarismo mas,
também,
o pro
moveu
em
novo
plano e
continua
a
fazê-lo,
em virtude
da
força
repressiva
do princípio
em
que
se baseia,
a
dominação da
natureza.
A
modernidade
coincide,
como
e r a ,
com
o
progresso
do
pro-
jeto de tornar o homem sujeito e co ns t rui r uma sociedade capaz
de permitir
sua realização como indivíduo. N ou t r o s t e rmos ,
l i
bertá-lo
das
autoridades
míticas e das
opressões do tradiciona
lismo. A realização dess e projeto, todavia, revelou-se problemá
t i c a .
O progresso
da razão
é
gerador de um avanço que não
pode
ser separado
da
criação
de nov as sujeições
e
dependências, res
ponsáveis pelo aparecimento de
sintomas
regressivos na cultura
e de
uma silenciosa
coisificação da
humanidade.
A racionalização instrumental das condições de existência
(reificação)
é um
processo cuja
origem
remonta ao s primórdios
da vida
s ocial e do emprego de meios
técnicos
na
luta
pela
s o
brevivência. Durante milênios, desenvolveu-se à
sombra
das nar
rativas míticas e do s controles comunitários. As circunstâncias
históricas que presidiram ao aparecimento do capitalismo
tam
bém
procederam
à
s ua
progressiva
liberação.
Vendo
bem,
elas
encetaram um processo através
do qual
a racionalidade instru
mental, transformada em paradigma,
passou
a dominar todas
as
esferas
da sociedade. A formidável crise cultural em que no s
achamos provém do fato de que,
através
desse percurso, os valo
r e s , anteriormente articulados pelas
narrativas
míticas, passaram
a
ser
operados
de
maneira
instrumental.
A
categoria
da
indústria
cultural
é
uma
expr e s são
desse pro
cesso, precipitado
pela
mudança
estrutural
da vida moderna que
teve lugar na passagem
do
século XIX para o XX. O capitalismo
passara então do estágio da livre iniciativa para o da compe t i ç ã o
corporativa.
Paulatinamente, o Estado
tornara-se intervencionis
t a . A categoria reinante na sociedade, por s ua vez, não era
mais
só o
mercado;
associara-se
a
ele um poderoso
e crescente
si s t ema
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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2 2 F r a n c i s c o R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
técnico-administrativo. A
estrutura
de classe surgida com a as
censão da
burguesia estava
abalada,
em virtude das
mudanças
políticas
e
económicas:
desencadeara-se
por
t oda a
parte
um
pro
cesso, ainda não concluído, de massificação. Finalmente, surgira
também uma
cultura popular industrial de
cujos
e squemas,
pouco
a pouco , pas s ou a depender a formação
da subjetividade da maioria
da
população.
No
capitalismo avançado,
segundo os frankfurtianos, v e r i f i -
ca-se,
portanto,
que cultura e economia perderam s ua autonomia
r e l a t i v a ,
encontram-se
cada
ve z
mais
fundidas
e
de s en vo lv e m - s e
em um só movimento. A explicação materialista do s fatos sociais
perdeu
a força à medida que as idéias passaram a ser industriali
zadas. Em virtude disso, a c r í t i c a
da
economia
política
precisa
ser
suplementada por
uma c r í t i c a da indústria
cultural. Somente
assi m
poderemos entender devidamente a sociedade
contempo
rânea.
Horkheimer
e
Adorno
usam
o
t e r m o indústria
cultural
para
referirem-se, de
maneira geral,
às indústrias interessadas
na
pro
dução em massa de b ens
culturais .5 A proposição
exprime o
primeiro mal-entendido do
qual
precisamos
nos
desvencilhar, se
quisermos entender o fenómeno de acordo com a
segunda
teoria
c r í t i c a
da
sociedade.6 Em essência, a expr e s são
não
se
refere
às
e m p r e sa s
produtoras nem
às
técnicas
de difusão
do s b e ns
cultu
r a i s ; representa, antes de mais nada, um movimento histórico-
universal:
a
transformação
da
mercadoria
em
matriz
do
modo
de
vida
e ,
assim, da cultura em
mercadoria, conforme ocorrido
na
baixa modernidade.
THOMPSON, J . B . I d e o l o g i a e
c u l t u r a
m o d e r n a . P e t r ó p o l i s : V o z e s , 1 9 9 5 . p .
1 3 5 .
A p a r e n t e m e n t e ,
P a u l
H i r s c h
f o i
o p r i m e i r o a e m p r e g a r o c o n ce it o d e s sa f o r ma , v a l e n -
d o - s e
d e l e
p ar a d e sc re v er
um
s i s t e m a
d e
p r o d u ç ã o
c u l t u r a l
( P r o c e s s i n g
f a d s
a n d
f a -
s h i o n s : An o r g a n i z a t i o n a l a n a l y s i s o f c u l t u r a l i n d u s t r i e s s y s t e m . I n : A m e r i c a n j o u r -
n a l
o f s o c i o l o g y 7 7
[ 6 3 9 - 6 5 9 ]
1 9 7 2 ) . Coube
à E s c o l a
d e
G r e n o b l e
( B e r n a r d
Miége e t
a l l i :
C a p i t a l i s m e
e t i n d u s t r i e s c u l t u r e l l e s .
P a r i s : UGE, 1 9 7 6 ) c o n sa gr ar e s s e u s o
d o
t e r m o e m c h a v e d e c r i t i c a à e c o n o m i a
p o l í t i c a ,
a b r i n d o c a m i n h o , com o d a d o a n t e s ,
p a r a s e u emprego d e s c r i t i v o p o r
p a r t e
d o s o r g a n i s m o s culturais e u r o p e u s , a
p a r t i r d o
f i n a l a n o s 1 9 7 0 C f . L e s i n d u s t r i e s c u l t u r e l l e s . P a r i s : U n e s c o . 1 9 8 2 ; D a v i d Hesmond-
h a l g h : T h e
c u l t u r a l
i n d u s t r i e s . L o n d r e s : S a g e , 2 0 0 2 ) .
Marx
e E n g e l s c o n c e b e r a m a
t e o r i a
c r i t i c a d a
s o c i e d a d e (ADORNO, T .
HORKHEIMER, M. S o c i o l o g i c a . M a d r i : T a u r u s . 1 9 6 6 , p .
2 65 ) . C f. S e y l a
B e n h a b i b :
C r i t i q u e ,
norm and
u t o p i a .
N e w
Y o r k :
C o l u m b i a
U n i v .
P r e s s ,
1 9 8 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 27/296
P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l 2 3
N ou t r o s termos, o conceito de indústria cultural tem a ve r
com a expansão das relações mercantis pelo conjunto da vida s o
c i a l ,
em
condições
de
crescente
monopolização,
verificadas a
partir das primeiras décadas do século XX. No princípio, o fe
nómeno
consiste
em produzir
ou adaptar
obras de
arte segundo
um padrão de gosto bem-sucedido e desenvolver as técnicas para
colocá-las no
mercado.
A colonização
pela
publicidade, pouco a
po uco , o tornou
veículo
da cultura de consumo: ele assume então
um caráter
sistêmico.
O
estágio f i n a l
chega
com
s ua conv ersão
em
mecanismo
de
mediação
estética
do
conjunto
da
produção
mercantil, momento este
em que
o
mundo
inteiro é forçado a
passar pelo f i l t r o da indústria cultural [enquanto máquina de pu
blicidade]
(Dialética, p . 118).
Nessa fase, o
caráter
comercial
da
cultura faz com que a di
ferença entre a
cultura e
a vida prática
desapareça
(Indústria, p .
53).
A
produção
estética i nt e gra- se à
produção
mercantil
em
ge
r a l ,
permitindo
o surgimento da idéia de que
é
possível
fazer-se
por meio da compra de b en s de consumo. O capital se apropria
da atividade cultural como um parque natural de preservação de
comportamentos i n f a n t i s , em meio a uma sociedade que perce
beu há muito tempo
que
s ó
pode ser
suportável se
conceder
ao s
seus prisioneiros uma quota de controlada felicidade infantil
(Prismas, p .
146).
Os conglomerados
privados
passam
a conferir
um poder
ca
da
ve z
maior
às
tecnologias
de
reprodução
e
difusão
de
bens
cul
t u r a i s ,
encaixando-as
na
estratégia de u t i l i z a r
plenament e a
capa
cidade
de produção de acordo com o
princípio
do consumo
e s
tético
massificado
(Dialética,
p .
130).
Argumenta-se por
v e z e s
que o processo de
mercantilização
da
cultura
seria em
s i
mesmo
distinto daquele verificado com o ut ro s b ens , não at ing indo a
cul
tura em s ua substância. A especificidade que os produtos cultu
r a i s
possuiriam
proviria
do
fato
de
que,
em
s eu
caso,
a
compra
visa o conteúdo específico ( o texto), e não a coisa (o l i v r o ) . Po r
i s s o , a dependência à
marca comercial
do produto
que
o veicula
s e r i a , de f a t o , menos importante do que s e u sentido.
Conforme veremos
adiante, as
proposições da c r í t i c a ,
embo
ra
atentas a
e s sa observação, vão em direção
contrária a
e s s e e n
tendimento,
na medida em que
a
tendência que molda o
fenóme
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 28/296
24
F r a n c i s c o
R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
no em
questão
é
bem o
oposto.
A
compulsão
que o processo da
indústria cultural f om e nt a, ai nda que sem o lograr como preten
de ,
é ,
como
em
qualquer
outra
empresa,
a
de
fazer,
de
um
modo
ou de outro,
o
sujeito se tornar cativo da coisa, subme tida à ima
gem da
marca, muito
mais
do
que da o b ra em
s eu
significado pu
rament e a r t í s t i c o e intelectual.
Ninguém deixaria
de
a s s i s t i r a um filme ou comprar um dis
co com seus astros ou m o t i v o s preferidos por
t e r e m sido
produ
zidos
por
e s sa ou aquela empresa;
mas por
isso mesmo, cada
uma
delas
se
esforça
por
t e r
o
controle
e xclus i v o s o b re os
a r t i s t a s
mais populares e produzir as obras mais afinadas com o
g ên e r o
do
momento.
O marketing de cada
uma
delas
está
sempre volta
do à elaboração de um pacote
de
produtos capaz de induzir
o
consumidor a associar suas
preferências
às marcas por elas e x
ploradas.
Variam as
formas,
mas o processo
é co ns t ant e , baseando-se
principalmente no
aperfeiçoamento e diferenciação
do
suporte
t ecn ol óg ico ( s o b r e tudo
na radiodifusão
e ,
doravante,
no s
m e i o s
t e le m át i co s ) e
no
condicionamento publicitário e promocional da
mercadoria
(sobretudo
no caso
de b en s singulares,
como
livros
e
discos:
vide
as s é r i e s ,
selos e
coleções
de editoras e
gravadoras).
O
controle das cadeias
de exibição e , hoje, de distribuição de
filmes, que tiveram no passado os grandes estúdios americanos,
também é
exemplo de expediente
do qual, silenciosamente, pro
cura
valer-se a indústria
cultural para,
via
obra,
prender o
cliente
à
coisa
e suas marcas comerciais.
Acontece, assim, que Batman,
por e x e mpl o,
é hoje
menos
um personagem de ficção do que uma linha de
produtos,
que
começa com as histórias em quadrinhos, de s e n h o s animados,
brinquedos e filmes, passa pelo us o de suas figuras em lanches
rápidos, camisetas,
bolas
e outros
produtos de
consumo, e de
semboca
nas
matérias
editoriais
em
jornais
e
revistas,
reporta
gens ilustradas
e
músicas populares, além
do
próprio negócio da
publicidade. Na verdade,
ocorrem
do is pr oce s so s, como nota a
pesquisa
c r í t i c a a t u a l :
Batman
s erve de motivo central de uma
l i
nha de produtos que se desdobra em motivo espiritual de uma sé
r i e
de o pe r aç õe s
mercadológicas.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 29/296
P r e m i s s a s d a c r í t i c a à indústria c u l t u r a l 2 5
O lançamento do
f i l m e ,
apenas
para
exemplificar, f o i cuidadosa
mente calculado para s e a j u s t a r a essas operações e todas a s suas
demais
repercussões. Dentro
dessa
s i n e r g i a é
que
os consumidores
empregam
sua sensibilidade c u l t u r a l , criada e aprendida
de
nossa
posição
no
contexto socioeconómico,
a
fim
de
montar seu próprio
Batman.7
Em Toy St ory ( J oh n
Lasseter,
1995), então,
não
h á mai s dife
rença entre
criação ficcional
e prática
mercadológica: o filme
pode se r vis to como anúnci o de
uma
nova linha de
produtos
i n
f a n t i s .
Pinóquio
serviu
de
nome
para
bonecos
de
madeira,
e x
pressão do
trabalho artesanal e
da
era da
manufatura.
Buzz Li-
ghtyear, Woody e os outros
brinquedos
de matéria
plástica
que
protagonizam o
desenho
animado
citado são,
li te ralm ent e e de s
de
o i n í c i o , be ns de consumo, criados pelo
novo
espírito
tecnoló
gico.
No jornalismo,
a
virada
se
dá
com s ua integração empresa
r i a l ao si s t ema da indústria cultural e à
conv ersão
do público
l e i
tor em
consumidor
de informação sobre atualidades. A
formação
da
o pi ni ão pas s a
da
condição
de proces so
vivido como idéia e
ideologia por intermédio da i mp r en sa à s it uaç ão de consumo v i
sando orientação prática ou funcional. Conforme escreve Ciro
Marcondes Filho, O jornalismo
que
se fazia antes e ra de peque
no porte, com
centenas de
t í t u l o s
diferentes, e
funcionava
como
uma
espécie
de pr odut o
informativo
num grande mercado de
opiniões .
A
variedade de
o pi ni õe s pe r mi t ia
que se agisse sobre
o
pro
cesso
político,
as pessoas alimentass em
boatos e ,
mal ou bem, se
articulasse uma opinião pública. O esclarecimento
produzido
pe
l a i mpr e n sa era na maior parte retórico, porque nem antes nem
agora
a informação
deixou de
ser
usada
com objetivos
espúrios.
A
notícia, em
algum
grau,
po r é m ,
impunha-se politicamente e ,
mais
tarde,
como
instrumento
de
acesso
mais
pluralista
ao
co
nh eci m en t o sobre
o
que
acontecia
à
sociedade.
A situação atual do jornalismo tende, ao invés, a projetá-lo
como
meio
de regulação e i nt e graç ão s i st ê mica à sociedade .
7
MEEHAN, E .
MOSCO,
V . WASCO
J .
R e t h i k i n g p o l i t i c a i e c o n o m y .
I n :
M i c h a e l
G u r e v i t c h
Mark L e v y o r g s . ) : D e f i n i n g Media S t u d i e s . O x f o r d : O x f o r d U n i v .
P r e s s ,
1 9 9 4 ,
p .
3 4 7 - 3 5 8 ,
p .
3 5 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 30/296
2 6
F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r Adorno
e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Os processos
de
formação da opinião não somem de
v i s t a ,
mas
retiram-se para
os
bastidores
e
já não
refletem uma
opinião
fo r
mada.
Foram
subordinados
à
publicidade
de
opiniões
ou
opinião
publicada do s
grupos
de
pressão mais organizados. As
decisões
editoriais
s ão
cada v e z mais influenciadas não apenas pelos re
sultados e análises das pesquisas
de
mercado, mas pelos concei
tos e práticas mercadológicas, a ponto de a habilidade em saber
fazer negócios t e r
se
tornado um e l e m e n t o altamente valorizado
neste
mercado profissional8.
Segundo
Negt
e
Kluge,
a s it uação a
que
se
chega
desse modo
coincide com o
estágio
da
indústria da
consciência.
O
capital i n
vade
o processo
de construção social do sentido
e , assim,
subme
t e a própria consciência à l e i do valor, pondo
fim
à di s ti nção
e n
t r e base e superestrutura. Os consumidores tornam-se parte de
um único complexo mercantil,
formado pelo
conjunto
das corpo
rações privadas e m e i o s de comunicação e
através
do qual
se
processa e estrutura
s ua
subjetividade e experiência do mundo.
As mercadorias se transformam, como imagens, no próprio con
teúdo da mídia, passando a constituir um s ó
processo
com e l a ,
no s
diversos contextos
da vida
em
sociedade.
A
produção cultural, noutros termos, deixa
de
ser sinónimo
de criações a r t í s t i c a s e
l i t e r á r i a s , englobando
a partir de então o
conjunto
da
atividade
económica. O movimento
da
indústria
cul
t u r a l como um todo
processa
o
conceito
que
os
b e ns de consumo
adquirem
no
mercado.
A
criatividade social
não
é
suprimida,
mas
posta na depe ndência e explorada
pelos
esquemas mercantis.
Po r
um
lado,
a capacidade
inventiva
das pe s so as mais e mais se
submete às diretrizes desses últimos; por outro, ela se
t o rna o bj e -
t o
de pesquisa
por parte
de
empregados de e m p r e sa s especializa
das em
sua
exploração
mercadológica
9 .
Claramente
pensado, porque por
ele
agenciado, o processo
f o i
resumido
no s
seguintes
t e r m o s por
Henry
F ord
em
1922:
Queremos a r t i s t a s em relações i n d u s t r i a i s , mestres no m é todo i n
d u s t r i a l , s e j a do pont o de v i s t a do produto, s e j a do ponto de v i s t a
MARCONDES, C .
J o r n a l i s m o f i n - d e - s i è c l e .
S ã o
P a u l o :
S c r i t t a ,
1 9 9 3 .
p . 1 2 3 - 1 4 4 . C f .
J a m e s McMannus: M a r k e t - d r i v e n j o u r n a l i s m . Thousand Oaks ( C A ) : S a g e , 1 9 9 4 . Le
a n d r o M a r s h a l l : O j o r n a l i s m o n a e r a d a p u b l i c i d a d e . S ã o P a u l o : Summus, 2 0 0 3 .
9
C f .
DEREK GARTMAN:
A u t o
o p i u m .
L o n d r e s : R o u t l e d g e ,
1 9 9 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s
d a c r í t i c a à indústria
c u l t u r a l 2 7
do
produtor: queremos
aqueles
que
possam
modelar
a s dimensões
p o l í t i c a ,
s o c i a l ,
i n d u s t r i a l e
moral
das
massas
em
uma t o t a l i d a d e
s ó l i d a
e
d e f i n i d a . 1 0
Destarte, o conhecimento
do
mundo se amplia
e
se
difunde
por
entre todas as classes
e
em todas as partes
do globo, e s t i m u
lando o
de s e n v ol v im e n t o da capacidade
de escolha
individual.
Porém tanto e s sa quanto
aquele
tendem a
ficar
circunscritos ao s
t e r r i t ó r i o s
colonizados pela forma
mercadoria. Em
linhas
gerais,
automóveis, calçados e outros
bens,
a exemplo
de l i v r o s , filmes
e
discos,
ensejam
seus
pr ópr io s s ab e re s
e
começam
a ser
consumi
do s
como veículos de determinados valores comuns, promovidos
publicamente através dos
m e i o s
de comunicação.
Os
produtos da
indústria passam
a
ser produzidos e vendidos como b ens simbó
licos
e , pouco a pouco, assumem o caráter de m e r cado r ias
cultu
r a i s
tecnológicas.
Na chamada indústria cultural, portanto, não se
deve
tomar
de
maneira
l i t e r a l
o
t e r m o
indústria .
A
conceituação
não
depen
de de
s ua
base tecnológica: refere-se sobretudo ao emprego mer
c a n t i l dos veículos de comunicação, ao manejo
das
técnicas de
marketing ( p r o m o ç ão ) e à
padr oni z aç ão do s b ens
a r t í s t i c o s e
i n
t e l e c t u a i s . A cultura não
pode ser motivo
de indústria.1' As
tec
nologias
de
comunicação,
o cine ma, o
rádio,
o
vídeo, os
cassetes,
os
programas de computador,
etc, considerados
como um
con
jun t o [ fo r mado r ]
de
[ . . . ] experiências entre s i relacionadas, e no
1 0 HENRY
FORD
a p u d J u l i a n
S t a l l a b r a s s :
G a rg a n t u a : m a n u f a c t ur e d
mass c u l t u r e .
L o n d r e s : V e r s o , 1 9 9 6 , p . 2 2 4 . Em P e t e r S l o t e r d i j k : C r i t i c a l o f c y n i c a l r e a s o n ( L o n
d r e s : V e r s o , 1 9 8 7 ,
p .
4 3 4 - 4 4 0 ) ,
e n c o n t r a m - s e
c o m e n t á r i o s s o b r e
a
v i s ã o d e mundo d e
o u t ra l id e ra nç a c ri ad o ra
d e s s e
n o v o m u n d o ,
W a l t h e r
R a t h e n a u .
NEGT,
O . KLUGE, A . P u b l i c s p h e r e and e x p e r i e n c e [ 1 9 7 2 ] . M i n n e a p o l i s (MN):
M i n n e s o t a U n i v . P r e s s , 1 9 9 3 ,
p .
1 3 3 . Na
i n d ú s t r i a c u l t u r a l n ã o
s ó
a
p r o p a g a n d a
c o
m e r c i a l
m a s , i n d i r e t a m e n t e , o s p r o g r a m a s p r o p r i a m e n t e d i t o s e x e r c e m a f u n ç ã o d e
p u b l i c i d a d e ( T h e o d o r A d o r n o : A na l y ti ca l s t ud y
o f
NBC M u s i c
Hour
A p p r e c i a t i o n
[ 1 9 4 0 ] .
I n :
T h e m u s i c a l q u a r t e r l y 7 8 [ 3 2 5 - 3 7 7 ]
1 9 9 4 , p .
3 6 3 ) .
C o n f i r a
a
c o m p l e x a p a s s a g e m s o b r e o p r o b l e m a q u e s e e n c o n t r a e m T h e
s e r i e m a
o f
m a s s
c u l t u r e
[ 1 9 4 2 ] ( I n d ú s t r i a ,
p .
6 8 - 6 9 ) . P u b l i c a d o s ó
a p ó s a
m o r t e d o
a u t o r ,
e s t e
t e x t o
t r o u x e
a
p ú b l i c o
a s s e ç õ e s q u e f i c a r a m
f o r a
d o m a t e r i a l p u b l i c a d o
s o b r e
a i n d ú s
t r i a
c u l t u r a l
e m D i a l é t i c a d o I l um i ni s mo . C u lt ur e a n d a d m i n i s t r a t i o n [ 1 9 6 0 ] d e s e n
v o l v e
a
m a t é r i a
s e g u n d o
um
p o n t o d e
v i s t a
m a i s
a b r a n g e n t e
o p .
c i t . ,
p .
9 3 - 1
1 3 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 32/296
2 8 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
entanto diferentes por s ua t écnica e e f e i t o s , constituem
[ m e r a
me nt e ] o clima da indústria da cultura .13
Entretanto,
incorreríamos
em
erro,
também,
reduzindo
o
t e r
reno
do conceito às empresas
que
produzem e difundem
os
bens
culturais para a sociedade. O
fundamental aqui
é o
processo so
c i a l que transforma a cultura
em
bem de
consumo.
O esquema, e
não
a
coisa.
Os empreendimentos culturai s e os conglomerados
multimídia s ão um
momento
do
processo, e
não
a
s ua totalidade.
O
capitalismo
não se confunde com
a
soma das
indústrias
que
abastecem
o
mercado,
t ratando -s e ant e s
de
uma
relação
s o c i a l ,
cuja dinâmica condiciona toda a sociedade.
A
perspectiva é
igualmente válida para a indústria cultural. O conceito designa,
basicamente, o co nj unt o de práticas, de produção e
consumo,
através das quais se expressam as relações sociais que
os
homens
en t re t êm com a cultura
no
capitalismo avançado.
Theodor Adorno
e Max Horkheimer
criaram
o t e r m o para
fugir
das as s o ciaçõe s ideológicas contidas no t e r m o
cultura de
massas. Queriam
contestar
a
idéia
de
que
esta é uma expr e s são
que surge de maneira e sp on t â n ea da alma do povo. As mercado
r i a s
culturais da indústria, embora
adequadas
à c l i e n t e l a , distan-
ciam-se
dela
ao máximo do
ponto
de vista do processo
produtivo
e dos interesses que representam.14 O propósito
declarado,
toda
v i a ,
não explica s eu conteúdo concreto e s eu sentido gnosiológi-
co. Indústria cultural
não
é
um
conceito empírico-descritivo. A
categoria
tem
um
sentido
dialético
e ,
em
essência,
exprime,
sim,
o movimento real do capitalismo avançado como um todo, s ob o
aspecto dos
sentimentos, valores e subjetividade encarnados
nas
pessoas e instituições.
Portanto, no fenómeno em foco, a preocupação primária
não
é
com
as
massas, nem com
as técnicas
de comunicação, mas
com o
espírito que
lhes
é
insuflado : o
fetichismo da mercadoria
(Indústria,
p .
85).
1 3 ADORNO, T . I n t e r v e n c i o n e s [ 1 9 6 3 ] . C a r a c a s ,
Monte
Á v i l a , 1 9 7 6 , p . 6 4 . D o r a v a n t e , a
c o l e t â n e a
s e r á
c i t a d a ,
n o c o r p o
d o
t e x t o ,
como
I n t e r v e n ç õ e s .
1 4 ADORNO,
T .
EISLER, H . E l c i n e y l a m u s i c a [ 1 9 4 4 ] . M a d r i , F u n d a m e n t o s , 1 9 7 6 ,
p . 7 8. Segundo A d o r n o , p e r t e n c e a e l e a a u t o r i a d e 90 % d o t e xt o ( V . E d i t o r i s c h e N a -
c h b e m e r k u n g .
I n :
G e s a m m e l t e
S c h r i f t e n
[ v .
1 5 ] : F r a n k f u r t :
S u h r k a m p , 1 9 7 6 ) . D o r a
v a n t e , a o b r a s e r á c i t a d a , n o c o r p o d o t e x t o , como C i n e m a .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 33/296
P r e m i s s a s d a c r í t i c a
à
indústria
c u l t u r a l
2 9
Segundo
Adorno
e H o r k h e i m e r , a civilização moderna con
duz
à subsunção
dos processos de feitura dos b e ns culturais
à
di
visão
do
trabalho
e
ao
modo
de
produção
c a p i t a l i s t a .
O
progresso
material introduziu a
cultura
no domínio da administração. As
exigências económicas levaram a
razão instrumental
a
tornar-se
modelo dominante, expandindo s eu campo de ação para todas as
áreas da vida s o c i a l , i nclusi ve a esfera da cultura. O caráter
mer
cantil da arte conduziu
a s eu
preparo com
vistas
ao
mercado.
No princípio,
o mercado
f o i
uma
condição para que as
a t i v i -
dades
estéticas
o b t i v e s s e m
s ua
autonomia
na
sociedade.
O
de
s e n v ol v im e n t o
das
técnicas de
e s c r i t a ,
som e imagem, subm e ti
dos ao
comando
do s m ono pó li os ,
levou
e s sa
autonomia
ao e x
tr em o; completou a separação da arte da praxis pr odut i va das
pessoas, reduzindo-a a um
bem de
consumo, à forma do
espe-
táculo.
As
expressões a r t í s t i c a s mais
puras sempre
foram ao
mesmo
tempo mercadorias: o
conceito
de obra
original, por
e x e mpl o, r e -
laciona-se de m ane ir a
negativa
com
a
venda de b e ns similares,
que devem fazer
crer
na
s ua
novidade para a t r a i r os consumido
r e s . No
contexto
de
s ua indústria,
o
novo
não
é
o caráter mer
cantil da
o b ra
de a r t e ,
mas o
fato de que
hoje,
ele se declara deli
beradamente como t a l ,
e é
o
fato
de que
a arte
r enega
s ua
própria
autonomia,
incluindo-se orgulhosament e entre os bens de con
sumo,
que
lh e
confere o e ncant o da novidade (Dialética, p .
147).
O
mercado do s b ens culturais, surgido no
começo
do s
tem
po s m ode r no s , promoveu uma mudança histórica
importante,
ao
possibilitar a circulação e distribuição desse tipo de pr oduç ão . A
situação
histórica
criada por ele acabou
com
o exclusivismo
do s
mecenas
e
da
aristocracia em
relação
a
es s e s
bens. Através de
s ua mediação,
engendraram-s e
as
condições necessárias
para
o
surgimento
da
criação
espiritual
autónoma.
O
mercado
do s
b ens
culturais [contudo] assume novas funç õe s na
configuração
mais
ampla do mercado do lazer [ que s urge no capitalismo avança
do] .15 Os valores mercantis começam então a transcender
o
pro-
1 5 HABERMAS. J . Mudança e s t r u t u r a l d a e s f e r a p ú b l i c a
[
1 9 6 2 ] . R i o d e J a n e i r o :
T e m
p o B r a s i l e i r o , 1 9 8 4 , p . 1 9 5 . D o r a v a n t e , a o b r a s e r á c i t a d a , n o c o r p o d o t e x t o , como
Mudança
e s t r u t u r a l .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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3 0 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
cesso de troca, passando a penetrar na substância das
obras
como
um
princípio estrutural.
A própria
criação delas se
orienta, nos
setores
amplos
da
cultura
de
consumo, conforme
pontos de
vista
da estratégia de
vendas
no mercado (Mudança estrutural, p .
195).
O
capitalismo
avançado colocou a
cultura na dependência
da
economia e administração, produzindo uma cultura industrial de
massas. No período
anterior, a
formação
era mediada pelo valor
de
troca;
agora
ela
se
tornou
um
aspecto
da própria forma mer
cadoria.
A
codificação
das
relações
sociais
pela
l e i
do
valor
a l
cançou o terreno da formação da
consciência.
O
conjunto
da vida
cultural se encontra dominado
pelo
valor de troca. Os programas
de rádio servem para v ender cerveja e , os
filmes,
no
mínimo,
pa
ra v ender
f i t a s de
vídeo
e
s e s sões de cinema.
Conforme declaram
os
executivos
do
negócio,
os
videoclips
s ão
instrumentos de v e n
da de discos, cuja m i s s ã o é fazer com que o a r t i s t a cause boa im
pressão no mercado. O videoclip, em s i , não é uma a r t e , mas um
meio
de
promover sua
venda , de modo
que, nele, não é
possível
distinguir o que
é arte e
o que
é anúncio.16
Em
síntese, o significado disso é que
a
cultura converteu-se
totalmente numa mercadoria, difundida como uma informação,
[através de no vas
tecnologias
maquinísticas]
(Dialética,
p .
184).
Durante
bom
tempo os programas de rádio e
televisão,
po r
exemplo, foram não apenas patrocinados por outras empresas,
mas
criados
por
agências
de
publicidade.
Nos
anos
1950,
as
em
presas do setor descobriram que podiam gerar maiores receitas
passando a
controlar
a
programação.
Porém
isso não
mudou
o
sistema. As mercadorias não
s ó continuaram a ser colocadas
den
t r o
do s
programas, seguindo uma tendência que
o
cinema e a im
prensa já conheciam,
mas
passaram a ser objeto de novas técni
cas
de
publicidade, evidenciando a
interpenetração
do
conteúdo
dos anúncios
com
o
do s
programas.
Constata-se, em última
instância,
pois,
que
h á cada
v e z
me
nos diferença
entre
a fr ui ção
que se
tem ao ouvir
uma canção
da
moda
ou
ve r um filme de sucesso e aquela desencadeada por
uma
campanha
de
publicidade.
A
linguagem
da m ídia
tornou-se,
no l i m i t e , meio onde
tudo é permutável
com
a retórica
mercantil.
1 6
C f .
SU T
JHALLY:
Os
c ó d i g o s
d a
p u b li c id a de . L i s b o a:
ASA,
1 9 9 5 ,
p .
1 2 8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s
d a
c r í t i c a
à indústria
c u l t u r a l
3 1
Atualmente,
publicitários
se tornam cineastas,
e
cineastas se tor
nam publicitários, sem dramas de consciência. A mercadoria im
pó s
s ua
forma
às
obras
de
arte
e ,
essas
obras,
converteram-se
como
um
todo
em veículos de publicidade. A cultura
mercantil
adotou
os
preceitos da
arte popular
mas, também, da
arte
de v an
guarda
do
passado. Central para as vanguardas modernistas,
a
fu
s ão entre arte e vida
passou
a ser
promovida
como
farsa pela i n
dústria
cultural, como viu
bem
Adorno.
Historicamente, o
de s e n v ol v im e n t o
da indústria cultural co
incide
com
a
formação
de
grupos
económicos
interessados
na
exploração
das
atividades culturais
e
o formidável crescimento
do
mercado de b e ns de consumo
ocorrido nas pr im e iras
décadas
do século XX.
A comercialização da cultura
vai
ao
encontro
do s
interesses do
capital ao mesmo tempo em que os
capitalistas co
meçam
a
t e r interesse
em
criar uma
nova
cultura. A
publicidade é
o principal
motor
desse processo, na
medida
em que
tanto lhe
serve
de
estímulo como fornece as
técnicas
com as quais a indús
t r i a da cultura se
apresenta
à sociedade.
Os empreendimentos jornalísticos foram os prime iros a e x
plorar o mercado
dos
b en s simbólicos como indústrias organiza
das. Os primeiros
jornais m e r ecedor e s
do conceito
resguarda
vam para as suas redações aquela espécie
de
liberdade que e r a ,
de um modo geral, característica para
a
comunicação
das
pessoas
privadas enquanto público
[na e ra
burguesa] (Mudança
estrutu
r a l , p .
21 5).
A
possibilidade
de
t r a t a r
o
público como
clientela
e
a demanda
por
veículos
de
publicidade para expandir os negó
cios
conduziram,
por é m , à
comercialização da imprensa,
r e spon
sável por s ua
crescente concentração
nas mãos de
umas
poucas
empresas
e
conglomerados.
Acontece, então, de as matérias
redacionais
de relevância
pública, colonizadas pelo valor
de troca
no mercado, recuarem
diante
das
de
interesse
humano,
assistirem
ao
surgimento
de
um entretenimento ao mesmo t empo agradável e facilmente d i -
g e r í v e l , que tende a
s u b s t i t u i r
a captação
do
r e a l po r aquilo que
es
t á pronto
para
o consumo e
que
mais desvia
para
o consumo de es
tímulos destinados a d i s t r a i r do
que leva para o
us o público da r a
z ão (Mudança e s t r u t u r a l , p . 198-202).
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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3 2
F r a n c i s c o R i i d i g e r □
T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Nas primeiras décadas do
século
XX, o
processo continuou
na mesma direção, mas em escala cada v e z mais ampla e diversi
ficada.
As
tecnologias
de
comunicação
que
então
estavam
se
de
s e n v o lv endo foram
postas
a
serviço
dos interesses económicos
dominantes. O teatro de r e v i s t a , o folhetim e o circo, expressões
da economia mercantil simples, terminaram po r ce de r lugar ao s
vários
tipos de shows distribuídos a
domicílio,
expr e s são do
po
derio t écnico subjacente à ascensão do capital monopolista.
Os progressos
técnicos que levaram
à
invenção
do cinema,
do
rádio,
do
disco,
da
televisão
e
da
mídia
i mpr e n sa
ilustrada
permitiram o
surgimento
de
um
mercado de
massa
para
os bens
culturais. Os monopólios empregaram os
recursos
criados
pela
tecnologia para
explorar
os esquemas da
cultura
popular e , c r i
ando novos mecanismos de promoção, venderem as
obras
de arte
como
mercadorias.
Holly wood estabeleceu
extensas
relações com anunciantes e de
monstrou
seu
desejo
de
permitir
o
ingresso
de
discursos
comerciais
externos em suas n a r r a t i v a s de aparência autónoma muito t e m p o
antes de começar a produzir especialmente para a t e l e v i s ã o . Suas
mensagens comerciais podem t e r
sido m eno s
e x p l í c i t a s do que
a s
do s sistemas de rádio e t e l e v i s ã o , mas não foram m eno s i n f l u e n t e s
na
ascensão
da cultura de consumo.17
Atualmente,
as
comunicações
se
encontram
em
processo de
convergência cada
v e z mai s extensa
e profunda, seja criando i n
terfaces
entre seus
div e rs os produtos ,
seja integrando
seus vários
recursos
tecnológicos. Os capitais re v e s t e m-s e mais e mais
de
ca-
ráter abstrato ou informático, não
só
no sentido de
que
os
servi
ços
tendem
a assumir a
condição
de setor económico
dominante
1 7 ANDERSON, C . Hollyw ood i n t h e h o m e . I n : N a r e m o r e , J . B r a n t l i n g e r , P . Mod-
e r n i t y
and mass
c u l t u r e . B l o o m i n g t o n
I N ) :
I n d i a n a
U n i v e r s i t y
P r e s s .
1 9 9 1 . p .
9 1 . C f .
J a n e t W a s c o : Hollywood m e e t s M a d i s o n A v e n u e . I n :
H o l l y w o o d
i n t h e i n f o r m a t i o n
a g e . A u s t i n ( T E ) : U n i v e r s i t y o f
T e x a s
P r e s s ,
1 9 9 5 .
D e i x a r e m o s
d e
t r a t a r
n e s t e
e s t u d o
a
m a n e i r a
como
o p r o c e s s o e m
f o co c o lo n i z o u
a
v i d a p o l í t i c a ; c o m o ,
p o r e x e m p l o , o
c o m í c i o e m p r a ç a
p ú b l i c a e a
r e u n i ã o co m o e l e i t o r a d o ,
f i g u r a s
d a s o c i e d a d e l i b e r a l
b u r g u e s a , f o r a m c e d e n d o l u g a r , c h e g a d a n o s s a e r a , a o s p r o g r a m a s d e e n t r e v i s t a e
à
p r o p a g a n d a p e l o r á d i o e
t e l e v i s ã o .
A
c o n t r i b u i ç ã o f r a n k f u r t i a n a
e n c o n t r a - s e , s o b r e t u
d o , e m J U r g e n H a b e r m a s : Mudança e s t r u t u r a l d a e s f e r a p ú b l i c a [ 1 9 6 2 ] , O s k a r N e g t
A l e x a n d e r K l u g e : E s f e r a p ú b l i c a
e
e x pe r i ê nc ia [ 1 9 7 2 ]
e
Ú r s u l a J a e r i s c h :
Uber
R e -
z e p t i o n r e c h e x t r e m e r Propaganda
[ 1 9 7 5 ] f o r n e c e m
o
e s s e n c i a l d a c o n t r i b u i ç ã o f r a n k
f u r t i a n a . T h e o d o r Adorno l a n ç a p i s t a s s o b r e o p o n t o e m Ó f f e n t l i c h e Meinung und Me -
i n u n g s f o r c h u n g
[ 1 9 5 2 ]
e
M e i n u n g s f o r c h u n g
und
Ó f f e n t l i c h k e i t
1
1 9 6 5 ] .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a
à
indústria c u l t u r a l
33
mas, ainda, no de que a geração e apropriação de
riqueza
v ão se
tornando imateriais.
Os
m o v i m en t o s
do s
conglomerados
de
mídia,
entretenimento
e
t e
lecomunicações expressam uma
monumental
concentração de po
de r - tanto por controlarem dois t e r ç o s do que s e divulga no plane
t a , quanto pela aglomeração
de atividades, patrimónios e
a t i v o s .
Através de
a l i a n ç a s
e f u s õ e s , a concorrência
praticamente r e s t r i n -
ge-se
ao clube de players,
dotados de f o r t e s reservas
de
c a p i t a l ,
de
know-how tecnológico e de capacidade de a r t i c u l a r consórcios para
vultosos
negócios transoceânicos.18
O movimento da indústria cultural, convém notar, vem s e ndo
gestado há muito tempo: no s sa era
deu-lhe
apenas a
estrutura
monopolis ta e
os princípios de
administração. Os fundamentos
de suas
várias
figuras
não s ão novos , ao contrário das
técnicas,
que
permitiram
s ua
integração em
um
só
sistema.19 Os
esquemas
em que
se
baseia
na atualidade já
estavam
contidos
em
embrião
no
mercado
de
bens
culturais
que
surge
ainda
na
a l t a
modernida
de
( f i n a l do
século XVIII a
inícios do
século XX).
Conforme
Adorno
repetiu
diversas
vezes, valendo-se de es
tudos
de terceiros,
a prática da
indústria
cultural surgiu
junto
com o conceito de a r t e : tanto
e s s e
quanto aquela s ão as pe ct o s do
processo
de
formação
da
sociedade
burguesa. A prática dos ar
ranjos musicais,
[comum
na
música
popular,] procede
da
música
de
s alão [ do
f i n a l
do
século
18] 20
e ,
quando
se
lêem
certos
ro
mances de entretenimento do século [seguinte], como os de Coo
per, encontra-se
neles
s ob uma forma rudimentar
todo
o
esquema
de Hollywood .21
MORAES, D . O P l a n e t a M í d i a . Campo G r a n d e : L e t r a L i v r e , 1 9 9 8 , p . 2 4 8 . C f . H e r
m a n .
Edward
R o b e r t McChesney: T h e G l o b a l
M e d i a . L o n d r e s : C a s s e l l , 1 9 9 7 .
Dan
S c h i l l e r :
D i g i t a l c a p i t a l i s m .
C a m b r i d g e
(MA):
MIT
P r e s s ,
2 0 0 0 .
ADORNO.
T .
HORKHEIMER. M. Temas b á s i c o s d a
s o c i o l o g i a
1 1 9 5 6 ] . S ã o P a u
l o : C u l t r i x .
1 9 7 8 . p . 2 0 1 .
D o r a v a n t e a o b r a
s er á c it ad a n o c o r p o
d o
t e x t o como
T e m a s .
:
ADORNO. T . D i s o n a n c i a s
[ 1 9 5 6 ] .
M a d r i : R i a l p , 1 9 6 6 , p . 4 1 . D o r a v a n t e , a c o l e t â n e a
s e r á
c i t a d a ,
n o
c o r p o d o t e x t o , como D i s s o n â n c i a s .
2 1 ADORNO, T . Minima M o r a l i a [ 1 9 5 1 ] . S ã o P a u l o : Á t i c a , 1 9 9 2 , p . 1 3 0 . D o r a v a n t e , a
o b r a
s e r á
c i t a d a , n o c o r p o
d o
t e x t o , como
Minima
m o r a l i a . Adorno b a s e i a s u a p r o p o
s i ç ã o
s o b r e t u d o e m
I a n W a t t : A a s c e n s ã o d o r o m a n c e . S ã o
P a u l o :
C i a .
d a s
L e i r a s ,
1 9 9 0 .
Le o L o w e n t h a l
a n a l i s o u
o s u r g i m e n t o d o s s u p r a c i t a d o s e s q u e m a s e m T h e d e
b a t e o v e r a i l
a n d p o p u l a r
c u l t u r e : E i g h t e e n - c e n t u r y E n g l a n d a s c as e s tu dy [ 1
9 5 7 ] .
I n :
L i t e r a t u r e
and
mass
c u l t u r e .
Ne w
B r u n s w i c k
( N J ) :
T r an sa ct io n , 1 9 8 4 ,
p .
7 5 - 1 5
1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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34
F r a n c i s c o
R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
O
capitalismo
moderno
criou um mercado de be ns culturais
(sérios e ligeiros) que permitiu ao s a r t i s t a s e intelectuais
l i b e r t a -
r e m - s e
das
autoridades
políticas
e religiosas
e
passarem,
onde
puderam, a
viver
por
conta
de s ua atividade
criadora. A autono
mia da produção a r t í s t i c a e l i t e r á r i a é algo que devemos
ao
s eu
caráter mercantil. A perspectiva não deve nos fazer esquecer,
po
r é m , que,
desde
o i n í c i o , e s s e
mercado
en s e j ou
a
idéia de
indús
t r i a , como
bem
viu muito cedo, por t e r vivido a situação, Sõren
Kierkegaard.22
A
situação também
levou
ao
aparecimento
de
atividades
ar
t í s t i c a s
e l i t e r á r i a s voltadas
para
a exploração desse mercado, e
não
à
criação
cultural
em condições
de liberdade.
A
l i t e r a t u r a ,
por
e x e mpl o, conquistou espaço no s
jornais
por meio
do
folhe
tim, mas isso não se fez sem mácula, quando se
l e m b ra
que até
mesmo escritores de renome foram pouco escrupulosos com
s ua
assinatura.
Em Londres, Paris e
Berlim,
havia um ne gó ci o de livros po
pulares bastante lucrativo, s obre tudo para
alguns
editores,
cujo
mercado abrangia
desde
o proletário até as famílias da a l t a bur
guesia.
O mercado da cultura sempre f o i ambivalente,
na
medida
em que permitiu a liberdade de criação
do
a r t i s t a e facilidade de
acesso ao s b en s culturais mas , por outro lado, s us ci tou a ne ce s si
dade desses b ens
darem lucro
para os que com
eles negociavam,
levando à
s ua
adapt aç ão ao padrão de gosto dos compradores
(Mudança estrutural, p . 196-197).
Desde o i n í c i o ,
a separação
entre arte leve e
arte
séria f o i re
l a t i v a , na medida em que, conforme comentaremos, tanto uma
quanto a outra s ão facetas de um único processo. D e trás das
duas existe um
mesmo processo
económico e , secundariamente,
tecnológico, que as faz convergir, embora não linearmente. A
sensibilidade simbolista,
convertida
hoje em e s o t e ris mo barato,
originou-se,
como
não
poderia
deixar
de
s e r ,
da
esfera
do merca
do: a dignidade do indivíduo f o i e mpre s tada àquela pelas man
chetes do s j o r n a i s . . . que at ri bue m o genericamente importante
à
esfera privada (Prismas, p . 210).
2 2 KELLNER, D .
BEST,
S . T h e p o s t m o d e r n t u m . C re sk il l ( NJ ): H a m p t o n , 1 9 9 7 , p .
4 0 - 5 0 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a
à indústria
c u l t u r a l
35
Entretanto,
precisamos distinguir o
momento
em que o
fe
nómeno adquire
s ua
forma t o t a l do s
estágios
em que e s sa forma
se
esboça.
A
configuração
plena
e abe rt a
do
mesmo
s ó
veio
mais
tarde, quando as
novas técnicas permitiram às
e m p r e sa s assumi
rem o caráter de corporações e
controlar
o mercado da cultura.
Nesse estágio, apenas, a prática da indústria cultural se converte
em sistema. O fetichismo do
produto
cultural é uma expr e s são
tardia do pr ogr es s o das
relações mercantis entre
a sociedade. A
prete ndida apropriação das faculdades humanas através da com
pra
de
b ens
de
consumo
é
um
estágio
superior
de
alienação,
em
relação
ao
fetichismo da mercadoria
estudado
por Marx.
1.2
Fetichismo
e fantasmagoria
Procedendo
à
contextualização histórica do problema, o p r i
m e i r o ponto
a
observar
é
que
a
conv ersão
da
indústria
cultural
em s i s t e m a não
é resultado de
qualquer conspiração de uma
mi
noria interessada. O fenómeno
é
produto de uma série de agen
ciamentos coletivos,
em parte
planejados,
em parte
derivados das
circunstâncias. Através de tudo i s s o , os seres humanos procuram
lidar
com
suas
aspirações,
t e m o r e s e problemas, enquanto outros
disso se valem com objetivo de exploração
económica.23
A e x
ploração da cultura como força de consumo dependeu da capaci
dade
do s
representantes do capital responderem às demandas
dos
possíveis c l i e n t e s ,
dentro
de
condições
históricas
determinadas.
Em
linhas
gerais,
o fascínio com
os
mistérios
do
valor e o
poder
do dinheiro
s obre os
homens foram, a
princípio,
expr e s são
do
caráter
alienado
da
produção, reflexo subjetivo
da
separação
entre s ua
capacidade de trabalho e a m ane i ra de se apropriar dos
seus resultados na
sociedade
c a p i t a l i s t a .
A mercadoria é misteriosa simplesmente po r encobrir a s
c a r a c t e r í s
t i c a s
s o c i a i s
do
próprio trabalho humano, apresentando-as como
c a r a c t e r í s t i c a s
materiais
e
propriedades s o c i a i s
inerentes aos pro
dutos
do t r a b a l h o ;
por
ocultar
portanto a relação
s o c i a l
e n t r e o
t r a
balho individual do s produtores e o trabalho t o t a l , ao r e f l e t i - l a s
C f .
STUART,
E .
C a p t a i n s
o f
c o n s c i o u s n e s s .
Nova
Y o r k :
M c G r a w - H i l l ,
1 9 7 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 40/296
36 F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
como
relação s o c i a l e x i s t e n t e ,
à
margem d e l e s , entre
os
produtos
do
seu próprio t r a b a l h o . 2 4
O
fetichismo
da
mercadoria, noutros
termos,
é
um
aspecto
inseparável das co ndi ç õe s de produção e t roca modernas: através
dele,
as
relações
sociais
criadas pelos
homens
assumem a forma
de
coisas, passam a
possuir
uma fantasmagoria. O
capitalismo
engendra el e m en t o s que o b je ti vam ent e assumem a
forma
de i l u
sões
e
que
s ão
elaborados esteticamente
das
mais variadas
fo r
mas, pelo menos desde o r o man t i s m o . A necessidade sem conte
údo
ideológico
e
ideal
de
b ele za
que
consiste,
para
e s s e
sistema,
o
livrar-se
do
antigo,
gera
uma série
de expressões sensíveis, por
meio das quais a t é cni ca busca assumir a
forma
de obra de arte e
meio de gratificação e s t é t i c a .
Walter Benjamin viu
bem que
o
de s en vo lvi m en t o
das forças
produtivas
promovido
pelo
capitalismo
não está isento,
em
toda
a s ua
ambiguidade, de
re fle xos e projeções
no
plano
da
cultura
vivida.
Como
escreve
uma
comentadora,
a
síntese
de
imagens
para consumo s ob a forma de mercadorias e bens serviu para i n
troduzir
a
consciência
das massas
no
modo de
produção
em que
e s tavam sendo enquadradas cada ve z mais inconscientemente.
As exposições u n i v e r s a i s ,
com
suas mostras de
a r t e
e tecnologia
maquinísticas,
moda e canhões, objetos de prazer e negócio, expu
nham [ao
público]
uma
p o l í t i c a fantasmagórica,
cuja base é a
iden
t i f i c a ç ã o
da
industrialização
com
o
progresso.
A
tecnologia
e
a
industrialização
são
apresentadas
nelas como capazes de
produzir
um
futuro de paz e harmonizar a s diferenças de c l a s s e s ,
quando
de
f a t o
esses
'símbolos
de
boa
vontade', a s
promessas do capitalismo,
estão s e convertendo em t r a l h a e sendo postos
no
l i x o pelo correla
t o
desenvolvimento das forças produtivas
ainda antes de
os
mo
numentos
que
a s tinham revelado s e r e m derrubados.25
O
caráter
por as si m
dizer
fantasmagórico
das
imagens que
pouco a pouco se associa ao s produtos mercantis é fruto de uma
espécie de reunião entre
o
pr og r e s s i s m o material desse s i s t e m a
2 4
MARX, K . O c a p i t a l :
c r í t i c a
d a e c o n o m i a
p o l í t i c a .
6 . e d .
R i o
d e J a n e i r o :
C i v i l i z a ç ã o
B r a s i l e i r a ,
1 9 8 0 ,
v . I , p . 8 1 . C f .
G e o r g
L u k á c s : H i s t ó r i a e c o n s c i ê n c i a
d e c l a s s e . P o r
t o : E s c o r p i ã o , 1 9 7 4 , p . 9 7 - 1 1 8 .
2 5
LESLIE, E . W a l t e r
B e n j a m i n . L o n d r e s :
P l u t o ,
2 0 0 0 , p . 1 1 9 . S tu ar t e E l i z a b e t h Ewen
e s c r e v e m c a p í t u l o s s o b r e como e s s e p r o c e s s o o c o r r e u n o s E s t a d o s U n i d o s d o f i n a l d o
s é c u l o
XIX
e m
C h a n n e l s
o f D e s i r e .
Nova
Y o r k :
M c G r a w - H i l l ,
1 9 8 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 41/296
P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 3 7
com
a regressão espiritual arcaizante,
s enão
da
própria ruína
hu
mana, que
ele
não
pára de provocar na
sociedade.
Para
Adorno,
fan tas mag or ias s ã o
essas
imagens
nas
quais
a
aparência
estética
se torna
função
do caráter de fetiche da merca
doria,
por
mais que a
es s e
processo também se ligue, pelo lado
do pr ogr e s s o das
condições materiais de
vida,
ao
desenvolvimen
t o dos meios e possibilidades de
esclarecimento.
As
fantasmagorias
nascem quando, coagidos
por s eus próprio s
l i
m i t e s , os últ imos produtos
da
modernidade s e aproximam do a r
c a i c o ,
quando
cada
passo
à
f r e n t e
é
ao
mesmo
t e mpo
um
passo
pa
r a dentro
do
passado remoto. A sociedade burguesa percebe que
seu
avanço necessita
da camuflagem
de i l u s õ e s a
fim
de s u b s i s t i r ,
porque só
com
disfarce e l a
s e
aventura a parecer que carrega o no
vo em
sua
f a c e . 2 6
Posteriormente, p o r é m , e s s e esquema f o i subsumido num
contexto económico e tecnológico mais
avançado, no
interior do
qual
o
homem
pouco
a
pouco
é
expropriado
da
própria
capacida
de
de trabalho.
Durante as
primeiras décadas do século XX, o
in
di ví duo pas s a a ser inserido em processos produtivos e sociais
cada
v e z
m ai s f rag me n t ado s e desprovidos de sentido, que con
duzem
à desintegração
de
sua própria subjetividade.
O capitalismo produz em s eu avanço sujeitos que, embora
desenvolvam a especialidade de trabalho
necessária
à manuten
ç ão
do
sistema,
tornam-se
cada
v e z
menos
capaz e s de
sintetizar
s uas v iv ênci as i nt e ri or me nt e de mane ira individual, integrada e
consequente. As pessoas
precisam de
ajuda ou apoio permanente
de
recursos coletivos
que, devido
à
própria
situação
criada, r e -
produzem-se
de
maneira
independente
ou externalizada
s o b
a
forma
de
distintos
capitais culturais
(bancos
de dados,
bibliote
cas, discotecas, filmes, revistas, programas,
etc).
7
A
transformação do conjunto
da
produção material em
b ens
simbólicos, promovida pela indústria
da
consciência,
constitui ao
2 6 ADORNO, T .
V e r s u c h i i b e r W a g n e r . T r a d . i n g l e s a : L o n d r e s ,
V e r s o ,
1 9 9 1 ,
p . 9 5 . Do
r a v a n t e a o b r a
s e r á
c i t a d a n o c o r p o d o t e x t o como W a g n e r . Adorno d e v e m u i to d e s e u
u s o d o t e r m o f a n t a s m a g o r i a
a B e n j a m i n . As
f a n t a s m a g o r i a s s ã o ,
p a r a
o ú l t i m o , r e s u l
t a d o
o u p o n t o
d e
c o n d e n s a ç ã o
d o
d e s c o m p a s s o
e n t r e o
p r o g r e s s o
t é c n i c o e a s
r e l a ç õ e s
s o c i a i s ,
e n t r e a
e v o l u ç ã o
d o
h ome m
e d a m á q u i n a s o b o
c a p i t a l i s m o
( E s t h e r
L e s l i e :
W a l t e r B e n j am i n , p . 1 9 3 ) .
2 7
NEGT,
O .
KLUGE,
A .
P u b l i c
s p h e r e
and
e x p e r i e n c e ,
p .
1 3 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 42/296
38 F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r
Adorno e
a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
mesmo tempo
um
re fle xo e
um
esquema de
solução
dess e pro
blema. O processo permite, até certo ponto, que as fantasias i n
dividuais,
as
necessidades
sociais
e
os
imperativos
sistêmicos
formem
uma
s ó economia e ,
assim,
viabilizem
socialmente
o
processo de acumulação do c a p i t a l .
O
fetichismo
dos bens culturais
que
se descobre nes s e con
texto,
convém
que
fique
claro
po r é m ,
existe
desde que a cultura
surgiu como esfera autónoma da sociedade: o filisteísmo é um
aspecto característico
da pré-história
da indústria cultural. O e n
tendimento
de
que o
consumo
dos be ns
culturais
pode
em
s i
mesmo
nos
fornecer
determinadas
faculdades humanas e valores
espirituais
não
é
uma
ilusão
social
nova.
A
burguesia é uma
c l a s s e
que, em essência, não c r ê . . .
Existe
em
um t e m p o no qual
não
s e
a c r e d i t a
realmente
nos
valores
c u l t u r a i s :
os
quadros pendurados em
suas
mansões estão
a l i
porque engen
dram p r e s t í g i o
s o c i a l . 2 8
Inclusive
no
s eu
t e m p o ,
e ra
em
parte
inapropriado
o
conceito
de
arte
pura, sendo pois, também, ideologia. Os indivíduos com
acesso à coisa, em alguma
medida,
sempre consumiram valores
estéticos
sem que
os mesmos fossem devidamente
apropriados.
A
pretensão
de que
a simples po ss e desses
bens implicasse no
cultivo (valor
de uso) de s eu
espírito
incluía-se entre
as
razões de
s ua
aura,
para valermo-nos
da
expr e s são de W. Benjamin.
No
capitalismo
avançado,
o
fenómeno se
generalizou
de
t a l
modo que
o
valor de us o do s
bens
culturais parece t e r virtual
mente
desaparecido.
O consumo desses
be ns e nv olv e
cada
v e z
menos s ua interação viva com as pessoas. O
sentido
dos mesmos
depende, antes de mai s nada, das suas co ndi çõe s de produção i n
dustrial e de difusão
mercadológica. Numa
sociedade onde a ar
t e
já não
tem nenhum lugar e que está
abalada
em
toda
a reação
contra
e l a ,
a
arte
cinde-se
em
propriedade
cultural
coisificada
e
entorpecida e
em
o b t e n ç ã o de prazer que o cliente recupera e
que,
na maior parte dos casos, pouco tem a ver com o objeto . 9
2 8 HORKHEIMER, M. ADORNO. T . / S e m i n a r i d e l i a S c u o l a d i F r an co f o rt e . M i lã o :
F r a n c o A n g e l i ,
1 9 9 9 ,
p .
1 6 0 .
2 9
ADORNO,
T . T e o r i a e s t é t i c a [ 1 9 7 0 ] . S ã o P a u l o : M a r t i n s F o nt e s. 1 9 82 , p .
2 7 .
D o r a
v a n t e ,
a
o b r a
s e r á
c i t a d a ,
n o
c o r p o
d o
t e x t o ,
como
E s t é t i c a .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
39
As tecnologias de reprodução das obras de a r t e , exploradas
pelos interesses económicos,
tornaram
corrente ou passaram a
le git im ar a
suposição
cotidiana
de
que
os
estímulos
estéticos
se
destinam à diversão mercantil e de que os valores espirituais po
dem
ser
comprados, le v ando ao
eclipse as
próprias idéias de
cul
tura e
educação
(formação). A contrapartida da expropriação das
condições para
cultivarem
suas vidas,
a
que o
si s t ema
submeteu
a maior parte dos indivíduos, é , a princípio, a ext ensão dessa i l u
são, cada ve z mais fugaz,
para
o conjunto da população.
A verdadeira novidade se o ri gi na po is do fato
de
os consu
midore s encontrarem-se mais e mais
na
situação
de
se bastarem
apenas com a compra do bem cultural. O principal
valor adora
do pelos consumidores é o caráter
fetichista de
s eu valor mercan
t i l
[t he spe ll of
the commodity] . 30
A
prete ndida assimilação
do
conteúdo
dessa espécie
de bem se
esvaneceu, quer
no
campo
sé
r i o , quer no
campo leve
da
produção
a r t í s t i c a
e intelectual.
A
crescente reificação das relações sociais leva a um embotamento
dos sentidos:
[ Gros so modo] não
há
lugar para
qualquer relação
viva com a obra
em
questão, qualquer compreensão
d i r e t a
e
espontânea
de sua fun
ção como expressão a r t í s t i c a , qualquer sentimento de sua t o t a l i d a
de como
uma
imagem do
que outrora s e chamava verdade.31
Desde algum tempo, desencadeou-se um
processo
por meio
do
qual
o
conteúdo
objetivo
dos be ns
culturais está
se
tornando
mais e mais indiferente à subjetividade. Os
indivíduos
quase não
se relacionam
mais com
a coisa
em
s e u
valor
de us o mas,
em es
cala
cada
v e z maior, com os efeitos
de
s e u valor
de
troca, defini
do através do trabalho
direto
e indireto
da propaganda
via meca
ni s m o s da indústria cultural.
O mistério
poético
do
produto,
através do qual
v a i
além de s i
mesmo,
consiste
no
f a t o
de
p a r t i c i p a r
da
natureza
sem-fim
da
pro
dução e
de
o t e mor reverenciai
inspirado pela
realidade a j u s t a r - s e
suavemente ao e squema da publicidade ( I n d ú s t r i a , p . 5 5 ) .
ADORNO,
T
T h e
R a d i o Symphony . I n : P au l L a z ar sf e l d F r a n k S t a n t o n
o r g s . ) :
R a d i o
R e s e a r c h 1 9 4 1 . Nova Y o r k : D u e l l , S l o a n P e a r c e , 1 9 4 2 , p . 1 3 5 . A g r a d e ç o a
o b t e n ç ã o
d o
t e x t o a C a r l o s J a h n ( U n i s i n o s ) .
HORKHEIMER.
M.
E c l i p s e
d a
r a z ã o
[ 1 9 4 7 ] .
R i o
d e
J a n e i r o :
L á b o r ,
1 9 7 6 ,
p .
4 8 - 4 9 .
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40 F r a n c i s c o
R i i d i g e r
□
T h e o d o r Adorno e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
No estágio
da
cultura de m e rcado , a capacidade de desenvol
ve r e e xpre ss ar a subjetividade tende pois a se
identificar com
a
posse
das
coisas:
o
cultivo
se
confunde
com
o
consumo.
O
f e t i -
chismo da mercadoria baseia-se no fato de que as pessoas trans
f e r e m para s i , mais do que o valor
monetário,
a gratificação ps i
cológica advinda do
reconhecimento
de um valor dado à coisa
socialmente, atribuindo à compra ou po ss e dela
o
prazer daquilo
que na verdade f o i produto de s ua própria atividade sensível e n
quanto coletividade.
Explorando
os
proce s s o s
psíquicos
de
reconhecimento,
identificação
e propriedade, a prática
da
indústria cultural atinge
simultaneamente o próprio objeto, revestindo-o, na consciência
[do consumidor],
com todas
aquelas qualidades
que, na
realida
de , s ão
em
grande parte de v idas ao s
mecanismos
de identificação
[com os valores dominantes na
sociedade]
(Sociologia,
p .
134).32
As comunicações não s ão pois apenas um meio de estender o
poder de sujeição do público ao capital mas, também, um meio
de
o público
satisfazer (ativamente)
uma
espécie de
vontade
de
poder criada e mantida
pela
sociedade
c a p i t a l i s t a . Os
produtos
culturais que
consomem agenciam vários
processos, entre
os
quais a formação de fantasias de poder, sobretudo vicárias e es-
cópicas, como vêm revelando alguns e s tudos recentes. As fanta
s i a s que criamos não fornecem apenas a matéria-prima com que
elaboramos a imagem de uma realidade diferente: s e u caráter
transgressivo também pode ser direcionado
socialmente em
s e n
tido conformista
ou
mesmo regressivo, como veremos
no
penúl
t i m o capítulo.
Conforme Adorno nota, o movimento da indústria
cultural
não
por
acaso
coincide
com o da
publicidade: a
publicidade
é o
e l i x i r da vida
da
indústria
cultural.
A linguagem e
as
técnicas que
e s sa
u t i l i z a
têm
origem
na
esfera
da
circulação.
As
campanhas,
os slogans e os truques de publicidade foram de início procedi
mentos externos
às
finalidades
das o br as
de a r t e . O
caráter
a r t í s -
O
p e n s a d o r e n c o n t r o u s u p o r t e
e m p í r i c o
p a r a e s s a i d é i a n a
a n á l i s e d a
c o r r e s p o n d ê n c i a
e n v i a d a
p a r a
e m i s s o r a s d e r á d i o .
C f .
S o c i a l c r i t i q u e
o f
r a d i o
m u s i c [
1 9 4 5 ] .
I n :
N e i l
S t r a u s s o r g . ) R a d i o t e x t ( e ) .
Nova Y o r k :
S e m i o t e x t ( e )
1 9 9 3 .
Devo
a o b t e n ç ã o
d e s s e
t e xt o a
V a l e i
Z u c u l o t o
( U F S C ) .
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 4 1
tico
do qual, em
certas
ocasiões,
se revestiam
estava
subordinado
ao imperativo
da
eficácia
psicológica.
O
de s en vo lvi m en t o
da
indústria
cultural
não
somente
trans
plantou essas
técnicas para
a
produção dos bens culturais, mas
fe z
com
que
s ua
própria recepção
se
colocasse
s o b s ua
depen
dência.
O resultado é o progressivo eclipse do s eu valor
de
uso.
As técnicas
de
promoção
conferem
sentido
e
definem e s s e valor
de us o antes mesmo do consumo
os
pór em
contato
v iv o com as
pessoas em
um contexto determinado.33
Atualmente,
a e xpe r iê nci a
estética
está
se
tornando
mais
e
mais
fechada,
na medida
em que a
relação com as
obras de
arte
e
todas as
coisas
é
sempre
mais
mediada pelas
diversas técnicas de
promoção
do
produto
empregadas pelo conjunto do
aparato
pu
b l i c i t á r i o . O comportamento contemporâneo perante a arte é es
tacionário porque as pessoas conferem às obras um valor
muito
maior do que elas crêem que essas
obras
po s sue m . Ojulgamento
público se deixou colonizar
pelos
esquemas
da indústria
cultural
(Estética, p . 29). Os fenómenos culturais s ão
pré-consumidos:
o
indivíduo se
relaciona de
maneira
cada ve z menos imediata com
a própria coisa,
consumindo,
ao invés, sobretudo a aura ou ima
gem
social
que
lh e de u a máquina de
propaganda.
Celebridades
de todos os t i p o s , incluindo ex-chefes de Esta
do, apresentam-se como palestrantes
sobre qualquer
assunto
pe
rante platéias de
todo
o mundo
em troca
de de z enas de milhares
de dólares por
no
máximo
uma
hora: nisso tudo não
há
valor de
us o para ninguém.
Apenas
agenciam-se valores de t r o c a . Confe
rencistas,
promo t o r e s e
público
engajam-se na coisa
porque
ela é
m ei o ,
pago,
para
acessar outra
(prestígio s o c i a l , publicity ,
con-
t a t o s , honorários):
o conteúdo
tende a ser
simples
pretexto.
A
exemplo das
liquidações
promovidas pelo comércio varejista,
e v ento s
como esses, todavia, cumpre notar, também podem en s e
jar
tanta
diversão
quanto
os
programas
de
sorteio
pela
televisão
e
os
anúncios
das
campanhas
de publicidade.
A p u b l i c i d a d e e
a
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
convergem
e
t e n d e m
a
s e
f u n d i r
e x a t a m e n t e n e s s e
s e n t i d o ; a p r i m e i r a n ã o s e l i m i t a a o s a n ú n c i o s e m a té r i as c o m e r c i a is , e n c o n t r a n d o r e s
p a l d o
e m t o d a s
a s f o r m a s
d e
e x p r e s s ã o
s i m b ó l i c a ;
a
s e g u n d a , c a d a v e z m a i s s e v a l e
d a
l i n g u a g e m
e
d a s
t é c n i c a s
d a
p u b l i c i d a d e
e
p r o p a g a n d a .
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42 F r a n c i s c o R í i d i g e r □ T h e o d o r
A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Destarte, verifica-se que mais e mais os indivíduos tendem a
t e r
prazer
com o valor de troca
das mercadorias:
A
mulh e r que
possui dinheiro
para
i r
à s
compras
s e
embriaga
com
o próprio ato
de
comprar. Having a good
t i m e ,
é a expressão
ge
ralmente usada no senso comum norte-americano
para
a s
situações
em que o
indivíduo s e regozija tão-somente
em e s t a r presente
ao
regozijo
do s
outros (Dissonâncias,
p .
2 0 ) .
Anteriormente, os sujeitos pelo menos pautavam
s ua
conduta
pelo ideal de se assemelhar às obras de a r t e . As representações
estéticas
colidiam
com
a
vida
e ,
via
de
regra,
era
mais
essencial
para
o público
burguês,
ao menos
em projeção, aprender a apre
ciar as obras
do
que
encontrar
obras que
os
agradassem de ma
neira direta
e
imediata.
Os protagonistas das
grandes
criações
de
todos
os tempos
foram
f i g u r a s
i d e a i s , utopias e
modelos,
que o público contemplava e ,
amiúde,
invejava.
No
período que
precedeu
o romantismo,
nunca
ocorreria
a
nenhum
mortal
comum
medir-se com
e l e s
e
arrogar-se
seus
d i r e i t o s , pretender c o r r i g i r ou melhorar sua própria v i d a , i m
p e r f e i t a
ou
i n s a t i s f e i t a ,
com
sua
imagem.34
A prática sistemática da
indústria cultural,
ao
contrário, con
sagrou
e s sa atitude, prenunciada
pelo
romantismo, desenvolven
do
uma preocupação em agradar o público que age
no sentido
(ideológico) de fazer os b ens simbólicos se assemelharem ao s su
jeitos t a l
e
qual s ão
definidos
modalmente
pelo
sistema.
O consumidor pode à
vontade
p r o j e t a r a s
suas
emoções, os seus
resquícios miméticos, no que l h e é apresentado [ . . . ]
As
mercado
r i a s
fazem
aparecer como próximo, como sua
pertença,
o que
l h e s
f o i alienado e que
s e
pode dispor heteronomamente [ s i c ] na r e s t i
tuição ( E s t é t i c a ,
p .
2 9 ) .
Adorno,
certo
ou
não,
deseja
dizer
com
isso
que
a
satisfação
das nece s s idade s pas s a a
coincidir com o
exercício -
direto ou
indireto
-
do poder
de
compra,
numa época em que
a
cultura
vem
se reduzindo
à agência
de
centralização
da
vida
na atividade
de
consumo.
Trocando em outras
palavras, as
atividades de
com-
3 4 HAUSER,
A . S o c i o l o g ia
d e l
A r t e . B a r ce l o n a: L á bo r , 1 9 7 7 .
p . 7 6 5 . C f .
C o l l i n
Camp
b e l l :
T h e r o m u n t i c e t h i c and t h e s p i r i t o f
modern
c o n s u m e r i s m .
O x f o r d :
B l a c k w e l l ,
1 9 8 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l 43
pra conv e rt e m-s e , em s i mesmas, na maneira pela qual os sujei
tos crêem que podem se apropriar das faculdades
humanas que
o
s i s t e m a os
impede
de
desenvolv er
ou,
então,
mutila
mais
ou
me
nos dolorosamente.
A mercadoria coloca ao
alcance
de todos como
imagem
aquilo que
as
pessoas cada v e z menos recebem de f a t o .
[Através
d e l a ]
a s pessoas compensam a consciência de sua impo
t ê n c i a
s o c i a l [ . . . ]
e
ao
mesmo
t e m p o
a
sensação de
culpa pelo f a t o
de
não
s e r e m
nem fazer o que
em
seu juízo devem
s e r
e
fazer [ s e
gundo
suas
inclinações
i n s t i n t i v a s
i n d i v i d u a i s ] ,
considerando-se
-
realmente ou
po r m ei o
da
imaginação - membros
de
um s e r mais
elevado e amplo, ao qual conferem
os
atributos de tudo aquilo
que
l h e s
f a l t a e do qual recebem de v o l t a , do modo s i g i l o s o , algo
parecido
como
uma participação naquelas qualidades.'
Os valores culturais passam
a ser
gerados
pe lo pr ópr io
mer
cado, através
dos
mecanismos
de
oferta e
procura
e da
ação da
publicidade.
A
espirituosidade,
elegância
e
bom-gosto
que
as
pessoas pretendem trazer
para
s i
através
da
compra
de
um
pe r
fume,
por exemplo, associam-se à coisa
porque,
bem ou
mal,
es
sas mesmas pessoas a figuram e negociam de s s a mane i ra, e não
porque esta sempre
os
possui objetivamente. A situação a que
chegamos hoje torna
cada
ve z mais d i f í c i l precisar e s sa e spé ci e
de relação,
não
s ó porque a mediação reificada
que
representa a
prática
da
indústria
cultural
nela
se
interpós,
mas
também
porque
somos nós mesmos mais e mais por ela agenciados.
O
fetichismo da
mercadoria cultural
tecnológica não g i r a ,
portanto, em torno
da
obra,
mas
do processo que confere marca
ao pr odut o e , assim, enseja s eu at o de consumo como sinal de
exercício de
poder
ou capacidade de apropriação por parte de um
sujeito
s o c i a l . A
hipótese forte em que se baseia
sua pos tulação
é
a de
que,
qualquer
que
seja s ua natureza, material ou e s p i r i t u a l , o
consumo e
desfrute
da primeira visam ou dependem mais da
imagem
sintetizada
pelo marketing do que do contato
relativa
mente
mais
e s pon t ân e o
com
a coisa em
uma
situação de
mercado
ou de algum processo social de descoberta individual.
ADORNO, T .
T e o r i a
d e l a
p s e u d o c u l t u r a [ 1 9 5 9 ] .
I n : T h e o d o r Adorno Max
H o r -
k h e i m e r :
S o c i o l o g i c a . M a d r i :
T a u r u s . 1 9 6 6 . p . 2 5 9 . D o r a v a n t e , o
e n s a i o
s e r á c i t a d o ,
n o
c o r p o
d o
t e x t o ,
como
P s e u d o c u l t u r a .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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44
F r a n c i s c o
R i i d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
O
e nt e ndi me nt o nã o exclui
a
possibilidade
de as
mercadorias
t e r e m valor de us o para as
pessoas. Definindo
o consumismo
como
desfrute
de
s eu
valor
de
t r o c a ,
não
se
pretende
negar
que
muitos indivíduos
conseguem ser
bastante criativos em
s e u
há
bitos de consumo e podem inclusive se desenvolv er como seres
humanos
através do consumo .3 6 As contradições sociais per
meiam o modo de pr oduç ã o, e xpr e s sando - s e no corpo dos b e ns
simbólicos,
e ,
talvez por i s s o , nenhum deles po ssa ser
totalmente
blindado a um us o produtivo.
A
concessão
f e i t a
assim,
por
outro
lado,
não
deveria
nos
l e
var a esquecer que, na atualidade, v i rtualm e nt e t o do s os hábitos
de
consumo do homem moderno
encontram-se precondicionados
pelos
esquemas
da cultura mercadológica. Os indivíduos que,
pretensamente e , de f a t o , articulam s ua subjetividade por meio
deles, não
s ão
mais meros consumidores.
Em virtude do
processo
histórico, praticamente todos nó s já nos tornamos hoje, deseje
mos
ou não, filhos
da indústria
cultural.
1.3
A
sociedade administrada
Segundo
Adorno
e H o r k h e i m e r , a
formidável
expansão
da
indústria
cultural
ocorrida em no s sa era dev e
ser
vista como um
momento do processo de transição para o que chamaram de
mundo administrado (Dialética p . 9 ) . O capitalismo moderno de
sencadeou
um processo de racionalização
das
condições
de vida
cujo horizonte,
até
onde
pode ser
vis ualiz ado, é a sub m i s s ã o do
ser humano a uma espécie de tecnoestrutura. O pr ogr es s o das
técnicas
e das forças
produtivas
leva à
formação de uma socieda
de onde o correlato da progressiva
perda
de sentido da experiên
cia aparentemente tende a ser o e nfre nt ame nt o técnico do
conjunto
dos
pr ob le m as da
vida
social
e
individual.37
KELLNER, D . C r i ti c al t h e o r y,
m a r x i s m and
m o d e r n i t y , p . 1 6 1 .
C f .
P o ll o ck : S ta t e
c a p i t a l i s m : I t s p o s s i b i l i t i e s a n d l i m i t a t i o n s
( 1 9 4 1 ) ; M a r c u s e :
Some
s o c i a l i m p l i c a t i o n s o f modern t e c h n o l o g y ( 1 9 4 1 ) ;
H o r k h e i m e r :
T h e a u t h o r i -
t a r i a n s t a t e ( 1 9 4 2 ) ; A d o r n o : R e f l e x i o n e n z ur K l a ss e nt h e o ri e ( 1 9 4 2 ) ; e H o r k h e i m e r
A d o r n o : A
I n d ú s t r i a
c u l t u r a l ( 1 9 4 4 )
-
t e xt o s e a u t o r e s c o n s t i t u e m a s r e f e r ê n c i a s
f u n d a d o r a s
d a t e o r i a s o c i a l
d o
c a p i t a l i s m o a v a n ç a d o
p r o p o s t a p e l o
g r u p o
f r a n k f u r t i a -
n o .
P r o c u r a n d o
e x p l i c i t a r
a
v i s ã o
d e
A d o r n o ,
a
l e i t u r a
q u e
s e g u e
s a l i e n t a
a s
l i n h a s
d e
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a á indústria c u l t u r a l 45
O predomínio
da tendência,
todavia,
não
de v e ser
visto de
forma l i n e a r :
h á
forças que agem
em sentido
contrário, não s e ndo
i ne xpr e s s iva a
subsistência
dos
valores
modernos
e a
capacidade
de
resistência
ativa
e
passiva do indivíduo.
A
t o t a l i d a d e é uma categoria de mediação nos países de
adminis
tração
democrática da sociedade i n d u s t r i a l , sem
s e r
diretamente
dominadora e
subjugadora.
I s s o implica dizer que na sociedade
i n d u s t r i a l de
t r o c a
nem
tudo
que pertence
à
sociedade pode
s e r
imediatamente
deduzido
de seu p r i n c í p i o . Ela
encerra inúmeros
enclaves não
c a p i t a l i s t a s (Sociologia, p . 4 8 ) .
Adorno percebeu
com o
tempo, embora não
de todo, que
a
transformação
das estruturas societárias capitalistas que teve l u
gar nas
primeiras décadas
do
século passado
não conduz de
mo
do necessário
ao
estado
t o t a l i t á r i o .
A sociedade totalmente admi
nistrada,
anunciada
por e l e , pressupõe uma superação das
con
tradições
económicas e sociais que não pode acontecer
dentro
do
capitalismo.
Os antagonismos c a p i t a l i s t a s realmente aumentaram, apesar da co
erência evolutiva que a
t e o r i a
t e m chance
de
c o l h e r , da lógica na
sucessão de
cada
época s o c i a l , do crescimento das
forças
mate
r i a i s , do s
métodos
e
da capacidade
de
produção. Em última i n s t â n
c i a , são esses antagonismos que de fi ne m os
s e r e s
humanos. Atu-
almente, e l e s s e tornaram
ao
mesmo
t e mpo mai s capaze s
e ainda
mais incapazes de s e
l i b e r t a r e m .
Subsiste não apenas
a
p o s s i b i l i d a
de de
uma
l i b e r t a ç ã o , mas
também a
criação de no vas fo rmas
de
opressão
no f u t u r o . 3 8
Em virtude disso, o capitalismo de Estado, que s urge ne ss a
época,
precisa
ser visto
como
uma figura
política
cuja hegemonia
não é constante e varia conforme a época e contexto histórico.
A sociedade é contraditória e mesmo assim determinada; a um
s ó
tempo
racional e
irracional,
sistemática
e
caótica,
natur eza ce
ga
e mediada
pela
consciência
(Sociologia, p . 47). A concentra-
f o r ç a h i st ó r ic o - un i ve r s ai s q u e formam o c e n á r i o
d e
e n t e n d i m e n t o d o
p r o b l e m a
d a i n
d ú s t r i a c u l t u r a l s e g u n d o e ss e a ut or e , p o r t a n t o ,
n ã o
p r e t e n d e t e r
um
c a r á t e r m a i s
c r í t i -
c o - f i l o l ó g i c o ,
como t e m a q u e l a f e i t a
p o r
P e t e r H o h e n d h a l ( R c a d i n g
m a s s
c u l t u r e ,
P r i s m a t i c t h o u g h t , p . 1 1 9 - 1 4 9 ) .
HORKHEIMER, M. L a
s o c i e t à d i t r a n s i z i o n e [ 1 9 7 2 ] . T u r i m : E in au di , 1 9 7 9 .
p .
1 9 -
2 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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46 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
ç ão do poder económico e as estratégias públicas e privadas de
controle do
mercado não
levam
à liquidação
deste último, con
f o r m e
supunham
no
i n í c i o ,
mas
a
novas
formas
de
crise
e
pa
drões
de concorrência.39
O
capitalismo
avançado é dominado pelas corporações
transnacionais
e a formação
de blocos
político-económicos. Em
função disso, não deve ser visto com um r eg i m e t o t a l i t á r i o : cons
t i t u i
um
momento de
transição, caracterizado
por
uma
dialética,
cuia
tendência
dominante,
vista
em
t e r m o s
v i r t u a i s , é
a
domina
ç ão
totalmente
burocrática, mas
o
curso
-
de
fato -
não
é
linear
nem estável,
apresentando-se
mundialmente como uma procis
s ão duradoura e ininterrupta de catástrofes,
caos
e crueldades ao
mesmo tempo que abre a possibilidade de uma revolução .40
Na
situação p r e s e n t e , v e r i f i c a - s e que
uma
forma s u p e r i o r , para a
qual a
sociedade dever-se-ia
m o v e r de aco rdo
com o pensamento
p r o g r e s s i s t a , não pode mais s e r l i d a como tendência concreta da
r e a l i d a d e . 4 1
Herbert Marcuse nos dá conta do caráter sombrio
dess e
pro
cesso lembrando o fato de que as
possibilidades
utópicas conti
das
na
tecnologia maquinística e na
cultura
de mercado enco
brem a crescente banalização
da
violência, a mis é ria moral e os
massacres em países distantes
dos
centros
afluentes.
O progresso
responsável pelo
relativo aumento da segurança pessoal e nível
de
vida
da p opulaç ã o
e s bar ra nas
paisagens
de
devastação
da
na
tureza, na marginalização da vida produtiva i mpo s ta às
pessoas,
Segundo F r i e d r i c h P o l l o c k ( S t a te c ap it al is m: U s p o s s i b i l i t i e s a n d l i m i t a t i o n s .
I n :
S t u d i e s
i n p h i l o s o p h y
and
s o c i a l
s c i e n c e s 2
[ 2 0 0 - 2 2 5] 1 9 4 1 )
o
c a p i t a l i s m o d e
E s t a d o
c o r r e s p o n d e , n a e c o n o m i a ,
à
s u b s t i t u i ç ã o d o s m e c a n i s m o s d e m e r c a d o p o r um s i s t e m a
d e c o n t r o l e s p o l í t i c o s
e
a d m i n i s t r a t i v o s . H o r k h e i m e r e Adorno a c e i t a r a m co m
r e s s a l
v a s e s s e e n t e n d i m e n t o m a s ,
m a i s
t a r d e , r e vi s ar am s u a
p o s i ç ã o ,
p a s s a n d o a s u s t e n t a r
a
t e s e
d a
t r a n s i ç ã o
p a r a
o
mundo
a d m i n i s t r a d o .
P a r a
A d o r n o ,
e m
e s p e c i a l ,
o
c o n c e i t o
m a i s a d e q u a d o p a r a e n t e n d e r
a e r a
a t u a l
e r a
o
d e
s o c i e d a d e i n d u s t r i a l d e t r o c a .
A
c o n s t i t u i ç ã o d e uma d o m i n a ç ã o i n d e p e n d e n t e d o s m e c a n i s m o s d e m e r c a d o d e v i a
s e r
v i s t a como um t e l o s e
n ã o
co mo um a r e a l i d a d e n o c o n t e x t o h i s t ó r i c o
c o n t e m p o r â n e o
( S o c i o l o g i a , p . 7 3 ) . C f . S t e f a n o P e t r u c c i a n i : R a g i o n e e d o m í n i o . Roma: S a l e r n o ,
1 9 8 4 ,
p .
3 2 9 - 3 3 2 .
4 0 THEODOR ADORNO a p u d D o u g l a s K e l l n e r : C r i t i c a l
T h e o r y ,
m a r x i s m , and m o d e r -
n i t y , p . 7 8 . C f . T h e o d o r A d o r n o : C o n s i g n a s [ 1 9 6 9 ] . B u e n o s A i r e s : A m o r r o r t u , 1 9 7 3 ,
p . 3 9 . D o r a v a n t e , e s t a o b r a s e r á
c i t a d a ,
n o c o r p o d o
t e x t o ,
como
I n d i c a d o r e s .
4 1 ADORNO, T
C r i t i q u e [ 1 9 6 9 ] .
I n :
C r i t i c a l m o d e l s .
Nova Y o r k : C o l u m b i a U n i v e r -
s i t y
P r e s s ,
1 9 9 8 ,
p .
2 8 5 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 51/296
P r e m i s s a s d a c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
47
nas t e ndê ncias
à autodestruição e
condutas regressivas, na pro
dução em massa de
bens
sem
valor
universal, no empobrecimen
to
espiritual
e
na
deterioração
das
condições
de
vida urbana.
Enquanto a estrutura social que mais e mais se reveste de
feições sistêmicas e mundiais conservar-se antagonística
e ,
as
sim,
continue a
perpetuar
as
contradições que
definem s eu
modo
de
s e r ,
todavia deve-se
considerar também
que
h á
uma
possibili
dade de mudança.
Dentro
do presente estado de
coisas,
hoje
ou amanhã podem surgir situações que, provavelmente, venham
a ser
catastróficas,
mas também podem
restaurar
a possibilidade
de uma ação
prática hoje
obstruída .42
A
sociedade
contemporânea procura
preservar
a estrutura
de
compromisso da e ra burguesa, embora disponha dos m e i o s para
se impor
ditatorialmente.
A assistência burocrática converge com
o interesse individual. O crescente tempo l i v r e disponível de uma
forma
ou de
outra
por
todos
nó s
é
ocupado com atividades que
os reencadeiam ao si s t ema económico e , assim, às exigências de
seus princípios de socialização. A
reprodução
do sempre o
mesmo
significa,
porém,
que os
perigos
e risco s s ociai s ainda
rondam a vida
da
maior parte dos indivíduos.
Para
a Teoria C r í t i c a , i s s o levanta a questão
de
s e a
d e s i n d u s t r i a l i -
zação envolve uma reversão das tendências em curso na sociedade
de
consumo e
de
s e o indivíduo a c e i t a r á uma redução do consumo,
depois de t e r sido levado
a c r e r que
esse
é
um
d i r e i t o s e u , e
passará
a p r i v i l e g i a r a
expectativa de que aquele
continuará
crescendo,
en
quanto
recompensa
para o f a t o
de
trabalhar e p r e s t a r lealdade à so
ciedade c a p i t a l i s t a
que t e m
pouca
coisa
mais
preciosa a dar do que
i s t o ,
crescimento do s padrões
de consumo, em troca de legitima
ç ã o . 4 3
A
concentração
do poder económico e a formação de con
glomerados
modificam
o caráter, mas
não podem
estancar
as
c r i
ses
nem
s upr im ir t ot alm ent e o s
mecanismos
de
mercado.
A
com
petição económica se perpetua e r e pr oduz de m an e ir a cada ve z
mais s ev era através -
e
não ao invés
-
do progresso
tecnológico.
As circunstâncias apenas redimensionaram s ua escala, reservan
do
seus
principais
lances
para os
grandes e
poderosos. Precisa-
a
THEODOR
ADORNO a p u d R o l f W i g g e r s h a us :
T h e
F r a n f u r k t S c h o o l , p . 5 6 6 .
4 1
KELLNER,
D .
C r i t i c a i
t h e o r y ,
m a r x i s m
a t u i
m o d e r n i t y ,
p .
1 8 0 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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48
F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e
a c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
mente por i s s o , a sociedade contemporânea é geradora de con
tradições que produzem
uma conduta
ambivalente, - tecnicista e
regressiva
ao
mesmo
tempo
-
que,
se
por
um
lado,
favorece
o
progresso do sistema, também pode levá-lo à
mudança, crise
ou
involução, por intermédio das mais diversas alternativas.
Adorno
sugere sem
dúvida que,
no capitalismo
tardio,
apenas os meios
administrativos
de força
dire ta e
indireta
conju
gam
as
ações individuais, ordenando-as
num s i s t e m a social ,
ca
indo por isso
num
reducionismo
sociológico
que
passa
por alto
o
plano
cultural
da
ação
s o c i a l ,
a e sfe ra
da
ação
social
em
geral,
e por isso se confina entre os pólos do
indivíduo
e da
organiza
ção .44
As
proposições
do
autor
f e i t a s nes s e
sentido,
no
entanto, de
vem ser entendidas de aco r do
com
s e u m é t odo, dialeticamente; o
que significa que devem ser vistas como expressando tendências.
A práxis instrumental hoje dominante fazem frente não
só
as
formas de ação social legadas pelo passado quanto as condutas
regressivas
e irracionais que
se geram no
confronto
com o avan
ç o da racionalização.
O de s en vo lvi m en t o das forças produtivas e a concomitante
concentração do capital pelos monopólios públicos e privados
provocaram uma profunda m odi fi caç ão na estrutura e nos pa
drões
da
socialização. A tecnologia maquinística moderna e a i n
tervenção e s t a t a l produziram um aumento
do
padrão
de v i da para
a maioria da população. Entretanto, em virtude disso, os
homens
passaram a
se
diferenciar cada v e z menos
no
contexto funcional
da sociedade,
ainda
que nem mesmo diante do aparelho de t e l e
visão se
po ssa afirmar seriamente que as partículas
sociais,
os
indivíduos, s e jam iguais,
no
sentido
estreito
em que se pode falar
de igualdade r e lat i vam e nt e ao s átomos estudados pela f í s i c a e a
química (Escritos, p . 2 0 0 ) .
A
sociedade
burguesa
f o i
expr e s são
do
capitalismo
l i b e r a l .
A
centralização do
poder
político e económico, a complicação da
vida urbana
e
o progresso técnico
conduziram à s ub li maç ão da
estrutura de
classe, que ela
nos
legou, numa
sociedade de
massa.
A
socialização, por outro lado, atingiu, assim,
um
ponto em
que
o s i s t e m a
começou
a
se
tornar t o t a l ; os homens perderam
as
con-
4 4
HONNETH,
A .
T h e
c r i t i q u e
o f p o w e r ,
p .
5 7 - 9 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s
d a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 49
dições objetivas
para controlar o
sistema,
se
é que alguma v e z
as
tiveram durante o curso da história passada.
A
concentração
do
poder
político
e
económico
transformou
a
ratio em meio de dominação. O conhecimento científico reduziu-
se
à
tecnologia
e
passou
a ser usado como meio de domínio não
apenas
da
natureza
mas,
também,
da vida s o c i a l .
Os
serviços pú
blicos,
a
escola,
o hospital, a fáb rica e
outras instituições
passa
ram,
nesta época, a se dotar
de
técnicas
cada
v e z mais eficientes
para atingir seus objetivos. Os procedimentos instrumentais o r i
ginados
da
economia
de
mercado
penetraram
nesses
ambient e s
e
ens ejaram a criação
de controles
cujo
sentido é fazer
dos
homens
mónadas reificadas
do sistema. Os indivíduos,
paulatinamente,
vão
s e ndo
enquadrados
em disciplinas, que fragmentam
os pro
cessos v i t a i s e , assim, os
levam
à
massificação.45
Horkheimer
e Adorno
não
nos deram
um
relato
da
maneira
como
e s s e
processo ocorreu, valendo-se do diagnóstico
w e b e ria-
no
sobre
a
modernidade, sem
le var a cabo análises
mai s cuidado
sas do
problema. Coube
a Foucault, admite-se hoje,
remediar
es
sa lacuna da teoria c r í t i c a da sociedade, chamando a atenção para
o fato de
que
a racionalidade técnica deve ser
estudada
de manei
ra
mais
matizada
historicamente.46
Os terrenos
em que
a razão se
e xe rce s ão tão distintos quanto as próprias formas que ela assu
me.
O fenómeno
existe
no
plural
e
para
estudá-lo precisamos
pesquisar
as
diferentes
fundações, criações e modificações
atra
vé s das
quais
as racionalidades engendram outras, opõem-se
e
buscam a o u t r a s . . .
sem
serem um único f enó m eno . 4 7
Adorno certamente
concordaria
com e s s e
enfoque,
partindo
do suposto de que, para e l e , a vida social não s ó obedece a
vários
ritmos, mas permite
que se
divise
pelo menos
duas formas
de r a -
4 5
C f .
HERBERT
MARCUSE:
Some
s o c i a l
i m p l i c a t i o n s
o f
m o d e r n
t e c h n o l o g y
( 1 9 4 2 ) . I n : Andrew A r a t o E s t h e r G e b h a r d t E d i t o r e s ) : T h e e s s e n t i a l F r a n k f u r t
S c h o o l R e a i l e r .
Nova
Y o r k ,
C o n t i n u u m ,
1 9 8 2 .
Os
c o n t r o l e s
s o c i a i s
q u e emergem
a s
s i m n ã o s ã o
e m h i p ó t e s e a l g u m a f r u t o d e uma c o n s p i r a ç ã o :
e s t ã o
e s p a l h a d o s
p o r
t o d a
a s o c i e d a d e ,
s e n d o a pl ic ad o s p e l o s v i z i n h o s ,
a
c o m u n i d a d e ,
a s
g r a n d e s s o c i e d a d e s
a n ó n i m a s ,
o s
m e i o s d e
c o m u n i c a ç ã o e ( t a l v e z e m menor m e d i d a ) p e l o s
g o v e r n o s
( H e r b e r t M a r c u s e : La a g r e s i v i d a d e n l a s o c i e d ad a v a n z a d a . M a d r i : A l i a n z a , 1 9 8 1 , p .
1 0 6 ) .
4 6
FOUCAULT,
M.
Remaria
o n
M a r x .
Nova Y o r k , S e mi o t e x t , 1 9 9 1 , p .
1 2 4 - 1 2 8 .
4 7 FOUCAULT, M. P o l i t i c s ,
p h i l o s o p h y
and c u l t u r e .
Nova
Y o r k , R o u t l e d g e , 1 9 8 8 , p .
2 8 - 2 9 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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50
F r a n c i s c o R u d i g e r
□ T h e o d o r
Adorno
e a
c r i t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
cionalização da cultura: a proposta pelo trabalho e a proposta
pe
l a educação, elas mesmas variáveis de acordo com
a
época
e s o
ciedade.
Diverge,
p o r é m ,
ao
recusar-se a
abrir
mão
da
idéia
de
totalidade. O processo de posição do diverso conserva uma uni
dade, na medida em que as esferas que resultam dele s ão media
das umas pelas outras e
de
uma maneira que deve ser analisada
particularmente. O movimento
histórico
caracteriza-se, assim,
como
uma totalidade
cindida
e cada v e z m ai s f r ag me n t ada que -
não obstante - apresenta
tendências
dominantes, como é o caso,
na
m o de r n idade , da
racionalização
mercantil.
Segundo a Es co la de Frankfurt, as conexões existentes entre
a cult ura e
poder
na era da técnica
não
devem ser entendidas em
t e r mo s de interesse de classe e condicionamento
pelo
modo de
produção.
O fundamental é a subsunção da produção cultural à
forma mercadoria. Atualmente em fase de desagregação
na
es
fera da produção material, o
mecanismo
da oferta e da procura
continua atuante
na
superestrutura como
mecanismo
de controle
em favor dos dominante s (Dialética, p . 125).
As estratégias
de
controle social
postas em prática em nos sa
era
relacionam-se com
a preocupação
cada v e z maior em v i a b i l i
zar os circuitos mercantis
nas
mais
distintas
esferas da
vida coti-
diana. O princípio [básico]
no
qual se disfarça a dominação [ r a
cional]
é
o
da troca (Estética, p . 2 5 5 ) .
A
racionalização das r e
lações
de
poder
no s
diversos
campos
sociais
não
pode ser s epa
rada
da
s ua
crescente mediação pela forma
mercadoria.
Os s i s
t e mas de dominação e controle social estão migrando para dentro
do próprio homem, fazendo-o s u j e i t o , embora não
de
todo, em
todos os
campos
sociais, na medida em que
-
cada
v e z
mais -
depende
disso s ua
própria sobrevivência.
Acompanhando mais ou menos de perto, embora sem saber,
os resultados das pe squis as le vadas a cabo um pouco antes
por
Nor b er t
Elias,
os frankfurtianos
perceberam
que,
conforme
a
era
moderna progride , a reprodução das estruturas sociais pouco a
pouco se
de s lo ca par a o
â m b i t o
interior
do indivíduo, desvane
cendo
seus estímulos
externos.
A racionalidade
técnica
inculca
da naqueles que se prendem ao
s eu
aparato transforma numero
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
5 1
sas formas de autoridade e compulsão externa em for mas de au
tocontrole e autodisciplinamento .48
Paulatinamente,
os
t e m o r e s
do
indivíduo
perante
a
realidade
se interiorizam, passando a ser mediados por s ua capacidade de
cálculo racional. Em resumo, con v e r t e m - s e numa segunda natu
reza, sancionada pelos poderes
constituídos. Destarte,
po r é m , os
prejuízos que atuam sobre os civilizados, s ob o po de r do s mo
nopólios,
passaram a
coincidir com
a s ua
civilização (Escritos,
p . 3 4 8 ) .
O
declínio
do
caráter
pessoal antes
associado
à autoridade e
a correlata
criação
de mecanismos de controle anónimos em to
das
as
instâncias sociais
que se
verificaram assim
privaram
os
indivíduos da experiência da
opr e s são
nas regiões onde o
capita
lismo
acabou
melhor implantado. Na modernidade avançada,
acontece de fato que as relações de
classe
perderam s ua v i s i b i l i
dade, tornando-se despersonalizadas. Os empresários individuais
não se
contrapõem
m ai s pe s s o alm e nt e
aos trabalhadores enquan
to encarnação viva dos interesses c a p i t a l i s t a s .
Conforme Marcuse observaria em A ideologia da sociedade
industrial, O
de s en vo lvi m en t o
capitalista alterou essas duas
classes de t a l modo que elas não mais parecem ser agentes de
transformação
histórica. 49 As camadas dominantes perderam
parte
de
s ua
identidade de
classe, passando a
exercer
o mando
através de variados mecanismos sistêmicos, dos quais também
não
estão
l i v r e s
totalmente
(Escritos,
p .
180).
A
massificação
provocada
pela racionalização
instrumental
rompeu
o tecido s ocial e não poupou nenhuma classe. A filiação
subjetiva a uma ou
outra
classe é sempre mais flutuante. O im
portante é desenvolver uma postura positiva e uma mentalidade
tecnocrática, passando por uma
s ã
consciência realista da
ordem
das coisas na vida s o c i a l .
4 8
MARCUSE, H .
Some
s o c i a l
i m p l i c a t i o n s o f
m o d e r n t e c h n o l o g y , p . 4 2 4 . C f . N o r -
b e r t
E l i a s :
O
p r o c e s s o c i v i l i z a d o r [ 1 9 3 9 ] .
R i o
d e J a n e i r o : Z a h ar , 1 9 9 0 / 9 3 . B o g ne r , A .
E l i a s a n d t h e F r a n k f u r t S c h o o l . I n :
T h e o r y , C u l t u r e
S o c i e t y
4 ( 2 4 9 - 2 8 5 ) 1 9 8 7 .
Documentos r e c e n t e m e n t e t r a z i d o s
à l uz
c o n f i r m a m e s s e
c o n h e c i m e n t o r e c í p r o c o d o s
a u t o r e s , a i n d a
q u e n ã o
o r e c o n h e c i m e n t o d a c o n v e r g ê n c i a t e ó r i c a d e s e u s p r o j e t o s d e
p e s q u i s a : c f . D e t l e v
S c h o t t k e r : N o r b e r t
E l i a s a n d W a l t e r B e n j a m i n : a n unknown e x -
c h a n g e o f l e t t e r s a n d i t s c o n t e x t . I n : H i s t o r y ofHuman S c i e n ce s 2 ( 4 5 - 59 ) 1 9 9 8 .
J 9 STALLABRASS,
J .
G a r g a n t u a : m a n u f a c t u r e i H i a s s c u l t u r e , o p . c i t . , p . 9 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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52
F r a n c i s c o
R i i d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Consequentemente,
a
estrutura de
dominação de classe pas
s ou a s ob re v iv e r de forma anónima (idem, p . 3 3 5 ) . A autoridade
se
transferiu
do s
patrões
para
o
conjunto do s
mecanismos
de
so
cialização. As lutas de classe não deram adeus à história, mas
passaram a ser controladas, na medida em que foram inseridas no
contexto funcional das instituições e , por conseguinte, tornaram-
se matéria de
administração
(idem,
p . 76).
A
reestruturação do conjunto das
relações
sociais ocorrida
assim
t e r m in ou
colaborando para fazer de
t odos os homens
obje-
tos
das corporações
e m pr e s ar iai s ( ide m ,
p .
344). Os
trabalhado
res começaram a ser tratados como consumidores, via
que lhes
deu
a cidadania,
passando
a formar s ua
consciência
conforme
o
modelo
da mercadoria. A consciência de
classe cedeu lugar à
mentalidade
de classe média num processo através do qual a
tendência do
capital
a expandir-se
sobre as
esferas do espírito e
da
opinião
t e r m i nou
ocupando
a consciência e inconsciência da
queles que haviam sido o quarto e s tado (idem,
p .
176-177).
O processo de divisão da c l a s s e trabalhadora
e n t r e , por
um l a d o ,
um grupo
de empregados qualificados e os trabalhadores autóno
mos,
que compartilham
de m ui to s
do s
i n t e r e s s e s
da
c l a s s e média e ,
por
o u t r o ,
uma
subclasse
que nada
d i v i d e ,
criou
um
bom fundo de
i n t e r e s s e
comum, assentado
no
que t e m
sido chamado de classes
do conforto , no
plano
mais amplo do
consumo
e de
seu ambiência
e x i s t e n c i a l . 5 0
A conv ersão da indústria cultural em sistema, ocorrida
no
s é culo pas sado , é expr e s são
desse processo e , em especial, da
instauração do caráter social das
classes
médias
assalariadas
co
mo padrão
espiritual
dominante.
As
personagens
modais
em que
se baseia s ua produção não
por
acaso s ão os tipo s ideai s da nova
classe
média dependente. As camadas de consumidores em que
as novas formas
de
cultura de massa primeiro penetraram não
p e r t enc e m
nem
à camada culta
nem
às
camadas
sociais inferio
r e s ,
mas com uma
certa frequência aos grupos em processo
de
ascensão (Mudança estrutural, p . 205).51
, 0 MARCUSE, H .
A
i d e o l o g i a d a
s o c i e d a d e
i n d u s t r i l
[ 1 9 6 4 ] . R i o
d e
J a n e i r o : Z a h a r .
1 9 6 8 ,
p .
1 6 .
A b o r d a g e n s m a t i z a d a s d a c u l t u r a
p ó s - m o d e r n a vêm r e f o r ç a n d o
a
i d é i a
d e q u e a c u l t u
r a
d e
m e r c a d o
n ã o
é
p r o d u t o
d e
m e r a
mudança
e s p i r i t u a l ,
t e n d o
a
v e r ,
t a m b é m ,
com
a s
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 53
No transcurso
do
século
passado,
o proletariado
f o i integrado
socialmente
ao sistema, progressivamente privado das condições
favoráveis
ao
aparecimento
da
consciência
de
classe
e ,
enfim,
dissolvido numa
massa mais
ou menos
indiferenciada
pelo pro
gresso tecnológico. As forças de o po s iç ão foram se tornando par
tidos
de massa
e , suas lideranças,
burocracias inseridas no jogo
político-institucional. Entr em ent e s, a expansão das atividades
nos
setores de
comércio e
serviços
criou
uma nova
e vasta classe
de
empregados,
enquanto a burguesia perdia s ua identidade his
t ó r i c a ,
passando
a exercer
o
poder enquanto
uma
classe
de
e xe
cutivos. A estrutura
de
dominação
passou
a coincidir com a divi
s ão técnica do trabalho, através da qual se exercem agora os inte
resses dos poderosos.
A racionalização instrumental das co ndi ç õe s de vida
pouco
a
pouco f o i e
vem dissolvendo as mediações
ideológicas que
uma
v e z
existiram
entre dominantes e dominados, engendrando cons
telações
de
interesse
e
padrões
de
conduta
que
não
agem
desde
fora, mas
sobretudo
desde dentro dos
próprios
indivíduos. A
consciência se torna
cada
v e z
mais
um
mero
momento
de
transi
ç ão no processo de correlação do
todo
(Sociologia, p . 88).
O
primado
do valor
de troca s e inclina
a
reduzir
os homens a
simples veículos do processo de acumulação. O capital s ó paga
àqueles que
s ão
como
ele
exige
e podem ser contados
entre
s ua
base
de
massas.
[As pessoas] manifestam a tendência a submeter-se a qualquer au
t o r i d a d e , s e j a qual
f o r
o seu conteúdo, desde que
e l a
ofereça prote
ção,
s a t i s f a ç ã o n a r c i s i s t a , vantagens materiais
e a
possibilidade de
descarregar sobre outros
o sadismo, em que a desorientação
i n
consciente e o desespero encontram uma cobertura
(Temas,
p .
1 4 5 ) .
Destarte,
o
ajustamento
é
o
pr eço
que
o s i ndi v í duo s
e
as as
sociações
devem
pagar
para
prosperar s ob
o
capitalismo .52 Hoje
mudanças
s o c i a i s o c o r r i d a s
e n t r e a s
c a m a d a s
m é d i a s u r b a n a s , como n o c a s o e m
t e l a ,
o n d e n ã o s e
t r a t a
s ó d a
p r o l i f e r a ç ã o
d e i m a g e n s p r o m o v i d a
p e l a s n o v a s
t e c n o l o g i a s
m a s , t a m b é m , d o
s u r g i m e n t o d a chamada c l a s s e
d e s e r v i ç o s o u
n o v a
p e q u e n a
b u r g u e
s i a .
C f . Mike
F e a t h e r s t o n e :
C u l t u r a d e consumo e
p ó s - m o d e r n i s m o . S ã o P a u l o :
No
b e l ,
1 9 9 5 ,
p . 1 2 0 ;
W r i g h t
M i l l s : A n o v a c l a s s e m é d i a .
R i o
d e J a n e i r o ; Z a h a r ,
1 9 7 9 .
P a u l B e a u d : La s o c i e t é d e c o n n i v e n c e . P a r i s : A ub ie r , 1 9 84 .
n
HORKHEIMER,
M.
La
s o c i e t à
d i
t r a n s i z i o n e ,
p . 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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54 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
em
d i a , passamos,
nós
todos, a
no s
relacionarmos de
acordo com
os critérios do si s t ema de mercado. A
prontidão em
ve r o
outro
como
potencial
competidor
ou
parceiro
comercial
tornou-se
habitual em
amplos
estratos s o c i a i s .
As
pessoas assumem mais e
mais em face das outras uma postura racional e calculista e ,
curadas
de
velhas ilusões, cada
v e z
mais
julgam s eu
próprio
e u
segundo
o
valor
de
t roca e aprendem o que
s ão a
partir do que se
passa com elas na economia capitalista (Dialética, p . 197).
A socialização afeta o homem
como
pretensa individualida
de
exclusivamente
biológica,
não
tanto
desde
f o r a ,
mas
sobretu
do na medida em que envolve o indivíduo em
s ua
própria i n t e
rioridade e faz dele uma mónada da totalidade social . O proces
s o , observar-se-á, tem duas mã o s . A racionalização progressiva
[ . . . ] faz-se acompanhar
de
uma regressão igualmente progressi
va . A expansão dos controles internos ao indivíduo
por entre
amplos setores
sociais não ocorre sem a t r i t o s ,
engendrando r e s i s
tências e conflitos de
toda
a
o rde m ,
que
ameaçam
de
destruição
várias
formas de
vida social
mas,
também, os próprios indiví
duos. Em
suma,
situações
que
colocam em
pe rigo a esfera obje-
tiva
mas também
a subje t iva
da sociedade
( T e mas , p .
41).
A
seguinte
passagem parece-nos
extremamente
ilustrativa
com
relação ao
último
ponto, no qual
o
filósofo viu
um
aspecto
do que chamou de contínuo
crescimento
da composição orgâni
ca
do ser humano
no
capitalismo avançado (o crescimento i n
v e r sa m en t e
proporcional entre suas predisposições sistêmicas e
suas finalidades individuais):
A
manipulação planejada
da fama e da lembrança conduz de
ma
n e i r a i n e l u t á v e l ao nada, cujo gosto pode s e r antecipado na a g i t a
ção f e b r i l de todas a s celebridades. Os famosos
não
s e
s en t em
be m . Eles transformaram-se em a r t i g o s de marca r e g i s t r a d a , e s t r a
nhos e incompreensíveis a s i m e s m o s , e como imagens vivas de s i
mesmos
são
como mortos.
Na
preocupação
pretensiosa
com
suas
auréolas, e l e s desperdiçam a sóbria energia, que s e r i a a única coisa
capaz
de perdurar. A desumana indiferença e
desprezo
voltado aos
ídolos caídos
da i n d ú s t r i a c u l t u r a l revelam
a
verdade sobre
sua
f a
ma, o
que não
quer dizer
que
aqueles
que
desdenham
tomar
p a r t e
nela possam n u t r i r uma esperança melhor em relação à posteridade
(Minima, p . 8 7 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 55
A
liberdade individual
crescente - que conquistamos com o
progresso económico e a democracia política - f o i paga com
n o s s o
enredamento
em
situações
cada
ve z
mais
reificadas,
que
mudaram
o
próprio
sentido original
dessa
liberdade. A progres
siva
colonização da
família pelos podere s
públicos
e privados
agiu em conjunto
com
a fragmentação das condições de existên
cia para
restringir
as condições favoráveis ao de s en vo lvi m en t o
da individualidade, ao mesmo tempo
em
que desencadeou um
processo de at o mi z aç ão
interna
e externa do conjunto
da
popula
ção.
No industrialismo t a r d i o , a s funções de mediação s o c i a l que
podi
am s e r desenvolvidas numa esfera relativamente independente do
comércio e do t r á f i c o perdem importância, mas não t ê m s o r t e dife
r e n t e , em
g e r a l , os [indivíduos]
e
grupos historicamente
dados,
aqueles que car ece m de uma administração racional e não são a l -
t e r d i r i g i d o s
(Temas, p . 7 3 ) .
A
categoria
do
indivíduo
emancipou-se
com
a
ruptura
das
estruturas tradicionalistas que marcou o adv e nt o da economia de
mercado. A cultura burguesa que
mediou e s s e
processo permitiu
ao s seus filhos tomarem consciência de s i mesmos como indiví
duos. Por outro lado, a
referida cultura
sempre teve um caráter
ideológico. As
relações económicas
mantiveram
cada
um no
es
tágio de
ser genérico, fazendo
de
seus
juízos
um veículo das re
lações
de po de r
que
elas
ensejaram.
R eal me n t e , ape nas
o
sujeito
burguês se beneficiou da
nova situação: a população em geral
permaneceu em
estado
de indiferenciação.
A
concentração do
poder
polí tico e económico que
ocorreu
mais
tarde resultou, ao mesmo t e mpo,
na
progressiva individua
lização do
conjunto
da população e na desintegração da idéia de
individualidade: na massificação
da
sociedade. O indivíduo mais
e
mais
se
volta
para
s i
mesmo
do
po nt o de
vista
subjetivo
em
um
s i s t e ma
onde ele é
um
e l e m e n t o
fungível,
s ó e que em s i mesmo
não tem importância.
A
massa
é
uma forma
de associação de indivíduos que fo ram p r i
vados de suas diferenças pessoais e
n a t u r a i s
e reduzidos à
expres
são
mais comum de
sua
individualidade
a b s t r a t a ,
i s t o é , a
procura
do i n t e r e s s e
i n d i v i d u a l . Enquanto membro da massa, o homem s e
torna puro e simples
objeto
de autoconservação [ . . . ] A
massa
une
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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5 6
F r a n c i s c o
R i i d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
mas une s u j e i t o s
atomizados,
que s e encontram
separados
de
tudo
o que
transcende seus
impulsos
e i n t e r e s s e s
e g o í s t i c o s . 5 3
Os
fatores culturais
que
permitiram
a
formação
e
progresso
do
indivíduo como categoria da sociedade burguesa: a liberdade
de e s p í r i t o ,
a
sublimação dos
impulsos,
o cultivo de um modo de
ser
separado
e
distinto
- isso tudo cada
ve z
tem menos sentido
e ,
onde
existe, continua sendo privilégio. As
possibilidades
se co
locam a curto prazo e de m ane ir a imediata, dificultando a elabo
ração da
experiência para
a maior
parte das pessoas.
A sociedade de t r o c a impele suas crianças a perseguirem
sempre
f i n s imediatos, a viver obstinadamente em função
d e s t e s ,
pr o
curando com os olhos unicamente a s vantagens a s quais pos sam
a g a r r a r - s e , sem olhar para a
d i r e i t a
ou
para
a
esquerda.
Quem s a i
deste caminho corre
o
r i s c o de sucumbir. A imediaticidade forçada
impede que o
homem perceba conscientemente e s t e mecanismo
que o m u t i l a , pois e l e s e reproduz em sua consciência submissa
(Prismas,
p .
212).
Precisando sobreviver, os indivíduos
desenvolvem
uma ca
pacidade
de
adaptação
que consiste em conduzir-se
de maneira
u t i l i t á r i a , em saber
colaborar,
trabalhar em equipe
e
aproveitar as
oportunidades.
O destino de
s ua vida
depende
de estruturas que
ninguém mais domina e que os condenam a procurar s ua realiza
ç ão
de modo
privado, carente de
conteúdo comunitário.
As
i n s t i
tuições
conferem-lhes
cada
v e z
mais
tempo
l i v r e
em
pagamento
pelo que têm de suportar
em s eu â mbit o. A
contrapartida,
po r é m ,
é que,
por
e s sa v i a , eles
acabam
sendo presas de
pseudo-
atividades.
Conforme Horkheimer e Adorno concluíram durante suas
discussões nos Estados Unidos:
Os
mecanismos de concorrência
funcionam
de
maneira
tão d i s t o r
cida
que não
mais
permitem
a
formação
da
mónada
e
só
permitem
ao homem a afirmação da conduta r a c i o n a l em
e s t r a t o s muito
l i m i
tados de sua conduta.54
A condução
da
vida
no sentido da auto-realização individual
supõe uma liberdade de ação
e
uma praxis produtiva que
conti-
MARCUSE, H . Some s o c i a l i m p l i c a t i o n s o f m o d e r n t e c h n o l o g y ,
p .
4 2 6 .
5 4
HORKHEIMER.
M . ;
ADORNO,
T .
/
S e m i n a r i
d e l i a
S c u o l a
d i
F r a n c o f o r t e ,
p .
8 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s d a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
5 7
nua
a
não e x i s t i r para
a
maior
parte das
pessoas na
sociedade
l i
beral administrada. A
esmagadora maioria
das
pessoas
passa a
vida
inteira
fazendo
coisas
que não
apenas
têm
pouquíssimo
sig
nificado individual
como
dificilmente permitem transcender
a s i
tuação particular em que
se
vêem posicionadas.
As
pseudo-atividades
são
ficções
e
paródias
dess a produtividade
que, po r
um l a d o ,
a
sociedade reclama sem cessar e , de
o u t r o ,
f r e i a , e que os indivíduos não vêem só com bons o l h o s . . . porque
pressentem
em
s i l ê n c i o
o quanto
é d i f í c i l
mudar o que
l h e s
an
gustia
(Indicadores,
p .
6 1 ) .
Resumidamente,
constituem práticas
através
das quais
o
ho
mem
moderno procura satisfazer seus impulsos espontâneos, re
primidos
durante
a rotina cotidiana, sem no entanto acertar o a l
vo, pelo
fato deles
serem
ocupados com tarefas que não têm rela
ç ão
orgânica com
o
modo
de vida
do s u j e i t o .
Através delas, o homem pratica um realismo i r r e a l , e scre v eu
Adorno.
Considerando o ponto
de vista do indivíduo,
atividades de s sa
espécie
são,
por e x e mpl o, as
competiçõe s esportivas
de fim de
semana a que se
dedicam
os empregados
de
escritório, os even
tos sociais que os intelectuais teimam em frequentar, os roteiros
turísticos que
levam
os caçadores de pechinchas ao s
museus de
arte
no s dias em que o
comércio
está fechado mas, também,
pas
sar
todo
um
dia
ouvindo música
pelo
rádio
ou
matar
o
tempo
com
j ogos
eletrónicos. Em
linhas
gerais, pode-se dizer
que
caem
nesse
â m b i t o todas as
práticas que,
para o s u j e i t o ,
representam
um passatempo,
permitem
que se ocupe de
maneira
mais
ou
me
nos
prazerosa e
arbitrária durante o tempo em que não está
sendo
entregue às
tarefas
que lh e exige a
sociedade.
A
racionalização mercantil das
condições
de
vida
e
o
pe s o
que
e s sa
conferiu
ao s
pr o ce di m e nt o s de
domínio
técnico
em
to
das as searas da vida pública determinam que o indivíduo repri
ma
suas
inclinações
subjetivas, constitua-se
em
sujeito, a
fi m de
assegurar sua sobrevivência. Os
consumidores de b e ns
culturais,
incluindo
a informação,
não
s ão mui t o diferentes
do s
seus produ
t o r e s ,
na medida em que tendem a
se
comportar
como um
repór
t e r , que corre atrás de e v en t os sensacionais, assi m como
os
con
correntes económicos correm atrás de lucro (Prismas, p .
212).
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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58 F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r
Adorno e
a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
O
processo assim
acionado engendra por o ut r o lado o
desejo
desse homem não ser um eu, entregar-se a situações passivas,
onde
ele
pode
se
l i v r a r da
carga
que
se
tornou
o
fato
dele
t e r
uma
identidade individual. As atividades em foco frequentem ente se
r e v e s t e m desse caráter, podendo chegar
em casos
e x t r e m o s à
própria
dissolução do eu, como no caso do consumo de drogas e
nas explosões de violência autodestrutiva. A possibilidade de a
p a r t i r
da
conversão em sujeito cada
um
desenvolver-se em senti
do progressivo permanece
bloqueada ou
r e s t r i t a a
uns
poucos i n
divíduos,
na
medida
em
que
qualquer
progressão
nes s e
campo
supõe uma socialização não t o t a l i t á r i a ou totalizante que colide
com
os
princípios sistêmicos da
economia
de mercado c a p i t a l i s t a .
As contradições da
subjetividade contemporânea
a
que dão
e scoamento, por
outro
lado, estão na base de um fenómeno com
o qual se
confundem
e com o qual compartilham igual depen
dência à indústria
da
cultura: o chamado pseudo-individualismo.
Segundo
Adorno, a
manutenção do
equilíbrio
entre
as
diver
sas
exigências
que
se
colocam
ao
sujeito na era
da
t écnica é obti
da
tanto pela
ocupação enganosa da espontaneidade quanto pela
síntese mais ou menos criativa de s uce dâ ne o s da individualidade.
Os indivíduos estão cada
v e z
mais
separados
e distantes
uns dos
outros, fechados em suas próprias vivências, na medida em que
se
i n t e r põ e m
entre
eles
uma
vasta tecnoestrutura.
Simultaneamente,
encontram-se cada v e z mais sujeitos a
processos de
nivelamento
e fragmentação das condições de
vida
que deixam pouco espaço para o cultivo de suas diferenças. A
desintegração
da
vida
interior
provocada
por
eles é correlata
ao
surgimento
de um
e u mínimo, acossado por pressões internas e
externas,
que procura manter
s ua
identidade através
da
manipu
lação
instrumental das características elementares de s ua
própria
personalidade.
[Atualmente] o
s u j e i t o
s e decompõe em
um prolongamento
interno
do mecanismo de produção s o c i a l e em um resíduo i n s o l ú v e l , co n
denado à
curiosidade, que
s e contrapõe ao componente
racional
dominante
de
maneira reservada
e impotente
( E s c r i t o s ,
p .
5 2 ) .
O de s en vo lvi m en t o de uma pseudo-individualidade é a ma
neira
através da qual ele procura fazer
valer suas
diferenças para
s i
e
para
os
outros
no
mercado
de
trabalho
e
em
todas
as
outras
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r e m i s s a s
d a c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
5 9
esferas da vida social em tempos de massificação. A continuida
de entre
a
sociedade
l i b e r a l
avançada
e os
r e g im e s autoritários
não
é
uma
linha
r e t a :
é
preciso
haver
um
salto
para
se
chegar
ao s átomos
sociais pós-psicológicos e desindividualizados
que
formam as coletividades [ t o t a l i t á r i a s ] (Indústria, p . 131).
Entr em ent e s, os indivíduos descobriram que expressões
de
ordem natural
ou totalmente
irracionais,
como
a hiperatividade
f í s i c a , as
fixações
objetais,
o cabelo,
as
vestes, o sorriso, as ma
n i a s ,
uma tatuagem, etc, podiam
ser
usadas em t e r m o s
económi
co s
e
psicológicos.
A
exploração
mercantil
direta
ou
indireta
dos
caracteres
naturais e
o consumo de be ns culturais pseudo-
individuados não s ão apenas uma alternativa mais vantajosa em
comparação com o
coletivismo
burocrático.
Também podem servir
de
sucedâneo das antigas formas de
cultivo
e valorização
da
individualidade
que não lograram se
manter ou se democratizarem. Numa e ra em que se tende a
nive
l a r
os
seres e
as
coisas, privando-as
de pr o cur ar e m
e
encontrarem
s e u pr ópr io caminho de realização, o
princípio
de individualiza
ç ão reluz de maneira n a r c i s i s t a , sintética e fetichizada, tendendo
a carecer de sentido pr ogr e s si s ta e
caráter construtivo
para a pe r
sonalidade.
Na medida em que
o
mercado
de
bens estilizados colocou à
disposição dos consumidores um vasto leque de sentidos simbó
l i c o s , destinados a
serem selecionados
e
justapostos quando da
montagem
do e u
público ,55
desenvolv eu-se a possibilidade de
t ornar a personalidade motivo
de
uma construção
mercantil,
su
jeita ao s
ritmos da
moda e at ravé s
da qual, pouco
a
pouco, vem
se processando uma mercantilização da subjetividade em amplas
camadas
da
população.
Em virtude do progresso
do s meios
de
transporte e das
técnicas de
comunicação, da descentralização
i n d u s t r i a l e
tecnológica previsí
v e l , entre
outras c o i s a s , a
socialização da humanidade está se
aproximando
de um novo
ponto
culminante;
e o que
parece
e s t a r
de fora
mantém-se
ne ss a s ua
e x t r a t e r r i t o r i a l i d a d e
mais como algo
que é tolerado
ou
que
s e
s i t u a
num
plano
mai s amplo , do
que em
virtude
de uma
autêntica e
i n d i s c u t í v e l
manutenção
do exótico
(Temas, p . 3 9 ) .
5 5
EWEN,
S .
A l i
c o n s u m i n g
i m a g e s .
Nova
Y o r k :
B a s i c
B o o k s ,
1 9 8 9 ,
p .
7 9 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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6 0
F r a n c i s c o
R i i d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Segundo Adorno,
os fundamentos históricos
e
antropológi
co s da indústria
cultural
se encontram nos
problemas
humanos
surgidos
n e s sa
conjuntura.
A
mercantilização
dos
meios
de
co
municação precisa
ser
entendida no
contexto
de
mudança
social
e descoberta
de
novos padrões
de
integração: é
um produto da
convergência das n ece s s idade s humanas criadas por e s sa situa
ç ão
com
os interesses comerciais
c a p i t a l i s t a s .
Os processos
de
pseudo-individuação,
por e xe m plo , nã o podem
ser
separados dos
procedimentos
através
dos quais
os indivíduos
procuram fazer
valer a
s ua
identidade
no
mercado,
explorando
suas
idiossincra
s i a s :
tanto uns
quanto
os outros s ão agenciados pela indústria
cultural (Dialética,
p .
1 44-1 4 5 ) .
A
contrapartida da
majoração do nível de vida
promovida
pelo s i s t e ma capitalista
f o i
uma
ressignificação
da
miséria
surgi
da
com a
Revolução
Industrial. O
prognóstico
marxiano a
respei
to da cr e s ce nt e di vi s ão da sociedade entre um pequeno número
de poderosos e
uma massa
miserável
se realizou,
ainda
que não
da
maneira imaginada.
No capitalismo avançado,
a miséria
t o r -
nou-se sinónimo
de
impotência
p o l í t i c a ,
social e
individual.
O
processo de divisão social não s ó
continua evoluindo
de m ane ir a
cega e anónima, mas vem se tornando mais forte e estável
em
t o
das as
esferas
da vida, passando a
ser
sentido dentro da própria
pessoa. O nivelamento espiritual e a massificação não s ão suce
dâneos das profundas divisões
que
marcam a vida social
desde
o
s eu
princípio
mas,
talvez,
s eu
último
estágio
de
manifestação.
A progressiva
interiorização
dos fundamentos materiais da
dominação não significa a superação das contradições
sociais,
mas
s ua
mudança
parcial
de direção,
canalizada
cada
v e z
mais
para o plano
imediato
e
microscópico da
sociedade. O
processo
de integração social não logr ou supr i mi r os problemas e lutas s o
c i a i s . As estruturas económicas e sociais
que
os
produzem
foram
deixadas
intactas.
O
s i s t e ma
não
s ó
continua
a
produzir
exceden
t e s populacionais, conflitos políticos e lutas sociais, mas esten
deu
s e u âmbit o,
passando
a compreender os
conflitos que eclo
dem na
família,
no esporte e ,
mesmo,
no
interior
do indivíduo.
O pagamento
exigido
pela socialização t o t a l é a
transforma
ç ão de t odos os
conflitos singulares em expressões
das contradi
ções da
sociedade
(Escritos, p .
78). As
circunstâncias transplan
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P r e m i s s a s d a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
6 1
taram-nas mais
e
mais
para o
â m b i t o
das
relações
humanas e da
economia psíquica do
s u j e i t o .
A desagregação das
relações
s o
ciais
em
partículas
centrífugas
é
o
reverso
da
integração
coleti-
va
(idem,
p . 182). A racionalidade instrumental
atua
irracional
m ent e: a contraface
da
pretendida integração é a ruptura do t e c i
do social e a desintegração moral do indivíduo. A socialização
racional
cada v e z m ai s pr o funda
é potencialmente
destrutiva não
s ó na esfera das relações travadas entre os seres humanos mas,
ainda, na esfera da subjetividade.56
Para
a
Adorno,
em re sumo,
a
transformação
global
da
cultu
ra em mercadoria é uma figura histórica que precisa ser compre
endida
n e s s e
marco contextual.
Em poucas palavras, podemos
afirmar que os fenómenos que lh e s ão conexos têm origem nas
relações
que
as pessoas
travam
entre
s i no capitalismo avançado.
Porém, não s ó . Também têm a ve r com a resistência que os gru
pos e indivíduos engendrados por s e u intermédio opõem à prepo
tência do processo civilizatório. A
subjetividade
é o limite da
r e i -
ficação. Os indivíduos resistem a
ser
patrolados e consumidos de
todo
pelas rotinas da vida burocrática e do
s i s t e ma
empresarial,
incluindo abrir mão da liberdade de
consciência
conquistada no
curso
da
era moderna.
Os fenómenos de indústria cultural s ão o principal palco de s
se antagonismo: o comportamento consumista,
a
procura de d i
versão, os lazeres sintéticos e outros
hábitos
s ão ambíguos por
que, embora dependam
da
ratio burocrática e
mercantil,
também
podem ser considerados como uma forma de
resistência
ao s pro
cessos
de
mecanização em curso
na
sociedade.
Portanto, os indivíduos não se
sujeitam às
práticas da indús
t r i a
cultural por causa das
idéias que
seus
veículos
difundem e
logram inculcar em
seus
grupos mas, antes, porque a expansão
das relações
de
troca e o avanço da
divisão
do trabalho, modifi
cando
suas
i d é i a s ,
se
inseriram
entre
os
homens
e
s ua
cultura.
O
progresso separa e individua as pessoas. As
mercadorias
cultu
r a i s surgiram
no
cur so de s se
processo e acabaram por
se
tornar
matriz
de
novas relações sociais,
na
medida em que se revelaram
capazes de lhes fornecer um
mínimo
de assimilação.
C f . LASCH, C .
O
mínimo e u .
S ã o
P a u l o : B r a s i l i e n s e . 1 9 8 6 .
p .
1 5 - 8 8 .
A r l i e
H o c h c h i l d :
T h e
managed
h e a r t .
B e r k e l e y ( C A ) :
U n i v e r s i t y
o f
C a l i f o r n i a
P r e s s ,
1 9 8 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 66/296
6 2
F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
Adorno
e a c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
A
explicação, todavia,
precisa ser
levada
mais adiante. O
consumo
de
bens
culturais
é também uma forma por meio
da
qual os
homens
procuram
pr es e rv ar s eus
impulsos
internos
e
percepção sensível,
conformando a subjetividade às condições de
vida criadas com o avanço do
capitalismo.
Simbolicamente, é
um
processo através do qual é celebrada uma
espécie de conci
liação
entre
o
corpo i mpo t ent e e
a engrenagem, entre o átomo
humano e a violência
coletiva .57
5 7
ADORNO, T .
I n t r o d u z i o n e a l a
s o c i o l o g i a d e l i a m u s i c a .
T u r i m : E in a u d i , 1 9 71 ,
p .
2 4 7 .
D o r a v a n t e ,
a
o b r a
s e r á
c i t a d a ,
n o
c o r p o
d o
t e x t o ,
como
M ú s i c a .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 67/296
Elementos
originadores
daproblemática
Patrick Brantlinger escreve que o problema da massificação
e
nivelamento da cultura promovida
pelas novas
tecnologias origi-
nou-se das dis cus sõe s s obre os fenómenos de
multidão e
os su
postos
efeitos
das
campanhas de
propaganda,
do
rádio
e
do c i
nema
durante
o
decênio
que
antecedeu
à
eclosão
da
I I
G u e r r a
Mundial.
Naquela
época houve
uma
convergência
entre
as
preo
cupações
dos homens de cultura
europeus
com essas novas mí
dias
e a
vertiginosa
ascensão
do s
movimentos t o t a l i t á r i o s
na
I t á
l i a , Alemanha
e União
Soviética.1
Conquistar as
massas e r a , na
época, o
lema
comum tanto
do s co muni st as quant o dos nazistas , como disse Er ns t J unge r.
Os pensadores locais acreditavam, como seus pares norte -
americanos, que havia
uma
relação direta
entre
as técnicas de se
d i r i g i r
às
massas
e
o comportamento dos
indivíduos.
As
pessoas
podiam
ser manipuladas e
levadas
a
agir
em
determinadas
dire-
ções
através
dos m e i o s de propaganda, considerada então como
a
arte de influenciar as multidões (Franz
Schõnemann,
1924).
A comunicação
estava começando a ser vista como o
primei
ro e mais
importante
instrumento
de
mobilização
política dos
tempos
modernos
por
parte
dos
governos,
que procuram
contro
l a r e empregar os
equipamentos
de formação da opinião pública
visando obter uma
mentalidade patriótica e
obediente n a po pula
ção.
BRANTLINGER.
P .
B r e a d and c i r c u s . I t h a c a ( N Y ) : C o r ne l l U n i ve r si ty P r e s s .
1 9 8 3 ,
p .
3 0 - 3 1 .
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6 4 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Em círculos intelectuais dos mai s variados,
supunha-se
que,
qualquer que
fosse o lado,
era f á c i l desenvolv er
o manejo da
imprensa,
rádio
e
todas
as
demais
técnicas
para
o
domínio
da
a l
ma das massas
que
a sociedade democrática colocou à disposição
do homem comum para, com essas técnicas, formar outros ho
mens sem elhantes
e , assim, multiplicar ao s
milhares
s eu próprio
tipo humano .2
Divergindo dos
publicistas
do outro
lado do Atlântico, os e u
ropeus, todavia,
não mostravam
um
s en ti m ento
positivo em
rela
ç ão
à m at é ri a,
relacionando
as
novas
tecnologias
antes
a
uma
c r i
se
da
cultura do que à suposição, corrente entre aqueles
outros,
de
que elas eram em
s i
mesmas benéficas e
não
s ó permitiriam
o
aparecimento
de
um tipo
mais humano e inteligente
de
socie
dade quanto
continham
el e m en t o s
para
realizar
a unidade polí
t i c a quase tanto como f o i possível um dia
nas
menores cidades
da
península
Ática .3
A
c r í t i c a
à indústria cultural pode ser melhor entendida
se
remontarmos a e s s e co nt e xt o, desencadeador de
um
debate sobre
o destino da cultura
na era
da técnica cujos t e r m o s não
somente
ai nda s ão os no s so s como estão longe de t e r e m
sido exauridos
pelo pensamento con t e mpor ân e o .
2. 1
Os
Intelectuais
e a
crise da
cultura
Theodor Adorno conheceu as primitivas e xpre s sõe s da cha
mada
cultura
de
massa
ainda na Europa (UFA estúdios, Hugen-
b erg K on z e rn ,
a febre jazzística).
Durante as primeiras
décadas
do século XX, houve um
formidável
avanço nas tecnologias de
reprodução audiovisual.
O
cinema,
o rádio,
os discos
e
outros
m e i o s começaram a modificar a relação dos homens
com
a cultu
r a . O contato com as obras de arte pouco a pouco f o i se tornando
motivo de
prática
cotidiana. Os co s tum e s por s ua v e z
passavam
2 MANNHEIM, K . E l hombre y l a s o c i e d a d e n é p o c a d e e r i s i s [ 1 9 3 6 ] .
B u e n o s
A i r e s :
L e v i a t a n , 1 9 8 4 , p . 6 2 . C f . Dan
S c h i l l e r :
T h e o r i z i n g
c o m m u n i c a t i o n .
Nova Y o r k :
Ox
f o r d U n i v e r s i t y P r e s s , 1 9 9 6 , p .
3 9 - 7 2 .
3 MUMFORD,
L . T e c h n i c s
and c i v i l i z a t i o n
[ 1 9 3 4 ] .
Nova Y o r k :
H a r c o u r t ,
B r a c e
W o r l d ,
1 9 6 3 ,
p .
2 9 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s
d a
p r o b l e m á t i c a 6 5
por uma
mudança,
com o surgimento de uma
vigorosa
indústria
da diversão.
A l e i t u r a
de revistas tornara-se hábito
corrente,
e a
veiculação
de
anúnci os po r
toda
a
parte
criava
as
bases
de
onde
surgiria a futura cultura de consumo.
Nessa
época,
o autor pode ve r também a maneira como e s s e s
meios e situação foram habilmente explorados, com
objetivos
políticos, pelos movimentos t o t a l i t á r i o s . Conforme ele ajudou a
entender
mais
tarde, no
período entre-guerras
as
técnicas
de
promoção
da
primitiva cultura de massa
foram
colocadas a servi
ço
do
Estado.
A
manipulação
da
psicologia
de
massas
tomou
o
lugar da
ideologia. O cinema e
o rádio foram reduzidos
a ve í
culos de
propaganda. O folclore nacional popular de
diversos
pa
íses f o i reciclado industrialmente. Na Alemanha, especialmente,
o s e s pe t áculo s esportivos forneceram o
modelo
para a organiza
ç ão das
cerimónias
de celebração do r eg i m e nazista.
Fredric Jameson
o b s e r v a com
razão
que
conta-se
entre
os
principais
fatores
de escândalo suscitados pelo pensamento do
autor o
fato
dele
t e r relacionado ambos os f enó m eno s . I s t o é ,
considerar a cultur a de
massa uma
das condições históricas
de
aparecimento do fascismo.4 A
conexão, de
f a t o ,
aparece diversas
vezes, sobretudo
em seus
ainda pouco
conhecidos
e s tudo s s ob re
a propaganda:
Possivelmente o segredo da propaganda f a s c i s t a é o f a t o
de
que e l a
s e l i m i t a
a
t r a t a r
os
homens
como
realmente
s ã o :
verdadeiros
f i l h o s
da cultura de
massa
padronizada de hoje em d i a , pessoas privadas
de
autonomia
e espontaneidade, ao invés de propor metas cuja rea
lização
e x i g i r i a
a
transcendência do
s t a t u s
quo s o c i a l
e
psicológico
( I n d ú s t r i a , p . 1 2 9 ) .
Por
outro
lado, as práticas da
indústria cultural,
entre
outras
coisas, se caracterizam por
atribuir
às estrelas
que
por meio delas
se
cristalizam
características
que,
em
outros
países,
foram
re
servadas
ao s
ditadores [de direita e
de
esquerda] .5
Em
última
instância, o pensador,
vê-se pois,
enxergou no fascismo
tanto
quanto na indústria da cultura formas - não obstante distintas -
de totalitarismo, radicalizando certas idéias correntes no
período,
4 JAMESON, F . L a t e
m a r x i s m : A d o rn o . Nova Y o r k : V e r s o ,
1 9 9 0 . p . 1 4 0 .
ADORNO,
T .
A n a l y t i c a l
s t u d y
o f
NBC ,
p .
3 7 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 70/296
66 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
embora não devamos exagerar o grau
em
que procedeu a e s s a
aproximação.6
Seguindo
o
anúnci o de
Nietz sche,
os
intelectuais
europeus
da época haviam como um todo e há algum tempo chegado à
conclusão de que a
cultura
moderna estava em c r i s e :
a chamada
rebelião das m as s as , o progresso da técnica e as mudanças nos
padrões
culturais
importavam em
uma
mudança
no próprio pro
cesso civilizatório. A avaliação do fato - porém -
não
f o i unâni
me,
sendo
muito
desigual
o modo
como os intelectuais
se
divi
dem
em
dois
campos,
até
a
década
de
3 0 .
7
A
esmagadora
maioria acreditava
que
o progresso técnico
e ra um fator
de
embrutecimento cultural. Os
conhecimentos
vei
culados por ele s ó podiam assumir a forma de clichês. A propa
ganda,
o
rádio e
o
cinema
estavam
a
empobrecer o
e s p í r i t o , ofe
recendo
satisfações
estéticas do pior nível , que reafirmavam a
pertença
de
s e u público a uma massa
complacente ,
bitolada
e
i r
racional . As camadas cultas
haviam
caído
em isolamento
e j u l -
gavam-se
em
perigo
de
extinção, numa era
em que
os s e n t i m e n
tos e hábitos mentais do chamado grande
público
eram por
ele
tomados dos jornalistas e homens de propaganda.
D e star te , v ia- se na produção
em
massa e na técnica moderna
fatores que tendiam a
solapar as
bases
da estrutura
espiritual em
que
se assentava a tradição ocidental.
As revistas,
os filmes e
os
discos, favorecendo a di ve rs ão pas s iv a
e
brutal , eram acusadas
de produzir uma
subver são
dos valores
culturais
mais autênticos,
cujo pior fruto porém po ssi velm ent e seria - [segundo a maneira
de ve r desses intelectuais] - a ruína t o t a l da arte e da l i t e r a t u r a . 8
6
Segundo
J a m e s o n ( l o c c i t . ) , a c i r c u n s t â n c i a d e a I I G u e r r a M u n d i a l t e r s e e n c e r r a d o
com a v i t ó r i a d a
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
s o b r e s e u r i v a l
e
c o m p e t i d o r
n a z i s t a f o i
e n t e n d i d a
p o r
e l e s co mo um a
v a r i a ç ã o
d e n t r o d e um ú n i c o p a r a d i g m a , a o i n v é s d e uma
v i t ó r i a
s o b r e
o u t r o .
7 HAUSER, A . H i s t ó r i a s o c i a l d a l i t e r a t u r a e d a a r t e 3 . e d . ) . S ã o
P a u l o :
M e s t r e J o u .
1 9 8 2 . V o l . 2 , p . 1 1 1 7 . D u r a n t e
e ss e s a n o s ,
e s t u d i o s o s b e m - i n t e n c i o n a d o s t e n t a
ram e x a m i n a r
a
e s t é t i c a e d i s c u t i r o e s t a t u t o d e a r t e d a s n o v a s t e c n o l o g i a s .
E n t r e t a n t o ,
o v e r d a d e i r o p o n t o e m
q u e s t ã o e r a
o s i g n i f i c a d o
c u l t u r a l
d a s
mudanças
q u e e l a s
e s t a
vam i n t r o d u z i n d o n a
s o c i e d a d e .
C o n f i r a d e t o d o modo G i l b e r t S e l d e s
( T h e
s e v e n
l i -
v e l y a r t s , 1 9 2 4 ) , A b e l Gance ( A a r t e c i n e m a t o g r á f i c a , 1 9 2 7 ) , R u d o l f Arnheim ( A a r t e
d o c i n e m a , 1 9 3 2 ) K u r t London ( F i l m M u s i c , 1 9 3 6 ) , R u d o l f Arnheim ( E s t é t i c a
r a d i o
f ó n i c a , 1 9 3 6 )
e C l e m e n t G r e e n b e r g ( K i t s c h
e v a n g u a r d a , 1 9 3 9 ) .
8 C f . JOHN
CAREY:
Os
i n t e l e c t u a i s
e
a s
m a s s a s . S ã o P a u l o :
A r s
P o é t i c a , 1 9 9 3 , p . 1 1 -
2 8 .
S a l v a d o r
G i n e r :
La
s o c i e d a d
m a s a .
B a r c e l o n a :
P e n í n s u l a , 1 9 7 9 .
Andrew
R o s s :
No
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s
d a
p r o b l e m á t i c a 6 7
Johan Huizinga
r e su miu e s s e
entendimento,
bastante disse
minado entre a intelectualidade tradicional, julgando que a
substituição
da
cultura
por
um
gigantesco
aparato
expedidor de
ordens em massa ,
enfraquecedor da capacidade julgar, ainda
que difundindo conh ecimentos, estava le vando ao fim do tipo
humano criado pelo ociden t e moderno.
Entre
os e x t r e m o s da r e
dução dos valores
que
dele provêm e o nivelamento social exigi
do pelo r e s se nt i me nt o das camadas subalternas
estava
surgindo,
via tecnologia, uma inim izade para com a cultura ou processo
de
barbarização ,
que
poderia
re duzir
a
pó
tudo
o
que
até
então
ela
criara
em t e r m o s de civilização .
A reprodução mecânica do espetáculo e do som exclui virtualmen
t e o elemento de rendição e absorção
da
alma; não
há
ê x t a s e , não
há clima, não há comunhão
com
o
eu
í n t i m o , êxtase
e
comunhão
que são a s verdadeiras coisas sem a s quais não po de haver verda
deira c u l t u r a . 9
No
período
em
seguida
à
I
Guerra
Mundial,
também
houve
v o z e s
porém
que, em
contraponto,
saudaram
a
chegada
dos no
vos meios e
artes industriais.
Intelectuais de vanguarda
bastante
diversos proclamaram o advento de uma
nova
era
cultural, base
ada nas imagens e no
contato
com as
massas.
D e s en v o lv eu- s e a
convicção
de
que a tecnologia
estava
destinada a ser a nova força
espiritual dominante. A cultura burguesa perdera a legi ti midade
para aqueles
que
viam
em
s eu
tempo
o
momento
de
afirmação
da
era
da
máquina.10
r e s p e c t :
i n t e l l e c t u a l s
and
p o p u l a r
e u l t u r e .
Nova Y o r k : R o u t l e d g e .
1 9 8 9 . P a r a
Geor
g e s Duhamel ( S c è n e s d e l a v i e
f u t u r e .
1 9 3 0 ) , o c i n e m a
é
p a s s a t e m p o p a r a p á r i a s , d is
s ip aç ã o p ar a i l e t r a d o s , p a r a c r i a t u r a s m i s e r á v e i s a t u r d i d a s p o r s u a s p r e o c u p a ç õ e s . J á
Whyndham L e w i s c u l p a v a o r á d i o
e
o s a n ú n c i o s p e l a d e s t r u i ç ã o d o s
e l e m e n t o s f o r
m a d o r e s
d a
i n d i v i d u a l i d a d e , r e f o r ç a n d o uma c o n s c i ê n c i a d e n a t u r e z a c o l e t i v i s t a , um
r e b a i x a m e n t o
s i s t e m á t i c o
e
f o r ç a d o
d o s
p a d r õ e s
c i v i l i z a d o s
( T i m e
and
w e s t e r n
m a n ,
1 9 2 8 ) .
HUIZINGA, J . Nas
s o m b r a s do amanhã [ 1 9 3 5 ] .
S ã o
P a u l o :
A c a d ê m i c a ,
1 9 4 6 , p . 1 7 6 .
D e s d e N i e t z s c h e , s e n ã o d e T o c q u e v i l l e , v e r i f i c a - s e , n a m o d e r n i d a d e , a p r e s e n ç a d e
uma c r í t i c a d a
c u l t u r a
d e s e n t i d o
a n t i m o d e r n o .
J e a n F r a n ç o i s M a t t e i n o s d á
e x e m p l o
r ec e nt e d e la e m A
b a r b á r i e i n t e r i o r
( S ã o
P a u l o :
U n e s p ,
2 0 0 1 ) .
Reunimos n o s s a r e f l e
x ã o
s o b r e a mesma
e m
C r í t i c a d a r a z ã o
a n t i m o d e r n a
( S ã o
P a u l o :
E d i c o n .
2 0 0 3 ) .
P a r a a B a u h a u s , p o r e x e m p l o , c h e g a r a a h o r a d e a i m a g i n a ç ã o p a s s a r
a s e r
tratada p e l a
t é c n i c a
i n d u s t r i a l : s ó a s s i m s e p o d e r i a a p r o x i m a r
a
a r t e d o c o t i d i a n o .
A
r e d e n ç ã o d a
c a t e g o r i a
e s t a v a a
d e p e n d e r d a
f e i t u r a
d e
n o v a s i m a g e n s ,
m a i s c o m p a t í v e i s com
a s
a s
p i r a ç õ e s p o p u l a r e s .
Segundo
Moholy-Nagy
( 1 9 3 2 ) ,
p o r t a - v o z
d o
g r u p o :
A
c â m e r a
é
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 72/296
68 F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Influenciados
pelas
experiências de vanguarda promovidas
durante o s pr im ei ro s anos da Revolução Russa, os intelectuais de
esquerda
procuravam
ve r
sobretudo
o
significado
libertário
e
o
caráter
de m o cr át i co do s novos m e i o s de comunicação.
Segundo
e l e s , as
técnicas
de reprodução da obra de arte s ão forças produ
tivas que,
se bem veiculam uma nova
forma
de ópio
do povo ,
desde o pont o de vista técnico conduzem a
uma democratização
jamais suspeitada da capacidade
de fruição tanto quanto
do pró
prio s i s t e ma
de
produção dos bens culturais.
Destarte,
Bertold
Brecht
tentou
revelar
ainda
no
período
i n i c i a l
da
história do
rádio as
co ndi çõe s s ob
as quais e s s e
meio
poderia
se
tornar parte de
um
processo produtivo de mudança
das
relações entre
as
pessoas ,11
enquanto outros
cogitavam em
suprimir a
contradição
e xi s te nt e e nt r e
o
cinema e a educação,
fa
zendo
o
primeiro mais realista e a segunda
mais
divertida; tor
nando o divertimento uma arma
para a educação coletiva, liber
tada
da
guarda do
pedagogo
e do hábito cansativo
da moraliza
ção .1 Acreditava-se
que
a cultura burguesa perdera s eu poten
c i a l
de
estímulo
e
se condenara ao
esclerosamento. O
progresso
das
forças
produtivas
conduzira à
s ua
crise
ao mesmo tempo
em
um a r t e f a t o t é c n i c o q u e i n f l u i e m n o s s a
m a n e i r a
d e
v e r
e c r i a um novo o l h a r . P o r i s
s o ,
s e u
emprego
c o n s c i e n t e
c
e s c l a r e c i d o
s e r á
t ã o
i m p o r t a n t e
q u a n t o
o
c o n h e c i m e n t o
d o a l f a b e t o : o s a n a l f a b e t o s d o f u t u r o s e rã o o s q u e n ã o s o u b e r e m u s a r
a
c a n e t a
t a n t o
q u a n t o uma c â m e r a .
C f .
L a z l o M o h o l y - N a g y : M o h o l y - N a g y : a n a n t h o l o g y ( O r g . p o r
R e i n h a r d t K o s t e l a n e t z ) , Nova Y o r k : Da C a p o , 1 9 7 0 .
NEGT, O . Mass m e d i a : t o o l s o f
d o m i n a t i o n o r i n s t r u m e n t s
o f l i b e r a t i o n ? .
I n :
Ne w
German C r i t i q u e 5
( 6 1 - 8 0 ) 1 9 7 8 ,
p . 7 1 . C f . B e r t o l d B r e c h t :
T e o r i a
d e l a
r a d i o
[ 1 9 2 8 - 1 9 3 2 ] .
I n : E l compromiso
e n l i t e r a t u r a y
a r t e .
B a r c e l o n a :
P e n í n s u l a ,
1 9 7 3 ,
p .
8 1 - 9 2 .
Leon
T r o t s k y a p u d A l a n Swingewood, O m i t o
d a
c u l t u r a d e m a s s a . R i o d e J a n e i r o :
I n t e r c i ê n c i a , 1 9 7 8 , p .
2 7 . C f .
T r o t s k y , L . V o d k a ,
t h e
C h u r c h a n d
t h e
Cinema
( 1 9 2 3 ) .
I n :
P r o b l e m s
o f e v e r y d a y
l i f e .
Nova
Y o r k :
Monad,
1 9 7 7 .
C h a r l e s
Madge,
p o r
e x e m p l o , c r i t i c a v a n e s s a é p o c a o
c a r á t e r d e
m a s s a s
d a i m p r e n s a m o d e r n a ,
p o r s u a d e
p e n d ê n c i a à
f o r m a
e m p r e s a r i a l ,
e
a
r a d i o d i f u s ã o p e l a p o b r e z a e s p i r i t u a l .
R e s s a l t a v a ,
p o r é m ,
a
s u p e r i o r i d a d e p o l i t i c a
e s o c i a l
q u e ambas r e p r e s e n t a v a m h i st o ri ca me n te s o
b r e
a
c r i a ç ã o
i nd iv id ua l e como n e s s e s n o v o s m e i o s
a n u n c i a v a - s e
um
f u t u r o e m q u e
a s
m a s s a s s e r i a m l i v r e s p a r a e x p r e s s a r s e u s d e s e j o s c o n t i n u a m e n t e ( C f . S t e p h e n
E a s t o n
[ o r g . ] : D i s o r d e r
and d i s c i p l i n e .
A l d e r s h o t :
Temple S m i t h , 1 9 8 8 , p . 1 2 6 ) .
A c r e d i t a v a - s e , e m s u m a , q u e uma
c u l t u r a
e s t a v a m o r r e n d o
e a o u t r a ,
p o r n a s c e r , s e r i a
m a i s p l e n a e m p o s s i b i l i d a d e s d e c r i a ç ã o c ol et iv a e r e al iz aç ã o i nd iv id ua l d o q u e a a n
t e r i o r , g r a ç a s
a o s
r e c u r s o s t é c n i c o s co m q u e p o d e r i a d i s p o r , como
n o t a v a
C h r i s t o p h e r
C a l d w e l l
c f .
S t u d i e s
i n
a
d y i n g
c u l t u r e ,
Nova
Y o r k :
M o n t h l y
R e v i e w ,
1 9 7 1 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 73/296
E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s
d a p r o b l e m á t i c a 69
que as novas fo rm as de expr e s são libertavam as massas de s ua
ascendência
ideológica.
Para
outros,
a
concepção
do
mundo
como
meio
de
fruição,
conforme a
encontramos
na época de auge da música
burguesa,
extinguira-se totalmente. Na atualidade, j ul gav am , o entendimen
to
do desfrute
dos bens
culturais passara
da forma
contemplativa
para a de estímulo momentâneo. O entretenimento... tornou-se
um meio de distração
carente de
compromisso... servindo apenas
para r epr oduz i r a força de trabalho . Costuma-se ve r isso com
pesar.
Na
verdade,
não
é
a
melhor ó t i c a .
O
fenómeno
tem
um
sentido progressista porque, ao arruinar a estética burguesa e os
m i to s da arte
e
do a r t i s t a , representa antes um
caminho através
do qual poderá
avançar a luta dos
trabalhadores
por uma nova
cultura [ . . . ] de acordo
com
s ua
posição
classista , dizia
Hanns
Eislerem 1928 . 1 3
O Instituto de Pesquisa Social
não
ficou alh ei o à maté ria,
tendo em vista que
o
problema
de
fundo
de s ua
proposta de estu
do da vida social f o i , desde o i n í c i o , o
problema
da conexão que
sub s is t e e nt r e
a base
económica
da sociedade, o de s en vo lvi m en t o
psíquico do indivíduo e as mudanças que têm lugar na esfera da
cultura . A investigação dos fundamentos económicos da vida
social requeria, para seus membros, não somente
uma
psicologia
social que analisasse os mecanismos de integração do indivíduo
às suas
demandas, mas um
e s t udo das formas
culturais
em que
se
materializavam.
Destarte, o
t e r r i t ó r i o da pesquisa
social não se
deveria limitar
à estrutura económica
e s i s t e m a
de
classe,
preci
sando compreender ainda
a
esfera
da cultura
e
do
modo de
v i
da , onde
se
incluem
não s ó a religião, a arte e a ciência, mas os
costumes, a moda, o esporte, a opinião pública, o e s t i l o de vida,
as
formas
de
diversão .14
Conforme
o b s e r v a Rolf Wiggerhaus, o
interesse
dos estu
diosos
que
circulavam
à
s ua
volta
em
promover
uma
detalhada
discussão
do problema e aplicar s ua
t eor ia às formas populares
1 3 EISLER,
H . E s c r i t o s
s o b r e
e l
a r t e .
H a v a n a : A r t e s
y
L e t r a s ,
1 9 9 0 ,
p . 1 0 1 . W i l l y B o l l e
c o m e n t a a c ul tu ra p ro gr es si st a d e m a s sa s d a é p o c a e m F i s i o g n o m i a d a m e t r ó p o l e
m o d e r n a . São P a u l o : E d u s p , 1 9 9 4 , p . 1 4 8 . A
p r o p ó s i t o
d a m a t é r i a e m f o c o , p o d e - s e
c o n s u l t a r
Mass
c u l t u r e i n
i m p e r i a l Germany - 1 8 7 1 - 1 9 1 8 (New German
C r i t i q u e ,
v . 2 9 , 1 98 3 ) .
1 4
HORKHEIMER,
M.
S t u d i
d i
f i l o s o f i a
d e l l a
s o c i e t à ,
p .
3 9 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 74/296
70
F r a n c i s c o
R i i d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
da
chamada
cultura é revelado pelo plano
de editar um volume
de e ns ai os s ob re A arte para consumo de massas [1936]. A
idéia
era
combinar
o
ensaio
de
Benjamin
sobre
a
o bra de
arte
e
o
de Adorno,
sobre
o
jazz, com um ensaio de
cunho
social e
t e ó r i
co de Kr acaue r sobre as novelas policiais, mais
trabalhos
escritos
por Bloch e outros, sobre matérias como
a
arquitetura
e
as revis
t a s ilustradas, além
de um
alentado ensaio introdutório de autoria
de Hor kh ei m er .1 5
A
coletânea
projetada
nunca saiu do papel,
entre outras
ra
zões,
devido
à
variedade
de pont os de
vista
existente
no grupo
de
colaboradores. A referência é importante, porém por dois mot i
vos. Em primeiro lugar, confirma a idéia de que,
ne s s a é po ca,
a
nova arte de m as s as havia se tornado motivo legítimo de reflexão
entre os
pensadores
europeus. Em segundo, indica a constelação
intelectual
em que se gestaram
as
idéias que, mais tarde, enseja
riam
a
pr o po s i çã o de uma análise c r í t i c a da indústria da cultura.
Adorno confirmou s ua suspeita de que a nova arte de mas
s a s ,
engendrada pelo
cinema, o rádio
e
outras técnicas, sinalizava
uma
profunda ruptura cultural
quando passou
a residir
no s E sta
do s
Unidos. Durante
o e x í l i o , o pensador
póde ver como os inte
resses empresariais
assumiram
o controle da produção cultural na
sociedade contemporânea.
A colaboração
em projetos de pesqui
sa
conduzidos
dentro do próprio si s t ema e o círculo social em
que se
inseriu forneceram-lhe
a experiência
viva
em que
se ba
seia
s ua
c r í t i c a
da indústria cultural. Conforme relata
Adorno,
e u sabia bem o que
s ão
os grandes
trustes
e o capitalismo mo
nopolista; entretanto ignorava totalmente até que ponto o plane
jamento e a padronização racionais
impregnavam
os chamados
meios de comunicação (Indicadores, p . 109).
Em 193 7, a
Fundação
Rockfeller
dotara
a Universidade de
Princeton
de uma v e r b a para
a realização
de um vasto projeto de
pe s qui s a s o br e
o
rádio
no s Es t ado s U ni do s .
O
veículo
ainda
era
então
um
meio bastante novo, que
não havia sido
totalmente e x
plorado. Nas
palavras de
Hadley Cantril, um dos
diretores,
a
1 5 WIGGERSHAUS, R .
T h e
F r a n k f u r t
S c h o o l , p . 2 1 3 . S t e fa n M u l l e r - D o h m : A d o r n o ,
u n e b i o g r a p h i e , p . 2 2 2 - 2 2 3 . Em 1 9 3 7 , K r a c a u e r
d i s c u t i u um
p r o j e t o d e c o la b o r aç ã o
com
Adorno e B e n j a m i n s o b r e o t e m a a r t e d e massa e c a p i t a l i s m o m o n o p o l i s t a , q u e
f o i
r e j e i t a d o
p e l o I n s t i t u t o d e v i d o a o s e u a l t o c u s t o ( M a r t i n J a y : P e r m a n e n t e x i l e s .
Nova
Y o r k :
Columbia
U n i v e r s i t y
P r e s s .
1 9 8 5 ,
p .
2 2 4 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 75/296
E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s
d a
p r o b l e m á t i c a 71
principal
idéia
era
tentar
determinar
o papel
do
rádio
na
vida de
diferentes tipos de ouvintes, s eu
significado
psicológico
para as
pessoas
e
as
várias
razões
por
que
elas
apreciam-no .1
A
condu
ç ão das pesquisas mobilizou numerosa
equipe
e f o i confiada a
um
pequeno instituto
independente,
dirigido por
um
dos funda
dores
dos estudos
de
mídia no
século
passado,
Paul Lazarsfeld.
Adorno logrou engajar-se
nele
como chefe de pesquisa da
s e ção
de
música e
como t a l
realizou diversos trabalhos,
desde
o
estudo
das
cartas
que o
público
re me t ia às emissoras
e de seus
programas
até
entrevistas
com
ouvintes
e
pessoal
da
indústria
ra
diofónica. O plano era
valer-se
desses materiais para
não
apenas
comparar
s eu poder
de atração, mas também examinar
as
dife
renças
sociais entre
os
ouvintes e
correlacionar
os gos tos com o
nível social da audiência. Os contratos comerciais com as redes,
editoras e
firmas
de marketing
forneciam
ao projeto os fundos
suplementares e importantes fontes de informação , como nota
Daniel Czitrom.17
Apesar
de
se conduzir
de m ane ir a
produtiva, e screvendo d i
versos relatórios, rapidamente começaram a estalar porém desa
venças entre ele e Lazarsfeld. A pretensão de empregar o método
dialético e elaborar
uma
teoria social da radiodifusão choca-
ram-se com a
concepção
filosófica em que
se
baseava
o
projeto,
condenando ao
i ns uce s s o s e u
esforço de
colaboração.
Os princípios de pesquisa
eram administrativos,
i s t o é :
obje-
t ivavam coletar
dados
que
ajudassem a planificar a
aç ão do s con
troladores dos m e i o s de comunicação. Realmente não havia ne
nhum lugar
para a pesquisa social c r í t i c a :
tudo
podia ser objeto
de análise,
menos o
próprio
sistema,
seus
supostos sociais e e co
nómicos e seus efeitos socioculturais . Destarte, Adorno
f o i
de s
ligado
do Projeto
de
Pesquisa
de
Rádio da Universidade
de Prin-
ceton em
1940.18
1 6
WIGGERSHAUS, R . T h e F r a n k f u r t S c h o o l ,
p . 2 3 9 .
CZITROM, D . Media and
t h e
a m e r i c a n
m i n d . C h a p p e l l
H i l l [ N C ] :
U n i v e r s i t y
o f
N o r t h
C a r o l i n a ,
1 9 8 2 , p . 1 2 9 .
1 8 C f . DONALD MORRISON: K u l t u r a n d c u l t u r e : The c a s e o f T h e o d o r Adorno a n d
P a u l
L a z a r s f e l d .
I n :
S o c i a l
r e s e a r c h 4 5 ( 3 3 1 - 3 5 5 )
1 9 7 8 . T h e
b e gi nn in g o f
modern
m a s s c o m m u n i c a t i o n r e s e a r c h . I n : A r c h i v e s e u r o p é e n n e s d e s o c i o l o g i e 1 9 ( 3 4 7 - 3 5 9 )
1 9 7 8 . W i l l i a m T o w e r s : L a z a r s f e l d a n d Adorno i n t h e U n i t e d S t a t e s . I n :
Communi
c a t i o n y e a r b o o k I ( 1 2 5 - 1 4 1 )
1 9 7 7 .
R o l f W i g g e r s h a us :
T h e
F r a n k f u r t S c h o o l , p . 2 3 6 -
2 4 6 .
S t e f a n
M i i l l e r - D o o h m :
A do r n o , u n e
b i o g r a p h i e ,
p .
2 4 6 - 2 5 3 .
L a z ar sf el d e
A d o r -
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 76/296
7 2 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r Adorno e
a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Ent re t ant o, a despeito do quanto o
contato
direto e indireto
com a coisa aj udou o autor
em
suas análises,
precisamos
notar
que
os
primeiros
e s b o ç o s
e
as linhas
de
força
da c r í t i c a
da
indús
t r i a
cultural proposta em Dialética do
Iluminismo não
surgiram
ne s s a é po ca,
remontando ao s
ensaios so b r e
a situação
técnica
e
social da música, escritos por ele entre o f i n a l dos
anos
1920 e
meados
da
década de
1930. 1 9
Como
vimos
antes, as
posições
sobre o
problema
da
arte
de
massa podiam ser divididas então em
dois
grupos. Os
conserva
dores
culturais condenavam
s eu
aparecimento
pela
concepção
bárbara e dependência às técnicas
industriais, que
ameaçava os
valores
culturais
dominantes na sociedade.
Em co nt rapo nt o , o s
intelectuais
progressistas
tendiam a
saudar
a
nova cultura, e sp e
cialmente o potencial democrático
que
supunham contido
em
s ua
base
tecnológica.
Siegfried Kracauer e W. Benjamin,
expo ent e s
da posição
progressista, situavam-se naquilo que se costuma
chamar
agora
de periferia do Círculo de Frankfurt. Embora não lhes
fosse
es
tranho, mantinham uma relação d i f í c i l e insatisfatória
com
o
I n s t i t u i
f i i r Sozialforschung . : t ) Também Adorno, po r é m ,
deve
mos notar, encontrava-se
nes sa
situação durante a década de 30.
A
Dialektik de r Auf k l àrun g significa
em
muitos aspectos
uma
ruptura com a orientação teórica do
I n s t i t u i
f i i r
Sozialforschung
de
Frankfurt, mas
nenhuma, em
realidade, com os
pontos filosó
ficos de partida do jovem Adorno .21
Embora
dando
outra inflexão,
o
pensador comungava nes sa
época
de
posições teóricas
mui t o mais próximas
daqueles
autores
do que com as do
materialismo interdisciplinar
pr e co ni z ado po r
Ho r k h e i m e r . As contribuições à análise da nova arte
de
massas
n o
r e la ta ra m s ua s
v e r s õ e s
a
r e s p e i t o d o a s s u n t o e m F l e m i n g , D .
B a i l y n ,
B .
( e d i t o
r e s ) :
T h e
I n t e l l e c t u a l
m i g r a t i o n .
C a m b r i d g e ( M A ) :
H a r v a r d
U n i v .
P r e s s ,
1 9 6 9 .
C f .
Z um A n b r u c h : E x p o s é ( 1 9 2 8 ) , Z um J a h r g a n g 1 9 2 9 d e s
A n b r u c h e
K i t s c h
( 1 9 3 2 ) . I n : - Gesammelte S c h ri ft en [ V o l. 1 8 ] . F r a n k f u r t : S u h r k a m p , 1 9 8 4 : On t h e
s o c i a l s i t u a t i o n
o f m u s i c
( 1 9 3 2 ) . I n : T e l o s
3 5
( 1 2 8 - 1 6 4 ) 1 9 7 8 ; The f o r m o f t h e p h o -
n o g r a p h
r e c o r d
( 1 9 3 4 ) .
I n : O c t o b e r
5 5 ( 4 8 - 6 1 )
1 9 9 0 ; On j a z z . I n : D i s c o u r s e , v .
1
1 ,
1
( 4 5 - 6 9 )
1 9 8 9 / 1 9 9 0 ;
O
f e t i c h i s m o n a m ú s i c a e a r e g r e s s ã o n a a u d i ç ã o ( 1 9 3 8 ) . I n :
Max
H o r k h e i m e r
T h e o d o r
A d o r n o :
T e x t o s e s c o l h i d o s . S ã o P a u l o :
Nova C u l t u r a l ,
1 9 9 1
( C o l . Os p e n s a d o r e s ) .
2 0
FRISBY,
D . F r a g m e n t s o f m o d e r n i t y .
C a m b r i d g e ( M A ) :
MIT P r e s s , 1 9 8 6 , p . 9 .
WELLMER,
A .
S o b r e l a d i a l é c t i c a d e m o d e r n i d a d y p o s t m o d e r n i d a d p . 1 3 7 . C f . S u -
s a n
B u c k - M o r s s :
O r í g e n e s d e
l a
d i a l é c t i c a
n e g a t i v a .
México
( D F ) :
S i g l o
X X I ,
1 9 8 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 77/296
E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 73
por ele proposta ao lo ngo dos anos surgiram no contexto de
uma
problemática construída em comum com o s aut or es ci tado s e que
incluía
ainda questões
vindas
de
um
grupo
formado
por
outros
marxistas
pouco
convencionais,
como
Bertold
Br ech t, Er ns t Blo
ch,
Béla Bálazs, Hanns Eisler e Georg Lukács (Círculo
de
Ber
lim).
Conforme
se
sabe
a
Escola de Frankfurt
desenvolveu,
em
s ua
segunda etapa de reflexão, um programa
cuja
nota dominante era
adorniana
e cujo sentido f o i definido como um e s fo rç o par a pór
todos os
argumentos
reacionários
contra
a cultura ocidental
[mo
derna] a serviço do esclarecimento progressista (Mínima Mora-
l i a , p . 168).
A Dialética do Iluminismo (1944/1947),
em
especial, pode
ser vista como uma tentativa de integrar a c r í t i c a cultural
conser
vadora
em
uma teoria social c r í t i c a . Dialeticamente, Adorno, s o
bretudo, concluiu que , pe rant e
o
progresso
cego
e
desenfreado
das forças produtivas, o conservadorismo pode expressar o s eu
contrário
- a mentalidade
revolucionária.
Atualmente, portanto, a
postura c r í t i c a consiste em tomar
partido
pe lo s r e s íduo s de liber
dade
de consciência restantes, e
não
acelerar, ainda
que
indire-
tamente,
a marcha em direção ao mundo
administrado (Dialéti
ca,
p .
1 0 ) .
Para Adorno, Nietzsche, Klages e Spengler, por e x e m plo , t i
nham tanto a
nos
ensinar e a ser contestado com relação à fortu
na da cultura
nos
tempos modernos quanto os sucessores i l u s t r a
dos de Marx e Engels. O veredito sombrio
so b r e
o
ponto e r a ,
pa
ra
o
autor,
mais
rico em ensinamento do
que
a
sadia
vontade de
viver
do
pensamento normalizado da intelectualidade esquerdista.
Na reflexão sobre a
indústria
cultural isso
fica muito
claro:
foram os reacionários
que
viram o
que
os outros
subestimaram
-
o s ur gi me nt o de um novo homem primitivo. A reelaboração c r í
t i c a
das
teses
dess e s
autores
é
detectável,
por
exemplo,
na
manei
ra como
aquela reflexão
integra
seus m ot iv os . Ent re
e l e s ,
citemos
os
da
revolta dos escravos
na moral,
o do
retorno
do
reino arcai
co das imagens e o do caráter místico
que
a tecnologia - enquan
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 78/296
74 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
t o expr e s são
de uma
vontade
de
poder
sobre
a
natureza
- adqui
r e ,
via
máquina, entre
as
massas na
e ra
contemporânea.22
Segundo
Adorno,
os
pensadores
retrógrados
e
antimodernos
conseguiram
fugir
do ent endimento de que, em no ss o t em po , ve-
rificar-se-ia a di s s o luç ão
da
mitologia
na i m an ê nci a da
consciên
c i a .
Em
geral,
eles
contestaram
a
hipótese de que
a
mitologia
tenderia
a
se
tornar
mero s i m b oli s m o , po s t ulando
s ua realidade
em
t e r m o s
bem materialistas. Na modernidade, afirmava um
de
l e s , a
tecnicidade
está
se
tornando mui to m ai s digna de
atenção
do que
o
indivíduo
que,
dentro
dela,
e mit e s ua
opinião ,
porque
é cada v e z mais
d i f í c i l
separar os e l e m e n t o s que compõem o
jornal, separar o texto dos
anúncios,
a c r í t i c a das notícias, a parte
política do caderno de
variedades .2 3
A c r í t i c a da
cultura
com
que
e ss es aut ore s se compromete
ram, não o bs t ant e s uas categorias [mistificadoras], individuali
zam
determinados aspectos da
problemática social
que, sem dú
vida,
não
têm
como
surgir
da
c r í t i c a à economia política [pro
gressista] .24 Através dela, ele s acabaram explorando a hipótese
de
que,
migrando
para
dentro do
homem
mesmo,
as
fo rm as de
se
exercer o poder
poderiam
terminar s o b r e v i v e ndo à
progressiva
falência das fo rm as de dominação imediatas que
ocorre
no âmbi
to de nos sa sociedade. O relevante neles é
que,
em
s e us di ve rs os
escritos, encontra-se
uma
suspeita em
relação
à boa consciência
que parece reinar entre os homens modernos, uma suspeita que,
c r í t i c a
e
reflexivamente,
f o i
apropriada por Adorno.
Como e s s e nota, pensadores s o m b r i o s do ocaso da e ra bur
guesa, lograram perfidamente, eles todos, observar que
a
tendên
cia
em
curso nas condições
de
vida
urbana atuais
é a s ubs tit uição
do
potencial
criativo do intelecto pelo relaxamento distraído e
2 2
C f .
GEORGES
FRIEDMAN:
La
f i l o s o f i a
p o l i t i c a
d e
l a
Escuda
d e
F r a n k f u r t .
México
( D F ) : FCE, 1 9 8 6 , p . 2 9 - 1 1 2 .
Sigmund
F r e u d , e n q u a n t o c o n s e r v a d o r i l u s t r a d o , t a m
bé m t e m um
p a p e l
d e
d e s t a q u e n e s s a c o n s t r u ç ã o . C f .
S é r g i o P a u l o
R o u a n e t :
T e o r i a
c r í t i c a e p s ic a ná l i se .
R i o
d e J a n e i r o : Tempo B r a s i l e i r o ,
1 9 8 3 .
2 3
JÚNGER, E . E l T r a b a j a d o r [ 1 9 3 2 ] . B a r c e l o n a: T u s q u e ts , 1 9 9 0 , p . 2 4 7 . C f .
Oswald
S p e n g l e r : O homem e a t é c n i c a . M a dr i : E s pa sa - C al pe , 1 9 3 4 . Ludwig K l a g e s : L ' anima
e l o s p i r i t o . M i l ã o : B o m p i a n i , 1 9 4 0 .
F r i e d r i c h
N i e t z s c h e :
G e n e a l o g i a d a
M o r a l .
S ã o
P a u l o :
B r a s i l i e n s e ,
1 9 9 8 . M i c h e l M a f f e s o l i r e a t u a l i z a e s s a abordagem
e m s u a
a m p l a
b i b l i o g r a f i a .
C r i t i c a m o s
s u a o b r a e m C i v i l i z a ç ã o e b a r b á r i e n a c r í t i c a d a c u l t u r a c o n
t e m p o r â n e a : l e i t u r a d e M i c h e l
M a f f e s o l i .
P o r t o
A l e g r e :
E d i p u c r s , 2 0 0 2 .
: 4
HORKHE1MER,
M.
ADORNO,
T .
/
S e m i n a r i
d e l i a
S c u o l a
d i
F r a n c o f o r t e ,
p .
1 4 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 79/296
E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s
d a
p r o b l e m á t i c a
75
u t i l i t á r i o : a
estupidez praticada e consumida de maneira
cons
ciente
e sistemática; a sub s ti tui ção
da
tensão espiritual
pela
t en
s ão
corporal
do
esporte;
e
finalmente
a
substituição
da
tensão
corporal pela tensão sensual do prazer,
e
da tensão
espiritual
pela
excitação proporcionada
pelos
jogos
e
apostas;
[nisso
tudo]
a pu
ra lógica
do
trabalho cotidiano
é
reposta por uma mística cons
ci en t e m ent e sab o r eada (Spengler
apud
Prismas,
p . 47).
O
problema principal
com
suas idéias e r a ,
po r é m ,
a
relação
por eles
estabelecida
entre a imaginação humana e uma práxis de
tipo
zoológica;
i s t o
é ,
uma
abordagem
anti-histórica,
veiculadora
de uma
fé
na
natureza
contrária
à
análise
social
e ,
de f a t o ,
crip-
tofascista,
que,
em
última
instância, conduz a uma espécie
de
comunidade ancorada
numa
idéia
de povo oriunda
da biologia
e
da imaginação .25
Apesar de importante na
elaboração
do diagnóstico
global
sobre a marcha da civilização em que se fundamenta, os princí
pios de construção
da
c r í t i c a à
indústria
cultural, todavia, não se
gestaram
diretamente
nessa interlocução. Embora
ela
a sirva de
maneira mediata,
s ó nos bastidores
é
que e s s e diálogo s urge co
mo figura positiva. A
primeira
v i s t a , a
gêne s e de
citada c r í t i c a
está ligada
antes
ao confronto
de Adorno
com os
textos dos
prin
cipais partidários do caráter progressista da ascensão das massas
e das novas tecnologias
de
comunicação, Siegfried Kracauer e
Walter
Benjamin.
2 . 2
Benjamin, Kracauer
e Bloch
Kracauer ( tl9 6 6 ) , Benjamin ( t l 9 4 0 ) e Bloch ( 11977 ) forne
ceram um conjunto de respostas
ambivalentes à ruptura
da
t r a d i
ç ão e
da
aur a das o br as
de
a r t e , à
crise da cultura
e dos intelec
tuais l i t e r á r i o s
e à
ascensão das massas
e
dos meios técnicos de
reprodução. Percebendo como as transformações técnico-indus-
t r i a i s estavam produzindo uma
nova relação
entre
arte e socie
dade que, com a generalização do culto da diversão, afetou o
próprio sentido da a r t e , os pensadores
colaboraram como
pou-
2 5 C a r t a d e Adorno a B e n j a m i n . 2 2 / 9 / 3 7 . C o r r e s p o n d e n c i a ( 1 9 2 8 - 1 9 4 0 ) . M a d r i :
T r o t t a ,
1 9 9 8 ,
p .
2 1 0 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 80/296
76 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e
a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
cos para fazer a c r í t i c a cultural avançar pelos terrenos movedi
ços da embriaguez e da distração e a
apropriar-se
de mundos
simbólicos
até
então
desprezados
pela
f i l o s o f i a ,
como
a
moda,
o
reclame, o filme, o kitsch, etc 26
Benjamin
procurou
aplicar a análise m ar xi s t a das contradi
ções entre
as
forças produtivas e
as
relações de
produção
às no
vas fo rm as de a r t e , dentro de um projeto cujo s e nt ido e ra a
cons
trução em perspectiva histórica
das relações
entre
mito, imagem
e dialética.
Segundo e l e ,
o de s en vo lvi m en t o das
primeiras
tem
repercussões
na
esfera
da
cultura: levam
à
perda
da
aura
que
ce r
cava as obras de arte tradicionais. Partindo de um e s t udo das fan
tasias
e ilusões que cercaram a
forma mercadoria
na pré-história
da
modernidade, o p e ns ado r de f e nde a
hipótese
de
que
a autori
dade de ss as obras s obre os homens é quebrada pelas novas técni
cas
de
reprodução.
Já
Kracauer
f o i
pioneiro entre os
estudiosos
e urope us ao
pesquisar e r e f l e t i r sobre cultura popular urbana e a vida cotidia-
na
das camadas
médias
assalariadas
na
sociedade
de massas
mo
derna, visualizando
em suas
principais expressões o
resíduo mí
tico
de
um processo histórico-universal progressista e potencial
mente emancipatório.
O
pensador
f o i , nota
uma
comentarista, o
primeiro a descrever a conexão funcional
entre
trabalho e l a z e r ,
entre racionalização económica e as distrações fo rnecidas pe la
indústria cultural; ele capturou em estado
nascente
a especifici
dade do processo moderno de formação da identidade, mediado
cada v e z menos pela o r ig e m e a tradição e , sim, pelos novos m e i o s
padronizados e industriais de socialização .2 7
Ernst
Bloch dividiu com ambos,
tanto
quanto eles
todos
com
Adorno, a vontade de varrer as ruínas das culturas r ec é m -
rompidas
para
procurar o s s o n ho s esquecidos, o e xce de nt e cultu
r a l ,
que poderia
antecipar o futuro;
dividiu
com
eles
um
interesse
pela
análise
cultural
micrológica
capaz de
avaliar
o
típico
tanto
quanto o atípico . 8
MACHADO, C . E . D e b a t e s o b r e o
e x p r e s s i o n i s m o .
S ã o P a u l o : U n e s p , 1 9 9 8 , p . 6 3 -
64 .
2 7
C f . INKA MULLER-BACH, p r e f a c i a n d o
S i e g f r i e d K r a c a u e r : T h e s a l a r i e d manes.
L o n d r e s : V e rs o ,
1 9 9 8 , p . 5 .
2 8 J AY, M. Marxis m and t o t a l i t y . B e r k e le y ( C A ) : U n i v e r s i t y
o f
C a l i f o r n i a P r e s s , 1 9 8 4 ,
p .
1 8 8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 81/296
E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 77
Parafraseando um comentário de
Adorno,
pode-se dizer que,
nos trabalhos que escreveram, completou-s e o
retorno da
filoso
f i a
à
concretude
da
vida
cultural,
uma
mudança
que
se
tornou
canónica
para t odos os descontentes com o
palavreado
improdu
tivo da epistemologia e
que
começou com Georg
Simmel.
No f i n a l do século XIX, N i e t z sche de s pe rt ar a o s europeus
para a profundidade
da crise que se avizinhava dos valores mo
dernos. A necessidade de um novo vigor por
ele
preconizada, to
davia, não teve seguidores. A c r í t i c a cultural que encetou carac-
terizou-se
entre
os
pósteros
por
um
decadentismo.
O
século
XX
passou
a se r vis to como
estágio
f i n a l de
um processo
de
declínio
cultural. A ruptura da visão
de
mundo tradicional produziu uma
pobr e za
de
e s p í r i t o . A progressiva mecanização da existência
conduzira a uma situação em que a técnica se tornou um fim em
s i
mesmo e as pessoas não desejam s enão a tecnificação
de
to
das as atividades .30
Os
pensadores
em
foco
não
conte s tavam
e s s e
f a t o ,
mas lh e
deram uma nova avaliação, como
de
resto queria aquele filósofo.
A
desintegração
das tradições significava para
eles
o surgimento
de uma nova sensibilidade
para
com
a
realidade imediata.
O co -
tidiano
da
vida moderna
sem
dúvida se tornou
m ais po br e com
a
partida dos santos; os homens
foram
privados do s co nt e ú do s
r e
ligiosos com os
quais
preenchiam suas almas e dotavam-se
de
conteúdo.
Paralelamente,
porém
esta
mutação
engendrou novas pers
pectivas de subjetivação. Revisando os juízos dos
primeiros c r í
ticos da cultura, os pensadores entenderam s eu tempo antes
de
mais
nada como
um período de
transição. O
capitalismo
e a téc
nica criaram uma sociedade
de
massas, mas isso não tem s ó um
sentido
negativo, como diziam
em
atitude
defensiva os
intelectu
a i s cons e r v ado r e s : t raz iam consigo uma série de possibilidades
de
transformação
da
vida
do homem
em
sociedade.
Kracauer, Benjamin e Bloch, convém deixar claro, não eram
otimistas ingênuos;
todos
eles
sabiam que
a técnica moderna
2 9 ADORNO, T .
N o t e s t o
L i t e r a t u r e I I . Nova Y o r k : Columbia U n i v e r s i t y
P r e s s ,
1 9 9 2 , p .
2 1 3 . D o r a v a n t e , a
o b r a
s e r á c i t a d a ,
n o
c o r p o
d o
t e x t o , como
L i t e r a t u r a
I I .
1 0 KRACAUER, S .
T h e
mass
o r n a m e n t . Cambridge
(MA):
H a r v a r d
U n i v . P r e s s , 1 9 9 5 .
p .
6 9 .
D o r a v a n t e ,
a
c o l e t ã n e a
s e r á
c i t a d a ,
n o
c o r p o
d o
t e x t o ,
como
MfUI
o r n a m e n t .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 82/296
78
F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
produziu
novos banhos
de s angue
e notaram com
pesar
as perdas
irreparáveis que representa para a experiência humana o desen-
cantamento
da
realidade,
a desintegração
da
aura
na
experiência
do choque , como
dizia
Benjamin.31 A subjetividade tende a se
desintegrar em uma época na qual os utensílios, a economia, o
esporte,
a escolástica, a g í r i a , as pessoas e tudo o mais e x i s t e m
como sensações, misturam-se em desordem e
vão
e vêm como
se
fossem um
fluxo de imagens.
Bloch,
sobretudo, sempre subli
nhou a artificialidade
da técnica
e a h e di onde z da
máquina,
sur
gidas
e
deformadas
pelo mundo
burguês
onde
nasceram .32
A racionalização da
vida
social,
embora
positiva,
tende a
evacuar a experiência de sentido, reduzindo-a à vivência do mo
mento,
às
sensações estéticas imediatas.
A
experiência
[Erfa-
hrung] e
o
sentido s ão categorias ligadas à narração, ao hábito de
contar
estórias,
mantido por uma comunidade. A modernidade
provoca s ua
ruptura
e a t r o f i a ,
através
de
uma
série de
shocks,
produzidos pelo processo de trabalho f a b r i l , o contato com as
multidões
urbanas
e a necessidade que essas têm de novas fo r
mas
de comunicação.
Os pensadores
em
juízo reconheceram que nos choques do
novo
am bi e nt e ur bano
massivo,
[ . . . ] o aparelho perceptivo hu
mano se v ê bombardeado de maneira continua
com
sensações e
estímulos
que já não pode integrar de m ane i ra coerente . 33 As es
truturas
narrativas
s ão quebradas
pela informação e ,
essa, pelas
sensações imediatas
que provoca
na massa atomizada, sucessora
das
velhas
coletividades. Entretanto, defendiam a idéia de que
era i n ú t i l
continuar
pensando
com as categorias
de uma e ra pas -
BENJAMIN, W.
Obras
e s c o l h i d a s
[ 3
v . ] . S ã o
P a u l o : B r a s i l i e n s e , 1 9 8 5 / 1 9 8 7 . v . I , p .
1 4 5 . D o r a v a n t e , o s l i v r o s s e r ã o c i t a d o s n o c o rp o d o t e x t o , i n d i c a n d o - s e o v o l u m e ,
como O b r a s .
I m p o r t a n t e s
e
o r i g i n a i s
o b ra s s o b r e
a r e f l e x ã o b e n j a m i n i a n a
s o b r e
a c ul
t u r a
m e r c a n t i l
n a
e r a
d a
t é c n i c a
s ã o
S u s a n B u c k - M o r s s :
D i a l e t i c s
o f
s e e i n g .
Cambrid
g e ( M A ) : MIT P r e s , 1 9 8 9 ; W i l l y B o l l e :
F i s i o n o m i a
d a m e t r ó p o l e m o d e r n a . S ã o P a u
l o : E d u s p , 1 9 9 4 ;
K a t i a
M u r i c y : A l e g o r i a s d a d i a l é t i c a . R i o
d e J a n e i r o : Relume Duma-
r á ,
1 9 9 9 ; E s t h e r L e s l i e :
W a l t e r B e n j a m i n .
L o n d r e s : P l u t o , 2 0 0 0 ; Graeme G i l l o c h :
W a l t e r B e n j am i n. C a m b r i d g e ( U K ) :
P o l i t y P r e s s , 2 0 0 2 .
3 2
C f .
JURGEN HABERMAS: S o c i o l o g i a . S ã o P a u l o : Á t i c a , 1 9 8 0 , p . 1 6 3 . E r n s t B l o c h :
H e r i t a g e
o f
o u r t i m e .
C a m b r i d g e
( M A ) : MIT P r e s s . 1 9 9 0 . A
a r g u m e n t a ç ã o
l e v a d a
a
c a b o n e s t a s p á g i n a s
p a ss a p o r a l t o
a s d i f e r e n ç a s
d e o p i n i ã o
e x i st e n te s e n t re o s
a u t o r e s
c i t a d o s ,
p r o c u r a n d o , a o
i n v é s ,
e n f a t i z a r s e u s p o n to s d e
c o n v e r g ê n c i a p a r a ,
e n t ã o ,
c o n
f r o n t á - l o s co m a s i d é i a s d e T h e o d o r A d o r n o .
LUNN,
E .
Marxismo
y
m o d e r n i s m o .
México
( D F ) :
FCE,
1 9 8 6 ,
p .
1 9 5 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 83/296
E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s
d a
p r o b l e m á t i c a
79
sada. Esperançosos
de que
o advento da nova cultura também
fosse
sinal de uma
mudança nas relações
sociais vigentes,
acredi
tavam que
desse
processo
também
poderia
resultar
uma
revolu
ç ão da
sociedade.
Para e l e s , a reprodutibilidade da obra de arte e a massifica
ç ão
da sociedade, em
condições
de
vida
cada
ve z
mais
tecnifica-
das, permitem antever o fim da separação entre
vida e
arte e , por
tanto, uma nova era para a humanidade.
Eles
entenderam os fe
nómenos
de
massa recém-surgidos como expressões
de
uma cul
tura
deformada
pelo
poderio
económico,
mas
também
viram
ne
l e s um potencial
de
libertação. A cultura
de
massa que estava se
gestando e ra portadora
de
bons auspícios, não de desespero. As
técnicas estavam criando no vas for mas de expressão, cujo senti
do principal era político.
Falando
de
maneira geral, progressistas como eles
defendiam
a
hipótese
de
que
elas poderiam ser ao
mesmo tempo
resquício
mitológico
e
prenúncio
de
uma
vida
realmente
humana,
distor
çõ e s
aberrantes
tanto quanto
sinal
de futuras conquistas
da
c i v i l i
zação. Fenómenos como esses poderiam adquirir sentido à medi
da que
as pessoas começassem elas
mesmas
a
procurar i r além
das novas regiões conquistadas. A massificação era, para e l e s ,
um
processo
sem volta, portador
de
um potencial emancipatório.
As tecnologias mais modernas se articulam com uma série de
e l e m e n t o s
culturais com
que
não têm
sincronia,
por pr o vi r e m do
passado, formando uma mistura contraditória, cujo sentido, rea-
cionário
ou explosivo, depende
da maneira
como é
trabalhada
pela consciência p o l í t i c a . Os e l e m e n t o s irracionais com os quais
s e m is tifica
a
técnica, tanto quanto
a
repressão racional dos
im
pulsos utópicos,
podem ser superados por
uma prática progres
s i s t a . Inclusive Ernst Bloch acreditava
que, libertada
das cadeias
míticas tanto quanto
de suas fantasias
intrínsecas,
a
técnica pode
r i a
v i r ,
no l i m i t e ,
a
se
tornar
uma
mediação
formadora
de
um
no
vo s u j e i t o , de uma nova relação entre os homens e os processos
naturais.
Benjamin seguiu
essas intuições ao analisar o processo con
jugado de declínio da aura da
obra de arte e
surgimento da
obra
de arte
tecnológica. Conforme
r e l a t a , os fenómenos artísticos
herdaram dos domínios religioso e c i v i l , dos quais derivaram,
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 84/296
80
F r a n c i s c o
R i i d i g e r □
T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
uma dimensão de culto - a
chamada
aura,
ligada
à s ua originali
dade e nquan t o campo de
experiência.
As tecnologias de reprodu
ç ão
que
se
desenvolveram
a
p a r t i r do
século
pas s ado l e varam
à
perda
de s s a aura
que
cercava
as obras de
a r t e . A cultura burguesa
tinha
um
sentido e l i t i s t a e reacionário: s eu declínio
tem um
signi
ficado progressista. Através das novas
técnicas
os homens dão
um passo adiante em
s eu processo
de libertação da mitologia.
Na modernidade avançada verifica-se de fato que a
narrativa
se encontra em declínio perante a informação, e as artes plásticas
perderam
o
poder
diante
as
diversas
formas
de
fotografia.
Por
um
lado, a
necessidade
de passar e obter
informações sobre
aconte
cimentos próximos tirou
o
interesse
da
arte
de
narrar (Obras.
v .
I , p .
202).34
De
outro
tornou-se
mais f á c i l entender as obras
de
arte através da cópia
em imagem
do que no
contato
com a
r e a l i
dade (idem, p . 104).
As comunidades
de eleitos
que se constituíam através de
uma e de outra também estão
se
extinguindo, e
o
motivo é f á c i l
de
entender: pe rant e s eus
sucedâneos,
todos s ão especialistas. O
cinema, o
rádio
e outros
meios não
têm sentido r i t u a l
nem se
prestam
a
nenhum tipo
de culto. Cada v e z
mais
s ão parte da vida
diária das
modernas massas urbanas, criadas
com
a
evolução das
forças produtivas.
Conforme relata o
filósofo,
as técnicas
de
reprodução
surgi
ram
ainda
no mundo
antigo. Os gregos conheciam
o relevo por
pressão e a fundição de metais. Posteriormente, f o i inventada a
xilogravura e se descobriram processos similares,
que
permitiram
multiplicar manualmente o
número
de
cópias de
uma obra origi
n a l . A
primeira r e v o luç ã o aco nt ec eu
com
a
invenção da
i mpr e n sa
no
século
XV. A segunda e mais i mpo r t ant e oco r r e u com as de s
cobertas do fonógrafo e da
fotografia, base
da subsequente i n
dústria
cinematográfica.
A n a r r a ç ã o s e o p õ e à i n f o r m a ç ã o . A i m p r e n s a e s t á i n t e r e s s a d a n a i n f o r m a ç ã o p u r a ,
q u e n ã o d e r i v a d e nenhuma
e x p e r i ê n c i a ,
nem s e e n d e r e ç a
à
e x p e r i ê n c i a d o l e i t o r . O
c a r á t e r e f ê m e r o
d a s n o t í c i a s a s i m p e d e
d e
s e r e m
i n c o r p o r a d a s à
t r a d i ç ã o ,
e a s p r ó p r i a s
c a r a c t e r í s t i c a s t é c n i c a s d a i n f o r m a ç ã o - n o v i d a d e , c o n c i s ã o , i n t e l i g i b i l i d a d e ,
f a l t a
d e
q u a l q u e r i n t e r - r e l a ç ã o e nt r e a s d i f e r e n t e s n o t í c i a s - c o n t r i b u e m p a r a q u e e l a s e man
t e n h a a l h e i a
á
e s f e r a d a e x p e r i ê n c i a ( S é r g i o P a u l o
R o u a n c t :
É d i p o e o a n j o . R i o d e
J a n e i r o :
Tempo
B r a s i l e i r o ,
1 9 8 1 ,
p .
5 0 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 85/296
E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 8 1
Com o século XX, a s técnicas de reprodução atingiram um t a l n í
v e l que
estão
agora em todas a s condições não só de s e aplicarem a
todas a s obras de
a r t e
do passado e de
modificarem
profundamente
seus modos
de
influência
como
também
de
que e l a s mesmas
s e
imponham
como novas formas de a r t e . 3 5
A revolução
que
tem lugar
assim
é o principal e l e m e n t o res
ponsável pela perda da
aura das o br as
de a r t e . No
princípio, a fo
tografia e
o
disco colocam a pintura e a música auráticas
próxi
mas
das pessoas. Permitem
que
elas s e ja m apropriadas como
qualquer
outra
coisa,
deslocando-as
do
terreno
da
devoção
para
o
da distração cotidiana. Finalmente, ensejam o surgimento de e x
pressões a r t í s t i c a s cujo fim é a própria reprodução, como é o ca
s o do filme e
da
radionovela,
para
c i t a r apenas dois exemplos . O
fundamental aqui, porém, não é e s sa evolução, mas entender
suas motivaçõe s
históricas.
As tecnologias de reprodução, noutros
t e rmos ,
s ão
expr e s são
do
caráter
de
massas
do
qual
vão
se
revestindo
as
forças
produti
vas da
sociedade, do
aparecimento
de uma audiência
atomizada
e
cosmopolita.
As pessoas mais e mais se unem como sujeitos
que
compram e vendem. As massas
desejam se
aproximar e apropriar
das
coisas em
s ua realidade imediata. As técnicas de r e pr o duç ão
s ão
uma forma
de viabilizar i s s o , porque
correspondem
de perto
à reprodução das
massas.
[ O
declínio
da
aura]
deriva
de duas
circunstâncias,
estreitamente
ligadas
à
crescente difusão
e
intensidade do s
m o v i m en t o s
de mas
s a s . Fazer a s coisas
ficarem
mais próximas é uma preocupação tão
apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o
c a r á t e r
único
de todos os f a t o s
através da
sua reprodutibilidade.
Cada dia
f i c a
mais i r r e s i s t í v e l a necessidade de
possuir
o o b j e t o , de
t ã o perto quanto p o s s í v e l , na
imagem,
ou
a n t e s ,
na sua cópia, na
sua reprodução (Obras, v . I , p .
1 7 0 ) .
Categoria estética central
que
emerge
nes s e contexto
é a
de
reprodução. As manifestações a r t í s t i c a s tradicionais
via de
regra
serv iam a algum tipo de culto. As reproduções têm um valor de
exposição. O primeiro
sentido
a
que elas
chamam é a percepção.
1 5 BENJAMIN, W. A o b r a d e
a r t e
n a e r a d e s u a s t é c n i c a s d e r e p ro d uç ã o [ 1 9 3 6 ] , I n :
L u i s C o s t a Lima o r g . ) : T e o r i a d a c u l t u r a d e m a s s a . R i o d e J a n e i r o . P a z
e T er r a ,
1 9 7 8 ,
p .
2 1 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 86/296
82 F r a n c i s c o
R u d i g e r □
T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
As
massas não
examinam
o
material
que lhes
chega
assim:
elas
procedem
ao que
o
autor chamou
de t e s t e .
No
t e a t r o ,
por
e x e m plo ,
a
relação
do
público
com
a
peça
é
mediada
ou dá lugar a
uma
aura. As encenações
repre s entam
sempre
experiências únicas
e
originais entre
os atores e a assis
tência. Em contraponto, no cinema se estabelece uma espécie de
relação t á t i l entre
o filme
e
o
público. Os espectadores s ó podem
compreender as cenas exibidas
na
t e l a se levarem em conta a su
cessão anterior,
estipulada pelo projetor. O resultado é o contato
com
uma
série
de
pequenos choques
que
têm
um
valor
de
t e s t e ,
relacionam a fruição da experiência estética com a capacidade do
sujeito
adequar
s ua percepção ao s princípios
da
aparelhagem
tecnológica que a tudo engloba
na
sociedade.
A tecnificação da vida moderna provocada pelo capitalismo
conduziu a uma superexcitação dos
sentidos. Engendrou
uma sé
r i e de
novas
tensões,
pr oduz i das po r t odo o tipo
de
maquinismo.
O indivíduo
está
diariamente
e xp o s t o
ao s
choques da
multidão,
na qual tem que abrir s e u caminho, com gestos convulsivos, co
moum esgrimista, distribuindo estocadas,
como choques,
sem os
quais a
cidade não seria transitável .36
Resumidamente, vivenciamos e s sa situação nos processos
de
trabalho e no s
lugares
públicos mas, também, r e ce b e ndo no vas
notícias
e em contato com os
modismos,
etc: em todos os casos,
verifica-se uma sucessão acelerada e brusca
de sensações,
que se
impõe às pessoas como uma série de choques, potencialmente
traumáticos para a experiência. A técnica submeteu o s i s t e ma
sensorial a um treinamento
de natureza
complexa até
chegar
o
dia
em que,
através dos me ios , a
percepção
s o b a forma de
cho
que se impós como princípio formal (Obras, v . I I I , p . 125).
Segundo Benjamin, a realidade vivida
se
torna
cada v e z
mais
complicada
e
desafiadora
na era da
técnica. O
ci ne ma, o
rádio
e a
imprensa
servem
para
exercitar
o
homem
nas re aç õe s que lhe
exige a nova forma
de
vida. Como as novelas policiais
analisadas
por Kracauer,
as
obras
de
arte
que
eles
veiculam
s ão
uma
manei
ra
de o
homem
mediar
s ua
relação com uma
realidade dominada
3 6
ROUANET,
S . P .
É d i p o
e
o
a n j o ,
p .
4 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 87/296
E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 83
por poderes cegos e
alienada
de um
sentido
transcendente
(Obras, v . I , p . 189).37
Benjamin
des envolve
assim
uma
linha
de
raciocínio
que
converge
em
ampla medida com
a leitura da
cultura
popular ur
bana
que
se encontra nos primeiros escritos de Kracauer. Tam
bém este
associa a t é cni ca moderna e
o lazer
industrial
ao declí
nio da cultura burguesa e à formação de
um novo
tipo de
expe
riência.
Para ambos,
os
fenómenos s ão interfaces da ascensão das
massas
ao proscênio da
sociedade. O capitalismo o s co nt rola e
explora,
mas
s eu
sentido
histórico
é
outro,
sinaliza
o
surgimento
de uma concepção de
mundo
através
do
qual
o
próprio modo de
v i da das massas passa a ser expressado para as massas.
Para Kracauer, a
modernidade constitui
uma era
em que
o
homem
se
v ê mais e mais
privado
de
um
s entido transcendente,
mas ao mesmo tempo ocorre uma que b ra da consciência mítica e
se insinua
uma nova relação do homem
com
a vida cotidiana. O
racionalismo
e
a técnica
d e s t r o e m
a
plenitude
de
sentido
do
qual
antes
s e re ve st ia
a existência.
A
população vai se
tornando
cada
v e z m ai s at o m iz ada e sem f é , sub m e t ida a ocupações mecaniza
das
e rotineiras, criadoras de ansiedades e
mal-estar,
que
não
comportam
mais um
tratamento
com
os r e m éd io s transcendentes.
Na atualidade, o trabalho e o l a z e r , a economia e a cultura, en-
contram-se num mesmo processo de racionalização.
Em Die Angellstelten
( 1 9 3 0 )
e
outros
importantes
ensaios
anteriores,
o
pensador r e l a t a , todavia, que isso
não
é um processo
apocalíptico. A
esfera
superior, os valore s recuam,
mas não
se
exaurem, refugiando-se em certas
instâncias da própria realidade.
O
profano
reveste-se do sagrado s o b a forma da diversão. A von
tade de escapar
do
cotidiano é cada
v e z
mais buscada em esferas
mundanas e condutas banais, no s divertimentos de massa, que
assim se tornam uma das instâncias exemplares dos tempos
modernos. As contradições vividas
pelo
homemcomum de no s sa
B e n j a m i n
t r a n s p ó s
v á r i o s
p r o c e d i m e n t o s d a e x p e r i m e n t a ç ã o t e a t r a l d e B r e c h t
p a r a
o
novo m e i o d o r á d i o , p r e t e n d e n d o co m
t a n t o
d e s e n v o l v e r uma f o r m a n o v a
e
r e v o l u
c i o n á r i a
d e
e d u c a ç ã o p o p u l a r ,
n a m e d i d a
e m q ue , à s s im pl if ic aç õ e s
d o m o d e l o
e d u
c a t i v o
t r a d i c i o n a l , o a u t o r o p u n h a
a
e x p e r i m e n t a ç ã o o r g a n i z a d a
e m
f u n ç ã o
d a s n e
c e s s i d a d e s d o p ú b l i c o ( W i l l y
B o l l e :
F i s i o n o m i a d a m e t r ó p o l e m o d e r n a ,
o p .
c i t . , p .
2 4 4 - 2 4 9 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 88/296
84
F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
época não
encontram mais respaldo na religião, s e ndo
resolvidas
por um deslocamento de interesse do trabalho para o l a z e r , para
o
que
chamou
de
s í t i o s
de
prazer
e
div ersão
Acompanhando os
estudos de
Weber, o pensador
argumenta
que
o
racionalismo moderno
promoveu um
desencantamento das
condições de vida humana, libertando os homens das cadeias
da
natureza tanto quanto das várias fo rmas de autoridade
tradicio
n a l . Ent re tant o, a razão
não
chegou a completar
o
s eu trabalho,
travada
por aquele
que
lh e serviu de veículo: o
capitalismo.
Pro
gressista
no
sentido
de
que engendrou
um
niv elamento
social
jamais v i s t o , colocando os homens mais ou menos na mesma s i
tuação s ocial e e s p i r i t u a l , o processo também
tem um
conteúdo
retrógrado,
na medida
em que
os
tornou
parte
de
um mecanismo
que
realmente não controlam
e ,
por i s s o ,
s ó
pode ser visto como
irracional.
Segundo e l e ,
as tecnologias
de
reprodução que surgem
em
no s sa
época
s ão
e xpre s sõe s
culturais
de
de s e n v ol v im e n t o s
e sp e
cíficos da vida prática e mat erial da sociedade,
que
devem ser
v i s t a s , por
um
lado como índices
da
pr es ença política das
massas
na
vida
social e ,
por outro
como umas
secreções
do modo de
produção capitalista
(Mass ornament,
p . 61).
O comportamento das m ult i dõe s no s espetáculos esportivos,
os e v ento s t u r í s t i c o s ,
o
fascínio pelas imagens, a
procura
pelas
casas
de
diversão,
e t c
-
segundo
o
pensador,
todos
esses
fenó
menos s ão aspectos da transformação do indivíduo em parte de
um
vasto
mecanismo
tecnológico promovida pelo capitalismo.
A s s i m ,
as
massas
se oferecem como e s pe t áculo para s i mesmas,
articula-se
uma
nova
forma
de coletividade,
que não se
organiza
de acordo
com
os laços da comunidade e onde
não mais
estão em
foco conceitos como cultura e personalidade, como fora o caso
durante
a era
burguesa.
KRACAUER, S . T h e s al ar ie d m a ss e s .
L o n d r e s :
V e r s o , 1 9 9 8 , p 9 1 . R e l a t i v a m e n t e a
K r a c a u e r , a s o b s e r v a ç õ e s s e g u i n t e s
l i m i t a m - s e a s e u s
e s c r i t o s a t é
a n t e s
d a é p o c a d e
r e d a ç ã o
d e J a c q u e s O f f e n b a c h und d a s P a r i s s e i n e r Z e i t , 1 9 3 7 t r a d .
f r . :
P a r i s : L a
P r o m e n a d e ,
1 9 9 2 ) . C f. G e r t r u d K o c h : S i e g f r i e d K r a c a u e r .
a n
i n tr o d u ct i o n ( P r i nc e t o n
[ N J ] : P r i n c e t o n
U n i v e r s i t y
P r e s s , 2 0 0 0 )
e
Dagmar B a r n o u w : C r i t i c a l
r e a l i s m :
h i s t o r y ,
p h o t o g r a p h y and t h e w o r l d o f S i e g f r i e d K r a k a u e r ( B a l t i m o r e : J o h n s H o p k i n s U n i v .
P r e s s ,
1 9 9 4 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 89/296
E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a
85
O
significado
desse processo, todavia,
não
deve ser reduzido
à perda do conteúdo espiritual e à entrega das massas a um modo
de
vida
cada
ve z
mais
primário
e
mecanizado.
As
experiências
culturais que as massas consomem
mais
e mais para combater a
desolação interior provocada pelo
moderno
modo de vida urbano
seriam
ambivalentes, na
medida
em que s e ,
por um lado, aclima-
t am -nas de um modo
ou
de outro ao deserto de concreto, por ou
t r o sinalizam materialmente a chegada de um tempo em que não
estarão
mais
s ob o jugo
da
luta
pela
sobrevivência numa socie
dade
maquinizada.
Os
en tr e t enim ento s
de massas que
as
novas
técnicas
v i a b i l i
zam têm também
um
sentido e st é tico e um
conteúdo emancipató-
rio porque, apesar de fazê-lo de forma primária,
pobre
e cega,
marcada
por um
profundo
vazio, não apenas permitem às mas
s a s ,
pela primeira
vez,
desfrutarem
de
s i mesmas como
possibili
tam que elas se
vejam
como t a i s , i s t o é , virtuais sujeitos
da
histó
r i a .
A
exagerada
importância
conferida aos
esportes
possui
um
s e nt i do e v as iv o,
mas também pode expressar uma
vontade
dos
oprimidos em assumir s eu pr ópr io destino e o ansei o r evolucio
nário das massas por uma legislação natural capaz de se erguer
contra os desastres causados pela civilização .39
O racionalismo
moderno
produziu uma fragmentação das
co ndi ç õe s de
existência que, na
realidade,
somente logra
se
a r t i
cular
de
maneira
mecânica.
As
tecnologias
de
reprodução
servem
de corretivo
dessa
situação.
Através delas
a
natureza que
f o i
desintegrada
em seus elementos é oferecida
co
mo imagem a uma
consciência
que pode l i d a r
com
e l a s como qui
s e r ,
[ . . . ]
estabelecer a provisoriedade de todas a s configurações
existentes e , quem s a b e , esboçar os contornos de como o inventá
r i o da natureza
deveria
s e r estabelecido
doravante
(Mass
orna
menta
p .
6 2 ) .
O capitalismo difundiu uma m ane i ra de agir que desintegra
as co s m o v i sõ e s tradicionais tanto quanto seus sucedâneos a r t í s t i
co s
e l i t e r á r i o s ,
cr iado s pe la cultura burguesa. Entretanto, tam
bém
esses t inham
um
caráter mistificador, encobriam
das
massas
KRACAUER.
S .
T h e
s a l a r i e d
m a s s e s ,
p .
9 5 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 90/296
86
F r a n c i s c o
R u d i g e r
□
T h e o d o r
Adorno e
a c r i t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
a verdadeira natur eza
da
sociedade. As tecnologias de reprodu
ç ão não somente
colaboram
nes s e proces so como permitem a
elas
preencher
o
vazio
em
que foram
lançadas, pois
elevam
a
distração ao nível
da cultura
(idem,
p .
3 2 4 ) .
A cultura burguesa era uma
espécie
de mito, continha pro
m e s sa s irrealizáveis que, mais tarde, tornaram-se i r r e a l i s t a s . Os
lazeres
industriais, ao contrário,
constituem uma experiência
imediata,
totalmente legítima, através
da
qual
as massas encon
tram s ua própria maneira de expr e s são e compensam a perda de
sentido
i mpo s ta
pela
civilização.
Destarte,
Kracauer e Benjamin,
sobretudo, convert eram
o
culto da distração
professado
pelas
massas à
co ndi ção de força
de produção esté tica .40 Para
e l e s , o significado
revolucionário
de s eus aparatos provém da referida circunstância, na medida
em
que, por meio
deles, as massas
adquirem
o poder
de ve r
o
s e u
próprio rosto e mostrar-se ao mesmo tempo como sujeitos sociais
e font es
de
prazer
estético.
Não
importa
o
quão
baixo
julguemos
o
valor
do s ornamentos
de massa,
s eu
grau
de
realidade é
ainda
maior
do que aquelas produções a r t í s t i c a s burguesas, que
c u l t i
vam
s en t imen t os
nobres
e fora
de
moda em formas
obsoletas
(Mass ornament, p . 79).
Vazias de sentido histórico, as mercadorias culturais iludem
os homens e encobrem o modo
mecânico
como
funciona
e s s e
sistema,
mas
ao
mesmo
tempo
ensejam o
surgimento
de
diver
sões que não podem deixar de r e f l e t i r o caráter profano e imedia
t o , potencialmente progressivo, do
modo de
vida
massivo
surgi
do através do
capitalismo.
O capitalismo e a máquina privaram
de sentido as categorias da cultura burgue sa, proj e tando-nos em
um
mundo vazio e mecânico. Os lazeres de massa s ão
uma forma
que
as ajuda a se libertar
de
s ua
mitologia,
porque através deles a
realidade se
de spe do s
seus
últimos
vestígios
sagrados.
As
fan
tasmagorias
contêm, portanto, um
s e nt ido progr e s s iv o: o
públi
co encontra a
s i
mesmo em estado de externalidade pura; s ua
4 0 FRISBY, D .
F r a g m e n t s
o f m o d e r n i t y , p . 1 6 8 .
C f .
H e l m u t S c h l i i p m a n n : K r a c a u e r s
W r i t i n g s
o f t h e
1 9 2 0 ' S .
I n : Ne w
German C r i t i q u e
40
( 9 8 - 1 1 4 ) 1 9 8 7 .
C f . M i r i a m
H a n s e n : D e c e n t r i c
p e r s p e c t i v e s :
K r a c a u e r ' s e a r l y w r i t i n g s o n f i l m a n d m a s s c u l t u r e .
I n :
Ne w
German
C r i t i q u e
5 4
( 4 7 - 76 ) 1 9 9 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 91/296
E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s
d a p r o b l e m á t i c a
8 7
própria realidade é revelada nas formidáv eis impre s sõe s s ens o
r i a i s
que se sucedem fragmentariamente
(idem, p . 3 2 6 ) .
Permitindo
pela
primeira
ve z
que
ele
enxergue
a
s i
mesmo
como
massa,
os
espetáculos de massas
descortinam a possibili
dade de
que
e s s e público tome a
condução
da vida s ob
suas
mão s , ao invés de
servir a
um mecanismo embrutecedor
e
mes
quinho,
que
se conduz de maneira
caótica
e
sem o
s e u
controle.
Quanto maior é o
número
de pessoas que percebem a s i
mesmas
como massa mais rápido as massas v ão desenvolv er
seus
poderes
de mane ira
produtiva
nos
domínios
cultural e espiritual
dignos
de
s eu
financiamento (idem,
p .
3 2 5 ) .
O problema todo consistia para eles em saber
que
prazer
iriam se dar as massas,
porque s e ,
por um lado a s it uaç ão e ra
propícia para uma mudança progressiva, por
outro
lado os auto
res
não
eram
cegos
ao crescente
emprego
dos
meios com
objeti-
v os
reacionários.
O
potencial político contido
nas
no vas fo rm as
de
arte
poderia
ser
reduzido
à
simples
estetização
da
p o l í t i c a ,
conforme começava
a se
entrever com os movimentos
t o t a l i t á
r i o s . O fascismo não apenas não suprime as massas (tarefa de
resto impossível) mas, ao contrário, reforça de m ane ir a decisiva
s ua
condiç ão de mas s as
e , através
de
medidas adequadas , pr o
cura criar a
i mpr e s s ã o
de que as
massas
foram r e inte gradas [nu
ma comunidade], via uma combinação de terror e propaganda
(idem,
p .
172-173).41
Erns t Bloch percebeu o ponto mais cedo, chamando a
atenção para o fato de que o en t re t en imen t o a que as pessoas se
devotam cada v e z mais não apon ta ap enas para o futuro. Desde o
f i n a l do s anos
1910,
o
filósofo dedicou-se
a
fazer uma leitura
po
l í t i c a da cultura,
defendendo a hipótese
de que
podemos desco
brir os prenúncios do socialismo nos resíduos do passado
com
os
quais
cada
época
tem
de
se
entender.
Contraditoriamente,
o con
temporâneo convive com o
que
não o
é :
necessidades, experiên
c i a s , s en ti m ento s e costumes herdados de períodos anteriores e
W a l t e r
B e n j a m i n
t i n h a o mesmo e n t e n d i m e n t o :
A p r o p a g a n d a
f a s c i s t a p r e c i s a p e n e
t r a r n a
v i d a s o c i a l p o r
i n t e i r o . A
a r t e
f a s c i s t a , p o r t a n t o ,
n ã o é e x e c u t a d a
a p e n a s
p a r a
a s
m a s s a s mas também p e l a s
m a s s a s ( W i l l y
B o l l e ,
F i s i o g n o m i a
d a m e t r ó p o l e
mo
d e r n a ,
p .
2 2 7 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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8 8
F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o
e
a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
que colidem com s ua
tendência
histórica progressiva. A técnica
mais moderna
não se move
com plena autonomia,
porque está
em
tensão
com
os
resíduos
mentais
mais
ancestrais
e
arcaicos.
Na sociedade c a p i t a l i s t a , acontece que o extemporâneo cons
tituído pelos e l e m e n t o s oriundos das formas de vida ainda não
liquidadas pelo progresso, mentalidade, hábitos e co s tum e s , é
apropriado pelo poder económico e
posto
à disposição das
mas
sas urbanas
como
mercadoria. As fantasias arcaicas servem de
compensação para uma maquinização cada v e z mais insuportável
do
contemporâneo .
O
entretenimento
é
um
dos
principais
exem
plos disso,
entrelaçando
passado e presente,
m i t o
e t e cno lo gi a,
como no jazz, onde o rit mo das máquinas
introduz
o
tambor
africano .42
A racionalização tecnológica e
o
consequente desencanta-
mento da vida social que tem lugar em no s s o tempo podem se
ocultar,
ao
invés
de
se revelar,
nes s e tipo de
fenómeno, porque
a
técnica
por
s i
s ó
não
tem
um
poder
emancipatório.
A
separação entre t écnica
e
ideologia
é esquemática e
mecânica:
e l a ignora a s relações e xis te nt es e nt re o progresso t écnico e as
transformações
das formas
de
vida, das ideologias; e ignora
i gualm ent e o e f e i t o de retroação
destas
formas de vida transforma
das e das ideologias
sobre
os progressos da t é c n i c a . 4 3
O
pensador
ressaltou
que
as
formas
de
arte
leve
surgidas
com
o mercado moderno e ,
mais
tarde, anexadas à ordem indus
t r i a l ,
contêm, não
menos do que
os produtos da
a l t a cultura,
um
potencial transcendente . As e xpre s sõe s simbólicas de
um
povo
ou classe social não se esgotam nos interesses de seus criadores.
O contexto social que os origina
não
as reduz à
ideologia, na
medida
em
que s ua r es s onâ nci a entre as camadas dominadas
pressupõe
que
haja
nelas
algum ideal
universal
e
emancipatório.
A c r í t i c a cultural que
se contenta
em demons trar o conteúdo
ideológico da produção cultural passa por alto um ponto e s s e n
c i a l ; i s t o é ,
o fato de
que
ela não pode ser separada de certos con
teúdos ideais que escapam à reificação e , assim, projetam-se uto-
4 :
BLOCH,
E . A
a r t e
e
s u a h e r a n ç a .
I n : - D e b a t e s o b r e o e x p r e s s i o n i s m o , p . 2 3 7 . O
p e n s a d o r , p a r e c e , n ã o c o g i t o u a h i p ó t e s e d e
a
t é c n i c a v i r a s e
t o r n a r
i d e o l o g i a .
E r n s t
B l o c h
a p u d
M a c h a d o ,
C .
D e b a t e
s o b r e
o
e x p r e s s i o n i s m o ,
p .
6 8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a
8 9
picamente em
direção
ao
futuro. As considerações históricas e
sociológicas
sobre
as origens materiais
das
idéias
e representa
çõ e s
não
basta
para dar
conta
delas.
O
verdadeiro
critico
é
o
que
procura descobrir o s eu potencial transcendente em relação à s i
tuação
social
e
histórica,
o
que encoraja-nos
a
procurar pelos
conteúdos progressivos e emancipatórios dos
artefatos
culturais,
mais
do
que
os meramente ideológicos e
mistificadores .44
No ofício da c r í t i c a , convém pois não esquecer de
pesquisar
as potencialidades transcendentes e possibilidades não-realizadas
presentes
nos be ns
simbólicos,
porque
s ão
nelas
que
se
acham
as
energias necessárias para buscar a
boa
sociedade. Em virtude de
não se adequarem totalmente à realidade vivida, as representa
çõ e s a r t í s t i c a s e l i t e r á r i a s de todos
os
níveis contêm, além do ca-
ráter ideológico, um sentido
radical utópico.
Bloch procurou levar a sério a
cultura
como
um todo,
contes
tando
s ua
reificação em
t erm os de
erudita
e popular:
os contos
de
fadas,
vitrines
comerciais,
devaneios
diurnos,
roupas
da
moda,
danças em voga e prédios de moradia s ão tão importantes
quanto
a f i l o s o f i a , as ciências
e
as belas-artes.
Nas
palavras de Adorno,
a simpatia do aut or pe la literatura popular e outras manifestações
do
gênero têm
suas
raízes s is t emát icas , s e
é
possível
usar
e s s e
termo, em
s ua cumplicidade
com as camadas
inferiores, no s e n
tido
ao mesmo tempo do que não
têm
forma material
e daqueles
que
têm
de
suportar
o p e s o da sociedade , embora
daí
não se de
v e s s e concluir
que o
estrato superior - a cultura, a forma, que
ele chamava de pólis - parece-se-lhe inevitavelmente envolvida
com o
mito, a opressão, a
dominação .45
Segundo
Bloch,
seja numa, seja
na
outra dimensão, sempre
há
momentos emancipatórios, que
projetam visões
de
uma vida
melhor e que põem em questão a ordem social estabelecida. No
capitalismo,
os
lazeres populares,
matéria
que nos
interessa, sig
nificam reprodução da força de
trabalho: as
relações mercantis
4 4
KELLNER,
D . E r n s t B l o c h ,
u t o p i a
a n d i d e o l o g y
c r i t i q u e .
I n : l l l u m i n a t i o n s :
C r i t i
c a l C u l t u r a l R e s o u r c e s ( w w w . u ta . e d u /
huma/
i l l u m i n a t i o n s )
p . 2 . S t e p h e n B r o n n e r :
Da
t e o r i a
c r i t i c a
e s e u s
t e ó r i c o s . C a m p i n a s : P a p i r u s , 1 9 9 7 , p . 8 6 - 8 7 .
4 5 ADORNO. T . N o t e s
t o
L i t e r a t u r e I . Nova Y o r k : C o l u m b i a U n i v e r s i t y
P r e s s , 1 9 9 1 ,
p .
2 0 6 .
D o r a v a n t e
c i t a d o
n o
t e x t o
como
L i t e r a t u r a
L
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 94/296
90 F r a n c i s c o R i i d i g e r □
T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
continuam a
se
fazer presentes após o expediente, quando
o
ho
mem
relaxa
e pensa que está l i v r e da rotina produtiva e empresa
r i a l .
A
l i t e r a t u r a ,
esportes,
música
e
filmes
com
os
quais
os
em
pregados se div ertem
possuem
um s e nt ido ide ológico, porque
contêm,
sublimados, os
princípios
competitivos
da economia
de
mercado de onde tiram s eu sustento, e os prazeres que e v e n
tualmente
e x t rae m
deles representam um
sucedâneo
do
que
não
têm como obter na luta pela sobrevivê ncia .46
Os
fenómenos,
todavia, não se resumem a isso: veiculam
ainda uma
série
de
s on h o s
e
esquemas
que,
subterraneamente,
conectam-s e
com o sujeito
v iv o e ,
portanto, com as
forças
que
impõem
limite
à reificação. Os indivíduos consomem os
bens
mercantis
não só
porque
se deixaram reificar
mas,
também,
para
tentar criar um modo de
vida
mais
humano, para
tentar
d e s en
volver
uma
outra identidade. As fantasmagorias culturais tam
bém podem ser vistas pois como fo r mas m e di ant e as
quais
eles
procuram
transcender
as
misérias
da
vida
cotidiana
e ,
no l i m i t e ,
entendidas como sucedâneos imaturos, porém honestos, da Re
volução (Principle,
v . I . p . 3 6 4 - 3 6 8 ) .
Bloch trabalha por e s sa via
com uma
distinção depois reto
mada por Adorno, a di s t inção
entre
os fenómenos de cultura po
pular e os de indústria cultural,
entre,
por e x e m plo , a expe r i ência
utópica que r epr e s entar ia a viagem a lugares distantes
em
com
paração
com aquela
corrompida
e
estereotipada
que
representaria
a do turismo industrializado. Outro exemplo encontrar-se-ia no
contraste entre os
livros best-sellers e o
gê ne ro de leitura popular
que ele chama de colportage.
Os primeiros
oferecem
a
promessa
sempre
frustrada
de f e l i c i d a d e
dentro das e s t r u t u r a s c a p i t a l i s t a s , s e j a na forma das matérias sobre
como fazer sucesso s e j a
através
da evocação f i c c i o n a l das h i s t ó r i a s
sobre
como subir
na
v i d a .
[ . . . ] A
l i t e r a t u r a
de colportage, ao
co n
t r á r i o , compreende a s e s t ó r i a s de
aventura
e
os contos
miraculosos
4 6 BLOCH, E . T h e p r i n c i p i e o f h o p e . Cambridge (MA): MIT P r e s s , 1 9 8 6 , v . I , p . 1 4 8 -
1 4 9 ,
v .
I I ,
p .
9 0 5 .
D o r a v a n t e , a
o b r a s e r á
c i t a d a ,
n o c o r p o
d o t e x t o , p e l o v o l u m e , como
P r i n c i p i e .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 91
e sobrenaturais [ . . . ] possuindo
uma carga
utópica fundada no
ima
ginário popular.47
O
reconhecimento
do
ponto
não
deveria
nos
fazer
esquecer,
po r é m , que
esses
el e m en t o s podem
ser empregados em vários
sentidos, além dos que possuem no presente, para não falar das
e mpr e sas
que
sonham
com s ua
completa racionalização.
As
for
mas culturais s ão maleáveis. As potencialidades transcendentes
contidas
no património
cultural
podem
ser voltadas
para o
futuro
tanto quanto para o passado. Os passatempos culturais, tecnoló
gicos
ou
não,
precisam
s er vist os
pois
com
menos
expectativa
e
mais reserva
c r í t i c a , que o
autor
nem sempre soube conservar,
porque, deles,
pode
s a i r a
arte
do futuro
tanto quanto o
kitsch
i n
dustrial c a p i t a l i s t a .
A possibilidade desse último
caminho f o i comprovada,
a l i á s ,
com a ascensão do fascismo,
responsável pela
exploração
de uma
forma de falsa
consciência
específica, que nasce do culto ao p r i
mitivo e se expressa através
da
arte
leve reacionária. A
explosão
do irracional que ele promoveu teve um sentido ut ópico, t e v e su
cesso, porque seus líderes souberam manejar
as
esperanças que
as pessoas punham em conquistar certos
bens
postos de lado
pela
economia moderna, como abrigo, segurança e comunidade.
O fascismo
cultivou certas
fantasias imemoriais
logrando
combinar o
lamento
para com o mundo moderno com a
promo
ç ão
de um
passado t r i b a l
e
hierárquico
e a asserção de
valores
humanos
decentes
e autênticos,
baseados no sangue, na terra e no
trabalho.
A
nostalgia reacionária que ele soube articular com a
ajuda da técnica moderna,
nem
sempre bem captada
pelo
pensa
dor,
acabou valendo
como alternativa para os descontentes com
as incertezas e
pe r igo s v iv ido s no presente.
Dessa forma,
o
movimento conseguiu manter
s ob
controle a
s e ns aç ão de
vazio
e abandono à própria sorte sentido por vários
grupos
com
a
conversão do
kitsch
em m i t o tecnológico. A pro
paganda irracional de que lançou mão não
era
separável da e x
ploração
racional do passado mítico
e a
criação industrial de uma
GEOGEHAN,
V .
E r n s t
B l o c h .
L o n d r e s : R o u t l e d g e ,
1 9 9 6 ,
p .
5 8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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92 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
espécie de s i m b o l i s m o
utópico, como
o filósofo
procurou
mos
t r a r
em Erbschaft
dieser
Zeit
(1934).
Na
década
de
1930,
tornou-se,
de
todo
modo,
claro
para
os
autores
em juízo que a
falência
da cultura
burguesa
também
po
di a ser explorada
de
maneira regressiva. As técnicas modernas
igualmente
se prestavam à criação de
um culto
às
massas pelas
massas,
cujo
sentido
nada
tinha
de
revolucionário.
O fascismo
poderia organizar as massas proletárias recém-surgidas sem a l
terar
as
relações de produção e a propriedade
que
t a i s massas
tendem
a
a b o l i r .
Ele vê sua
salvação
no
fato
de
permitir
às mas
sas a expressão de sua natureza, mas certamente não a do s seus
direitos
[ . . . ]
conservando as
relações de produção através
de
uma
política
que
converge para a guerra
(Walter
Benjamin:
Obras,
v . I ,
p . 194-195).
As tecnologias modernas conferiram às massas o pode r de
elaborar s ua imagem e destino de aco rdo com sua vontade, mas
isso
não
passa
a
at o sem
problema.
As
potencialidades contidas
nelas, embora inerentes,
não
tinham nenhuma
teleologia. Os
i n
divíduos bem
poderiam continuar deixando
o
capital gerindo es
sa
t a r e f a ,
quando
não
oferecer-se em holocausto
ao s
movimentos
t o t a l i t á r i o s .
O espetáculo de s ua própria de s t ruição através da
guerra não
era
uma
hipótese descartável,
como ficou
provado
pouco
depois,
com
a
I I
G u er ra Mundial.
A
recordação
é importante para livrar
os
pensadores
da
imagem
de simples
entusiastas
da cultura popular urbana
e cren
t e s
no
poder
de
redenção das novas tecnologias
maquinísticas.
Ernst
Bloch, sobretudo, s e m p r e f o i reticente quanto às suas
po
tencialidades, seja no campo
da música,
seja no campo da arquitetu-
r a . Para e l e , o e s p í r i t o tecnológico fomentado pelo capitalismo im
punha o silêncio às musas . A máquina é expressão de uma era
carregada de horrores e promessas, que s ó em parte e ns eja a forma
ção de uma figura utópica integradora. A liberação do tradiciona
lismo
proposta por
meio
dela provocara uma
s é r i e
de prejuízos
pa
ra os corpos, as vidas, a paz e a natureza, que não se deve apenas ao
fato da tecnologia ainda ser mal adminis trada .4 8
4 8 BLOCH.
E .
T h e U t o p i a n f u n c t i o n o f
a r t
and L i t e r a t u r e . C a m b r i d g e ( M A ) : MIT P r e s s ,
1 9 8 8 ,
p .
2 0 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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E l e m e n t o s
o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a
93
Já Benjamin e Kracauer, embora não menos cautelosos,
principalmente nos escritos tardios, mani f e s t aram mai s esperança
em
relação
à matéria,
vendo
com
olhos
mais
simpáticos
do
que
s eu amigo a expropriação e socialização dos sentidos humanos
promovidas pelas técnicas de reprodução da a r t e . A
modernidade
significava
para
eles
a
superação da velha cultura
burguesa e
-
considerando e s sa situação uma fatalidade
-
acreditaram na idéia
de
que
a
cultura
do
futuro nasceria
de
um trabalho com
- e
não
contra
- a
tecnologia. Em
última
instância,
portanto, foram o t i -
mistas
a re spe it o
das i m pli caç õe s
políticas
do
declínio
da
aura
tradicional que rodeava a obra de arte e celebraram s ua reunifi
cação com o mundo da vida .4 9
J AY, M. S o c i a l i s m o f i n - d e s i è c l e . Buenos A i r e s : Nueva V is i o n, 1 9 9 0 , p .
1 1 1 .
Eugene
Lunn m a t i z a m e l h o r
o
c o n j u n t o
o b s e r v a n d o
q u e
e s s e
c o n t e m a s a n t i n o m i a s d e um a
p o s t u r a a m b i v a l e n t e .
S o b r e t u d o
n o s ú l t i m o s e s c r i t o s d e B e n j a m i n , cumpre n o t a r
a a c e n t u a ç ã o , a l e n t a d a p e l a t e n d ê n c i a
d o s e v e n t o s
h i s t ó r i c o s ,
d a
c o r r e n t e m e l a n c ó l i
c a
e
p e s s i m i s t a
q u e s e m p r e
l h e
f o i
p r e s e n t e
( M a r x i s m o
y
m o d e r n i s m o ,
p .
1 9 6 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 98/296
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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Perspectivas daconcepção
adorniana
Segundo Adorno e Ho r k h e i m e r , a construção do
saber
constitui
um processo dialético, que se
baseia
na c r í t i c a dos
juízos
e idéias
que o próprio
objeto
de
estudo,
o processo
social
em foco, enseja
historicamente. O conhecimento deve ser
elaborado
seguindo a
orientação de uma reflexão c r í t i c a
sobre
o conteúdo de verdade e
os
limites de
sentido do
fenómeno. A
c r í t i c a
da
indústria cultural
proposta
pelo
primeiro autor o be de ce , cr e mo s , a
e s s e princípio,
visto os problemas
que ela se dispõe
a
t r a t a r
serem
assimilados
através de uma
discussão
com
os
teóricos
referidos no capítulo
anterior, importantes pensadores
e
amigos de Ado rno . 1
N e s t e
capítulo,
trata-se de reconstruir a réplica adorniana,
c r í t i c a
e
dialética, às teses progressistas
sobre
a fortuna da arte na
era
da
cultura
tecnológica
para,
em
seguida,
situá-la
em
s eu
e n
t endimento
do
processo civilizatório e da
dialética
do esclareci
m e n t o .
3 . 1 Réplicas
à
v is ão pr ogr e ss i st a
Conforme disse Adorno,
Kracauer
ensinou-lhe
os métodos
de estudo e
levantou m ui tas das que st õe s das
quais ele se ocupa
r i a mais
tarde. Sobretudo,
foi um do s primeiros de nó s
a reto-
S t e f a n M i l l l e r - D o o h m
t e m ,
e n tr e o ut ro s, o
m é r i t o
d e l e m b r a r também o s c o n f l i t o s i d i
o s s i n c r á t i c o s q u e permeavam a s r e l a ç õ e s e n t r e e s s e s p e r s o n a g e n s t o do s. C f. A d o r n o ,
u n e
b i o g r a p h i e . P a r i s :
G al li ma rd , 2 0 0 4 .
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96
F r a n c i s c o
R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
mar seriamente a análise dos problemas do esclarecimento .
Ernst Bloch
transmitiu-lhe
a consciência de que a técnica mais
moderna
pode
ensejar
o s urgi me nt o
do
kitsch
industrial
mas,
também,
a idéia
de que
a
cultura
dominante
não
é a única chave
de leitura
da
h i s t ó r i a . Bloch entrou em contato com as
profun
dezas inferiores, os
e l e m e n t o s subculturais, com
os
refugos con
fessos, nos quais
e l e ,
enquanto expoent e
tardio do
esclarecimen
to
antimitológico,
supunha que
a
salvação
podia ser
encontrada
(Literatura I I , p .
2 0 2 ) .
Benjamin,
por s ua
vez,
sugeriu
ao
grupo
a
hipótese
de
que
o
capitalismo não pode passar por alto o fato de que os fenómenos
sociais se r e v e s t e m
de imagens
e , portanto,
pode ser
entendido
através
de s ua fantasmagoria. A mercadoria
é geradora
de uma
série de vivências, através das quais o poderio tecnológico da s o
ciedade é apresentado como m i t o capaz de, por s i mesmo, e n
gendrar
o futuro
dessa sociedade.
A exposição
das
mesmas atra
vé s
das
v i t r i n e s ,
f e i r a s ,
filmes,
modismos,
revistas
e
out ras font e s
de
imagens
representa um
momento
em que
o valor de troca
re
vela s ua dimensão fantas magórica .
I s t o
é , o processo
económi
co
assume a forma
de
festas populares c a p i t a l i s t a s , através das
quais o entretenimento de massa
se
torna
ele
próprio um grande
negócio .3
Promovidas
especialmente pela publicidade, a artimanha
com
a qual
o
sonho se
impós
à indústria ,
as fantasmagorias mo
de rnas s ão uma
transfiguração
do valor de troca da mercadoria,
através
da
qual
os homens se
entregam ao s
prazeres industriais,
vivenciam suas fantasias
por procuração
e se
permitem
desfrutar
de s ua própria
alienação.4
Em conjunto, eles todos entendiam que uma das chaves para
entender o presente consistia em decifrar
socialmente
os
fenó-
2
C f . MARTIN JAY: Adorno
a n d
K r a c a u e r :
N o t e s
o n a
t r o u b l c d
f r i e n d s h i p . I n :
S a l m a g u n d i
4 0
( 4 2 - 6 6 ) 1 9 7 8 .
1 BUCK-MORSS, S . T h e D i a l e c t i c s o f s e e i n g , p . 8 6 . C f . M i r i a m H a ns e n : B e nj a m i n ,
c i n e m a
a n d e x p e r i e n c e . I n : Ne w
German
C r i t i q u e
4 0 ( 1 7 9 - 2 2 4 )
1 9 8 7 .
M a t e u s
S i l v a
f o r n e c e e l e m e n t o s p a r a c o m p a r a r
a
v i s ã o d o
a u t o r
co m
a
d e Adorno
e m Adorno e o
c i n e m a . I n :
Novos
E s t u d o s
C e b r a p
5 4 ( 1 1 4 - 1 2 6 )
1 9 9 9 . C o n f i r a também M i r i a m
H a n s e n , H i s t o r i e s
o f
Mice
a n d D u c k s :
B e n j a m i n
a n d
Adorno o n D i s n e y . I n : S o u t h
A t l a n t i c Q u a r t e r l y v . 9 2
( 2 7 - 6 1 )
1 9 9 3 .
4 BENJAMIN. W.
P a r i s ,
C a p i t a l d o
s é c u l o X I X .
I n : S o c i o l o g i a
( O r g .
d e
F l á v i o
R .
K o t h e )
S ã o
P a u l o :
Á t i c a .
1 9 8 5 ,
p .
3 5 - 3 6 .
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o
a d o r n i a n a 97
menos contingentes da vida
cultural. A
posição ocupada por
uma
época
no processo histórico pode
ser determinada de
manei
ra
mais
notável
através
da
análise
de
suas
expressões
menores
e
superficiais
do que pelos
juízos que faz acerca
de s i
mesma
(Mass
ornament,
p .
75).
A totalidade não pode ser objeto de apr e ens ão e análise, na
medida
em que s ó se
manifesta
em fragmentos.
As
expr e s sõ e s
superficiais s ão a melhor via
de ace s so ao estado de
coisas
mais
fundamental. Os
fenómenos
sociais se in scr e v e m
em
constela
ções
históricas
marcadas
por t odo
o
tipo
de
tensão
e ,
portanto,
têm vár io s aspecto s , não podendo ser esgotados pelo
pensamen
t o . Interpretar consiste na habilidade de decifrar as expr e s sõ e s da
cultura moderna como criptogramas
da
dominação e sinais do
sentido adquirido
pelo
processo civilizatório.
Theodor Adorno separava-se deles
em
t r ê s pontos
principais,
relativamente
à matéria
que
nos interessa. Primeirament e por
de
fender
uma
atitude
c r í t i c a ,
segundo
a
qual,
na
sociedade,
nada
deve
aceitar-se
sem
exame, s ó
porque
e xis te [ ou] outrora
valeu
alguma
coisa,
mas
também
nada deve
ser eliminado
porque
[sua
época] passou: o t e mpo, por s i
s ó ,
não é nenhum critério
(Es t é
t i c a , p .
55). Em
segundo
lugar, sustentando
que
a explicação dos
fenómenos sociais requer a idéia de mediação universal: o
p a r t i
cular é
cada
v e z
mais
de todo permeado pela forma mercadoria.
Finalmente,
postulando
que o significado prospectivo desses fe
nómenos
sociais deve ser confrontado com suas condições
histó
ricas de
efetivação:
o potencial
contido
na
imagem
não nos
deve
cegar para o modo
como
e s sa
imagem
funciona na
atualidade.
Os
pontos aparecem de m ane i ra m ui t o clara na réplica que
s ua c r í t i c a à indústria cultural oferece às idéias de seus compa
nheiros.
O
filósofo concordava com
s eu
juízo sobre quais eram
os problemas em questão na cultura de mercado. Porém recusa-
va-se
a
aceitar todas
as suas
análises. Também para
ele
o declínio
da aura, a rebelião das massas e as novas técnicas colocavam-se
no centro
da crise da
cultura moderna. Os fenómenos radiofóni
cos s ão índices de
tendências mais
abrangentes:
da decadência
das obr as tradicionais e da cultura
musical
validada pela socie
dade. 5
5
ADORNO,
T .
/ /
f i d o
m a e s t r o
s o s t i t u t o .
T u r i m :
E in au di , 1 9 6 9 ,
p .
2 5 7 .
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98
F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
A convicção
que o movia era
comum
a de seus amigos, ba-
seando-se
na hipótese
de que a disponibilidade do s
m e i o s
co r
responde
à
disponibilidade
da
consciência
e
de
que
o
presente
es
tágio histórico em que se encontram as obras de
arte requer
em
larga
medida
que
elas s e ja m
apresentadas mecanicament e . 6
O
significado das tecnologias de reprodução, admitia,
era
po
tencialmente
progressivo
e ,
secretamente, ele esperava
que um
dia não s ó e l a s , mas os maquinismos como um todo, se reconci
liassem
com os homens, produzindo um acontecimento de maior
significação humana
do
que
aquele
que
representaram
os
movi
mentos no sentido de destruição da máquina no tempo da I Revo
lução Industrial.7
Para
Adorno,
as
possibilidades utópicas
e
emancipatórias s ão
inerentes
às forças tecnológicas
do capitalismo avançado. A re
produção técnica das o br as
de
arte sem dúvida pode
ser
fecunda
em mudanças positivas na formação estética da humanidade. Nas
tecnologias
m ai s m ode r nas , estão contidos em potência os re cur
s os m at er iai s de que
os homens
precisam
para pór fim ao s mo
nopólios da
cultura e à
própria
idéia de classe ociosa (Música,
p .
1 6 4-1 6 5 ) .
Entretanto,
ressaltava, precisamos observar que o s progre s
s os t é cnico s - com
os
quais triunfa a indústria cultural - não po
dem
ser analisados de mane ira
abstrata
(Cinema,
p . 1 5 ) . A
r e
flexão
c r í t i c a ,
entendia, não
pode
se deixar levar
pelos
aspectos
do fenómeno que apontam para um futuro
melhor, descuidando-
se da maneira como ele pesa sobre o destino dos contemporâ
neos. O correto é , antes,
o
contrário.
As
referidas técnicas preci-
ADORNO, T . T h e f o r m o f
p h o n o g r a p h
r e c o r d e O p e r a a n d l o n g - p l a y
r e c o r d .
I n :
O c t o b e r
5 5
( 5 6 - 6 6 )
1 9 9 0 .
C o n f r o n t a r
o s t e x t o s com M u s i c a y
t e c n i c a
h o y ( K o s t a
A x e l o s
e t a l l i :
E l a r t e e n
l a s o c i e d
i n d u s t r i a l .
B u e n o s
A i r e s , Nueva
V i s i o n , 1 9 7 3 ) .
7
Ao
d e s e n v o l v e r
s u as a pt id õe s
e s p e c i a i s ,
o s
p o r t a d o r e s
d o
p r o g r e s s o
t é c n i c o ,
h o j e a i n d a
m e c â n i c o s
e s p e ci a l iz a do s , a t in g ir ã o o
p o n t o ,
j á i n d i c a d o p e l a t e c n o l o g i a ,
e m
q u e
a e s p e c i a l i z a ç ã o s e
t o r n a s u p é r f l u a .
U ma v e z c o n v e r t i d a s ua c o ns ci ê n ci a e m
m e i o s
p u r o s [ s i c ] , sem nenhuma r e s t r i ç ã o , e l a p o d e r á
d e i x a r d e
s e r um m e i o e , co m
s e u a p e g o a o s o b j e t o s p a r t i c u l a r e s , r o m p e r a ú l t i m a b a r r e i r a
d a h e t e r o n o m i a ,
s u a
d e r r a d e i r a p r i s ã o n a a r m a d i l h a d a s i t u a ç ã o e x i s t e n t e , o d e r r a d e i r o f e t i c h i s m o
d o s t a t u s
q u o ,
i n c l u s i v e
o d e s eu p ró p r io e u , q u e s e
d e s f a z
e m s u a i m p l e m e n t a ç ã o r a d i c a l como
i n s t r u m e n t o .
Tomando f ô l e g o ,
f i n a l m e n t e , e l a p o d e r á a p e r c e b e r - s e d a
i n c o n g r u ê n c i a
e n t r e
s e u d e s e n v o l v i m e n t o r a c i o n a l e a
i r r a c i o n a l i d a d e d e s e u s
f i n s , e a g i r
e m
c o n s o n â n c i a
co m
i s s o (ADORNO, T . Mensagens numa g a r r a f a . I n : S l a v o j Z i z e k
[ O r g . ] :
Um
mapa
d a
i d e o l o g i a .
R i o
d e
J a n e i r o :
C o n t r a p o n t o ,
1 9 9 6 ,
p .
4 9 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o
a d o r n i a n a
99
sam
ser
entendidas
histórica e socialmente,
situando-as na t o t a l i
dade
histórica na qual
está
e n t re laçado s eu
desenvolvimento .
Na
ótica
do
autor,
externada
bastante
cedo, os
fenómenos
de
cultura de massa necessitam
ser defendidos
contra os que os de s
prezam mas , ao mesmo
t e mpo, criticados
pe rant e s e us advoga
dos.
Por
um l a d o ,
precisamos
abandonar
a arrogância
t í p i c a de
quem
entende
a
música s é r i a e
c r ê
que s e pode ignorar totalmente
a
única
música
consumida
pela
vasta maioria
da população. O
k i t s c h deve
s e r
defendido
e
jogado
contra
todo
o
t i p o
de
música
medíocre
que
s e
quer elevada,
contra o s
i d e a i s apodrecidos
da
c u l t u r a ,
da
perso
nalidade, e tc Por outro
l a d o ,
porém,
precisamos
e v i t a r c a i r
na t e n
dência
atualmente muito
em
moda
[ . . . ] de
simplesmente
g l o r i f i c a r
o k i t s c h e considerá-lo a verdadeira a r t e de nossa época, apenas
porque desfruta de popularidade.8
Preocupado em
e xp o r as realidades regressivas do progresso
-
s ó
em
parte
liberador, Adorno
recusou-se
a
esposar
uma
visão
de
mundo que
assume uma
atitude
positiva em relação
à técni
ca,
com
a
ressalva de que
se deve lh e dar
sentido,
[ . . . ]
mas s ó
serve para reforçar um trabalho moral afi rm at iv o que , em s i
mesmo, é altamente
questionável
(Prismas,
p .
112).9 A tecnolo
gia
maquinística,
isoladamente,
não
é boa nem
má - mas
isso é
um
truísmo: a análise da mesma não
pode
ser separada das rela
ções
sociais
em
que
surge,
é
manuseada e
extrai
significado.
O
fenómeno não
existe
de maneira
abstrata,
precisando
ser
avaliado
antes de mais nada em
s ua efetivação histórica. Resumidamente,
não é possível
encarar de forma
separada
os as pe ct os sociais,
técnicos e
a r t í s t i c o s
[dos
meios de comunicação]
(Intervenções,
T h e o d o r Adorno
[ 1 9 2 8 ]
a p u d Thomas L e v i n :
F o r
t he r ec or d: Adorno o n
m u s i c
i n t h e
a g e
o f i t s t c c h n o l o g i c a l r e p r o d u c t i b i l i t y .
I n :
O c t o b e r
5 5
( 2 3 - 4 7 )
1 9 9 0 ,
p .
2 9 .
C o n s e r v o
s e m p r e
a s e n sa ç ã o d e
q u e n ã o s e
d e v e s a i r d o
n e g a t i v o
o u
s e
p a s s a r
a o
p o
s i t i v o d e f o r m a m u i t o
r á p i d a ,
s e e s se t ra ba lh o f a v o r e c e r a n ã o -v e rd a de . C a rt a a Tho
mas Mann, 0 1 / 1 2 / 1 9 5 2 , / / m e t o d o d e l m o n t a g g i o . M i l ã o : A r c h i n t o . 2 0 0 3 , p . 8 8 .
I n t i m a m e n t e c o n t i n u o c r e n d o co m c e r t e z a
q u e
. . . ] n o s s a é p o c a a i n d a p o s s a e n c o n
t r a r
e x pr e s sã o d e t a l
t i p o [ p o s i t i v o ] ,
mas meu
d e s e j o
c o n s i s t e
s o b r e t u d o e m p e r g u n
t a r
s e e m t o d a e s s a
p r o b l e m á t i c a d o p o s i t i v o
e do n e g a t i v o n ã o s e a n i n h a
uma
p s e u -
d o q u e s t ã o , uma s o b r e v a l o r i z a ç ã o a b s t r a t a ,
q u e
p e r d e d e
v i s t a
o c o r a ç ã o
d o
p r o b l e m a
[ d o
c o n h e c i m e n t o ] .
I s t o
é ,
a
v e r d a d e
c o n f o r m e
a
q ua l e ss e
c o n h e c i m e n t o
s ó
p o d e
s e r
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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10 0 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r
Adorno e a
c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
A concepção do autor convergia
com
a proposição
marcu-
siana,
externada contemporaneamente, de que a tecnologia em
s i
mesma
pode
promover
o
autoritarismo
tanto
quanto
a
liberda
de, a e s cas s e z
tanto quanto
a abundância, a ext ensão
tanto quanto
a
supressão
da labuta e deve ser tratada, antes de mais
nada,
como um processo social no qual a t é cni ca
em
s i mesma ( i s t o é ,
os instrumentos
técnicos
da indústria, transporte, comunicação) é
s ó um
fator parcial.
A
pergunta pela influência
ou
efeito
da
tec
nologia
so b r e
o s i ndi ví duo s não se coloca para nó s porque eles
s ão
parte
ou
fator integral
da
tecnologia,
não
só
como
seres
que
inventam
ou se
servem
da maquinaria mas, também,
enquanto
formadore s
de
grupos
sociais
que dirigem
s ua aplicação
e
uso .
Segundo
Adorno,
Kracauer e
Benjamin
praticaram
um
mate
rialismo
abstrato, ao
mesmo
tempo abusivo
e insuficiente,
por
que
não
levavam em conta e s sa
perspectiva.
Para ambos,
o
signi
ficado histórico da
arte
muda de acordo
com o caráter de seus
meios técnicos de produção. As tecnologias de r e pr oduç ão e os
lazeres industriais s ão revolucionários porque seus mecanismos
de produção têm
um
caráter coletivo, ambos s ão forças produti
vas socializadas. O cinema e o rádio dependiam do capital ape
nas no tocante às
relações
de produção. Circunstancialmente es
tavam
sendo
usados com objetivos políticos e económicos rea-
cionários, mas
isso de
modo
algum
afetava o
conteúdo progres
sivo
que
lhes era inerente. A capacidade
de
dominar os elemen
tos
da
realidade
de
acordo
com
no s sa vontade
estava,
segundo
e l e s , contida na própria essência da técnica industrial moderna.
Acreditavam
os autores
que
a fantasmagoria mercantil aca
baria s e ndo desmanchada pelas massas
com
o progresso das téc
nicas
de reprodução.
As
experiências que
essas
proporcionavam
poderiam
constituir um f e r m e n t o revolucionário.
Seguindo Bre-
c h t , viam
com s i mpat i a o s
procedimentos
de
expr e s são coletiva,
onde
havia
pouco
lugar
para
a
expr e s são
subjetiva
individual.
As
multidões
urbanas possuíam
um
potencial político idêntico ao do
a l c a n ç a d o m e d i a n t e uma i n t u i ç ã o e f e t i v a m e n t e m a d u r a [ d a r e a l i d a de ] .
C a r t a
a
Thomas Mann, 1 / 1 2 / 1 9 5 2 , i b i d e m , p . 8 8 - 8 9 .
MARCUSE, H . Some s o c i a l i m p l i c a t i o n s o f modern t e c h n o l o g y , p . 4 1 4 . K r a c a u e r
v e i o a c r i t i c a r
Adorno
a n o s m ai s
t a r d e ,
a c u s a n d o
s e u
e x c e s s iv o f o rm a li sm o ,
s u a i n d i
f e r e n ç a
a o
c o n c r e t o e
a
a r r o g â n c i a
d e s r e s p e i t o s a
p a r a
co m
a s c o n t r a d i ç õ e s i n t e r n a s d e
s u a
p o s i ç ã o
( M a r t i n
J a y :
P e r m a n e n t
e x i l e s ,
o p .
c i t . ,
p .
2 2 6 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o
a d o r n i a n a
10 1
proletariado do século anterior, porque agiam de m ane ir a análo
ga ao s trabalhadores da linha de montagem: ambos os grupos es
tavam
condicionados
para
atuar
de
forma
mecânica,
a
fi m
de
se
pr o t eg e r e m
dos choques provocados pela civilização.12
Como dizia Bloch, as pr o m e s sa s do s anúnci os e da cultura
de consumo costumam
ser
falsas e , em geral, criam falsas neces
sidades,
contudo precisamos considerar que
s eu
poder e onipre-
s ença
revelam a
profundidade das nece s s idade s
que
o
capitalis
mo explora
e
os
desejos
por uma
outra
vida que
permeiam
e s s e
tipo
de
sociedade .13
Destarte,
embora
pudessem
haver
verdadei
ros
holocaustos
maquinísticos,
o
proletariado e as
massas
pode
riam romper
as
formas
míticas
em que
a
técnica e s tav a pr es a
e
transformá-la em chave da felicidade .
A experiência
soviética
e r a ,
para
e s s e s homens, prova de que a
satisfação
estética de
massas
- mistificada artificialmente
pelo
fascismo, continha um
potencial revolucionário.
O
significado imanent e das transformações
nas t ecno lo gias
de comunicação
e
forças produtivas estéticas
era
o desapareci
mento
da distância entre
produção e
recepção da a r t e , entre os
homens e a humanidade. O
capitalismo
fragmentara a experiên
cia
e
as condições de vida. As tecnologias de comunicação e os
lazeres de massa
poderiam
ensejar uma
nova
síntese. Nesse d i a ,
a
sociedade
deixar[ia] de
ser a mesma: a a r t e de massas desapa
receria] e a vida humana mesma assumir[ia] as características
dessa arte folclórica que
se
expr e s sa nas lendas, cara
a
cara com
a verdade (Mass ornament, p . 86).
Segundo
Adorno, o supracitado de s en vo lvi m en t o das forças
produtivas não pode
ser
tomado
dessa
forma,
muito acriticamen-
t e , na medida em que a r elaç ão da técnica com a
ideologia
não é
a r t i f i c i a l , mas socialmente necessária. O
problema
não
está no
mau
us o da técnica, por hipótese artificialmente explorada pelos
monopólios
da
cultura
e
o
aparato
político
t o t a l i t á r i o .
Os
resquí
cios
míticos
que as cercam não
s ão impos to s de
fora
para
dentro
à
técnica, co nt ando -s e ao
invés
entre
as
motivaçõe s
de
s eu pró
prio desenvolvimento . A r epr e s são ideológica do caráter coletivo
das
novas
técnicas pelo s i s t e ma
do
estrelato
e a
criação de novas
1 2
LUNN, E . Marxismo y m o d e r n i s m o ,
p .
2 5 7 .
1 3
KELLNER,
D .
E r n s t
B l o c h ,
u t o p i a
a n d
i d e o l o g y
c r i t i q u e ,
p .
8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 106/296
10 2
F r a n c i s c o
R u d i g e r □ T h e o d o r
A d o r n o e a
c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
mitologias,
por
e x e m plo ,
não s ão s imple s tentativas
de
modelá-
l a s
segundo os
conceitos
putrefatos da cultura
burguesa,
como
queriam
Brecht,
Kracauer
e
Benjamin.
Baseando-se nas
hipóteses
do últ imo s ob re o caráter por as
s i m dizer epidérmico da recepção nas atuais condições
de exis
tência, o pensador elaborou o
e nt e ndi me nt o de que
a leitura su
perficial
e a
assistência distraída s ão em s i mesmas uma defesa
contra as tentativas
de
influenciar por meio da
m ídi a de
que
lan
ça mão
a sociedade c a p i t a l i s t a .
A transformação
do sentido
em
ruído
que
tende
a
se
esboçar
desse
modo
é ,
como
v e r e m o s ,
com
pensada
com
a assimilação mais ou menos mecânica de
certos
esquemas mais
profundos,
uma
espécie de treino,
que
todavia
possui, como esse deixou
de
ver, importantes
implicações
no
processo
de formação do
sujeito
r eque ri do par a a manutenção
da
ordem
mercantil
c a p i t a l i s t a .
Os procedimentos todos s ão
produto da
exploração
técnica
e
comercial
de determinadas
predisposições
que
surgem
entre
as
massas
em virtude
da própria
maneira como
elas
s ão criadas pelo
modo
de produção e
o
s i s t e ma
económico. A
contraposição
entre
fantasmagoria
mítica
e técnica
racional
deve ser pensada d i a l e t i -
camente. A primeira
pode ser explorada
de maneira técnica e a
segunda
pode se
tornar
motivo de crença, na medida
em
que
mais e
mais
o fetichismo da
mercadoria
se expr e s sa como fan
tasmagoria
tecnológica.
Adorno
sublinha
que o problema não reside
na
técnica, não
era ela a
causa da
crise da cultura, conforme
pretendiam
os c r í t i
co s
da
cultura conservadores. O movimento da
indústria
cultural
não deve ser atribuído a nenhuma l e i evolutiva da técnica e n
quanto t a l , mas à sua função na economia atual (Dialética, p .
114).
Entretanto, também não desejavam proceder a uma extrapo
lação do historicamente realizável através da louvação abstrata
do conteúdo democrático
das
novas tecnologias,
professando
o
equívoco dos intelectuais progressistas. O des en v ol v i m en to das
forças
produtivas de v e ria ser problematizado
com atitude
c r í t i c a ,
s o b pena
de,
em não o
fazendo, transformar-se em ideologia,
fa
vorecendo
aqueles que exploram a
indústria
da cultura.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 10 3
A tecnificação
enquanto
t a l pode
s e r v i r
à mais crua reação,
assim
que s e torna f e t i c h e
e ,
em sua [pretendida] p e r f e i ç ã o , proclama
como
realizada
em
s i mesma a
perfeição que f a l t a à
sociedade
(Dissonâncias, p . 6 5 ) .
Para o autor, não
se
t r a t a de
ser
contra ou
a
favor da
técnica,
contra ou a favor da cultura, mas de e nt e nde r s ua dialética:
[O e s p í r i t o
e a
t é c n i c a ] mantêm uma infinidade de relações e , se
po r um lado s e contradizem mutuamente, po r outro tendem a s e a s
s i m i l a r , terminando
por
produzir-se reciprocamente. O desenvol
vimento
da
técnica
a f e t a
o
e s p í r i t o ,
na
mesma
medida
em
que
e s t e
a f e t a a escolha, a direção e
a contenção
do s processos t é c n i c o s .
D e s t a r t e , contrapor inovações técnicas e reformas i n t e l e c t u a i s ,
mudanças
profundas
e
mudanças
s u p e r f i c i a i s , é tão impossível
quanto comparar a s chamadas proposições práticas com a s
propostas
d i t a s utópicas. [ I n c l u s i v e ] em
um
sistema p e t r i f i c a d o e
e s t a c i o n á r i o ,
a
i d é i a mais sensata pode parecer pretensiosa
e
os
bruscos
progressos
da técnica podem
acercar-nos
da mais f a n
t á s t i c a
f a n t a s i a
(Cinema,
p .
1 7 0 ) .
Historicamente, a máquina é
um
fenómeno
ambivalente, co
mo m o s t r a o
próprio
caso das comunicações.
Adorno sabia
que
a
mídia pode ser usada para o bem e o mal. A técnica enquanto
técnica não
é
boa nem má: provavelmente
é
boa ,
ele d i z i a . Os
problemas e
malefícios
à máquina imputados derivam
da manei
ra como é criada, apropriada e desenvolvida pela sociedade.
Estava
claro, para
e l e , que
é bom quando
obras plásticas,
l i
terárias
e musicais s ão tornadas
acessíveis
às massas, e
que bro
churas
esclarecidas
e objetivas, a colaboração do rádio e do c i
nema, a
elaboração dos resultados científicos
para
ensino
nas
es
colas, poderiam ser
medidas
práticas
de
combate ao perigo
da
loucura
t o t a l i t á r i a
( T e mas , p . 182).
Segundo
Adorno, o planejamento das t r ans m i s s õe s de
t e l e v i
s ão
visando
os
pontos
nevrálgicos
das
presentes
condições
de
consciência e o
emprego
criativo de s e us r e cur s os poderiam até
mesmo abrir uma
brecha na
barreira do conformismo .14
1 4
ADORNO. T . Educação e
e m a n c i p a ç ã o [ 1 9 7 1 ] . S ã o
P a u l o : P a z e T e r r a . 1 9 9 5 , p . 9 3 ;
M ú s i c a ,
p .
1 6 4 .
E m p r e g a r o s r e cu r so s d e
c o m u n i c a ç ã o a l t e r n a t i v a m e n t e p o d e r i a
s e r
uma v a c i n a c o n t r a a i d i o t i a q u e provém d e c a d a
f i l m e , d e
c a d a
p r o g r a m a d e t e l e v i
s ã o , d e c a d a r e v i s t a i l u s t r a d a [ e n q u a n t o v e í c u l o s d a i n d ú s t r i a c u l t u r a l ] , p o d e r i a s e r
um
f r a g m e n t o
d e
p r a x i s
t r a n s f o r m a d o r a
d o
i n d i v í d u o
c o n t e m p o r â n e o
( I n d i v i d u o
e
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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10 4
F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Entretanto, o
filósofo não desejava construir uma análise
ba
seada nessas
trivialidades,
aceitáveis
por
qualquer
pe s s oa
de bom
s en s o
e
visão
esclarecida. O
problema
em
foco
não
era
esse.
O
ponto em questão e r a ,
antes,
o fato de o potencial estético e cog
nitivo do rádio, do filme, da t v e out ras mídias t e r sido acorren
tado às fo rm as da
economia política
c a p i t a l i s t a .
O lamento sobre a situação
a t u a l
é t ã o pouco f r u t í f e r o quanto, ao
c o n t r á r i o , dizer
que o aspecto f i l o l ó g i c o - h i s t ó r i c o proíbe sua
s a l
vação
atualmente. O reajuste
aproximativo
é a única forma de
questionamento
possível
e x i s t e n t e
h o j e :
o que
s e r á
do s
homens
e
de sua
percepção
e s t é t i c a pelo f a t o de estarem submetidos à s co n
dições do capitalismo monopolista ? 1 5
Conforme sabemos hoje, Horkheimer e Adorno chegaram a
discutir os aspectos positivos da cultura de massa nas e x t e n
sas s e çõ e s
que
ficaram
de fora
do texto de s ua
obra maior,
Dia-
lética
do Iluminismo. Pode-se l e r nestes trechos que, para e l e s , o
engajamento
polí tico e
ação
social
s ão
algo
deve
ser
buscado
com todas as for ças , sempre que não implique na traição da ver
dade.16
Assumindo
o
risco de
parecerem negativistas, o
pensador
em
foco neste estudo chegou, por é m , à conclusão de que a confi
ança no homem não se demonstra acrescentando um parágrafo
positivo
àqueles onde se
mostraram
os momentos s o m b r i o s do
progresso mas, antes, usando suas eventuai s idéias para proceder
à
análise
c r í t i c a
da
modernidade.17
O
pensamento c r í t i c o
não de ve t e r função de consolo, elabo
rando de m ane ir a equilibrada as características emancipatórias e
criadoras com
as
características
r epr es s iv as e destrutivas da
civi
lização. O reconhecimento
da
revolução que, por ex empl o,
o
dis
co t rouxe para os ouvintes que des ejam escutar e ,
mesmo,
estu-
o r g a n i z z a z i o n e .
I n :
L a
s o c i e t á
d e g li i n di vi d ui
v .
9
[ 3 ]
2 0 0 0 ) .
Nos
1 9 6 0 .
Adorno
c o l a
b o r o u com a i m p r e n s a
e s p e c i a l i z a d a
e p r o d u z i u uma s é r i e
d e
p r o g r a m a s d e r á d i o s o
b r e
m ú s i c a , c h e g a n d o mesmo
a a t u a r
como d i s c - j o c k e y
( S c h õ n e
S t e l l e n , R a d i o E s
t a t a l d e H e s s e , 1 9 6 5 ) .
C a r t a
d e
Adorno a B e n j a m i n , 0 1 / 0 2 / 1 9 3 9
( C o r r e s p o n d ê n c i a ,
p . 2 9 4 ) .
1 6
Le o L o w e n t h a l , c o l a b o r a d o r d o t r a b a l h o , e s c r e v e u n e s s a
é p o c a
q u e d i v e r s a s
e x p r e s
s õ e s d o fenómeno
r e p r e s e n t a m
u t o p i a s d i s t o r c i d a s d o
c o n c e i t o
d e h ome m p a r a o
q u a l
n o s p o s i c i o n a m o s d e m a ne i r a a f i r m a t i v a , p o r q u e r e c o n h e c e m i m p o r t â n c i a
i n c o n d i c i o
n a l a o i n d i v í d u o
e x i s t e n t e ,
v i v o e
r e a l ,
à d i g n i d a d e e à f e l i c i d a d e ( a p u d
M a r t i n
J a y :
D i a l e c t i c a l i m a g i n a t i o n , p . 2 1 3 ) .
WIGGERSHAUS,
R .
T h e
F r a n k f u r t S c h o o l ,
p .
3 2 1 - 3 2 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o
a d o r n i a n a
10 5
dar
música quando
bem
entenderem
não
precisa ser alardeado: é
evidente.
As comunicações todo-poderosas já
têm
defensores
mais
do que
suficientes
para
apregoarem
s ua
contribuição
ao
es
clarecimento, carecendo, isso
sim, de uma consciência c r í t i c a
de
seus próprios limites como momento através
do
qual a sociedade
se reproduz e perpetua via a forma da mercadoria.
Benjamim re spondeu
às c r í t i c a s
de
Adorno afirmando que as
divergências entre ambos
eram
apenas aparentes.
Segundo e l e ,
enquanto um t e r i a visto o momento negativo, o outro preferira
deter-se
no
aspecto
positivo
de
algo
que,
visto
bem,
era
um
mesmo processo. Dizendo em
t e r m o s
muito gerais,
parece-me
que nossas
investigações,
como se
f o s s e m dois focos de l u z ,
d i -
rigem-se a um mesmo objeto
a
p a r t i r de do is lado s opostos, dan
do
a
conhecer o p e r f i l e a dimensão da
arte
atual
de
uma maneira
totalmente inovadora .18
Para e l e , os pontos fortes de um eram
os
fracos do
outro
e se
ambos l e va s s e m em conta s ua soma chegar-se-ia a uma visão
mais plástica
da
h i s t ó r i a , poder-se-ía
concretizar
a mediação dia-
l é t i c a
entre
as
duas visões,
a cuja
indicação recomendar-se-ia em
especial
a película
s o n o ra h oll y w o odiana.
O
entendimento, toda
v i a , é só parcialmente correto, porque embora s eu interlocutor
pudesse aceitá-la isso não livrava de prejuízo
a
hipótese que de
fendia, ou s e j a : a hipótese
do
conteúdo democrático
e
em s i
mesmo progressista das tecnologias
de
reprodução.
Para Adorno, o caráter coletivo do qual as forças
produtivas
se
r e v e s t e m
em
no s s o
tempo não pode ser considerado fora do
contexto
das relações
sociais
de
produção e
troca que
se
consoli
dam através da forma mercadoria. Baseado nisso é que duvidava
que a reprodução técnica de fato [pudesse dar] à pe ss oa o a pri
ori
do filme ,
i s t o
é :
pudesse fornecer
uma apropriação
c r í t i c a
das
suas condições de existência - conforme reclamava
Benja-
1 8 C o n f i r a a c o rr e s p o n d ê n c i a d e
3 0 / 0 6 / 1 9 3 6
e d e
0 9 / 1 2 ; 1 9 3 8 ( C o r r e s p o n d ê n c i a ,
p . 1 4 9 e
2 8 9 ) .
1 9 ADORNO, T . S o b r e W a l t e r B e n j a m i n . M a d r i : C at e dr a , 1 9 9 5, p . 1 4 3 . S a b i n e W i l k e
d e f e n d e o p o n t o d e v i s t a d e B e n j a m i n e m T o r n h a l v e s o f a n i n t e g r a l f r e e d o m : Ador
no^ a n d B e n j a m i n ' s
r e a d i n g s o f m a s s
c u l t u r e .
I n : R o b e r t R o b li n
e d i t o r ) : T h e
A e s -
t h e t i c s
o f
t h e
c r i t i c a i
t h e o r i s t s .
L c w i n s t o n ( N Y ) :
Edwin
M e l l e n ,
1 9 9 0 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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10 6 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Segundo Adorno, a antítese entre o b ra de arte artesanal e
obra
de
arte
tecnológica
de
que
s eu
colega
e
amigo
se valia
de s
cuida
de s ua d i a l é t i c a . O principal defeito de s ua grandiosa
teo
r i a da reprodução
é
que
as
suas categorias bipolares não permi
tem
distinguir entre
a
concepção
de
uma arte desideologizada
até
ao
s eu estrato
fundamental
e
o abuso da
racionalidade
estética
para
a exploração e a
dominação das
massas:
[nele]
a
alternativa
s ó dificilmente
é aflorada
(Estética,
p . 71-72).
Benjamin
não
t r a t o u
de
quão
profundamente
v á r i a s
de
suas
catego
r i a s
postuladas
para o cinema - valor de exposição, t e s t e -
estão
comprometidas
com
o c a r á t e r de mercadoria, contra
o
qual sua t e o
r i a
não
obstante
s e v o l t a (Sociologia, p .
1 0 4 ) .
Entendia Adorno que
o
declínio da
aura das obras de arte
não significa
a erradicação dessa
aura do
palco da
sociedade. Os
contrários
podem se trocar
no
curso da h i s t ó r i a .
A
obra
arte
mo
derna
é
que
se
desestetiza,
à
medida
que
os
produtos
da
indústria
cultural vão se revestindo da aura que pertenceu às
obras
artesa
nais do passado.
O
conceito de obra aurática
é
devedor - embora
não totalmente
-
do fetichismo do qual se reveste
a obra
de arte
na
era burguesa. O
sucedâneo dessa aura na sociedade
atual é
o
fetichismo da mercadoria cultural tecnológica.
Replicando
a
Benjamin,
o pensador escreve
que
o valor
de
exposição,
que a í
[na
modernidade
avançada]
deve
substituir
o
valor cultural
aurático, [visto mais de perto] é
uma
imago
do
processo
de troca
(Estética, p .
59).
A capacidade de
fazer
expe
riências que
se
perde com
a desintegração
das
tradições,
s e u pré-
requisito, historicamente não deu lugar à reapropriação da vida
s o c i a l , mas
à
pse udocultura mer cadológica.
O fenómeno da aura d e s c r i t o
po r
Benjamin com uma negação
nos
t á l g i c a
perverteu-se
onde
e l e
s e
a p l i c a e
deste
modo
simula;
onde
produtos, que após a produção e a reprodução s e opõem ao h i c e t
nunc, s e baseiam na
aparência
de um t a l h i c e t nunc, como é o
caso
do
filme comercial (idem,
p . 5 9 ) .
A oposição entre as categorias de valor de troca e valor de
culto precisa ser entendida de mane ira
dialética, na
medida em
que
a
relação entre as esferas
antagónicas
da
arte
séria e da
arte
média
deve
ser
pensada
incessantemente
como
mediação
de
uma
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 10 7
pela outra. At ualm e nt e , o valor
de culto
das obras
de
a r t e ,
que
parece
t e r
se perdido, na
verdade
reaparece
no culto
pr ofano do s
be ns de
consumo.
O
conceito
de
aura
tornou-se
um
molho
uni
forme, que
a
indústria
cultural
deita ao mesmo
tempo
nos
seus
produtos e no s estímulos sensoriais individuais (idem, p . 3 4 2 ) .
Em contrapartida, as capacidades redentoras do cotidiano,
que estavam associadas
à
aura
das
obras
artesanais, passaram a
fazer
parte da
experiência
que
os homens têm
com
a
nova a r t e ,
na medida em que ela re cus a a aura que passou a fazer parte do
comércio
cotidiano.
Quanto
mais a todo-poderosa i n d ú s t r i a c u l t u r a l invoca o princípio
esclarecedor e
o corrompe numa manipulação do humano,
a fim
de
fazer prolongar
o obscuro, tanto mais a
a r t e opõe, ao onipotente
e s t i l o a t u a l
das
luzes de néon, configurações dessa obscuridade
que s e quer eliminar
e
serve para esclarecer
s omen t e
enquanto
convence conscientemente o
mundo,
t ã o luminoso
na aparência, de
suas
próprias t r e v a s . 2 0
Segundo
Kracauer
e Benjamin, o esclarecimento
não se
de s
viou de s ua rota ao ensejar o aparecimento
da
cultura
de
massa,
por
mais que
se po s sa
t e r
nostalgia do
passado.
O processo
[ h i s
tórico]
conduz diretamente ao
centro
do
ornamento de
massas, e
não para fora dele . A cultura burguesa tentou oferecer um suce
dâneo
das
velhas
imagens do mundo,
mas pouco
a
pouco todos
eles
foram
se
tornando
i r r e a i s , em
função
do
caráter
cada
v e z
mais racional
das suas condições
de
existência ( c f .
Mass
orna-
m ent, p . 86).
D i v e r sa m en t e ,
Adorno
distinguiu de
maneira
dialética entre
modernidade e modernismo, época e atitude, considerando a pre
tensão
de
esgotar a
primeira na
segunda um caminho para a bar
bárie. Para e l e , e s s e não era um meio de superar o caráter afirma
tivo
da
cultura
e
suas
ligações
com
a
dominação.
Enquanto
seus
interlocutores viram nos lazeres urbanos uma maneira
de
conter
o de s en vo lvi m en t o
das
técnicas de reprodução, o pensador
visua
lizou no
racionalismo
técnico moderno uma forma de retorno à
mitologia.
Através
dele,
os
impulsos arcaicos não
s ão recalcados
mas, antes, liberados pelas mesmas forças que durante tanto
: o
ADORNO,
T . F i l o s o f i a
d a n o v a
m ú s i c a .
S ã o
P a u l o :
P e r s p e c t i v a ,
1 9 7 4 ,
p .
2 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 112/296
10 8 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
tempo os reprimiram para, a p a r t i r de então, fazê-las servir-lhes
política e economicamente.
Como
Ernst
Bloch,
Adorno
viu
que
a
consciência
cotidiana
no capitalismo é atravessada por
e l e m e n t o s
arcaicos
pré-
industriais que, se bem contêm
desejos,
anseios e fantasias cujo
potencial pode transcender a estrutura social vigente, por outro
lado possuem uma dinâmica que, conforme perceberam acerta
damente
os
críticos culturais reacionários, não
s ó é acionada
pela
técnica moderna como pode ser utilizada com finalidades con
servadoras
e
antiiluministas.21
A concordância com
a
idéia blochiana de que
as pr o m e s sa s
não cumpridas do passado e
as
fontes de consciência não apro
veitadas do presente impedem toda negação absoluta da utopia
do futuro 22 precisa ser acompanhada, po r é m , da ressalva de que
a esperança ou sonho de uma v ida m e lh or , a cuja
pesquisa
o f i l ó
sofo em questão dedicou s ua carreira de
pensador,
não
ocupa
sempre
a
mesma
posição
na
subjetividade.
Para Adorno,
as
possibilidades utópicas
ainda
não realizadas
contidas nas var i edade s
de
arte leve
que
aquele analisou
não
po
dem
ser
estendidas sem
ressalvas à
prática da indústria cultural,
como, mais mal do que bem, não passou de s p e rce b i do ao próprio
Bloch.
Kits ch
é a s e n ha com
que
este se refere ao s fenómenos
que ele procurou conceituar e entender com s ua c r í t i c a a e s sa
prática.
Em O Principio da Esperança, desse autor, a contestação
política e estética
está
tão presente
quanto
o elogio
da
fantasia
cotidiana e popular. Enquanto Hollywood - e scr eveu s eu autor -
é responsável
pela transformação da
fábrica
de
s o nho s
em
fábri
ca de v en eno , expulsando do s filmes os
impulsos
críticos
que
eles tiveram no princípio, a
música popular da
e ra do rádio
não
passa do us o do kitsch como estupefaciente ideológico, cuj o o b-
jetivo
último
é
formar
uma
legião
de
seguidores
do
capitalismo
monopolis ta
( v .
I ,
p . 4 0 9 - 4 1 1 ) .
No
entendimento do
filósofo da
esperança,
a totalidade
existente, o todo em l a t i t u d e ,
é
irredutível ao modo de
produção,
2 1
C f . OSWALD
SPENGLER:
O homem e
a
t é c n i c a .
P o r t o A l e g r e : G l o b o ,
1 9 4 2 .
J e f f r e y
H e r f :
O
modernismo
r e a c i o n á r i o . S ã o P a u l o :
E ns ai o, 1 9 9 3.
BRONNER,
S .
Da
t e o r i a
c r í t i c a
e
s e u s
t e ó r i c o s .
C a m p i n a s :
P a p i r u s ,
1 9 9 7 ,
p .
89 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o adomiana 10 9
enquanto conjunto de relações e funções
homólogas
possuidor
de
um centro de gravidade, [ . . . p o r q u e . . . ] ainda contém umas i n t u i
ções
explosivas
do
futuro,
traços
que
fi gur am o
ainda
não
r e a l i
zado e minam as tendências do m inan t e s na atualidade .23
Adorno nota, contudo,
que
e s s e poder é relativo: as proje-
ções
utópicas podem
ser não apenas aprisionadas mas reificadas,
ao passarem a depender das formas mercantis e burocráticas de
controle
e
exploração.
As condições para o
aparecimento
dos r e
feridos
traços não
s ão constantes,
variando de acordo com
a
épo
ca
histórica. A
capacidade
que
o
cinema
como
técnica
nos
dá
de
visualizar o movimento social, de redimir a realidade concreta e
estimular
no s so s s o n ho s
utópicos,
por
exemplo,
não pode ser se
parada do s e u contexto social de inserção e , no l i m i t e , da possi
bilidade
desses s o nh os pas s ar e m a
coincidir
com as
utopias
do
c a p i t a l .
Ernst
Bloch
não logrou
estabelecer
de maneira
legítima os
limites
de
validade
de
s eu
conceito
de
utopia,
pois
não
é claro
em
seus
textos,
ou então é ó b v i o
na
h i s t ó r i a , que os conteúdos utópi
co s predominam nos momentos de efervescência revolucionária,
e
os ideológicos nos momentos de
declínio
da
ordem social do
minante.
Aparent ement e, o filósofo empregou e s s e
esquema de
filosofia da história como
fachada
legitimadora das motivaçõe s
pouco
legítimas que
o levaram a
defender
o realismo socialista
como
utópico,
e a cultura de massa
ocidental
como
ideológica
em seus escritos do período intermediário.
Em
virtude
desse problema, a consideração do e l e m e n t o ut ó
pico presente em s eu pensamento tende a assumir um caráter
abstrato,
s enão
idealista (Literatura
I I , p .
2 0 5 ) ,
s e melhante
àque
l a avaliação puramente formal da tecnologia que os frankfurtia-
nos
tanto criticaram.
A positividade da
existência é ,
por
um lado,
reduzida à esperança e projetada para um futuro distante, e n
quanto,
de
outro, torna-se passível
de
associação
com todo
o
tipo
de pesadelo histórico.
Segundo Adorno, a
perspectiva precisa
ser
matizada
da
mesma
forma
como
se deve matizar a questão dos
aparatos téc
nicos. A modernidade é portadora de contradições que devem ser
superadas,
mas
isso não quer dizer s ua abolição,
na
medida em
2 3
JAY, M.
Marxism and
t o t a l i t y ,
p .
1 8 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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110 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
que, no s eu modo ver, o conceito de cultura, se é para ser con
servado no
pensamento,
o
dev e
criticamente.
O
pensador
tam
bém
era
da
opinião
de
que,
hoje
em
d i a ,
é sem
sentido
procurar
atingir uma forma superior
de
vida fora do mundo tecnológico.
No entanto, opunha-se
à
idéia de que devemos
pura e simples
mente aceitá-lo como fato consumado,
sem empreender uma
c r í
t i c a radical e constante
de
s eu processo
de
posição. A cultura não
deve
ser negada de m ane ir a abstrata pela técnica nem pela utopia
mas, sim, examinada sem ingenuidade, de acordo com
s ua
situa
ç ão
histórica
concreta,
tendo
em
vista
-
antes
de
mais nada
-
os
eventuais prejuízos que impõem ao sujeito vivo existente.
A seguinte passagem, embora extensa, merece ser citada por
i n t e i r o , considerando
o
quanto
esclarece a
perspectiva adorniana:
A a n á l i s e c r í t i c a da i n d ú s t r i a da cultura não implica uma celebra
ção
romântica do
passado.
[ . . . ] As possibilidades
que os
d i s p o s i t i
vos técnicos
podem
oferecer à
a r t e no futuro
são
imprevisíveis,
e
a t é
no
filme
mais
detestável
há
momentos
em
que
e s t a s p o s s i b i l i
dades irrompem de forma p a t e n t e . [ . . . ] Entretanto, o mesmo p r i n
cípio que de u
vida à s
r e f e r i d a s
possibilidades a s mantêm
s u j e i t a s
ao mundo do big bussiness. [Por i s s o ] , a a n á l i s e da cultura de mas
s a deve
t e r como objetivo
mostrar a conexão existente entre o
po
t e n c i a l e s t é t i c o da
a r t e
de
massas em uma
sociedade l i v r e e seu ca-
r á t e r
ideológico
na sociedade a t u a l (Cinema, p . 1 5 ) .
Resumidamente,
significa
que, teoricamente,
os
fenómenos
de
indústria cultural não deveriam ser motivo de
entusiasmo,
mas matéria de análise c r í t i c a , orientada de acordo com a idéia
de uma
totalidade
não integradora, nem abstraída da
experiência
pessoal, supostamente a única capaz de permitir o desenvolvi
mento
da subjetividade ao
mesmo
tempo que
a
interação humana
externa e individualizada.24
3 . 2
Cultura
e
barbárie
tecnológica
Vista em esquema, a ci vi li zaç ão é um processo histórico-
universal
que se
opõe à selvageria e cujo
sentido
valorativo ima-
2 4
LUNN,
E .
Marxismo
y
m o d e r n i s m o ,
p .
1 3 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a
c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a
111
nente,
diferente conforme o estágio,
é l i v r a r
os homens dos pode
res
naturais
e
permitir
a
s ua realização
como seres
humanos.
Modernamente,
e s s e
desígnio
secreto
da
atividade
social
se
con
verte no
projeto
mais ou menos consciente de desencantar o
mundo, investindo os
homens
na
condição
de sujeitos.
O conhe
ci m en t o cie nt ífico e a práxis mate rial passam
a
ser entendidos
como
fundamento de um
movimento
emancipatório que deve l e
var à pacificação
da e xi st ê ncia e
à
conquista da
autodetermina
ção.
Segundo
Adorno
e
H o r k h e i m e r ,
o
entendimento
da
indústria
cultural em s eu sentido
e
valor deve
ser
situado nes s e
processo
-
cuj o cur s o eles e x ig e m ,
po r é m ,
que vejamos com
suspeita,
assu-
mindo-se
uma
atitude c r í t i c a , de
maneira
dialética, como uma
marcha que
r eno va ao mesmo tempo
a
dominação
e a
perspecti
va de
s eu
abrandamento (Dialética, p . 50). A modernidade
nos
promete o progresso geral da humanidade.
A experiência
históri
ca
mostra,
no
entanto,
que
o
esclarecimento
também
engendra
o
s eu
contrário:
o
controle
repressivo da natureza
e a reificação
dos
seres humanos. A civilização
tem
como meta nos
trazer a
paz
e a
auto-realização;
contudo, também pode culminar com o advento
de uma barbárie tecnológica.
O capitalismo e a
tecnologia
moderna
promoveram uma
formidável
melhoria
nas
condições de
existência de
um
número
cada
v e z
maior de pessoas, mas
ao
mesmo tempo as submetem a
um modo
de vida
cada
v e z
mais complexo, anónimo e mecânico.
A racionalização atua com irracionalidade, e isso não passa de s
percebido. As promessas que a cultura moderna fez não se r e a l i
zaram
conforme o
prometido.
As
relações sociais e as
exigências
f e i t a s pela civilização maquinística pesam s obre
o
indivíduo de
maneira cada vez mais urgente e
incontrolável, fazendo-se
acompanhar de uma regressão cultural igualmente progressiva
( T e mas ,
p . 40-41).
Para Adorno, quem se dedicasse a situar o s i s t e ma da indús
t r i a cultural
nas
grandes
perspectivas
da
história
universal, t e r i a
que defini-lo como
a
exploração planificada
da
ruptura
primordi
a l entre os homens e s ua cultura (Minima Moralia, p . 129).
O
capitalismo
-
que mantém
a
divisão entre espontaneidade e t r a
balho e ,
ao
mesmo
t e mpo,
nutre o sonho
de fazê-los
coincidir - é
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 116/296
112 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
o estágio f i n a l de um processo milenar, através do qual
a divisão
do trabalho inscreveu
e s sa
divisão na subjetividade.
O
comportamento
estético e
a
ação
instrumental
para os
quais
e s sa
distinção
r e m e t e
em
sentido mais amplo não s ão fa
culdades separáveis
de
forma
absoluta.
As categorias
mantêm-se
ligadas em cada
ser
humano, mesmo quando s ã o fo rçadas
a
atuar
de mane ira
mais
estanque pela sociedade .
O re sultado dis s o
é ,
po r é m , o engendramento de uma série de mutilações, que o ho
mem arrasta consigo
como
espécie de herança geracional. A i n
dústria
cultural
é a
tentativa
frustrada
de
reparar
os
prejuízos
ad
vindos desse processo de
separação,
que p e sa s obre
a
v ida das
massas desde
os
tempos arcaicos.
Conforme
explica
o pensador, a civilização é produzida, ao
mesmo t e mpo, pelo trabalho e
pelo
cultivo plástico e
criador de
no s sa
humanidade,
coincidindo
com o nos s o esforço
de
domínio
externo
e
interno da natureza informe (selvageria).
Nesse
senti
do,
apresenta-se
como
uma
disciplina
dos corpos
(de
s i
e
dos
ou
t r o s ) e um projeto de formação do e s p í r i t o , como atividade ins
trumental e expressão
do
que podemos chamar de princípio ut ó
pico.
O trabalho é
o
veículo histórico da primeira: através dele,
o
homem se torna sujeito ( no
sentido
de
ser que
está preso
em
s i
e
a outro).
A formação
(cultural)
é , ao
contrário,
o
meio
do
segun
do: veicula o
anseio
humano de negar a reificação
( externa e
in
terna),
expressar
criativamente
s ua
subjetividade. O trabalho e a
cultura adquirem
consciência
de
s i no
momento
em que os ho
mens
começam
a
reagir ao que lh e s oa como sendo
a
barbárie e a
selvageria.25
O
contraponto
entre as
categorias
- note-se - não é ab so lut o,
porque
a
formação do sujeito
pela
cultura
é mediada
por uma
disciplina,
e a
cultura, por
mais distante que esteja
das tarefas ob-
jetivas, de m ane ir a nenhuma se
ausenta
da realização do trabalho
(Indústria, p . 112). A verdadeira cultura não se exaure no puro e
simples domínio dos i mpuls os naturais, procurando antes os
meios de conciliá-los com
a
vida, mas ao mesmo tempo não pode
HORKHEIMER, M.
ADORNO, T .
/
S e m i n a r i d e l i a S c u o l a
d i
F r a n c o f o r t e ,
p .
1 8 0 .
A
c u l t u r a
[ é ] a t e n t a t i v a
d e domar
o
p r i n c í p i o
b á r b a r o d a f o r ç a
c o r p o r a l
como v i o
l ê n c i a
i m e d i a t a (Max
H o r k h e i m e r : E c l i p s e d a
r a z ã o , p . 1 6 1 ) . A
p e r s p e c t i v a
d e e n
t e n d i m e n t o e m f o c o , o b s e r v e - s e , é
b a s t a n t e d e v e d o r a d a s i d e i a s s o b r e
a m a t é r i a
e x t e r
n a d a s
p o r
K a n t .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 117/296
P e r s p e c t i v a s
d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a
113
ser separada do controle racional
dess e s
mesmos impulsos, que
está
na
base da
ação instrumental.
Na
Escola
de
Frankfurt,
constata-se
de
todo
jeito
que,
e n
quanto momento do processo civilizatório, a cultura não designa
apenas o co nj unt o de saberes,
ciências
e a r t e s , de técnicas e re
cursos
materiais
criados
pelo homem, re fe rindo-s e ant es à rela
ç ão viva
de
todos
e s s e s e l e m e n t o s
com
a praxi s formativa
do
i n
divíduo.
A cultura exige alguma consciência reflexiva.
Também
para seus membros valia a idéia de Simmel de acordo com a
qual
a
categoria
compreende
a criação
de be ns
simbólicos
tanto
quan
to o cultivo de s i mesmo por
s eu intermédio
e , portanto, o
ho
mem
não está cultivado
enquanto estes bens
objetivos de
tipo
es
p i r i t u a l , ou
externo,
não passem
a
formar parte de sua personali
dade, de t a l modo que
lh e permitam
progredir num sentido supe
rior
à medida possível por s ua [simples] natureza .
D i v e r sa m e n t e em relação ao pensador, no entanto, o conceito
tem um sentido crítico para Adorno. O processo
civilizatório
r e
freia
a
barbárie
e
engendra
a perspectiva
de um bem
viver
que
se
perpetua através da cultura
-
mas e s sa também é um meio em
que
se conserva
a dominação da natureza
e
da
sociedade.
A cate
goria não pode ser entendida sem relação de dependência com a
estrutura social de s ua época e , no entanto, tampouco pode
ser
concebida
sem o momento em que
a
ultrapassa. A cultura e n
quanto
algo
que vai além do s i s t e ma de sobrevivência da espécie
contém um irrevogável impulso crítico contra
o status quo
e
to
das
as suas instituições
(Indústria, p .
100).27
A proposição significa,
por
um lado, que e s sa esfera escapa à
condição de
simples
meio de s u b m i s s ã o
e
domínio
da natureza,
sendo vista antes como
a maneira
de o homem
mantê-la
viva
dentro
de
s i
e ,
assim, reconciliar-se
livremente consigo
mesmo.
A
cultura
r e m e t e ao
mundo estético
do s sons
e
das
imagens,
às
figuras
que
os
homens
põem
entre
eles
e a
realidade,
à
capacida
de de fantasiar e , assim, transcender o estado
de
coisas existente.
O comportamento
e st ét ico é [em e s sê ncia] a
capacidade
de
per-
* SIMMEL, G . E t i n d i v i d u o y l a l i b e r i a d .
B a r c e l o n a :
P e n í n s u l a , 1 9 8 6 ,
p .
1 3 0 .
: 7 Segundo n o s s o modo
d e
v e r , a
h i p ó t e s e d e
q u e a E s c o l a
d e
F r a n k f u r t n ã o
d i s p õ e
d e
uma t e o r i a
d a
c u l t u r a ,
l e v a n t a d a
p o r
F r e d r i c
J a m e s o n , n ã o t e m
a b s o l u t a m e n t e
nenhum
f u n d a m e n t o
( L a t e
m a r x i s m :
A d o r n o ,
p .
1 0 6 - 1 0 8 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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114 F r a n c i s c o R í i d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
ceber nas
coisas mais do que elas
são; o olhar s o b o
qual o que é
se transforma em imagem
(Estética, p .
363).28
Conforme
ele
o b s e r v a
em
relação
às
a r t e s ,
em
particular,
todas elas
se caracterizam po r se
destacarem da realidade empí
r i c a , todas tendem
a
formar um
universo
que se opõe qualitati
vamente a e s sa última: através da evolução histórica, as artes se-
cularizam o universo mágico
e
sagrado .29
No entanto, pr e ci s am os , po r isso mesmo, conservar em vista
também s e u sentido
afirmativo:
significa, então, um e l e m e n t o
que
auxilia
a
manter
as
relações
de
domínio,
na
medida
em
que,
a de spe it o dos
efeitos positivos,
verifica-se
que
os progressos
n e s s e
campo sempre
i mpli car am na afirmação
dessas
mesmas
relações
no
âmbito
da
sociedade.
O significado
s o c i a l
mais
importante da
cultura
afirmativa [ e m
ge
r a l ] provém da
contradição que e x i s t e entre
a fugacidade sem pra
zer de uma existência i ns a t i s fa t ó r i a e a necessidade de s a t i s f a ç õ e s
que t or ne m
essa
existência
suportável
[para
os
i n d i v í d u o s ] . 3 0
Durante
milênios, a
formação
e a
cultura
foram
obtidas por
uma minoria às custas do trabalho
das
massas. O tratamento de s i
mesmo como uma
o bra de arte
era privilégio de
uns
poucos
indi
víduos.
Populações
inteiras
foram
escravizadas ou
mantidas na
barbárie para que se pudesse t e r progresso e s p i r i t u a l .
A
coletivi-
dade
f o i privada
da devida formação, para que uns poucos a t i
v e s s e m .
Os
indivíduos,
em
s ua
maioria,
tiveram
suas
vidas
muti
ladas, para que se pudesse avançar na h i s t ó r i a .
Em
algumas
fases
h i s t ó r i c a s
da a g r i c u l t u r a
e
da economia
mercan
t i l simples, a
produção não
esteve
radicalmente
submetida ao valor
de t r o c a , estava mais próxima
do s
trabalhadores, e a s relações en
t r e e s t e s não eram de
todo c o i s i f i c a d a s . . .
mas provavelmente [ e s s a s
As
a t i v i d a d e s
a r t í s t i c a s
s ã o
uma
d a s f o r m a s a t r a v é s d a s q u a i s s e d á a
r a c i o n a l i z a ç ã o
d a s i m a g e n s
( t é c n i c a
a r t í s t i c a ) .
As
p r á t i c a s
e d u c a t i v a s possuem
i g u a l s e n t i d o e t a m
bé m m e r e c e r a m a t e n ç ã o
p o r p a r t e d e A d o r n o .
O p a p e l
d a p r a x i s p o l í t i c a n e s se p ro c e s
s o
r e a l m e n t e
s ó f o i
e x p l i c i t a d o
p o r
H a b e r m a s .
2 9
ADORNO, T . L ' a r t e t
l e s
a r t s . I n : L ' a r t
d a n s
l a s o c i e t é d ' a u j o u r d ' h u i .
B o u d r y -
N e u c h a t e l :
B a c o n n i è r e , 1 9 6 7 , p .
5 2 .
3 0 MARCUSE, H . R é f l e x i o n s u r l e c a r a c t è r e a f f i r m a t i v e
d e
l a c u l t u r e . I n :
C u l t u r e
e t
s o c i e t é .
P a r i s :
M in ui t, 1 9 70 ,
p .
1 3 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 119/296
P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 1 15
épocas] infligiram aos que viviam nelas mais brutalidades do que
a s ocorridas em grandes períodos do c a p i t a l i s m o . 3 1
A
separação
entre
o
u t i l i t á r i o
e
o
prazeroso,
o
necessário
e
o
supérfluo,
o
trabalho e a cultura, promovida de todo
modo
pela
civilização,
todavia, ingressou numa nova etapa com o advento
do s tempos m ode r no s .
A sociedade burguesa e s t endeu a todos os homens
o
direito
de t e r e m uma formação, cultivarem s eu modo de ser e serem fe
l i z e s como indivíduos. O sentido do t e r m o formação se huma
nizou
e
adquiriu
s ua
própria
autonomia,
perdendo o
caráter
es-
tamental
e o fundamento
supramundano.
A escola
tomou para s i
a tarefa de
aprimorá-la,
tornando-se complemento
da m i s s ã o
formativa
que de imediato
assumiu a família. A cultura passou,
então,
a coincidir
mais
e mais
com
o
cultivo privado
do espírito,
um
conjunto de práticas
sociais
destinado a desenvolv er
o
indi
víduo, não obstante o crescente
e n v o lvi m en t o desse
indivíduo
com
um
mundo
cada
v e z
mais
materialista.
Convém
no t ar que ,
por um
lado, isso f o i
um avanço, porque
assim a idéia de cultura atingiu consciência de s i mesma. Nou
tros termos, consagrou-se o princípio de
que
cada indivíduo deve
ser formado por
s i
mesmo e livremente. No
entanto, o
ocorrido
também
implicou em
um
atraso porque, até certo ponto,
l e g i t i
mou
a v e l ha s e paraç ã o
entre
cultura e trabalho. A privação física
e a
servidão
exterior
foram
postas
à
sombra
da
b ele za
da
alma
e
da liberdade
e s p i r i t u a l . Na espiritualização
da
cultura que
ocor
reu dessa
maneira
[portanto] está virtualmente confirmada s ua
impotência e a
entrega da
vida real dos homens a relações mate
r i a i s que e x i s t e m e
mudam
cegamente (Pseudocultura, p . 2 3 5 ) .
O processo
que
emancipou a idéia de formação
separou-a
das demais esferas da vida social e condicionou s eu acesso ao
consumo de mercadorias, conferindo à
cultura
burguesa s eu cará
t e r
de
ideologia.
A
proclamação
do direito
ao cultivo individual
não modificou o modo de vida da maioria da
população.
A r e
produção das suas condições
materiais de existência
não
f o i
t o
cada pela
cultura e continuou ocorrendo na
mais
completa
barbá-
ADORNO,
T .
Im
i d e o l o g i a
como
l e n g u a j e .
M a d r i : T a u r u s ,
1 9 7 1 ,
p .
8 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 120/296
116 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e
a c r i t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
r i e ,
se
comparada
com
aquela lograda,
com crescente
refinamen
t o , pelas camadas dominantes.
No
século
XVIII,
o
conceito
de
cultura
popular
m o v ia- s e
no
sentido de
uma
emancipação das tradições
semifeudais
e absolu
t i s t a s , possuía um
sentido
progressista,
que sublinhava
a auto
nomia do indivíduo como ser
capaz
de tomar suas
próprias
deci
sõ e s e , por
i s s o , as
fronteiras entre suas e xpre s sõe s e
as da arte
séria eram mais fluídas
do
que
se tornaram no século
XIX (In
dústria, p . 15 2 e 140). Depois, e s sa abertura começou a ser cana
lizada.
Os
vigorosos
progressos
verificados
nesses
campos
pas
saram a beneficiar ape nas o público burguês, chegando mesmo a
se t ornarem uma forma de legitimar o mando de s ua classe
sobre
a
sociedade.
Os proprietários do s meios
de
produção
continuaram possuindo
o
monopólio da
formação
c u l t u r a l inclusive
na s ocie dade formal
mente i g u a l i t á r i a : a desumanização causada pelo processo capita
l i s t a
de
produção
denegou
aos
trabalhadores
os
supostos
necessá
r i o s
para
s e
educarem,
a começar pelo ócio (Pseudocultura, p .
240).
A expansão das forças produtivas promoveu
uma
mudança
nes s e panorama, permitindo
uma sensível
elevação
no
padr ão de
vida das m as sas , mas ao
mesmo
tempo
provocou
uma
crise
na
velha idéia de cultura. A transformação de seus meios
em
bens
de
consumo
privou
a
formação
de
seus
fundamentos,
s u b m e t e n -
do -a ao fetichismo da mercadoria. A burguesia pouco a pouco f o i
perdendo
a
condição
funcional
e
espiritual de
classe
dominante
e ,
s ua cultura, deixando
de ser
a
cultura heg emónica.
Entretanto,
assim,
o
próprio
processo
de
formação das
cama
das popular e s f o i abortado, na medida em que seus m o t i v o s po
tenciais
passaram a ser canalizados para o consumo de diversão e
a
prática
do
lazer
industrial.
A
fantasmagoria
de
um
mundo
es
tético
não
perv e rt ido pelos fins passou a servir de á l i b i ao mundo
subestético [das relações de mercado] (Estética, p . 2 8 8 ) .
Noutros t e rmos ,
o progresso começou a se converter no s eu
contrário, separando-se das finalidades
que
lh e foram
atribuídas
na
aurora da mode rn idade . Immanuel
Kant
escrevera n e s sa
época
que o homem tem necessidade
de cuidado
e cultur a (Sob r e
a
pedagogia, 1786).
Acreditava-se
que
o esclarecimento
s ó seria
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s
d a
c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 117
promovido
se h ouv e s s e uma verdadeira
educação
da espécie. A
realização do
indivíduo
pressupunha o
cultivo
de
suas
faculda
des,
um
processo
formativo,
através
da
apropriação
prática
e
in
telectual dos valores criados pela civilização.
A consciência da
distinção
ent r e cultura superior
e
cultura
popular era acompanhada da crença de que poder-se-ia chegar a
um estágio
mais
avançado. A educação dos sentidos permitiria
conciliar
os impulsos corporais com
a
moralidade,
ligando-se
be
leza e liberdade. O estado de plenitude estética e moral era visua
lizado
pelos
pensadores
de
vanguarda como uma
condição aces
sível
a
todos
e
através
do qual
todos poderiam
tornar-se
l i v r e s
e
realizados
individualmente.
A concepção moderna
da
cultura como
criação
a r t í s t i c a e
f i
losófica
emancipadora acreditava
na
possibilidade
de
superar a
reificação da consciência e relações sociais promovida pelo ra
cionalismo tecnológico, através do
engajamento
do ser humano
em certos
valores
estéticos
e
intelectuais,
conforme se pode
cons
t a t a r folheando as pág inas das
Cartas
so b r e a educação estética
do
homem, de Schiller
(1795).
A transformação estrutural do mercado da cultura, provocada
pela formação do s monopólios, subordinou e s sa concepção
à
idéia de
divertimento.
No
cinema, nas l e t r a s e
na
música apareci
dos de sde então não faltam provas de que a referida
concepção
sobrevive.
No entanto,
s eu processo
de
posição já não tem mais
força expressiva e um caráter hegemónico. A necessidade
de
e x
pandir o consumo conduziu à reciclagem industrial do s valores
estéticos
superiores mas, também,
da
cultura popular.
Nas
primeiras décadas
do
século
XX, a an t iquí s s i m a o po s i
ç ão entre arte leve e arte s é r i a 3 2 ,
tornada
consciente apenas na
modernidade,
começou
a envelhecer,
na medida em que ambas
foram s e ndo reduzidas, como matéria de diversão, a meros bens
culturais.
Em
síntese,
a cultura
superior
f o i
fundida
às
fo rm as de
1 2 Segundo L o w e n t h a l , b a s t a
p e n s a r ,
e m r e l a ç ã o à
m a t é r i a ,
n a d i f e r e n c i a ç ã o
e n t r e
a s
f o r m a s
d e
t ra gé di a e
c o m é d i a
a l t a e
b a i x a n o s p a l c o s d a
a n t i g a G r é c i a e Roma, n o a -
b i s m o
q u e e x i s t i a
e n t r e
a s e l i t e s
f i l o s o f a n t e s
d a s c o r t e s i m p e r i a i s r o m a n a s e
o
c i r c o
p r o m o v i d o
p o r e s s a s mesmas e l i t e s , n o s
f e r i a d o s
e d i a s
s a n t o s d o
p e r í o d o m e d i e v a l ,
co m s u a s p e r f o r m a n c e s h i e r a r q u i z a d a s n a c a t e d r a l e o s d i v e r t i m e n t o s p le b e us d as f e i
r a s
p o p u l a r e s ,
p a r a a s q u a i s a m u l t i d ã o
a c o r r i a l o g o
a p ó s p a r t i c i p a r d o s
s e r v i ç o s r e l i
g i o s o s
( L i t e r a i u r e
and
mass
c u l t u r e ,
p . x i ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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118 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
diversão
popular
enquanto
mercadoria.
A racionalização da pró
pria
arte e
o
cultivo da
subjetividade
foram desviados de s ua me
t a
por
uma
nova
relação
de
forças
sociais
e ins er idos
no
â m b i t o
do
cálculo
da eficácia
económica,
sustando-se
socialmente o
progresso
espiritual do
indivíduo (Cinema,
p . 73).
Segundo Adorno, os
desprovidos
de subjetividade, os cultu
r alm e nt e de s er dado s, s ão os genuínos herdeiros da cultura (Mí
nima
Moralia,
p . 130). A célebre frase quer dizer que as camadas
exploradas,
pouco a pouco, foram passando a ser a base da vida
do
e spí rit o e
assimilação
dos
estímulos
estéticos.
N e s t e
estágio,
a
cultura
deixa de
ser parcialmente
ideologia para, virtualmente,
tornar-se t a l
coisa na totalidade. O e l e m e n t o de esperança
que
ela
continha passa a se confundir com o puro e
simples consumo
de
bens.33 As preferências
estéticas que
a sub m i s s ã o
social produziu
s ão
doravante legitimadas publicamente. O
planejamento mer
cantil
da
satisfação
sensorial
e a estilização industrial
da
arte
bárbara tornam-se
o
princípio
central da criação
a r t í s t i c a e inte
lectual contemporânea.
Conforme
o b s e r v a
Adorno, o
componente bárbaro,
variável
com
a é po ca, é um
aspecto
ine re nt e à marcha
da cultura. Embora
o pensador
faça
remontar as
origens
da indústria
cultural
ao
século
XVII,34
sinais
de
s ua prática
já se encontram
na
Antiguidade.
Os
el e m en t o s estéticos
que a caracterizam e x i s t i
ram mui t o tempo antes
dela
se
converter em
sistema. Pode-s e
afirmar que s ão tão velhos quanto o homem ocidental: a comédia
ática
em
s eu período f i n a l , o artesanato helenístico, o
circo
romano
e as tapeçarias
medievais
já s ão kitsch,
indícios
da
prática da indústria cultural.
Para Adorno, a espontaneidade dos
impulsos
corporais e a
procura
de
satisfação sensorial
imediata com as
quais
se
vin
culam jamais
puderam
ser totalmente liquidadas da civilização.
Durante
mui t o
t e mpo,
inclusive,
eles
serviram
à
liberdade,
ainda
que
de
maneira indireta
à
dominação.
A
subordinação social de
certos grupos era geradora de uma
brutalidade
que, embora ú t i l
ao s poderosos
durante
as guerras, por e x e m plo ,
deixava
livre s ua
ADORNO, T .
M e t a p h y s i c s :
c o n c e p t s
and p r o b l e m s .
S t a n f o r d ( C A ) : S t a n f o r d
U n i v e r -
s i t y
P r e s s . 2 0 0 0 ,
p . 1 1 9 .
3 4
ADORNO,
T .
Vart
e t l e s a r t s .
P a r i s :
D e sc lé e d e
B r o u w e r ,
2 0 0 2 ,
p .
1 0 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 119
subjetividade. A estreiteza das suas experiências estéticas
servia
de e l e m e n t o de resistência inconsciente à dominação. A explora
ç ão
económica
por
parte
das
classes dirigentes
era
facilitada
pelo
caráter
embrutecido
da
consciência
das
massas, mas
em compen
sação
era
superficial
s ua fidelidade
ideológica
ao s poderosos. A
consciência das
massas permanecia
um e l e m e n t o
alheio à
manei
ra como se estruturava o
modo
de vida dominante ( c f . Minima
Moralia, p .
179).
Hoje em d i a , ch e go u- s e ao ponto em que o s i s t e ma de poder
já
não
pr eci sa r e bai xar o s
bárbaros
que
criou:
basta-lhe
reforçar
por meio dos seus r i t u a i s a barbárie, que se s e d i m e n t o u subjeti-
vamente, desde há séculos (Estética, p . 2 69) . O capital colocou
o
e l e m e n t o bárbaro
a s eu
serviço
e passou a administrá-lo como
estímulo estético de consumo. As camadas populares foram con
vertidas em mercados, e o espírito da arte leve integrado ao f e t i -
chismo
da mercadoria.
Os co nh e ce do r es de obras de
arte
e ho
mens de cultura, f or m ado r es de
um círculo
e s t r e i t o , cederam l u
gar
como
modelo
a todos que podem comprar
um
aparelho
de
som ou pagar
o
ingresso em uma
sala
de diversão.
A cultura das camadas superiores, cos tume irament e bas eada em
desigualdades,
precisa
agora
acomodar-se à s
demandas
da nova
sociedade de
massa,
que
s e espalha
do s
países
altamente i n d u s t r i a
lizados
para
todo o r e s t o do mundo.35
Resumidamente,
a
subjetividade
de
camadas
cada
v e z
mais
amplas
da po pulaç ão f o i alçada ao consumo de
bens
culturais
mas, ao
mesmo t e m p o ,
passou
a
sofrer um
processo de
desinte
gração. A formação geral da consciência começou a depender
de
sínteses imediatas e
passageiras,
realizadas
de m ane ir a
cada ve z
mais
rápida
e ampla, de acordo com
os esquemas
da indústria
cultural. O resultado é a
exaustão
do
conceito
de
cultura
e o sur
gimento
de
o que
o
pensador
chamou
de p s eudocultura
em
um
célebre
ensaio.
[Atualmente] A seriedade
animal
do possuidor de c u l t u r a , que s e
a f e r r a
cegamente
à
dignidade
da música [por exemplo],
consegue
HORKHEIMER.
M.
C r i t i q u e
o f
i n s tr u m e nt a l r e a so n ,
p .
2 7.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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12 0 F r a n c i s c o
R u d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
sem querer fazer r i d í c u l a a f é na cultura que essa e a ideologia c u l
t u r a l [doravante] o impedem de expressar.36
A
consciência postulada
em
outro
tempo
pela
classe
domi
nante
reclamava idealmente a possibilidade
de cada
indivíduo
cultivar s e u
modo de
ser e
conduzir
s ua
vida com
autonomia.
A
cultura burguesa, noutros termos, não e ra mera
ideologia,
por
quanto o raciocínio
das
pessoas que
consumiam obras
de a r t e ,
dedicavam-se à leitura e , assim, podiam se formar baseava-se em
valores que e v entualment e permitiam
a
algumas delas conduzir-
se
de m ane ir a
autónoma
e
se
emancipar
do
modo
de
vida
domi
nante.
A resistência que o indivíduo falsamente separado das suas
condições
naturais de existência opunha
à
sociedade
não e ra
apenas resistência do indivíduo egoísta à sociedade. As práticas
culturais legitimadas possuíam
recursos morais
bastantes
para,
v e z por outra, fazer dessa conduta uma negação determinada.
Nesse
cas o, a
supracitada
resistência
transformava-se
em
oposi
ç ão do indivíduo a uma
det erminada
sociedade, precisamente em
nome dos valores e n car nado s p or
outra
comunidade
(mesmo
que
s ó
relativamente), ou do s
valores
ideais
de uma
comunidade
que
existiu no passado e que talvez seja agora postulada para o futu
ro , para
valermo-nos
das palavras de Agnes Heller.
A penetração do
capital n e s s e
campo alterou a paisagem, l i
quidando
as
condições
favoráveis
a
e s sa
apropriação.
O
seques
tro
da produção cultural
pelos negócios
solapou as bases em que
se
assentava
o referido modelo de consciência.
Os
conceitos que
surgiram com aquela produção pouco a pouco foram e s van ec en
do
e ,
aos empurrões, se reduzindo à ideologia.
No limite
do pro
cesso, virtualmente antevisto,
s ão pura
e
s i m pl e s m en t e postos de
lado pela
maioria
da sociedade. O
consumo
de
estímulos
e s t é t i
cos
e
informações
toma
o
lugar
da
idéia
de fo rm aç ão ,
e
a
cultura
passa a
se confundir com
o divertimento
mercantilizado.
A arte
s é r i a , não menos
que
a popular, é declarada extravagância
fora
de
moda
ou ininteligível pela
consciência
imediata da socieda-
de.38
3 6 ADORNO, T . S o b r e l a m ú s i c a . B a r c e l o n a : P a i d ó s , 2 0 0 0 .
3 7 C f . O
c o ti di an o e a h i s t ó r i a . R i o
d e J a n e i r o :
P a z
e T e r r a ,
1 9 8 5 ,
p . 8 4 .
3 8
ADORNO,
T .
S o b r e
l a
m ú s i c a ,
p .
6 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 125/296
P e r s p e c t i v a s
d a
c o n c e p ç ã o
adomiana 12 1
O
entretenimento e
a
informação, cada
v e z
mais
fundidos,
con v e r t e m - s e
em
s uce dâ ne o s do s velhos
ideais e
dos bens supe
riores,
expulsando-os
mais
ou
menos
totalmente
das mas s as ,
através de
uma
repetição tão estereotipada quanto a dos anúncios
publicitários (lndústria, p .
70-73).
O raciocínio público,
embora
ampliado, estendido
em
escala
de
m as s a, t e rm ina se convert endo
em hábito
de
compra e e s s e em porta aberta
por
onde entram
as
forças
sociais sustentadas
pela
esfera
pública
do
consumismo
cultural
dos meios
de comunicação (Mudança
estrutural, p .
191-192).
Em Adorno e
H o r k h e i m e r ,
a sublimação do e l e m e n t o
bárba
ro com
os
conceitos da
cultura burguesa verificada nes s e contex
to
relaciona-se
com o surgimento
de
uma pseudocultura
entre a
população
que,
segundo
no s s o modo ver,
representa para
os
au
tores
o
principal subproduto
da
chamada tragédia
da
cultura mo
derna. Para Georg Simmel, criador da expressão, a modernidade
colocou
ao
alcance
das
massas
refinamentos
de
vida
e comodi
dades que
vistos
mai s de
perto nada
têm a ve r
com
a cultura, na
medida em que
os
homens
não
têm como
extrair
deles
meios de
melhor
proverem s eu
modo
de s e r , de se cultivarem.
Atualmente, o des envolvim ento
individual pode
e x t r a i r
das normas
s o c i a i s
tão-somente
a
conduta
socialmente boa,
das
a r t e s
t ã o -
somente
o desfrute improdutivo,
do s progressos técnicos t ã o -
somente
o negativo da f a c i l i d a d e e l i s u r a do
transcurso cotidiano;
surge
pois uma espécie de
cultura subjetivo-formal, sem
aquele
e n
trelaçamento
interno com
o e le me nt o objetivo em
virtude
do qual
de f a t o
s e
s a t i s f a z
o r e a l conceito
de
c u l t u r a . 3 9
Desenvolvendo s ua própria leitura
da
tragédia que sucede as
sim, os frankfurtianos observam que a possibilidade de se c u l t i
var
não
se extinguiu
mas
- como
antes - continua
r e s t r i t a a
um
pequeno
número
de
privilegiados,
salientando
ainda
que
a
razão
para
tanto
não é a f a l t a
de m e i o s que se colocaria
às massas mas,
antes, o fato de as condições sociais para
tanto
continuarem s e n
do antagónicas.
N ou t r o s
termos, a e x pli caç ão par a o apareci
mento da pseudocultura não deve ser dada de cima para baixo,
procurando culpados, mas considerando o respectivo contexto
SIMMEL,
G .
S o b r e
l a
a ve n tu ra . B a rc e l o na :
P en ín su la , 1 9 8 8,
p .
2 1 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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12 2 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r Adorno
e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
histórico.
O
capitalismo avançado
e a democracia
moderna
emanciparam as massas das nece s s idade s materiais imediatas e
das
relações
de
dominação
tradicional.
A
possibilidade
de
se cul
tivarem, entretanto, f o i abortada pelo
surgimento de
condições
de
vida
que
dificilmente toleram o
tipo de
experiência
com que
se sintonizavam antes os conteúdos formativos tradicionais
(Pseudocultura, p . 2 4 2 ) .
A popularização
[da cultura] s ó tem conotação
positiva
quando
amplia
a experiência daqueles para quem está s e ndo po
pularizada ,
pressupondo
um
esforço
educacional
que
acabou
abortado para a
maioria.
Carecendo desse
apoio, reduz-se
a
um
processo de fachada, no qual raras v e z e s se dá um enriquecimen
to da
subjetividade4 .
O problema central, po r é m , e s tá alhur es .
Tradicionalmente,
a formação provinha
da
capacidade de
de s e n
volver
a
experiência, ultrapassando o sentido r e s t r i t o que
lh e
da
vam a
escola,
os
museus,
a biblioteca, e t c O cultivo
através
do
consumo
de
obras
de
arte
e
dos
estudos
l i t e r á r i o s
era
apenas
um
complemento. O capitalismo moderno, e nt re me nt es , dis solv eu a
experiência
na
vivência imediata, transformando a vida numa
sucessão
intemporal
de
choques,
entre os quais se
rasgam
l a
cunas,
intervalos
paralisados .
[Nesse
quadro]
O indivíduo que
s e
dispersa não
é
mais que
a
t o t a
lidade
das vivências
pontuais
que, i n f l a d a s , converteram-se nos
sucedâneos da
experiência
concreta:
e l e
mesmo
não
pode
dominar
essa
e x p e r i ê n c i a . 4 1
As técnicas
se
curvaram perante a
vontade do s
consórcios
empresariais e passaram a processar, conforme a ratio
mercantil,
os estímulos que ocupam o aparato sensorial
das
massas.
Os ho
mens
pararam de agir juntos
e
já não
se conhecem, relacionando-
se cada v e z mais através
do
intercâmbio de
mercadorias. A
con
sequência
é
o
desencadeamento
de
uma
crise espiritual
mais
ou
menos
silenciosa,
o solapamento dos fatores favoráveis para as
pessoas se cultivarem na era da técnica. A fragmentação das
condições de vida produziu um
rompimento
das
tradições
cultu
r a i s que conferiam sentido à realidade.
4 0 LOWENTHAL, L . An u n m a s t e r e d p a s t , p . 2 5 6 .
4 1
ADORNO,
T .
M e t a c r i t i c a
d e l a t e o r i a d e l c o n o c i m i e m o . C a r a c a s :
Monte Á v i l a ,
1 9 7 4 .
p .
1 1 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 12 3
Weber t e r i a tido pois razão em dizer que o processo
de
ra
cionalização da sociedade, promovido
às custas
da racionalidade
axiológica,
é
correlato à
progressiva
pe r da de
sentido
na
vida.
A
civilização racionalmente estruturada em função da profissiona
lização da
existência
cotidiana restringiu a esfera dos
valores
morais a parcelas pouco expressivas da vida, dando lugar às di
versas formas
de
mal-estar
na
cultura.
Para e l e , vale lembrar, a burocracia e o mercado representam
processos
de socialização que despersonalizam massas inteiras
da
população,
retirando
todo
sentido
dos
processos
de
auto-
racionalização por ambos requeridos. As formações sociais que a
burocracia
e
o
mercado encarnam s ão criadoras
de um
s i s t e ma
de
vida em que a f a l t a
de
solidariedade e valor humano e s tá e s trutu
ralmente enraizada, em que as
concepções
religiosas e
humanís
t i c a s , carecem de sentido prático
e funcional.
Destarte, os sacrifícios feitos para a s ua manutenção tendem
a
parecer
sempre
mais
absurdos.
Nas
palavras
do
pensador,
o
ca
pitalismo não
representa o pacífico
trabalho da
civilidade . Tra-
ta-se
de
um
aspecto
da luta do
homem contra
o homem,
pela
qual
não mais
milhões,
mas
centenas
de milhõe s
de
homens, ano
a
ano,
se atrofiam f í s i c a e
psiquicamente,
se embrutecem e arras
tam, de todos os modos, uma existência na qual todo o sentido
reconhecido
é em
realidade cada
v e z
mais
est ranho .4
Theodor Adorno
fez suas
essas teses em s ua
análise
da cultu
ra
contemporânea. Segundo
s eu
pont o de
v i s t a , a
civilização
ca
p i t a l i s t a
provocou
um
desencantamento do mundo e
o surgi
mento de um estado de carência de imagens e visões de mundo .
Passado
o
interregno
da a l t a
modernidade, o b s e r va
s eu comenta
r i s t a ,
a liquidação
das
antigas
fontes de s e nt ido pr iv a de l e g i t i
midade
o
ordenamento social
sem oferecer uma ver são seculari-
zada
de
seus conteúdos, enquanto seus marcos explicativos se
vêem
substituídos
por
um
forte
vazio
interpretativo
[no
plano
co -
tidiano] . 43
4 2 WEBER, M. E s c r i t o s p o l í t i c o s . México ( D F ) : F o l i o s ,
1 9 8 2 ,
v . I , p . 3 3 .
4 3 ÁLVAREZ,
P . E s p a c i o s d e
n e g a c i ó n .
M a d r i : N u e v a , 2 0 0 0 , p .
1 0 . Adorno
p a r e c e t e r
s i d o i nf lu e nc ia do n e ss e s e n t i d o p e l o s j u í z o s ,
q u e c o n h e c i a
m u i t o b e m , d e K i e r k e g a -
a r d .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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12 4
F r a n c i s c o
R u d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Em
última
instância, os projetos
de criação
de
uma
sociedade
c i v i l emancipada,
formação
de
indivíduos esclarecidos e
instala
ç ão
de
uma
ordem
livre
e
cosmopolita
dissolvem - s e
como
narra
tivas ocas
em
meio a
um s i s t e ma que submete
os
problemas
hu
manos e sociais a um
enfrentamento
tecnológico. A compensa
ç ão para os pre juí zo s s ubje tivo s daí resultantes se dá mais ou
menos precariamente com o aparecimento
de uma
indústria cul
t u r a l , através da qual os homens procuram se dotar dos meios pa
ra
fazer
frente à situação,
e
os interesses
económicos terminaram
promovendo
uma
espécie
de
retorno
à
mitologia
( c f .
Pseudocul-
tura,
p .
2 4 7 - 2 4 8 ) .
A
fragmentação
das co ndi çõe s de
existência
e a crescente
reificação das relações sociais
promovidas
pelo capi talism o cria
ram uma necessidade de substituir as velhas imagens e valores -
em
que,
de v ido ao próprio proces so ,
ninguém
mais acredita - por
alguma coisa
que
o valha ou
preencha
o
tempo
l i v r e do
indiví
duo.
O
sucedâneo encontrado
f o i a distração:
[Atualmente] não mais importam tanto os conteúdos ideológicos
específicos
quanto
o f a t o de que simplesmente
haja
algo
preen
chendo o vácuo da consciência expropriada
e
desviando
a
atenção
do manifesto segredo. É presumivelmente bem menos importante
para o contexto s o c i a l dominante quais
a s
doutrinas ideológicas
específicas
que
um
filme sugere a seus espectadores do que o
f a t o
de que e s t e s , ao voltarem para c a s a , estão
mais
interessados
nos
nomes
do s
a t o r e s e
nos
seus
casamentos
e
casos
amorosos
(Socio
l o g i a , p . 8 7 ) .
A racionalização da consciência das massas f o i paga com a
perda
das condições
favoráveis
para
a
educação ou cultivo da
subjetividade e , po r caus a
disso,
s i m pl e s m en t e
se
passou de uma
h e t e r o n o m i a a outra, trocando-se,
apenas
para c i t a r um e x e m plo ,
o
culto dos santos pelo das
celebridades
dos meios de
comunica
ção. A cultura tornou-se motivo de
paródia.
Os
indivíduos
en-
co nt r am - s e ag or a
cada
v e z menos dotados das condições para es
tabelecer
uma
relação viva
com
a cultura, cultivarem s eu
modo
de
ser
e , assim, conduzir s ua vida de m ane ir a
autónoma e
indivi
dual mas, ao
mesmo
t e mpo, cada v e z mais a consomem e reivin
dicam
em função
do
desejo de
serem
contados
como
pessoas im
portantes, e st are m na moda ou meramente s e di st raír em , extrain
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o
a d o r n i a n a
12 5
do suas satisfações do caráter
de fetiche da mercadoria
cultural
tecnológica (Estética,
p .
29).
A
formidável
regressão
espiritual
que tem
lugar
assim
pode
ser v i s t a ,
portanto,
como
um reencantamento
do mundo
promo
vido pelo c a p i t a l :
representa
uma
consolação
do desencanto
do
qual falava
Weber
(idem,
p . 30).
O
fetichismo
das
supracitadas
mercadorias
é
uma projeção do desejo de suprimir o fosso exis
tente entre a arte e a vida que as pessoas vivenciam com
desgos
to mas, ao
mesmo
t e mpo, percebem o quanto é d i f í c i l
mudar
na
realidade.
O
decisivo
está
no
fato
de
que
o
sujeito
privado
de
forças extrai prazer de s ua
própria
fraqueza,
quase
que como se
d ev e s s e ser
recompensado
por se
adaptar
à coletividade
que
o
enfraqueceu e
cujos padrões
de e x ig ência sua f raque za
não logra
satisfazer .44
Através do
consumo
de be ns culturais, as pessoas t entam
es
quecer
as
exigências racionais de que s ã o po r tado ras
e
que fize
ram
não
por
apenas
as
t e r e m
escolhido,
mas
sobretudo
devido
à
pressão da sociedade. O esforço da consciência por se ajustar a
uma
ordem
desencantada
é re tribuí do pe las
mercadorias que
lh e
prometem a satisfação
de
certas
fantasias.
A s s i m , os
seres
huma
nos procuram,
em síntese, conferir sentido
e
se apropriar de suas
próprias
vidas s o b
condições
sociais
submetidas a
uma crescente
mecanização,
conforme examinaremos
com mais detalhe,
depois
de ve r
os reflexos
dessa situação no campo
da
produção a r t í s t i c a .
4 4
ADORNO,
T .
On
J a z z .
I n :
D i s c o u r s e
v .
1 1 .
1
[ 4 5 - 6 9 ]
1 9 8 9 .
p .
66 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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4
Aialéticadaarte:
utopia
e tragédia
Segundo Adorno, as
comunicações modernas
se
desenvolvem
no marco
de uma
dialética: conscientizam e reificam
ao
mesmo
t e mpo .
Con s t i tue m e xp r e s s ã o do enredamento
entre
progr e s so e
barbárie. Contra e las s eria o caso de opor menos o espírito de
r e f or ma
e
purificação ,
ou
a
nostalgia
do
retorno
ao
mimeógra-
fo , com
a qual ele
às v e z e s brinca,
do
que uma vigorosa
ascese
c r í t i c a à s ua
falsa
riqueza
(Mínima
Moralia, p . 43).
1
Em t e r m o s i d e a i s , o programa do pensador consistia em fa
z er
a
coisa
avançar em dois
domínios.
Por um
lado, desenvol
vendo
a dimensão estética da mídia
de
acordo
com
suas
possibi
lidades
técnicas intrínsecas. Po r outro, empreendendo um esforço
sólido
e
consistente
para entender criticamente s e u processo s o
c i a l e histórico
de
posição no
âmbito de
no s sa sociedade.
Provav elmente, observava, o esclarecimento se encontra
mais difundido hoje do que em tempos passados, e i s t o significa
que na atualidade
camadas
da população que em outra época não
tinham
acesso à
cultura
e ao
saber estão em
contato
com as
artes
e as ciências graças ao s
meios
de co m un i caç ã o . Em contraparti
da, verifica-se at ravé s de le s uma transformação estrutural
na
consciência esclarecida, cujo principal aspecto - no plano cogni-
P o s s o me c o n s i d e r a r t u d o ,
menos um
d e r r o t i s t a ,
p o r i s s o ,
j u s t i f i c a n d o
s u a
c o l a b o r a
ç ã o
co m
o s
m e i o s
d e
c o m u n i c a ç ã o ,
o
f i l ó s o f o
d i s s e q u e r e nu nc ia r à
m í d i a ,
p a r a s e
d e d i c a r i n g e n u a m e n t e
a
e s c r e v e r
e m f o l h a s
s o l t a s ,
n ã o é
s e n ã o
a f e r r a r - s e à e
a d e r i r
a
um
c o n s e r v a d o r i s m o c u l t u r a l
q u e , e m ú l t i m a
i n s t â n c i a ,
a p e n a s b e n e f i c i a
a
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l ( C o n v e r s a co m Hans Magnus E n z e r n s b e r g e r , c i t a d a
e m
S t e f a n
M i i l l e r -
Doohm,
A d o r n o : u ne
b i o g r a p h i e ,
p .
4 2 0 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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12 8 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
tivo
-
é a perda do
e le me nt o de
síntese
que
poderia torná-la pro
dutiva
entre as
massas.
A contradição
entre
a
moderna
emancipação do
espírito
c r í
tico e s eu
concomi tant e e n fraquecim e nt o
é
característica de
todo
o período burguês da história ,2 na medida em que nele a m e r -
cantilização das relações
que
possibilita o aparecimento do p r i
m e i r o acaba por se imiscuir em s ua própria esfera e , assim, a fa
z er
com que
a
informação
tenda a substituir a
penetração
e a re
flexão intelectuais .3
Conforme se
pode
l e r
na
Dialética
do
Iluminismo,
a
forma
ç ão das redes
de
comunicação é um produto do progresso, que
desperta e idiot iz a
as
pessoas ao mesmo tempo
( p .
1 5 ) . A ava
liação
do processo não pode ser
abstrata.
A
verdade
a
respeito
de
um fenómeno não reside apenas em s eu núcleo racional. As figu
ras que aquela assume na realidade histórica também precisam
sem levadas em conta. A s s i m , as re fe ridas re de s, por um lado,
colaboraram
para
tornar
o
homem
adulto,
fazendo-o
mais
racio
n a l ,
lúcido,
informado e habilidoso. As pessoas modernas [ . . . ]
aceitam o que
tem
de s e r ace it o, e rejeitam o que não pode ser
provado como
supersticioso
ou romantismo descartável .4 Por
outro lado, porém os homens, em s ua maioria, passaram a de
pender,
assim, de uma
indústria da cultura, no
contexto
da qual
essas
redes servem
de meio para distraí-los da própria vida, afas
tando
de
suas
mentes
as
mudanças
que
teriam de fazer em s eu
mundo e s eu
modo de
s e r ,
para
viver
de acordo com
suas
i n c l i
nações mais
individuais.
Adorno forneceu-nos, sem dúvida, um relato parcial da
transformação estrutural do mercado da
cultura,
exagerando a
ext ensão em
que
os chamados bens culturais perderam s eu valor
de us o ao se t ornarem fonte de diversão mercantil. A comprova
ç ão não refutada da
formação
dos monopólios da
mídia e
da
i n
dústria cultural, todavia, estava certa a re spe it o de s ua
complexi
dade. A
concepção
dialética
não se
engana
sobre a ambiguidade
: ADORNO, T . C ri ti qu e . C r i t i c a l M o d e l s , o p . c i t , p . 2 8 3 .
1 ADORNO, T .
B a j o e l
s i g n o d e lo s
a s t r o s
[ 1 9 5 7 ] . B a r c e l o n a ,
L a i a , 1 9 8 6 , p . 1 2 0 - 1 2 1 .
4 HORKHEIMER, M.
C r i t i q u e
o f
i n s t r u m e n t a l r e a s o n .
Nova
Y o r k : C o n t i n u u m ,
1 9 9 4 ,
p .
9 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A D i a l é t i c a d a a r t e : u t o p i a e t r a g é d i a 12 9
do
progresso
em plena totalidade repressiva (Pseudocultura,
2 5 5 ) .
Para
o
aut or, as
comunicações
ajudaram
o
indivíduo
a
con
quistar a liberdade de opinião e servem de veículo de
uma
opi
ni ão púb lica que,
apesar
de tudo,
várias
v e z e s evitou
o
pior
e ,
ainda hoje, conserva
[ . . . ] parte
da função
que t ev e em
s ua luta
contra
o
absolutismo
(Intervenções,
p . 153). No
entanto, preci
samos considerá-las criticamente, sem ilusões. Cer ta m en t e elas
contêm
um
momento de liberdade, permitindo ao
indivíduo
pos
suir
suas
próprias
idéias,
não
professar
o
cr e do do m inan t e .
Por
outro lado, elas
s ão
expr e s são de relações objetivas, que mode
lam s ua
existência
e pensamento, antes mesmo dessas idéias
chegarem à sua
consciência.
Precisamente por
i s t o ,
argumenta,
a opinião pública deve ser ao mesmo tempo respeitada e de s
prezada (idem, p .
155).
O
jornalismo, por exemplo,
sem dúvida f o i e ainda é um ve í
culo de inform aç ão de
massas
e , portanto,
um
fator de esclareci
m en t o . O
conceito
de
informação
não
se e sg o ta
no
plano
dos
fa
t o s , sempre que não se perde o poder de reflexão
so b r e
a mat é r ia.
A s s i m , certamente o b t é m - s e uma exposição
so b r e
o assunto [em
pauta] que
possibilita um melhor juízo a s eu respeito do
que
quaisquer
longos discursos .5 Contudo,
isso
não
pode
ser en t en
dido
de m ane ir a
abstrata. O
conhecimento
imediato
que as
a t i v i -
dades jornalísticas no s pr o po rci o na precisa ser situado
em
seus
diversos contextos
de
intervenção, abstraído dos
quais
é
uma
ca
tegoria descarnada e sem sentido histórico determinado6. Atual-
m ent e, o fenómeno não pode ser
entendido
fora da tendência às
informações
se
con v e r t e r e m em
b e ns de consumo, produzirem
um certo prazer, ou melhor: um prazer substitutivo, entre aqueles
para
as quais estão destinadas .7
ADORNO, T . Educação e
e m a n c i p a ç ã o ,
p . 7 9 .
C o n f i r a r a c i o c í n i o n a
c o n t r a m ã o
e m
Adelmo
Genro F i l h o : O s e g r e d o d a p i r â m i d e .
P o rt o A le g r e : T c h ê , 1 9 8 8 .
ADORNO, T .
I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p -
6 9 .
Em r e s u m o ,
i m p o r t a n t e
n ã o
é
o
f a t o d o s c i d a d ã o s
t e r e m a i n f o r m a ç ã o a d e q u a d a (nem a e x is tê n ci a
d e
a l g u m a
f o r m a
d e
c o m u n i c a ç ã o não
d i s t o r c i d a ) ,
mas
n o s s a h a b i l i d a d e
e m e x p e r i e n c i a r o
mundo t r a b a
l h a n d o com e l e . . . [ a l g o q u e ] . . . embora a i n d a p o s s a s e r a l c a n ç a d o mesmo n o c a p i t a l i s
m o , o p e n s a d o r t e m i a q u e
p u d e s s e
n ã o t e r
s ua s o b r e vi v ê n c ia
c o n t i n u a d a ( H e i n z
S t e i
n e r t :
C u l t u r e
l n d u s t r y ,
o p . c i t . ,
p .
2 4 - 2 5 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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13 0 F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r Adorno
e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
As comunicações e a opinião
pública,
a exemplo do s
juízos
pessoais, das
quais
deriva aquela última, constituem categorias
que
devem
ser tratadas
com
espírito
c r í t i c o ,
ainda
que
isso
seja
o
que tende a ser bloqueado pela no s sa sociedade. O esclarecimen
to não
t e r i a
se
propagado
sem o
de s en vo lvi m en t o das
comunica
ções.
A r e pr oduç ão do s ideais iluministas po r parte
da
indústria
cultural, todavia, não pode
ser separada
de s ua crescente r e i f i c a -
ção. Liberdade não é usar uma calça azul e desbotada; nem uma
marca de
cigarro
pode servir
de
mínimo denominador
de
no s sa
igualdade,
conforme
pretende
a
publicidade.
A confusão, no entanto, existe e se encontra no centro da
tragédia da cultura que ocorre na
sociedade
contemporânea. No
século
passado,
o capitalismo começou a se imiscuir
diretamente
no
campo
da cultura e fundiu t odo s os
seus
e l e m e n t o s em um s ó
movimento. O
resultado
f o i a eclosão
de
uma crise cultural sem
precedentes,
e
a ascensão de uma
indústria
da cultura
cada
v e z
mais
poderosa.
A
democratização
da
cultura possibilitada
pela
economia
de
mercado
f o i
redirecionada, e a
contrapartida de s ua
difusão em massa
f o i
a perda
de
s eu conteúdo formativo e senti
do emancipatório, conforme
se pode
ve r
examinando
a fortuna
da
arte na contemporaneidade.
4 . 1
A
Arte
na
e ra
da
técnica
Desde os 1970 , os críticos da abordagem adorniana, taxada
de
apocalíptica,
tornaram
corrente o juízo
de que
ela se baseia
em uma
concepção
e l i t i s t a da
cultura e alimenta
preconceitos em
relação
às formas
de arte tecnológicas. Para eles,
s e u
criador
opõe de mane ira preconceituosa
e mecânica a forma alta à
forma
baixa
(popular)
da
cultura,
considerando
a
primeira
mais
valiosa
do
que
a
segunda.
Para e l e ,
segundo e s s e s autores,
a for
ma superior
conteria
um
potencial cognitivo c r í t i c o , enquanto a
outra não apenas conduz a
um
estado
de
paralisia
ideológica co
mo resulta
na
degradação
da
a l t a
cultura.
Resumidamente, pode-se dizer
que
o ponto comum
entre
os
de fe ns or es de ss e juízo
é
o e n t endi m en t o
da
c r í t i c a
à indústria
cultural como expr e s são
de
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A
D i a l é t i c a
d a a r t e : u t o p i a e t r a g é d i a 13 1
um
aristocratismo
c u l t u r a l que s e nega
a
a c e i t a r
a
existência de
uma pluralidade de experiências e s t é t i c a s , uma pluralidade de mo
do s
de
fazer
e
usar
socialmente
a
a r t e .
Estamos
diante
de
uma
t e o
r i a
da cultura que não
só
faz da
a r t e
seu único paradigma,
mas
a
i d e n t i f i c a com
seu
conceito:
um
conceito
u n i t á r i o , que relega a
simples e
alienante diversão
qualquer t i p o
de
p r á t i c a
ou
us o
da a r t e
que não possa derivar-se de aquele conceito e que termina fazendo
da
a r t e
o único
lugar de
acesso à
verdade da sociedade.8
A
proposição
não passa sem problema, visto
que,
obs ervan
do
mais
de
perto, os
frankfurtianos criticaram
a cultura
em todas
as
suas
formas e níveis de expressão. A criação cultural serve ao
espírito de utopia ao mesmo tempo em que o põe
a
serviço
do
mercado. O resultado disso é que
mesmo
a arte autónoma não
está completamente isenta do insulto autoritário da indústria
cul
tural
(Estética,
p . 29).
A polêmica
se
dirige
igualmente àqueles
que defendem
a
arte
pela
arte e àqueles que defendem seus vários subprodutos m e r -
cadológicos. A c r í t i c a do kitsch nada deve descurar, mas , e n
quanto, t a l ,
avança
pela arte adentro ,
escreve
Adorno
(idem,
p .
3 4 6 )
As p l a t i t u d e s a r e s p e i t o do progresso
e s p i r i t u a l ,
particularmente da
a r t e , procedem
desde o
princípio contra
a
vontade
da maioria, pos
s i b i l i t a n d o
aos
inimigos
mortais de todo o progresso entrincheira-
rem-se a t r á s daqueles que, realmente
sem t e r
nenhuma culpa, são
excluídos
do s
meios para expressar vitalment e s eus próprios
pro
blemas ( I n d ú s t r i a , p . 1 1 1 ) .
Segundo
a visão do pensador,
também
as obras de arte sérias
s ão uma forma
de ideologia,
porque s e u
modo de
ser tem como
condição o caráter
de
fetiche
da mercadoria.
Hoje
há que
se opor
à arte
f á c i l
e não menos, po r é m , à ambiciosa, pois ambas s ão fa
ce s
do
processo
de
reificação. A
pretensão
de
impor
os
chamados
valores culturais superiores ao s seres humanos é sempre uma
pretensão
ideológica, porque,
em
última instância,
as
necessida
de s primárias da maioria deles não se encontra n e s sa direção,
8 BARBERO, J . M . De lo s m e d i o s a l a s m e d i a c i o n e s . México ( D F ) : G . G i l l i .
1 9 8 7 ,
p .
5 4 . E u g e n e
Lunn
f o r n e c e , a o c o n t r á r i o , um r e l a t o e q u i l i b r a d o d a m a t é r i a e m The
F r a n k f u r t S c h o o l i n t h e d e v e l o p m e n t
o f
t h e
m a s s
c u l t u r e
d e b a t e
I n :
R i c h a r d R o b l i n :
T h e
A e s t h e t i c s
o f
t h e
c r i t i c a l
t h e o r i s t s ,
p .
2 6 - 8 4 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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13 2 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r
A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
mas na reprodução de
suas
condições materiais de
vida
em
situa
ção de não-violência.
As
satisfações
estéticas
proporcionadas
pelas
artes
s ão
ape
nas um sinal dessa situação:
se
elas não existissem, as artes não
teriam sido
capazes
de
sobreviver às r ealidade s a que elas
resis
tem e contradizem. Promessas
de
felicidade,
não
a
própria, as
obras de
arte
representam uma
espécie de
liberdade imaginária
em meio à escravidão. A violência mais ou menos sublimada que
a realidade nos impinge é o
primeiro objeto
de c r í t i c a
visado
por
todo
e
qualquer
e xp e r i m en t o
a r t í s t i c o
(Literatura
I I ,
p .
2 4 8 ) .
As gratificações estéticas que
as
artes nos proporcionam não
s ão
o que, na arte
s é r i a ,
realmente importa,
porque,
em
qualquer
caso, o que está em jogo, para o
autor,
não é a função,
mas
a
própria
existência
das
obras de a r t e .
A
criação
estética
especiali
zada,
baixa ou
sublime,
é sinal
de algo que não corre bem na v i
da s o c i a l .
O
r ec onh eci m en t o
e a procura de profundidade ou
d i
versão,
mesmo
quando
subsumidos
ao
cálculo
mercantil, corres
pondem
no
público ao
que
é , entre os a r t i s t a s , o trabalho de cria
ção: indícios, mais ou
menos
integrados, mais ou
menos
perver
sos, mais ou menos criativos, da dificuldade humana em s e e n
caixar
no modo
de
vida
coletivo dominante.
Como diz Martin
Jay,
os comentários que
o
autor fe z contra
a cultura
de
massa
também
se dirigem
contra
boa
parte
da
cha
mada
a l t a cultura porque, em
s eu modo de
v e r , o
consumo dessa
última,
como da
primeira,
não
se distingue
totalmente
dos
praze
res do consumo de qualquer outro bem disponível no mercado:
toda
cultura,
elevada
ou não,
contém um
momento de
barbá-
r i e . 9
Salvador
Dali,
Stravinski, Sartre
e Stefan G e o r g e , por exem
plo,
lograram
criar
obras de arte
autónomas
e bem-sucedidas já
na
era
da
indústria cultural.
No
entanto,
isso não
as isenta de
um
fe t i ch i s mo culpáv e l
e
de
contradições
ideológicas. Em
última
instância, também elas per t encem a
um
mundo
em que nada
mais
se
situa fora de
um
contexto de culpabilidade. Pertencem todas
elas a
e s s e mundo,
e , por i s s o , a
um
contexto que nos
impede
de
J AY, M. A d o r n o . S ã o P a u l o : C u l t r i x . 1 9 8 4 , p .
1 0 8 .
Conforme s e s a b e , a p r o p o s i ç ã o
e m f o c o provém
d e
B e n j a m i n . C f . H o r k h e i m e r
A d o r n o :
/
S e m i n a r i
d e l i a
S c u o l a
d i
F r a n c o f o r t e ,
p .
1 5 8 .
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A
D i a l é t i c a d a a r t e :
u t o p i a
e t r a g é d i a
13 3
criticar a
indústria
da
cultura sem ao mesmo tempo
c r i t i c a r a ar
t e [autónoma] .10
Na
verdade,
a
pretendida
distinção
entre
cultura
e rudit a e
popular,
arte
séria e a r t e leve, é falsa e verdadeira do pont o de
vista histórico.
A
part ilha é falsa porque ambas dependem do
mercado,
emergem dentro de
certa
alienação,
embora
s o b dife
rentes
máscaras,
e
de
resto estão em curso
de
superação. Enquan
t o a primeira refugia-se no e s t i l o , a segunda
procura resguardar-
se através da popularidade.
Quer
numa,
quer
noutra,
pode
haver
tanto
a
sublimação
quanto a de p r avaç ã o da criatividade.
Os
sons f r i o s e o vermelho
maligno
de modo algum s ão muito distintos do s
materiais
nobres
com que se tecem os vestidos de batik da ginástica rítmica que
embala
a
juventude (Dissonâncias, p . 171). A resistência
à
pressão
violentíssima sobre a pretensão de integridade de um es
forço
criativo
ou de uma
obra
de arte
f e i t a tantas
ve z es por parte
do mercado
não
é
privilégio, embora nem sempre haja mérito, da
arte s é r i a ,
como deixa
claro
a trajetória do personagem I r a
Mur-
doch no
romance
Casei-me
com
um
comunista,
de
Philip
Roth.
Entretanto, conviria,
po r outro
lado,
conservar
a
parcela
de
verdade da
distinção,
na medida em que, geralmente,
a
arte leve
tende
a
se esgotar na
diversão,
enquanto
a pesquisa à
qual
a
arte
séria se
liga tende
a conferir-lhe uma
relativa
liberdade em rela
ç ão ao s
ditames
da sociedade.
O conteúdo de verdade
das
obras
de
a r t e , que
é também a sua ver
dade s o c i a l , t e m
como
condição o
seu
c a r á t e r f e t i c h i s t a , mas
esse
pode s e r
distinguido do
puro e
simples
fetichismo
da
mercadoria
( E s t é t i c a , p .
255- 256 ).
Queiramos ou não,
a
seriedade estética e
a
tendência à d i
ver são (cuja preponderância
nem sequer
é
de hoje)
apontam em
direções
opostas
(Sociologia,
p .
148).
Trata-se
de
um
movimen
to possuidor de legalidade, por mais que restos da comunicação
entre
essas tendências se det ectem mesmo na era da indústria
ADORNO, T . A e s t h e t i c
T h e o r y .
L o n d r e s : R o u t l e d g e . 1 9 8 4 , p . 3 9 . Segundo o p e n s a
d o r , a f i l o s o f i a e x i s t e n c i a l também p o d i a s e r v i s t a como e x p r e s s ã o d a p r á t i c a d a i n
d ú s t r i a c u l t u r a l , e r a uma d e s u a s f o r m a s d e r e f l e x ã o ( J a r g o n d e r E i g e n t l i c h k e i t ,
1 9 6 7 .
T r a d .
e s p . :
M a d r i :
T a u r u s ,
1 9 7 1 ,
p .
4 2 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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1 34 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
cultural.
Os
happenings
seriam uma prova
disso, que t ev e
s eu
auge no século passado:
Em desajuste
clownesco
com
a s finalidades
u t i l i t á r i a s
da vida r e a l
em m ei o a qual s e
realizam, os
happenings são em essência
uma
paródia [do mundo administrado], que e l e s praticam de uma ma
neira
que,
t o d a v i a ,
p r e s t a - s e à
confusão,
quando
po r exemplo são
alvo do s mass media.n
Conforme Adorno
nota
em
s ua polêmica com
Benjamin, tan
to a arte leve quanto a arte
séria
carregam o e s t i g ma do capita
lismo,
ambas
contêm
el e m en t o s
de
troca;
ambas
s ão
as
metades
arrancadas da liberdade i n t e i r a , que não se deixa somar a p a r t i r
delas: sacrificar uma à outra seria romântico, seja o romantismo
burguês da conservação
da personalidade e
da
magia,
seja
o
anarquista,
da confiança
ce ga na autonomia
do proletariado no
processo
histórico . 12
As
experiências
de cada
uma movem-se
como uma s ó coisa,
pautada
pela
forma
mercadoria
e
s ua
conversão em bens
cultu
r a i s
da
indústria, que, todavia,
não
deveria nos fazer esquecer
ou
perder de vista a diferença entre u t i l i z a r
uma
vulgar canção s en
timental,
na qual nada
h á para compre ender, como pantalha
para
as mais
diversas
projeções psicológicas, e compreender uma obra
de modo
a
subm e t er - s e
à s ua própria disciplina
(Estética,
p .
296) .
As
artes
sempre
foram,
em
qualquer
escala,
produtos
feitos
para
abrandar
o
tédio
ou
excitar
os sentidos do s
seres humanos,
mas
isso
não quer dizer que
faltem obras
que
buscam i r ,
e vão,
além
dessa
funç ão co s mé t i ca
ou
gastronómica. Os fenómenos
que hoje determinam suas possibilidades transformadoras em re
lação à imagem do homem e à criação do sentido da existência se
di st ingue m ape nas po r s ua capacidade de difundirem e amplia
rem
socialmente
em
benefício
do
poder
económico
essas
funções
imemoriais.
Cumpre notar de resto que, conforme a indústria cultural se
converte em sistema,
as
próprias figuras
da
arte
leve
e
da
arte
sé
r i a entram em processo de dissolução. A leveza tende a se tornar
1
1 ADORNO, T .
L ' A rt
e t l e s a r t s , o p . c i t . , p . 5 7.
1 2 ADORNO, T .
S o b r e W a l t e r
B e n j a m i n , p . 1 4 2 . O p e n s a d o r l e v a n t o u
o
p o n t o
e m
S o
c i a l
s i t u a t i o n
o f
m u s i c ,
p .
1 3 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A
D i a l é t i c a
d a
a r t e :
u t o pi a e
t r a g é d i a
13 5
cinismo; e a
seriedade,
incomunicação. O princípio que se im
põe, numa e
noutra,
é o
do
en tr e t enim ento mercantilizado.
As
chamadas
necessidades
superiores
s ã o ,
em
escala
mais
v a s t a ,
produto do processo
de renúncia
[da
s a t i s f a ç ã o material imediata]
e desempenham uma função
diversionista
através da
h i s t ó r i a . A
contraposição das
mesmas à
superficialidade
é
desde sempre uma
operação problemática,
porque
já há
algum
t e mpo os
monopólios
s e apropriaram do
profundo
da mesma f or ma que o fizeram
com
o
s u p e r f i c i a l . Dirigidas po r
Toscanini,
a s
Sinfonias de
B e e t h ov en
não
são
melhores do que
o último filme de
entretenimento:
sua
s í n
t e s e
é
um filme com Bette Davis.1
A problemática assim aparecida não tem a ver, por outro l a
do, com a clas se social do s que lh e s ão sujeitos, porque, na era
da
indústria cultural, não há mais
como
deduzir
a
essência da ar
t e da fração do público
que
a produz ou, mesmo, a consome.
Como antes, o
popular
não exclui o educado
e , desde
há algum
tempo
o
culto
se
democratizou
economicamente.
O mercado
atua cada v e z mais de mane i ra integrada e está aberto a
quem
puder pagar
e
tiver interesse,
tendo
passado
a
lidar com uma c l i
entela
que,
embora segmentada, raras v e z e s faz
distinção entre
o
que
é
leve
e o
que
é
s é r i o ,
entre formação e
entretenimento.
O contraponto vulgarmente feito entre as artes leve e erudita,
entre arte
e indústria cultural,
conforme
verificado
em n o s s o
t e mpo,
precisa
ser
visto
pois
como
ideologia,
encontrando
s eu
conteúdo
de v e r dade ape nas em algumas obras de
arte
de van
guarda, que sobrevivem
exoticamente, de modo
antiestético, nos
confins da
sociedade
estabelecida. A produção
a r t í s t i c a de
van
guarda é a única
que
tende a se opor ao
consumo
estético massi
ficado, por mais que ela mesma pareça
condenada
socialmente,
na
medida
em que,
pressionada, s e u de s pr opó s it o
se
transforma
cada v e z
mais em programa
idolátrico.
Em contato com a consciência dominante, as
vanguardas de
finham
engendrando um
tipo
de
obra que, via
de
regra,
não
tem
como ser ideológica mas, em compensação, tem pouca ou
ne
nhuma ressonância na esfera pública, convertida em mercado dos
bens
culturais e
e spaç o de publicidade. No l i m i t e ,
converte-se
1 3
HORKHEIMER,
M.
ADORNO,
T .
/
S e m i n a r i
d e l i a
S c u o l a
d l
F r a n c o f o r t e ,
p .
1 6 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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13 6 T h e o d o r A d o r n o
e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
r a n c i s c o
R i i d i g e r J
hoje a arte
séria em algo
do qual
t e m o s menos
uma
lembrança
do
que uma indicação social
e
histórica,
mas
que
não sabemos bem
o
que
é
e ,
portanto,
se
o
que
temos
diante
de nó s
é
ou
não
é
a r t e
Durante séculos, houve
apenas
as
obras de arte
artesanais.
As
expr e s sõ e s
a r t í s t i c a s (pintura,
música,
teatro)
tinham
um
cará-
t e r único, ligado
ao
momento
de
contato
com
a obra em s ua o r i
ginalidade.
O pr og re s s o das
forças produtivas não s ó en s ejou os
meios
para reproduzi-las (cinema, rádio, vídeo) como levou ao
aparecimento
de no vas fo rm as
(filme de
ficção, folhetim, música
eletrónica),
que
conferiram
ao
conjunto
a
condição
de
obras
de
arte tecnológicas.
O conceito
de arte
nova (moderna) refere-se
às (poucas)
obras que
vêm procurando r e s i s t i r à liquidação dos valores esté
ticos que ocorre jun to
com
e s s e
fenómeno,
na
medida em
que
es
s e , conforme a teoria c r í t i c a , confunde-se com o processo de
co nv e rs ão da cultura em mercadoria. A condição não requer que
s e ja m
artesanais.
Devemos
distinguir
a
indústria
cultural
dos
re
cursos técnicos de que se u t i l i z a .
Pode-se, querendo, escutar música r a d i c a l moderna no r á d i o ,
mas
diante
da ideologia dominante
na
i n d ú s t r i a da
canção e
diante
do
f a t o
de
que
o importante é
que
a cantora
canta
Rose a l l e Hawaii,
quem,
perante t a l
bombardeio, ainda é capaz
de
s e ocupar
com
os
estímulos extraordinariamente
diferenciados,
individualizados e ,
sobretudo,
i n t e l e c t u a l i z a d o s da mús ica realmente progressiva?14
A circunstância de , atualmente, as obras de a r t e , quaisquer
que sejam, serem conhecidas ou mesmo produzidas através de
gravações, filmes e
outros meios
técnicos,
em s i
mesma, é
t o t a l
mente
irrelevante,
pertencendo às
condições de n o s s o contexto
histórico. Os e l e m e n t o s
essenciais
da
atividade
a r t í s t i c a conse
quente
estão
potencialmente
presentes em qualquer m e i o ,
mesmo
quando
não
podem
se
desenvolv er
autonomamente,
em
função
de s ua dependência a forças e x t r a - a r t í s t i c a s .
Embora
o
filme procure
s e
despojar de
seu aspecto a r t í s t i c o
em
função de sua necessidade [ s o c i a l ] imanente -
quase
que como
s e
esse aspecto contradissesse seu princípio
a r t í s t i c o ,
e l e segue sendo
u ADORNO, T . GEHLEN, A . L a
s o c i o l o g i a
è u n a s c i e n z a d e l l ' u o m o
?
[
1 9 6 4 ] .
I n :
U b a l d o
F a d i n i
o r g . ) :
D e s i d e r i o
d i
v i t a .
M i l ã o :
M i m e s i s ,
1 9 9 5 ,
p .
9 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 141/296
A D i a l é t i c a d a a r t e : u t o p i a e t r a g é d i a 13 7
a r t e e uma ampliação de seu conceito i n c l u s i v e através dessa rebe
l i ã o
[contra o
princípio a r t í s t i c o ] . 1 5
O
problema
é
que
a
transformação
da
cultura
em mercadoria
que se esconde por t r á s do
progresso
dos
m e i o s
técnicos privou a
arte séria de
s ua
relativa
autonomia,
enquanto
as mudanças
na
estrutura social
condenavam as
formas de
a r t e burguesas,
como a
narrativa, ao
esclerosamento ideológico.
Os estímulos
estéticos
tornaram-se
um motivo
de
finalização especializada e passaram a
ser
empacotados
de
acordo com
as
médias
de gos t o
descobertas
no
mercado.
As formas que a isso resistiam tomaram, ao invés, o caminho
da
marginalidade.
A
satisfação sensorial,
por
v e z e s
punida de
modo ascé t ico e autoritário, to rnou- se hi s to r icam ente inimiga
d i -
reta da a r t e ,
na
medida em que a eufonia dos sons, a harmonia
das cores, a suavidade tornaram-se kitsch
e
marcas distintivas da
indústria cultural (Estética, p . 307).
A
consciência
e s t é t i c a ,
todavia,
não
sucumbiu
de
todo
diante
desse processo, inclusive
onde
os
a r t i s t a s não tomaram o cami
nho
da
resistência. As
vanguardas
realmente sérias
se
negaram a
ser coniventes com o mercado e a abrir mão de s ua autonomia,
conforme
exigido pelos novos aparatos de
publicidade.
Cocteau
não
f o i
o
primeiro
a apontar
que,
a p a r t i r do impressio
nismo, o
desenvolvimento da
nova pintura s ó pode ria
s e r
entendi
do
em
sua
relação
com
a
f o t o g r a f i a .
Em
termo
de
estruturação
é t i
c a ,
a pintura
torna-se
aquilo que escapa à técnica fotográfica e , ao
mesmo
tempo,
torna-se
uma r e s i s t ê n c i a contra
a metamorfose do
mundo em seu decalque f o t o g r á f i c o , que hoje s e
v a i
completando.
Análoga
é a
relação da música a r t í s t i c a com
a
música l i g e i r a [ . . . ]
na medida em que, para não fazer o jogo do rebanho
g e r a l ,
s e v o l t a
contra o ouvinte, contestando a s costumeiras concepções
de
imedi-
a t e z e naturalidade (Sociologia, p .
1 5 2 ) .
A
estratégia
de posicionamento adotada pela arte séria f o i ,
noutros termos, reclamar a reificação para s e u próprio trabalho, a
fim
de
que, na f a l t a
de
outra opção, e s sa surgisse de s e u próprio
impulso, ao invés de lh e ser i mpo s ta pela sociedade. A produção
1 5 ADORNO. T . L ' A r t e t l e s A r t s , p . 5 6 - 5 7 . C f . Hauke B r u n k h o r s t :
T h e o d o r
A d o r n o ,
a n
i n t r o d u c t i o n .
L o n dr e s : F al me r , 2 0 0 0 ,
p .
1 3 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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13 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
estética
que
não quis
ser
cooptada
passou a ser desestetizada,
despojou-se de s e u aspecto
culinário ,
como dizia o pensador;
e ,
pouco
a
pouco,
f o i
assumindo
uma
forma
cada
v e z
mais
enig
mática. Os
a r t i s t a s
não tiveram o ut r o r ecur s o s enão despojar suas
obras da aparência
do belo
e
do
agradável e , tendo em vista
s ua
nova forma de atuação, colocar-se a distância dos m e i o s de difu
s ão
que,
noutro contexto,
talvez pudessem aproximá-los da
população
(Estética,
p .
272).
1 6
A
contraposição
entre
vanguarda
séria
e
indústria cultural
que,
apesar
de
hoje
superada,
ensaiou-se
assim,
no
entanto,
não
ocorreu
no
plano da
técnica.
O
rádio
viu-se privado
em
boa
p a r t e
de
seu d i r e i t o
mais l e g í t i m o ,
que s e r i a
t r a n s m i t i r à s residências
p a r t i c u l a r e s
uma
música
que,
devido à sua própria e s t r u t u r a , seguisse os princípios mais apropri
ados àquelas condições de
e s c u t a : i s s o
s e
explica sociologica
mente.17
Para
Adorno,
o
conceito
de
arte
moderna
deve
ser
reservado
ao s procedimentos
técnicos que, em
s eu
próprio modo de s e r ,
convertem as obras em imagem da sociedade c a p i t a l i s t a , e
não
àqueles da produção
em
massa que querem
servir a
e s sa mesma
sociedade. A perspectiva não
significa, po r é m ,
que
essas
obras
não possam
se
valer da
técnica,
porque
nada
o bs t a par a que dela
se
utilizem. Durante
vários anos, o pensador
sustentou
que
as
técnicas
a r t í s t i c a s
e
industriais
divergiam,
não
tendo
o
mesmo
sentido em n o s s o
contexto
histórico (Cinema, p . 24).
Segundo Adorno, a criação e emprego das técnicas de repro
dução eram expressão
de
uma era em que
o
progresso técnico se
encontra
fora de controle
s o c i a l . As
pessoas
estão
sujeitas à téc
nica maquinística por
força económica. Com base
nisso,
argu
mentou que as
novas
mídias
não poderiam
ser veículos a r t í s t i c o s
autónomos.
O
cinema
e
o
disco,
para
ficar
neles
apenas,
eram,
1 6 P a r a d o x a l m e n t e ,
p o r é m , a
p r o d u ç ã o
a u t ó n o m a
p a s s o u
a d e p e n d e r
d o
a p o io d e ó r g ã o s p ú
b l i c o s e p r i v a d o s - q u e , e m b o r a e l a
d e n u n c i e ,
t o r n a r a m - s e s e u ú n i c o m e i o d e
s u b s i s t ê n c i a
I n d ú s t r i a ,
p .
1 0 2 ) . Q u a l q u e r
um q u e
q u e i r a f a z e r a l g o
t e m d e s e
s u b m e t e r
e
c o l a b o r a r ,
a d a p t a n d o - s e d e a l g u m modo a o p r i n c í p i o i m p e r a n t e , o u a o menos c o lo c ar -s e à f r e n t e d e
l i g a s e s e i t a s f a n t á s t i c a s p a r a c o n v e r t e r - s e , p r o t e s t a n d o c o nt r a a c o l e t i v i z a ç ã o , e m o b j e t o
d e o u t r a ,
n ã o
menos d u v i d o s a
d o q u e a q u e l a p r i m e i r a
( D i s s o n â n c i a s ,
p .
1 8 9 ) .
1 7
ADORNO.
T .
/ /
f i d o
m a e s t r o
s o s t i t u t o ,
p .
2 7 0 .
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A
D i a l é t i c a d a a r t e :
u t o p i a
e t r a g é d i a
13 9
antes de mai s nada, formas
do recém-estabelecido
imperialismo
cultural da tecnologia maquinística.
A
tecnificação
da
arte e r a ,
em
s ua
ó t i c a ,
um
subproduto
do
fascínio
que exerce o pr ogr e s s o am b ivale nt e , que,
à
expensa do
possível, considera seus supostos efetivos como garantia de i r r e -
futabilidade - para neles se acantonar; [desse progresso
que]
em-
purra-nos
para
o estado
de
coisas existente e , assim,
converte-se
secretamente em regressão, para a qual
tende po r
ora o conjunto
da sociedade industrial
tardia .18 A possibilidade
de dessacralizar
as
obras
de
arte que
se
escondia
no s
m e i o s
técnicos,
na
medida
em que e s s e s m e i o s poderiam reproduzi-la da m ane i ra menos es
p i r i t u a l possível, fora virtualmente
neutralizada
pela s ua e x plo ra
ç ão económica no â m b i t o da indústria da
cultura.
As tecnologias de
comunicação surgiram e passaram
a
atuar
no
bojo
da
expansão
das
relações mercantis e , assim,
viram-se
impedidas
de
ensejar a
criação de formas de arte
adequadas às
suas
condições
mat e ri ai s e
históricas.
O
cinema
e
o
rádio
foram
determinados
artisticamente pelos que chegaram primeiro e
de s
cobriram o aspecto comercial
das novas
técnicas
(idem,
p . 66).
Os esforços no sentido
antes
referido abortaram,
e
não houve
outra opção
para
essas técnicas s enão se
curvarem
à ratio comer
c i a l . O caminho seguido f o i , em regra, a adaptação de
velhas
formas
de a r t e .
A
televisão, o
rádio
e
o
disco,
por e x e m plo ,
não
evocaram
nenhuma
forma nova de música ou imagem.
Todos
es
ses me ios , em geral, limitaram-se a veicular o material s on or o e
visual criado fora de s eu âmbito.19 O cinema logrou criar
a
figura
do filme de ficção mas, via de regra, e s s e tomou como modelo a
novela
burguesa
do século
XVIII.
Resumidamente, Adorno sustentava que
a
produção destina
da ao s
m e i o s
de
difusão
em
massa é
moderna pelo
fato
de aceitar
os
esquemas industriais e me rcant is . A
novidade
não está nos
bens
que
gera, mas
nas
últimas
técnicas
descobertas
para
veiculá-
l a s
e
seus respectivos instrumentos propagandísticos. Entretanto,
1 8 ADORNO,
T .
M u s i c a y t e c n i c a , h o y ,
p . 1 4 9 .
ADORNO, T . T h e
f o r m
o f
t h e
p h o n o g r a p h r e c o r d .
I n :
-
O c t o b e r 5 5 ( 5 6 - 6 1 )
1 9 9 0 .
p .
5 6 - 5 7 . S o c i al c r i t i q u e o f
r a d i o m u s i c , p .
2 7 5 .
S t r a v i n s k i ,
Duchamps
e
B r e t o n , e n
t r e
o u t r o s ,
c o g i t a r a m e s s a
p o s s i b i l i d a d e
q u e . t o d a v i a ,
r e v e l o u - s e i m p r o d u t i v a s o c i a l
m e n t e . C f . K a h n , D .
W h i t e h e a d ,
G . o r g s . ) : W i re l e s s i ma gi na ti o n. C a m b r i d g e
( M A ) :
MIT
P r e s s ,
1 9 9 2 .
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14 0 F r a n c i s c o
R u d i g e r □ T h e o d o r
Adorno
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
convicção como e s sa não o impediu de
reconhecer em
seus escri
tos tardios que é possível produzir esteticamente com as técnicas
industriais,
porque,
em
última
instância,
as
mesmas forças
hu
manas de produção atuam por detrás do maquinismo tecnológico
e da técnica puramente a r t í s t i c a .
O perigo do
fetichismo
tecnológico e da
pesquisa
d i l e t a n t e e s t r a
nha ao verdadeiro significado da coisa não pode s e r substancial
men t e deplorado como uma
m era
aberração,
dado
que e s t e perigo
é um aspecto necessário e inseparável da presente c r i s e do sentido
musical
e
do
conjunto do s
f a t o r e s
e s t é t i c o s . 2 0
As
prédicas em favor da cultura contra
a
máquina s ão
tão r e -
acionárias
hoje
como o foram no passado, porque
já
faz muito
tempo que a técnica e os
materiais
disponíveis vêm i nspi rando a
fantasia, a mesma fantasia
que os pedantes defendem contra
ela
[ i s t o é , a tecnologia] . Os procedimentos eletrónicos e o filme
s ão m e i o s através dos
quais
sem
dúvida
se pode
criar
obras o r i
ginais.
T ecnologicament e,
constituem,
tanto
um
quanto
o
outro,
o processo
mais progressista
existente, porque possuem [em
princípio] o máximo
de liberdade em relação
ao material
que
lh e
chega pronto
e [em
tese] apenas aguarda
ser
descrito
e transmiti
do: a produção e a reprodução coincidem, produzindo-se
somen
t e o que
se
pode
ve r
na
tela [ou
no
alto-falante] .21
Conforme
explica
o
pensador, o
antagonismo
no
conceito
de
técnica ,
que
opõe
a
idéia
de
algo
intra-esteticamente deter
minado a
um de s en vo lvi m en t o e xt e ri or à s obras de a r t e , não po
de
conceber-se
de modo absoluto .
A
diferença
pode e
deve
ser
mediada.
Precisamos reconhecer que é possível produzir a r t i s t i
camente
a partir
da
natureza
específica de
meios
de
origem extra-
a r t í s t i c a (Estética,
p .
4 6) . Ainda mais,
podemos
no s valer de
procedimentos artísticos
para corrigir
e ult rapas sar
as
técnicas
extra-artísticas
imanentemente
(idem,
p .
177).
A
construção
e a
montagem s ão meios artísticos que surgiram como e xp r e s s ã o da
era da técnica e
que,
no entanto,
podem
desembocar
numa fo r
ma estética
ainda
desconhecida,
cuja
organização
racional
anun-
: o ADORNO. T . / / f i d o m a e s t r o s o s t i t u t o , p . 2 6 4 .
2 1
ADORNO,
T .
/ /
f i d o
m a e s t r o
s o s t i t u t o ,
p .
2 7 3 - 2 7 4 .
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A
D i a l é t i c a d a a r t e :
u t o p i a
e t r a g é d i a
14 1
cia a supressão
de
todas as categorias
da
administração e de
to
dos os seus reflexos na arte (idem,
p .
2 5 2 ) .
Visualizado em chave utópica, o processo poderia levar a
máquina e a arte a se voltarem contra o s co nce i to s
que
as
domi
nam
hoje
em
dia
( i s t o é , como indústria
cultural),
de modo que
não apenas as
fronteiras
que as demarcam
(seriedade
e
leveza,
criatividade
e consumo,
etc),
mas elas mesmas se apagassem ou
fossem superadas como princípios de
identidade
que se posicio
nam diferentemente na sociedade. Atualmente, a
criatividade
ar
t í s t i c a
em geral encontra-se virtualmente
dissolvida
na prática da
indústria da cultura.22 Entendida utopicamente, a salvação de
s e us r e sí duo s consistiria
na rejeição
das
fronteiras sempre variá
veis
e
difusas que separam
o alto e
o baixo, através da invenção
de uma forma superior de experiência capaz de reconciliar ou
a -
proximar
arte
e
técnica de um modo mais
avançado
socialmente
do
que o existente na s ua síntese caótica
e estacionária, promovi
da por e s sa prática que se converteu em sistema.
4 . 2 Técnica,
arte
e
entretenimento
A perspectiva
serve
de ponto de
partida
para fazermos uma
reavaliação do problema
da
própria
indústria
cultural, lembran-
do-se em primeiro
lugar
que s ua oposição
à arte
nova não deve
ser entendida de maneira dogmática, mas c r í t i c a e dialética. Em
última instância,
os espetáculos
baratos, que servem de
modelo
ou matriz
dessa indústria,
s ão - esteticamente - confissões do
que
as
obras de arte autênticas ocultam em s i como o s eu a priori
secreto
(Estética,
p . 97).
Adorno
jamais quis
jogar a
arte séria contra
a
arte leve,
como
pretendem
alguns
de seus
detratores.
A
postura não
lh e caía
bem
até
porque,
hoje
em
d i a ,
em
s eu
modo
de
ver,
e s s a di vi s ão
passou
a ser criada e mantida pe la pr ópr ia indústria cultural (Música, p .
73). A suposição de
que
ambas
podem conviver
lado a lado e
de
BURGER, P . T e o r i a
d e l a
a v a n g u a r d i a . 3 .
e d .
B a r c e l o n a : P e n í n s u l a , 2 0 0 0 . Quando
o s p r o t e s t o s d a v a n g u a r d a h i s t ó r i c a c o n t r a a a r t e i n s t i t u í d a chegam a se r c o n s i d e r a d o s
como a r t e , a a t i t u d e
d e
p r o t e s t o
p a s s a
a s e r
i n a u t ê n t i c a .
O r i g i n a - s e d a í a
i m p r e s s ã o d e
i n d ú s t r i a a r t í s t i c a q u e a s o b r a s n e o v a n g u a r d i s t a s co m f r e q u ê n c i a p r o v o c a m p . 1 0 7 ) .
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14 2 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
que cada um
pode
escolher
à
vontade
s eu
partido
é produto
de
um
pluralismo indigente e expr e s são
de
uma sociedade
onde
o
espírito
já
não
está
pre s o
a
nenhum
conceito
apenas
como ideo
logia.
Na
verdade,
os fenómenos encontram-se
integrados
numa
unidade superior, que
é a
da
indústria
da
cultura, constituindo
uma
totalidade concreta, que
não se move s enão em constante
contradição (Dissonâncias, p .
26).
A preocupação do autor f o i , antes, esclarecer criticamente
e s sa situação, especialmente a
maneira
como s uas t e ns õe s
se
tor
naram
tão
profundas
no
capitalismo
avançado,
a
p a r t i r
da
inte
gração fo rç ada das esferas
da cultura superior
e arte bárbara
promovida pela indústria cultural. A c r í t i c a que
dirigiu à
conver
s ão de ss a indústria em s i s t e ma jamais pret e ndeu condenar, quer
em sentido moral, quer em sentido estético,
a
arte leve,
ainda
que
por ela não se interessasse. Os componentes estéticos dela origi
nados com que aquela
arte trabalha,
embora igualmente
c r i t i c a
dos,
não
s ão
alvo
do
mesmo
tipo
de
juízos
aplicado
à
prática
da
indústria cultural.
O filósofo, sem dúvida, defendeu o alto modernismo, mas
não
é
certo que
a principal
r az ã o par a
t e r
se
tornado
s e u intérpre
t e
tenha sido as do elitismo estético. A explicação
r e s i d i r i a ,
an
t e s , na capacidade de
resistência à
reificação, na condição de
sin
toma negativo do progresso que, segundo e l e , várias obras de ar
t e desse movimento expressariam.
A passagem seguinte, chocante à consciência, seria pr o va
disso:
As P é t i t e s
V i e l l e s
de
Baudelaire,
O
criminoso
de G e o rg e
[ e o u t r a s ]
s ão o bras que
chegam mais
perto
da pe rce pç ão da l e i
do
desmoro
namento
[da
c u l t u r a ] do que,
por exemplo, a
descrição contínua
e
i n f a t i g á v e l de favelas
e
minas
[ p e l a s
páginas do s j o r n a i s ] . Se a s
badaladas da
hora
h i s t ó r i c a ecoam nestas descrições, aqueles poe
mas
percebem
o que i s s o s i g n i f i c a .
[ . . . ] O
banal é destinado
ao
es
quecimento. O que
adquire
forma vale como h i s t o r i o g r a f i a s e c r e t a
(Prismas,
p . 220).
Adorno
não
pretende
com
isso
contestar
a eventual capaci
dade de
sensibilização
estética
e
de
esclarecimento
político
e
in
telectual contida
na
crescente difusão
de
i nfo rm aç õe s , t e ndo - a
realçado. Porém
mantinha
uma postura c r í t i c a , que não
isentava
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A
D i a l é t i c a
d a
a r t e :
u t o p i a e t r a g é d i a 14 3
a arte
s é r i a , ao notar que, em regra, e s sa difusão
depende,
quando
construtiva, de ideais
terapêuticos, afirmadores
de
um
modo
de
vida
sadio,
bem
estabelecido
e
organizado
burocraticamente.
Na prática, a
relação entre
as esferas da
arte
leve e da
arte
sé
r i a , conforme observado acima, é mediada uma pela outra e está
sujeita ao processo histórico.
Significa
que
ela comporta a possi
bilidade de
superação. A
comprovação se encontra, a l i á s ,
na
ma
neira como se
vem
tentando
conciliar
essas
esferas ao
longo da
história e ,
às vezes, chegou-se mesmo
a superar
com s uce s s o s ua
contraposição.
Wolfgang Amadeus
Mozart,
por exemplo, manejou com t a l
maestria
suas diferenças
que, pode-se
dizer,
chegou ao ponto
de
ultrapassá-las em A Flauta Mágica. Molière, por s ua vez, sabia
divertir sem perder
a consciência
da
precariedade
da existência
humana. Já Collete escreveu narrativas profundas, sem se
inco
modar
com o
f i n a l ,
no qual
a
heroína
frígida encontra
o
prazer
nos braços do e s p o s o legítimo.
Atualmente, verifica-se, po r é m , que a possibilidade desse
equilíbrio desvaneceu
e as tentativas de amálgama - a exemplo
dessas
assumidas
po r co m po s i t o r e s
diligentes no tempo em que
o
jazz se
t o rno u m ani a,
permanecem improdutivas .23 A
conversão
da indústria cultural
em si s t ema promoveu
a
s ua
integração for
çada,
como costumava
dizer Adorno.
Apesar
disso, precisamos
observar
que
a c r í t i c a
não
pretende
proibir
a
procura da
referida
superação,
nem
deveria
vedar
a
possibilidade
dela ser
encontra
da. Nessa hipótese,
talvez
pudesse ocorrer
que nos
situássemos,
ainda que
por
um momento, além
dos
limites
imposto s pelo pro
cesso sistemático
e
ampliado de transformação da cultura em
mercadoria.
O
pr edo m í ni o do entretenimento como sentido imediato do
consumo de bens culturais, vendo
bem,
seria uma espécie de
compensação
histórica
pela
perda
das
experiências
de
vida
onde
2 5
ADORNO,
T .
On
t h e
s o c i a l
s i t u a t i o n o f m us ic ,
p .
1 6 0 . E x i s t e m v á r i o s e st ud os s o
b r e a q u e s t ã o
d o
j a z z e m
A d o r n o . C h r i s t i a n B é t h u n e
é a u t o r
d e
um
d o s
m e l h o r e s e
m a i s c o m p l e t o s . Resume bem uma
i d é i a
d e Adorno o j u í z o d e q u e , e m s e u s e s c r i t o s ,
r e g r e s s i v o n o p l a n o a fe ti vo e e m s u a d i m e n s ã o e s t é t i c a , o
j a z z
também s e
r e v e l a
r e a -
c i o n á r i o
e m s ua e x p r e ss ã o s o c i a l
t a n t o
q u a n t o e m s u a s i m p l i c a ç õ e s p o l í t i c a s . P o r é m ,
c r e m o s , n ã o
s e g u e
d is so q ue , n o e n t e n d e r
d o
p e n s a d o r , o s a r t i f í c i o s
d e s s a
m ú s i c a s e
jam
t o d o
o o p o s t o d a p r o m e s s a
d e
l i b e r d a d e r a d i c a l e n g e n d r a d a p e l a
a u t ê n t i c a o b r a
d e
a r t e
c f .
Adorno
e t l e
j a z z .
P a r i s :
K l i n c k s i e c k ,
2 0 0 3 ,
p .
2 7 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 148/296
14 4
F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
o sério e o ligeiro ainda não estavam tão separados. Apenas por
caus a de s ua mutilação mercadológica,
pois,
é que o vulgar re
presenta
o plebeu
posto
de
lado
pela
chamada
arte
nobre
(Esté
t i c a ,
p .
2 6 8 ) .
A contraposição entre cultura
e barbárie,
arte
séria e
d i s t r a -
ç ão barata,
sempre
existiu
enquanto
expr e s são da divisão da
so
ciedade e , se passou a ser vista
com
maus olhos
com
a ascensão
da era moderna, não deixou
de
indicar uma verdade a respeito da
sociedade: falsa é s ó
a
tentativa de fundi-las numa síntese mer
c a n t i l
pasteurizada.
Noutros
termos,
o
problema
com
a
indústria
cultural
é
que
e l a ,
em detrimento de ambas, força
a
r e uni ão das
esferas da
arte
superior e da
arte i n f e r i o r ,
separadas
há milhares
de anos. A seriedade da
arte
superior é destruída através da espe
culação sobre s ua eficácia; a da inferior é perdida com a imposi
ç ão de coações civilizadoras
à
resistência rebelde que carregava
consigo
quando o controle social ainda
não
era total
(Indústria,
p .
93).
D en t r o
dela, a
arte
séria
viu-se privada de s ua força, passan
do a
ser
mais um motivo de distração,
e a
arte leve
t e r m in ou
se
questrada pelo
cálculo
puramente mercantil. A subordinação
da
produção cultural erudita não significou
a
democratização da
cultura, levando antes à
supressão do
projeto contido em
s eu
conceito.
Os
conteúdos objetivos da formação cultural, c o i s i f i -
cados como mercadorias, sobrevivem [agora] à custa de s eu con
teúdo
de
verdade
e
de
suas
relações
vivas
com
o
sujeito
vivo,
o
que
de
certo modo
equivalia à
s ua
definição
(Pseudocultura, p .
2 4 5 ) .
Entretanto,
a
cultura
popular
também saiu perdendo.
O de
s en vo lvi m en t o
industrial tende
a
privá-la da espontaneidade,
transformando-a em artigo de
consumo uniformizado.
Aparen
t em ent e,
o s pr im ei ro s
filmes
de
animação eram fantasias que ten
tavam
dar
uma
segunda
vida
ao s
mutilados
pelo
progresso,
antes
de se t ornarem um meio de h ab it uar o s s e nt ido s
ao
rit mo da
vida
moderna. Ojazz f o i em
s ua origem
uma
expr e s são do
lumpesina-
t o
negro, que não
obstante
t e r m i nou sendo
cooptada
pela indús
t r i a ,
privada do s
s eus aspect o s críticos e
transformado em iguaria
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A D i a l é t i c a d a a r t e : u t o p i a
e
t r a g é d i a 14 5
de classe
média a l t a , a
despeito de suas
eventuais
qualidades,
s e
gundo
Adorno.24
A
racionalização
a
que
a
arte
bárbara
f o i
sub m e t ida
colocou-
a
na
dependência do processo de
divisão
do trabalho: agora, o
caçador
de
talentos, o produtor, o divulgador, o
vendedor, e t c .
dirigem e controlam seus impulsos. Os a r t i s t a s po pular es s ão
procurados, descobertos, reformatados e
divulgados
por
profis
sionais
de
classe
média. A aventura arriscada que,
às
ve ze s,
era
a
v i s i t a
ao
bordel converteu-se, para muitos,
no
hábito mais ou
menos
terapêutico
de
fazer
us o
dos
serviços
de
telessexo
e
com
prar
produtos eróticos no
comércio
especializado. A espontanei
dade
passou,
em suma, a
ser
canalizada no sentido de permitir
a
reprodução ampliada do
si s t ema
técnico e mercantil em que atu-
almente se tornou o todo da sociedade.
O principal problema, contudo, provém do fato dessa
síntese
perpetuar
a
própria separação entre cultura
e trabalho,
o caráter
cindido
da praxis humana,
conforme
f o i
definido
na origem da
sociedade. O combate à cultura
de
massa s ó pode consistir em
assinalar s ua conexão com a
persistência
da injustiça
social , es
clareceu Horkheimer (Prismas, p .
109).
A verdadeira utopia civilizatória consiste não em reconhecer,
mas
em superar a
alternativa entre trabalho
e dive rs ão,
porque
quem conhece
a
liberdade
acha
insuportável
todo divertimento
tolerado
[pela] sociedade [existente],
e fora de
s eu
trabalho
[,e m
que se r e a l i z a , ]
recusa-se
a se
entregar
a algum
prazer
substituto
(Minima, p . 113). No capitalismo, acontece que a possibilidade
de
realizar-se integralmente,
cultivar o próprio modo de s e r , es-
tendeu-se às massas, mas como diversão. A cultura tornou-se as
sim, po r é m , uma paródia
de
s i mesma, pois onde não envolve a
distração,
reveste-se
de
um caráter u t i l i t á r i o ou de
prestígio
s o
c i a l totalmente comprometido com
as regras
da
economia
m e r -
2 4 Lendo A d o r n o , c o n v i r i a d i st i ng u ir e n t r e s e u s j u í z o s h i s t ó r i c o s s o b r e , p o r e x e mp l o , o
j a z z , e s e u s j u í z o s t e ó r i c o s h i s t ó r i c o s e
f i l o s ó f i c o s )
s o b r e , n o c a s o , a i n dú s tr i a c u l tu
r a l . T a n t o u n s q u a n t o o s o u t r o s podem e s t a r e r r a d o s o u e q u i v o c a d o s , mas n ã o n o
mesmo p l a n o . A b r i r
p o l ê m i c a
num d e l e s n ã o
i m p l i c a
a mesma
f o r m a
d e a r g u m e n t a ç ã o
q u e o o u t r o o e x i g i r i a . J u l g a m e n t o s f a c t u a i s e s t ã o s e m p r e s u j e i t o s à r e v i s ã o , mas
s ó
podem s e r
bem a v a l i a d o s
e m
r e l a ç ã o
a c o n t e x t o s c o n ce i t u ai s e s c l ar e c i do s e
q u e s e j a m
c ap az e s d e p e r m i t i r a
s ua c o n tí n u a r e c o n st ru ç ã o
h i s t ó r i c a e f i l o s ó f i c a .
D e f e n d e r
e s s a
t e s e ,
e
n ã o
o s j u í z o s d o f i l ó s o f o ,
como s e
v ê e m m u i t o s t r a t a m e n t o s d o a ss un to , é
uma
p r o p o s t a
c e n t r a l
d e s t e
T h e o d o r
Adorno
e
a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 150/296
14 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
c a n t i l . A realização individual da maioria é
matéria
confiada da
m ane i ra m ai s baixa possível ao tempo livre colonizado pela i n
dústria
cultural
e
continua separada
da
práxis
produtiva
que
lh e
daria concretude.
N out r o s termos, o trabalho ou ação
instrumental
conserva o
aspecto coercitivo e , a cultura, é tratada de maneira improdutiva.
Na verdade,
e ss a virou motivo
de
uma profissão,
que
procura fa
z er esquecer do que temos de passar para sobreviver, ao invés de
um momento
integral e constante
da
própria
autoconservação.
As
mercadorias
e
serviços
culturais
são,
para
a
maioria,
um
sucedâ
ne o
da
possibilidade de pesquisar,
escolher
e
conduzir
a própria
vida segundo suas próprias intenções,
de
maneira realmente au
t ónoma.
Enquanto
em
sua e s t r u t u r a
[funcional] trabalho
e divertimento
s e
tornam cada vez mais
semelhantes,
a s
pessoas passam
a separá-los
de um modo cada ve z mais r í g i d o com i n v i s í v e i s l i n h a s de demar
cação.
De
ambos, foram
expulsos,
na
mesma
proporção,
o
prazer
e
o
e s p í r i t o . Lá
como cá imperam a
seriedade sem humor
e a pseu-
do-atividade
(Minima
moralia,
p . 1
1 4 ) .
A separação entre trabalho e
diversão
que sucede à oposição
entre
cultura
superior
arte bárbara esconde
o
fracasso
da cultura.
A
cultura
pretendia
superar
aquela divisão e , com
e l a , a própria
idéia
de di v e rt i m e nt o po rque , em
princípio, as necessidades do
púb li co [ s e mpr e ]
englobam
ambos
os
aspectos:
a
exigência
hon
rada de
uma
[ a r t e ]
válida
e o desejo
turvo de evasão;
e nenhuma
reação isolada dele é suscetível
de
ser subsumida em uma ou ou
t r a categoria .
A crítica à indústria
cultural
é uma reflexão
que
conserva a
referida pretensão submetendo e s sa partilha a um exame que não
deve ser visto como
uma
tomada
de posição em favor da cultura
elevada
mas,
antes,
como
referencial
teórico
de
um
método
ob-
jetivo
que
consiste
em determinar em cada ocasião,
a
p a r t i r da
função e
da natureza
[da
a r t e ] ,
até
que
ponto
esta cumpre
s ua
respectiva tarefa ou até que ponto s ua humanidade se limita e x
clusivamente
a
dissimular o
inumano (Cinema, p . 171).
A situação social v iv i da h o je impede que se po ssa definir por
princípio quais s ão
as
necessidades verdadeiras e f a l s a s ,
quais
obras, bens e m e i o s s ão a priori forjados ou autênticos. A
repro
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A D i a l é t i c a
d a a r t e : u t o pi a e t r a g é d i a
14 7
dução das co ndi ç õe s de vida e a s ua exploração mercantil, fanta
sia e
conformismo, formam uma unidade, que em tese
se
inscre
v e
em todas as
manifestações
da
sociedade. Ojulgamento precisa
ser
feito pois
caso a
caso, levando em
co nt a ai nda
as constela
ções históricas de
fatores
em que
eles
se
inserem.
Os s u j e i t o s humanos, incluindo os mais atrasados e presos à s co n
venções, t ê m d i r e i t o
à
s a t i s f a ç ã o de suas necessidades, ainda que
sejam
f a l s a s
necessidades. O pensamento que s e ocupa das v erda
d e i r a s
necessidades,
a s
o b j e t i v a s ,
levando-nos a pór
de
lado toda
subjetividade, sem
l h e dar a m e n o r consideração,
transforma-se em
opressão b r u t a l , seguindo o
exemplo
que [na p o l í t i c a ] contrapõe a
volonté générale
à
volonté de t o u s . At é
mesmo nas
f a l s a s necessi
dades que desfrutamos vigora um resquício de l i b e r d a d e . 2 5
Conforme escreve Adorno, a condenação do kitsch
e
da arte
leve esconde um
aspecto da
barbárie, do mal-estar destruidor na
civilização (Estética, p . 77). Os hedonismos
populares
costu
mam
ser
julgados
como
uma
forma
degenerada
da
alta
cultura.
Entretanto, quem os
lastima
como traição do ideal da
e xp r e s s ã o
pura está alimentando ilusões sobre a sociedade (Dialética, p .
127).
O en t re t en imen t o barato
ofertado
pela indústria é
um
teste
munho
menor
do
fracasso da referida
cultura
e , po r outro lado,
até mesmo
nesse
desastre
há um
bom auspício. O
conceito
de ar
t e
pura
não
existe
a priori:
surgiu pouco a
pouco, no decurso de
um processo marcado pela dominação. T i v e s s e e s sa tido um fim,
talvez a arte
viesse se
associar à
brincadeira.
A cultura superior é
apenas o presságio de uma
situação
social
e humana
mais
avan
çada em comparação com a produzida pelo passado .
Para
quem
o
objetivo é a eliminação das classes
sociais
e das
carências ma
t e r i a i s , a dissolução da cultura até agora existente não é um
pr eço
muito alto
a
pagar
pela
s ua realização , disse Adorno.26
A
liberdade
das
massas
em
relação
às
exigências
postas pela
arte séria possui um sentido humano,
na
medida em que sinaliza
(abstratamente)
um estado
dessa
espécie, no
qual a cultura deixa
r i a de
ser exigida
ou i mpo s ta
à
sociedade.
A verdadeira
liberdade
é de ve r
que,
às
ve ze s,
acontece de hav e r
mais verdade
no
que
2 5 ADORNO, T . L a r t e t l e s a r t s . P a r i s : D e sc lé e d e B r o u w e r , 2 0 0 2 , p . 9 8 .
2 6
HORKHEIMER,
M.
ADORNO,
T .
/
S e m i n a r i
d e l i a
S c u o l a
d l
F r a n c o f o r t e ,
p .
1
5 0 .
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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A
D i a l é t i c a d a a r t e :
u t o p i a
e t r a g é d i a
14 9
nema. A aposta c r í t i c a em uma
utopia
radical, ao
contrário,
im
porta
na
possibilidade
de superar não apenas a prática da
indús
t r i a
cultural
mas,
também,
as
várias
formas
de
arte
elevada,
t a l
como as conhecemos até
a atualidade.
Deixando de
ser algo especial, poderiam
todas
as
formas
de
arte
vir
a
ser
apenas uma das
tantas
possibilidades de realização
do
indivíduo, sem o pe s o
morto que é
o
próprio conceito
de obra
de a r t e .
Quando
a
sociedade sem c l a s s e s promete
a
supressão da a r t e , supe
rando
a
tensão
entre
o
r e a l
e
o
p o s s í v e l ,
promete
também
o
i n í c i o
da
a r t e , do i n ú t i l , cuja noção tende à reconciliação com a natureza,
na medida em que, por essa v i a , a a r t e s e desvincularia do que é ú -
t i l
para
os seus exploradores.28
Historicamente, contudo,
aconteceu que os
privilégios
con
servados
pelas classes dominantes excluíram
as camadas
popula
res
da
possibilidade de t e r e m
uma formação
e
de
cada
um viver
de
acordo
com
suas
inclinações.
R e s t o u
a
elas
apenas
o
diverti
m en t o .
Destarte,
precisamos convir que
essas
camadas têm toda
a razão
em se
d i s t r a i r
durante o tempo em que não
têm de
lutar
pela sobrevivência.
Na
sociedade repressiva, o en tr e t enim ento
obrigatoriamente
t em ,
mesmo sendo em
geral
embrutecedor, um
significado
emancipatório.
Nós
não
podemos
culpar
a s
pessoas porque e l a s
estão mais i n t e r e s
sadas
na
esfera
privada
e
no
consumo
do
que
na
da
produção. Este
traço cont ém um
elemento utópico.
Na
Utopia a produção
não de
s e m p enha um papel decisivo: e l a é a t e r r a do
me l
e do l e i t e . Penso
que
é
de profundo significado que
a a r t e e a poesia sempre
mostra
ram uma afinidade com
o
consumo.29
Desde
o
início
do s
t e m p o s ,
o
entretenimento e a
arte
leve fo
ram
sinal
negativo
da dominação,
mas também
de liberdade
sub-
jetiva
e
corporal. Os
fenómenos
possuem
s ua
dialética,
na
medi
da em que
s e , de
um
lado,
significam uma
fuga
e , assim,
pór-se
de acordo, ainda que indireto, com
a
ordem social, de outro r e
pr e s en ta m uma antecipação
utópica
da boa sociedade,
a l i b e r t a -
2 8 HORKHE1MER. M. ADORNO, T . / S e m i n a r i
d e l i a
S c u o l a d i
F r a n c o f o r t e ,
p . 1 6 8 .
2 9
Max
H o r k h e i m e r
a p u d
M a r t i n
J a y :
D i a l e c t i c a l
i m a g i n a t i o n .
p .
2 1 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 154/296
15 0 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
ç ão das tarefas
mecânicas
e compulsórias:
eles
são, em síntese, a
aparência de um direito
objetivo
da humanidade.
A
transformação
da
indústria
cultural
em
s i s t e ma
alterou
o
sentido, mas não chegou a suprimir e s s e momento. Atualmente,
o
aparelho
de
televisão
oferece
à
dona de casa, apesar dos f i l
mes
destinados a
integrá-la, um refúgio onde
ela pode passar a l
gumas
horas sem controle, assim
como
outrora, quando
ainda
havia lares e folgas vespertinas, ela podia
se
pór à
janela
para
f i
car olhando a rua
(Dialética, p .
130).
A
argumentação
social
diretamente
dirigida
contra
a
indús
t r i a
cultural possui componentes ideológicos (Estética,
p .
29),
porque a esfera da a l t a cultura
é
mediada pela diversão e , mais,
todas as obras de a r t e , em alguma medida, sempre e s t iv e ram con
taminadas pelos esquemas mercantis da indústria (Cf. Indústria,
p . 106). O e l e m en t o do desvario e do
burlesco
está contido de
m an e i r a s u bl im ada
mesmo nas obras
mais
importantes
(Estéti
ca,
p .
139),
assim
como os
refúgios
da
arte
circence
que
perdeu
a
alma
[no
â m b i t o da indústria] e v entualment e podem
repre
sentar o
humano
contra o
mecanismo social (Dialética,
p .
134).
A separação
entre as
esferas
da cultura superior
e
da
arte
bárbara
é
produto de um processo histórico
mas,
por isso mesmo,
algo
que não
é absoluto. O kitsch
mais miserável
e
que,
no
e n
tanto, se apresenta necessariamente
como
a r t e , não pode impedir
o que e le de te sta, o momento do em-si, a pretensão à verdade
enquanto, por outro
lado,
mesmo na obra superior se encontra
oculto, sublimado até à s ua autonomia, o momento do para-
outro,
algo
que
busca
o resíduo
terreno
da
aprovação [social]
(Estética,
p .
3 4 5 ) .3 0
O conteúdo
de verdade
do s
vários
m e i o s
de
expr e s são
se
m odifica de maneira histórica: o
kitsch
pode tornar-se a r t e , assim
como a arte pode tornar-se kitsch.
Stephan
Zweig
conseguiu
produzir
romances
bastante
mati
zados em
s ua juventude, mas
no
fim
sub m e t eu- s e
à visão de
1 0 Em C u l t u r e I n d u s t r y , p . 6 1 , p o d e - s e c on fe ri r a m a n e i r a como e s s a c o n e x ã o moveu a
f i g u r a d o show
d e
v a r i e d a d e s .
R o b e r t W i t k i n
c o m e n t a
q u e a
s u s p e n s ã o
d o s p r o
c e s s o s d e d e s e n v o lv i me n t o , d o t e m p o r a l
e
d o h i s t ó r i c o
é a
p r ó p r i a
e s s ê n c i a d a s v a r i e
d a d e s .
Em A d o r n o , p r o s s e g u e ,
o s
q u a d r o s
d e
v a r i e d a d e s demonstram
a r í g i d a do
m i n a ç ã o
d a r e p e t i ç ã o
q u e c ar ac te r iz a a
t é c n i c a , a p r o p r i a d a
n e l e s
como
l i b e r d a d e e n
c e n a d a
( A d o r n o o n p o p u l a r
c u l t u r e ,
o p .
c i t . ,
p .
6 5 - 6 7 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 155/296
15 1
mundo do f i l i s t e u da cultura , ao pr et ender explorar
a
psicolo
gia do homem criativo (Sociologia, p . 170 ). Art is tas que eram
modernos
h á
pouco
t e m p o ,
podem
se
tornar
populares com
o
passar dele, mas
também
vice-versa: o juízo
depende
de um
exame
do rumo tomado pela arte no contexto global da socieda
de
A c r í t i c a
que
se
pretende justa não deveria
condenar a
diver
são, porque t e r i a um caráter
desnaturado,
nem mistificar
a a r t e ,
porque é f e i t a fora
das
regras.
Conforme
escreve Adorno, Mahler
criou
uma música
fo r
midável
não
a
despeito
do
kitsch
para
o
qual
ela
tende,
mas
por
causa da maneira como s ua
construção solta a
língua
do
kitsch,
liberando o
desejo
que o comércio explora e que em troca o k i t s
ch
serve .31 O
surrealismo
tomou
parte de
seus modelos da
por
nografia,
exemplo
acabado do fetiche
da
mercadoria cultural,
pa
ra
poder mostrar onde
chegamos com
a
completa
imposição
de s
sa
última
forma à
sociedade.
As
coisas
que
ocorrem
nas
colagens,
a s
coisas
que
são
convulsi
vamente
penduradas n e l a s ,
como a s l i n h a s l a s c i v a s
que
rodeiam
uma
boca, são
como
a s mudanças
que acont e ce m
na imagem por
nográfica no momento
em
que o
voyeur
chega
à
s a t i s f a ç ã o .
Os
s e i o s extirpados e os manequins com meias de sedas
que
vemos
nas
colagens
são
objetos
do s desejos
perversos que haviam
excita
do
a l i b i d o
(Literatura í , p .
8 9 ) .
Devemos
a
Andreas
Huyssen
uma
análise
s e mi nal de s s a
co
nexão insuspeita entre os conceitos de
arte
séria e
indústria cultu
r a l , conforme
ela
pode
ser
extraída do ensaio
de
Adorno s obre
Wagner.
Segundo o autor, o referido
livro
pode ser lido como
um relato sobre o nascimento
do
fascismo
do
conceito wagne
riano de o bra de
arte t o t a l
mas, também, do espírito da cultura de
massa de uma
das
expressões
a r t í s t i c a s
mais ambiciosas do
sé
culo
XIX. Cedendo às forças mercantis
com
que suas obras
t i
nham
de
l i d a r ,
o
a r t i s t a escondeu
o
crescente e s t ranhamento
do
compositor
perante o
público
ao
conceber
s ua música
como
ges-
T h e o d o r Adorno a p u d
U l r i c h
S c h õ n h e r r : Adorno a n d J a z z . I n :
T e l o s
8 7 ( 8 5 - 9 6 )
1 9 8 7 , p . 9 5 . C f .
T h e o d o r
A d o r n o : M a h l e r .
B a r c e l o n a :
P e n í n s u l a . 1 9 8 7 . B e c k e t t
t a m
bé m p o d e r i a
s e r v i r
d e
e x e m p l o
d e s s a
r e l a ç ã o d i a l é t i c a e n t r e
a r t e s é r i a e a r t e
l e v e . S e
gundo c o n s t a , o s p e r s o n a g e n s e
a n t i - h e r ó i s d e s u a s
p e ç a s f o r a m
i n s p i r a d o s
p e l o s
c l o w n s
e
p e l o
b u r l e s c o c i n e m a t o g r á f i c o
E s t é t i c a ,
p .
9 9 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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15 2 F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
t o impressionante e cooptar a audiência para suas obras através
de
efeitos calculados .32
Resumidamente,
Adorno
sugere,
n e s sa
análise,
que
a cultura
de mercado não se impõe à arte apenas do
exterior,
porque
a
própria arte se revela
portadora
de
seus
motivos, na medida em
que se emancipa das fo rmas de
arte
tradicional. As óperas
wag
nerianas
possuem
mais
do
que o
caráter mercantil:
as
fantasma
gorias por elas agenciadas em moldes tipicamente t ecnológico s
têm
em
s i
mesmas o cunho
de be ns
de
consumo.
A totalidade da
música
parece
-
em
certos
casos
-
t e r
sido
concebida
primeiro
em
t e r m o s
da
batida e s ó
depois preencheu-se
s ua estrutura; es
pecialmente
nos primeiros estágios dos dramas musicais que o
músico estilizou, o tempo parece
ser
uma
espécie
de moldura
abstrata. 33
Em Mínima Moralia, o
pensador escreveu que
a e volução
das o br as de arte e a emergência da soberania do a r t i s t a como f i
gura
social
estão
ligadas
às
origens
da
prática
da
indústria
cultu
r a l :
A
cultura
de
massas contemporânea é historicamente
necessária
não só como
consequência
da
apreensão da t o t a l i d a d e
da vida po r
parte de enormes
empresas,
mas de o
que,
h o j e ,
parece s e r
o con
t r á r i o
mais
extremo da imperante estandardização da consciência:
a
subjetividade
e s t é t i c a . 3 4
Baudelaire,
Wagner
e
Manet,
embora
criadores
de
arte
s é r i a ,
abriram como tantos outros o caminho para s ua conversão
em
narcótico
sensual
e , assim, em
força
auxiliar no processo, ocorri
do
em
seguida, de t r an s fo r maç ã o
da
indústria cultural em s i s t e
ma. Ant es
deles,
Meyerbeer já
tinha,
po r é m ,
reduzido
os t e mas
políticos a
mero
espetáculo, como
ocorre
nos
filmes em
technicolor ou biografias
de
celebridades
que
a indústria cultural
põe
no
mercado
em
no s so s
dias
(Wagner,
p .
1
1 4 ) .
Depois Stefan
George desprezaria a massa
para
transformá-
l a ,
através de
uma
técnica
de
dominação
que
está
em
estreita r e -
1 2 HUYSSEN, A . Adorno i n R e v e r s e ( A f t e r t h e g r e a t d i v i d e , o p . c i t . , p . 1 6 - 4 3 ) . Po
demos l e r do mesmo m o d o , a p e n a s co m a l t e r a ç ã o d e c a m p o , d a m ú s i c a p a r a l i t e r a t u r a ,
o
e n s a i o G e o r g e e H o f m a n s s t h a l ( P r i s m a s , o p . c i t . , p . 1 8 7 - 2 2 1 ) .
3 3 ADORNO, T . I n : S e a r c h o f W a g n e r . L o n d r e s : V er s o , 1 9 9 1 , p . 3 0 - 3 1 .
3 4 ADORNO,
T .
Minima
m o r al i a. T r a d.
e s p :
C a r a c a s ,
Monte
A v i l a ,
1 9 7 5 ,
p .
1 8 8 .
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15 3
lação
com
a t écnica
a r t í s t i c a , em uma
massa
de consumidores
forçados
(Prismas,
p .
2 0 6) .
Schiller secretamente
antecipara,
contudo,
toda
a
situação,
consolidada
pelas
suas
práticas,
na
qual a
arte
é pre scrit a a
homens
de
negócios
fatigados como
re
médio de
poltrona (Literatura I I , p .
2 4 8 ) , ao
defender que a
vida
é
bela
em suas supracitadas Cartas.
A e x plicaç ão para
e s sa metamorfose está
no
fato de
que
a
emancipação da subjetividade estética
promovida
pelos tempos
modernos contém em
g e r m e ,
e
não s ó depois de
alguma traição,
a
conversão
do s
seus
conteúdos
expressivos
em
objeto
de
cálculo
por
parte
dos
veículos dessa indústria. A
arte
séria s ó de m ane ir a
excepcional e cada
ve z
menos
verificável
s e s ubt rai a um proces
s o de unificação
global,
em última instância promovido pelo
mercado.
Sinal disso é o tipo de exigência de e s t i l o que se póde cons
t a t a r ,
sobretudo,
na época do
art nouveau
e , em seguida, com o
modern s t y l e . O movimento que tornou todas as artes bens de
consumo de massa e os seus consumidores em objetos de cálculo
psicotecnológico estava
inscrito
socialmente como
possibilidade
histórica
nas
condições
de
nascimento tanto
da
arte
leve quanto
da
arte
s é r i a .
Richard
Wagner,
por
exemplo, conta-se
entre os
criadores
de
obras
de
arte puras
e ,
no
entanto, praticava
a indústria
cultural,
na medida em que, embora
autónomas,
suas obras,
como
as de
outros,35 articulam seus conceitos principais como fantasmago
r i a s . Significa que, em suas óperas , os
materiais
estéticos s ão
elaborados de mane ira regressiva. A técnica a r t í s t i c a serve para
criar
um refúgio onde
a
consciência pode encontrar abrigo, ao
invés
de
fazer frente ao s problemas que os referidos materiais co
locam historicamente.
As
experiências constitutivas da cultura
de
massa
-
fetichismo,
reificação, regressão,
pirotecnia e
m i t o -
não
T c h a i k o v s k y , M a e t e r l i n c k e
W i l d e
E s t é t i c a ,
p . 2 6 8 ) ,
t a m b é m , c o n c e b e r a m m o d e l o s
p a r a e
s e r v i r a m
à i n d ú s t r i a d a c u l t u r a ,
a n t e s
mesmo d e l a e n c o nt ra r s e u s v e r da de i ro s
c o n s u m i d o r e s
( T h e o d o r
A d o r n o :
Q u a s i u n a
f a n t a s i a . P a r i s :
G a l l i m a r d . 1 9 7 8 ,
p .
4 8 -
4 9 ) . E s s a t e n d ê n c i a j á s e d e l i n e i a e m S a i n t - B e u v e ( S o c i o l o g i a , p . 1 7 0 ) . P á g i n a s i n
t e i r a s
d e O s c a r
W i l d e p o d e r i a m
s e r v i r
como c a t á l o g o
d e j o a l h e r i a
( P r i s m a s , p . 2 1 5 ) .
G u s t a v M a h l e r e
P a u l
V a l é r y t e r i a m s i d o ,
a o
c o n t r á r i o , u n s d o s p r i m e i r o s a r e s i s t i r a
e s s e
p r o c e s s o
( L i t e r a t u r a
I ,
p .
9 8 - 1 0 8 ) .
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1 54
F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
somente se encontram contidas em embrião como s ã o elaboradas
de m ane ir a que preludia a indústria cultural do século XX.
Jovem,
N i e t z sche
t e r i a
errado
ao
re conh e ce r na obra de
arte
do futuro o que nós podemos testemunhar ser antes o nascimento
do filme a p a r t i r do espírito da
música .
A
superação
do confron
to
entre as obras
de
arte
sérias
e
leves,
entre autonomia e he tero-
nomia estéticas, está potencialmente inscrita nas condições de
emancipação tanto de uma quan t o de
outra.
Poucos
documentos
demonstram mais
e xp r e s s i v a m en t e como é
equívoco
afirmar
que
[os esquemas
da] cultura
de
massa
foram
i mpo s t o s
à
arte
desde
fora quanto as óperas de Wagner ( p . 107-108 ).
Contrariamente a
Mahler,
Wagner não logrou articular em
s ua
música
as rupturas
culturais de
s eu t e mpo, esforçando-se por
preservar
a autonomia
da obra de a r t e ,
virtualmente condenada,
através da criação de uma falsa harmonia que, de f a t o , apresenta-
se como
uma tentativa de retorno
à
mitologia.
O compositor
con
ceb eu
e
explorou
s ua
arte
como
matriz
de
efeitos
regressivos
e
mitificantes, fonte de intoxicação, pr ocurando am eni zar
as
rela
ções alienadas e reificadas existentes entre os homens e fazendo-
as soar
como
se ainda fossem
humanas
( p . 100).
A fantasmagoria
que
se
encontra
em suas criações por certo
é
extremamente complexa
e , no l i m i t e ,
veiculadora
de um impul
s o c r í t i c o , conforme demonstra a maneira como suas obras ques
tionam o prazer como figura doentia. A substância tóxica que
destila ilusões no público
é
ao
mesmo
tempo
responsável
pela
s ua eventual desilusão esclarecida. O ponto não deve nos fazer
ignorar, po r é m , que, por e s sa v i a , suas óperas, obras
de
arte to
t a i s ,
articularam
o
ingresso das fantasmagorias, maravilhas
da
te cnologia , no â m b i t o da arte elevada
e ,
assim, anteciparam s ua
dissolução no meio do espetáculo
tecnológico
mercantil
contem
po r â n e o
( p . 91 -95).36
As
considerações
externadas acima
revelam
que
cabe
à c r í t i
ca
à
indústria
cultural matizar seus
juízos
negativos, porque, seus
criadores
tendo
visto
ou
não,
também
e s sa indústria
tem
s ua dia-
l é t i c a .
A pretendida
integração
mercantil das esferas
da
formação
e barbárie
não
exclui
momentos em que r eluz e m
m e i o s
de
corri-
3 6 C f . C a r t a d e A l f r e d
S o h n - R e t h e l
a
A d o r n o , 2 9 / 0 1 / 1 9 3 8 . C o r r e s p o n d ê n c i a
( 1 9 3 6 -
1 9 6 9 ) ,
Roma:
M a n i f e s t o
L i b r i ,
2 0 0 0 ,
p .
8 7 .
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A D i a l é t i c a d a a r t e :
u t o pi a e
t r a g é d i a 15 5
gir a
seriedade da
obra
de
arte negativa,
nem
a possibilidade
de
se proceder a uma verdadeira conciliação.
Os
processos sociais
que dão forma
à
cultura
de
massa
influenciam
até
mesmo
as
obras de arte com mais
a l t a ambição.
Mas então, a recíproca é
verdadeira.
Os procedimentos a r t í s t i c o s ,
em
princípio, também
podem se
fazer presentes na
cultura
de
mercado. A esfera do
kitsch que lh e serve de modelo por certo não pode dar lugar a
obras negativas, mas o
mesmo
não
vale para
o caso de
obras
bem-sucedidas esteticamente.
Adorno
jamais
deixou
de,
c r í t i c a
e
dialeticamente,
redimir
a
arte leve:
Existe verdade a t é
na
l i t e r a t u r a marginal [pulp
l i t e r a t u r e ] , para
qual o gosto l i t e r á r i o e a
sabedoria mundana fecham
o
n a r i z :
a s
coisas que o co rr e m
na r a i z
da
sociedade, no submundo de
sua es
f e r a produtiva,
só
s e
tomam
v i s í v e i s
pelas margens
(Literatura
l ,
1 2 3 ) .
Assim
sendo,
por
que não
podemos
especular
se
fenómenos
análogos não se manifestam no â m b i t o
da
indústria da cultura ?
Deborah
Cook baseia-se em
Adorno
para afirmar que
as
mercadorias culturais e v entualment e podem
satisfazer
necessi
dades sociais
que
transcendem ou escapam ao contexto da socie
dade
c a p i t a l i s t a .
A
produção
a r t í s t i c a e l i t e r á r i a voltada para o
mercado se
caracteriza
por renunciar a s ua autonomia e se apre
sentar
s ob
a
forma
de b e ns de
consumo
que
satisfazem
necessi
dade s pr e v iam e nt e estabelecidas.
Entretanto, convém
notar que
e s s e s bens
possuem diversos
graus de reificação, não devem ser
vistos de
maneira
unidimensional.
Conforme
explica
a
autora, o
fato
de que
os estágios i n i c i a i s
do processo de trabalho cultural possuem certos aspectos
artesa
nais permite que alguns
produtos
menos
padronizados e
e n f e i t i
çados
possam
ch e gar ao
mercado
-
embora
a
formatação,
exces
sivamente inclinada a
imitar
os
produtos
bem-sucedidos,
contri
bua
para neutralizar e s sa possibilidade .37
COOK, D .
T h e
c u l t u r e
i n d u s t r y
r e v i s i t e d . Lanham
( M L ) :
Rowman a n d L i t t l c f i e l d ,
1 9 9 6 , p . 1 0 3 . Embora s e e s b o c e um p r o c e s s o d e d i v i s ã o
d o
t r a b a l h o n o â m b i t o d a s
e m p r e s a s m u s i c a i s , n ã o
s e
d e v e c o m p a r a r d e m a n e i r a m u i t o l i t e r a l o modo d e p r o d u
ç ã o d a m ú s i c a l i g e i r a , q u e e n s e j a
p r o d u t o s
m a s s i v o s , co m a
p r o d u ç ã o
d e
m a s s a
i n d u s
t r i a l ,
p o r q u e o p r o c e d i me n t o
p e r m a n e c e
p o r
a s s i m
d i z e r
a r t e s a n a l
e ,
e m
ú l t i m a
i n s -
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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15 6 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Para Adorno, as obras de
arte
sérias
s ão
as que, eventual
m ent e, não apenas logram r e s i s t i r à reificação - revelando em
suas
formas
estéticas
um
momento
de
oposição
à
estrutura
social
dominante, mas - ainda - conseguem r e m e t e r as demandas não
atendidas pe lo s is te ma para fora do s e u
horizonte
ideológico. A
estratégia
para
tanto consiste em criar um f e i t i ç o capaz de rom
pe r o fetichismo
e , assim, proceder
à
negação do
s eu
caráter de
mercadoria.38
O
conceito de indústria cultural exclui em s i mesmo e s sa a l
ternativa,
mas
não
a
de
pr oduz i r o b ras
bem-sucedidas.
Conside
rando que
o caráter
mercantil é uma
condição
de
verdade
da obra
de
arte
e se é verdade que
a
m e r cado r ia p e r vade
s ua
estrutura
sem
privar-lhe
de
força, podemos
perguntar, de f a t o , por
que a
indústria
cultural
não
poderia
dar lugar
a alguma nova forma
de
arte
ou,
para
usar um t e r m o mai s brando, bons produtos (Die-
t e r Prokop).
Adorno
chegou
a e scre ve r
que
a
indústria
cultural
possui
s eu momento de verdade em
satisfazer
uma necessidade substan
c i a l , proveniente da
recusa
socialmente intensificada [ à felicida
de] , acrescentando
em
seguida
porém que, mediante
o s e u tipo
de
concessão,
ela se torna
a inverdade absoluta .
A promessa
contida
no projeto
da
formação
estética
do homem
era
uma
ut o
p i a , porque conflitava abertamente com
a
realidade. As mercado
r i a s culturais da indústria s ão
ideologia,
porque
suas
agências
não cumprem o que
prometem e
ao
mesmo
tempo deixou
de ser
utópico: uma sociedade não mutilada pela mentalidade u t i l i t á r i a ,
o trabalho alienado e a disputa pelo
poder
económico.
A f e l i c i d a d e encontrada através de i n d ú s t r i a c u l t u r a l é simplesmen
t e s u b s t i t u t o e f a l s i d a d e , na medida em que, referindo-as sempre ao
estado de
coisas
que provoca
sua
f a l t a ,
consiste
na v er dade em
processo
pelo qual
s e
p l a n i f i c a
e explora a
necessidade de f e l i c i d a
de ( E s t é t i c a , p .
342).
t â n c i a , n ã o s e c h e g a à r a c i o n a l i z a ç ã o
t o t a l ( I n t r o d u z i o n e
a l a s o c i o l o g i a
d e l l a
m u s i
c a , p .
3 7 - 3 8 ) .
ZUIDERVAART, L . A d o r n o ' s a e st h e ti c t he o ry . C a m b r i d g e ( M A ) :
MIT
P r e s s , 1 9 9 1 ,
p . 8 8 - 8 9 . P a r a n ó s , Cook c o n f u n d e o c o n c e i t o d e o b r a d e a r t e a u t ó n o m a com o d e o -
b r a d e a r t e m o d e r n a o p .
c i t . , p .
1 2 4 - 1 2 5 ) .
O
p r o b l e m a , p a r e c e - n o s , d e v e s e r t ra ta do a
p a r t i r
d a d i s t i n ç ã o a d o r n i a n a
e n t r e
S t r a v i n s k i e S c h o e n b e r g ( F i l o s o f i a d a n o v a m ú s i
c a ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 161/296
A D i a l é t i c a d a a r t e :
u t o pi a e
t r a g é d i a 15 7
A
felicidade
obtida nesse
caso é a felicidade
que
se
deve
à
especulação com a
felicidade
e , portanto, o s e u oposto,
mesmo
que sempre
haja
alguma
prova
da
autêntica.
A
gratificação
que
se acha nele coincide com o sequestro da existência individual
pelas condutas
rotinizadas
e a inserção
do planejamento no t e r r i
tório
da
experiência.
As satisfações
mais
ou menos brutais e
imediatas
que
a maior parte dos bens culturais da indústria pro
porciona
s ão uma
forma
de
a ordem
criadora de tantos
desatinos
pessoais e co le t iv os
se
perpetuar
além
do necessário.
Entretanto,
em
parágrafo
pouco
notado
de
s ua
T eo r ia
Estéti
ca ( p .
3 4 4 - 3 4 6 ) ,
o
filósofo
o b s e r va que, detrás da rígida dicoto
mia
entre
cultura elevada e a r t e
bárbara,
esconde-se
um precon
ceito cultural . Ce rt am e nt e h á
boa
arte
medíocre,
como h á arte
boa e , no entanto,
medíocre. O
primeiro caso
ocorre,
por
exem
plo, com os chamados clássicos
populares
(evergreens], produtos
mas s i v o s
que parecem não-envelhecer
e
que
superam
os
ciclos
da
moda.
Os
clássicos
populares,
s e ja m
canções
ou
filmes,
resul
tam
de um processo de seleção
mercantil mas,
ao mesmo t e mpo,
possuem
uma
força estética
própria, que
lhes
permite distinguir-
se dos produtos comuns e conservarem-s e v iv os pe rant e o públi
co durante ext enso
período
de t e mpo, a ponto de o idioma co r
rente
se tornar em produtos desse
tipo
uma segunda natureza que
comporta [no caso da música] algo similar à espontaneidade, à
genuína
idéia
melódica
(Música, p . 4 3 - 4 5 ) .
A e xplicação para tanto pode
ser
buscada no
fato
de que, de
vido à
pressão
do mercado, as e m p r e sa s
culturais empregam
muitos talentos autênticos que nem mesmo nes s e campo podem
ser
anulados
de
todo:
inclusive
na fase
avançada
da
comerciali
zação se encontram
idéias
de
primeira mão e lances
de geniali
dade. O principal, porém, é a conclusão que podemos extrair da
idéia
e que s e
e x p r e s s a
no
juíz o
segundo o qual
não faltam
obras
que,
através
de
formulações
informais,
podendo
i r
do sim
ples
esboço
até ao decalque, e também através da ausência de es
truturação em favor
do efeito
calculado,
têm
o
s eu lugar
na
esfe
ra da circulação estética subalterna e que, no entanto, a ultrapas
sam graças a qualidades sutis (Estética, p . 3 4 5 ) .
3 9
Adorno
e x e m p l i f i c a
o
c a s o
com
o s
r o m a n c e s
d e
C o l l e i e .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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15 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
As
mercadorias culturais mais
baratas
às
v e z e s podem
cons
t i t u i r
um r e fúgi o le gí t i mo
dos
caracteres que
a arte
séria
obrigou-
se
a
renunciar
para
poder
continuar
s o b re v i v e ndo , e s p ecial me n t e
a comunicação com o público e a pr et e ns ão de validade univer
s a l .
As poucas canções de
massa
realmente boas - por exemplo
-
s ão
um
protesto contra o
que
a
música de
a r t e , tornada
medida
de s i mesma,
perdeu
e não tem como compensar voluntariamen
te (Música, p . 4 5).
Resumindo, o
significado
disso é
que
o conteúdo
de
verdade
do s
vários
meios
de
expr e s são
se
m odifica de
maneira
histórica.
Os conceitos a s eu
respeito
não s ão critérios
de sentido
irremoví
v e i s . Destarte,
o que originalmente f o i previsto
para
o
consumo,
atua por vezes, perante o consumo superiormente racionalizado,
como modelo de humanidade (Estética, p . 3 4 4 ) .
Segundo Dieter Prokop, responsável pela exploração dessa
hipótese,
experiências dessa
ordem podem
ser
encontradas no
que
ele
chama,
como
já
indicado,
de
bons
produtos .
As
merca
dorias culturais da indústria não
precisam ser necessariamente
padronizadas;
eventualmente,
s ão desenvolvidas através
de
s í m
bolos e formas progressivas.
Nem s empr e são gr ande s o br as de arte mas apresentam-se como
produtos autónomos: s ã o , na sua
elaboração e s t é t i c a ,
m ai s co ns e
quentes
e
mais
c o n s i s t e n t e s .
Se u conteúdo é frequentemente menos
estereotípico
ou
então
os
estereótipos
da
cultura
de
massa
l h e
são
inseridos conscientemente. Ne s s e s produtos,
a
fascinação não p a r t e
de
momentos
que
s e preocupam com
o be m-e st ar e o
e q u i l í b r i o
psíquico. A fascinação - frequentemente desagradável
e
a t é
amea
çadora - r e s u l t a nesses produtos do f a t o de que o objeto apresenta
do e investigado é tratado de forma adequada à sua realidade
ou
suas
p o s s i b i l i d a d e s . 4 0
As contradições do objeto
de trabalho
estético,
nesse caso,
não s ão submetidas a uma padronização, mas analisadas de acor
do com suas próprias exigências e densidade, possibilitando o
de s e nv o lv i me nt o de uma
obra até
certo ponto autónoma
e
ques
tionadora. O
público
é mantido a
certa
distância do produto: não
4 0
PROKOP, D . S o c i o l o g i a ( O r g . d e C i r o M. F i l h o ) .
São
P a u l o : Á t i c a , 1 9 8 6 , p .
1 5 4 .
E x e m p l o s d e b o n s p r o d u t o s podem s e r d e sc o be r to s n as c h a m a d a s p r o d u ç õ e s a l t e r n a
t i v a s .
E n t r e t a n t o ,
n a d a
i m p e d e q u e
e l a s
a p a r e ç a m
também
n o s
c i r c u i t o s
m a s s i v o s .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A D i a l é t i c a d a a r t e : u t op i a e t r a g é d i a
15 9
se
aprova
de m ane i ra mecânica s e u padr ão de go s to e preferência
e s t é t i c a . As técnicas
normalmente
empregadas para explorar o
mercado
s ão
colocadas
a s erviç o
de
uma
atitude reflexiva,
como
ocorre com a t écnica a r t í s t i c a strictu sensu, ao menos segundo a
visão de Adorno41.
A montagem da sensibilidade e da expressão, contrastada com
aquilo que é falsamente afirmado [na
mensagem];
[pode s e t o r n a r ]
um m e i o para
t o r n a r
a ideologia s o c i a l perceptível e v i s u a l i z á v e l
ao
espectador,
que
exerce um
acompanhamento
competente; e para
tornar
conscientes desejos
e u t o p i a s :
para
r e f l e t i - l a s
e
tornar
c l a r a s
a s
r a c i o n a l i z a ç õ e s . 4 2
Na sociedade a t u a l , a tendência das pe s s oas é r e j e i t a r as e x
periências que procuram
transcender o
fetichismo da mercadoria,
preferindo os pr odut o s e sque m át i co s , que não colocam risco de
dissonância à
recepção.
Os referidos esquemas, todavia,
não
e s
tão blindados ao emprego criativo. As convenções da arte de
massas
também podem
ser
usadas
para
pór
em
discussão
e s sa
tendência, questionar o
lazer
acomodatício, en fim sacudir com a
reificação da experiência.
Theodor Adorno conferiu, conforme v e r e m o s , um sentido
demasiado
negativo à
prática da indústria cultural,
não po rque
e s sa carecesse de contradições mas, antes, porque e s sas contradi
ções tendiam a ser reproduzidas através da canalização da e s po n
taneidade
não-reprimida
em
sentido
conformista
ou
mesmo
re
gr es s iv o. D e star te , o pensador se viu impedido de pesquisar a e x
tensão e os propósitos com os quais os produtos da indústria
cultural poderiam
dirigir-se e ativar os
impulsos pré-egóicos de
uma outra maneira [menos
r e a l i s t a ou
reacionária] .4 3
4 1
PROKOP,
D . S o c i o l o g i a , p . 1 1 5 . Max P a d d i s o n
c i t a como
e x e m p l o o s p r i m e i r o s
d i s
c o s
d e F r a nk Z a pp a,
o s
q u a i s
l o g r a m
o b t e r
um
n o t á v e l
b a l a n c e a m e n t o
e nt r e a s
e s f e
r a s d a m ús ic a p o p u l a r e r a d i c a l , s o b r e t u d o a t r a v é s d o u s o c r i a t i v o d a p a r ó d i a ( A d o r
n o , modernism
and mass
c u l t u r e , p .
1 0 4 ) .
J á P r o k o p
d e s e n v o l v e a a n á l i s e l e v a n d o e m
c o n t a
o s f i l m e s
d e
G r i f f i t h , o b s e r v a n d o
q u e , n e l e s ,
a m o r a l i d a d e
n ã o a p a r e c e
s i m
p l e s m e n t e como
l i ç ã o ,
q u e s e l e v a
p a r a
c a s a e m
p a l a v r a s
e a ç õ e s . mas r e s u l t a d a a n á l i
s e a r t í s t i c a c o n s e q u e n t e d a q u i l o q u e o o b j e t o e s t u d a d o p o r s i mesmo p r e t e n d e s e r . E l a
t e r i a
e f e i t o
p l a u s í v e l
a n t e s d e
m a i s n a d a p o r m e i o d i s t o e
s ó
e m
s e g u n d o
p l a n o
como
mensagem ( S o c i o l o g i a ,
o p .
c i t . , p . 6 2 - 6 3 ) .
4 2 PROKOP, D . S o c i o l o g i a , p . 8 4 .
4 3 HUYSSEN, A .
A f t e r
t h e g r e a t d i v i d e , p . 2 7. C f . H o h e n d a h l ,
P .
P r i s m a t i c T h o u g l u . p .
1 4 1 .
N o t a s
s o b r e
o
f i l m e
( 1 9 6 6 )
é
a
p r i n c i p a l
r e f e r ê n c i a
u s a d a
n e s s a
d i s c u s s ã o ,
cm
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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16 0
F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
As perspectivas de análise da indústria cultural que se de s
cortinam dessa forma, de todo j e i t o , s ão amplas
e
estão larga
mente
por
explorar,
devendo
m e r e c e r
crescente
atenção
à
medida
que
os
processos culturais em curso
diante de
nosso s olhos mais
e mais colocam
ao pensamento o
problema de saber
se
e em até
que ponto a cultura
de mercado não está
levando à supressão da
idéia de
obra
de
arte
negativa ou s e ,
ao
contrário, a oposição que
surgiu entre seus vários
â mb it os po r
volta da virada para
o século
passado ainda continua sendo válida.44
A
possibilidade
de
se
criarem
essas
obras
por
certo
continua
hoje tão aberta e incerta como f o i desde
o s e u
surgimento.
A
cre scent e dificuldade em fornecer exemplos contemporâneos
sem
dúvida
conta-se, po r é m ,
entre os
fatores que têm levado
v á
rios
herdeiros
do
pensamento
frankfurtiano
a defender a tese de
que, esgotados os impulsos do alto modernismo, não somente
não h á mais uma di st inç ão v álida po ss í ve l entre a
arte
séria e a
arte
kitsch -
a
hipótese
da
indústria
cultural
-
como
a
reificação
chegou
a
t a l ponto que
nenhuma obra
mais tem
como lh e fazer
frente: a produção cultural identificou-se totalmente com o
pro
cesso de
mercantilização sistêmica
do capitalismo.45
Compositores como L i g e t i tiveram suas obras levadas ao cinema,
como
música
de filme de produções hollywoodianas,
t a i s
como
2007, uma
odisséia
no espaço
ou
Brilhante [ S h i n i n g ] ; o
s u r r e a l i s
mo,
o
dadaísmo
e a
pop
a r t e
fazem
há
muito
p a r t e
de nos so
ambi
ente
v i s u a l ,
desde
a s capas de r e v i s t a s
a t é a s chamadas
da MTV;
os
elementos l i t e r á r i o s
mais
avançados,
como a s
narrações e l í p t i c a s
q u e .
t o d a v i a , convém d i s t i n g u i r o s
a s p e c t o s
r e l a t i v o s a
l i n g u a g e m
e à
t é c n i c a c i n e m a
t o g r á f i c a s e o s
a s p e c t o s r e l a t i v o s
à
p r o d u ç ã o
e d i v u l g a ç ã o d o s f i l m e s (como b e n s c u l
t u r a i s ) .
Os
c o m e n t á r i o s
f e i t o s
e m
n o s s o
t e x t o ,
n e s t a
p a r t e ,
r e f e r e m - s e
é c l a r o a
e s s a
ú l
t i m a p r o b l e m á t i c a . R e l a t i v a m e n t e à a n t e r i o r , o t r a b a l h o q u e f o r m a p a r o u complemen
t a o t e x t o s o b r e o f i l m e , c r e m o s , é V e r s u n e m u s i q u e i n f o r m e l l e ( 1 9 6 3 ) ( Q u a s i u n a
F a n t a s i a . L o n d r e s : V e r s o , 1 9 9 2 , p . 2 6 9 - 3 2 2 ) .
4 4 C f . ANDREAS HUYSSEN: Memórias d o m o d e r n i s m o . R i o d e J a n e i r o : UFRJ. 1 9 9 7 .
H a l l F o s t e r : R e c o d i f i c a ç ã o . S ã o P a u l o : C a s a E d i t o r i a l , 1 9 9 6. R us s el l B e r m a n : Modern
c u l t u r e and c r i t i c a l t h e o r y .
M a d i s o n ( W S ) :
The U n i v e r s i t y o f
W i s c o n s i n
P r e s s , 1 9 8 9 .
4 5 Segundo J a m e s o n , a t u a l m e n t e . n ã o e x i s t e m a i s p o n t o a r q u i m é di c o p a r a a
f e i t u r a
d e
uma e x p e r i ê n c i a g e n u i n a m e n t e e s t é t i c a ( L a t e m a r x i s m : A d o r n o , p . 1 4 2 ) . C o n f i r a a
c r í t i c a b a s t a n t e j u s t a f e i t a a e s s a i d é i a p o r L a m b e r t Z u i d c v a a r t ( A d o r n o s a e s t h e t i c
t h e o r y .
C a m b r i d g e ( M A ] :
MIT
P r e s s .
1 9 9 1 ,
p .
2 5 7 - 2 7 4 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 165/296
A
D i a l é t i c a
d a
a r t e : u t o p i a
e t r a g é d i a
16 1
ou
a s
invenções v e r b a i s , são moeda corrente nos
anúncios
e peças
p u b l i c i t á r i a s . 4 6
Lucien
Freud,
Godard,
Handke,
Celan,
Boulez
e
tantos
ou
tros sem dúvida s ão prova viva de que, ainda hoje, s ão criadas
obras
de arte
que, s endo ou não bem-sucedidas, resistem à
mani
pulação
mercadológica.
No
entanto,
acontece também delas, ca
da
v e z mais, conv erter em-se em notícia,
revestindo-se
de
uma
aura,
associada
ao nome de
seus criadores, que
lhes
permite
fun
cionar como valor de t r o c a , ainda que não como imagem, ainda
que
sem
mediar
funcionalmente
a experiência.
A resistência ao
que
as
t endências pr evalecente s em
nos sa
época
fazem de nós não pode
se
i l u d i r
mais com
a
idéia de que
somos capazes de r e s i s t i r totalmente.
A
tentação de compactuar
com o si s t ema não pode ser evitada, porque nenhum de nós é
santo e , mesmo
se fosse,
estaria
em
situação precária na
a t u a l i -
dade.
Inclusive
o
comparecimento
aparentemente
inofensivo
ao
cinema,
ao qual nos condenamos, deveria s e r acompanhado da
percepção
de que ações como essas re alm ent e s ão uma t r a i ç ã o do s
i n s i g h t s
[sobre nossa s i t u a ç ã o ] que adquirimos e de que
e l a s
provavelmente
- e m b o ra em grau muit o pequeno, ainda que com e f e i t o s cumula
t i v o s - nos implicam em processos que acabarão nos convertendo
naquilo que nos
f o i destinado
e
que, assegurando
nossa conformi
dade, todavia t e mos de impor a nós mesmos a fim de sobreviver
mos.47
A
consciência
de
no s sa
impotência, todavia,
é
algo
que faz
parte do processo
da indústria cultural e , assim, algo que, uma
ve z
assumido,
é capaz de impe dir
que cedamos
por
completo
a
seguir nosso s próprios impulsos de m ane ir a mecânica. O funda
mental,
hoje,
reside muit o m ai s nisso
do
que em uma pretensão
de po de r
agir
de m ane ir a
transformadora.
A
praxis
política
está
coagulada e ,
potencialmente
mobilizada, precisa aprender a espe
rar
uma situação que
lhe seja favorável, se é
que e s sa
virá
-
o
que
lh e
exige
não t e r ilusões.
EICHEL, C . E n t r e
a v a n t - g a r d e
e t
a g o n i e . I n :
Rue
D e s c a r t e s
( A c t u a l i t é s
d ' A d o r n o ) 2 3 ( 9 9 - 1 1 0 )
1 9 9 9 , p . 1 0 8 .
ADORNO, T . P r o b l e m s o f m o r a l p hi lo s o p hy . S t an fo r d ( C A ) : S t a n f o r d U n i v e r s i t y
P r e s s ,
2 0 0 1 ,
p .
1 6 8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 166/296
16 2 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Aparentem ente, o
pavoneio
da indústria cultural com os
comportamentos tabus,
a
violência
primária
e
os
fenómenos
b i
zarros
que
têm
se
o b s e r vado
nos
últimos
tempos
vêm
predispon
do certas camadas do público
a
tomar as obras de
arte
que ex
pressam resistência como sinais de distinção reificados, carentes
não apenas de valor de us o individual mas, também, do sentido
enigmático
de
que eram
portadoras quando a
conversão daquela
indústria em s i s t e ma en s ejou o aparecimento da
idéia de
obra
de
arte negativa.
Fugindo
ao nos so
escopo
e
competência,
a
matéria
e s t á ,
por
tanto, aberta à di scus s ão . Renato Russo e
s ua L eg i ão
Urbana fo
ram, em no s s o pas s ado recente, exemplos do que nos ref e rimos ?
A hipótese da supressão da
idéia
de obra de
arte
negativa estar se
concretizando
é provocativa. Sugere-nos,
po r é m ,
uma outra, a de
que, talvez, possamos estar assistindo
a uma
nova mudança na
relação entre os
vários
meios de expressão. O
resultado do
pro
gresso
da
indústria
da
cultura
bem
poderia
ser
o
surgimento
de
uma nova oposição no seio da produção cultural: uma
oposição
entre bons e
maus
produtos, entre
uma arte média
integrada e ,
outra, emancipatória,
que,
como
vi m o s, já chegou
a
pensar Die -
t e r Pro kop.
A circunstância dessa
oposição ser vivida
no
âmbito de
uma
indústria cultural que perpassa
todos os
momentos
da vida
e de
que o consumo de bons
pr odut o s po r
s i s ó não
leva
a um mundo
melhor - representa apenas um de seus s i n a i s , constitui razão
su
f i c i e n t e , po r é m , para não
nos
i ludi rm os s o br e
s e u
sentido e con
s e r var m o s
uma
atitude
c r í t i c a
diante de
s eu
processo de emer
gência. Atualmente, a reivindicação
de
um conteúdo crítico e an-
t i t é t i c o
propende
a
cair no
vazio:
vendo
mais de
perto, s eu
im
pulso
se insere
e
conserva num
contexto
mais amplo que , go st e
mos ou não, trabalha pela
s ua
neutralização.4
Importa notar, po r é m , que, para Adorno, a arte não
é
um
bem m or al ape nas porque as
pessoas
se
divert em
com
e l a , ou
porque de la t ir am prazer ou excitação: ela
é
t a l coisa porque é
um meio
de
sustentação
do
sujeito e , portanto,
do e l e m e n t o
espi-
H e i n z S t e i n e r t d i s c u t e
o
p r o b l e m a
d e
m a n e i ra m u it o i n f o r m a d a ,
r e s p o n s á v e l
e e sc l ar e
c i d a
e m
C u l t u r e
I n d u s t r y ,
o p .
c i t . ,
p .
8 7- 9 8 ; 1 1 1 - 1 1 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 167/296
16 3
r i t u a l [do homem] . Destarte,
acontece
hoje
de
os indivíduos se
encontrarem emocionalmente ligados não apenas ao s produtos,
mas
ao s
próprios
esquemas
da
indústria
cultural.
A
referida
i n
dústria engendrou
uma
situação
em que exonerar-se dela s i g n i f i
ca renunciar
a
uma forma
líquida e
certa
de satisfação de
deter
minadas necessidades
subjetivas
imediatas.5
Entretanto,
o reconhecimento desse fato também não deveria
nos fazer fechar os olhos para os antagonismos
estéticos
que, não
parando de se manifestar, questionam desde dentro a pretensa
i n
tegração
das
esferas
da
arte
séria
e
da
arte
bárbara,
recolocam o
problema de s ua reconciliação e expõem o caráter de ideologia
da própria indústria cultural.
4 WITKIN, R . Adorno o n
p o p u l a r
c u l t u r e , o p . c i t . , p . 1 1 .
5 0 ADORNO, T . D e m o c r a t i c l e a d e r s h i p a n d m a s s m a n i p u l a t i o n [ 1 9 5 0 ] . I n : Gesam
m e l t e
S c h r i f t e n
[ v .
2 0 ] .
F r a n k f u r t :
S u h r k a m p ,
1 9 8 6 ,
p .
2 7 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 168/296
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5
Culturae
ideologia:
ovéutecnológico
.A.dorno argumenta
que a transformação
da
cultura
em
merca
doria é resultado de um
processo
histórico por
meio do
qual a
criação intelectual, a r t í s t i c a e l i t e r á r i a
passou
a servir
de
campo
para a acumulação do capital.
Através
dele, o público burguês e
as
massas
urbanas
se
tornaram
mercados
das
empresas
de
comu
nicação. Os
formidáveis de s en vo lvi m en t o s provocados por
este
acontecimento
tiveram,
também, pr o fun do i m pact o
na
formação
de no s sa
subjetividade. A colonização das
atividades culturais
pela
racionalidade
mercantil modificou a maneira como as for
mações espirituais costumavam afetar e s s e
processo, determi
nando
uma
mudança estrutural no
significado
e
função
da ideo
logia
na
sociedade
contemporânea.
A
i n d ú s t r i a
da
cultura surgiu da tendência u t i l i t á r i a própria do ca
p i t a l . Desenvolveu-se s ob a s l e i s do mercado, que a obrigaram a
adaptar-se a
seus consumidores. Posteriormente, no entanto,
con-
verteu-se em i n s t â n c i a que encerra e consolida
a
consciência na
sua forma e x i s t e n t e , conservando o s t a t u s quo e s p i r i t u a l ( E s c r i t o s ,
P -
1 2 ) .
No
presente
capítulo,
em
r e su mo,
trata-se
de
reconstruir
as
principais
conexões estabelecidas entre e s s e processo e a figura
da ideologia,
através
da análise da maneira
como
o
e l e m e n t o tec
nológico des envolvido pe lo s is te ma de vida capitalista se articula
com
a criatividade
cultural da
sociedade.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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16 6 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
5.1
Tecnicismo
e
reificação
Conforme
o b s e r v a
o
filósofo,
a
cultura
como
obra
de
arte to
t a l f o i um projeto
concebido
pelas vanguardas do
início
do sé
culo passado para
livrar
o homem da alienação. Desejava-se o re
torno a
uma arte imediata
e
que propiciasse uma
experiência
e n
riquecedora cotidiana,
emancipada
do s requisitos
u t i l i t á r i o s da
vida burguesa.
O racionalismo
mercantil que preside
a
indústria
cultural, por um desses paradoxos históricos, tornou e ss e proje to
viável
socialmente.
Destarte,
hoje,
ele
passou
a
fazer
parte
do
modo de vida de extensas
camadas
da população,
estando pre
sente desde a
maneira
como
o s i ndi ví duo s
procuram definir s ua
identidade até na condução dos conflitos internacionais.
O des en v ol v i m en to
das
forças
produtivas
e a
tendência do
capital a expandir-se
em direção à esfera
do espírito,
pouco a
pouco,
fizeram surgir um
novo modo
de integração
social das
massas.
Em
t e r m o s esquemáticos,
podemos
ve r no curso da h i s t ó r i a ,
com e f e i t o , a sucessão de pelo
menos
t r ê s for mas de integração
da consciência individual à forma dominante de estruturação da
sociedade.
Durante
a maior
parte do
t e mpo,
vigorou
a forma
mítica,
ba
seada na
existência
de estruturas comunitárias e reproduzida
através
de
r i t u a i s .
Predominava,
então,
um
estado
de
heterono-
mia
do corpo
e
alma do s u j e i t o . A
coletividade, conforme
simbo
lizada, era a fonte da autoridade. Na modernidade clássica, o
fundamento da vida social
deslocou-se
para o mercado,
enquanto
a integração da consciência transferiu-se, em parte,
para
a órbita
da ideologia. A
legitimação das
relações
de poder
e justificação
das cont radiçõe s
sociais
perdeu o cunho transcendente que
tinha
aos
olhos dos homens e pas s ou m ai s e mais a depender de
s ua
práxis histórica
imanente.
Posteriormente, po r é m , cultura
e
economia começaram
a
convergir em
virtude
dessa
mesma práxis,
e ns ejando o apareci
mento de uma
indústria cultural, que
se tornou o principal
meca
nismo
de
sujeição
no
mundo
c a p i t a l i s t a , sem que as massas ch e
guem
a
crer seriamente em seus agenciamentos, como
nota
bem
Adorno.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C u l t u r a
e
i d e o l o g i a :
o v é u
t e c n o l ó g i c o 16 7
Na modernidade avançada, as
estruturas
sociais e relações de
poder legítimas não se mantêm
mais
com base
na
ideologia. A
dominação social
paulatinamente
se
d i l u i
em
mecanismos
de
controle oriundos do próprio modo
de
produção.
As mercadorias
e
serviços que e l e produz vendem ou impõem
o
sistema
s o c i a l
como um
todo. As
comunicações
em massa e
os
meios de t r a n s p o r t e , a s mercadorias c a s a , alimento e roupa, a pr o
dução
i r r e s i s t í v e l
da i n d ú s t r i a de
diversões e
informação trazem
consigo a t i t u d e s
e
hábitos p r e s c r i t o s , c e r t a s reações i n t e l e c t u a i s
e
emocionais
que
prendem
os
consumidores
mais
ou
menos
agrada
velmente
aos
produtores e , através d e s t e s , ao
todo [da
sociedade].1
Atribui-se
a Adorno
o e n t endi m en t o de que
a
prática da
i n
dústria cultural
realiza um
trabalho ideológico
de lavagem
cere
bral nas
massas
e , assim, as mantém num estado de falsa
cons
ciência. O juízo
não
condiz
com
suas
idéias mais
originais.
Al
gumas ve ze s, o filósofo chegou a diz er que a
televisão
contribui
para divulgar
ideologias
e
dirigir
de m ane ir a equivocada
a
cons
ciência
do s
es pectadores .2
As principais re fe rê ncias à mídia
como ideologia f e i t a s
pelo
autor, contudo, não se situam nesse
plano.
A concessão
de
reconhecer que
os
filmes difundem
ideo
lo gias j á é ela mesma uma
ideologia
difundida
(Mínima
mora-
l i a , p . 177).
Segundo ele afirmou
de
maneira simplista,
as
formações
ideológicas
seriam
agora
criadas
pelas
organizações
articuladoras
da indústria cultural e , portanto, precisam ser vistas como efeito
dos produtos culturais sobre o público consumidor (Sociologia,
p .
1
1 6 ) . Noutras
vezes, o filósofo postulou, po r é m ,
que as
propo
sições
com que
os
homens se deparam
ao
interagir com os
ve í
culos
e bens culturais
lhes
s ã o p re paradas
pela estrutura
social,
muito antes delas serem formatadas e promovidas pelos meios de
comunicação
da
indústria
cultural e
que,
por
i s s o ,
não
s ó
não
s ão
estranhas à s ua consciência imediata como s ão objeto de reflexão
consciente
e , muitas vezes, de reflexão
o r de nada ( L i n guag e m ,
p .
78).
A solução do diferendo, se existe, precisaria ser buscada,
cremos,
na
hipótese por ele avançada
de
que,
embora
aconteça o
MARCUSE, H .
A
i d e o l o g i a
d a
s o c i e d a d e i n d u s t r i a l ,
p .
3 2 .
2
ADORNO,
T .
Educação
e
e m a n c i p a ç ã o ,
p .
7 7
e
80 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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16 8
F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
agenciamento ideológico supramencionado, a
figura
da ideologia
possui cada v e z
menos efetividade
na sociedade administrada.
As
comunicações
e a
indústria
da
cultura
não funcionam
com
ba
se
na
transmissão
de
ideologia, por
mais que
também a
agen
ciem, na medida em
que
s ó se
pode
falar em ideologia quando
um produto espiritual surge do processo
social como algo aut ó
nomo,
substancial e dotado de legitimidade ( T e mas , p . 2 0 0 ) .
O conceito de
ideologia pressupõe
a crença
ou engajamento
em
certas
idé ias e
valores. As
relações
sociais que
têm
lugar no
â m b i t o
da
indústria
da
cultura
carecem
dessa
legitimidade:
não
s ão
motivo
de
crença
por parte de
seus participantes.
A descon
fiança
[popular]
contra a cultura tradicional enquanto ideologia
mescla-se [agora] à
desconfiança
contra a
cultura industrializada
enquanto fraude
(Dialética,
p . 150).
Afirmou Adorno
que
Husserl
t e r i a
perguntado
como se
pode
ser idealista
sem
ideologia. Avançando,
t r a t a r - s e - í a , segundo o
primeiro,
de
perguntar
se
a
indústria
cultural
é
sinal
de uma
or
dem em que a ideologia parece abrir mão dos i d e a i s . A
pecu
liaridade dos mecanismos de integração contemporâneos talvez
provenha
do fato deles nã o f unci o nar e m com
base
na ideologia.
A sujeição pode se dar, sobretudo, através da compulsão social a
produzir mais e mais bens e
necessidades.
O princípio de
inte
gração que hoje se impõe residiria
na
própria forma da mercado
r i a
(Estética,
p .
2 6 5 ) .
Costuma-se
pensar que
a
mídia
tem
um caráter ideológico,
porque veicularia certos conteúdos. No enfoque em juízo não se
pas s a de s s a
maneira.
O conteúdo
significante
dos be ns culturais
é
cada
v e z
mais
um l a s t r o i n ú t i l . As
pessoas precisam
ser
rápi
das, se
qui s e r e m
aproveitar o momento que
e s s e s
articulam.
O
efeito disso é
que
o valor espiritual e sentido humano concreto
deles passam a contar cada v e z m e n o s . A verdadeira
mediação
entre sociedade e
indivíduo,
resumindo, não
se
dá através da fa
mília, nem
da
mídia, mas do
caráter
de fetiche da
produção
mer
cantil tecnológica.3
As criaturas se
reconhecem em suas
mercadorias; encon
tram s ua alma
em
s eu automóvel, casa em patamares, utensílios
C a r t a
d e
Adorno
a
B e n j a m i n ,
5 / 6 / 3 5
( C o r r e s p o n d ê n c i a ,
p .
1 0 2 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C u l t u r a e
i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o
16 9
de cozinha . As
situações
em que
podem
exercer
s eu
poder de
compra e as coisas que podem adquirir tomaram-se m o t i v o s de
s eu
afeto
e paixão.
O
conteúdo
espiritual
das
mesmas,
seja
de
que ordem f o r , passou a ser secundário numa era em que a
mer
cadoria
converteu-se em mediação universal. Agora, a capacida
de de cálculo e a agilidade de raciocínio s ão tão importantes
quanto
a eventual gratificação sensorial ou satisfação
intelectual
obtida
por s eu
intermédio.
Aparent ement e,
portanto,
o
problema
da
ideologia se transfe
r i u
para
o
significado
que
os pr óprio s
m e i o s
técnicos
passam
a
t e r
na v ida das
pessoas: encontra-se cada
v e z mais
na relação
das
pessoas
com e s s e s
m e i os e nquant o
aspecto do
chamado
v é u
tec
nológico. Em síntese,
o ponto
significa
que o
caráter
ideológico
das
comunicações
surge
à medida
que
a
televisão,
a
música
e
ou
tros
bens transformaram-se eles mesmos em principal
conteúdo
da consciência: o capitalismo, em
s ua fase
mais
avançada,
repro-
duz - s e sub j e t i vam e nt e
através
do
consumo
de
mercadorias.5
Os
procedimentos tecnológicos
de
reprodução,
em
especial,
desenvolveram-se
de maneira independente
em relação
a s eu
conteúdo
e , assim, adquiriram uma autonomia para os seres hu
manos. Ao progresso
dos mesmos
corresponde
o desejo das pe s
soas
em não ficar
para t r á s ,
não
importa
o sentido imanent e
e a
possibilidade
de us o do
que
lhes
é oferecido. O
fetichismo
da
mercadoria tecnológica
e
s e u
corresponde
v elam e nt o da expe
riência resultam desse fervor fascinado com que se consome
os
processos mais recentes e que não conduz apenas a uma indife-
renciação
ao
que é
fornecido , porque
i s s o , inclusive, favorece
o
consumo do
refugo [cultural] estacionário
e
da idiotice
cal
culada (Minima moralia, p .
103).
4
MARCUSE,
H .
A
i d e o l o g i a
d a
s o c i e d a d e i n d u s t r i a l , p . 2 9 . P a r e c e - n o s e q u i v o c a d a a
t e s e d e
R e n a t o
O r t i z ,
s e g u n d o
a
q u a l
o e l e m e n t o s o c i a l d e m e d i a ç ã o d a m o d e r n i d a d e
a v a n ç a d a , n a E s c o l a d e F r a n k fu r t , é a t e c n o l o g i a ( A E s c o l a d e F r a n k f u r t e a q u e s t ã o
d a
c u l t u r a .
I n : R e v i s t a b r a s i l e i r a d e c i ê n c i a s s o c i a i s 1 ( 4 3 -6 5) 1 9 86 ,
p .
4 6 ) . C o n f o r
me o b s e r v o u A d o r n o ,
p r e c i s a m o s
e v i t a r a i d é i a d c q u e o s p r o b l e m a s a t u a i s s e devem à
r a c i o n a l i d a d e t é c n i c a , p o r q u e e l e s s e
o r i g i n a m
menos
d a
t e c n o c i ê n c i a como t a l
d o
q u e d a c o n s t e l a ç ã o q u e a v i n c u l a a o p r i n c í p i o u n i v e r s a l d o v a l o r d e t r o c a ( L a
s o z i o l o g i a è u n a s c i e n z a d e l l ' u o m o ? I n : Umberto F a d i n i o r g . ) : D e s i d e r i o d e v i t a .
M i l ã o : M i m e s i s ,
1 9 9 5 , p .
8 9
e 9 5 ) .
MARCUSE.
H .
C o n t r a - r e v o l u ç ã o
e
r e v o l t a .
R i o
d e
J a n e i r o :
Z a h a r .
1 9 7
1 ,
p .
3 2
e
87 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 174/296
170
F r a n c i s c o
R i i d i g e r
□ T h e o d o r
A d o r n o
e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Conforme Adorno
chama
a atenção, contrariamente ao
su
posto
por
seus c r í t i c o s ,
a aparelhagem cultural moderna
lida com
uma
audiência
desiludida,
alerta
e
d i f í c i l
de
convencer
(Indús
t r i a , p . 139). A
civilização
moderna não
fez
os
homens
senh ores
de sua vida. No entanto, tirou-os da
alienação.
A subjetivação da
razão tornou-os mais conscientes de s ua situação, e os avanços
no s meios de informação ampliaram seus conhecimentos . O e s
clarecimento desencantou os homens
e
o mundo, expulsando-os
do
jardim mágico em que viviam,
para
usar
a
expre s são
de
Weber.
Agora, o
sujeito conhece
a s i mesmo como algo objetivo,
algo
subtraído da
contingência de sua
mera
existência,
mas
este
conhecimento, que
é verdadeiro, é também
ao mesmo tempo
não-verdadeiro
[ao encobrir-lhe a
dependência
em
relação
à
coletividade]
(Prismas,
p . 164). Embora estejam cada v e z mais
enredados nos mecanismos da indústria cultural, os indivíduos,
em
s ua
maioria,
realmente
não
crêem
que
a l i
se
decida
s e u
desti
no .
Eles
vêem-se através
de seus produtos como os senh ores de
s i que de fato
o
são,
mas não como os
criadores em conjunto
da
situação
perturbadora que procuram
resolver por meio
desse
consumo.
Em
função
desse
conflito l a t e n t e , as
pessoas conser
vam
uma distância
para
com
e s s e s bens, deixando
pistas
para
su
por
que, no
fundo, as m as s as não vêem e aceitam
h á
muito
tem
po
o
mundo
t a l
como
lhes
é
construído
pela
indústria cultural
(Indústria,
p . 91).
[Durante algum tempo,] fizemos,
todos n ó s , a
suposição de que,
a t é
certo ponto,
a i n d ú s t r i a da
c u l t u r a a t u a l ,
a
qual d e v e m o s a t r i
buir
todos os
poderes de integração
s o c i a l em sentido
amplo, r e a l
mente
condiciona,
conf or ma ou pelo m e n o s conserva os indivíduos
t a l
como
s ã o .
No e n t a n t o , nesta
afirmação s e
esconde
algo
r e a l
mente dogmático e não-comprovado. Se há algo
que aprendi
no
curso
do s
últimos
anos
é
que não
s e
pode
a t r i b u i r e s t a
identidade
entre
os
estímulos
e
e s t r u t u r a s
objetivas
que condicionam
os
i n d i
víduos
e a
sua
conduta.6
ADORNO, T . I n t r o d u c c i ó n a
l a
s o c i o l o g i a ,
p . 2 0 0 .
A h i p ó t e s e
r e m o n t a ,
p e l o
m e n o s ,
a o i n í c i o d o s a n o s 1 9 6 0 :
A
t o t a l i d a d e c o n s t i t u i d i m e n s ã o q u e , p a r a n ã o p e r e c e r , n ã o
s o m e n t e
e x i g e s u a p r ó p r i a
mudança
c o m o ,
e m
v i r t u d e d e s u a e s s ê n c i a
a n t a g ó n i c a ,
c a -
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o
v é u
t e c n o l ó g i c o 171
No e n t endi m en t o
do pensador, o movimento
da
indústria
cultural precisa
ser visto de
maneira
histórica e dialética,
obser-
vando-se
que somente
s e
não
t i v e s s e m
sobrevivido
muitos
resí
duos
do
período
pré-monopolista que
estão em
desacordo com a
indústria da cultura
e
dos be ns de consumo, resíduos e s s e s que os
homens devem voltar a le var em conta, [ é que] estaria realizada
há
algum
tempo aquela situação de utopia negativa, sobre a
qual
ironizam com prazer
os
escritores que não
querem a
positiva .
Entretanto, acrescenta, somente os interessados poderiam deixar
de
reconhecer
que
os
efeitos
subliminais
da
comunicação
de
massa como s i s t e ma abrangente, acumulados com o t e mpo, s ão
mui t o
f o r t e s :
sugerindo-o o bastante a paixão com que os j o v e n s
se deixam
prender
ao s
mass
media
(Escritos, p .
2 3 5 ) .
O
problema da
c r í t i c a à
indústria
cultural, por i s s o ,
consiste
em
saber porque, a despeito
de toda
a
desconfiança
e
ambiva
lência
possíveis (Dissonâncias,
p . 5 3), as pessoas
se
deixam
prender
às
relações
culturais
da
indústria;
por
que
elas
mantêm
e s s e sistema, apesar da saturação e apat ia que ele não pode de i
xar de produzir entre os consumidores (Dialética, p . 151).
Resumidamente, a
hipótese
adorniana é a de que a indústria
cultural constitui
uma
resposta à questão psíquica de como pode
r e s i s t i r o sujeito s ob
uma racionalidade
que,
em
defini ti vo, é i r
racional
do
ponto
de
vista da espontaneidade.
A televisão, o c i
nema, o rádio, a música e as
revistas
s ão componentes
de uma
irr acionalidade manufaturada , através da qual as pe ss oas pro
curam esquecer a frieza da sociedade l i b e r a l administrada,
u t i l i -
zando-se dos meios [técnicos] que e s sa s o ci edade co loca à s ua
disposição
(Cinema, p . 79).
Os indivíduos participam de s eu agenciamento porque e n
contram nesse
contexto
uma compensação estética para
os pre
juízos com que têm de arcar por viverem nesse contexto. O ho
mem medieval
era alienado; s eu s uce s sor
moderno
é
cético
e ra
cional. A transformação
em s u j e i t o , todavia, f o i
paga
com uma
crescente reificação da existência
e
racionalização da vida
inte
l e c t u a l . Os i ndi ví duo s s ão
cada
v e z menos enganados pelo dis
curso ideológico, mas não
têm
claro o que querem,
fora
dos
or-
r e c e d o p o d e r
n e c e s s á r i o
p a r a
o b t e r a p l e n a
i d e n t i d a d e co m
o s h o m e n s ,
q u e
t a n t o
c o m p r a z
à s
u t o p i a s
n e g a t i v a s
( V .
I n d i c a d o r e s ,
p .
4 1 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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172
F r a n c i s c o
R i i d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
denamentos estabelecidos.
O resultado
é o aparecimento de uma
espécie de
vontade de ilusão, o surgimento de
um
desejo pela
imagem
de
um
mundo
f e l i z
e
sorridente:
apenas
maquiados
é
que
aparecerá às mas sas o lado obscuro e problemático da existência.
Tornando-se
dependente
do s i s t e ma económico em grau
muito profundo, acontece agora
de
a
consciência
precisar ser de
negada. N i e t z sche já d i z i a : A verdade não
é boa
para
todos .
Atualmente,
a
desintegração acelerada
do tecido social e as
muti
lações subjetivas passaram a r epr es e nt ar s it uaçõe s b as t ant e dolo
rosas.
Quem
sabe,
encontre-se
a í
o motivo
porque,
cada
v e z
mais,
os
homens
pr e f e r e m a mentira
à
verdade.
Modelada a t é
em
suas ramificações últimas pelo princípio da t r o c a ,
a vida s e esgota na reprodução de s i mesma, na reiteração
do
s i s
tema, cujas exigências
desabam
sobre os
indivíduos de
maneira t ã o
dura
e despótica
que e l e s não mais conseguem s u s t e n t a r - s e
como
donos
de sua
própria
v i d a ,
nem experimentá-las
como fazendo par
t e
de
sua
condição
humana
(Pseudocultura,
p .
250).
Conforme escreve
Adorno,
a
sociedade
de
troca
tecnológica
s ó
em aparência
é boa e promissora. Na
realidade,
empurra os
indivíduos
em direção a
uma
massa
amorfa
e manejável que
os
absorv e
positivamente e ,
por
i s s o , cada um sente espanto frente a
ess e
processo,
e xp e r i m en tado
como inevitável, de ser absorvido
completamente. Os fenómenos de indústria cultural podem
ser
v i s t o s ,
portanto,
como
uma
tentativa
do
s e ns or ium de
elaborar
uma espécie
de
pr o t e çã o altam e nt e sensitiva contra
a coletiviza-
ç ão
ameaçadora e
exercitar-se
para e l a , ainda
que
nessas
horas
à
primeira
vista
dedicadas
ao
tempo
l i v r e continue-se
s eu
adestra
mento
como mais
um membro
da
massa
(Mínima
moralia,
p .
89).
Caberia
não
perder de vista
que a fábrica
de
s o nho s [capita
l i s t a ]
fabrica
os
nosso s
s o n ho s
de
consumo
e ,
ao mesmo
t e mpo,
introduz neles os s o n ho s [de lucro] dos fabricantes (Indústria,
p . 80). Na modernidade avançada, a dominação pessoal pratica
mente desapareceu, cedendo lugar
à
dependência
ao s
mecanis
mos
técnicos
e
funcionais,
cuja
pressão
é , todavia, cada
v e z
mais
consciente. A racionalização do s i s t e ma
de dominação leva-a a
ser exercida
de
maneira
anónima
e
pontual
na
empresa,
na
esco
l a ,
no
hospital
e
nos
serviços públicos.
Verifica-se,
portanto,
o
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C u l t u r a
e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o
173
surgimento de uma
dominação
dispersa, através
da qual
se man
tém a sujeição
dos seres
humanos
ao
s i s t e ma
de vida
c a p i t a l i s t a .
As
mercadorias
culturais
que
se consome
tão
avidamente
são,
ao
mesmo
t e mpo,
uma
cifra da precária situação
social das
massas e uma forma
de
tornar
aceitável
e s sa situação. A civiliza
ç ão
produz pessoas racionais que tendem a ser mais difíceis de
i l u d i r ,
mas por outro
lado
tendem a se
deixar
fetichizar pelos
produtos culturais
da
indústria.
Os
indivíduos
propendem
a
de
s envolver uma
atitude
exagerada
e irracional
para com os
eletro-
domésticos,
t ê n i s ,
automóvei s
e
outros
b e ns de
consumo;
espe
rando benefícios em demasia da música, da m e di ci na
e
do s com
putadores. A sociedade - em suma - não sabe
onde se
encontra
o limiar de uma atitude racional
para
com [esses bens] e aquela
supervalorização (Sociologia, p . 42).
O
racionalismo é ,
assim,
causador de uma irracionalidade,
segundo
a
qual tudo tem solução
técnica e
com relação
à qual as
tendências
ao
misticismo
s ão
uma
reação
igualmente
irracional.
A tecnificação da vida produz uma
sensação
de clausura, engen
dr a uma
monotonia,
tédio
e vazio cuja expressão mais comum
s ão os de s ejos de
f u g i r , encontrar
alguma
forma
de escape
ou,
pelo menos, de se acomodar à paisagem. A socialização cada v e z
mais
cerrada
e intensa,
promovida
através
do
emprego
maciço
de
tecnologia maquinística em todas as esferas de
ação
s o c i a l , é ge
radora de uma
resistência
inconsciente, às v e z e s passiva, às v e
z e s
engajada,
contra a
civilização.
A sociedade
de
classes não se
decompõe
sem deixar resíduos:
sempre
resta um resíduo de vida,
que não é reproduzido, que so b r evi ve na não-e quivalência .7
O
movimento responsável pelo
surgimento
de uma indústria
da cultura se insere nes s e contexto, causador de uma profunda
mudança
nos
padrões de socialização. As tecnologias de comu
nicação
s ão
sucedâneos
das
relações sociais mais
imediatas
que
os
homens
tendem
a perder e que,
enquanto
t a i s ,
os
impedem
de
sentirem-se abandonados totalmente. A
televisão e
os
aparelhos
de reprodução musical, por e x e m plo , constituem, antes de mais
nada,
m e i o s através
dos quais os
homens
tentam
criar
uma apa
rência
de
proximidade humana em no s s a s o ci e dade (Mínima
moralia,
p .
180).
7
HORKHEIMER
e
ADORNO.
/
S e m i n a r i
d e l i a
S c u o l a
d i
F r a n c o f o r t e ,
p .
1
6 9 .
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174
F r a n c i s c o
R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
A massificação levou ao fechamento
do
e u s obre s i mesmo
e
à promoção
do
int e re s s e egoísta,
tanto quanto
à no s sa abertura a
toda
a
espécie
de
estímulo
externo
que
possa
servir
de
sucedâneo
da coletividade
(Intervenções, p .
1 5 3-1 5 5 ) . As mercadorias cul
turais tecnológicas
s ão
a principal
mediação desse
processo,
co r
respondendo
a e s sa
concepção de
mundo
segundo
a
qual
se pode
construir
a
sociedade diretamente a p a r t i r da tecnologia maqui-
n í s t i c a . A tecnologia
e
o mercado, parece claro, andam juntos e ,
para
e s sa concepção, podem resolver todos
os
problemas da vida,
do
homem
e
da
h i s t ó r i a .
Conforme Adorno observa, vista mais de perto,8 e s sa con
cepção
é mais ideológica do que
todas as
outras anteriores. Em
primeiro lugar, porque mistifica o
fato
de que os
problemas
s o
ciais s ão criados
pelos homens
e , em
t e s e ,
s ó
eles
podem
elimi
ná-los, s o b
dadas
condições. A transferência das faculdades hu
manas da
praxis social
para a máquina
é
ideológica porque,
re
almente,
a
tecnologia
se
tornou
um
denominador
comum
em
to
das as e sfe ras
e ,
assim, permite
às pessoas cr e r e m que têm res
posta para
seus problemas,
mas também porque
e s sa
crença
é
f a l s a :
a
tecnologia não somente
serve a
interesses poderosos co
mo obedece
a
uma regularidade
cega e
irracional, que não
tem
e s s e poder
e encontra
s ua e x pr e s sã o no medo onipr es e nt e e
l i
v r e m e n t e
flutuante (Sociologia, p . 74).
A transformação da tecnologia em
ideologia via máquina
significa
sobretudo, po r é m , uma
mudança
de sentido no conceito
dessa última, porque e s sa nova
crença
se reduz, cada
v e z
mais,
à
afirmação
do indivíduo e do
mundo pura
e
s i m pl e s m en t e
como
s ão em
no s sa sociedade.
Acontece, então, de os valore s
e
i d e i
as serem coisificados
nas
mercadorias culturais tecnológicas. Na
modernidade
t a r d i a , a confiança
social
no
valor
das idéias
e a
crença em
s ua realização cederam
lugar
ao realismo desencanta
do
e à descrença em
verdadeiros
i d e a i s . Os
valores perderam
s ua
substância e s ão cada
v e z
menos
motivo
de crença
pelo i n
divíduo (Indústria, p . 141).
Qualquer
que seja a espécie de influência
por
elas exercida,
as
telenovelas
e séries filmadas permitem-nos comprovar que
N o u t r o s
t e r m o s ,
c o n s i d e r a d a a p a r t i r d a
m e t a f í s i c a h u m a n i s t a
q u e , e m ú l t i m a i n s t â n
c i a ,
embasa
h i s t ó r i c a
e
r e f l e x i v a m e n t e
a
t e o r i a
c r í t i c a
d a
s o c i e d a d e .
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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o 175
ainda hoje há te ntativas de incutir nas
pessoas
uma falsa
cons
ciência
e
um ocultamento da realidade (Educação, p . 80). A
constatação
não
deveria
nos
fazer
fechar
os
olhos,
po r é m ,
para
as
condições
históricas em que
mais e mais
vem se
dando a
forma
ç ão da subjetividade na sociedade contemporânea.
A reprodução da ideologia dominante, se é que e s sa ainda se
reproduz, acontece
cada
v e z menos pelo reforço da crença em
certas
i d é i a s .
Os
valores se acham em avançado estado de er o são
e não fazem mais sentido onde não ensejam uma vivência imedi
a t a ,
em
função
da
própria
indústria
da
cultura.
As
práticas sociais
que se
tornaram ver
televisão ou
navegar
pela
net
foram fetichi-
zadas
e ,
segundo
parece,
possuem pouco
poder de formação
ideológica: enquanto extensão dos hábitos de consumo são, em s i
mesmas, a
ideologia, se assim
podemos
nos expressar em relação
a
e s sa matéria.
Aparentem ente, a autoconsciência
dos
contemporâneos r e j e i
tou
o
idealismo.
Os
homens
sabem
que
as idé ias
valem
muito
po uco . Re al me nt e , contam apenas os interesses, s eu e u
e
as
coi
sas tangíveis que podem
manipular de
maneira
objetiva. As
e s
truturas
ideológicas
que modelavam a consciência perderam o
caráter autónomo, passando
a se confundir com
a
cultura mate
r i a l . Entretanto,
po rque nã o acreditam
mais em i d é i a s , to rnou-se
cada
v e z
mais d i f í c i l persuadir as pessoas a colaborar (Dialéti-
ca, p . 135).
A sobrevivência no
interior
do s i s t e ma que a tudo abarca l e -
vou-as
a
r e nunciar a viver de acordo com s ua
aptidão e a
deixa
rem de procurar fazer o que fosse de s eu
go s to e inclinação. O
conformismo não significa, po r é m , que acreditem no sistema, na
medida em que
o modo
de ser da
vida
social se
tornou
transpa
rente. Os
fenómenos
ideológicos assumiram o contorno de um
v é u
tecnológico, porque se
por um
lado
os
homens aceitam a
m enti ra que se t ornou s ua vida, por outro conseguem enxergar
sem ilusões ess a realidade ( T e mas , p . 2 0 3 ) .
Sabemos
que este programa é um lixo e pensamos que você
não vale
nada
po r
vê-lo,
mas
sabemos
também que você sabe
disso e , enfim, ambos sabemos que é tolo e pretensioso tentar a l
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176 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
go melhor : mais e mais, isso é algo que, ao invés de escondido,
é
deixado
muito
claro por boa parte da mídia, que assim
converte
a
consciência
c r í t i c a
espontânea,
ainda
que
resignada,
em
tema
criptomasoquista de en tr e t enim ento pervertido.
O
processo de posição da indústria
cultural faz
parte
desse
v é u
tecnológico: as mercadorias produzem um reencantamento
da realidade
e
uma aparência de imediaticidade que
valem como
efeito
ideológico. O poderio social
que
os espectadores adoram
é
mais eficazmente
afirmado
na
onipresença do estereótipo im
posta
pela
técnica
do
que
nas
ideologias
rançosas
pelas
quais o s
conteúdos
e f ê m e r o s
devem
responder
(Dialética, p . 127).
O
ca
pitalismo
dissolveu
as
formações espirituais. A indústria da
cul
tura
é uma expressão do
agnosticismo desorientado
resultante
dessa
situação:
é
uma mediação através da
qual se
articula
a
consciência e a inconsciência
das
massas no capitalismo avançado.
Adorno
afirma várias
v e z e s que
o
principal
mecanismo em
que
se
baseia a
indústria
cultural
é
o da
identificação.
Os
pro
gramas radiofónicos, os
shows
de
televisão e
os
filmes, sobretu
do, se caracterizam por mostrarem heróis, pessoas que de manei
ra positiva
ou negativa
r e s o l v e m seus
próprios
problemas. O es
pe ct ado r v ê a s i mesmo neles. Devido à
s ua
identificação com o
herói,
supõe
participar da suficiência que lh e f o i
negada
[na
s o
ciedade] .10
P e s qui s an do mai s a fundo, nota-se, po r é m , que e s sa i d e n t i f i
cação não tem verdadeiro significado psicológico.
O
relaciona
mento cotidiano com as fantasias é marcado, no
máximo,
pelo
esforço
de autodramatização. O público
s ó em poucos
casos
re
almente e s pe r a par a s i o que assiste na
mídia.
Embora jogue com
e s sa i d é i a , conserva
a
consciência de que se t r a t a sempre de uma
satisfação substituta e uma gratificação imaginária.
Em
última
9 STALLABRASS, J . G a r g a n t u a :
m a n u f a t u r e d mass c u l t u r e .
L o n d r e s : V e r s o , 1 9 9 6 ,
p .
2 0 2 - 2 0 4 . Conforme o b s e r v a bem o
a u t o r ,
a c e l e b r a ç ã o
d o
c i n i s m o e i r o n i a f e i t a p o r
c e r t o s p r o g r a m a s d e t e l e v i s ã o s i g n i f i c a um e s v a z i a m e n t o p r év i o d as c r í t i c a s q u e s e
l h e s p o d e
d i r i g i r ; i s t o
é , t r a t a - s e
d e
um
t r u q u e
c a f a j e s t e e d i v e r s i o n i s t a . q u e s e t o r n o u
i m p o r t a n t e e l e m e n t o d o e n t r e t e n i m e n t o .
P r o c e d e n d o
a s s i m ,
a c r e s c e n t a m o s ,
o s v e í
c u l o s , t o d a v i a ,
d e s t i l a m
s e u p ró p r io
a n t í d o t o
e ,
n o
l i m i t e ,
podem s e r um f a t o r d e s e n -
c a d e a d o r
d e r e a ç õ e s
c o n t r á r i a s
o u
mesmo o p o s i c i o n i s t a s a
a l g u m a s d e s u a s p r á t i c a s ,
e m b o r a n ã o a o s e u s i s t e m a .
1 0 ADORNO,
T .
B a j o
e l
s i g n o
d e
l o s
a s t r o s ,
p .
3 7.
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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u
t e c n o l ó g i c o
177
instância, as pr o m e s sa s f e i t a s pelas imagens têm
um
sentido
me
ram en t e mercadológico.
A
constante
repetição
do s
valores
convencionais
parece
s i g n i f i c a r
que esses valores perderam sua substância e s e t eme que a s pesso
a s
possam realmente
seguir seus impulsos
i n s t i n t i v o s
e
i n s i g h t s
conscientes, a m eno s que s e assegure de maneira
contínua
que não
o
f a r ã o . Quanto menos
a
mensagem
é
motivo de crença
e m e n o r
é
a sua harmonia com a existência r e a l do s espectadores, mais cate
goricamente e l a
é
mantida na
a t u a l cultura ( I n d ú s t r i a , p . 1 4 1 ) .
Na sociedade
de
troca
tecnológica,
o
característico
de
fato
não é a comunhão, mas a incapacidade de identificação (Socio
logia,
p . 43). A
pretendida
identificação com
as
personagens e
condutas postas
em circulação pela
mídia, via
de regra,
é super
f i c i a l . Os sujeitos sabem que o que se passa nos
anúncios
não é
f a c t í v e l ,
mas
publicidade, e
que
os
romances
perfeitos
só e x i s t e m
nas t e l a s do cinema e
da
televisão.
A
conduta
pode
ser
comparada, em
síntese,
com aquela
que
tem lugar durante uma
s e s são
de hipnose:
trata-se
de uma
situa
ç ão
em que as pessoas se
deixam
lograr para
obter
certa
g r a t i f i
cação.
Os indivíduos conservam a
consciência de que
se
t r a t a de
um truque, que se
joga
com s ua anuência e que eles mesmos não
vão
fazer
nada
contra a s ua
vontade.
O superpoder s o c i a l
das
condições
materiais
de produção sobre os
indivíduos
é
t ã o
f o r t e ,
enquanto
a
eventualidade
de
auto-afirmar-se
é
t ã o
sem esperança, que e l e s
regridem e
s e assimilam ao i n e v i t á
v e l através
do
m i m e t i s m o
[consumista]
(Música,
p . 247).
A subjetividade e os co s tum e s s ão subme tidos a todo o tipo
de
manipulação
- e todos sabem disso, embora
não em toda
a s ua
extensão. As tecnologias produzem, através da máquina, uma
imediaticidade que tende
a ser tomada
pela realidade
mas,
ao
mesmo
t e mpo,
coloca
à
disposição
das pessoas
as
informações
com
as
quais elas pouco
a
pouco
v ão se
alertando
para s ua
oni-
presença. Os indivíduos
têm
consciência de que s ão alvo da pu
blicidade, embora sem saber
até
que ponto se tornaram
produto
dela,
assumindo
perante a mesma uma postura
de
reserva, sus
peita
ou
desconfiança. A complacência dos intelectuais
com
o
entretenimento
popular
se reflete nas massas,
visto que a cons
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 182/296
178 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
ciência dos consumidores está dividida entre o gracejo prescrito,
fornecido a eles pela indústria cultural, e uma dúvida mui to pou
co
escondida
s obre
seus
benefícios
(Indústria,
p .
89).
Conforme puderam observar pesquisas recentes, ratificadas
por
declarações
dos próprios gestores
do
ne gó ci o, o s
indivíduos
costumam a s s i s t i r
à
televisão porque
ela
está a í ,
porque
não
têm
outra alternativa. O tempo que passam à
s ua
frente é , muit as v e
zes, vivido com um certo pesar ou dissabor. A atividade é vista
como um
hábito
a que se entregam com excessiva complacência
e
do
qual
não
conseguem extrair
um
s e nt im ent o de
autêntica
sa
tisfação .11
A formação de contrapúblicos pr e co ni z ada po r muitos inte
lectuais
progressistas
é um
processo
inscrito
nas
condições histó
ricas e sociais de
existência da indústria
cultural e ,
por i s s o , não
surpreende
que, nos últimos anos, a cultura da mídia venha dan
do lugar a personagens e situações cujo caráter
fraudulento
e h i
perbólico
não
lhes
permite
passar
por
modelos:
servem
apenas
para
que
o
público se
divirta
com alguma
paródia
de s i mesmo -
expediente que é ,
ele
mesmo, um dos princípios de conduta
do
minantes na atualidade.
O capítulo
s obre
a indústria cultural ainda
não havia
sido es
c r i t o , mas já se chamava a atenção para o
fato
de que
as
massas
possuem
uma
atitude ambígua
para com
a manipulação . Em
bora
se divirtam com os bens
que
lhes s ão
oferecidos,
as pessoas
sabem
que
as
empresas
culturais
e veículos
de
informação
pas
sam
por
um
processo
de concentração económica, que afeta a
formação
da opinião pública. As
estratégias empregadas pelos
operadores
da
coisa se
choca,
portanto, com
um temor crescente
e
universal para com a
possibilidade
de que isso se traduza em
manipulação. Em r e su mo, trata-se
de
uma
atitude
que começa
com a
resistência
às vendas
e
t er m ina
na
crença
semiconsciente
de que nenhuma palavra
dita
em público tem s e nt ido o bj e t iv o ou
mesmo
expr e s sa as
convicções
privadas
do indivíduo .1
1 JH
ALY, S . Os
c ó d i g o s d a
p u b l i c i d a d e , p .
2 3 2 - 2 4 1 I s l e i d e
F o n t e n e l l e
d i s c u t e o p o n t o
n a c o n c l u s ã o
d e s e u e s t u d o s o b r e a
c a d e i a d e f a s t - f o o d
M c D o n a l d ' s . C f .
O
nome d a
m a r c a , C a m p i n a s : B o i t e m p o , 2 0 0 2 , e s p . 3 0 2 - 3 0 4 .
1 2
ADORNO, T . T h e p s y ch ol o gi c a l t e ch ni q ue o f
M ar t i n L ut h e r
R a d i o A d r e s s e s
[
1 9 4 3 ] .
I n :
Gesammelte
S c h r i f t e n
[ v .
9 . 1 ] .
F r a n k f u r t :
S u h r k a m p ,
1 9 7 5 ,
p .
1 5 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 183/296
C u l t u r a e i d e o l o g i a :
o v é u t e c n o l ó g i c o
179
Segundo Adorno,
a
explicação para tanto
deve
ser buscada
no processo civilizador moderno, que
en s ejou
o surgimento de
uma
consciência
dividida. O
homem
é esclarecido
e
supersticio
s o ,
zeloso
de
s ua privacidade
e disposto a
se
deixar
espionar, or
gulhoso de
ser
individualista
e
curioso com o que ocorre com os
outros. Atualmente,
as
pessoas ao mesmo tempo se distraem
e
conservam
uma postura r e a l i s t a
diante do mundo. Po r
um
lado,
os
indivíduos obedecem
aos mecanismos de
personalização,
t a l
como s ão dirigidos pela indústria cultural; mas por outro [ . . . ]
sa
bem
que
isso
não
é
o
importante .13
A
corroboração
da
hipótese,
sugerida bastante cedo,
surgiu
ao longo de diversas pesquisas
conduzidas
pela
equipe do Instituto de Pesquisa
Social.
Desde
o i n í c i o , os críticos da indústria da
cultura
advertiram
que os estudos
de
conteúdo proporcionam [relativamente
aos
efeitos] formulações cuja validez somente pode e deve ser defi
nida pesquisando [o
receptor] .14
A postulação dos
efeitos pe
culiares
de
um
bem
cultural
supunha
a
superação
das
análises
de conteúdo mais antigas, que neces s ariam ent e par tiam demasia
do da intenção dos filmes, não considerando suficientemente a
am pl it ude de variação e nt re es ta
e
o
efeito
(Sociologia, p . 102).
Resumidamente,
entendiam
que quaisquer que
sejam
as reações
dos espectadores frente
à televisão
a t u a l ,
essas
s ó poderiam
ser
estabelecidas ostensivamente mediante uma investigação mais
detalhada... com os espectadores (Intervenções, p .
69), embora
não
fosse
e s s e o
foco
do
programa
de
pesquisa que propuseram
com s ua disciplina.
A
pretendida
identidade
entre indústria cultural e
indústria
da consciência (Sociologia, p . 70 )
é
válida, desde que se esteja
ciente
de
que
esta
fórmula é falsa e verdadeira.
É
verdadeira e
falsa
ao
mesmo tempo
porque,
embora a
experiência
individual
seja esquematizada pelo processo, jamais se produz uma t o t a l fu
s ão
entre
ele
e a
consciência
do
indivíduo.
Portanto
a
identidade
de
ambas não
está tão acima
de
toda e qualquer
dúvida como
imagina o intelectual c r í t i c o ,
enquanto
ele fica do lado da produ
ção, sem examinar empiricamente o lado da recepção (Sociolo
gia,
p .
106).
1 3
ADORNO,
T .
I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p . 2 0 0 .
M
ADORNO.
T .
B a j o
e l
s i g n o
d e
l o s a st ro s ,
p .
1
5 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 184/296
1 80 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Os
consumidores
de be ns
culturais
oscilam, do
pont o de vis
t a
da
construção
de
s eu conceito,
e nt re le var a
sério
e levar, co
mo
s e
d i z ,
na
brincadeira
os produtos,
s e ja m
filmes
ou
discos,
com
que
se deparam,
flutuando,
portanto,
entre a
compenetração
consequente e
a distração distanciada.
A
subjetividade parece
ser
geradora de excedentes em relação
à satisfação
das
necessidades.
O
s i s t e ma da indústria
cultural,
embora
procure
entretê-la, toda
via
não pode ou ainda não logrou apropriar-se de suas
fontes.15
Adorno concluíra
inicialmente
que
os
homens e a
indústria
se
ajustam
entre
s i ,
mas
cabe
duvidar
dessa
equação,
que
não
e x
pressa
s e u último
pont o de vista s obre a
matéria.
Observações
f e i t a s
ao acaso haviam sugerido que
os leitores das
colunas de
horóscopo
dos
jornais relutam em levá-las
a
sério e adotam uma
atitude
irónica
para com
s eu
hábito de l e i t u r a . Noutros t er m o s,
eles
as aceitam com
o
que poderia definir-se de r e s er va m e ntal,
um
certo
jogueteio, que
consiste
em reconhecer com indulgência
a
irracionalidade
básica
da
astrologia
e
a
aberração
em
que
eles
mesmos incorrem
ao procurá-la .16
O
estudo s obre a recepção da
cobertura
que
a m ídia
alemã
deu às festas nupciais de figuras da n obr e za
européia,
entre ou
t r o s ,
demonstrou que
diversas
pessoas
observavam
uma conduta
realista
e
avaliavam com
sentido
crítico a
transcendência
política
e
social
do aconte cime nto . O trabalho comprovou a idéia de que
as
pessoas consomem
e
aceitam realmente o que indústria cultu
r a l
lhes
propõe durante
o
tempo
l i v r e , mas com uma espécie
de
reserva, s e melhante àquela com que mesmo os mais ingênuos
negam a realidade
dos
episódios
fornecidos
pelo teatro e
pelo
c i
nema .17
1 5 ADORNO, T . D i a l e c t i c a n e g a t i v a . M a d r i : T a u r u s , 1 9 7 1 ,
p .
9 6 .
1 6
ADORNO,
T .
B a j o
e l
s i g n o
d e
lo s a s t r o s ,
p .
3 0 .
1 7 Conforme
p e r m i t e m
c o n c l u i r p e s q u i s a s m a i s r e c e n t e s , a s
m a s s a s menos
f a v o r e c i d a s
cobram
d a
m í d i a o
f a t o d e l a , s o b r e t u d o e m shows e
f i c ç ã o , n ã o
s e r r e a l
- s e
p o r um
l a d o
i s s o
m o s t r a
q u e e l a s
a i n d a
querem t e r uma
r e l a ç ã o
co m o
mundo c o n c r e t o , p o r
o u t r o
m o s t r a
q u e e l a s t ê m c o n s c i ê n c i a d o i r r e a l i s m o d a m a i o r p a r t e d a s c o m u n i c a ç õ e s
c f . J u l i a n S t a l l a b r a s s : G a r g a n t u a , o p. c i t . , p . 2 1 0 ) . Adorno s u g e r e , p o r é m , q u e o
t r a -
j e t o
o p o s t o também o c o r r e : e s t u d o s
l e v a d o s
a
c a b o
p e l o a u t o r m o s t r a r a m q u e
p r o g r a
mas r a d i o f ó n i c o s c o n c e b i d o s co m s e r i e d a d e e r a m o u p r e di s pu n ha m - s e a s e r
c o n s u m i
d o s , n a m e l h o r d a s h i p ó t e s e s , como e n t r e t e n i m e n t o p e l a m a i o r
p a r t e
d a a u d i ê n c i a C f .
S o c i a l c r i t i q u e o f r a d i o m u s i c e A n a l y t i c a l S t u d y o f NBC M u s i c A p p r e c i a t i o n
H o u r ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C ul tu ra e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o 18 1
A pesquisa social c r í t i c a mais recente tende a
concluir
que,
excetuando-se a recusa em consumir certos produtos, nada na
recepção
[ das t e le no ve las ]
contradiz
seriamente
ou,
de
algum
modo, questiona as idéias e
intenções dos
produtores
dos pro
gramas
e
as
abordagens [dos
mesmos]
sugeridas
[aos
telespec
tadores]
pela mídia
impressa . As leituras aberrantes
ou subver
sivas que escapam ao s modelos endossados pelas comunicações
s ão irrelevantes; ou
então
não o são:
convergem com
o emprego
mercadológico da ironia e do distanciamento para
com
os
bens
de
consumo
agenciado
v ia indús t ria
cultural.
Os
entrevistados
originários das
camadas
trabalhadoras tendem a ve r de maneira
mais realista o que lhes é apresentado mas, embora emocional
mente intensas
para
e l e s , as
situações
por eles presenciadas s ão
claramente definidas como expr e s sõ e s de um
modo
de vida es
tranho ao s eu e que como t a i s
não lhes
serve de
parâme tro
exis
t e n c i a l . 1 8
O
verdadeiro
ponto a notar com
relação
ao tópico
s e r i a , po
r é m ,
observar
a tendência, que
agora sabemos não
ser nova,
de o
púb lico das mais variadas classes,
em
consonância
com
a situa
ç ão supracitada, fazer
uma
leitura
irónica
do material com que se
defronta. As
pessoas adultas não têm r e a l
respeito pelo
que con
somem
via indústria
cultural. Os magazines de variedades
e
os
programas de televisão não s ão vistos como algo importante,
mas meios de preencher uma
pausa no s afazeres
ou
de relaxar
sem compromisso, depois do cumprimento das o br ig aç õe s coti-
dianas.
A significação do us o cotidiano da mídia t e m de s e r buscada
sobretudo nas r o t i n a s que o
sustenta
e cujo sentido em t ermos de
experiência pode
s e r ,
por
exemplo,
reafirmar um
prazer
inomi
nável
ao
invés de um evento emancipatório
[como
pretendem
c e r t o s investigadores pós-modernistas].19
O consumo de
bens
culturais é ,
em
geral,
um
passatempo
temporário e
fugidio,
que em s i mesmo não deixa traços durá
veis,
por
maior que t enha
sido s ua intensidade
como fonte de
sensação e conhecimento . As experiências por ele ensejadas va-
1 8 GRISPRUD,
J . T h e
D i n a s t y
y e a r s ,
p .
1 6 0 - 1 6 2 .
1 9
HERMES,
J .
R e a d i n g
women
s
m a g a z i n e s . O x f o r d :
P o l i t y ,
1 9 9 7 ,
p .
1 4 8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 186/296
18 2 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
riam
de
p e s s oa para
pessoa,
mas tendem
a ser limitadas
em pro
porção
e a
ficar no
plano da
vivência
imediata. O fato
não
quer
dizer,
note-se,
que
e s sa
prática
seja
nula
e
não
t enha
um
sentido:
e s s e
existe e
deve
ser
procurado, mas
num plano mais abrangente
(o
da estruturação da
sociedade). A conclusão
que
nos
permite t i
r a r , po r é m ,
é
a
de que
s eu
alcance é
r e s t r i t o
e seus sujeitos não
s ão
marionetes
nas
mãos
dos
que comandam a prática da indús
t r i a cultural.
Em função disso, precisamos considerar com toda a s eri eda
de
a h ipó te s e
de
que
a
integração
sistêmica,
sempre
parcial,
não
quer dizer integração ideológica do indivíduo.
O caráter
simula
do
dessa
última mas , ao
mesmo t e mpo, a pressão material da
primeira,
da
qual quem
quer
sobreviver
não
pode f u g i r , sugerem
que o processo como um todo tem um aspecto ideológico.
Nou
t r a s
palavras, significa
que, apesar
dele:
Os i n t e r e s s e s r e a i s do indivíduo conservam s u f i c i e n t e poder
para
r e s i s t i r ,
dentro
de
c e r t o s
l i m i t e s ,
a
seu
t o t a l
aprisionamento. [Note-
s e
de
r e s t o que] e s t e f a t o e s t a r i a
de
acordo com o prognóstico so
c i a l segundo
o
qual uma sociedade cujas contradições
fundamen
t a i s permanecessem
i n a l t e r a d a s tampouco poderia
i n t e g r a r - s e
t o
talmente na consciência (Indicadores, p . 62-63).
Vendo bem, as formações ideológicas que circulam social
mente
através
das mercadorias da indústria não s ão de maneira
necessária
a
de
seus
clientes.
Atualmente,
a
tendência
é
se
rom
perem
os
vínculos espirituais entre o indivíduo e
a
sociedade. De
todo
modo,
a lembrança desse
e nt e ndi me nt o , po r
s i só, deveria
nos pór
em guarda e
questionar
o s j uí z os segundo
os
quais, nes sa
linha de
análise,
construiu-se
uma
visão
impositiva
da cultura
de
massa, que reduz as comunicações
a
um processo unidirecional
direto de manipulação cultural do s co ns um ido r e s . 0
No
modo
de
ver
adorniano,
as
comunicações
de
massa
refor
çam
as
exigências
que a sociedade
coloca
a cada indivíduo
para
ela poder
funcionar
e
para
que este funcione
conforme
ela
neces
s i t a .
No
entanto, para que
seja assim, precisam
coadunar-se com
suas inclinações. As comunicações raramente t ransmit em algo
: 0
SWINGEWOOD,
A . O m i t o d a c u l t u r a d e m a s s a , p . 7 1 . Swingewood r e v i s o u
p a r t e
d o s
j u í z o s
e m it id o s n e s sa
o b r a
s o b r e a
E s c o l a d e
F r a n k f u r t
cm
C u l t u r a l
t h e o r y
and
t h e
p r o b l e m
o f m o d e r n i t y
(Nova
Y o r k :
S t .
M a r t i n ' s
P r e s s ,
1 9 9 8 ,
p .
3 7 - 5 2 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C u l t u r a e
i d e o l o g i a :
o v é u
t e c n o l ó g i c o
18 3
que
seus clientes
não tenham
aprendido
antes em s ua vida coti-
diana.
A indústria
não impõe ao s
homens o que
des ejam : ela
não
poderia
fazer
com
que
comprassem
os
bens
que
produz
se
eles não os quis e s s e m (Indicadores, p . 57). Apesar de podermos
discutir
até
que ponto
s ão
a r t i f i c i a i s ,
as
mercadorias culturais
s ão
produtos
da
praxis humana
que
estão baseadas
mais na explora
ç ão do que
na
negação das aspirações e desejos do indivíduo.
Levando
em
co nt a t udo i s s o , precisamos
r e l a t i v i z a r ,
por ou
t r o lado, a
afirmação segundo
a qual
o indivíduo precisa
ser
conscien t izado para
se
emancipar da
influência
da
indústria cul
t u r a l .
As pessoas
não s ão criaturas
passivas,
manipuladas pelos
meios de co muni caç ão . Conforme v e r e m o s , submeteram-se ao
fetichismo
da
mercadoria
cultural
tecnológica
porque
elas pró
prias foram se ajustando, ativamente, às condições
de
vida
surgi
das, através
de
s ua própria práxis, com o capitalismo.
Horkheimer e Adorno sempre chamaram a atenção para o fa
to
de
que
a
reflexão
por
s i
s ó
pode
servir
tanto
à
liberdade
quanto
à dominação. O indivíduo e sclarecido s ó pode se emancipar com
a sociedade e , po r i s s o ,
eles
atentavam para o risco
deste
indiví
duo, existente enquanto idéia
e
ideologia, embora
criti camente
consciente, ainda permanecer
teleguiado de
uma det erminada
maneira em s eu comportamento, não sendo, em s ua aparente
e -
mancipação,
autónomo
no sentido que
se imaginava
nos primór
dios
da Ilustração . 1
Escreve
Deborah Cook que, segundo os frankfurtianos, s e a
consciência não fosse despertada de
alguma
maneira, não
seria
possível
questionar
efetivamente
as
condições
sociais,
económi
cas e políticas fvigentes
na
atualidade] . A proposição precisa
ser nuançada porque, como eles
deixaram
entrever
várias
v e z e s e
a autora soube perceber,
na
realidade os indivíduos já se encon
tram ne s sa condição. O esclarecimento
tornou-os
todos adultos, e
a
mídia
ajudou
bastante
nesse
processo.
At ualm e nt e , o
homem
adapta-se
às condições
dadas
em
nome
do realismo . 23
2 1
ADORNO, T . Educação e
e m a n c i p a ç ã o , p .
1 8 4 - 1 8 5 . C f . P e t e r S l o t e r d j i k : C r í t i c a d e
l a
r a z ó n c í n i c a . M a d r i : T a u r u s ,
1 9 8 8 .
COOK, D . T h e
c u l t u r e
i n d u s t r y r e v i s i t e d , p . 1 0 0 .
a
HORKHEIMER,
M.
ADORNO,
T .
Temas
b á s i c o s
d a
s o c i o l o g i a ,
p .
2 0 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 188/296
1 8 4 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
O problema não
se explica
recorrendo
ao
conceito
de domi
nação
ideológica. A
transformação da realidade esbarra em nu
m e r o sa s
forças
contrárias
mas,
também,
no
fato
de
que
os
ho
mens até certo ponto querem ser enganados. A mediocridade es
p i r i t u a l
e a
po br e za de idéias presente na maior parte da
cultura
de mercado depende de uma constelação de interesses à qual não
é estranha a vontade das massas.
Na
visão
de
Horkheimer
e
Adorno, o
des en v ol v i m en to da
indústria cultural
é
uma parte int ríns eca
do processo
de cresci
mento
da
racionalização
e
reificação
nas
sociedades
modernas,
um processo que t orna o s indivíduos cada v e z menos capazes de
pensamento independente
e sempre mais dependent e s
do s pro
cessos
sociais
sobre
os quais eles
possuem
pouco ou nenhum
controle .
Entretanto,
isso
não quer
dizer
que
a
indústria da
cul
tura ocasionou
a
incorporação do s indivíduos
numa
totalidade
social racionalizada e reificada; frustou
sua
imaginação, extin
guiu
s e u
potencial
revolucionário
e
tornou-os
v ulne r áv e is à
ma
nipulação por
ditadores e
demagogos .
Na verdade,
a
prática da indústria cultural não tem e s s e po
der, limitando-se a t ornar moral
pública
uma conduta que
nasce
da
coação do sistema:
momento dele, ela apenas confirma-os e
consolida-os na crença,
carente de verdadeira f é ,
em s ua própria
existê ncia .25
Os
indivíduos
respondem ao apelo dos be ns de consumo por
que s ua
práxis
perdeu o sentido produtivo e degenerou em uma
série de pseudo-atividades.
A experiência
do mundo favorece
cada
v e z
mais
a
procura
de diversões que os afastem
de suas
vidas. Destarte, conduzem-se como herdeiros da atitude burguesa
perante a arte e segundo a qual
o
que me agrada
pode
ser mau,
fraude
fabricada,
para
alguém
deitar poeira nos olhos , mas
tam
bém algo de que necessito e , por
i s s o ,
uma fraude da qual não
gostaria que me l e m b ras s e m , da mesma forma que não go s to
que me peçam esforço e que me contrariem no
[m eu]
tempo l i
vre (Estética,
p .
3 4 3 ) .
Nas mercadorias culturais da
indústria,
os consumidores por
certo não v ão encontrar
a
felicidade, mas podem obter um a n t í -
THOMPSON, J .
B .
I d e o l o g i a e c u l t u r a m o d e r n a , p . 1 3 4 .
2 5
ADORNO,
T .
HORKHEIMER,
M.
Temas
b á s i c o s
da
s o c i o l o g i a ,
p .
2 0 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 189/296
C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u
t e c n o l ó g i c o
18 5
doto
contra
a s ua
infelicidade: Não h á nenhum desfrute ou
pra
z er r e a l
apenas
a
liberação
do s en ti m ento
individual
de desprazer
e
a
extração
de
uma
satisfação
regressiva
com
o
fato
de
se
s ub
mergir
o e u
em um
[sucedâneo] de
comunidade .26 Kracauer não
ent endeu o problema corretamente. A pretensa realização dos de
sejos promovida pelos bens culturais não
é
s enão a
felicidade r e
sultante
do fato
de
saber e nf i m
que não
se é
f e l i z , embora, em t e
s e , se pudesse s e r ,
partindo
da
hipótese
de que a vivência dos c i
t ado s praz e r e s -
na verdade
- está bloqueada pela maneira como
s e e s t rutura
a
sociedade.27
Conforme afirma Adorno, a sobrevivência da sociedade
e -
xistente [tornou-se] incompatível com a consciência de s i mes
ma
e e s s e
f a t o ,
se assim se
pode
dizer, é a s ua ideologia (Estéti
ca,
p .
3 4 3 ) . A
população sabe -em número cada
v e z maior
- que
as corporações transnacionais e os conglomerados
multimídia
detêm mais
e
mais poder, controlam
a economia e
conduzem
a
política
mundial.
As
adversidades
da
vida
não
s ó
passaram
a
ser
reconhecidas
de
maneira
imanente
mas, agora, s ão
enfrentadas
de m ane ir a
r e a l i s t a : todas as ilusões v ão se desvanecendo, à me
dida que avança o progresso tecnológico. O pr og re s s o das condi
ções materiais
de vida não quer dizer
que
a vida tornou- se menos
dura
para amplas camadas da população,
e o conhecimento de
que várias delas
mal
conseguem
sobreviver em
v árias par te s do
mundo grava a consciência global criada pelas telecomunica
ções.
Falando
em
linhas
gerais,
a subordinação do i ndi ví duo à e s
trutura social é o padrão dominante da civilização. Atualmente,
ela
perdeu
a aparência pessoal. Os indivíduos s ão até
certo
ponto
mais
l i v r e s .
Entretanto,
isso não quer dizer que
o
referido
padrão
desapareceu. O esclarecimento lhes trouxe maior clarividência, e
e s s a
lhes permite enxergar a rede de dependências em que
estão
enquadrados.
Em
repetidas
ocasiões
as
pessoas
chegam
mesmo
a declarar
que
s ão s im ple s peões [jogados no tabuleiro] , salien
tando a
dificuldade de
e scapar das
incessantes
exigências e
pro-
2
ADORNO, T . T h e
p s y c h o l o g i c a l
t e c h n i q u e
o f
M a r ti n L u th e r R a d i o
A d r e s s e s ,
p .
1 8 .
2 7 ADORNO, T . Q u a s i
u n a
f a n t a s i a , p . 5 5 . C f. S i e g f r i e d K r a c a u e r : De C a l i g a r i
a H i
t l e r .
R i o
d e
J a n e i r o :
Z a ha r , 1 9 88 ,
p .
2 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 190/296
18 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
vas requeridas
por uma sociedade regida po r
uma ordem mercan
t i l e
burocrática .
8
Para
Adorno,
o
fundamento
antropológico
em
que
se
baseia
a indústria cultural é
não
apenas a dificuldade psicológica e
mo
r a l em conviver
com e s s e fato sem paliativos,
mas
-
principal
mente - o desejo dos
homens
enganarem
a s i
mesmos acerca de
s ua situação. Trata-se de um desejo e s t i m ulado de maneira s e m i -
consciente pelas suas circunstâncias de existência. Os indivíduos
têm consciência do que
lhes
acontece. Entretanto,
desejam
crer
no
cont rário, a
despeito
de s sa
consciência.
Na
modernidade
avançada, o conformismo
se traduz
pois
em
cinismo bem
infor
mado. A
indignação
com os
escândalos [transmitidos
pela mí
dia] na maioria dos casos
consiste
em uma racionalização su
p e r f i c i a l ; realmente o [público] r e t i r a algum
prazer
da estória .29
Aparentem ente, a característica dominante da subjetividade
atual é a falsa consciência
esclarecida,
como diz
Peter
Sloterdijk.
Os
valores
se
tornam
mais
e
mais
transparentes
como
e m bu s t e s ,
perdendo s ua eventual validade. Os indivíduos têm consciência
da precariedade
de
s ua existência
e
da
mentira que se tornou a
vida social
em
s ua
totalidade.
Contudo,
em
s eu
tempo l i v r e pre
f e r e m se ocupar com
a
fantasia oposta, apropriada
po r
meio da
procura
e consumo
de
entretenimento.
Destarte, podemos supor
que
o
indivíduo continuará consumindo as mercadorias da indús
t r i a enquanto e s t a s , explorando seus sentidos com estímulos
esté
t i c o s , oferecerem-lhe
os meios
para
esquecer
das
adversidades
deste mundo e de
s eu e st ado
de angústia diante da mentira que
ele s e
tornou,
enquanto elas conservarem um maior atrativo do
que o trabalhoso
processo de
desenvolver a experiência
individual.
5 . 2
Esquematismo
e
mercantilização
Para Adorno,
as
tendências societárias essenciais... não
atuam de
maneira
uniforme, segundo a amostragem estatística da
população, mas de acordo com os interesses m ai s po de ro so s
e a
eficácia da ação
do s
que
fabricam
a opinião
pública
( T e mas , p .
2 8 ADORNO, T .
B a j o
e l s i g n o
d e
l o s a s t r o s , p . 1 1 4 - 1 1 5 .
ADORNO,
T .
T h e
p sy c ho l og ic al t e ch n iq u e o f
M a r t i n L u th e r
R a d i o
A d r e s s e s ,
p .
6 8 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 191/296
C u l t u r a
e
i d e o l o g i a : o
v é u
t e c n o l ó g i c o 18 7
125).
As
comunicações expressam
as
relações de
força
vigentes
entre os
grupos sociais e a maneira como
cada um
deles logra fa
z er
us o
de
seus
recursos,
s ab endo -s e de
antemão
que,
hoje,
as
tendências
que
se impõem s ão as
ditadas
pelo c a p i t a l . Os promo
tores
da indústria
cultural
afirmam que dão às massas o que as
massas
querem: trata-se
de
um enunciado ideológico, pois se é
certo que o processo
conta
com o
apoio
das m as s as , ocorre que
as
demandas
dessa últ ima s ó tendem a ser
atendidas
quando po
dem dar lucro ao s
produtores.
A
pergunta
que
fica
é
pois
a
de
saber
por
que
as
massas
se
voltam
para
o consumo? Adorno deu
s ua
resposta
ainda nos
anos
30. A procura
pelos
bens
de
consumo se explica porque é s obre
tudo at rav é s de le s que as massas
compensam
as rotinas cotidia-
nas
que
têm
de
cumprir e
se
h ab ili t am a satisfazer
s ua subjetivi-
dade. As mercadorias culturais não s ão impostas de cima para
baixo: representam uma tentativa
f ú t i l e
compulsiva de
evit ar a
perda
de
experiência
implícita
nos
modernos
modos
de
produção
e
de
escapar
da dominação da equivalência
abstrata, através
da
concreção [ e s p i r i t u a l ] obtida pes soalment e (self-made)
(Pris
mas, p . 85).
O
fundamento
da poderosa indústria
da diversão, que cada
v e z
mais c r i a ,
satisfaz e
reproduz novas
necessi dades , por con
seguinte,
deve ser buscado
na
necessidade social
de
re generar
as energias para o trabalho que as massas consumiram no a l i e
nante
processo de produção
(Cinema,
p .
1 3 ) . O consumo
de va
lores estéticos constitui antes de m ai s nada um meio de restaurar
os danos causados
pelo
processo
de trabalho,
a despeito
da
t en
dência a e s s e consumo converter-se em sentido do crescente
tempo l i v r e que,
desejando ou não,
as
pessoas estão
destinadas a
t e r no capitalismo avançado.
A
população
e s t á
preenchendo
suas
horas com
trabalho
simulado,
uma atividade f i c c i o n a l , cujos gestos apontam e zombam da f a l t a
de
trabalho
no
mundo r e a l . . . As centenas de jogos perdidos
ou
abandonados
à
medida em que são completados, que seus heróis
morrem ou caem no limbo
d i g i t a l ,
fazem e co ao
destino
de milhões
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 192/296
18 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r
□ T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
de indivíduos que s e perdem no vasto jogo
promovido
pelo capi
t a l . 3 0
Simmel
f o i
o
primeiro,
parece,
a
ver
que
o
modo
de
vida
ur
bano e mercantil gera uma contínua agitação e s p i r i t u a l , marcada
pela pressa infindável, a multiplicação de contatos, a mecaniza
ç ão
da co ndut a e o fluxo de no v idade s despejado pelos
serviços
de
comunicação.
Nasce a í o desejo
moderno
de, ve z por
outra,
repousar na
calma
do gozo passivo e
no
desfrute do
l i v r e
j og o da
imaginação.
Adorno viu
em
s eguim en to
que,
na
produção
e con
sumo
dos be ns
culturais,
h á
uma
forma
de
lidar
com
e s sa
brutali
dade civilizada, na medida em que ambos, produção e consumo,
podem
ser vist os como uma forma de r e laxam e n t o o rgan i zado
dos
cos tum e s (Dialética,
p . 132).
Em última instância, o desígnio
secreto dessas
práticas é , po
rém, ocupar e treinar a
mente
para servir
o sistema.
O sentido do
manejo
dos
órgãos e nervos, ao mesmo tempo superexcitados e
extenuados,
é
s a c i a r ,
ao
menos
momentaneamente,
as
faculdades
anímicas
e
corporais
com
estímulos diferenciados
o
bastante
pa
r a , mediante sua contrapo si ção concentrada, estabelecer a
recep
t iv idade e de s frut e
de
sensações e experiências, engendrar a mai
or
soma
possível
de interesse
e
prazeres.
A pretensão de que é por meio da indústria cultural que se
instalam socialmente fenómenos vazios ou irracionais é f a l s a : o
s i s t e ma
em
que
ela
se
t r an s fo r mo u r e po usa
menos
na
renúncia
do
que na
deformação de objetivos racionais ou razoáveis. O pro
cesso
é necessário, sobretudo, para a
reprodução
da no s sa capa
cidade de trabalhar e
consumir
em um mundo que prepara os
homens para a reprodução dessa capacidade e constrange suas
necessidades
a se adequarem ao s
interesses
de suprimento e co n
t r o l e social [dominantes] (Prismas,
p . 109-1
1 0 ) .
Dificilmente
suportar-se-ia
sem
algo
para
mitigá-la
a
compreensão
[ e x i s t e n t e e n t r e o homem moderno] de que há uma dependência
cada
vez
maior:
s e os homens a
admitissem abertamente,
mal
po
deriam aguentar umas circunstâncias cuja mudança não s e coloca
1 0
STALLABRASS,
J .
G a r g a n t u a :
m a n u f a t u r e d
mass
c u l t u r e ,
p .
1 0 1 - 1 0 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 193/296
C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o 18 9
como objetivamente
possível
e para
a s quais não
sentem
possuir
a
devidas forças p s í q u i c a s . 3 1
Em
segundo
lugar,
as
mercadorias
culturais
precisam
ser
vis
t a s como
veículos de pseudo-individualização, porque
consti
tuem o
cânone
dos padrõe s de conduta produzidos
sinteticamente (Indústria,
p .
78). O capitalismo
cada
ve z
mais
separa e individua as pessoas mas , ao mesmo
t e mpo,
as priva das
condições para cultivarem s ua personalidade. A procura de bens
simbólicos,
o
t e s t e
de modelos
e a montagem
de um
e s t i l o
de
vida
pessoal
através
deles
significam
uma
maneira
de
empregar
os recursos subjetivos
disponíveis e subtrair-se,
ao menos
parcialmente, da homogeneização da consciência promovida
pelas
rotinas
da
vida civilizada.
[ O co ns um o]
canaliza
aquele
í mpe to de
s e
e s t a r
presente
[ a s i
mesmo e aos outros] que, de outro modo, a t a c a r i a de forma i n d i s
criminada,
anárquica, como promiscuidade
ou
agressão selvagem,
a
c o l e t i v i d a d e ,
que,
no
entanto,
não
s e c o n s t i t u i
de
outras
pessoas
senão aquelas que
estão
neste caminho ( M í n i ma moralia,
p .
1 2 2 ) .
Finalmente,
a
prática da indústria cultural deve
ser
vista co
mo um
fator de e squematização da subjetividade. As mercado
r i a s culturais da indústria possibilitam às pessoas disporem de
um mecanismo de defesa perante
a fragmentação
da realidade
e
sublimarem a progressiva pe r da de sentido da
experiência.
[Na
modernidade
t a r d i a , ]
a experiência, a continuidade da
cons
c i ê n c i a , na qual perdura o não-presente e
na
qual o
exercício
e a
associação fundam uma
tradição
no indivíduo s i n g u l a r ,
é
s u b s t i t u í
da po r
um
estado informativo pontual - desvalido,
fungível
e efê
m e r o - sempre p r e s t e s a s e r apagado por outras informações no
i n s t a n t e
s e g u i n t e : no lugar do temps
durée,
conexão de um viver
em s i a t é certo ponto uníssono que des emboca em um j u í z o , colo-
ca-se
um
é
i s t o
sem
julgamento
(Pseudocultura,
p .
260).
Significa que,
hoje
em d i a ,
a fragmentação
da
experiência
produzida pelo
modo de
produção e as
relações
de
troca
é
reuni
ficada
(ideologicamente) através
da
mercadoria. Os
programas
de
televisão,
as histórias em quadrinhos, a música popular
basei-
1 1
ADORNO. T . S u p e r s t i c i o n d e s e g u n d a
mano
I n : HORKHEIMER e
ADORNO,
S o c i o l ó g i c a ,
p .
2 1 7 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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190 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
am-se
em fórmulas, técnicas
e
conceitos que permitem às
pe s
soas
e x e rci tar e m- s e nas vivências que
lhes
exige o sistema. As
sim,
os
sujeitos
dividem
seus
sentimentos
e
conservam
a comu
nicação
no
contexto de
uma sociedade que leva
seus
integrantes
a uma
desintegração moral cada
v e z
maior,
visto ser
aquela mais
e
mais
estruturada pela forma
mercadoria.
Como não pode oferecer o que , pe la própria condição, lh e
escapa
(uma solução
concreta),
a produção cultural
da indústria
procura levar às pessoas uma espécie de alívio permanente, pre
dicando
o
constante
consumo
do
que
ela
mesma
não
faz
s e n ã o
pór no mercado.
Segundo Kant,
o
indivíduo
possui em
s ua
alma um
meca
nismo
secreto
que
prepara
as sensações imediatas
de modo
a
se
ajustarem
ao s e u s is t e ma de pensamento. A multiplicidade da
experiência sensível precisa ser ordenada pelo sujeito - para fa
z er
sentido
-
através
de
um
processo
misterioso, que
o filósofo
chamou
de
e s qu e mat i s m o ,
em
s ua
Crítica
da
Razão
Pura.
Theodor
Adorno ent endeu que hoje e s s e segredo está deci
frado: a fragmentação da experiência produzida pela técnica de
vida moderna é a base do conceito filosófico
de
multiplicidade
sensível,
e o
sentido que se
costuma lh e
dar, um
subproduto
do s
esquemas
veiculados pelos bens
culturais
da indústria.
A percepção sensível
e a
consciência moral das
pessoas
e n
volvidas com
a economia
de
mercado e o
modo
de
produção
ca
p i t a l i s t a s ão
cada
v e z
mais
fragmentadas. Os indivíduos
encon-
tram-se
cada
v e z
mais
atomizados e sujeitos a shocks,
que os
ameaçam com o
caos
e s p i r i t u a l .
O
esquematismo é o primeiro
serviço que
a
indústria
cultu
r a l
presta ao s clientes , referindo-se à
maneira
como as mercado
r i a s culturais tecnológicas, enquanto expressam certas relações
sociais,
sintetizam
os
dados da experiência
em
no s s a s o ci e dade
(Dialética,
117-118).
Atualmente,
a
presunção de possuir uma visão
pessoal das
coisas tende a ser um fator de perturbação. A experiência indivi
dual tende a ser nivelada,
na
medida em que o capital r e t i r a do
sujeito a
capacidade de
intermediar a
relação
entre a vida e o
sentido. O emprego de esquemas não s ó permit e que a vida se
torne mais f á c i l mas,
ainda,
que
se
di s po nh a de uma orientação
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 195/296
C u l t u r a e
i d e o l o g i a :
o v é u t e c n o l ó g i c o 191
mais rápida
e
liberta da fadiga que imporia
a
compreensão das
complicadas relações criadas com
a e ra
da técnica
e
em que
se
sustenta
no s sa
civilização.
As
mercadorias culturais
podem ser v i s t a s , por
i s s o ,
como
fantasias produzidas de maneira
esquemática
(Mínima mora-
l i a ,
p .
177):
elas
s int et iz am o s materiais estéticos
e
intelectuais
existentes para seus consumidores. O resultado do cuidado com
que se
procura cativar
o
consumidor, poupando-lhe o desgaste
psíquico,
é
o surgimento de uma série de e s que mas ,
através
dos
quais
as
mercadorias
estruturam
e
mediatizam
a
subjetividade
do
homem cont e m p o r â n e o .
Os
programas de auditório,
paradas
de sucesso, cade r no s de
variedades, talk-shows, revistas de moda e outros v e ículos
da
i n
dústria
cultural
de hoje em dia descendem das distrações que se
podiam
encontrar
nas pr im ei ras feiras l i v r e s m as , di ve r s am e nt e
do
circo,
do
music hall
e do
teatro de r e v i s t a , que sucederam,
ca-
racterizam-se
não
s ó
t r a t a r
o
público
com
os
últimos
métodos
da
psicotécnica e
da
propaganda
mas
[estarem], eles
mesmos, cons
truídos com critérios propagandísticos .32
O
princípio mais importante em que e s s e s
veículos
se ba
seiam, em poucas
palavras,
é o do e f e i t o : o cálculo do s meios pa
ra obter uma resposta positiva (consumo) por parte do mercado.
Os
produtos precisam
ser
vendáveis e ,
assim, s ão feitos
antes de
mais
nada para
se adequar
à
expectativa
dos
consumidores. Nos
últimos
anos,
as empresas
culturais não
passaram
por nenhuma
democratização: aconteceu
apenas que
a
tendência
para integrar
cada
v e z mais o público
à
produção encontrou uma
saída lógica
na
incorporação
ativa
de s s e púb li co [ . . . ] como
criador
de
um pe
daço do texto [dito interativo das comunicações ] .3 3
As mercadorias culturais,
realmente,
funcionam como se fos
sem um
t e s t e
sociopsicológico: modelos
e estímulos
de possíveis
projeções,
desejos
e
condutas
sociais. A
exploração
da
procura
por
satisfação e s t é t i c a ,
embora imediata, não é ,
porém, mecânica.
As
empresas culturais
por certo t entam controlar
a demanda,
ca
nalizá-la
em determinadas
direções,
mas
não podem
t e r certeza
a
respeito
do
que
é que vai t e r
sucesso.
Os modelos
com que se
3 2 ADORNO,
T . F i l o s o f i a d a
n o v a m ú s i c a ,
p .
9 3 .
1 3
MATTELART,
A .
O
c a r n a v a l
d a s
i m a g e n s .
S ã o
P a u l o :
B r a s i l i e n s e ,
1 9 8 9 ,
p .
1 7 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 196/296
192
F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
pode contar podem t e r
saído
de moda,
mas
esse não é
o principal
problema.
Os cálculos estéticos, po r definição, raramente s ão
eficientes
e ,
por
i s s o ,
a
própria
eficácia
dos
produtos
só
pode
ser
avaliada
po r
dados como
o
volume de
vendas
e
o
fluxo de con
sumo.
As necessidades subjetivas não e x i s t e m previamente, for-
mando-se de
fato através
da interação com oferta
e
os
mecanis
mos de publicidade (Estética, p . 272 ) .
O processo,
todavia, não
tem sentido único.
As
estratégias de produção
s ão
fixadas através
de
um
agenciamento
seletivo,
submetendo-se
os
bens
ao
t e s t e do
mercado. As pesquisas de mercado servem apenas de indicação,
na medida em
que
o próprio gosto
está sempre
mudando, de
acordo com as tendências que cria a sociedade. O cálculo da rea-
ç ão estética
é
sempre
estimativo,
sujeitando-se necessariamente
à
experimentação (idem, p .
296).
Os produtores reúnem em um
programa ou produto um pouco
dos
diversos e l e m e n t o s que, em
t e s e ,
pe rm i t e m -l h e
agregar
o
máximo
de
consumidores,
mas
o
efeito concreto da
composição depende de variáveis
que eles
não
controlam.
As mercadorias culturais aparecem num contexto de
forte
compe ti çã o e , portanto, precisam possuir traços que as diferen
ciem. A preocupação que se tem para que sejam vendidas em es
cala de massa
também
exige,
po r é m ,
que
não se
diferenciem
e x
cessivamente. A prática da indústria cultural requer que os pro
dutos possam ser distinguidos
de t odos os
outros
mas , ao
mesmo
t e mpo, carreguem marcas dos
modelos
que foram ou estão sendo
bem-sucedidos. Os produtos colocados no mercado precisam ser
originais, sem contudo exigir muito e s fo rç o ps í quico dos consu
midores. Os esquemas
s ão
resultado dessa situação paradoxal,
tanto quant o f or m as
através das quais
se
leva
a cabo
s ua
promo
ç ão
mercadológica, que, como
todavia
notado, não transforma
os
produtos em
sucesso automaticamente.
O
processo em
foco, note-se
contudo, precisa ser visto
de
maneira dialética: por um lado,
a
concentração económica em
larga escala favorece a e squemat i zação , t o r nando -a imperativa
por razões comerciais, como rotinizar
a
feitura dos bens, f a c i l i t a r
o
consumo e
não desagradar os clientes; por outro, e s s e s
esque
mas respondem a ce rt as demandas do público, como poupar as
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 197/296
C ul t ur a e
i d e o l o g i a :
o v é u
t e c n o l ó g i c o
193
energias
psíquicas
e
dispor de meios para
enfrentar as
tendências
ao caos cognitivo
em
curso
na
no s sa época.
As
estratégias
de
personalização
de
que
a
indústria
lança
mão, por e x e m plo , não se deixam reduzir à mera técnica de mar
keting. O esquema
funciona como
t a l porque
permite
às pessoas
pr e s e r var e m um pouco da
espontaneidade
da
experiência,
a t r i
buindo
a
seres humanos vínculos (sociais) anónimos que não s ó
escapam à compreensão daqueles que não aceitam teorias como,
devido
à s ua t e r r í v e l
f r i e z a , não
s ão
toleráveis pela
consciência
(Literatura
I I ,
p .
2 4 3 ) .
As mercadorias s ão esquematizadas com princípios promo
cionais (glamourização, serialização, personalização, etc) que
sublimam tendências de gostos oriundos das próprias massas, as
convenções estéticas, fórmulas sensíveis e
platitudes
l i t e r á r i a s às
quais
elas se acostumaram e que, com o passar do t e mpo, foram
se
tornando uma segunda natureza, não importa o quant o s e j am
relativas
do
ponto
de
vista
histórico.
Destarte,
conviria observar que
os
esquemas não
s ão impos
tos
às
pessoas. Na
realidade, eles
s ão i mp o s t o s ao s produtos
pela
sociedade.
Provindos de necessidades
concretas, os
esquemas
não somente sublimam esteticamente certas relações sociais co
mo v ar iam de acordo com o
contexto cultural e
momento h i s t ó r i
co.
Benjamin
nos fornece um bom exemplo do assunto em s eu
ensaio
sobre Paris no tempo de
Baudelaire. Conforme
relata o
autor, os
t e m o r e s
pelo convívio
com estranhos que
a experiência
urbana causou
às pessoas
nos
primeiros
tempos da
era
burguesa
provocou o surgimento de uma peculiar l i t e r a t u r a de variedades.
O propósito das chamadas
fisiologias
era assegurar
que
qualquer
um seria
capaz de,
sem
ser perturbado, decifrar a
profissão, o
ca-
r á t e r , a origem e o modo de
vida
das pe ss oas com que tinha de
cruzar
pelas
ruas
das
grandes
cidades.
Entretanto, os esquemas que
desenhou
não
tiveram
vida lon
ga, s e ndo pouco a pouco suplantados pelos romances policiais,
cuja
origem
pode ser buscada nas
histórias de detetive
escritas
por Edgar Allan Poe. Os pequenos calmantes que os
fisiologis
t a s
preparavam
passaram a
valer nada ,
a
p a r t i r
do
momento em
que a concorr ência económica cada
ve z
mais aguda
levou
cada
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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194 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
um a afirmar seus interesses individuais . O conhecimento preci
s o desses interesses tornou-se bem mais
ú t i l do
que o da
suposta
essência
das pe s s oas
e ,
para dar
co nt a de s s a
nova
forma
de
reagir
ao ritmo da v i da ur bana, o romance policial acabou parecendo
melhor aparelhado.34
Segundo
Adorno,
entre
os principais
esquemas em
que
se
baseia
a
prática
da indústria cultural podem-se contar
os
seguin
t e s :
1 . Padronização -
O
procedimento refere-se
às
fórmulas
e
estru
turas
formais,
variáveis
conforme
a
época,
em
que
se
baseiam
os
conteúdos singulares das mercadorias. Os produtos s ão criados
de modo que espelhem uma norma ou padrão similar a de todos
os
outros do mesmo
gênero. Desde o
começo do
filme
já
se sa
be
como ele termina, quem é
recompensado, e ,
ao
escutar
a
mú
sica l i g e i r a , o
ouvido
treinado é perf ei tam ente capaz, desde os
primeiros compassos,
de
adivinhar o d e s e n v o l v i m e n t o do
tema
e
sente-se
f e l i z
quando ele
tem
lugar
como
previsto
(Dialética,
p .
118).
2 . Pseudo-individuação
-
As
mercadorias precisam
ser
padroni
zadas mas, ao mesmo t e mpo,
diferentes
entre e l a s , para
serem
vendidas no mercado. O
princípio
da pseudo-individuação refe
re-se às
marcas que o produto
cultural procura
t e r
para
poder se
distinguir
e competir
com os demais, apesar de possuir igual t r i
vialidade. A
padronização das
mercadorias da
indústria
costuma
ser escamoteada
por uma fachada de estímulos diferenciados. A
performance tangível,
o
detalhe
técnico
e os efeitos
especiais
s ão
alguns meios através dos
quais
se quebra s ua rigidez.
3 . Glamourização - O esquema faz e co às práticas
de
promoção
que
constituem o próprio núcleo da indústria
cultural
e r e m e t e
ao s
expedientes
que procuram
dar
relevância
às
mercadorias,
conferindo
inclusive ao s seus aspectos
mais
banais a
co ndi ç ão de
grandes espetáculos. Na m ús ica, po r e x e m plo , significa aquelas
passagens que
parecem comunicar
a
atitude
agora vamos apre-
, 4 BENJAMIN, W.
A
P a r i s
d o
I I
I m p é r i o
e m B a u d e l a i r e . I n :
- S o c i o l o g i a
( O r g . d e
F l á v i o
K o t h e ) . S ã o
P a u l o : Á t i c a , 1 9 8 5 , p . 6 5 - 8 2 . C f. S i e g f r i e d K r a c a u e r : L e romam
p o l i c i e r . P a r i s : P a y o t ,
1 9 7 1 . D a v i d F r i s b y :
K r a c au e r a n d t h e
d e t e c t i v e n o v e l . I n :
T h e o r y ,
c u l t u r e
and
s oc ie ty 2
( 1 - 2 2 )
1 9 9 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 199/296
C u l t u r a e
i d e o l o g i a : o
v é u
t e c n o l ó g i c o
195
sentar
e ,
nos
filmes,
o e ncant o ou
atrativo adquirido
por
uma
simples refeição caseira ou rotina profissional.
4 .
Hibridização
-
Os
conteúdos
estéticos
dos be ns
culturais
da
indústria não s ó tendem a mesclar diversos gêneros como
costu
mam ser
distribuídos de m ane ir a mais ou
menos fungível,
vindo
a
formar uma espécie de coletânea, que os
faz desfilar
diante de
nós como se
e s t i v é s s e m o s em um show
de variedades. Nas t e l e
novelas, por e x e m plo , podem ser v i s t a s , lado a lado, convenções
e s t i l í s t i c a s extraídas de uma
vasta
gama de
gêneros,
desde o c i
nema
policial
e
o
teatro
de
revista
até
o
formato
noticioso
e
o
v i -
deoclipe.
5 . Esportização - As mercadorias s ão
esquematizadas
formal
mente
de
modo que suas
partes pareçam
ser ou fazer parte
de
um e v en t o esportivo. Nos filmes, por
exemplo,
as sequências
de
ação s ão
montadas
de modo a parecer que s ua
duração
pode
ser
cronometrada
e , nas coreografias musicais, as performances s ão
determinadas por regras
arbitrariamente estabelecidas.
6 . Aproximação - O consumo das mercadorias estimula o surgi
mento
da sensação
e squemática e ilusória de
que,
por
meio
delas,
se pode não apenas acessar de forma imediata, mas apoderar-se
da m ane ir a que
se
desejar da
essência
dos fenómenos sociais. A
televisão enseja a fantasia e squemática de
que
se pode possuir
qualquer
coisa,
mesmo
as
mais
distantes,
apenas
clicando
em
a l
guns
botões.
7 .
Personalização - os esquemas tratam os as pe ct os objetivos
do s conteúdos como se
não
pa s sa s s e m de problemas humanos e
individuais, associam os fat os às pessoas, promovendo uma curi
osidade para com os indivíduos, ao invés
do
e n t endi m en t o do
material. Na televisão, por e x e m plo ,
conflitos políticos
e
postu
ras
ideológicas
s ão
retratados
s o b
a
forma
de
conflitos
psicológi
co s e manifestações de caráter das pe s s oas
envolvidas
(Indústria,
p . 148-149).
8 .
E s t e r e o t ipag e m
-
As
mercadorias
s ão construídas através
de
procedimentos simplificadores,
que
funcionalizam o significado
e reduzem a complexidade contidas
no material
sujeito à a t i v i
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 200/296
196 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
dade artística e intelectual, como se
constata,
por exemplo, na
elaboração de e nr e do s e construção de
personagens.
Aparent ement e, o esquema
de
fundo em que todos e s s e s
ca
sos tendem
mais
ou
menos
a
se encaixar
consiste, por
hipótese,
na fó rm ula dramática descrita uma v e z por uma dona-de-casa
como getting
into trouble and
out ofit
( m e t er - s e em
complicação
e s a i r dela) , já
que
ela abrange
toda
a cultura
de
massa, desde o
mais cretino women's serial até a obra mais bem executada
(Dialética,
p .
1 42-1 4 3 ) . 3 5
Conforme
veremos na seguinte seção,
i sso estaria
de
acordo
com
a
tendência,
que
se
verifica
na
prática
da
indústria
cultural,
dela fornecer uma espécie de articulação
ao s mecanismos de sujeição estabelecidos no â m b i t o do capita
lismo avançado.
Entretanto,
referindo-o, não se pretende afirmar
que ele seja o
único
ou que as mercadorias culturais s e jam me
ramente
agenciamentos
de
e s qu e mat i s m o s .
A
matéria está aberta
à pesquisa e , também, à fortuna
que
lhe
reserva
o
movimento
concreto
da
indústria
cultural.
Visualizados
numa perspectiva de conjunto, pode-se afirmar,
po r é m , que os esquemas vêm a constituir uma espécie
de estrutu
ra
articuladora do fetichismo de mercadoria, na medida em que
procuram vesti-la de modo
a
fazê-la parecer que
tem
um
poder
guardado dentro de s i e
que,
e ss e pode r, é o de satisfazer inte
gralmente todas as
nossas
necessidades. Surgidos da prática da
indústria
cultural,
eles
delineiam
o
caráter
de
fetiche
dos
bens
mercantis, colaborando para
que
as relações do sujeito vi vo com
as coisas e os outros s e ja m
escondidas
desse sujeito e transplan
tadas
para o
corpo
morto dos bens de consumo. Os esquemas
têm
em comum, portanto, o propósito de representar as vanta
gens de cada mercadoria
como uma revelação
que fosse
alterar
o curso inteiro de uma vida , encobrindo ao mesmo tempo o fato
de,
na
verdade,
cada
uma
delas
constituir
uma
coisa
menor,
que
não faz r e a l diferença [para a vida das pessoas] .3 6
1 5 C f . ALAIN EHRENBERG: L e
c u l t e
d e l a p e r f o r m a n c e . P a r i s : C a l m a n n - L é v y ,
1 9 9 1 .
HORKHEIMER, M.
E c l i p s e
d a r a z ã o , p .
1
1 0 .
C f .
B a r b a r a K l i n g e r :
C o m m o d i f i c a -
t i o n a n d r e c e p t i o n i n m a s s c u l t u r e . I n : J a m e s
N a r e m o r c
J . ;
P a t r i c k B r a n t l i n g e r
o r g s . ) : M o d e r n i t y and mass c u l t u r e . B l o o m i n g t o n I N ) :
I nd ia na U n iv e rs it y P r e s s .
1 9 9 1 .
B e r n a r d
Gendron d i s c u t e co m
p r o p r i e d a d e , a i n d a
q u e
d e m a n e i r a
i n d i r e t a , o s
p r o b l e m a s
c o n t i d o s
n a c o n s t r u ç ã o
e
emprego
d o
c o n c e i t o
d e e s q u e m a ,
c o n f o r m e
e l a -
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 201/296
C u l t u r a
e
i d e o l o g i a : o
v é u
t e c n o l ó g i c o 197
As mercadorias
que os
agenciam representam
uma
forma de
as pessoas se exercitarem nas situações e rotinas a elas impostas
pelo
modo
de
vida
c a p i t a l i s t a :
trabalhando com
materiais
sensí
v e i s , que remetem à totalidade
em
que as pessoas se i n s e r e m sem
consciência,
veiculam-se
nelas
os
princípios
estéticos com que
as
massas podem estruturar
para
s i
os problemas e tendências cria
dos por e s s e sistema.
Conforme o b s e r va Fredric Ja m e s o n, continuador da
explora
ç ão
teórica
dessa perspectiva em chave mais detalhada, os ele
mentos que
chamamos nesta
s e ç ã o
de
esquemas
fornecem
um
mínimo
de
orientação
com
a qual
as
pessoas
podem
se
guiar pe
los meandros do s i s t e ma mundial
globalizado depois
do fim
da
cosmologia. As mercadorias culturais são, em alguns casos, por
isso
tudo,
f or mas no vas e
peculiares de realismo
( ou pelo
me
nos, de mimese
da
realidade), ao mesmo tempo em que podem
igualmente
ser analisadas como parte dos di ve r s os e s fo rç os
para
distrair-nos
e
desviar-nos
da
realidade
ou
encobrir
suas
contradi
ções, resolvendo-as em aparência, através de
diferentes
mistifi
cações
formais .37
Em
conclusão,
obs ervaríamos que
as
práticas de indústria
cultural
não
s ão geradoras
da
situação espiritual por nós
viven-
ciada
atualmente.
Os esquemas
que
elas veiculam po s sue m , po
r é m , um
efeito de conjunto,
que
consiste
em
tecer
um véu
ou l e
vantar
barreiras
para
a
clara percepção de suas r a í z e s . Também
são, nes s e sentido,
e l e m e n t o s
limitadores de s ua
eventual supera
ção,
no caso de haver
forças
sociais capazes, em t e s e , de
mover
t a l
campanha. Os esquemas
em
que
se
baseia a
indústria cultural,
de
cunho
ao
mesmo
tempo
afetivo e
racional,
tendem
a estruturar
os padrões
de
conduta do público antes mesmo dele se confron
t a r
com qualquer
conteúdo específico e
de uma
maneira
que
de -
b o r a d o
e m
n o s s o
e x c u r s o
c f .
T h e o d o r
Adorno m e e t s The C a d i l l a c s , e m M o d l e s k i ,
T . S t u d i e s i n e n t e r t a i n m e n t , 1 9 8 6 ) .
JAMESON, F . P o s t m o d e rn i s m , o r t he c ul tu ra l l og ic o f l a t e c a p i t a l i s m .
Durham
( N C ) :
Duke U n i v .
P r e s s .
1 9 9 1 , p .
4 9 .
J a m e s o n e x e m p l i f i c a b a s t a n t e b e m ,
a i n d a
q u e sem u s a r
o
t e r m o , uma f o r m a d e e s q u e m a t i s m o d i s po n i b i li z a da p e l o s chamados f i l m e s
d e c o n s
p i r a ç ã o
e m
L a
E s t e t i c a
G e o p o l í t i c a . B a r c e l o n a :
P a i d ó s ,
1 9 9 5 .
C f .
n o s s o
e s t u d o A
T r a m a : P a k u l a e a
f a n t a s m a g o r i a
m e l a n c ó l i c a d a
d e s i n t e g r a ç ã o d o
j o r n a l i s m o
n o e s p í
r i t o d o e s p e t á c u l o m e r c a n t i l i z a d o . I n : C h r i s t a B e r g e r
o r g . ) :
J o r n a l i s m o n o C i n e m a .
P o r t o
A le g r e : U f rg s,
2 0 0 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 202/296
198 F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
termina amplamente o modo como e s s e conteúdo está sendo
pe r
cebido
(Indústria,
p . 145).
A
transformação
da
cultura
em
mercadoria
e a
formação
de
uma
cultura
de
mercado constituem,
portanto, um movimento
que estrutura,
no
corpo e
alma
de seus sujeitos, a experiência
humana na atualidade. Contrariamente à opinião corrente, o f e
nómeno não se relaciona com a inculcação de ideologia através
da mensagem, porque em última instância já não se precisa i n j e -
t a r nenhuma ideologia
(Indústria,
p . 57).
Os processos
em foco
dependem
da
convergência
das
carências
mat eriais e
fantasias
coletivas de seus consumidores potenciais com as satisfações e
prazeres
prome tidos pelos
bens culturais, agenciados
pela
prática
de
um ne g óci o am plo , variado e
complicado,
que precisa ser e n
tendido
dentro
do processo histórico e civilizatório.
A prática da indústria
cultural
não atua
através da
i mpo s i ç ão
direta de condutas, mas da elaboração cada ve z mais
sistêmica
e
sistemática
de
expedientes
e
técnicas
em
que
não
estão
ausentes
a consciência e a v o nt ade do s co ns um ido re s , porque seus sujei
t o s , em
última
instância,
s ão
tão moldados
por
ela
quanto
aqueles
procedimentos. O principal educador
das
massas, hoje, é o d i
nheiro,
e
s ua escola
é
o
mercado.
Os esquemas
através
dos
quais
os produtos s ão agenciados apontam para dire çõe s div ersas ape
nas no tocante aos
benefícios
concretos:
em todo o resto não dis
tinguem mais entre dominantes e
dominados no
mundo contem
porâneo.
Os consumidores não
s ão por certo dados,
mas
encontram-s e
pré-constituídos nas
estruturas económicas e
organizacionais
que
caracterizam
o tempo
presente.
As
mercadorias culturais consis
tem,
po r
i s s o , sobretudo em uma mediação, através da qual as
pessoas se
fazem mas
também,
pelos menos por alguns
instantes,
se
desfazem
como sujeitos em
no s sa
sociedade.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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6
Destinaçõesdo
sujeito:
regressão
e
assujeitamento
No
apítulo anterior,
apresentamos
proposta
de interpretação
do pensamento adorniano
que
nos
obriga a rever
o juízo segundo
o qual
a c r í t i c a da indústria cultural
baseia-se
na chamada hipó
tese
da audiência passiva.
Adorno a tratou
assim
em diversas
passagens,
chegando
ao
ponto
de
dizer
que,
privados
de
quais
quer resíduos de l i v r e - a r b í t r i o , o s i ndi v íduo s sucumbem sem re
sistência ao que lhes
é
oferecido (Dialética, p . 1 2 5 )
e
tendem
a
produzir reações passivas, tornando-se meros centros de reflexos
socialmente condicionados (Sociologia, p . 144).
Entretanto, no método
dialético
o
momento
não deve
ser to
mado pelo todo, pouco importando se o pe ns ado r o bs e r v ou ou
não o
ponto
em relação ao
objeto debatido
nesta investigação. Os
juízos não querem
dizer
identidade. A passividade das audiências
é ideologia (aparência
socialmente
necessária):
significa que as
pessoas estão paralisadas, mas não totalmente. O sujeito social -
por
mais reificado que possa
estar
- continua v iv o e atuante
na
esfera
da indústria da cultura.
A despeito
do
grau de
reificação que
possuam na
r e a l i d a d e ,
ne
nhuma
das
categorias
em
foco
-
c u l t u r a e
administração
-
e s t á
t o
talmente r e i f i c a d a ;
da mesma f or ma que o mais formidável invento
cibernético
-
ambas r e m e t e m ao
s u j e i t o
humano ( l i v i n g
subject)
( I n d ú s t r i a , p . 1
1 3 ) .
A problematização
do
veredicto sobre
a
m o r t e do
suj eito his
tórico que se visualiza na perspectiva adorniana precisa ser e xa
minada
em
toda a s ua
densidade, na
medida
em que, partindo de
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2 0 0 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r
Adorno
e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
s ua vista global, a situação atual se deixa melhor entender em
t e r m o s r e l a t i v i s t a s ,
como
uma
situação
em que o
ser
humano
é
escandido,
s enão
arrastado,
por
forças
que,
no
contexto
da
indús
t r i a
da
cultura, o levam tanto ao assujeitamento
quanto
à desindi-
vidualização.
6 . 1 Resistência e as suj e i ta m en t o
O movimento
cultural
da
indústria
não
se
reproduz
de
ma
neira mecânica: é um processo mediado pelo sujeito, que não se
sustenta
co nt ra o s seres humanos, mas por s ua intermediação. O
processo se r e pr oduz po r meio do s homens que ele
produz
e , por
e s sa v i a ,
acompanha s e u destino e seus
atos de
liberdade. Os
c l i
entes
de
casas
de diversão
não s ão o s i ndi ví duo s fas ci nado s e
passivos
que
se mostram neles e pelos
quais
eles mesmos se to
mam .1
As
mercadorias
culturais
não
chegam
às
pessoas
andan
do com
suas próprias
pernas. Precisam
ser ligadas
ao
sujeito
pelo
próprio sujeito (Escritos, p . 48). As condutas e
hábitos
em que
s ão
prescritas
-
assim
como
as
pessoas que nelas
se
espelham -
s ão
produtos
de um s i s t e ma de vida mais amplo, que não
é
aceito
sem
resistência
i n t e r i o r ,
exigindo
o emprego mais
ou
menos
consciente da vontade para se t ransformarem
em
comportamen
t o .
A crescente
integração
das pe s so as
que escapam
à margina
lidade
é funcional,
mas
isso
não
é o mesmo
que dizer automática.
A propaganda não basta para m ot iv á- las a a g i r :
é
uma condição
necessária, mas não
suficiente
(Música,
p .
43).
Conforme
escreve
Adorno, os comportamentos de massas não s ão resultado de pura
e simples doutrinação pelos m e i o s de comunicação:
A
explicação
segundo
a
qual
os interessados
em
t a l
situação
con
t ro lam t odo s os meios de opinião pública, j á a n t i g a , não basta por
s i só agora. As massas não s e deixariam enganar po r uma
propa
ganda primária e f a l s a , s e
algo
nelas mesmas não desse
acolhida
ADORNO,
T . Q u a s i
u n a f a n t a s i a , p .
5 6 .
A p a s s i v i d a d e
d a s a u d i ê n c i a s ,
como
s e
d i s s e ,
p r e c i s a
se r
e n t e n d i d a
como
i d e o l o g i a : a p a r ê n c i a s o c i a l m e n t e n e c e s s á r i a .
As p e s s o a s
consomem
a s
m e r c a d o r i a s
d a
i n d ú s t r i a
d e f o r m a
p a s s i v a ,
mas
s ó
a t é
c e r t o
p o n t o .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s do
s u j e i t o :
r e g r e s s ã o
a a s s u j e i t a m e n t o
2 0 1
a mensagens que falam [ a t é mesmo] em s a c r i f i c a r - s e e de viver
perigosamente ( E s c r i t o s ,
p . 3 5 ) .
A
planificação
sistemática
e
a
distribuição
organizada
de
mercadorias culturais, sem dúvida, s ão um fator importante, re
forçando as condições sociais favoráveis
para
uma apropriação,
pelo
indivíduo mutilado pelos processos
de trabalho,
do s
mode
los
de
conduta
afinados
com o modo de
vida
c a p i t a l i s t a .
A von
tade
com que as pes soas se
entregam
às práticas de
consumo
evidenciam, contudo, que h á
algo mais além
nisso
tudo.
O
pro
cesso
cultural
da
indústria
não
pode
ser
visto
de
maneira
l i n e a r .
A subjetividade jamais se deixa reificar totalmente,
constituindo
uma espécie de limite categorial, não obstante
s ua plasticidade.2
Segundo H o r k h e i m e r ,
as
contratendências
à
cultura de
massa
se manifestam
à
medida em que as pessoas procuram escapar de
l a .
O
protesto contra
os
filmes não
se acha
tanto
nas críticas
amargas quanto no
fato
de as
pessoas
i re m ao cinema
e dormi
rem
ou
faz e r e m
amor .3 Para
Adorno,
elas
podem
ser
descober
t a s dentro
do
s e u pr ópr io consumo. A resistência não desapare
ce
completamente
na rendição
a
forças externas, mas mantém-se
viva dentro do
indivíduo e
continua s obrevivendo
até mesmo
no
exato momento
do
con s e n t i m e n t o (Sociologia, p . 143).
O
indi
víduo continua
procurando
ele mesmo se fazer
sujeito ( no
senti
do ambíguo que e s sa expr e s são possui), mesmo
nas
condições da
cultura
de
massa
t o t a l ,
para
as
quais
nos
empurra
a
sociedade
de
troca
tecnológica
O sujeito
não se
reproduz
pela s i m pl e s coaç ã o,
mas na medida em
que
os seres
humanos
s ão
capturados
pelo
s i s
tema (Dissonâncias,
p .
45).4
C f .
GEORG LUKÁCS:
H i s t ó r i a e c o n s ci ê n c ia d e
c l a s s e , p .
1 1 5 .
Max H o r k h e i m e r a p u d M a r t i n J a y : D i a l e c i i c a l i m a g i n a t i o n ,
p .
2 1 4 . P e s q u i s a s
m a i s
r e c e n t e s
m o s t r a r a m q u e
p a r c e l a s
e x p r e s s i v a s
d a
a u d i ê n c i a
costumam
e nt r a r e
s a i r
d a
s a l a , s e n ã o f a z e r o u t r a s
c o i s a s ,
d u r a n t e o tempo e m q u e e s t ã o a ss is ti nd o à t el e vi sã o
( S u t J h a l l y . Os c ó d i g o s d a p u b l i c i d a d e ,
p .
1 2 8 ) .
C f . I n i r o d u c c i ó n a l a
s o c i o l o g i a ,
o p .
c i t . ,
p . 1 9 8 . A
c o r r o b o r a ç ã o
e m p í r i c a
d e s s a
h i p ó
t e s e e n c o n t r a - s e e m v á r i o s e s t u d o s , m a i s o u menos r e c e n t e s , o n d e s e m o s t r a q u e a s
p r á t i c a s
d e
consumo
c u l t u r a l
s ã o uma
f o r m a
d e a s p e s s o a s e n c o n t r a r e m
s o l u ç õ e s
i m a
g i n á r i a s p a r a s e u s p r o b l e m a s mas também d e f a z e r e m f r e n t e à d o m i n a ç ã o a t r a v é s d e
f o r m a s a g r a d á v e i s d e r e s i s t ê n c i a . C f . D i c k H e b d i g e : S u b c u l t u r e : T h e m e a n i n g o f
S t y l e . L o n d r e s :
M e t h u e n , 1 9 7 9 :
J a n i c e
R a d w a y : R e a d i n g
t h e
r o m a n c e . C h a p p e l l
H i l l
( N C ) : U n i v e r s i t y o f N o r t h C a r o l i n a
P r e s s , 1 9 8 7 ; D a v i d
B u c k i n g h a m : P u b l i c S e c r e t s .
L o n d r e s : B F I,
1 9 8 7 .
J o k e
H e r m e s : R e a d i n g
women's
m ag a z in e s . O x f o r d:
P o l i t y ,
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202 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
No decurso
do
último
século, a
capacidade de o indivíduo
seguir seus
próprios
impulsos e a
consciência do s
interesses
que
se
cobrem
com
o
v é u
tecnológico
tornaram-se
parte
inseparável
da dialética da civilização.
O desenvolvimento tecnológico
tornou a s pessoas t ã o
r a c i o n a i s ,
a s t u t a s , c é t i c a s
e
r e s i s t e n t e s contra
a criação
de
todo
t i p o de cren
ças (frequentemente, s e há pont os v i t a i s em questão, e l a s conser-
vam-se
i n d i f e r e n t e s ,
inclusive
perante a mais
f o r t e
pressão
da
pr o
paganda),
que não pode haver
dúvida sobre a existência
de contra-
tendências
bastante
f o r t e s
cont ra o s
padrões
pervasivos
que
ema
nam de nos so m e i o
c u l t u r a l . 5
O esclarecimento não é
nem pode
ser revogado
de
maneira
arbitrária
e
mecânica
pela indústria da cultura.
As
performances
através
das quai s o s i ndi ví duo s encenam s ua pretendida i d e n t i f i
cação com condutas que, na verdade, sabem
fantasiosas e
ilusó
r i a s , embora fascinantes, não
somente
requerem
s e u e s fo rç o
mas
s ão
um
meio
de
se
fazer em
sujeitos
em
no s sa
sociedade.
A
identificação com a instância que prescreve
o
prazer se efetua
de
t a l maneira que
o e u
impõe a s i mesmo a ordem de se deleitar e
que
a reação
instintiva oficial
não
se
produza
s e n ã o através de
uma
racionalização. 6
Os homens realmente não levam a sério esses modelos, mas
se
pautam por
e l e s ;
nem os
adotam
por
serem enganados, mas
porque,
até
certo
ponto,
eles
lhes
convêm e
se
coadunam
com
seus interesses. O
conhecimento
cada
v e z mais
amplo
do s
meca
nismos de reprodução da r ealidade e de criação estética e tecno
lógica medeia a
recepção do s bens culturais
da indústria.
A
re
presentação
do
mundo é vista como t a l , sendo
racionalizada.
O
resultado de tudo isso é que as pessoas consentem com
a
cultura
de massa
[apenas] porque
sabem
ou suspeitam que através dela
lh e
s ão
ensinados
os
costumes
que
por
certo
lhes
serão
necessá
rios para se
inserir
na vida
social conforme ela
tem
lugar
no con
texto dos monopólios
(Indústria, p . 80).
1 9 9 7 . N i c k S t e v e n s o n :
U n d e r s t a n d i n g m e d i a
c u l t u r e s . L o n d r e s : S a g e , 1 9 9 5 ,
p .
7 5 -
1 1 3 .
5
ADORNO. T . D e m o c r a t ic l e a d e r s h i p
a n d
m a s s
m a n i p u l a t i o n , p .
2 6 9 .
ADORNO,
T . Q u a s i u n a f a n t a s i a ,
p . 5 6 . A h i p ó t e s e
r e m o n t a a o p r i m e i r o e s t u d o s o b r e
o y d Z Z ( D i s c o u r s e v .
1 1 ,
1
[ 4 5 - 6 9 ]
1 9 8 9 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s d o s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 203
Em virtude
disso,
contudo, precisamos r e j e i t a r a
hipótese
de
que
a espontaneidade
f o i
substituída pela cega aceitação do ma
t e r i a l
i mpo s t o
através
da
indústria
da
cultura
(Sociologia,
p .
146). Aquela existe por meio dos interesses e inclinações
especí
ficos
do indivíduo.
Porém
e s s e
é
definido
sobretudo socialmen
t e ,
através do
processo
histórico.
As orientações de
cada
aspecto
divergem e , po r i s s o , eles tendem a ser e l e m e n t o s antagónicos. O
capitalismo
avançado
se caracteriza
por
desencadear
processos
de
socialização
que tendem a integrar pela força e
de
modo radi
cal
a
espontaneidade.
A
capacidade
de
resistência
individual
das
pessoas, ainda
que de
maneira estereotipada,
todavia
so b r evi ve
mesmo s ob
e s sa
pressão do
poder
económico
(Cinema, p . 170-
171).
O movimento todo-poderoso que
emana
do s i s t e ma da indús
t r i a
cultural
e squematiza em
escala
cada ve z
maior a subjetivida-
de, mas isso não
implica
a absoluta eliminação da espontaneida
de.
A
liquidação
do
sujeito
histórico
e
político,
da
dimensão
his
tórica da subjetividade, não
atinge
s ua dimensão sistêmica
e
e co
nómica. A reprodução do referido movimento
é
um processo
humano e ,
portanto, algo
precário, que carrega consigo
as forças
que,
em
princípio, poderiam l i v r a r s eu sujeito s o c i a l , um
sujeito
sistêmico, das t e ndê nci as à r egr es s ão que
naquele
se abrigam.
A
crescente sujeição que se
exerce por
meio desse processo é me
diada pela consciência, e se tem algum êxito, é porque, mal ou
bem, também permite alguma expr e s são l i v r e e criadora da s ub
jetividade.
Theodor Adorno t r a t a a questão no
ensaio
Sobre a
música
Popular
(1941): o entusiasmo
pela
música popular
não
é
s i m
plesment e
espontâneo, mas também não
é produto
de
uma mera
ordem ou
pressão externa. Os estímulos estruturais, externos,
precisam ser elaborados interiormente. O consumo da
música
pop,
como
o
de
outros
bens
simbólicos,
deve
s e r ,
no ut r os t e rm os ,
comandado pelo s u j e i t o . A corrida
à
loja de
discos, a procura
de
notícias sobre os
astros, a formação
de
clubes,
o
comparecimento
ao s
s h o w s , os exercícios de
vassalagem pessoal,
etc, que se vê
entre
os fãs - tudo isso
envolve
um
ape lo ao s
impulsos e sp on t â
neos, uma decisão
no
sentido
de v e nce r
o s e n s o
crítico e
um
acionamento mais
ou menos consciente da vontade.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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204 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Para
o
autor,
a resistência i n i c i a l a se engajar numa dessas
práticas
tem
de ser quebrada pel o pr ópr io indivíduo. Destarte,
o
t a
da música
popular
precisa
ser
imaginado
como
pe r co rr e ndo o
s eu caminho com olhos f i r m e m en t e fechados e dent e s ce r rado s a
fim de evitar que se desvie
daquilo
que decidiu
a c e i t a r .
Uma v i
s ão clara e
calma colocaria em
pe rigo a
atitude que
lhe f o i i n f l i
gida e que, por s ua vez, ele tenta i n f l i g i r a s i mesmo (Sociolo
gia, p . 1 44-1 4 5 ) .
O consumo de be ns culturais depende da vontade em se
dei
xar
enganar,
e
não
de
uma
s u b m i s s ã o
mecânica,
mas
por
isso
mesmo e s s e s
bens carecem de
t o t a l
legitimidade.
Os indivíduos
manifestam-se com
ambivalência perante as práticas
da indústria
cultural: se de um lado as têm s ob
suspeita,
por outro as deman
dam. A estrutura económica e social está ordenada de maneira
que
estimula
o
desejo de
ser manipulado passivamente , mas
ao
mesmo
tempo ninguém quer re conhecer que é totalmente
dependente
e
se
deseja pr es er var
[pelo
menos]
a
ilusão
de
possuir
iniciativa privada
e
liberdade de escolha .8
Os indivíduos várias v e z e s sentem que não há saída para ce r
t a s situações: A
constatação de
que ainda
há
pessoas que agem
e sp on tan eam en t e
não significa que possamos
representá-las
de
maneira que se atr ibua a
suas
ações uma influência decisiva
(Li
teratura I I ,
p .
2 4 3 ) .
Destarte, a solução
em que
a
maioria se e n
gaja é
procurar
manter o processo s o b s eu
próprio
controle, t i
rando o máximo proveito das circunstâncias. No l i m i t e , deseja-
se
[apenas] recostar na poltrona
e ser
alimentado com imagens
e
sons , chegando-se, ne s te cli ma, à di spo si ção de identificar-se
com
as coisas
mais
estúpidas somente para satisfazer a
e s sa
ne
ces sidade . 9
O sujeito da indústria cultural tende a se parecer, por i s s o ,
com
a p e s s oa
que
tomou consciência de
s i mesma,
aprendeu a
lidar
com
a
realidade
e
cuja
insanidade
aparente
t ã o - s o m en t e
confirma a insanidade objetiva dentro
da
qual os homens se
v ê
em enfim apanhados (Indústria, p . 74). A seguinte passagem.
7 ADORNO, T .
T h e p s y c h o l o g i c a l
t e c h n i q u e o f M a r t i n L u t h e r Thomas R a d i o
A d r e s s e s , p . 5 .
8 ADORNO. T . S o ci a l
c r i t i q u e
o f r a d i o m u s i c , p . 2 7 8 .
9
PROKOP.
D .
S o c i o l o g i a ,
p .
1 5 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s
do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a
a s s u j e i t a m e n t o
205
escrita por
um filho de
trabalhadores, parece-nos bastante reve
ladora dessa
intuição
teórica, ao observar que os
bens
de
consu
mo
não
os
enganaram
s obre
a existência
de
desigualdades
sociais
na América do Pós-Guerra.
As
mercadorias culturais não se deparam com consumidores
ludibriados pela mídia, apenas tornam mais tolerável e prazero-
sa
s ua sit uação ,
como
dá
registro um
sociólogo
norte-ame-
ricano:
Minha
f a m í l i a percebia
todo dia a s desigualdades de c l a s s e ,
mas
s e n t i a - s e
impotente
para
f a z e r
qualquer
coisa
a
r e s p e i t o .
Como
a
maior p a r t e
do s trabalhadores,
estávamos apenas
tendo
a melhor
vida que podíamos
com
a s oportunidades limitadas que e l a nos
propiciava. [ . . . ]
As pessoas ingerem
anestésicos para
a l i v i a r
os s i n
tomas de sua
a f l i ç ã o , não para
s e tornarem t o l a s
com suas
existên
c i a s .
Continuam
a s e r conscientes de sua presença e anseiam por
uma
c u r a , mas
nesse m ei o t e mpo procuram t o r n a r
ao
m en o s t o l e
r á v e l
sua má
s i t u a ç ã o .
Os trabalhadores
americanos lutaram
a t r a
vés
desse
século
po r
uma vida
melhor
para
s i
e
suas
f a m í l i a s .
To
davia, sempre que a cura para s eus males pareceu remota, foram
forçados a d e s i s t i r em favor do s p a l i a t i v o s individuais representa
do s
pelos
bens
de consumo.10
Visando fornecer
um esclarecimento mais
abrangente do
ponto, cabe
fazer uma
obs ervação metodológica. No método dia-
l é t i c o ,
parte-se do princípio de
que os fenómenos
não
podem ser
tratados
como
exemplo
de
algo
que já existe
como
dado
ou
está
di s pe ns ado de se
revelar
em s eu pr ópr io movimento. A aborda
gem exige que a coi sa seja explicada através
de
s ua g ên e s e e
i n
dividualização.
O s u j e i t o , por e x e m plo , é
um
resultado: consti-
tui-se
através de
um
processo contingente de
autoposição
em
condições sociais determinadas.
A
liquidação
dessa
figura é
uma
tendência inscrita nas estru
turas sociais
de
nossa
e r a ,
na
medida
em
que
a
praxis
que
lh e
de u
origem encontra-se cada
ve z
mais reificada. Acontece que,
por
isso mesmo, essa condição não deixa de ser reclamada do indiví
duo. A
sociedade
moderna é
aporética, porque
as pessoas preci
sam se
s u b m e t e r
a uma forma de vida cada ve z mais mecânica
que,
ao mesmo t e mpo, exige
que
se
tornem s u j e i t o s . A racionali-
GARTMAN,
D .
A u t o
o p i u m ,
p .
x i v .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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2 0 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
zação é correlata a uma reificação de
s i ,
dos
outros
e do mundo
cuja
outra
face é
o
s eu
assujeitamento.
O
pr o s s e gui m en t o da r e i
ficação
da
vida
social
-
requerido
pe lo capi t ali s mo
de
todos
aqueles
que pretendem
sobreviver e
serem
bem-sucedidos s o
cialmente
-
pressupõem a co ns e r v aç ão de sua
condição
de s u j e i -
tos.
A figura do sujeito histórico, princípio de instituição do
i n
divíduo, aparece
na
fase
atual
em estado de paralisia e i m p o t ê n
cia perante a realidade. O sujeito
social ou
sistêmico, s eu out ro
aspecto,
encontra-se
por s ua
v e z
tão
s o z i n h o
que
e s sa
condição
ele já quase não s e s uport a. A sujeição interior cada ve z mai s
profunda
requerida
pelo progresso
das
forças
produtivas e
pelo
avanço
das
relações mercantis tornou-se
sem sentido
com
a co r
relata ruptura da metafísica
tradicional.
A consciência das
mas
sas tem cada
v e z
mais presente a crise
do sentido
imanente no
mundo desencantado. A
consequência disso
é
que
a continuidade
do processo de assujeitamento passou a depender
da
descoberta
de um sucedâneo
desse
sentido, de algo que pe rm it a ao indivíduo
reagir com mai s e s pontan e idade à má irracionalidade do mundo
racional
enquanto administração.
Adorno ent endeu
que
os
esquemas culturais da indústria
se
encaixam nesse contexto, constituem
um
meio
através
do
qual o s
homens procuram e , até certo
ponto, constituem-se em
sujeitos
no
presente contexto histórico. O jazz e s b o ç a esquemas de
con
duta social ao qual
estão
obrigados os homens,
sem
necessidade
de que o jazz o esquematize. Então, os homens exercitam no jazz
esse comportamento; além
disso
aficcionam-se a e l e , porque as
s i m o ine vi táve l s e lhe s torna mais f á c i l e agradável .12
O processo ocorreria não somente
no
plano individual, mas
também do s coletivos sociais, como sugere a observação de que,
na era da indústria cultural, também vemos formar-se na base,
HORKHEIMER, M.
C r i t i q u e
o f
i n s t r u m e n t a l
r e a s o n , p . 1
2 8 .
O c o n c e i t o
d e
s u j e i t o r e -
f e r e - s e
a o s
c o n t r o l e s e x t e r n o s q u e
a s
p e s s o a s i n t e r i o r i z a m ,
t o r n an d o - se p a rc i al m e nt e
p r i s i o n e i r a s
d e
s i
t a n t o q u a n t o
d a s o c i e d a d e
( I n d i c a d o r e s , p .
1 5 0 - 1 5 1 ) .
1 2 ADORNO, T . Moda sem t e m p o . I n : - R e v is ta C i vi li z aç ã o B r a s i l e i r a 1 7 ( 1 8 5 - 1 9 7 )
1 9 6 9 , p . 1 9 1 .
O
p e n s a d o r chamava o j a z z , o b e a t
e
o p o p d e a e s c ó r i a d a i n d ú s t r i a
c u l t u r a l . U l r i c h S c h õ n h e r r
s u m a r i a co m b om
s e n s o
o s
p o n t o s f a l h o s
d a
v i s ã o d o a u
t o r
s o b r e
o j a z z e m Adorno a n d
j a z z
( T e l o s 8 7 [ 8 5 - 9 6 ] 1 9 8 7 ) . C f . H a r r y C o o p e r :
On Uber J a z z ( O c t o b e r 7 5
[ 9 9 - 1 3 3 ]
1 9 9 6 ) ; R o b e r t
W i t k i n :
Adorno
o n m u s i c .
Lon
d r e s :
R o u t l e d g e , 1 9 9 8 :
C h r i s t i a n
B é t h u n e :
Adorno
e t
l e j a z z .
P a r i s :
K l i n c k s i e c k .
2 0 0 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s
do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a
a s s u j e i t a m e n t o 2 0 7
como protesto espontâneo, inconsciente e frequentemente destru
tivo cont ra a pre ss ão e a
frieza
da sociedade de massas,
novas
configurações
de
microgrupos
que
oferecem
ao s
indivíduos
uma
cobertura coletiva,
e s t r e i t a solidariedade
e alguns
esquemas de
identificação ( T e mas , p . 74).
O agnosticismo desorientado que predomina hoje em dia co
locou s o b suspeita todos os fenómenos culturais mas , ao
mesmo
t e mpo,
mostra-se
sequioso
de experiências
que permitam
ao i n
divíduo estruturar s ua experiência
com algum
sentido, mesmo
que
e s s e
se
r e duz a ao
divertimento.
A
procura
por
bens
culturais
com o qual se liga constitui uma tentativa de restaurar as funções
que
a
tecnologia maquinística
lh e privou
como
sujeito
histórico.
Nas práticas
de
consumo, eliminam-s e os limites entre
ação
e
reação, e nt re fo rç as internas e externas. O
sujeito pode
se consti
t u i r
sem
coação imediata e ,
assim, conservar
a
s i
mesmo,
sem re
primir a subjetividade.
O consumidor de b e ns
culturais não é
simples
objeto
de
cálculo
mercadológico,
na
medida
em
que
a
decifração exigida pelas
mercadorias
co lab o ra para s ua própria
conversão em sujeitos
sociais, conforme nos
ajudou a
ve r
um e n
saio de Miriam Hansen.
Aparentem ente, Adorno
relaciona
a capacidade de
socializa
ç ão dos modelos de
identidade
propostos pela cultura de massa
apenas à
manipulação
da
audiência
enquanto conjunto de
recep
tores passivos. A referência não poucas v e z e s
f e i t a
a eles como
centros de
reflexos
condicionados aos e st ímulos das comunica
çõ e s
comprova
que ele sucumbiu
na f a l t a de reflexão
em vários
momentos de s ua análise do fenómeno.
Na
verdade, po r é m ,
a
visão
do pensador não e ra tão
e s t r e i t a :
ele chegou
a
elaborar um
modelo muito
mais
complexo
de co
mo cada
membro
da
sociedade
se integra
à
indústria cultural .13
Conforme ele
mesmo
escreveu, sabemos bem
que
as pessoas
com
que
nos
ocupamos
ainda
s ão seres
humanos,
com
esponta
neidade e capacidade de se
autodeterminar,
apesar de e s tar e m
envolvidos
em
relações que
lhes
s ão obscuras;
como
sabemos
que é este e l e m e n t o de e s p ont ane i dade e
percepção
que impõe
limit es às l e i s da
maioria .14
1 3 STEINERT,
H .
C u l t u r e
I n d u s t r y , p . 3 4 .
1 4
T h e o d o r
Adorno
a p u d
W i g g e r h a u s ,
T h e
F r a n k f u r t S c h o o l ,
p .
4 5 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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208 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Adorno
tratou a mat éria
sem
pensar em t e r m o s
de i mpact o
isolado dos b e ns culturais s obre o indivíduo,
referindo-a a
um
amplo
processo
social
e
histórico.
Para
e l e ,
o
ponto
não
depende
de uma questão
de
causa
e
e f e i t o : os
processos de
oferta
e
pro
cura s ã o e xpli cado s no
contexto
de uma formação
social,
na qual
o principal mecanismo
é
a mercantilização .15
Contudo,
notar i s
s o
ainda é
pouco. A consideração dos
textos
no s
permite
afirmar
que,
para
e l e , o consumo
de be ns culturais
da
indústria r e m e t e
também às
solicitações
que s ão
f e i t a s
a
eles enquanto seus l e i t o
res
ativos
e potenciais
especialistas.
Conforme
nota Miriam
Hansen,
o
pensador costuma
caracte
rizar os produtos culturais da indústria como um arranjo de mate
r i a i s estéticos em
constelações afins
à e s c r i t a . A
descoberta
obri-
ga-nos
a rever
certos
juízos
correntes, pois a ênfase na escritura
implica uma forma de r ece pç ão mais próxima à leitura do que a
do consumo passivo a que em outras passagens se refere Ador-
no .16
Segundo
a
comentadora, as tecnologias de comunicação
sur
gidas no último
século
se caracterizam por transformar
a imagem
em e s c r i t a . Os
filmes,
o dis co, as novelas de televisão e
outras
mídias assemelham-se
ou
podem se r vis tos como hieróglifos. I s
to é , linguagens que contêm uma
mensagem
cifrada, escrita de
acordo com os códigos sociais dominantes, que precisa ser deci
frada
pelos
destinatários. A linguagem da cultura
de
massa é ela
b or ada de modo
a
ser desfrutada
por
suas propriedades
estéticas
mas, ao mesmo t e mpo, para serem decifradas em s e u
conteúdo
s o c i a l .
Destarte, Adorno não t e r i a impugnado a indústria cultural
por dar lugar
a
uma
audiência
passiva mas, antes, por dar lugar
a
convenções
narrativas
e de
g ên e r o que
encorajam a
assistência
a
i r mais além dos mistérios aparentes do enredo ou da monta-
1 5
STEINERT, H .
C u l t u r e
I n d u s t r y , p . 1 3 0 .
HANSEN.
M.
Mass
c u l t u r e
a s h i e r o g l y p h i c w r i t i n g . I n : T h e
a c t u a l i t y
o f
Adorno
E d i t . p o r Max
P e n s k y ) .
A l b a n y ( N Y ) : Suny P r e s s , 1 9 9 7 ,
p .
8 5.
As
r e v i s t a s e c o l u n a s
d e a s t r o l o g i a c o m p a r t i l h a m
co m
o s f i l m e s d e s u c e s s o e a s c a n ç õ e s d a moda o f a t o d e
q u e
e n c e r r a m e m
h i e r ó g l i f o s s i t u a ç õ e s
c o t i d i a n a s
co m q u e o
p ú b l i c o
s e
h a b i t u o u e
q u e
s ã o p o r m e i o d e l e s
a p e n a s
r e f o r ç a d o s d e m a n e i r a i n d i r e t a
o u
c a m u f l a d a n a
c o n s
c i ê n c i a ,
p o r q u e ,
a p e s a r
d e t u d o ,
e l e
j a m a i s
p o d e c h e g a r a s e i d e n t i f i c a r t o t a l m e n t e
com a s mesmas ( T h e o d o r A d o r n o : S u p e r s t ic i ó n
d e
S e g u n d a M a n o . I n : S o
c i o l o g i c a .
M a d r i :
T a u r u s . 1 9 6 6 ,
p .
2 0 1 ) .
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D e s t i n a ç õ e s
do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a
a s s u j e i t a m e n t o
209
gem . Obs e r v e - s e que, nisso, seus produtos não
s ão
mui to dis
tintos
das demais obras
de a r t e ,
porque o conteúdo cognitivo
de
todas
elas situava-se ,
no
modo
de
ve r
do
filósofo,
na mane ira
como elas
estruturam os materiais estéticos de
forma
s e melhante
ou afim
à linguagem.
As obras
de arte s ão
de um jeito
ou
de
outro m i m e s e , na
me
dida em que
podem ser
caracterizadas
como
um texto, ou r eve
lam traços que lembram as fo rm as de linguagem ordinária, como
é
o caso - óbvio - da narrativa no cinema ou
literatura,
po r
e x e m plo .
A
experiência
ordenada
que
a
linguagem
comum
estru
tura no cotidiano é recriada ilusoriamente pelas obras de arte -
lembrando-s e
a
propósito
que, em
s i mesma, a existência
humana
não é uma forma narrativa ou significante:
e s sa lh e é dada
pela
nossa
capacidade
de invenção.
Pondo
de lado
a
tematização
do
ponto em relação
à
obra de
arte (séria
e leve), a
pergunta que se coloca
consiste
em saber pa
ra
que
lado
se dirige
e s sa
leitura
e
como
ela
lastreia
um
processo
de sujeição ao capital via indústria da cultura. O escrutínio do
problema passa
por
uma análise da diversão.
A publicidade
e as
estratégias de marketing, segundo tudo
indica,
por s i s ó não as
seguram a aceitação
dos b e ns de
consumo.
Para
Adorno, as
pessoas se sujeitam ao s i s t e ma
através
de
um cálculo u t i l i t á r i o , mas
a dí v ida
contraída por isso é d i f í c i l de
ser saldada.
A reificação
que elas impõem a s i mesmas não é
aceita sem
resistência.
O negócio da
diversão
é um
dos
meios
que
os
homens descobriram de vencê-la, extrair prazer da própria
renúncia em viver de modo justo e espontâneo. O consumo de
distração permite que eles se sujeitem sem f e r i r a consciência
moral,
enganem a
s i mesmos com mais facilidade, na medida em
que, por
ser
diversão, não pode
ser
levada
a
s é r i o , do modo
como
nos
exige o resto da vida.18
1 HANSEN, M. Mass c u l t u r e a s h i e r o g l y p h i c w r i t i n g , p . 8 9 . J a m e s o n o b s e r v o u e s s a
t e n d ê n c i a e m r e l a ç ã o a o s
f i l m e s d e é p o c a m a i s
r e c e n t e s ,
c o m o ,
p o r e x e m p l o .
Os
d u e
l i s t a s
( R i d l e y
S c o t t , 1 9 7 7 ) e
A
é p o c a d a i n o c ê n c ia ( M a rt in S c o r c e s e ,
1 9 9 4 ) .
N e s s a s
p r o d u ç õ e s c a r a s e b o n i t a s d e s e
v e r ,
o e s p e c t a d o r é e s t i m u l a d o a s e g u i r a n ar ra ti va
t a n t o q u a n t o a i r a l é m e p r o c e d e r a a l g o
como
uma d e c i f r a ç ã o
d e
í nd i c e s e s i g n o s
h i s t ó r i c o s , uma i n s p e ç ã o do
f i g u r i n o
e c e n á r i o ] ( A s m a r c a s d o v i s í v e l . R i o
d e
J a n e i
r o :
G r a a l , 1 9 9 5 , p .
2 2 8 ) .
P a r a f r a s e a n d o A d o r n o , o s u j e i t o d a
i n d ú s t r i a c u l t u r a l é a p e s s o a
q u e
d e s e j a
q u e
o s
p r o g r a ma s s e j a m
e x c i t a n t e s
e
o
c o t i d i a n o ,
e c o n ó m i c o ,
q u a n d o
o
o p o s t o ,
n o
c a s o ,
s e r i a
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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210 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r
Adorno
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
A padr oni zaç ão do s b ens culturais da indústria não se deve
apenas
a razões administrativas; também está ligada ao fato de
permitir
às
pessoas
pouparem
s ua
energia
mental,
minada
pela
própria administração. O caráter de produto pré-consumido
se
consolida, justifica e prepondera cada v e z mai s fi r m e me nt e
quant o m ai s
ele se refere àqueles
que
s ó podem consumir
aquilo
que já f o i pré-consumido (Indústria, p . 58).
O fetichismo da mercadoria cultural, todavia, não se baseia
apenas n e s s e mecanismo, pertencente
à
economia
psíquica
de to
do
indivíduo.
Envolve
ainda
a
produção
de
um
sucedâneo
do
prazer
que as
pessoas não
encontram
em
seus empregos e
outras
atividades cotidianas. Os mecanismos
de
sujeição capitalistas
não se baseiam na
força
nem na ideologia, mas na produção de
prazer com o
consumo de
bens e serviços. Os indivíduos se s ub
metem
às práticas
da indústria da cultura porque, mal ou
bem,
obtêm satisfação com elas e seus correlatos.20
Entretanto, por que se escreve que a indústria cultural não
sublima, mas reprime ? (Dialética,
p .
131). A
expr e s são é
forte
e
s ó se esclarece entendendo o que está sendo recalcado. Segundo
Adorno, podemos
falar em repressão porque, embora
costumem
oferecer
a plenitude
da
vida,
as
práticas
da
indústria cultural ao
mesmo
tempo ajudam
às forças
que
agem
no sentido de nos
p r i
var dela. O s i s t e ma restringe-a ao s prazeres proporcionados pela
economia de mercado e a indústria das comunicações.
O princípio
[que r ege essas
p r á t i c a s ]
impõe que todas a s necessi
dades [do indivíduo] l h e sejam apresentadas como podendo
s e r
m a i s d e s e j á v e l . A p o l ê m i c a co m
a
d i v e r s ã o q u e
s e
t ra va n es te c o n t e x t o -
n o t e - s e
- b a -
s e i a - s e n a p ró p ri a a po r ia
c o n t i d a
n o c o n c e i t o , como
j á
f o r a
p e r ce b id o p o r A r i s t ó t e l e s
C f .
É t i c a a
N i c ó m a c o . L i v r o 1 0 . B r a s í l i a : E d i t o r a
d a
U n i v e r s i d a d e , 1 9 9 4 ) .
1 9 Conforme
e x p l i c a o p e n s a d o r
e m j u í z o , o r e co n h e c im e nt o é
uma
d a s f u n ç õ e s b á s i c a s
d a
c o n s c i ê n c i a
humana
e
s e r i a
a b s u r d o
n e g a r
q u e
e l e
e x i s t e
e m
t o d a s
a s
á r e a s
d a
v i d a .
i n c l u s i v e n a a r t e e r u d i t a . N e s s e c a s o porém s e u s e l e m e n t o s s ã o , e m p r i n c í p i o , d i s p o s
t o s d e f o r m a d i s t i n t a ; s ã o a rr an ja do s p ar a p ro d uz ir a s e n s a ç ã o d o n o v o , a l g o q u e , d e
v i d o
a um
j o g o
d e t e n s õ e s m a i s o u menos e l a b o r a d o ,
b r o t a d o
v e l h o
mas
n ã o p o d e a
e l e s e r
r e d u z i d o , p e r m i t i n d o a o
s u j e i t o
s u p e r a r o j á c o n h e c i d o .
Na
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l ,
e s sa r e la ç ã o e n t r e o v e l h o e
o
n o v o t e n d e a s e r d e s t r u í d a . R e c o n h e c e r t o r n a - s e um
f i m .
a o i n v é s d e s e r um m e i o , s o b r e t u d o d e v i d o à d e pe n dê n c ia d o s
m e c a n i s m o s
d e
promo
ç ã o
p u b l i c i t a r i a
( S o c i o l o g i a , p . 1 3 0 - 1 3 6 , e A n a l y t i c a l S t u d y o f NBC , p . 3 5 8 - 3 6 0 ) .
2 0
Adorno o p e r a co m o s d o i s r e g i s t r o s
- o
s o c i a l e
o
p s í q u i c o , sem q u e s e p o s s a i n d i c a r
co m
c e r t e z a o
d o m i n a n t e .
Segundo n o s s o modo d e v e r ,
o
p r i m e i r o
t e m
e m s u a
o b r a
m a i o r
a l c a n c e e p i s t e m o l ó g i c o .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 2 11
s a t i s f e i t a s
[ . . . ] mas , por outro l a d o ,
que
essas necessidades sejam
de antemão organizadas de t a l s o r t e
que
s e veja nelas unicamente
como
um
eterno
consumidor,
como objeto
da
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
( D i a l é t i c a , p .
1 3 3 ) .
Os procedimentos dessa indústria substituíram a promessa de
felicidade,
f e i t a um dia
pela
a r t e ,
por
uma
promessa de
prazer
re
a l , que todavia as
massas,
em geral,
não
têm como
obter
de
no s sa
sociedade. A satisfação obtida com
as
mercadorias é ,
pois,
uma
forma de prazer preliminar não sublimado que se transformou
em
masoquismo.
A
realização
pessoal,
sensualidade,
conforto,
beleza, poder, bem-estar e tudo
o
mais que é ofertado nunca
ch e
ga à vida das pessoas. Constrói-se
a imagem
da família
f e l i z
mas,
na melhor das
hipóteses,
se entrega apenas
a
manteiga com
que
f o i associada; ao
invés
da m ulh er , t e m- se
a
foto da
modelo.
Re
sumidamente,
em
v e z do que lhes
é negado, as
massas
fruem
reativamente
e
por
rancor
o que
a renúncia
lhes
engendra
e
que
ocupa
o
lugar
do
que
lhes é
recusado
(Estética,
p .
269).
O
entretenimento como ideologia, todavia, não
significa
a
construção do sujeito apenas
como
pseudo-atividade porque,
se
de um
lado
o sujeito o procura para
distrair-se
de s i mesmo, de
outro
e s sa
distração
mais
e
mais
exige a
volta
e
a ação
do s u j e i t o .
As
mercadorias
prometem
satisfação
mas,
em
última instância,
s ua principal linha de
fuga é a
do
autocontrole
da subjetividade.
A
prática
da
indústria
cultural
cerceia
o
prazer,
porque
as
pessoas
s ó conseguem t e r acesso
a
ele com o molho de chaves da razão
capitalista
(Dialética,
p . 133).
A MTV sem dúvida,
é
um recurso de que m ui t os j ov e ns po
dem se valer para afirmar s ua po s iç ão social e elaborar s ua iden
tidade
mas
essa,
além de pouco plausível para eles mesmos, r e -
sume-se
à
montagem de uma imagem que
não
motiva s e n ã o um
tipo
de
ação:
o
consumo de
produtos,
e v ento s e situações que,
vistas como em s i mesmas
prazerosas,
reconduzem seus sujeitos
di r et am e nt e par a o
centro
do s i s t e ma que os
enfraquece
i n s t i t u
cionalmente.21
O problema,
convém
notar, não é que
o s i s t e ma proponha
diversões,
mas o
fato
de que
ele confunde
ou estraga o
prazer
2
ROGERS, F .
REAL.
M.
T h e o r i n g
P o s t m o d e r n
S t a r s ,
p .
2
1
5 - 2
1
6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 216/296
2 12 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e
a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
imediato a que as pessoas afinal
de
contas não s ó precisam
como
têm todo o d i r e i t o , ligando-o de m an e i ra m e di ata a todo
o
tipo de
negócio
e
ação
mercantil.
As
experiências
que
o
acionam tendem
a
ser
ligadas ao
consumo de mercadorias ou
a alguma espécie de
sucesso económico. O reconhecimento do prazer do texto pro
porcionado
pela
indústria
cultural é uma exigência intelectual
que não deveria
nos fazer
esquecer que
esse
prazer, em geral,
serve para
manter certas relações de pode r e as estruturas
de con
t r o l e
social
c a p i t a l i s t a s .
A
Revista
Nova
(Cosmopolitan),
por
e x e m plo ,
enseja
uma
prática de
leitura
em que
o prazer do texto é
inseparável da mo
bilização
vicária das pai xõe s consumistas. A exaltação da femi
nilidade por ela
promovida
exagera
os
poderes transformadores
do
a r t i f í c i o adquirido no mercado. O acompanhamento das maté
r i a s
conjuga
satisfação imediata com
o texto
e estabelecimento
de uma agenda de consumo.
A
experimentação
subjetiva com
a
identidade é inseparável
do
s eu disciplinamen t o mercadológico,
de
modo que não
surpreende
o
fato de a artificialidade ser nela
frequent ement e celebrada como uma forma
de
trucagem, que
permite [ à
l e i t o r a ]
criar
um
e u
mais bonito,
s e x y e desejável do
que o permitido pelo existente . 22
À
primeira vista
liberado
de todo f r e i o , o hedonismo a t u a l ,
de f a t o ,
não pode
ser
desligado
das rotinas racionais de vida
e
prejuízos
interiores que
advêm de nossa
dependência
à economia
de
mercado
e ao s i s t e ma empresarial. O
divertimento
t e nde a ser
viciado por forças externas,
que
bloqueiam s eu emprego
produ
t i v o , quando não
desviam para
outros
fins
suas
fontes mais
e s t i
mulantes. As pessoas consomem
não
apenas porque esse é diver
t i d o , mas porque todo o
mais
que também poderia sê-lo é de s
prezado
pelo
s is t e ma dominante.
As satisfações obtidas pelo consumidor
implicam
a repressão
de quas e
todos
os
desejos
que não
se
coadunam
com
o
valor
de
troca e os regramentos mercantis. Os esquemas mediante os
quais se obtém um
certo prazer
importam em um disciplina
mento da
subjetividade.
Portanto,
não
é fortuita a
circunstância
OULLETE,
L .
I n v e n t i n g
th e
Cosmo G i r l .
I n :
M e d i u , C u l t u r e & S o c i e t y v .
2 1 :
3 5 9 -
3 8 3 , 1 9 9 9 . C f . F r a n c i s c o
R u d i g e r :
Você s . a . , o u E u ,
c i a .
I t d a . I n : A n a i s
d a
9 Reu
n i ã o
A n u a l
d a
C o m p ô s .
P o r t o
A l e g r e :
Compôs,
2 0 0 0 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s
do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 213
de até mesmo
os
espetáculos mais
cómicos
serem produzidos
com recursos
e valore s at rav é s
do s quais, em paralelismo com
a
vida, se
representam
a
violência
de
classe
disfarçada
de
má
sorte
dos
pobres, o profissional
bem-sucedido, o
shopping-center, as
mansões do bairro
burguês,
a
balconista loquaz
e simpática e , f i
nalmente, os
eletrodomésticos, auto m ó v e i s
e
roupas
da moda,
i n
clusive quando estes
bens não s ão
postos
na
conta da publicidade
como merchandising (Dialética, p . 134).
Os sujeitos se div e rt em mas , ao
mesmo t e mpo,
nenhum po
de
mais
se
perder
de
s i
mesmo
(Dialética,
p .
136),
porque
e s sa
diversão continuamente os reconduz
de
maneira semiconsciente
ao s i s t e ma
do qual
pretendem
se
d i s t r a i r ou desejam
se
esquecer,
ainda que
momentaneamente. A linguagem em
que
se
baseia
suscita
sem
parar a
vontade de
saber
o objetivo
comercial
que
ela
persegue e pel o qual o público não tem menos
interesse,
até por
que
pode
ser
a
oferta
de
outra diversão.
As
mercadorias culturais
se
caracterizam
pelo
fato
de propiciarem
satisfações
que
rara
mente conduzem o indivíduo para
fora da
ordem c a p i t a l i s t a . A
música
popular revive
nas pessoas
a sensação
de que
têm um
corpo mas, vendo
mais perto, nota-se que os movimentos
re
produzidos
pelo
ritmo, repetido com rigidez mecânica,
s ão
idên
ticos
àqueles dos
processos
de
produção que espoliaram o indi
víduo daquelas
funções corporais
(Música, p .
64).
Na
verdade,
as mercadorias têm para as pessoas
o
valor mais
ou menos combinado de esquemas de ação e , como se verá adi
ante, pólos de absorção. Os estímulos ao cultivo mercantil
do
e u
interagem com outros, em que e s s e e u
é
instado a se dissolver em
alguma
forma
supra-individual. O
e squeci m en t o de s i mesmo,
a
regressão da consciência e a indiferença momentânea proporcio
nados pela
dis tração e
o prazer
do
texto s ão atravessados por
mensagens que lhes sugerem formas para recuperar, via consumo
simbólico,
o que lhes
é
alienado
socialmente.
O
palavreado furado e a lenga-lenga que as pessoas toleram
nos m e i o s de comunicação
se parecem
por
isso
com um
ingre
diente ao mesmo tempo penoso, através do qual
elas
procuram
saber como conduzir s ua
vida
pessoal na sociedade c a p i t a l i s t a ,
enquanto o circo
romano
e o bordel a
cé u
aberto
pelos
quais e l a s ,
em
virtude de tudo
que lhes acontece, secretamente
anseiam e
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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214
F r a n c i s c o
R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
dos
quais
e s tamo s
cada
v e z
mais
próximos não lhes s ão provi
denciados
pela indústria
do
divertimento.
Nos
lazeres
industriais,
verifica-se,
portanto,
uma
tendência
à felicidade ceder
lugar
à categoria
da excitação
sensível.
A
r e
flexão
exigida pela primeira mais
e
mais dissolve-se na sensação
passível
de
comércio. O espanto com a vida moderna desejado
pe los po et as malditos converte-se
em excitante
de massa, no
destrutivamente embriagador, no s hock como bem de consumo
(Mínima moralia, p .
136).
Os
prazeres
não
podem
ser
separados
dos
negócios,
cada
v e z
mais uma esfera
é
mediada pela outra: o entretenimento exercita
o
indivíduo
no pr e enchi m en t o das co ndi çõe s s o b as quais
ele
está
mais ou menos
obrigado a viver
na sociedade
contemporânea. Os
conteúdos hedonistas não
podem ser
separados do s
disciplinares.
Em Invasão de privacidade (Philip Noyce, 1993), por exemplo,
o apartamento
e o s apar e lh o s
eletrónicos
merecem
tanto interesse
quanto
o
enredo.
Os Flinstones,
s ó para
c i t a r
mais
um
caso,
cria
ram,
através
de
todo
o
tipo
de produto
mercantil,
um mundo que
não se permite entender apenas como fantasia estapafúrdia, po
voada
por personagens humorísticos: o
cómico é
mantido em
suspenso
devido ao s e s tí mulo s à inspeção dos padrõe s de vida,
dis traçõe s e be ns de consumo disponíveis pelos trogloditas
da
era tecnológica.23
Em síntese, o fenómeno sugere que o consumo de diversão e
lazer
industrial
é
um r i t u a l em que
os
sujeitos
celebram s ua su
jeição
(Indústria,
p . 77). Os esquemas de que se
r e v e s t e m
os
bens
culturais
incentivam os s e us consumidores a decifrar suas
figuras
no
plano
de
s ua
própria vida,
na medida
em que
s eu
có
digo
de escrita é a publicidade. Os indivíduos
tendem e
s ão e s t i
mulados
a
l e r
o
material posto
diante de
s i
como roteiros
da con
duta recomendável no contexto do modo de vida
c a p i t a l i s t a .
A
carreira a r t í s t i c a
dos
astros é acompanhada como podendo servir
de
modelo para um
e s t i l o
de
vida, e a novela, como roteiro para
mudança
de comportamento.
Consequentemente
precisamos
concluir que a mensagem se
creta das mercadorias culturais com as
quais
as pessoas se diver-
2 3
C f .
JANET WASCO.
M.
PHILLIPS,
ERIC PURDIE:
Hollywood
m e e t s M a d i s o n
A v c n u e .
I n :
M e d i a ,
C u l t u r e
&
S o c i e ty 1 5
( 2 7 1 - 2 9 3 )
1 9 9 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 215
tem é a
mensagem do c a p i t a l . As
pessoas podem
l e r por entre as
linhas [que lhes dão o prazer do texto, mas falam] a língua do
poder
e ,
semiconscientem ente,
elas compreendem
e
se
ajustam
a
e s sa
linguagem [ . . . ]
embora não
como
uma
criança
que
tem
uma confiança natural na autoridade, mas como um adulto que
desiste da
individualidade
já adquirida . 4
O capitalismo avançado se reproduz
em
boa parte
porque
as
pessoas
se div ertem
e ,
assim,
se
convertem nos sujeitos
de que o
s i s t e ma
necessita
para sua reprodução. A resistência que se man
tém
mesmo
diante
da
pressão
t o t a l
da
economia
de
mercado
é
uma resistência que tende a se inscrever dentro de seus l i m i t e s . O
en t re t en imen t o po ssi velm ent e
representa
pois
uma
das
bases
se-
miconscientes, embora pouco
legítima para
seus
próprios agen
t e s ,
do
que poderíamos chamar de servidão voluntária moderna.
Na
prática da
indústria cultural articula-se
mais uma
fórmula
geral de
governo
dos
homens, a
modalidade que
-
pelos
m o t i v o s
externados
- chamaríamos
de
terapêutica,
do que
um
s i s t e ma
de
dominação, por
mais
direta
que
seja s ua
conexão com
os funda
mentos
em
que
se sustenta o
capitalismo.
6 . 2 A regre s s ã o da consciência
Adorno
procura
explicar
a
maneira
como
a
indústria
cultural
se
insere na estrutura de poder
vigente
na sociedade contemporâ
nea. A
perspectiva
não significa, porém, que visualize
na mesma
um simples instrumento de dominação. A instrumentalização das
técnicas
e
m e i o s dessa indústria com
objetivo estratégico
de
do
minação
e r a , para e l e , um processo eventual. A circunstância
de
pe ndi a de uma ação política por princípio estranha à indústria da
cultura.
Para dar conta dessas
situações, que estudou
com algum i n t e
resse, o
pensador
valeu-se
antes
do
velho conceito de propagan
da.25 Entretanto, convém notar que, para e l e ,
tanto essa, em
s ua
2 4 HORKHEIMER,
M. E c l i p s e d a r a z ã o , p . 1 1 0 - 1 1 1
.
C f . ADORNO. T .
C r i t i q u e
o f D i e
t o t a l i i á r e propaganda D e u t s c h l a n d s und U a t t e n t
b y
S i e g f r i e d
K r a c a u e r [
1 9 3 9
]
I n é d i t o ) ;
A n t i - s e m i t i s m a n d f a s c i s t p r o p a g a n d a
1 9 4 6 ]
I n :
T h e
s t a r s
down
t o
e a r t h .
L o n d r e s , R o ut l e d ge ,
1 9 9 4 ) ;
D e m o c r a t i c
l e a d e r
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 220/296
216 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
forma f a s c i s t a ,
quanto aquela baseiam-se no s mesmos mecanis
m o s . Ambas se
relacionam,
antes
de
mais nada, com a explora
ç ão
do
que
chamou
de
impulso
mimético, variando
apenas
a
finalidade (política ou económica).
Segundo
s e u
modo de ver,
tanto
a propaganda t o t a l i t á r i a
quanto
a indústria cultural
s ó
funcionam
na medida em
que ma
nipulam e s s e impulso.
Quer
uma, quer
outra
constituem uma
forma de canalização do inconformismo contra a sociedade que
desde o
princípio habita
o indivíduo civilizado.26
A
civilização
se
e rgueu
em
cima
da
repressão
de
det ermina
dos instintos, significa um
controle cada
v e z mais
intenso
dos
impulsos primitivos.
O
progresso
cultural como
um
todo
consiste
em
boa
parte na conversão desses impulsos em condutas racio
n a i s . As renúncias que dis s o r e sultam, todavia, não s ão fáceis de
suportar e não se obtêm sem prejuízo.
A
tendência
para
retornar
à s it uaç ão primitiva, as explosões
de
violência, a
morbidez cole-
tiva
e
outros
fenómenos
regressivos
dependem
do
maior
ou
me
nor
êxito com que
e s s e
pr oce s s o pe rm it e
ao s homens
se
auto-
realizarem
e
serem felizes
pessoalmente.
O
esquematismo
promovido pela indústria cultural constitui
uma forma
de
articular e s s e s impulsos recalcados, construindo
modelos
de
comportamento.
O
progresso não
cumpriu suas
pro
messas, sobretudo
a
de permitir uma vida justa para
todos.
As
mercadorias culturais da indústria fornecem uma compensação,
já que, através delas, os indivíduos se habilitam a administrar o
que
lhes
subministra a psicodinâmica que
advém de serem parte
s h i p a n d
m a s s
m a n i p u l a t i o n
[
1 9 5 0 ] ; F r e u d i a n t h e o r y a n d
t h e p a t t e r n o f f a s c i s t
p r o p a g a n d a
[ 1 9 5 1 ]
I n :
T h e
C u l t u r e i n d u s t r y .
L o n d r e s ,
R o u t l c d g e , 1 9 9 2 ) .
Leo
L o w e n t h a l e N o r b e r t G u t e r m a n n : P r o p h e t s o f d e c e i t . Nova Y o r k , H a r p e r , 1 9 4 9 . Con
f o r m e
s a b e m o s
p o r
d e c l a r a ç õ e s
d o
p r i m e i r o
a u t o r ,
a
i n t r o d u ç ã o
e
d i v e r s a s
o u t r a s
p a s
s a g e n s
d e s s a ú l t i m a o b r a b a s e a r a m - s e e m
e s b o ç o s
e s u g e s t õ e s
d e
A d o r n o . C f . P a u l
A p o s t o l i d i s :
S t a t i o n s
o f t h e C r o s s :
T h e o d o r Adorno and
th e r i g h t t v i i t g
C h r i s t i a n
r a
d i o . Durham ( N C ) :
Duke
U n i v . P r e s s , 2 0 0 0 . P o d e - s e
c o n s u l t a r t r a d u ç ã o
d o s t e x t o s
s o b r e
p s i c o l o g i a d e
m a s s a s
e p r o p a g a n d a t o t a l i t á r i a
n o s i t e
< h t t p : / / m e m b e r s . f o r t u n e c i t y . c o m / f r a n r u d i g e r / A d o r n o i n t r o . h t m > .
2 6
C f . HORKHEIMER,
M. E c l i p s e d a
r a z ã o , p . 1 2 9 - 1 3 8. S é rg io
P a u l o
R o u a ne t : T e o ri a
c r í t i c a
e
p s i c a n á l i s e ,
p . 1 1 7 - 1 5 6 .
D e s n e c e s s á r i o
s u b l i n h a r , p a r e c e - n o s , a
p r e s e n ç a
d a s
i d é i a s f r e u d i a n a s n e s t a
a v a l i a ç ã o . A
p r o p a g a n d a
f a s c i s t a e a i n d ú s t r i a c u l t u r a l s ã o
f o r m a s
d e p s i c a n á l i s e a o
i n v e r s o ,
como
g o s t a v a m
d e d i z e r
o s v e l h o s
f r a n k f u r t i a n o s
a
e x p r e s s ã o
f o i
c u n h a d a
p o r
Le o
L o w e n t h a l ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s
do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a
a s s u j e i t a m e n t o 2 17
das
massas
e
que
ao mesmo t e mpo,
po r é m , favorece
s ua
massifi-
cação
(Escritos, p . 66).
Atribui-se a
Adorno
simplificações
a
respeito
do
poder da
mídia que, na verdade, s ão as dos propagandistas das comunica
ções.
Observa o pensador que , r e alm e nt e ,
não
e x i s t e m métodos
seguros para controlar
ou
conduzir as massas. O resultado de sua
aplicação varia conforme a disposição delas para s e r e m seduzi
das:
Ouve-se
frequentemente afirmar que os modernos recursos de co
municação
de
massa,
como
o cinema, o
rádio
e a
t e l e v i s ã o ,
ofere
cem a quem
disponha deles
a
garantia
de
dominar
a s massas, gra
ças
à
manipulação
desses meios t é c n i c o s .
Mas
os veículos
de co
municação,
por
s i s ó ,
não constituem o
perigo s o c i a l . O
seu co n
formismo
não
f a z
mais
do
que reproduzir
ou ampliar a s
predispo
sições para
uma
submissão
ideológica,
a qual
encontra
s eu ob je to
na ideologia apresentada
pela
comunicação de massa (Temas, p .
8 7 ) .
Para
Adorno, a e xplicação pas sa pelo que chama
de
manipu
lação ideológica
das
massas. No entanto, e s sa
deve
ser
bem e n
tendida. Manipulação não
é
um
conceito
c r í t i c o , mas ideológico.
Em primeiro
lugar,
porque,
na
indústria
da cultura,
aquela
não
é
instrumental.
A transferência
de conexões funcionais e
de
res
ponsabilidades objetivas para pe s s o as também faz parte
da
ideo
logia dominante (Indústria,
p .
103). Os
profissionais do
ramo
constituem na
melhor
das hipóteses
um
bode
expiatório,
geral
mente
empregado
pelos ade pt os das teorias conspiratórias, até
porque não se pode negar que h á
pessoas com
posições c r í t i c a s ,
autónomas e às v e z e s até oposicionistas na mídia tanto quanto
na sociedade.27
Elizabeth Taylor e Michael Jackson,
com
todas as suas ma
nias
e esquisitices, mostraram maior
espírito
humanitário
do
que
boa parte do s líderes populares africanos conhecidos em nos so
passado recente, ao coordenarem campanhas em favor das mas
sas famélicas e dos doentes de Aids nos anos 1 9 8 0 ( We are the
world ). Bono
Vox e
outros astros da música
pop
têm puxado
campanhas
portadoras
de
consciência m or al m ui to maior
do
que
2 7 ADORNO, T . Educação e
e m a n c i p a ç ã o , p . 8 2 .
C o n f i r a ,
p o r é m ,
a s
r e s s a l v a s
q u e s e i m
põem
à
h i p ó t e s e
e m
N o t e s
t o
L i t e r a t u r e
I I ,
p .
2 9 9 - 3 0 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 222/296
218 F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
a
revelada
pela maior
parte dos líderes
polí ticos norte-
americanos do
século
XX. No Brasil, Renato Aragão, encenador
de
comédias
populares
baratas
e
primárias
no
cinema
e televisão,
ajudou
a mobilizar recursos em favor da infância desvalida em
volume maior do que o fizeram muitos minis té rios e governos
republicanos.
O
ponto não
é pois
esse: na c r í t i c a
à indústria cultural, as
pesquisas s ão
orientadas no
sentido de descobrir os mecanismos
objetivos
da popularização
do
popular antes que as manipulações
e
intrigas
dos
charlatões (Indicadores,
p .
124).
Atualmente,
a
man i pulaç ã o de v e ser vista como uma faceta
do
espírito
objetivo,
dos processos
em
ação
na
estrutura
da
sociedade.
O
procedimen
t o não se confunde com
os
expedientes maquiavélicos
de
que
lançam mão pequenos grupos que, no entanto, têm s ua parcela de
responsabilidade:
[ o expediente] impõe-se v i a regras de experiência, avaliações de
s i t u a ç õ e s ,
c r i t é r i o s
t é c n i c o s ,
cálculos
economicamente
i n e v i t á v e i s ,
em todo o peso específico do aparato i n d u s t r i a l (Minima moralia,
p . 1 8 0 ) . 2 8
Em
segundo
lugar, precisamos
notar que, relativamente
a
es
se processo,
verificável na
conduta dos produtores quanto
na
dos
consumidores, as
técnicas
pouco têm a ver: o fenómeno se baseia
numa predisposição construída
ao
longo da civilização. As
ne
cessidades
culturais
s ão
um
tanto
inarticuladas;
mesmo
as
p r á t i
cas da indústria cultural nã o pr o duz i r am a í
tantas modificações
como querem fazer crer e como facilmente se assume (Estética,
p .
272).
As tecnologias de difusão da cultura
seguem
a
linha
da me
nor resistência: d e s e n v o l v e m - s e com
base
nos mecanismos de
oferta e procura e se aproveitam de disposições
psicológicas,
cuja
existência
entre
os
homens devemos
admitir
como
dada
[historicamente] (Intervenções,
p .
1 34-1 3 5 ) .
O capitalismo moderno
não
engendrou a indústria cultural e
depois
os seus
diversos
públicos: produziu ambos ao mesmo
A e s c u t a d a m ú s i c a l i g e i r a n ã o é m a n i p u l a d a t a n t o p e l o s i n t e r e s s a d o s e m s u a
p r o d u
ç ã o
e
d i f u s ã o t a n t o q u a n t o p o r e l a mesma, p e l a s u a
n a t u r e z a
i m a n e n t e , q u e e s t a b e l e c e
um s i s t e m a d e r e f l e x o s c o n d i c i o n a d o s e m s ua s v ít im as
( I n t r o d u z i o n e
a l a s o c i o l o g i a
d e l i a
m u s i c a ,
p .
3 6 )
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 223/296
D e s t i n a ç õ e s do
s u j e i t o :
r e g r e s s ã o
a
a s s u j e i t a m e n t o
219
t e mpo, conforme um processo de de pe ndê nci a reciproca,
cujas
bases, po r é m ,
remontam
às origens
da
vida
em
sociedade. As
práticas
em
que
se
baseia
semeiam
em
terreno
já
cultivado. Os
consumidores com
as quais
lida estavam famintos
de
magazines,
cinema
e televisão muito tempo
antes
deles
surgirem,
ainda
que
não o s o u b e s s e m .
A complexidade
de
conjunto, que fomenta
a
crença segundo a
qual
os
senhores do próprio e s p í r i t o são também
os
senhores da
época,
repousa
unicamente
na circunstância de que inclusive
aquelas
ma
nipulações
que
reiteram
a
adoção
de
uma
conduta
adequada
à
rea
l i d a d e entre
o
público
também
s e
referem a
momentos da
vida
consciente
ou inconsciente
do s consumidores e que, sob
a
capa
de
j u s t i f i c a ç ã o , eliminam o sentimento de culpa
[ d e
não poderem
s e r
vividos na r e a l i d a d e ] ; na circunstância de
que,
em
relação
à censu
r a e adestramento a um comportamento
conformista, sugeridos
pe
l o s gestos mais contingentes do
espetáculo
t e l e v i s i v o , o processo
todo
conta não apenas
com
os homens configurados segundo
um
esquema
de
cultura
de
massa
que
remonta,
com
todo
seu
p r e s t í g i o ,
aos i n í c i o s da novela inglesa do f i n a l do século XVII, mas sobre
tudo
com a s
formas de r e a g i r postas
em funcionamento durante t o
da
a
idade
moderna
e que s e i n t e r n a i
izaram como
uma segunda
na
tureza muito
antes
de
s eu
e m p r eg o
em manobras
ideológicas ( I n
tervenções, p . 7 1 ) . 2 9
Os monopólios da
cultura
retiram muita força de s e u poderio
económico
e
do
controle
da
oferta,
mas
não
se
manteriam
se as
mercadorias não con t i v e s s e m em s i
mesmas
um conteúdo social
e humano, não
encontrassem
a
devida
acolhida na subjetividade.
As práticas da
indústria
cultural precisam relacionar a
técnica
com
os sujeitos, momento
que
logo
r e m e t e
à estrutura
social
e
ao s conflitos
típicos
entre o e u
e
a
sociedade .30
Segundo Adorno,
em última instância, e s s e momento é a i n
tegração
do
associal,
a
corroboração
das t e ndê ncias
primitivas
P a r a A d o r n o , a t u a l m e n t e j á n ã o é m a i s
p o s s í v e l
e s t a b e l e c e r
uma
r e l a ç ã o d e
c a u s a
e
e f e i t o n e s t e
c a m p o ,
n ã o é m a i s
p o s s í v e l
s a b e r
em
q u e m e d i d a o s m a s s m e d i a moldam
o e s t a d o d e c o n s c i ê n c i a e , d e modo i n c o n f e s s a d o . também
o
e s t a d o d e i n c o n s c i ê n c i a
d e s e u s c o n s u m i d o r e s ,
mas também
e m q u e
m e d i d a e s s e s
j á n ã o
e s t ã o
m o l d a d o s a o s
m a s s
m e d i a
e o s
a l m e j a m
f i x a d o s
n o s e m p r e
i g u a l
( P o d e o
p ú b l i c o
q u e r e r ' /
I n :
C -
h r i s t i a n
K i e l i n g o r g . ) :
T h e o d o r Adorno -
e l e m e n t o s p a r a a
c r i t i c a d a i d é i a
d e o p i n i
ão
p ú b l i c a .
P o r t o A l e g r e :
U f r g s , 2 0 0 2
[ m o n o g r a f i a d e
g r a d u a ç ã o ] , p .
5 0 ) .
1 0
ADORNO,
T .
Moda
sem
t e m p o ,
p .
1 9 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 224/296
2 2 0 F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o
e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
reprimidas pela marcha
do
progresso.
O
fundamento em que se
baseia a indústria cultural é um mecanismo arcaico, que é explo
rado
e
dirigido
pela
tecnologia
mais
moderna,
consist indo
nos
instintos reprimidos das m as s as , ou mais, simplesm ente, não sa
t i s f e i t o s , ao s quais se orientam direta ou
indiretamente
as merca
dorias culturais
(Intervenções,
p .
70).
Vendo
bem,
o
hedonismo
ordinário, o gosto bárbaro e as
v i
brações
coletivas, cuja
e scalada hoj e constatamos, não s ão fruto
do primado
que
teriam readquirido os ideais comunitários, como
quer
Michel
Maffesoli.31
Os
fenómenos
tão
bem
descritos
pelo
pensador se explicam, por hipótese, de outra maneira. O retorno
do
sensualismo
primitivo ao proscênio
social é ,
na
verdade, uma
espécie de regresso ao reino das imagens arcaicas promovido pe
l o poder económico mais avançado.
O primitivismo de tantas manifestações da cultura de merca
do
é tão moderno
quanto
os selvagens que as consomem; o ele
mento
individualista
moderno
que
nelas
às
v e z e s
se
encontra
é
tão ilusório quanto o e l e m en t o coletivista arcaico: representam
umas
e
outros uma tentativa
de romper com o mundo do f e t i -
chismo da mercadoria, sem
de
fato
mudá-lo, e
que,
por causa
disso, vê-se cada ve z mai s enredado neste mundo .
As tecnologias do imaginário não s ão movidas por nenhum
desejo de comunhão,
mas
pela vontade
de
poder
do
c a p i t a l ,
dos
seus
sujeitos,
que não deixam
de
explorar as
válvulas
de escape e
linhas de fuga do s i s t e ma que os criou e eles reproduzem .
As
mercadorias culturais praticam desde fora par a de nt r o o que de
fato provém
de uma tendência
regressiva interior à consciência,
mas essa,
convém
notar,
é , em
última
instância, produzida pelas
contradições do movimento civilizatório.
A i n d ú s t r i a c u l t u r a l modela-se pela regressão mimética, pela mani
pulação de impulsos de imitação
recalcados e ,
para i s s o , e l a s e s e r -
C f . A c o n q u i s t e i d o p r e s e n t e . R i o d e
J a n e i r o :
R o c c o , 1 9 8 4 . A Sombra d e D i o n í s i o . R i o
d e
J a n e i r o :
G r a a l , 1 9 8 5 . O t e m p o
c i a s t r i b o s .
R i o
d e J a n e i r o :
F o r e n s e , 1 9 8 7 .
A
c o n
t e m p l a ç ã o
d o m u n d o . P o r t o A l e g r e : A r t e s
O f í c i o s , 1 9 9 5 .
No
f u n d o d a s a p a r ê n c i a s .
P e t r ó p o l i s : V o z e s , 1 9 9 7 . V e r F r an c is c o R u d ig e r : C i v i l i z a ç ã o e B a r b á r i e
n a
c r í t i c a d a
c u l t u r a c o n t e m p o r â n e a : L e i t u r a d e M i c h e l M a f f e s o l i . P o r t o A l e g r e : F . d i p u c r s , 2 0 0 2 .
ADORNO, T . On j a z z , p . 5 3 . E s c r e v e Adorno a B e n j a m i n : O a r c a i c o é uma f u n
ç ã o d o n o v o : e n q u a n t o t a l , é
s ó
a lg o h i st o ri ca me n te p r o d u z i d o
e ,
p o r i s s o , a l g o
d i a l é -
t i c o
e
n ã o
p r é - h i s t ó r i c o
( C o r r e s p o n d ê n c i a ,
0 5 / 0 4 / 1 9 3 4 , .
o p .
c i t . ,
p .
5 4 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 225/296
D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a
a s s u j e i t a m e n t o
2 2 1
ve do
m é t odo
de antecipar
a
imitação dela mesma pelo espectador
e de fazer aparecer como j á subsistente o assentimento que e l a pre
tende
s u s c i t a r .
Ela
consegue
f a z ê - l o t a n t o
melhor
quanto
mais,
em
um sistema e s t a b i l i z a d o , e l a pode contar de f a t o com t a l a s s e n t i
mento, precisando
muito mais
r e p e t i - l o de m ane ir a r i t u a l
do
que, a
r i g o r , produzi-lo. O
que
e l a produz
não
é um estímulo, mas um
modelo para maneiras de r e a g i r
a
estímulos ( M í n i ma moralia, p .
1 7 6 ) .
Escrev e
Adorno que, atualmente , as
ne ce ss idade s s ão
completamente
externas
a
seus
portadores
e ,
satisfazê-las,
vem
a
ser seguir as regras
dos
anúncios (Escritos,
p . 49). A
fidelidade
ao método
crítico exige
que
se
abra mão dos t er mos absolutos da
sentença porque, como
diz
o próprio autor, inclusive na indústria
cultural
continua
a
se faz e r valer
constantemente a
consideração
dos interesses reais
das
massas, das estruturas reais dos interesses
e
de s ua existência r e a l , mesmo que de maneira solapada .33
Fredric Jameson captou bem o ponto
observando,
em
segui
mento a
e s sa
linha de
raciocínio, que
as expressões da cultura de
mercado s ó s ão disciplinadoras ou, como ele d i z , ideológicas, na
medida
em que
contêm
e l e m e n t o s utópicos implícitos ou
explíci
t o s ,
com as quais sati sfaz em mas , ao mesmo t e m p o , manejam as
necessidades do s co ns um i do r e s. A prática da indústria cultural
a r t i c u l a ,
gerencia e
desativa os problemas
sociais e impulsos
in
dividuais
dos
seres
humanos s ob
as
condições
atuais
de um mo
do que,
por
mais
que esteja
distorcido e previament e
finalizado,
permite que se expressem no s so s medos mas também nos sos an
seios com relação à
vida
em sociedade.34
O processo
social não
i n f l u i
sobre
as
pessoas apenas
desde
fora e
cada v e z os controla menos exteriormente, embora efeitos
como e s s e s não tenham
desaparecido
po r co m ple t o . Quem
agen
cia
as tendências
ordenadoras
mas, também,
as
desintegradoras
do
s i s t e ma
dominante
s ão
sempre
os
seres
humanos
em
condi
ções determinadas. O
de s en vo lvi m en t o de
uma
ação
autónoma e
de
um
modo de
vida
independente é
mais uma imagem
do
que
algo
r e a l
para
a
grande maioria dos
integrantes da sociedade.
ADORNO, T . CANETTI, E . D i á l o g o s o b r e a s
m a s s a s ,
o medo e a m o r t e . I n :
No
v o s e s t u d o s C e b r a p 2 1 1
1 6 - 1 3 2 )
1 9 8 8 . p . 1 2 1 .
JAMESON. F . R e i f i c a ç ã o e u t o p i a n a c u l t u r a
d e
m a s s a . I n :
A s
m a r c a s do v i s í v e l .
R i o
d e
J a n e i r o :
G r a a l ,
1 9 9 5 ,
p .
9 - 3 5 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 226/296
222
F r a n c i s c o R i i d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
Aquele que se nega a aceitar e s s e fato e se
conduz
como se isso
não tivesse ocorrido não andará, será arrastado [pelo sistema]
(Dissonâncias,
p .
189).
Conforme
pr ogr ide a di ss oluç ão das relações
imediatas,
as
sociadas com a família, a oficina e o pequeno negócio,
verifica-
se que mais e mais os átomos sociais, que formam as novas cole-
tividades, anseiam po r s e gur anç a
económica, proteção
s o c i a l ,
conforto
psíquico e l i v r e expr e s são
da
subjetividade.35 Os
con
sumidore s se ajustam externamente, mas s en t e m - s e inseguros
em
nível
mais
profundo.
As
diversões
encobrem
todo
o
tipo
de
ansi
edades. O
entusiasmo com
as
últimas
novidades postas no
mer
cado e a euforia com
as
diversões repousam em uma consciência
facilmente abalável e
sujeita
à infelicidade. A consciência feliz
revelada em público esconde um e u f r á g i l , é uma delgada
super
f í c i e sobre o temor, a decepção e o desgosto .3 6
As
mercadorias
culturais da indústria podem ser v i s t a s , nes s e
sentido,
como
um
apelo
consolador
do
capital
à
multidão
s o l i t á
r i a , na medida em que permitem à sociedade administrar a expe
riência
coletiva e a satisfação das nece s s idade s que dela
decor
re m . A exploração dos espectadores pela televisão e da televisão
pelos e spectadore s para
satisfazer as suas
necessidades
é
uma es
pécie de co o pe r aç ã o em grau primitivo, mesmo que os interesses
dos últimos não s e ja m totalmente claros para
e l e s , mesmo
que
eles também s e jam em parte fraudados pelos m e i o s de comuni
cação.
O
consumismo e
o lazer promovem um estado de
( f a l s a )
e u
foria que, todavia, contém um
momento
de
verdade, na medida
em que
se
não há felicidade que não
esteja
comprometida com a
satisfação
de um
desejo socialmente constituído,
também não há
nenhuma que não prometa
alguma coisa
qualitativamente
dife
rente desta espécie de satisfação (Prismas, p .
87).
A racionali
zação das condições
de
existência
acarreta um
disciplinamento
mercantil da subjetividade que,
via
indústria
cultural, estende-se
à esfera íntima
e ,
talvez, não fosse
s upo rt áv e l pe la
maior parte
das pessoas se e s sa indústria não contivesse uns momentos
emancipatórios.
3 5 ADORNO, T . D e m o c r a t ic l e a d e r s h i p a n d m a s s m a n i p u l at i o n , p . 2 8 3 .
1 6
MARCUSE,
H .
A
i d e o l o g i a
d a
s o c i e d a d e
i n d u s t r i a l ,
p .
86 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s
do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o
223
N out r o s
termos,
a
proposição
significa que o caráter s o
cialmente reificado
dos anseios
e
demandas
s ó funciona porque
capta algo
reprimido
pela sociedade.
As
vanguardas
paradoxal
mente colaboraram para fornecer ao público
uma
formatação da
vivência do shock que, junto com os m o t i v o s da arte bárbara, l e
vou a s ua
integração
às práticas da indústria c u l t u r a l . O f e t i c h i s -
mo da mercadoria
cultural não
é
somente uma projeção
das rela
ções sociais
c a p i t a l i s t a s ,
representa
ainda alguma
coisa
não
t o
talmente
absorvida
em s eu interior (idem, p .
85).
Consta que
Adorno
não
póde
dialetizar
o
U n t e n
(baixa
cul
tura) porque t e r i a
que
descobrir,
mesmo no
kitsch, mesmo na
r a -
dionovela,
mesmo no cinema comercial, ao lado do e l e m e n t o r e
pressivo,
alguns
grânulos de esperança
utópica .37 O
julgamento
precisa ser revisto. Como Ernst Bloch e ele próprio em relação à
art e le ve , o filósofo percebeu, embora muito
m od e s tam en t e,
que
nos lazeres industriais está
contido
mercantilmente um momento
estético
de
transcendência
das relações de produção
e troca capi
t a l i s t a s ,
sem
com
isso
ceder à bazófia populista de
que
a
cultura
de massa é
um
instrumento
de
emancipação.
Seria
romântico
assumir
que a
a r t e
a n t e r i o r era
totalmente
pura,
que o a r t i s t a criador
pensava
apenas em termos da consistência i n
terna do a r t e f a t o , e não também no e f e i t o da mesma sobre os es
pectadores. A a r t e t e a t r a l , em e s p e c i a l , não
pode
s e r separada das
reações da
audiência.
Do mesmo modo, v e s t í g i o s da reivindicação
e s t é t i c a
de s e r algo de autónomo, um mundo em s i
m e s m o ,
subsis
t e m a t é
mesmo
no mais t r i v i a l produto da
c u l t u r a
de massas ( I n
d ú s t r i a , p . 1 3 7 ) .
Os processos de
sujeição que a indústria
cultural
enseja
não
implicam a completa eliminação da espontaneidade mas, sim,
que ela é
levada para estratos
cada
ve z
m ai s pr o fundo s da estru
tura psicológica do indivíduo (Sociologia, p . 43). A saturação e a
apatia que o s i s t e ma económico e a própria indústria cultural não
podem
deixar de produzir
entre
os consumidores (Dialética, p .
151) s ó conseguem ser quebradas
com
o emprego de forças cada
v e z mais primárias que, todavia, fazem surgir necessidades e co
rouANET, S . P . É d i p o e o a n j o , p . 8 1 . I l u s t r a n d o a p r o p o s i ç ã o d o a u t o r , p o d e r í a m o s
d i z e r
q u e
f a l t a r i a
à c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l a a b o r d a g e m d a a r t e
s é r i a
p r e s e n t e , p o r
e x e m p l o ,
e m
Museu
V a l é r y
P r o u s t
( P r i s m a s ,
p .
1 7 3 - 1 8 5 ) .
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http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 228/296
224 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o c a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
locam
novas
demandas à
indústria
do entretenimento. O consu
mo
de be ns culturais
é algo que protesta contra
a
repressão da
espontaneidade,
exigida pelo
progresso,
ainda
que
s ó
seja
capaz
de fazê-lo participando do processo histórico global de racionali
zação.
O resultado é a
tendência à re gr es são da consciência, que a -
companha
a
conduta social na era da indústria da cultura. A cres
cente integ ração s ocial s e faz acompanhar da regressão individu
a l . O esforço que
v e z por
outra se encontra
no
sentido cont rário é
via
de
regra
um
esforço
paralisado.
A
fragmentação
da
experiên
cia
está se tornando
objeto
de mercantilização.
A economia l i b i d i n a l [assim
c r i a d a ]
revela-se sobretudo nos bares
da
moda, locus
da sociabilidade pós-moderna,
nos
quais os i n d i v í
duos
descentrados movem-se sem parar de encont ro em encontro,
enquanto
o
ruído gerado pela
música assegura
a
obsolescência
da
linguagem e a superfluidade da comunicação.38
O
realismo
cínico,
a
conduta
manipulatória
e
a crescente
de
silusão para com
os out ros
s ão
sinais de
uma vida
interior
e s v a
ziada
de conteúdo
vivo,
que tem contrapartida na tendência a e x
pr es s ar mo s no ss o modo de ser de forma impulsiva, imediata e
indiferenciada,
sempre
que
se colocam
condições
favoráveis e
boas
oportunidades.
Segundo
Adorno,
podemos
identificar dois tipos de
consu
midor
de
música
popular:
o
emotivo
e
o
obediente,
que,
para
e l e ,
correspondem ou s ão
análogos
ao s
princípios de
construção
ex-
pressivo-dinâmico e
rítmico-espacial da música de vanguarda do
século XX. A prática da indústria cultural atua em duas frentes, à
luz desse esquema.
Por
um lado,
a
do progresso
civilizador,
ma
nifesto
negativament e no s processos de sujeição;
de outro, a
da
regressão irracionalista, manifesto
em
igual sentido
no s
proces
sos
de
desintegração
da
subjetividade.
Conforme nos revela
a
convergência entre cois ificação e o
subjetivismo, trata-se de processos que não constituem opostos
absolutos, mas
contrários
condicionados
reciprocamente pelo
movimento
histórico. O
primeiro está
na
r a i z , sim, da formação
da
individualidade emancipada
mas,
sobretudo,
da
conduta
ma-
1 8 BERMAN,
R .
Modem
c u l t u r e
and
c r i t i c a l
t h e o r y ,
p .
4 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 229/296
D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 225
nipuladora
e
calculista para com s i mesmo
e
para com os outros.
O segundo, em oposição, embora se comunique com a esponta
neidade,
r e m e t e
às
experiências
pelas
quais
o
sujeito
se
entrega
a
situações que
lh e
acenam com a possibilidade mais ou
menos
momentânea de
se
reduzir
a
uma espécie de
coisa viva, de
encon
t r a r um estado de desindividualização.
A
exemplo do
surrealismo, embora
noutro
plano, pois em es
sência carece de proposta c r í t i c a
e
construtiva, a experiência que
se faz por meio das
mercadorias que
veiculam o
segundo proces
s o
oscila
entre a
reificação
e
a esquizofrenia.
A
subjetividade,
então, não se entende mais como a alma do cosmo e - como no
simbolismo
-
se
entrega ao maravilhoso,
que
se
realizaria
como
se as meras matérias, destituídas
de
sentido, reanimassem a s ub
jetividade
em
processo
de
dissolução (Prismas, p .
21 8- 219 ) .
A progressiva reificação das relações
sociais
fez com
que os
antagonismos sociais pa s sa s s e m
a desaguar
di re t am e nt e s o br e o
indivíduo, tornando cada ve z mais d i f í c i l o trabalho de sujeição,
a ponto de,
no
l i m i t e , a autoconservação passar a
satisfazer
o
in
divíduo unicamente pelo eventual logro
de
s ua formação,
atra
vé s
de uma regressão que
ele
mesmo s o l i c i t a
à
indústria cultural
(Escritos, p .
62).
As práticas da indústria cultural agenciam cada v e z mais s i
tuações
em que
a cultur a burguesa e
suas
instituições, como a
família
e a
escola, em v e z de
serem
reforçadas,
s ão expostas a
uma
série de ataques
sem precedentes.
As mercadorias ensejam
situações em que,
à primeira v i s t a , a
figura
do sujeito,
em v e z de
reforçada, é
submetida
a
todo
tipo
de desconstrução. O problema
não é s ó que e s s e seja assim retratado, pois não é dife re nt e o pro
cesso
que
se pode
flagrar em boa
parte
da
arte
dita séria de n o s s o
t empo. A faceta
a notar é
o caráter fragmentário
e
desordenado,
s enão caótico e apocalíptico, mas só até certo ponto, das
suas
formas
e
s eu
acento
claramente
celebratório,
que
o
associam
mais
à orgia
primitiva
do
que
à reflexão pós-moderna.
[Em OMas s a cr e da s e r r a - e l é t r i c a
e
Sexta-Feira
1 3 ,
po r exemplo,]
a s
pessoas
são praticamente intercambiáveis,
j á
que nada apren
demos
sobre e l a s como indivíduos
e
virtualmente não há
constru
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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226
F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
ção de qualquer
clímax -
apenas variações sobre a temática do a s
s a s s i n a t o ,
que criam um
padrão
mais
ou menos
r e v e r s í v e l . 3 9
Adorno
escreve,
n e s s e
sentido,
que,
provavelmente,
as
co
municações de
massa envolvem em todos os seus níveis t odos os
mecanismos de consciência e
inconsciência evidenciados
pela
psicanálise
(Indústria,
p . 142). As
mensagens
s ão
estruturadas
em múltiplas
camadas de sentido. Embora a
mensagem
de
ajus
ta m en t o e obediência cega pareça ser a dominante e mais perva-
siva
(idem,
p . 140), constata-se que
a
um
número de gratifica
ções
reprimidas,
que
exercem
um
papel
importante
no
plano
l a
tente da mensagem, é
permitido de
algum modo
manifestar-se
na
superfície
como motivo de zombaria, obs ervaçõe s
empalideci
das, situações
sugestivas
e ardis s e melhante s
(idem,
p . 142).
A contrapartida do cálculo mais ou
menos racional através
do
qual os
indivíduos se deixam enganar
pelas
prom e s sas da i n
dústria, exercitando-se como
sujeitos
enquanto se
divert em e
in
formam,
s ão
os
momentos
de
regressão
da
consciência
que
se
obtêm através desse mesmo entretenimento. A espontaneidade é
virtualmente
disciplinada mas, em troca, é preciso satisfazer os
impulsos
reprimidos pela
civilização. A
l e i t u r a
das
mensagens
do
capital
é entremeada por momentos de escape e diversão em que
se
pode
regredir, livrar-se
com prazer do próprio e u
e , assim, do
processo de
assujeitamento.
A
sociedade jamais
h e s i t a
em
colocar
no
mercado
os
segredos
em
cuja irracionalidade a sua própria
e s t á
entrincheirada, v i s t o que o
proibido
deleitosamente
conservado
escondido
pode fornecer ao
c a p i t a l novas possibilidades
de
investimento nos meios de comuni
cação (Literatura I I , p . 4 3 ) .
As
mercadorias
culturais dominantes s ão presas da chamada
sedução da barbárie, na medida em que desenham esquemas de
reações
sensíveis
à
disciplina
que
o
s i s t e ma
social
exige
do ho
mem. Os espetáculos
que reúnem multidões, as casas
noturnas,
os filmes e a
música
de consumo,
mas
também
os
entorpecentes
e as explosões de violência
permitem
ao s sujeitos, privados de
ilusões,
contemplarem,
s e nã o v i ve nci ar e m o
passado primitivo
e
livrarem-se, ainda que s ó
po r uns
instantes, das
angústias
criadas
MODLESKI,
T .
T h e
t e r r o r
o f
p l e a s u r e .
I n :
S t u d i e s
i n
e n t e r t a i n m e n t ,
o p .
c i t . ,
p .
1 6 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s do
s u j e i t o :
r e g r e s s ã o
a
a s s u j e i t a m e n t o 2 2 7
por s ua condição de civilizados. A
manipulação
dos
e l e m e n t o s
arcaicos não
v i s a ,
então,
à
estimulação de uma rememoração
c r í
t i c a ,
pedagógica
ou
emancipatória,
mas
o
s e u
oposto:
a
satisfação
mais
ou menos
vicária
do s i mpuls o s regressivos
e de s t rut iv os de
seus sujeitos, o abandono
prazeroso
e ressentido
dos
restos de
consciência individual e s en ti m ento de humanidade ainda po s su
ídos.
As
fantasias
transgressivas, cabe notar, não s ão em s i mes
mas de ordem
regressiva,
porque também fornecem imagens de
realidade
diferenciadas.
O
indivíduo,
l e m b r e m o s ,
é
tanto
produto
do processo s o c i a l , quanto centro de
poder
que a e s sa r e s i s t e . A
possibilidade de reelaboração
progressista
das
heranças m ít icas e
atavismos individuais tende, po r é m , a ser posta de lado na esfera
cultural
da
indústria. A linha de força,
nela, é a da promoção
de
suas
violências
e fascínio em chave
de apropriação mitológica.
Conforme
anunciado
em
grande
e s t i l o pelas obras de
arte to
t a i s
wagnerianas,
é
isso
que
é
mais
tarde
empregado
pelos
mo
v i m e n t o s t o t a l i t á r i o s e , hoje, explorado
com
maior ou menor vo
racidade
e estupidez pelos espetáculos
vendidos
a
baixo pre ço
pelas agências culturais e e mpr e sas
de
comunicação,
das quais
dariam exemplo hoje a maior parte
dos
videojogos.
Detrás do esforço abnegado
posto
nos jogos de computador jaz
um
outro sonho, que
toma
bombardeios
indiscriminados por
espetácu-
l o ,
e
matanças
po r
heroísmo:
encontra-se
o
sonho
do
apocalipse,
da instrumentalização, do esquecimento e da estupidez mecaniza
d a . 4 0
No princípio
de s ua reflexão sobre
a
matéria,
pareceu
ao f i
lósofo que a prát ica da indústria cultural possuía sobretudo um
s entido ideológico. Os espetáculos representativos seriam regi
do s por um esquema genérico, que atuaria como meio de morali
zação
mercantil
das
massas
desmoralizadas.
As
investigações
sobre
a propaganda fascista e
os
programas de televisão não o
levaram a
negar e s s e
aspecto mas, antes, a precisar
s eu lugar na
constelação
histórica
e
cultural formada através
dessa atividade.
Adorno
percebeu
que
o entretenimento
superficial
por
ela
produzido se encontra
mesclado
a um
discurso o f i c i a l , composto
4 0
STALLABRASS,
J .
G a r g a n t u a ,
m a n u f a c t u r a i
nuas
c u l t u r e ,
p .
1 0 9 .
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2 2 8 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
por
mensagens ideológicas desgastadas, e vice-versa;
mas
não
s ão
e s s e s
e l e m e n t o s que realmente
capturam
o público
e
s i m os
conteúdos
mercantis
que
se
mesclam às
esperanças,
fantasias,
desejos
e necessidades dos indivíduos, conforme elas se de s e n
volvem
no
contexto de
vida
em sociedade. O conteúdo
manifesto
encobre um
material
latente que, e s s e
sim,
interessa
e
a t r a i as
pessoas
para os produtos:
Enquanto
a intenção continuamente
s e
v o l t a contra
o playboy,
a
dolce
v i t a e a s wild p a r t i e s , a oportunidade de dar uma olhadela
nisso
parece agradar
mais
do
que o
apressado
veredicto
condenató
r i o (Sociologia, p . 1 0 3 ) .
Os produtos
e
serviços
culturais que
o
público consome con
têm uma mistura de preceitos
ideológicos
realistas com fantasias
conscientes
e inconsciente s,
de satisfação de desejos com amea
ças de punição, de e s t í mulos produtivos e dissuasivos, de expres
sões conformistas e projeções utópicas cujo sentido, todavia, é
regressivo,
devido
à
dependência
ao
valor
de
troca,
à
necessidade
de o conjunto
atender
às expectativas, mesmo as inconscientes,
dos consumidores. Os progressos tecnológicos em que se basei
am
não
importam
na
eliminação ou mesmo redução
das
tendên
cias regressivas
em que se manifesta
a
raiva co nt ra o s
controles
i mpo s t o s pela civilização mas, antes, na s ua reativação controla
da e até certo ponto funcional.
Destarte,
a repetição
da
mensagem
de
que o
crime
não
com
pensa
permite às pessoas verem banhos de s angue
e
estupros de
inocentes, enquanto os ritmos da
moda
fornecem um pretexto pa
ra as pessoas simularem
atos sexuais sem censura pública. Nou
t r a s
veze s, a
violação da l e i
e a
própria
m o r t e
s ão associadas
à
sensação de liberdade, e pretensas denúncias
sobre
as mazelas da
sociedade
servem
para revelar os
encantos da
sordidez
e da
pe r
versão.
O fascínio
e
interesse
até
certo
ponto
crítico
com
que
se
assiste à destruição de bens de consumo, especialmente automó
veis e objetos de luxo, permanecem escondidos, através da ence
nação
a r t í s t i c a , o pretexto de
dis tração e
o f or m at o r e gul am e nt a
do.
A
constatação
revela que
a subjetividade
das
massas
consti
t u i ,
ao
mesmo t e m p o , a matéria-prima
e
a
arena
ondé emerge
uma
esfera
pública
articulada
pela
forma
mercadoria.
As
merca
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o
a
a s s u j e i t a m e n t o
229
dorias
produzidas pela
indústria da consciência
s ão
criadas
com
os conteúdos e desejos da consciência de indivíduos concretos
que
vêem
a
s i
mesmos
como
consumidores:
s ão
essas
pessoas
que produzem os monopólios da mídia, ainda que sem
sabê-
lo 41
O
conformismo dominante no
discurso o f i c i a l e a leitura dis
traída
das
mensagens
do capital se
sustentam
na veiculação de
conteúdos culturais transgressivos,
cada
ve z mais explícitos, cujo
horizonte é uma ou
outra forma
de sensacionalismo. Os esque
mas
permitem
uma
liberação
controlada
do s i mpuls o s
recalcados
pela sociedade. As
mercadorias
culturais s ão produtos da
indús
t r i a mas, também, formações reativas através das quais s e canali
zam socialmente os resíduos do s i mpuls os
corporais
e t e m o r e s
primordiais herdados
da
pré-história
da
subjetividade
(Dialética,
p .
168-174).
O esclarecimento do ponto, por outro lado, nos permit e e n
tender o
significado ambivalente
das práticas
da
indústria
cultu
r a l . A
contradição
em que
se
encontram os s eus
sujeitos
se e x
pressa de m ane ir a e xt re m a no fato de que os indivíduos, ainda
não de todo
coisificados, desejam
subtrair-se v e z por outra ao
mecanismo
de coisificação
à
mercê
do
qual se
encontram,
mas
também
e
ao mesmo
tempo
que em cada uma de
suas
rebeldias
contra
o fetichismo não façam s enão enredar-se
de
maneira mais
profunda e inextricável neste fetichismo (Dissonâncias, p . 56).
As celebridades e heróis
da
mídia, por
exemplo, capacitam
as pessoas a vestirem-se, agirem e serem o que
quiser em
mas, ao
mesmo tempo, s uj eit am-nas à necessidade de desenvolverem
uma
imagem,
faz e r e m poses, construírem uma identidade com
e s t i l o ,
forçando-as
a se
preocupar com
a aparência e a maneira
como se
vestem
tanto quanto com a maneira
como
os outros rea
gem à s ua i mag e m . 4 As
pesquisas
de re ce pção mais sensatas
concluíram
que
a
l e i t u r a
de
romances
de
consumo,
por
e x e m plo ,
fornece à l e i t o r a uma estratégia para tornar s ua situação atual
mais confortável, sem
que
se faça mudanças substanciais
em
s ua
4 1 NEGT, O . KLUGE, A . P ub li c s p h e r e and e x p e r i e n c e , p . 1 3 3 .
KELLNER, D . Media c u l t u r e . Nova
Y o r k :
R o u t l e d g e , 1 9 9 5 , p . 2 8 5 . C f . L a u r c n
L a n g m a n :
S h o p p i n g
f o r
s u b j e c t i v i t y .
I n : S h i e l d s , R . L i f e s t y l e s h o p p i n g .
L o n d r e s :
R o u t l e d g e ,
1 9 9 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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230 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
estrutura,
mais do que um programa abrangente
para
reorganizar
sua vida
de modo
a
buscar
a satisfação de
um maior número
de
necessidades .43
Os sujeitos
da indústria
não se encontram submetidos a ne
nhuma manipulação externa,
porque
os
m o t i v o s
que os prendem
às mercadorias,
em última instância,
de fato lhes
pertencem.
A
consciência com a qual e s sa indústria trabalha deseja, sem o con
f e s s a r ,
liberar o impulso mimético recalcado.
As
mercadorias da
indústria
carregam as
esperanças, necessidades
e
desejos
dos
i n
divíduos,
que
secretamente
têm
v o nt ade de
se
liberar
dos
contro
l e s
racionais,
por
não
t e r e m sido bem-sucedidos
em
se enquadrar
razoavelment e
no
doloroso
processo
civilizatório
(Dialética,
p .
161).
Para
nós,
a circunstância
m o s t r a
que a espontaneidade ainda
está
viva,
escapa à s ua
completa
reificação e , enfim, que no que
o púb lico e s pe r a
da [mídia] h á
também uma parcela
de verdade
(Cinema,
p .
170). O
sujeito
sistêmico
a
que
se
reduz
o
homem
em
no s s o
tempo
não o toma por i n t e i r o . Co nt r ar i am e nt e ao su
posto
pelos críticos culturais
reacionários, na
cinzenta monoto
nia da consciência nivelada e reificada das massas
h á
muitos
im
pulsos
que servem de refúgio para
uma melhor
situação .
A l i t e r a t u r a de mercado, o cinema
comercial
e a
música
po
pular,
para não
c i t a r
casos mais evidentes,
possuem vários
exem
plos de obras em que
transparece
e se vivencia de maneira i m e -
4 RADWAY, J .
R e u d i n g
t h e
r o m a n c e .
C h a p p e l l H i l l ( N C ) :
N o r t h
C a r o l i n a U n i v .
P r e s s ,
1 9 8 7 , p . 1 4 4 .
4 4 ADORNO, T .
/ /
f i d o m a e s t r o
s o s t i t u t o , p . 2 5 9 . Os c h a m a d o s
e s t u d o s
c u l t u r a i s c r í t i c o s
vêm
s e d e d i c a n d o
a r e v e l a r
e s s e
c o m p o n e n t e
u t ó p i c o
p r e s e n t e
n a i n d ú s t r i a c u l t u r a l ,
sem l e v a r e m
c o n t a
a m o l d u r a m a i s a m p l a d e st e c o nc e it o ,
q u a n d o n ã o
a p r ó p r i a i d é i a
d e
t e o r i a c r í t i c a
d a s o c i e d a d e .
C f .
T a n i a
M o d l e s k i : L o v i n g
w i t h a v e n g e a n c e .
Hamdem
( C O ) : M e t h u e n ,
1 9 8 2 ;
J u d i t h
W i l l i a m s o n :
Consuming
p a s s i o n s .
L o n d r e s : M a r i o n
B o y a r s .
1 9 8 6 .
N i k o
V i n k :
T h e
n o ve l a s
n a r r a t i v e
o f
o p p r e s i o n
and
c h a n g e .
A m s t e r -
d a m : K o n i n k l i j k I n s t i t u u t v o o r d e T r o pe n , 1 9 8 8 ; A n g e l a M c R o b b i e : F e m i n i s m and
y o u t h c u l t u r e . L o n d r e s :
M a c m i l l a n ,
1 9 9 1 ; I a n A n g : L i v i n g
room
w a r s . L o n d r e s :
R o u t l e d g e .
1 9 9 6 ;
D o u g l a s K e l l n e r : Media s p e c t a c l e s . L o n d r e s :
R o u t l e dg e . 2 0 0 2 .
Deixamos
d e
r e f e r i r
o s
t r a b a l h o s s o b r e
o consumo d o s s u p o s t o s e l e m e n t o s
u t ó p i c o s
d a c u l t u r a d e m a s s a q u e - sem q u e r e r - m o s t r a m como
e l e s [ n a
r e a l i d a d e ]
s e r v e m
p a r a
m a n t e r o s i n d i v í d u o s s a t i s f e i t o s com o c a p i t a l i s m o ( D e b o r a h C o o k : T h e c u l t u r e i n -
d u s t r y r e v i s i t e d , p . 1 3 4 ) .
C f .
J i m McGuigan: C u l t u r a l p o pu li sm . L o n dr e s: R o u t l e d g e .
1 9 9 2 .
J o h n F r o w : C u l t u r a l
s t u d i e s
and
c u l t u r a l
v a l u e . O x f o r d :
C l a r e n d o n
P r e s s , 1 9 9 5 .
M a r j o r i e
F e r g u s o n e P e t e r G o l d i n g e d i t o r e s ) : C u l t u r a l s t u d i e s t u q u e s t i o n . L o n d r e s :
S a g e ,
1 9 9 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 235/296
D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 2 3 1
diata uma
série
de esperanças
e fantasias
sobre como poderia ou
deveria
ser a
vida
coletiva fora do s ordenamentos burocráticos e
mercantis.
A
realidade
pode
não
ser
que s t i o nada m as ,
durante
certos
momentos, as pessoas deixam de pensar
e
agir
como
sujei
t o s , transcendendo as
duras exigências
que elas a s i mesmas têm
de se
colocar para
s e r e m bem-sucedidas individualmente.
A referência, todavia, explica
também
porque a
esquemati
zação da subjetividade promovida através da indústria cultural se
tornou um meio
sistêmico
de controle social jamais sonhado ( I n
dústria,
p .
138-39),
já
que
a
reabilitação
do
corpo,
do
afeto,
da
ação,
do
sexo, das cores
e s en ti m ento s
primitivos verificada,
mesmo nes s e s
casos,
não pode
ser dissociada, como é
regra no
r e s t o , do
interesse
racional
em
t i r a r proveito
económico, s enão
em conduzir
as
massas de acordo com
a
vontade de
poder
de
l i
deranças populistas e demagógicas.
A pretendida
descoberta de
elementos
utópicos que ocorreria
por
m e i o
dessa
estetização
manipuladora
da
atividade
s o c i a l
representa
pouco mais do
que
a capitulação diante do poderio
da
m e r c a n t i l i -
z a ç ã o . 4 5
Embora devamos conservar em vista s e us e v e nt uai s conteú
dos emancipatórios, o processo dialético que move a prática da
indústria cultural é , no f i n a l
das
contas,
o
processo que articula
fantasia e
controle
em favor
desse
último,
ao tentar
- sempre sem
sucesso
- reconciliar
as
aspirações
por
uma
boa
vida
com
os
ob-
jetivos e s tratégicos do capitalismo planetário.
O
e l e m e n t o utópi
co por
ela
mobilizado
é
o que tende
a se
tornar lubrificante
do
sistema, porque
as
pessoas que o
fornecem já
estão de
há
muito
presas
ao
ordenamento
dominante. Queiramos ou
não,
vivemos
em um mundo onde s ó parece fazer sentido
a idé ia
de que,
se
h á
soluções a serem encontradas [para qualquer problema], elas de
verão
ser
compradas .46
As experiências
morais
e estéticas que têm lugar através da
mídia
não podem
ser vistas
de
maneira abstrata.
Os
comporta
mentos
e fat ore s irracionais
promovidos
pela indústria cultural,
precisamos notar, s ó em parte s ão naturais ou espontâneos.
*
BERMAN,
R .
Modern
c u l t u r e
and c r i t i c a l
i h e o r y , p . 4 8 .
4 6
EWEN,
S .
C h a n n e l s
o f d e s i r e ,
p .
4 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 236/296
232 F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r
Adorno
e a c r í t i c a à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Quem
os traz à
tona
s ão técnicas
exploradas
pelos monopólios
com
objetivos económicos . Na
atualidacie,
a possibilidade
de
ra
cionalizar
tecnicamente
os e st í mulos
estéticos
e s t á ,
em
essência,
a
serviço da regressão da
consciência, e a capacidade
de
trans
cender a realidade
que
a espontaneidade potencialmente possui é
prisioneira da forma mercadoria.
A
racionalização da
c u l t u r a ,
que abre a s
janelas à natureza,
absor-
ve-a [ . . . ]
po r
esse meio,
eliminando
junto com
a
diferença
o p r i n c í
pio
da c u l t u r a :
a possibilidade
de uma
conciliação
(M ínima mora-
l i a ,
p .
7 2 ) .
As práticas
da indústria
cultural expressam e exploram o
im
pulso da natureza humana no sentido de se subtrair dos controles
externos e int ernos
que
nos impõe a vida civilizada, tornando s o
cialmente aceitável e até certo
ponto
legítima s ua satisfação.
Contraditoriamente,
porém,
nem
mais
isso
poderia
invocar para
sua salvação
pois, em
geral, procedem de
acordo com
parâmetros
que,
vistos
mais
de
perto,
s ão
todo
o
oposto
daquilo
que
h á
pou
co
ainda chamávamos de
libertação.
A violência cega, brutal e sem sentido, o s pr ot agoni s tas
de
filmes
pornográficos,
os magnatas carismáticos
e
populistas, as
superstições b e s t i a i s , a nulidade espiritual das carreiras públicas
mais almejadas e
as
performances socialmente irracionais nos
terrenos
mais
variados da existência, por e xe m plo , nã o s ão ima
ge ns de
outro
e s t i l o
de
vida,
mas
aberrações
ou
tipos
da
mesma
vida [vigente],
servindo mais
como
afirmação do que
como
ne
gação
da
ordem estabelecida .47
Em casos
como
esses, a sociedade revela,
ainda
que
pró-
forma,
a
sensibilidade perversa de
suas
criaturas,
deixando ve r
que, já há um t e mpo, as posturas antagónicas não provêm mais
apenas dos
que discordam
do
s i s t e ma de
vida dominante,
mas de
s eus próprios
sujeitos
sociais,
mobilizados
por
imagens
clara
mente regressivas e destrutivas, que servem de criptogramas de
uma esquizofrenia administrada
racionalmente.
Douglas Kellner comenta
que
as h is tórias de Be avis e
Butt-
Head, para c i t a r um e x e m plo , não ob st ant e os eventuais conteú
dos utópicos ( na verdade, diríamos, anárquicos),
celebram
c i n i -
4 7
MARCUSE.
H .
A
i d e o l o g i a
d a
s o c i e d a d e
i n d u s t r i a l ,
p .
7 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 237/296
D e s t i n a ç õ e s d o s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 233
camente a visão de uma sociedade de famílias
arruinadas,
co
munidades desintegradas
e
indivíduos
anómicos, carentes
de me
t a s
e
valores .
A
exploração
das
cenas
de
violência,
sexo,
estupi
de z e baixeza t e s t e m un ha
a
espécie de s en ti m ento de que se nu
t r e m certas
parcelas da coletividade, excluídas
de um modo ou
de outro dos proce s s o s educacionais que, em t e s e , poderiam
f a -
zê-las
buscar
outras experiências.
[Os desenhos]
cristalizam
a s experiências e sentimentos de
a l i e n a
ção e desespero
produzidos
po r
uma sociedade desintegrada,
colo-
cando-as em
l i n h a
de
identificação
com
roqueiros
e
delinquentes,
o
heavy metal e a violência n i i l i s t a . 4 8
O resultado
do
processo, noutros termos, não
é
o apareci
mento de um
novo
sujeito histórico, mas
a
regressão da cons
ciência durante os momentos de diversão, a
produção do
prazer
de não ser
um e u
obtida através
de
m e i o s
técnicos
e mercantis,
conforme se pode ver, ainda por e x e m plo , nos shows de música
pop,
quando
muitos
s uje it os s e
entregam
a
um
êxtase
estilizado
segundo os
embalos
da batida dos
tambor e s
de
guerra, bastante
próximo daquele que
costumam exercitar os selvagens (Disso
nâncias, p .
57).
A regressão da
consciência
que
se pode
constatar nesse
e
em
outros
casos
é ,
em
t e s e , algo
que contagia todo o comportamento
individual. No entanto, convém vê-la com prudência: não se po
de
mensurar
empiricamente
a
capacidade de
reforço
e
potencial
de estímulo de que e s s e fenómeno é portador em relação às con
dutas regressivas
e
irracionais que mais
e
mais vêm tendo lugar
na vida cotidiana de nossas sociedades, conforme essas se
dei
xam
documentar,
por e x e m plo ,
no
conhecido
Livro Guin e s s
do s
Recordes.
Theodor Adorno, sem dúvida, é
passível
de c r í t i c a por ja
mais
t e r
explorado
a
hipótese
de
que
a
indústria
cultural
e v e n
tualmente pode ensejar o surgimento de esquemas emancipató-
r i o s , capazes de engajar a consciência de uma maneira não r e
gressiva.
A
possibilidade
de difer enciar entre espontaneidade
produtiva e integrada, porém não só existe, como vimos , mas ,
KELLNER,
D .
Media
c u l t u r e ,
p .
1
5
1
.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 238/296
2 3 4 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
pasme-se, f o i posta em prática pe lo pr ópr io autor, conforme nos
revela um ó t i m o
ensaio
de Thomas Levin.
De
r e s t o ,
o
pensador
defendeu
a
formação
de
grupos
de
ca
pazes de r e s i s t i r criticamente à ação da mídia, a organização das
pessoas interessadas em promover uma oposição cidadã, para a -
tuar em
salas
de aula,
locais
de comércio
e
entidades profissio
nais. À primeira v i s t a , a e s pe r anç a de que
algo desta
natureza dê
certo
parece
i r
contra
tudo, mas sempre
há
um chance r e a l :
Os milhões
de
homens que consomem uma c u l t u r a
de
massas
s ob
medida
não
pos suem
qualquer
consciência
uniforme
entre
s i .
Os
consumidores
pressentem
vagamente
que
são logrados, porque é
f i n a
a camada
ideológica que
recobre a capa de cada
j o r n a l
i l u s t r a
do
e cada música de sucesso empacotada em
celofane.
Provavel
mente, a s pessoas consentem
com
o
que l h e s
é
dado
de comer ape
nas de modo forçado [socialmente], devendo a f a s t a r a consciência
d i s s o ,
enquanto não pos suem algo d i f e r e n t e . Caberia t e n t a r desper
t a r essa consciência contra
o
abuso
dominante
e , dessa maneira,
a s
próprias
forças
humanas
que
hoje
estão
mal
direcionadas
e
ligadas
a esse abuso.5
Russell Berman
faz
notar que uma economia que oscila e n
t r e o culto do e u e as visões de solidariedade
imediatas
é incapaz
de articular as tensões [sociais] genuinamente, suprimindo-as
com t a l violência que elas terminam sendo antes
realimenta-
das .51 A referência f e i t a antes m o s t r a que,
apesar de s ua
e f e t i v i -
dade, conviria, po r é m , não
entender
e s sa tendência
de
maneira
dogmática.
A
c r í t i c a à indústria cultural é
c r í t i c a
à
medida que
P r o c e d e n d o à j u s t i f i c a t i v a
t e ó r i c a
d e
uma
s é r i e d e p r o g r a m a s s e u s
q u e
f o r a m
t r a n s m i
t i d o s p e l o r á d i o , b a s e an do - s e n a montagem c o m e n t a d a d a s p a s s a g e n s m u s i c a i s d e s u a
p r e d i l e ç ã o . o f i l ó s o f o d e f e n d e u , p o r é m , q u e a s e le çã o . c i t a ç ã o e r e p e t i ç ã o d e s s e m a t e
r i a l
e m
c h a v e
a o
mesmo
tempo p o l ê m i c a e d i d á t i c a .
embora t i v e s s e m
um
c a r á t e r r e i f i -
c a n t e e m r e l a ç ã o à m at ér ia , p o d e r i a m s e r também uma
f o r m a d e
l i b e r a r a a u d i ç ã o d a
n e u t r a l i z a ç ã o
[
m e r c a n t i l
[ ,
d i r e c i o n a n d o - a
p a r a
a
c o m p r e e n s ã o
[ d o
p r o c e s s o
g l o b a l
d e
c o m p o s i ç ã o ]
( T h e o d o r
Adorno [ 1 9 6 3 ] a p u d Thomas L e v i n : F o r t h e r e c o r d , c i t . , p .
4 6 ) . O b s e r v e - s e , c o n t u d o , q u e Adorno c h e g o u a c o n d e n a r e x p l i c i t a m e n t e e s s a p r á t i c a
e m S o c i al c r i t i q u e o f r a d i o m u s i c [ 1 9 4 5 ] . Segundo M a r t i n J a y , o p e n s ad o r a p e n a s
p a u l a t i n a m e n t e s u p e r o u s u a a n i m o s i d a d e
p a r a
com o s
m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o
e m
m a s s a ,
e m
um e s f o r ç o
a u t o c o n s c i e n t e
p a r a
i nf lu e nc ia r a
o p i n i ã o p ú b l i c a ,
c o n f o r m e
d e m o n s t r a
s u a
c o l a b o r a ç ã o
com o
r á d i o
e a
i m p r e n s a
a l e m ã s
n o
P ó s - G u e r r a ( U r b a n
F l i g h t s :
The
I n s t i t u t e o f S o c i a l
r e s e a r c h b c e t w e n F r a n k f u r t a n d
N e w Y o r k . I n :
D a v i d
R a s m u s s e n o r g . [ : T h e Handbook o f
c r i t i c a l
t h e o r y . O x f o r d : B l a c k w e l l , 1 9 9 6 ,
p .
4 8 ) .
ADORNO, T . Pode o p ú b l i c o
q u e r e r ?
o p . c i t . , p . 5 7.
BERMAN.
R .
Modern
c u l t u r e
and
c r i t i c a l
t h e o r y ,
p .
5 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 239/296
D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a
a s s u j e i t a m e n t o
235
não se
deixa t o mar de modo absoluto
e ,
portanto, não
deve
ser
vista como um contexto teórico monolítico e
sem
contradição,
conforme
pr e t end em
muitos
de
seus
adversários.
O
fenómeno
em
juízo é , para
e l a , ambival ent e , porque, se
por
um lado reproduz
uma vontade que, s ob certas condições, pode ser forte o bastante
para l i v r a r a consciência do
indivíduo do
fetichismo da
mercado
r i a ,
constitui
em
outros
aspectos um
dos
fatores de
involução
da
consciência
do
homem contemporâneo (Sociologia,
p .
74).52
E u g ê n i o T r i v i n h a s u b m e t e à c r í t i c a
b r i l h a n t e
e a r r a s a d o r a um e x e m p l o c a b a l d o q u e
e s t a m o s
f a l a n d o
p o r
ú l t i m o e m C o n t r a
a
câmera e s c o n d i d a . S ã o
P a u l o : E d i t o r a
d o
A u t o r .
1 9 9 8 .
P r o c u r a m o s s e g u i r
s u a s
p e g a d a s e m A n t i n o m i a s d o z o o l ó g i c o h u m a n o :
s o c i a b i l i d a d e s e l v a g e m , r e a l i t y s h o w s e r e g r e s s ã o
d a c o n s c i ê n c i a .
I n : G a l á x i a , S ã o
P a u l o :
P u c s p .
8
( 2 0 0 4 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 240/296
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 241/296
7
Programadepesquisa:
premissas e
discurso
do
método
-A. c r í t i c a adorniana à indústria cultural pode
ser
entendida co
mouma reflexão de ordem
histórica e
filosófica sobre
a estrutura
e sentido
das
mudanças ocorridas na cultura
moderna
com
a s ub
sunção
de suas
formas de produção, difusão
e consumo ao cal
culo
mercantil.
N e s s e
sentido,
a
disciplina
encontra-se
na bas e
de
um programa de pesquisa
cujo
sentido o ri ginal é decifrar a ma
neira como as
contradições
sociais e
os
problemas do
homem
moderno se articulam
e
expressam, s ão mediados, através da
produção
dos be ns
culturais.
As proposições
teóricas
em que se sustenta
devem,
idealmente, poder servir de chave interpretativa
no estudo da
mercadoria
cultural
tecnológica
na
sociedade
contemporânea.
Atualmente, as verdadeiras obras de arte
renunciaram
à
ilusão
de
obter
uma
comunicação r e a l
entre
os homens;
s ão
mo
numentos
de
uma vida s o l i t á r i a
e desesperada
que não encontra
nenhuma ponte para com outras consciências e ,
às
ve ze s, nem
sequer com
a
s ua própria . Acontece, todavia, que o de se spe ro
também
pode
ser descoberto fora da a r t e
pura, na
chamada diver
s ão
e
no
mundo
dos
b en s culturais,
mas então
é preciso partir
do
exterior,
mediante
a teoria psicológica e sociológica ,1 dizia Max
Ho r k h e i m e r .
Conforme procuramos mostrar
no s
capítulos anteriores, a
c r í t i c a à indústria cultural
pode
ser
entendida
como um capítulo
dessa
t e o r i a . Encontra-se nela um conjunto de proposições histó-
HORKHEIMER, M. A r t e e c ul tur a
d e m a s s a s .
I n :
T e o r i a
c r í t i c a . B a r c e l o n a : B a r r a l ,
1 9 7 4 ,
p .
1 2 2 - 1 2 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 242/296
238
F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e
a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
ricas
e filosóficas que
pode
servir de embasamento
para uma
ciência social c r í t i c a preocupada em pesquisar a fortuna da exp e
riência
cultural
humana
na
era
da
técnica,
a
p a r t i r
de
um
trabalho
determinado por um interesse emancipatório no conhecimen-
to .
Horkheimer
r e sum iu
os princípios orientadores de uma ciên
cia
dessa espécie em
quatro pontos, hoje tornados clássicos. Nes
sa ciência, pontua:
1 . O conhecimento
é
construído
historicamente,
procedendo-se
ao
estudo
da
formação
do
fenómeno e
do
modo
como
e s s e
fenómeno se
insere
em
uma dada
forma s o c i a l .
2 . O conhecimento
é construído
criticamente, procedendo-se
a
um confronto entre
os valores
formadores dos
fenómenos
em
estudo
com o s eu
processo
concreto de criação e posição na
sociedade.
3 . O conhecimento é
construído
dialeticamente,
procedendo-se
a
um
exame
da
maneira
como
a
forma
social
anima
e
move
a
formação do fenómeno
e
suas correspondentes representa
ções.
4 .
O conhecimento é construído hermeneuticament e, proceden
do-se a uma análise da maneira como o sentido dos referidos
fenómenos
depende da m ane i ra
como
se relaciona,
em diver
s os momentos,
com
a
totalidade.3
Situado
neste
âmbito,
o
conhecimento
teórico
sobre
a
pro
blemática da
indústria
cultural pode ser visto como uma força a
serviço
de uma prática
de
pesquisa histórica movida
pelo
desejo
de traz er à
consciência
a maneira
como
a referida
indústria
cola-
: HABERMAS,
J .
C o n h e c i m e n t o
e
i n t e r e s s e . I n : C i ê n c i a e
t é c n i c a
como i d e o l o g i a .
L i s b o a : E d i ç õ e s 7 0 ,
1 9 9 2 , p . 1 4 0 .
1
HORKHEIMER,
M.
N o t e s
o n
I n s t i t u t e a c t i v i t i e s .
I n :
S t e p h e n
B r o n n e r
e
D o u g l a s
K e l l n e r o r g s . ) : C r i t i c a l t h e o r y and s o c i e t y . Nova Y o r k : R o u t l e d g e , 1 9 8 9 .
C f .
Theo
d o r A d o r n o :
S o c i o l o g ia e
p e s q u i s a e m p í r i c a , D i a l é t i c a
e p o s i t i v i s m o e m s o c i o l o
g i a E s c r i t o s , p . 1 8 9 - 2 0 9
e
2 3 9 - 3 1 3 )
e
E p i s t e m o l o g i a y
c i e n c i a s
s o c i a l e s ( M a d r i :
C á t e d r a . 2 0 0 1 ) ;
J i i r g e n
H a b e r m a s : L ó g i c a d e
l a s c i e n c i a s s o c i a l e s ( M a d r i :
T a u r u s ,
1 9 8 8 ) ;
B r i a n F a y :
C r i t i c a l
s o c i a l s c i e n c e ( I t h a c a [ N Y ] : C o r n cl l U n iv e r si ty P r e s s ,
1 9 8 7 ) ;
Raymond Morrow:
C r i t i c a l t h e o r y
and m e t h o d o l o g y ( T h o u s a n d Oaks ( C A ) :
S a g e ,
1 9 9 5 ) . D e s e n v o l v i m e n t o h i s t o r i o g r á f i c o e s i s t e m á t i c o d o s p o n t o s t r a t a d o s n e s t e
c a p í t u l o ,
n o â m b i t o
d a p e s q u i s a e m c o m u n i c a ç ã o ,
p o d e s e r
c o n f e r i d o
n o l i v r o d e
n o s
s a a ut o ri a i n t i t u l a d o
C i ê n c i a
s o c i a l c r í t i c a e p e s q u i s a
em
c o m u n i c a ç ã o :
t r a j e t ó r i a
h i s
t ó ri c a e
e l e m e n t o s
d e
e p i s t e m o l o g i a
( S ã o
L e o p o l d o :
U n is in o s, 2 0 0 2 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 243/296
P r o g r a m a
d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 239
bora
com a
manutenção
de
certas
relações de
poder e
articula os
problemas do homem moderno em
nossa
sociedade.
Interessa-nos,
nesta
altura explicitar
os
princípios
filosóficos
e gnosiológicos
em que se baseia e s sa reflexão, passível de
ser
entendida
como uma espécie
de
c r í t i c a da cultura lida em chave
de
filosofia da
história
e
teoria c r í t i c a da sociedade. Antes,
po
r é m , convém explicitar as premissas
e
estratégias metodológicas
em que se
pode fundar
e ,
de
f a t o , vêm se desenvolvendo um
pro
grama de investigação
bastante
devedor dessa reflexão
no campo
de
estudos
da
cultura
e
da co municação .
7 . 1 Linhas gerais da investigação
Conforme f i z e m o s notar no primeiro capítulo, o conceito de
indústria cultural exprime o
movimento
r e a l
do
capitalismo mo
derno
como
um
todo s ob o
aspecto
da
subjetividade
encarnada
nos indivíduos
e instituições.
A figura da indústria
cultural
de
signa um
momento
desse
todo e
deve
ser
entendida
como
uma
mediação formadora do
processo de
po si ção de s s a
subjetividade
na
sociedade.
Vendo bem, a expr e s são em foco não se re fe re às técnicas de
produção e difusão da cultura,
nem
ao s eu impacto
no s
processos
de
interação. Em
função
disso,
pretender entendê-la
com
as
cate
gorias da teoria da
comunicação,
como
muitos
querem,
significa
de s valo ri z ar e s s a
t e o r i a ,
perder de vista seus méritos e mal
e n
tender a Escola
de
Frankfurt.
Os
frankfurtianos nunca foram teóricos da comunicação -
pelo menos até ocorrer a guinada
nes sa
direção, dada
por
Ha-
bermas.4
Aparent ement e,
parecia-lhes
absurdo
que a indústria
cultural
- co-responsável pelo fechamento do universo da
l o
cução - pudesse ser explicada com o s co nce it os da teoria da co
municação.5
O raciocínio que relaciona a estrutura e
sentido dos
HABERMAS,
J .
T e o r i a
d e
l a
a c c i ó n
c o mu ni c at iv a . M a dr i :
T a u r u s ,
1 9 8 7 .
T e o r i a d e
l a
a c ci ó n c o m u ni c a ti v a:
c o m p l e m e n t o
y
e s t u d i o s
p r e v i o s . M a d r i :
C a t e d r a ,
1 9 8 9 .
ADORNO. T . t n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p . 1 9 4 . C f . F r an ci sc o R u di g e r :
I n t r o d u
ç ã o à
t e o r i a
d a c o m u n i c a ç ã o . 2 .
e d .
S ã o
P a u l o : E d i c o n ,
2 0 0 3 , p .
8 9 - 1 0 8 . Comunica
ç ã o é - c o n f o r m e s u g e r i d o p o r K r a u s - a e x p r e s s ã o c i e n t í f i c a e v a l o r a t i v a m e n t e n e u
t r a co m
q u e
s e
chama
um
p r o c e s s o d e
t r a n s m i s s ã o
q u e
p e r m i t e
a
uma
p e s s o a
f a l a r
a
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 244/296
2 4 0 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
bens
culturais
com
seus efeitos
sobre o s u j e i t o , ou
a difusão s o
c i a l de
mensagens com
s ua
recepção e
consumo,
era em essência
estranho
à
s ua
maneira
de
entender
a
cultura
contemporânea.
Inclusive
quando
incluem
cogit açõe s s obre s eu
aspecto ma-
nipulatório, sempre que os estudiosos do assunto deixam de re-
f l e t i r
sobre o
que
e s s e conceito
significa, de que
modo
e ,
sobre
tudo,
com
que
condicionamentos se transformou e s s e conceito ,
s ão
grandes
suas
chances de caírem nesse inventário
i n ú t i l
e
conceitualmente
vazio que
é próprio
de o que hoje em
dia se
de
nomina, em
geral,
de
teoria
da
comunicação .6
Segundo
Adorno,
a
c r í t i c a
à
indústria
cultural
constitui parte
de uma teoria c r í t i c a da sociedade.
Os
fenómenos
de m í dia
não
podem
ser e s t udado s de maneira
autónoma.
O
problema,
para
e l e , consiste em saber
como
e s s e s fenómenos se in s e r e m na
crise
da cultura moderna provocada pelo progresso do capitalismo.
Nesse sentido, a referida c r í t i c a representa uma proposta de estu
do
transdisciplinar,
em
que
se
combina
o
exame
da
produção
e
da economia
política da cultura com análises textuais, nos
quais
os artefatos culturais
s ão contextualizados em s e u
meio sócio-
histórico, mais [eventuais] estudos de r e ce pç ão
e
us o desses
tex
tos por suas audiências .7
Resumidamente,
a proposição
significa que
a reflexão
s obre
a
matéria
obedece
ao s
seguintes princípios:
1
.
A
perspectiva
de
interpretação
pensa
a
estrutura
e
função
da
cultura
mercantil
no
contexto do
processo histórico
global
da
sociedade.
2 . A
h ipó t e s e b ás i ca é
a de
que e s sa cultura
produz
e
reproduz
em t e r m o s
económicos,
técnicos
e
espirituais
as
categorias
e
contradições sociais dominantes.
3 . Os fenómenos
de
indústria cultural s ão tratados
como fatos
sociais
que
devem
ser
julgados
de
acordo
com
certos
c r i t é
rios de
valor
imanentes
e
que , as s im , devem
ser descobertos
através de uma reflexão histórica.
o u t r a d e modo a
e s c o n d e r o f a t o
d e q u e ,
p o r
s e u i n t e r m é d i o , a s
p r i n c i p a i s
f o r ç a s d o
p o d e r
e c o n ó m i c o
c o n c e n t r a d o e s e u s a s se s s o r e s a d m in i s tr a ti v o s enganam a s m a s s a s a
e l a s s e a j u s t a n d o ( L i t e r a t u r a I I , p . 4 3 ) .
ADORNO, T . I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p . 1 9 4 .
KELNER, D . C r i t i c a i T h e o r y a n d c u l t u r a l s t u d i e s . I n : J i m McGuigan o r g . ) : C u l
t u r a l
m e t h o d o l o g i e s . L o n d r e s :
S ag e , 1 9 9 7,
p .
2 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 245/296
P r o g r a m a d e
p e s q u i s a : p r e m i s s a s e
d i s c u r s o
do método
2 4 1
4 .
A
c r í t i c a considera o
homem
como sujeito e situa
a indústria
cultural em
relação ao s
mecanismos
existentes
entre estrutu
ra
social,
as
formas
de
consciência
e
o
de s en vo lvi m en t o
ps í
quico do
indivíduo.
5 . Finalmente,
sustenta-se que
os e s tí mulos pr o duz i do s na
esfe
ra da indústria
cultural
s ão um fenómeno histórico, e que a
relação entre e s s e s
estímulos
e a r es po st a [ do púb li co ] é pré-
formada e pré-e s truturada pelo destino histórico do estímulo
tanto quanto
do sujeito
que a ele
responde .8
Para
Adorno,
Kracauer
conferiu
à
c r í t i c a
cultural
uma
função
de
c r í t i c a social
que pretendia válida também para s eu próprio
trabalho.
Em s eu
modo
de ver,
a leitura c r í t i c a da produção cul
t u r a l é , também, um meio de fazer uma diagnose da sociedade.
Embora negasse que e s sa produção fos se r efle xo da
vida s ub
consciente,
assim
como da vida s o c i a l ,
o
pensador acreditava,
como o
autor
citado,
a
hipótese
de que
os
lazeres industriais e
as
práticas
de
consumo
cultural
s ão
expressão
da
ascensão
das
mas
sas promovida pelo capitalismo. Noutros termos,
podem
ser
cor
relacionados com as condições psicológicas
e
sociais peculiares
das
camadas médias assalariadas em no s sa sociedade, com a
transformação desses grupos em matriz de onde
passam a
emanar
os princípios
de
estruturação
da
vida
cotidiana
na
era
contempo
rânea.
Segundo
o
pensador,
a
pesquisa
e
estudo
das
condições
económicas e institucionais que estruturam a produção
e
consu
mo dos be ns culturais
é
uma parte essencial
do
e n t endi m en t o do
fenómeno. A s s i m , podemos compreender como as e mpr e sas cul
t u r a i s se estruturam e funcionam.
O
estudo das condições e co
nómicas
e políticas
dos
mercados
de massas
é
parte integrante
da
análise
das
modernas instituições de lazer e sem a
qual
essas ú l -
C f . LEO LOWENTHAL: H i s t o r i c a l p e r s p e c t i v e s o n p o p u l a r c u l t u r e [ 1 9 5 0 ] . I n : L i t -
e r a t u r e
and
mass
c u i t u r e . p .
1 5 - 1 7 .
Conforme
s a b e m o s h o j e , e s s a s p á g i n a s d o
r e f e r i
d o
t e x t o f o r a m
e s c r i t a s e m c o n j un t o p o r
Adorno
e L o w e n t h a l . C f . Le o
L o w e n t h a l :
C r i t i c a l T h e o r y and F r a n k f u r t t h e o r i s t s , p . 5 0 e 1 4 0 - 1 4 2 . C o n f i r a a i n d a n o s s a mono
g r a f i a C i ê n c i a
s o c i a l c r í t i c a e
p e s q u i s a
e m c o m u n i c a ç ã o ( S ã o L e o p o l d o : U n i s i n o s ,
2 0 0 2 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 246/296
242
F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
timas
não
podem ser entendidas ,
escreve
um
seguidor do enten
dimento
frankfurtiano.9
A
perspectiva,
contudo,
é
insuficiente
para dar
conta
do
mo
v i m e n t o global da
coisa,
pois não logra dar conta de qual é o s e n
tido da produção cultural na sociedade. Os produtos culturais s ão
oriundos de uma matriz social concreta, em que predominam os
fatores institucionais, políticos e económicos. O fato exige que
e s sa conexão, não menos que o
conteúdo
cultural, s eja trazida à
análise. Porém,
enquanto
disciplina de pesquisa, a c r í t i c a precisa
avançar
além
do
que costuma
prever
a
chamada
economia
p o l í t i
ca das
comunicações.10
A reflexão
s obre
a estrutura e a pesquisa do s
processos que
as estruturam em t e r m o s económicos, políticos e
organizacionais
é , para
e s sa
c r í t i c a , apenas
um
pré-requisito necessário de
um
trabalho histórico
e
filosófico
que se efetiva,
essencialmente, no
plano
da
análise cultural dos
fenómenos surgidos no processo c i -
v i l i z a t ó r i o .
A s s i m , as pesquisas deveriam
orientar-se
no sentido
de
superar tanto o
economicismo
da
economia política tanto
quanto o
culturalismo
da c r í t i c a
cultural. O recomendável
é em
preender uma reflexão
histórica e
hermenêutica s obre
os
proces
s os e fenómenos de indústria cultural orientada criticamente em
relação ao s problemas estruturais de no s sa sociedade.
PROKOP,
D .
P r o b l e m s
o f
p r o d u c t i o n a n d c o n s u m p t i o n
i n
t h e
m a s s m e d i a . I n :
Me
d i a , c u l t u r e and
s o c i e t y 1
( 1 0 1 - 1 1 6 ) 1 9 8 3 .
1 0
C f .
VINCENT
MOSCO:
T h e p o l i t i c a l economy o f
c o m m u n i c a t i o n .
L o n d r e s :
S a g e ,
1 9 9 6 . A l a i n H e r s k o v i t z : Economia p o l í t i c a d a c u l t u r a e d a c o m u n i c a ç ã o . V i t ó r i a
( E S ) : U n i v e r s i d a d e F e d e r a l , 1 9 9 6 . C é s a r B o l a n o : I n d ú s t r i a
c u l t u r a l , i n f o r m a ç ã o
e
c a
p i t a l i s m o . S ã o P au lo : H u ci te c , 2 0 0 0 . A p e r ce p ç ã o d e q u e e s t e
e n f o q u e
p r e c i s a i n c o r
p o r a r o
exame
d o e l e m e n t o c u l t u r a l d a t a d e p e r í o d o r e c e n t e . C f . P e t e r G o l d i n g e G r a
ham M u r d o c k : C u l t u r e , c o m m u n i c a t i o n a n d p o l i t i c a i e c o n o m y . I n : J a m e s C u r r a n e
M i c h a e l G u r e v i t c h e d i t o r e s ) : Mass
m e d i a
and s o c i e t y . L o n dr e s: A r n o ld , 1 9 9 6 , 2 . e d . ,
p .
1 7 - 1 8 .
N i c h o l a s
G a r n h a m :
E m a n c i p a t i o n ,
t h e
m e d i a
and
m o d e r n i t y .
O x f o r d :
Ox
f o r d U n i v e r s i t y P r e s s , 2 0 0 0 .
C f . THOMAS MCCARTHY e DAVID
HOY:
C r i t i c a l T h e o r y .
O x f o r d : B l a c k w e l l ,
1 9 9 4 . S t u a r t E w e n : C a p t a i n s
o f c o n s c i o u s n e s s .
Nova Y o r k : M c G r a w - H i l l , 1 9 7 6 .
C h a n n e l s o f d e s i r e . Nova Y o r k : M c G r a w - H i l l , 1 9 8 2 . C a b e r i a n o u t r a o c as iã o o b s e r va r
como
e s s e s
d o i s ú l t i m o s
e s t u d o s c o n j u g a m c r i t i c i s m o c u l t u r a l e
c i ê n c i a s o c i a l c r í t i c a
e m
c h a v e
q u e c o n v e r g e com o s e n f o q u e s p r o p o s t o s p o r M i c h e l
F o u c a u l t .
C f . Thomas
M c C a r t h y : L a c r í t i c a d e l a r a z ó n i m p u r a : F o u c a u l t y l a E s c u e l a d e
F r a n k f u r t .
I n :
I d e a l e s e l l u s i o n e s . M a d r i :
T é c n o s ,
1 9 9 2 .
X a v i e r
D e l c o u r t : L e s
E t a t s - U n i s ,
s o c l e h i s -
t o r i q u e p o u r
c o m p r e n d r e e t a g i r
s u r
l e s
m é d i a s . I n : R o b e r t B o u r e e
I s a b e l l e
P a i l l a r t
o r g s . ) :
L e s
T h é o r i e s
d e
l a
c o m m u n i c a t i o n .
C i n é m A c t i o n
6 3
( 3 3 - 3 9 )
1 9 9 2 ,
p .
3 4 - 3 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 247/296
P r o g r a m a d e p e s q u i s a :
p r e m i s s a s e d i s c u r s o do
método
243
A pr opo s iç ão po r certo implica em discussão, porque o pen
sador em foco neste
estudo contestou-a
diretamente em uma ou
outra
de
suas
reflexões
sobre
a
indústria
cultural.
As
expr e s sõ e s
do s i s t e ma em que e s sa se
tornou
não seriam, para e l e , parte do
espírito objetivo da época, lê-se em um t e x t o . As situações que a
tipificam
seriam
função da s ua
posição
de
monopólio, sobretu
do das
suas engrenagens e
controles,
altamente desenvolvidos e ,
em particular, do plugging, i s t o é , [do mecanismo que é ]
s ua
re
petição
planejada,
às custas de tudo o
mais
que
pudesse
ser ofe
recido
em
sentidos
diferentes
( T e ma s ,
p .
1
1 7 ) .
Efetivamente,
Adorno
defendeu às v e z e s que e s s e processo
seria melhor
estudado a p a r t i r
de fora,
deixando
entender
que ele
ficaria
bem,
se circunscrito
ao
campo da
economia
p o l í t i c a . O
frankfurtiano
tinha a abordagem como essencial, contrariamente
ao
que apregoam alguns
de seus
críticos
mais à e sque rda, segui
dores
-
no caso
-
da
chamada
economia
política das
comunica
ções.
Em 1954,
por
exemplo, cogitou editar uma
coletânea de
e s
t udo s s ob re
a cultura de massa,
em
que pretendia
fornecer uma
visão sistemática sobre o assunto,
a partir
de uma colaboração
i n
terdisciplinar. A explanação do projeto que se encontra em uma
carta escrita a um de seus principais companheiros t er m ina com
a
revelação
da
seguinte
dificuldade, que bem dá conta
do
que es
tamos
falando:
Naturalmente e s t á
faltando
algo
decisivo,
ou
s e j a : uma
análise
económica das
fundações
da cultura de massa. Entretanto, quem
poderia
fazer algo do
gênero?12
Nessa
mesma a l t u r a , o pensador criticou
a supressão
das
questões económicas no tratamento do s processos e formas de
socialização,
argumentando
que a ciência que
pensa
poder fazer
aparecer
o
social
prescindindo
da
referência
ao s
momentos
da
problemática da
autoconservação
da sociedade se
vê obrigada
a
fetichizar o que sobra: as relações interpessoais,
omitindo
a
fun
ç ão
destas no
metabolismo
com a
natureza
e com a totalidade so-
1 2
T h e o d o r Adorno
a p u d
Le o L o w e n t h a l : C r i t i c a l
t h e o r y
and f r a n k f u r t
t h e o r i s t s . Ne w
B r u n s w i c k
( N J ) :
T r a n s a c t i o n , 1 9 8 9 ,
p .
1
1 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 248/296
244
F r a n c i s c o R u d i g e r □
T h e o d o r
Adorno
e a
c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
c i a i , tanto quanto o
conjunto
de
suas
contradições
fundamen-
t a i s . 1 3
Lambert
Zuidervaart
salienta,
porém, que não
há
em
s ua
obra análise
do modo de
produção
dos b e ns culturais da indús
t r i a .
Curiosamente,
o fato
é
que:
A
c r í t i c a ao processo de mercantilização da cultura
proposta
po r
Adorno não engendra um exame completo do processo de produ
ção
no
capitalismo
avançado.
Ele parece contente em descobrir a s
relações de
produção
dominantes dentro das mercadorias c u l t u r a i s
e
da
experiência
i n d i v i d u a l . 1 4
Em última instância,
as pesquisas
que
empreendeu
sugeri
riam pois,
segundo
n o s s o ver, que a abordagem em chave de l e i
tura
económica
por s i s ó é insuficiente. Hoje em
d i a ,
a medição
de reações
objetivas
seria
mais relevante do
que
a análise do s e n
tido dos
b en s culturais.
A razão seria que
os
produtos
culturais
s ão cada
v e z
menos formas espirituais autónomas,
constituindo
antes
frutos
de
um
cálculo ajustado
a
categorias mercantis. Os
produtos
da
indústria cultural podem ser melhor compreendidos
com
as
categorias das
pesquisas
de
mercado do
que com
critérios
e s t é t i c o s . . . porque s e u
único propósito
é
captar
o
público
como
clientela
mediante truques psicológicos .15
Contudo, a documentação por nós consultada não permit e
concluir
qual e r a ,
de f a t o , s e u j uí z o últ im o s obr e a mat é ria. D e i
xando
claro
que
não poucas
v e z e s
ele
sucumbiu
a
uma
concep
ç ão reducionista e de certo modo mecânica
do problema,
cremos
que
seus
escritos, em
conjunto,
permitem
desenvolv er
um enten
dimento bem mais plástico e aberto a
respeito.
Também nos pro
cessos de indústria cultural far-se-iam
presentes
o que , r eco rr e n
do à terminologia hegeliana,
ele
chamou de expr e s sõ e s do
espíri
to objetivo da sociedade.
A
pesquisa
das
condições
históricas
económicas
e
políticas
que
ensejam
a produção e
o consumo das mercadorias culturais
1 3
ADORNO, T .
E p i s t e m o l o g i a
v
c i e n c i a s s o c i a l e s .
M a d r i : C á t e d r a ,
2 0 0 1 , p .
6 8 - 6 9 .
1 4 ZUIDEV AART,
L .
Adorno
s
a e s t h e t i c t h e o r y , p .
8 1 .
1 5 ADORNO.
T .
E p i s t e m o l o g i a y c i e n c i a s s o c i a l e s , p .
5 0 .
No
u n i v e r s o d o s
p r o d u t o s d a
c u l t u r a d e m as sa s, o s m é t o d o s d a s c i ê n c i a s humanas d e i x a r a m d e s e r a p r o p r i a d o s p .
5 1 ) . P o r é m , também o s e s t ud o s com m é t o d o s
o b j e t i v a n t e s
possuem s e u s r i s c o s : a o s e
a n a l i s a r a s f o r m a s d e r e a ç ã o d a s
p e s s o a s ,
p o r e x e m p l o ,
n ã o
s e p o d e p a s s a r p o r a l t o o
f a t o
d e
q u e
n e l a s
e x i s t e
um
momento
d e
i r r a c i o n a l i d a d e
p .
5 4 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 249/296
P r o g r a m a d e
p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 245
da
indústria constitui o
pressuposto
fundamental de
um
trabalho
que deve
culminar com
uma
análise c r í t i c a do s e nt ido o bj et iv o
desses
bens,
especialmente
a
maneira
como
o
contexto
por
eles
formado colabora no processo de constituição dos sujeitos. As
mercadorias culturais
s ão
o foco da análise, na
medida
em que
articulam
essas
condições em conjunto, porque repre s entam s ua
principal mediação
social no
capitalismo
avançado.
O
problema nuclear
não consiste,
porém
e apenas,
em
saber
como elas s ão produzidas e chegam ao público
consumidor:
ain
da
mais
relevante
é
saber como
o
processo
s ocial s e
estrutura
em
s e u
interior e de que modo podemos decifrá-lo
através
da
aná
l i s e
de sua
posição dentro da sociedade.
Apesar
de não disporem
da
autonomia que podemos e ncont rar nas
obras
de arte s é r i a s ,
também
os produtos culturais da indústria podem ser examina
dos,
em
primeiro
lugar,
procurando-se ver,
social
e culturalmen
t e ,
a forma como
eles agenciam os s eus
conflitos
e problemas;
mas,
em
seguida,
colocando-lhes,
sempre
que
possível,
a
questão
de
s e u valor e
sentido histórico.
O trabalho consis te pois em descobrir como a t o t a l i d a d e
s o c i a l ,
concebida
como
uma unidade
internamente c o n t r a d i t ó r i a ,
manifes-
t a - s e na obra
de a r t e
e de que
modo
a ob ra de
a r t e
permanece sub
missa
e/ou
s e e de
que
modo e l a transcende a sociedade. ( L i t e r a t u
ra
I , p . 39)
A
produção
cultural
como
um
todo
confere
forma
-
de
ma
neira mais ou menos
consciente -
às
contradições
existentes
em
s eu meio social
de
origem e inserção, sendo pois mais
ou
menos
ideológica;
mas
ela também figura - de maneira
mais
ou menos
utópica -
as suas possibilidades,
dando
face e
voz
ao que aquela
produção
r a t i f i c a
através
de
seus
recursos
estéticos e criativos,
por mais que
não
possa convertê-las
em
realidade co ncre ta: a
partir
dessas
premissas
é
que
pode
ser
devidamente
pesquisada
a
produção cultural, origine-se ou não da indústria cultural.
Observamos que Adorno permaneceu prisioneiro de um jul
gamento preconcebido e
estreito
a respeito das formas e obras da
arte de
massas, que em s i mesmas
suscitavam-lhe
pouquíssimo
interesse.
Conforme o b s e r v a
Peter Hohendahl,
o pensador não
fez nenhuma tentativa
séria de
estudar
os produtos culturais da
indústria:
suas
declarações
ficam
sempre
no
plano
das
avaliações
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 250/296
2 4 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
gerais e
dos fenómenos
t í p i c o s .
Aparent ement e,
ele estava con
vencido de que lhes f a l t a r i a a capacidade de transcender c r i a t i
vament e,
i s t o
é ,
em
figura
e
forma,
o
meio
social
em
que
se
o r i
ginavam. Apenas as obras de arte s é r i a s , f e i t a s às suas margens,
seriam passíveis de adquirir a capacidade de superar
idealmente
os condicionamentos
materiais
i mpo s t o s pelas circunstâncias de
produção,
circulação e reprodução dominantes.
Entretanto, verifica-se também que nada na c r í t i c a à indús
t r i a
cultural
que propós proíbe ou obsta a priori que e s s e aspecto
possa
ser
investigado.
A
prática
da
indústria
cultural
r e m e t e
ao
processo
social
como um todo, à pr áxis humana,
e , por i s s o , seus
produtos - assim como a
arte s é r i a , podem
se r vis tos como mó-
nadas. Através e l a s , é possível
encontrar
a
fisionomia
da socie
dade em
seus
aspectos positivos
mas,
também
e
em
t e s e , pros
pectivos,
quer no plano
histórico,
quer no
plano
filosófico.
O sentido social desses produtos se
encontra,
primeiramente,
em
s ua
própria
estrutura,
e
não
na
maneira
como
eles
se comuni
cam
com
o
público: contudo, sendo assim,
por
hipótese eles
não apontam apenas para o
existente,
mas também para s uas
perspectivas: e v entualment e
eles carregam
consigo um
significa
do
prospectivo do ponto
de vista
histórico.
Prova desse enfoque é a maneira como Adorno resiste em
privilegiar o momento da
recepção,
quer no campo da arte
s é r i a ,
quer no
campo
dos processos relacionados
à indústria cultural.
A
recepção é fonte de
problemas que,
se
bem podem
ser estudados,
esclarecem-nos muito pouco
a
respeito
da função daquela
prática
e
s e u sentido. A principal razão para tanto, relativamente à re
cepção,
é que a subjetividade
dos
informantes [de uma
pesqui
s a ] não é redutível
ao s processos
subjetivos de
formação
da opi
nião
pública,
nem vice-versa (Música,
p .
180).
Crítica cultural e sociedade ( 19 51 )
e lab or a o s
princípios ge
r a i s da análise proposta pel o pe n sado r. Conforme ele no ta ne ss e
ensaio, h á
dois
métodos
de
estudo crítico
das
formações cultu
r a i s . A
abordagem transcendente consiste em
colocar-se em uma
posição
exterior ao s fenómenos
e
remetê-los ao s
interesses
mate
r i a i s que agem
por s e u
intermédio e
por
e s sa mediação se acham
encobertos.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 251/296
P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s
e
d i s c u r s o do método 2 4 7
O método imanente, ao contrário, procura
lê-los
desde den
t r o , baseando-se
na
hipótese
de que
a falsidade das
ideologias
não
está
nelas
mesmas,
mas
na
pretensão
de
coincidir
plenamen
t e com a
realidade.
Significa
entender, na
análise
de
s ua estrutu
ra e de s eu
sentido,
a contradição entre a idéia objetiva dessas
formações
e
aquela pretensão, nomeando aquilo que expr e s sa
a
consistência
e a inconsistência dessas
formações em si , em
face
da constituição do estado
de
coisas existente (Sociologia,
p .
89).
Segundo o raciocínio do autor, a c r í t i c a à indústria cultural
seguiria,
à
primeira
v i s t a ,
o
primeiro
caminho
mas , de
f a t o ,
está
obrigada, por razões históricas e filosóficas, a observar o s e gun
do,
porque
já
não há
lugar fora
da engrenagem
social a partir do
qual
se
po s sa
nomear
a fantasmagoria:
s ó em
s ua
própria incoe
rência é
que se pode encaixar
a
alavanca
(idem,
p.74). A pers
pectiva pode ser comprovada, cremos,
onde
é t r ab alh ada
com
mais
desenvoltura e base empírica. Isto é , em um dos primeiros
estudos
de
c r í t i c a
à
indústria
cultural:
a
pesquisa
sobre
a
estrutu
ra e
sentido
das colunas de
horóscopo
publicados
na
grande im
prensa que se encontra em The
Stars
down
to
Heart
(1957).
N e s t e estudo,
Adorno procura
mostrar que
as páginas
de
ho
róscopo s ão resultado da
exploração comercial
de
determinadas
situações psicossociais
e
que
elas
tanto
pressupõem
quanto
cor
roboram
as
tendências históricas em
curso
mundo contemporâ
neo. A abordagem -
em
di ve r so s as pe ct o s tediosa e
insípida
-
des envolve de
maneira
embrionária os dive rs os instrumentos de
análise do programa de pesquisa adorniano, revelando em senti
do
mais
amplo
o caráter de ideologia da indústria
cultural
e , por
extensão,
o
sentido
em que a c r í t i c a dessa indústria pode ser
e n
tendida como
uma
c r í t i c a
da
ideologia
(ldeologiekritik).ib
Em r e su mo,
a interpretação é
construída
objetivando
mostrar
que
na astrologia existe implícita uma metafísica da adaptação
por
t r á s
do
conselho
específico
para
se
adaptar
na
vida
cotidia-
1 6 O e n t e n di m e n to d e q u e a r a c i o n a l i z a ç ã o
i n d u s t r i a l
d a c ul tu ra é t ão c on tr ad it ór ia q u a n
t o
o
é n o
campo
e c o n ó m i c o também
s e
f az p re se n te , p o r
e x e m p l o ,
n o e s t u d o
p i o n e i r o
Composing f o r th e f i l m s ( 1 9 4 4 ) .
As
e m p r e s a s
c u l t u r a i s p r o c u r a m
l e v a r a m ú s i c a a s é
r i o p a r a v e n d e r s e u s p r o d u t o s , mas o p r ó p r i o o b j e t i v o é c o n t r a d i t ó r i o . O e s f o r ç o p a r a
u s a r a
m ú s i c a
p a r a f o r m a r c l i e n t e l a é t a m a n h o q u e , n o l i m i t e . * a m ú s i c a j á
n ã o p r o d u z
nenhum
e f e i t o .
Como
a s
t o m a d a s d e c â m a r a t r i v i a i s , ninguém
a
l e v a e m
c o n t a ,
e l a
p o u c o o u n a d a
s i g n i f i c a p .
8 1 ) . C f .
P e t e r
R o s e n :
Adorno
a n d f i l m
m u s i c .
I n :
Y u l e
f r e n c h
s t u d i e s
6 0
( 1 5 7 - 1 8 2 )
1 9 8 0 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 252/296
2 4 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
na . Para Adorno, as colunas astrológicas esquematizam de
terminados
estados
de consciência
resultantes
da situação
social
vivida
pelo
homem
moderno
e
segundo
os quais
e x i s t e m
certas
regras
de
conduta necessárias para
obter
uma vida bem-sucedida.
Afirma-se nessas colunas que, comportando-se de acordo com o
sugerido, as coisas
acabam
bem. Quando não s ão observadas
suas prescrições, ao contrário, tudo acaba mal.
O
público preferencial
é formado
por aqueles
que,
i n s a t i s f e i
tos
com
a superficialidade
da vida moderna, sentem f a l t a de algo
mais
sólido e
profundo,
mas
carecem
dos
meios ou não
querem
fazer
o esforço adequado para
deles se aproximarem.
N e s t e s veículos, a pretendida
legislação
que
os astros
exerce
riam
sobre os
destinos
humanos corresponderia
à t ransfe r ência
dos
princípios
de autoridade
social
para um ordenamento
anóni
mo, misterioso e impessoal, responsável
pela
boa
ordem das
coi
sas
e que
zela
para
que tudo saia
de
maneira positiva, desde
que
as
pessoas
o
conheçam
e
o
obedeçam.
Em suma,
a
necessidade
de
adaptação social vivida
hoje
é
explicada em bases metafísicas
e explorada
comercialmente. Par
ticularmente interessante,
nes s e
sentido, é
a
maneira como
autor
trabalha a
hipótese do
caráter
voluntário em
que se baseiam os
mecanismos de sujeição vigentes na indústria da cultura. D e s s e
modo, desloca-se
o
foco
de
análise
do fenómeno das
crenças pa
ra
o da psicologia das m as s as . A
astrologia, sustenta
o
filósofo,
não funciona à base de ideologia, mas
construindo
um equilíbrio
formal entre as
exigências
contraditórias que se colocam
ao
ho
mem
moderno
e
que
ela
precisa levar em
conta
se
quiser
sujeitar
seus leitores (Stars, p . 51).
Os procedimentos através dos quais os leitores s ão inscritos
na coluna e se esquematizam suas correspondentes relações hu
manas sustentam-se em mecanismos
textuais
(chamados,
pelo
autor,
de fórmulas
difásicas),
onde se procuram
equilibrar as exi
gências conflitantes de liberdade individual e dependência social,
trabalho
e
prazer e , por fim, adaptação e individualidade.
ADORNO. T . T h e S t a r s down t o e a r t h
( T r a d .
e s p . : B a r c e l o n a ,
L a i a , 1 9 8 6 ) . p . 6 7 . D o
r a v a n t e , o
t e x t o s e r á
c i t a d o ,
n o
c o r p o d o
t e x t o ,
como
S t a r s . C f . B l a n c a Munoz: T h e o
d o r A d o r n o , t e o r i a c r í t i c a y c u l t u r a d e
m a s a s ,
p . 1 2 8 - 1 4 3 ;
R o b e r t W i t k i n :
Adorno o n
p o p u l a r
c u l t u r e ,
p .
7 6 - 8 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 253/296
P r o g r a m a
d e
p e s q u i s a :
p r e m i s s a s e d i s c u r s o
d o
método 249
Contrariamente à
imagem atribuída
à
s ua linha de análise,
a
conclusão do pensador salienta
que
esse
equilíbrio realmente
não
pode
ser
alcançado,
embora seja
e s sa
a
pretensão
de
s eu
discurso
programático.
Os horóscopos populare s s ão tão incoerentes
quanto
a
sociedade que os produz
e
consome
- mesmo
quando
s ão muito bem acabados formalmente. Significa
que
eles s ão
ideologia não porque
passem
alguma mensagem para
seus
consumidores, mas porque reproduzem
subjetivamente
os pro
blemas par a o s quais afirmam ser a solução.
A
leitura que
chamaríamos
hoje
de
desconstrutiva
da
coluna
sugere que os sujeitos da astrologia de fato não acreditam na
conformação do
indivíduo às
normas sociais vigentes. O caráter
anárquico
da
produção e
da
vida social capitalista está
inscrito
no
texto
zodiacal.
A atmosfera de resignação que emana do material
não chega a esconder s eu incentivo à alguma forma
de
delin
quência. As configurações a que ele se refere
esperam
que o i n
divíduo
cumpra
apenas
as
exigências
sociais
inevitáveis,
deixan
do
claro
que ele poderá
recorrer
a uma espécie
de
impetuosida
de
anárquica, sempre
que
t e nh a s ua
imunidade
garantida (Stars,
p .
69).
Cremos que
a proposição
corrobora a hipótese mencionada
acima, segundo
a qual a
indústria
cultural é tão
antagónica quan
t o a
sociedade que enseja o s eu aparecimento (Indústria, p . 157).
As contradições
sociais,
realmente, não s ão resolvidas pelas mer
cadorias
culturais da indústria,
embora seja e s s e
o
princípio de
s ua po s iç ão na sociedade. Os conflitos que se originam dessa ú l
ti ma s ão mantidos pelas páginas
de
horóscopo,
ratificando de
maneira implícita a impossibilidade r e a l
da
tão exaltada
integra
ção [do
indivíduo à
sociedade] (Stars, p .
67).
O
e n t endi m en t o assim avançado
permit e
ao
autor sublinhar
que
os fenómenos relacionados
com
a
popularização da astrolo
gia
não
s ão
im pos t os de
cima
para
baixo,
constituindo
antes
e x
pressão de movimentos de massa, cujo s e nt ido o bj e t iv o consiste
em fazer
aceitável à
subjetividade
a
precária
situação vivida
pela
maior parte das
pessoas
no
mundo
contemporâneo . Mercadorias
culturais da
indústria como e s sa s ão consumidas s o br e t udo po r
que
propendem
a fortalecer
as formações
reativas
às mutações
no s r e g i m e s
de
poder ocorridas em n o s sa época.
Basicamente,
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 254/296
250 F r a n c i s c o
R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
elas reforçam o que [ a s
pessoas]
aprenderam
consciente
ou i n
conscienteme nte , muito antes de se
dar s ua
intervenção
(Stars,
p .
42).
O material
confirma,
portanto, a
hipótese
que,
embora
de
maneira
bastante
desfigurada, as
pessoas tendem
aceitar os pro
dutos que, mal ou bem, acenam com
a satisfação
de
suas
neces
sidades psicológicas
e interesses
económicos,
conforme
defini
das pelo s i s t e ma
social
vigente. As
colunas
de
horóscopo
s ão
l i
das pelo fato de fazer em e co a um estado de ânimo coletivo, res
ponder
à
angústia
flutuante
s obre
o
destino
da
própria
vida
em
condições sociais cada v e z mais
anónimas e
impessoais, mas que
essas
colunas todavia ajudam
a
manter objetivamente,
apresen
tando as ansiedades do homem moderno como um problema que
possui
uma razão
ocult a, e t a l
razão
como um recurso que
não
pode
nem
deve ser buscado naquelas condições
de vida,
devido
ao
fato
deste s ó poder
ser
descoberto nas cartas
astrológicas.
Nesse
estudo,
como
em
outros
que
seria
preciso
escrever,
tratar-se-ia de
fazer um confronto
dos
textos com o
s e u pr ópr io
e e nfát ico co nce it o, com
a
verdade
visada por
cada um, mesmo
que ele
não
a t enha
em
m en t e , abalar a
pretensão
da
cultura,
l e -
vando-a
a meditar s obre
s ua
inverdade (Sociologia, p . 183).
Adorno
não faz
qualquer
menção
ao
possível conteúdo ut ó
pi co das colunas de
astrologia.
A postura c r í t i c a
que
elas
e
outras
expressões da
indústria
cultural
nos
exige, contudo, não proíbe
investigá-lo.
Conforme v imos , o pensador confiava
mui to
pouco
nes sa hipótese,
da
existência de
um
conteúdo utópico, embora
não
a
t enha ratificado de mane ira
absoluta.
Pr o va disso é que
a
possibilidade
aberta desse jeito
vem
sendo estudada há alguns
anos por intérpretes do legado frankfurtiano, que, encontrando-a
em estágio latente inclusive no capítulo sobre o anti-semitismo
de s ua obra
maior, revelam a presença
dos
impulsos utópicos em
vários bens
e
situações dependentes do cálculo que comanda
a
indústria cultural.
Conforme o b s e r va
Fredric
Ja m e s o n,
[A
c r í t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l ] deve
s e r exercida, no trabalho p r á t i
co de l e i t u r a e
i n t e r p r e t a ç ã o ,
simultaneamente como uma h e r m e
nêutica marxista positiva
[ d a s
condições materiais
e h i s t ó r i c a s das
quais dependem os fenómenos]
e
uma decifração do s i mpuls os
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 2 5 1
utópicos desses mesmos textos culturais [por causa disso] ainda
ideológicos.18
A
proposição nos
recomenda,
com
razão,
observar
que
os
produtos
portadores
de significado valorativo possuem uma
fun
ç ão utópica ao lado da ideológica; e que s ó por meio da primeira
é que a
segunda,
quando é
o
caso, adquire concretude histórica.
A c r í t i c a
à
indústria
cultural não se
pode
limitar
ao
exame
das
ideologias com que
o si s t ema
se reproduz, devendo especificar
também
os
momentos subversivos e
oposicionistas
contidos em
s e u
modo
de
posição.
As
contradições
de
que
ela é
palco
obri-
gam-na
a
de algum
modo
expressar tanto os e sforç os no sentido
de manter
quanto no de
contestar
as
formas
existentes
de domi
nação.
O
pesquisador
deve
proceder à l e i t u r a
da mídia
em função
do
modo como e l a s e relaciona com a s e s t r u t u r a s de dominação e
forças de r e s i s t ê n c i a tanto quanto com a s posições ideológicas
que
e l a s
sinalizam dentro
do
contexto
dos
debates
e
l u t a s
s o c i a i s
em
curso no momento.19
O
tópico
visto acima é
válido
como
princípio de pesquisa
e
está bem
notado,
mas não deveria nos fazer
esquecer
dois
pon
t o s .
O primeiro
e
menos relevante em t er mo s mai s imediatos re
mete ao e nt e ndi me nt o ado r ni an o de que o problema em relação
às
perspectivas da
c r í t i c a
à indústria cultural não
é
tanto o
conte
údo utópico que
os produtos e v entualment e veiculem, mas s i m o
de s ua autonomia e s t é t i c a ,
política e epistêmica.
Vimos que
nada
o b s ta
a que e s sa autonomia seja
buscada
ou mesmo
chegue
a se
instalar com
a
ajuda dos m e i o s técnicos. A convergência entre as
artes
e a
técnica maquinística
é
uma tendência inscrita em ambas,
porque
ambas fazem
parte do
mesmo movimento histórico.
Porém,
convém
que
se
distinga
o
processo
enquanto
repõe
um e spaço social para a criação autónoma (pelo menos com a l
gum significado transcendente) e ,
ao
contrário, enquanto força
que, quando
não
abole, leva à submissão dessa criação, qualquer
1 8 JAMESON, F . O I n c o n s c i e n t e
p o l í t i c o .
São
P a u l o :
Á t i c a . 1 9 9 2 , p . 3 0 4 . C f . R e i f i c a -
ç ã o e u t o p i a n a c u l t u r a d e m a s s a ( M a r c a s do v i s í v e l , o p . c i t . , p .
9 - 3 5 ) .
KELLNER,
D .
Media
c u l t u r e .
L o n dr e s: R o u tl e dg e ,
1 9 9 5 .
p .
9 5 .
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2 5 2 F r a n c i s c o R í i d i g e r □
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r i t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
que
seja s ua modalidade, ao s horizontes
culturais
e existenciais
definidos pela racionalidade mercantil e empresarial.
A
t e cnologi zaç ã o das
artes
é
um
movimento
cujo
sentido
é
ao mesmo tempo o
de
s ua integração económica e o
de
s ua a l i e
nação e s t é t i c a , embora nada disso se defina de m ane ir a absoluta:
integração e co nó mi ca, po rque h á poucos setores da
vida
que
es
capam à s ua mediação; alienação
e s t é t i c a ,
porque, assim, as artes
perdem
a especialização
que lhes
permitia
elaborar um
conteúdo
específico e os sujeitos que poderiam articulá-la autonomamente.
A
presença
de el e m en t o s
utópicos
na
cultura
de
mercado
não
quer
dizer que
s e us pr odut os , por
i s s o , tenham
adquirido auto
nomia estética enquanto meios criadores de uma imagem indica
dora do totalmente outro,
de uma figuração
alternativa
da vida
e
do homem; assim como não quer dizer que, por i s s o , esses
ele
mentos
s e ja m
m e i o s
veiculadores de uma atitude c r í t i c a ou escla
recida em relação à sociedade existente. Qualquer que seja a
utopia, qualquer coisa que
ela venha a
s e r ,
s ó
será
utopia
se
for
uma
transformação
da t o t a l i d a d e . . .
s ó
assim e vitamos uma falsa
utopia, uma utopia que
po ssa
ser comprada , disse o pensador
em diálogo com Ernst
Bloch.20
A aceitação da
possibilidade
não deveria
servir
de motivo
para renunciarmos a pensar o ponto
em
s ua positividade. A c r í t i
ca
e a
utopia s ão condições que não
se
conferem a priori, por
meio de
juízos formais e postulações
de
princípio.
As caracterís
t i c a s
ou aspectos citados s ó podem
ser
atribuídos, quando
isso é
possível, após um esforço,
sempre
arriscado
de dar
errado, de
julgamento
esclarecido
e
independente.
O segundo ponto a observar, ainda mais importante, é a ne
cessidade de levarmos
em
conta a hipótese adorniana
de
que, pe
l o
fato de hoje as contradições e conflitos reproduzidos pela
i n
dústria
cultural serem vividos em contexto que
e s sa
mesma
i n
dústria
ajudou
a
moldar,
o
alcance desses
antagonismos
se
e n
contra
limitado.
Através dessa indústria, ocorre muito mais do
que
s ua mera articulação: a
crescente
mediação do conjunto dos
processos sociais por suas agências a tornou uma das arenas em
ADORNO. T . BLOCH. E . S o m e t h i n g ' s m i s s i n g : a d i s c u s s i o n ( 1 9 6 4 ) . I n : E r n s t
B l o c h :
T h e
u t o p i a n f u n c ti o n o f a r t and l i t e r a t u r e . C a m b r i d g e (MA): M1T P r e s s .
1 9 8 8 ,
p .
3 - 4 .
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P r o g r a m a d e p e s q u i s a :
p r e m i s s a s
e d i s c u r s o
do
método 253
que
se
produzem agora
os próprios sujeitos
históricos
dess e s
conflitos e
contradições.
As
contradições veiculadas
pelas
comunicações
dificilmente
poderão
ser superadas no contexto a t u a l , porque e s s e mais e mais
existe pela mediação dessas comunicações, embora não t o t a l
m ent e . A relação entre
elas e
os
homens é
mais
e
mais pré-
ordenada pelo contexto assim formado. O resultado é uma situa
ç ão
que, relativamente
ao de s en vo lvi m en t o
da experiência
histó
r i c a , favorece
sobretudo
uma prática: a
do
consumo estético mas
sificado.
7. 2 Ciência
social crítica e cultura de
mercado
Theodor Adorno nunca pretendeu co nt es tar a pertinência e
validade
epistêmicas
da pesquisa
s o c i a l ,
observando,
po r é m ,
que
à
sociologia caberia
analisar
quais
problemas
permitem
t r a t a
mento
empírico adequado,
e quais
não o
permitem
sem sacrifício
de
sentido , e
s obre isso
não é
possível um julgamento e s t r i t a
mente
a
priori a
respeito (Indústria, p . 1 4 3 ) . 2 1
Atualmente, a investigação
s obre os
fenómenos de comuni
cação
se
colocou,
por várias
razões,
no
centro de interesse
da
ciência
s ocial e
das políticas
públicas.
A
pesquisa social empírica
tornou-se
uma
exigência, tanto
mais
urgente
quanto
o
crescente
domínio
exercido pelos mass media sobre
a população
aumenta
a
pré-formação
da
s ua
consciência, a ponto
de
quase não mais
permitir a
existência
de
um espaço l i v r e
para
pe r ce b e r aque la
pré-formação
(Escritos,
p .
197).
Entretanto,
precisamos considerar,
po r outro lado,
que as
manifestações aparent ement e
primárias e
imediatas
do público
receptor,
colhidas
por
meios
objetivos
ou
etnográficos,
s ão
em
s i
mesmas
mediatas
e não
fornecem
uma base suficiente
para
o co
nhecimento
sociológico.
O problema
não
é
s ó com os primeiros,
que reduzem
o homem ao e l e m e n t o e s t a t í s t i c o , mas
também com
os segundos, que os
induzem a
fazer uma
falsa idéia
de
s i
mes-
S o b r e a s p e s q u i s a s r e a l i z a d a s p e l o I n s t i t u t o d e P e s q u i s a S o c i a l ,
m u i t a s
n a á r e a d o s e s
t u d o s d e c o mu n i c a ç ã o , c f . A l e x D e m i r o v i t c h : Der n o n k o r f o r m i s t i c h e i n t e l l e k t u e l l e .
F r a n k f u r t :
S u r h k a m p ,
1 9 9 9 .
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254
F r a n c i s c o
R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
e a
c r í t i c a
à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
m o s . Destarte, quem sente
uma
responsabilidade teórica deve
fazer
frente,
sem m e i o s
termos,
às
aporias do
teoricismo e
à insu
ficiência
do
simples
e mpiri s m o .
[ . . . ]
Diante
da
investigação
s o
c i a l
empírica, é tão necessário o
conhecimento profundo
de seus
resultados
quanto a
reflexão
c r í t i c a sobre
os
seus
princípios
( T e mas , p.122).
Apesar de poderem revelar e l e m e n t o s significativos,
as
pes
quisas s obre
efeitos
e recepção possuem em s i mesmas limita
ções
não
menos problemáticas do que o s e s tudo s que se fixam no
registro institucional
(económico
e
político)
dos
processos
de
produção da
cultura
no capitalismo avançado. N e s t e caso,
o
pro
blema diz re spe it o ao
d é f i c i t
de sentido sugerido por um exame
do s processos culturais em que a cultura é reduzida não apenas
no
plano
concreto mas também no
plano
epistêmico ao s princí
pios sistêmicos
da
economia p o l í t i c a .
No
primeiro, ao
invé s, a d i
ficuldade
está
na
subordinação desses
processos ao
significado
que lhes
é dado por sujeitos que, na maior parte do t e mpo, estão
subordinados ao s i mpe r at i vo s do referido
sistema.
A pretendida
influência das comunicações não pode ser medida nem pela von
tade
de
quem as confecciona, nem pe lo s eu
conteúdo,
nem pela
maneira
como
s ão
consumidas.
Quem solicita
uma hermenêutica c r í t i c a
do
material
investi
gado é
o próprio
processo de criação
da coisa,
porque
e s s e sem
pre contém,
em
potência, um momento auto-reflexivo. Embora
aquela
não negue
o material
empírico extraído de
informantes, o
sentido por ela elaborado é rem etido ao co nt e xt o social
mais
am
plo e ao processo
histórico abrangente, um e outro lidos
com
ba
se nas
proposições da
economia política e
da
reflexão emancipa-
tória
s obre
os processos civilizatórios.
A
verdadeira
interpretação
é o contrário da
doação subjetiva
de
sentido pelo indivíduo que conhece ou age socialmente. O concei
t o
de
uma t a l
doação de sentido
induz
à f a l s a conclusão
afirmativa
de que o
processo
s o c i a l e a o rd em s o c i a l , conforme entendidos
pelo s u j e i t o e
do
modo como a e l e
pertencem,
justificam e
c o n c i l i -
am-se com
o modo
em
que
e l e é s u j e i t o .
Um
conceito d i a l é t i c o
de
sentido não s e r i a um c o r r e l a t o da compreensão de sentido de que
f a l a
Weber, mas da essência
s o c i a l
que cunha os
fenómenos, neles
s e
manifesta e
neles s e
esconde ( E s c r i t o s , p . 280).
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r o g r a m a
d e
p e s q u i s a :
p r e m i s s a s
e
d i s c u r s o do método
255
Aparent ement e, a resistência do pensador não era à
prática
da
pesquisa social empírica, mas à tendência ao abandono
da
re
flexão
que
nela
tem
lugar,
sobretudo
entre
o s e s t udi os os
das
co
municações. A sociologia dos chamados m e i o s
de
comunicação
de massa nada mais pretende do que investigar opiniões e a t i t u
des,
para delas extrair consequências
crítico-sociais
(Escritos,
p .
128).
Entretanto, precisamos pe r guntar pr i me i r o se e ssas opi
niões
e atitudes
não
e s tão elas
mesmas
mediadas pelas comuni
cações,
partindo-se da
hipótese
de
que, passados tantos anos, a
experiência encontra-se
mais
ou
menos
condicionada
pela
indús
t r i a da cultura e as e m p r e sa s
formadoras
de opinião.
[ D e s t a r t e , ] conviria
[ a i n d a ]
que a investigação d i l u c i d a s s e , em
primeiro
l u g a r , a t é
que ponto
t a i s reações subjetivas
do s
indivíduos
são em realidade
t ã o
espontâneas
e
imediatas como dão
a
entender
os s uj e i t o s ; a té
que
ponto, d e t r á s daquela, escondem-se
não
só os
mecanismos
de propaganda
e
a força
de
sugestão do aparelho, mas
também
a s
conotações objetivas do s meios
e
o material com que
são confrontados os ouvintes
e ,
por f i m , a s e s t r u t u r a s s o c i a i s mais
amplas, a t é chegar à
sociedade
global (Indicadores, p . 1 12-1
1 3 ) .
A
prática
da indústria
cultural é
um processo que condiciona
tanto suas
expressões
isoladas
quanto
s ua
recepção e , portanto,
é
formadora de fenómenos que não se desencadeiam apenas com o
consumo
dos
produtos
culturais. Os homens e s tão sujeitos a e s sa
prática
pelo
simples
fato
de
viverem
cada
v e z
mais
s o b
condi
çõ es
mediadas por s eu s i s t e ma há várias décadas. A conclusão
que se t i r a daí é que a
condição
e o
sentido
dos dados obtidos dos
sujeitos, quando
não a
própria
visão
do pesquisador,
dependem
em última instância
da
estrutura económica e das relações
de
po
de r vigentes
em
s ua
sociedade.
As pesquisas
que
levantam, sondam ou lidam com opiniões,
quaisquer
que s e ja m
seus
m é t odo s ,
precisam considerar que,
sim,
essas devem
ser
registradas, porque também a ide ologia, a falsa
consciência necessária, é uma parte da sociedade que deve ser
conhecida por quem
deseja conhecer e s sa última ;
mas,
ao mes
mo
t e mpo,
devem ser
criticadas,
porque a estrutura
que
lhes é
própria,
s eu caráter subjetivo, depende de mecanismos objetivos
que
lhe
determinam o conceito (Escritos, p .
2 0 8 - 2 0 9 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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256 F r a n c i s c o R í i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
A pr es ença
da indústria
cultural em
n o s s o meio de
vida
sig
nifica que
os
momentos opostos da produção e
do
consumo se
acham
respectivamente,
subordinados
entre
s i
e
não
s ão
depen
dentes reciprocamente de m ane ir a isolada , conforme pretendem
os esquemas
derivados
da teoria da comunicação (Dissonâncias,
p .
45).
As
comunicações s ó
influenciam
os
indivíduos, se tanto,
secundariamente: os segmentos de público que se expõem às
prá
t i c a s da indústria cultural não
s ão
apenas s eu obje to
mas,
antes,
seus
próprios
sujeitos
( no
sentido
ambíguo possuído pela expres
são).
A formação da opinião é função de um jogo de forças histó
rico e
coletivo:
O indivíduo
não
forma sua opinião, po r as s im d i z e r , no vácuo, mas
na contínua
comunicação
com
os
o u t r o s ,
como p a r t e
do processo
s o c i a l do
qual e l e depende,
pelo qual
é influenciado e o
qual
e l e ao
mesmo
t e m p o
codetermina.22
Atualmente,
não
se
pode
mais
sustentar
a
divisão
entre
opi
nião pe s soal e impos ta: os conce it os de influência e persuasão
encontram-s e
ultrapassados.
Provenientes do
liberalismo clássi
co, supunham a exi s tência
de sujeitos
em princípio livres e
pos
suidores de s ua própria consciência. A compenetração cada v e z
maior entre
as
esferas social e
íntima
conduziu à
s ua
caducidade.
As
comunicações
não
chegam à
consciência como algo estranho:
e s sa
é ,
antes,
por
elas
reforçada
em
seus
valores
m é dios , na
me
dida em que a mídia, ao desenhá-las, leva em conta antes de mais
nada suas chances de absorção
por
parte
dos
consumidores
(Música, p . 80).
As perspectivas de estudo das comunicações costumam se
dividir entre as abordagens segundo as quais
a
m ídia
exerce
um
poder
sobre a vida
social
e ,
outras,
em que e s s e poder
é
colocado
na de pe ndê nci a da
sociedade.
Os
estudos
de
c r í t i c a
à
indústria
cultural caracterizam-se e distinguem-se dessas pe rs pe ct iv as , à
medida que procuram examinar como a
sociedade se
e xpr e s sa
através
das
suas várias
formas
de atividade cultural e
processos
de co municação .
ADORNO.
T .
O p i n i ã o p ú b l i c a
e p e s q u i s a d e o p i n i ã o . I n :
C h r i s t i a n
K i e l i n g
( o r g ) :
T h e o d o r
Adorno
- e l e m e n t o s
p a r a
a c r í t i c a
d a i d é i a
d e o p i n i ã o
p ú b l i c a . P o r t o
A l e
g r e :
UFRGS,
2 0 0 2
( m o n o g r a f i a
d e
g r a d u a ç ã o ) ,
p .
4 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r o g r a m a
d e
p e s q u i s a :
p r e m i s s a s e d i s c u r s o
do método
257
O programa
desses
estudos
não se
centra nem na
produção,
nem na recepção da
mensagem mas,
antes, no
processo através
do
qual
e s s e s
momentos
s ão
mediados
em
conjunto
pelas
comu
nicações enquanto mercadorias. O esclarecimento do problema
da
produção, conforme explicado acima,
constitui um
pressupos
t o . A recepção
é , por s ua
vez, um ponto que
re m e t e ao contato
com a coisa,
precisando
ser entendido como um momento do
processo em s ua totalidade.
Os conhecimentos que po ss uí mo s e os juí zos que e mit imos são
mediados
pela
t o t a l i d a d e
das
representações
com
a s
quais
vive
mos: os fenómenos chegam a nossa consciência passando por uma
s é r i e
i n f i n i t a
de
e s t r u t u r a s
[ s o c i a i s ] o b j e t i v a s . 2 3
O enquadramento da matéria no conceito
de
mediação signi
f i c a , assim, que o
fenómeno não é
em s i
mesmo, mas através das
relações que o formam e em que ele s e ins ere socialmente. Nou
tros t ermos , os fenómenos
de indústria
cultural adquirem
sentido
social
objetivo
através
das
relações
que
o
perpassam
em
uma
da
da época
e contexto: eles
só
podem ser
entendidos
através
de
estruturas sociais concretas, historicamente definidas e que s ó
s ão reconhecíveis através
da
análise e
reconstrução da história
( T e mas , p . 20).
Conforme nota Douglas Kellner, a pesquisa c r í t i c a s ó conse
gue
ser
iluminadora, se situa o fenómeno em estudo em s eu con
texto
histórico
de nas ci me nt o
e
inserção.
Os
produtos
culturais
podem ser lidos como textos, cujo conteúdo é
formado
por suas
relações internas tanto quanto por suas relações com a situação
s o c i a l . Por i s s o ,
quanto
mais relações a leitura c r í t i c a descrever,
mais ampla e esclarecida será a s ua interpretação.24
A pesquisa social
empírica tende a reduzir
o sentido da
obra
ao s juízos do
público,
a proj eç õe s subjetivas, com relação às
quais a
o b ra
não
passa
de
estímulo.
O
problema,
portanto,
con
s i s t e
em
saber a
relação entre as massas
e os
bens que
elas
con
somem no â m b i t o da indústria
cultural.
Pretende-se quase sem
pre
que
os bens s ão definidos pelas reações do
público.
O corre -
t o , po r é m ,
s e r i a ,
ao invés,
analisar a
relação
social
entre
ambos
u ADORNO, T . / / c o n c e i t o
d i
f i l o s o f i a . Roma:
M a n i f e s t o , 1 9 9 8 ,
p . 1 1 7 .
KELLNER,
D .
Media
c u l t u r e ,
p .
9 9 . C f . C r i t i c a l T h e o r y ,
Marxism and
M o d e r n i t y .
B a l t i m o r e
(MA):
J o h n s
H o p k i n s
U n i v .
P r e s s .
1 9 8 9 ,
p .
1 2 1 - 1 4 5 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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258 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r
Adorno
e a
c r í t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
dentro de um único
e
mesmo contexto: unicamente
a compreen
s ão ge né t ica da forma de reação pré-formada
e de
s ua relação
com
o
sentido
do que
é
exp er i m en tado
permite
decifrar
os
fenó
menos
registrados
[pela pesquisa
social
empírica] (Escritos,
p .
197).
Destarte, Adorno defendeu a
hipótese
metódica de que,
par
tindo da totalidade do movimento histórico, pode-se fazer infe
rências relativas à fortuna do indivíduo muito mais raci onai s e
plausíveis que aquelas obtidas
através
da
observação
pseudona-
t u r a l i s t a
e
experimental.
A
investigação
social
empírica
do
fe
nómeno precisa ser subsumida hermeneuticamente ao movimen
to
de
abordagem
daquela totalidade.
A interpretação do s f a t o s conduz à
t o t a l i d a d e ,
sem
que
e s t a mesma
s e j a
um
f a t o . Não há
nada, nenhum
f a t o s o c i a l , que não tenha
seu
lugar e
valor próprio
na t o t a l i d a d e . Ela e s t á pré-ordenada perante
os s u j e i t o s s i n g u l a r e s ,
po r
que
e s t e s
obedecem à
sua
coação e ,
po r
causa
d e s t a ,
representam
a totalidade
em
sua
constituição
monado-
lógica ( E s c r i t o s ,
p . 2 5 1
) .
As
pe s qui s as s o br e
os
efeitos e
os estudos de
recepção ten
dem
a fracassar
ou produzir escassos resultados, porque
nenhu
ma investigação específica
sobre a influência
de uma transmissão
ou ciclo de transmissões televisivas, po r e x e m plo , poderia de
terminar
mudanças m e ns ur áv e is na co ndut a ou mesmo na atitude
de
um
público
frente
ao
fenómeno
reportado.
A
recepção
por
parte
do
público ou os
efeitos
das mensagens sobre s e us r ece pt o
res tendem a ser
contingentes, no
sentido
de que tanto público
quanto recepção e efeitos não dependem apenas deles mesmos.
Simplesmente não
há relação direta
e imediata
entre e s s e s
e l e m e n t o s e o conteúdo das m en sag en s . A experiência das co
municações é pré-formada e ,
por
i s s o , se quisermos
entender
a
televisão,
[por
exemplo],
não
basta
procurar
as
implicações
dos
vários shows e
tipos
de s h o w s ; precisamos ainda
examinar
as
pr e s s upo s i ç õe s de nt r o dos quais
essas implicações
funcionam an
t e s mesmo de ser dita qualquer palavra (Indústria, p . 145).
Os pr o ce di m e nt o s m e t o do ló gi co s que se
limitam a
concei
tuar situações
ou descrever
fatos não
bastam
para
dar
conta
do s
processos
sociais. Os e l e m e n t o s em foco s ó adquirem sentido
dentro
do
s e u
movimento
conjunto
em
uma
totalidade.
A
verifi
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 263/296
P r o g r a m a
d e p e s q u i s a :
p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 259
cação de que os
indivíduos integrantes
de
uma amostragem pos
suem
informações sobre um assunto é uma prova tão precária de
que
realmente
o
conhecem
quanto,
ao
invés,
s ua
f a l t a
seria
prova
de
desconhecimento. O caráter da recepção s ó pode ser deduzi
do
da tendência
social
para o
processo
de consumo
como
t a l e ,
[então], identificado em traços específicos. Não se pode inferi-lo
de atos de
consumo arbitrariamente isolados e quantificados .25
O problema dos efeitos não
se
relaciona apenas à estrutura
do pr odut o m as , também, ao s e u contexto
de
atuação: é um pro
blema
situado
na
longa
duração,
cumulativo
e ,
em
última
instân
c i a , vinculado à dinâmica histórica do conjunto da sociedade. As
pesquisas
sobre os
efeitos
esquecem que o
impacto
que procuram
depr e ende r deste ou daquele filme s ono ro , deste ou daquele
evento, não se pode atribuir a nenhum deles isoladamente, mas
s ó a
todos em
conjunto
na
sociedade
(Dialética,
p . 1
1 9 ) .
As
pesquisas empíricas
demonstraram que
a
chamada im
prensa
de
rua
põe
em
leilão
[ . . . ]
contrabandos
políticos
de
extre
ma d i r e i t a , sem que
isso
t enha
influenciado
muito [por ém]
os
mi
lhões
de
leitores nos países anglo-saxões . Entretanto,
ser íamos
ingênuos pensando que s e u sentido é nulo, t ant o quanto se a
i s entás s em o s de toda e qualquer
responsabilidade
pelo que acon
tece na
sociedade
contemporânea.
A
existência da
indústria cul
t u r a l por
s i
s ó revela uma sociedade em antagonismo
e ,
por i s s o ,
é mais recomendável refinar a
análise
de seus
estímulos [ . . . ] ,
s i -
tuando-se além da tese
originária que lh e
associa
à
realização
ideológica
dos desejos, do
que p e r s i s t i r
com o
estudo
dos efeitos,
que facilmente perde de vista o
conteúdo concreto
que produz os
e f e i t o s : a conexão com o
contexto
(Literatura I I , p .
67).
2 6
2 5 ADORNO, T . Mensagens numa g a r r a f a . I n : S l a v o j Z i z e k o r g . ) : Um mapa
d a
i d e o
l o g i a .
R i o
d e
J a n e i r o :
C o n t r a p o n t o ,
1 9 9 6 ,
p .
4 7 .
As
i n v e s t i g a ç õ e s
e m p í r i ca s s o b r e o s
e f e i t o s m o s t r a m q u e e l e s
t e n d e m
a s e r
i n s i g n i f i c a n t e s , p o i s
o n d e s ã o
d e t e c t a d o s
d ã o
margem à
d i s c u s s ã o
o u
n ã o
t ê m a l c a n c e p e r t i n e n t e . C f . W i l l i a m M c G u i r e : T h e m y t h
o f m a s s i v e
m e d i a i m p a c t . I n : G e o r g e Comstock o r g . ) : P u b l i c c o m m u n i c a t i o n and
b e h a v i o u r . O r l a n d o ( F L ) :
Academic P r e s s , 1 9 8 6 ,
V o l . L S o n i a L i v i n g s t o n e : On t h e
c o n t i n u i n g p r o b l e m o f m e d i a e f f e c t s . I n : J a m e s C u r r a n e M i c h a e l G u r e v i t c h
o r g s . ) :
C o m m u n i c a t i o n
n a
s o c i e t y .
2 .
e d . L o n dr e s : A r n o ld ,
1 9 9 6 .
* C f . GABRIEL COHN: S o c i o l o g i a d a
c o m u n i c a ç ã o . S ã o
P a u l o :
P i o n e i r a ,
1 9 7 3 ,
p .
1 5 1 - 1 5 5 .
Segundo A d o r n o ,
o
p i o n e i r i s m o
d a
a n á l i s e c u l t u r a l
d o s
f e n ó m e n o s d e m í di a
d e v e
s e r
a t r i b u í d o
a K r a c a u e r
( l o c c i t . ) . C f . S i e g f r i e d
K r a c a u e r :
T h e
c h al l e n g e o f
q u a n t i t a t i v e
c o n t e n t
a n a l y s i s .
I n :
P ub li c o p in i o n
q u a r t e r l y
v .
1 6 ( 6 3
1 - 6 4 2 ) 1 9 5 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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260 F r a n c i s c o
R u d i g e r □ T h e o d o r
A d o r n o e
a c r i t i c a
à
i n d ú s t r i a c u l t u r a l
As
experiências f e i t a s até
o
momento
sugerem que
não é
possível
extrair nenhuma conexão
causal
entre, por ex empl o, as
repercussões
isoladas
das
canções
da
moda
e
seus
efeitos
psico
lógicos sobre os
ouvintes
(Dissonâncias,
p .
45).
O m o ti vo , t a l
vez, não
seja apenas um
defeito dos métodos empregados, embo
ra
e s s e s
s e jam
fonte
de
formidáveis
dificuldades epistemológi
cas. A crescente reificação da vida moderna pode t e r levado à
restrição
da
autonomia do indivíduo
e , assim, a
uma situação em
que, conforme f o i explicado, ele não pode ser mais influenciado.
A
prática
da
indústria
cultural
não
tem
poder
sobre
a
conduta
dos indivíduos: limita-se apenas a
confirmar
o que já s ão s o b
coação do s is te ma, a
controlar
as lacunas, inserindo-se
na
práxis
como public
moral, ao propor-lhes modelos de imitação (Escri
t o s ,
p .
3 4 8 ) . A
ressonância que
por ventura encontra é função de
s ua convergência
maior ou
menor com as predisposições dos
su
jeitos sociais, que
aquela
prática confirma e fortalece numa dada
direção
h egemónica.
O pesquisador que
representa m en tal m en t e
o significado s o
c i a l dessa
prática
e
percebe
a maneira
como
ela modela os ho
m e n s , a despeito de s ua opinião
sobre
a coisa, possui um
bom
s en s o mais seguro do que aquele que procura em v ão
obter
o e -
f e i t o da
totalidade
medindo efeitos s ingulare s e
controláveis
(Escritos, p . 2 3 5 ) .
Os
fenómenos
de mídia podem ser entendidos
com
categori
as
rudimentares.
Os
resultados
das pe squisas
empíricas geralmente
não reque
rem os
esforços que nelas
s ão despendidos, sendo passíveis de
o b t en ç ão através emprego
da
reflexão histórica
e
sociológica. A
pergunta a respeito de o
que
a indústria cultural traz ao s homens
é ,
certamente,
demasiado
ingênua
porque, segundo tudo indica,
realmente
não
h á um efeito
específico, conforme o
sugere a for
ma da interrogação . Na era do s m o no pó li o s , a
época
vazia pre-
enche-se com o vazio, não
produz
falsa
consciência ,
exceto a
que
já
existe e
sobrevive
dificilmente
(Estética,
p . 275 ) .
Theodor Adorno
sugeriu
às ve ze s, como v imos, que os pro
dutos culturais
da
indústria não
s ão textos
para serem
lidos
e
analisados,
constituindo ant e s s inali zado re s de de te rm inadas
constelações sociais, que podem ser entendidas exteriormente,
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 2 6 1
levando em
conta
apenas
a
existência de s ua
produção e consu
mo.
As comunicações meramente expressariam,
através da
forma
mercadoria,
as mudanças
nas
relações
de
poder
e
conflitos
ideo
lógicos
que
têm lugar no
capitalismo
l i b e r a l
avançado.
No
entanto,
s e us pr ópr io s
estudos
sobre a
matéria
confirmam
que
e s s e
expediente
não
bastava.
A c r í t i c a é levada para
dentro
desses produtos, visando a mostrar a maneira como eles a r t i
culam essas
constelações. As
referidas
mudanças
e
conflitos não
se refletem
neles
como
se
e s t i v e s s e m diante de um
espelho,
s e n
do,
na
verdade, elaboradas
por
seus
e squemas,
de
acordo
com
c r i t é r i o s que
têm
o r ig e m
na
dinâmica
interna
da
indústria
c u l t u r a l .
O verdadeiro
problema de pesquisa
para
o
crítico
dessa
i n
dústria consiste,
portanto,
em
interpretar o
sentido
histórico dos
fenómenos com que
se
associa e ,
assim,
determinar
a
maneira
como mediatizam o movimento global da
sociedade. Em
linhas
gerais, o pesquisador deveria estabelecer um número
de
concei
tos
teóricos, baseando-se em
conh eci m en t o s prévios, inclusive
os
pr ov indo s de pesquisas empíricas, para, através deles, r e f l e t i r s o
bre a repercussão das comunicações na subjetividade. Em sínte
s e ,
proceder à c r í t i c a
da
indústria cultural significa analisar suas
manifestações
e
r e s t i t u í - l a s
ao conjunto formado pela
cultura
moderna e a civilização c a p i t a l i s t a .
A explicação dos fenómenos
de
massa é uma tarefa em
que
conta mais a
construção
de categorias históricas com base na
análise da coisa do que os levantamentos acerca das o pi ni õe s de
diferentes grupos sobre
os
mesmos,
i nclusiv e
quando
baseados
em sólidas proposições protocolares, t a i s como as afirmações
originais de participantes de uma amostragem
(Escritos, p .
293). As
mensagens devem
ser analisadas levando-se em conta
suas pressuposições sociais
e ,
em seguida,
interpretadas à luz
de
suas contradições
ideológicas
e mecanismos
psicossociais.
I s t o
é ,
em
relação
ao s
impulsos
instintivos
tanto
quanto
ao s
controles
sociais implicados, às
contradições entre indivíduo e sociedade
tanto
quanto
ao
sentido que
lhes é conferido pela indústria da
cultura (Indústria, p . 142).
Atualmente,
o controle s ocial é mantido por
meio da
explo
ração económica da psicologia de massas, através de processos
de
sujeição, mas
isso
não significa
que
seus e xpe di e nt e s e s t e j am
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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2 6 2 F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
privados de conflitos e contradição. A subjetividade esquemati
zada pela indústria cultural, embora
se encontre
subsumida no
fetichismo
da
mercadoria,
por
isso
mesmo,
é
mediada
pelos
an
tagonismos existentes na
sociedade.
A principal tarefa da leitura c r í t i c a dos fenómenos a que dá
lugar consiste em,
primeiro,
revelar
es s e
conteúdo l a t e n t e , proce
dendo
à
análise
do
manifesto,
e , em
seguida, descobrir as ten
dências da sociedade nas figuras do texto
e
ações
através
das
quais os
homens
se subsumem
às
práticas da referida indústria. A
c r í t i c a
não
deveria
t e r
por
objetivo
pesquisar
ou
saber
os
efeitos
dess e s
produtos
mas, antes,
mostrar que em
s eu
próprio acaba
mento e s s e s
produtos
tendem a ser tão antagónicos quanto
a s o
ciedade
que enseja
s e u surgimento.
O
caminho para
tanto
s e r i a ,
em suma, o
exame
da m ane i ra como as
diversas camadas
de s e n
tido
desses
produtos e
o
contexto
histórico
em
que
estão
i n s e r i
dos se deixam mediar reciprocamente.
7. 3 L i m i t e s da crítica à indústria cultural
Para Adorno, constatamos, a c r í t i c a à indústria cultural deve
ser
vista
como
uma
tentativa de
transcender
a c r í t i c a cultural
burguesa com os meios da teoria s o c i a l . As transformações de
que
tem
sido
palco
no s sa
cultura
têm
suscitado
um
berreiro
con
t r a o nivelamento, a
superficialidade
e a massificação. A c r í t i c a à
indústria
cultural
não pode
se deixar levar
por
e s sa
conversa
f i a
da,
que ignora suas raízes materiais e , a
pretexto
de de fe nde r
a
cultura
da
desumanização,
volta-se para
t r á s ,
mantendo-se
no
â m b i t o do conservadorismo.
A preocupação em manter a cultura pura ou em tecer elogios
ao
espírito
às
expensas
da
técnica
tem
mui t o mais
a
ve r
com
a
construção de
monumentos
para os
quais ninguém
dá bola
do
que com a idéia
de
humanidade. A fortuna
das
massas que
cus
tearam ou mesmo ergueram com s eu suor e sangue os caracteres
da a l t a cultura e obras de arte do passado
certamente
f o i pior do
que
a
vivida
pelos pobres
coit ado s que ,
não
tendo algo
melhor
para fazer, hoje passam
todo
o
s eu tempo l i v r e
ouvindo rádio ou
assistindo à
televisão.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r o g r a m a
d e p e s q u i s a :
p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 263
De
r e s t o , a
cultura, no sentido original,
está
morta,
suplanta
da que f o i
pela
indústria
cultural e ,
agora, cada
ve z mais, pela
s ua
e s sê ncia, a
indústria
do
entretenimento.
A
falência
das
p r á t i
cas format i vas ,
não
devemos nos enganar,
é , po r é m , um
proble
ma que não se
deve
imputar à cultura de massa em s i mesma,
mas à forma como se estruturou no s sa sociedade.
As devastações que s e atribuem
à
época
desprovida
de e s t i l o e que
s e
criticam no
plano
e s t é t i c o não
são
expressão de um e s p í r i t o do
t e mpo k i t s c h , mas produtos de um
elemento
e x t r a - a r t í s t i c o , da f a l
sa
racionalidade
da
i n d ú s t r i a
governada
pelo
lucro
( E s t é t i c a ,
p .
232).
O
pr og r e s s o
técnico não é o causador dos
males
de n o s sa
época,
nem uma cultura
que apenas espera
ser enterrada deve
servir
de fetiche.
A barbárie
que
os
críticos
culturais
imputam
ao
estádio avançado do e s p í r i t o , na verdade, tem s ua origem na d i
nâmica histórica da economia de mercado. A cultura
em
nome
da
qual
eles
tanto
praguejam
sempre
se
associou,
em
parte,
à
domi
nação,
derivando disso
o caráter ideológico de s eu discurso. Nas
jeremiadas
e imprecações contra
os
hábitos das massas costuma
vegetar uma
atitude
cujo principal temor
parece
ser o advento
de
uma
situação
em que
e s sa dinâmica se
tornasse
supérflua e cuja
pretensão
pedagógica muitas
v e z e s
esconde um desejo de
eterni
zação
do
que
agora
está
estabelecido
socialmente.
Entretanto,
precisamos
observar
que
e s s e
e n t endi m en t o
não
significa conformismo ou resignação
perante a realidade s ocial e
p o l í t i c a . A c r í t i c a tampouco pode abster-se de
julgar
as mudan
ças ocorridas
à
luz
do processo histórico, emprestando
s eu apoio
às tendências em curso, responsáveis por uma liquidação da ideia
de cultura, pois,
n e s s e caso, ela far-se-ia
cúmplice direta da
r e
gressão
à
barbárie (Pseudocultura, p . 2 6 5 ) .
Destarte,
o
caminho
consiste
em
não
hipostasiar
o
conceito
de cultura, mas em seguir s ua
trajetória
histórica, confrontando
suas manifestações particulares com as pretensões contidas
em
s ua própria i d é i a ,
conforme e s sa
se modifica historicamente. A
transmutação dos valores modernos promovida pela negociação
sistêmica da
cultura se presta
ao s
juízos apocalípticos.
A pers
pectiva não
é a
mais adequada.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 268/296
264 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Adorno
pretende
afirmar
com
isso que a c r í t i c a ao
fenómeno
deveria colocar-se:
numa
situação
que
nem
jurasse
a c u l t u r a ,
conservando
seus
r e s t o s ,
nem acabasse com e l a , mas antes e s t i v e s s e acima da
contraposição
entre formação
e f a l t a de formação, e n t r e c u l t u r a e natureza; a pos
t u r a
requer que não apenas
s e
quebre a absolutização da c u l t u r a ,
mas também
que não s e h i p o s t a s i e , que não s e coagule em uma t e
s e a d i a l é t i c a sua
interpretação como
algo não independente,
como
m e ra função da práxis e m e r o remeter a essa práxis [como sugere o
marxismo]
(Pseudocultura,
p . 266).
A c r í t i c a
à indústria cultural é uma atividade
que
não
se con
funde ou reduz à c r í t i c a das ideologias, t a l como a propó s o mar
xismo, na
medida
em que e s sa não s ó tende a subestimar o f e
nómeno,
como se tornou antiquada diante da nova situação
histó
r i c a . O caráter
de
ideologia das formações simbólicas já
não
po
de
ser
analisado
de
um ponto
de vista externo,
mostrando
a
ma
neira
como
s eu
conteúdo
depende
de
interesses
materiais
numa
situação
determinada.
O des en v ol v i m en to das forças produtivas converteu os valo
res
culturais
em
produtos de
consumo,
pelos quais
as pessoas es
tão dispostas a
pagar,
direta
ou
indiretamente. O contexto social
em que se encontram agora privou e ss es v alo re s de
sentido
obje-
t i v o .
O resultado é que o pr e ench im en to do
vácuo
da
consciência
tornou-se
mais
importante
do
que
o
conteúdo
ideológico
do
pro
duto e , por i s s o , concei to s vulgar es como distração s ão muito
mais
adequados
do que
pretensiosas
e x plicaç õe s s o b re o fato de
que um e scritor s e ja representante da pequena burguesia e
o ou
t r o
da
a l t a burguesia (Sociologia, p . 87).
Os acontecimentos
históricos que conduziram
à
formação da
indústria
cultural
obrigam
a uma
mudança
na
m an e ir a de
estudar
os
fenómenos
ideológicos, deslocando
sua
ênfase
para o aspecto
mercantil e s eu
significado
na
subjetividade.
[ D e s t a r t e ] a c r í t i c a t e m m e n o s de s a i r em busca de determinadas s i
tuações
de i n t e r e s s e
à s quais deverão adjudicar-se
fenómenos
c u l
t u r a i s
do que
d e c i f r a r da tendência da sociedade como um todo o
que a í s e manifesta e através do qual s e
impõem
os i n t e r e s s e s
mais
poderosos (Sociologia, p . 8 7 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 269/296
P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o d o
método
265
A transformação da c r í t i c a cultural em c r í t i c a da indústria
cultural que se processa assim significa que o fenómeno repre
senta
uma
espécie
de
fisionomia
da
sociedade
e
que
r e f l e t i r
sobre
suas
formas
de expr e s são requer,
primeiro,
estudar os processos
históricos que
conduziram
à mudança
de sentido
da
ideologia.
Depois,
é
preciso
analisar a
que configurações psicológicas
querem
se
r e f e r i r , para s e r vi re m -s e
delas;
que disposições dese
jam incutir nos
homens
com suas especulações, que s ão uma
coi
sa inteiramente distinta do que se apres enta nas declamações o f i
c i a i s .
Existe
depois
a
questão
de
perguntar por
que
e
como
a
s o
ciedade moderna produz homens capazes
de
reagir a estes e s t í
mulos,
do s quais,
inclusive, sentem necessidade ( T e mas ,
p .
192).
A perspectiva não
significa,
po r é m , que o
fenómeno
não de
va ser confrontado com
s ua pretensão
de
verdade.
A explicação
de s ua estrutura e sentido não dispensa a r efle xão sobre s ua l e g i
timidade.
A pesquisa com que está
comprometida
requer que se
entenda
seus fenómenos a p a r t i r da dialética
entre razão
e desra-
zão.
A
circunstância do s
mesmos se
encontrarem nes sa zona e n
t r e a consciência
e
o
corpo,
entre
a
racionalidade
e
o d e l í r i o , o-
briga
a
que os
expliquemos em
t e r m o s empíricos
e
normativos,
histórico-sociais e filosófico-culturais.
As
mercadorias culturais da
indústria mal ou bem
se
apresen
tam com a pretensão de s e r e m bom divertimento, quando não
conservam, a
despeito de tudo,
traços de
obras de arte
(leves
ou
s é r i a s ) . O entendimento corrente de que as comunicações
s ão
um
negócio
que
dá às massas
o que
as massas
querem
é
ideologia
porque, se
por
um lado
existe
e s sa
convergência,
também se
de s
cobre nela uma pretensão de i r além e ser um bom espetáculo.
Declarou um
diretor
de cadeia de televisão que, enquanto
t a l ,
não está interessado em cultura, não está interessado em
valores
pró-sociais :
Tenho
apenas
um
interesse,
que
é
o
de
saber
se as
pessoas assistem
à
programação. [É assim que e u faço] minha
definição
de
bom,
e s sa
é a
minha
[linha de ]
definição
do
mau .27
A consciência cínica
revelada
desse modo precisa ser meditada
com cuidado porque, vendo bem,
possui
como correlato o esfor-
2 1
ARNOLD
BECKER a p u d Todd G i t l i n : I n s l d e
p r i m e
t i m e .
Nova Y o r k : P a n t h c o n ,
1 9 8 3 ,
p .
3 1 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 270/296
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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P r o g r a m a d e p e s q u i s a :
p r e m i s s a s
e
d i s c u r s o do
método
2 6 7
Durante a maior
parte
da
história, os
homens
domaram os
t e m o r e s e a
dor com
a
repressão.
O
pr ogr e s s o das
condições ma
t e r i a i s
de
vida
e
a
emancipação do
indivíduo
evidenciaram
a
ca
rência
de
sentido desse
expediente.
Hoje em d i a , a espontaneida
de não tem mais como ser sufocada, ainda que
s ua
liberação ten
da a
ser
i l u s ó r i a .
A sociedade
administrada
t e m uma
tendência
no sentido de
e s t r a n
gular toda espontaneidade ou, pelo menos,
canalizá-la
no sentido
da pseudo-atividade.
Entretanto,
i s s o não é
obtido
totalmente sem
dificuldade,
como
o s age nt es
desse
mundo
gostariam de imaginar
( I n d ú s t r i a , p .
1 7 4 ) .
As presentes condições históricas continuam sendo um fator
de mal-estar que,
se
por um lado predispõe
as
pessoas
a
se distra
írem,
por
out ro lado e ns eja
sensações
de revolta
que, s o b
certas
situações, podem t o mar um caminho produtivo, da qual a c r í t i c a
à
indústria cultural pretende
ser expressão.
A
verdade é
que o
potencial
de
algo
melhor
se
deixa
reconhecer
até
mesmo
nos
l i
mites da
manipulação .' 11
Atualmente,
a cultura
se
encontra
liquidada:
a barbárie f o i
suprimida
às custas
de s ua sublimação. Os conteúdos utópicos
daquela, quando se fazem presentes, tendem a reinscrever
os
su
jeitos sociais
nas
estruturas vigentes. O pensamento crítico é um
produto
dessa
situação
aporética,
através da qual
a reflexão his
tórica
procura
manter
viva
dentro
de
s i
a
idéia
de
cultura
s o b
a
forma negativa de c r í t i c a da indústria cultural, i s t o é : enquanto
auto- reflexão
c r í t i c a s obre
a pseudocultura,
na
qual
a cultura
como t a l se
converteu
necessariamente (Pseudocultura, p .
ADORNO. T . P e sq u i s a d e o p i n i ã o e e s f e ra p úb l i c a . I n : C h r i s t i a n K i e l i n g o r g . ) :
T h e o d o r Adorno - e l e m e n t o s p a r a a c r í t i c a d a i d é i a d e o p i n i ã o p ú b l i c a , p . 6 3 .
, : A
p e r s p e c t i v a
d e
a n á l i s e
e m
f o c o
s e
s u p l e m e n t a
d e
uma
p o l í t i c a c u l t u r a l c u j a s b a s e s
s e
acham
e s b o ç a d a s
e m
C u l t u r a
e
A d m i n i s t r a ç ã o
c f .
I n d ú s t r i a ,
p .
9 3 - 1
1 3 ) .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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Conclusão
r í t i c a da indústria cultural se encontra h oj e v ir t ualm e nt e
encerrada em
suas
possibilidades de jul gam e n t o histórico,
e a
s ua
situação não é
melhor
do que a existente na época de s eu surgi
m en t o . A civilização moderna completou um c i c l o , situando-se
numa nova plataforma. A suposição de que os homens
se torna
riam
m e l h o r e s
e mais f e l i z e s , se pudessem viver sem
os
regimen
tos
mercantis,
tornou-se
ainda
mais
utópica.
Atualmente, não se pode vislumbrar nenhuma forma superior
de sociedade.
A
colonização
pelo
valor
de
troca já quase não es
capa nenhum
momento da vida cultural: os entretenimentos
tec
nológicos
se impuseram por toda a parte enquanto a
arte
s é r i a ,
confinada em um gueto, prossegue
s eu
declínio,
inscrito
em s eu
próprio programa, cada v e z mais distante da
população.
Na
verdade,
a
c r í t i c a
ao pr oce s s o
através
do
qual
a
experiên
cia
vem sendo
empacotada e vendida
como bem de
consumo
está
em parte
envelhecida.
As
fantasias sintéticas buscam cada
v e z
mais simular
a ação
que
f a l t a ,
em
ve z de pr e e nch e r s ua
ausência
com
representações.
Parece-nos
corr et a a
percepção de Eugênio
Trivinho,
comu
nicada v e r balm ent e , de que a e xpr e s s ã o indústria cultural, ain
da
que
não
o
processo
por
ela
indicado,
tende
a
se
tornar
obsole
t a ,
a
p a r t i r
do
momento em que o processo histórico
se
encarrega
de
relegar para um
plano
secundário
as
atividades industriais.
D e r i va disso, mas não apenas,
a
necessidade de, ao
empregá-la,
pensar-se sempre que,
por s eu
intermédio, referimo-nos antes
de
mais nada
a
uma prática social, através da
qual
a cultura, reifica
da,
converte-se
em mercadoria e , essa, em matriz
do
modo
de
v i
da
e
princípio
de
existência
da
coletividade.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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270 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à
i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
A teoria c r í t i c a já sugeriu, po r é m , que e s sa obs ervação tam
bém
atinge
o adjetivo
cultural.
Benjamin
e
Adorno
viram
os
começos
da
e ra
da
televisão;
nós entramos
na nova era do en tr e t enim ento interativo . 1 A cul
tura disponível pelas massas (a pseudocultura) mostr a-se a cada
dia
mais profana e
já quase
não
abriga
o s r es í duos dos chamados
valores
superiores.
As
mercadorias funcionais, serviços coletivos
e
agências do capital conv erteram-se
elas mesmas
em matriz es
p i r i t u a l ,
deixando
um e spaço menor até mesmo para os sucedâ
neos
industriais
das
velhas
formas
estéticas,
a r t í s t i c a s
e
l i t e r á r i a s .
Declina
socialmente a referência
às
atividades
industriais
mas,
também, a substância do que f o i
concebido
na e ra burguesa co
mo o
â m b i t o
da
cultura,
em que pes e
o depriment e
palavrório a
s e u
respeito que repe te a nova intelectualidade.
D i s n e y w o rld, Nintendo,
McDonalds,
Virgin
Megastores,
Hard
Rock
Café, Nasa,
as
Copas do Mundo,
a
Fórmula 1
e out ras
empresas
do
gê ne ro, par a
não
falar
da
publicidade,
praticam
a
indústria cultural de modo que deixa
pouco
ou nenhum lugar
para a velha idéia de obra, presente até mesmo nos piores filmes,
best-sellers e
canções
de
sucesso.
I s s o ,
a l i á s ,
leva
muitos
a
acre
ditar que,
no
futuro, consolidada a era
dos j o gos com realidade
v i r t u a l , restará apenas o consumo de lazer mercantil. A tecnolo
gia
maquinística
cada
v e z
mais tomará para s i no s sa capacidade
de expressão, e pode ser que, para a maior parte
das
pessoas, a
formação da
consciência
sensível se reduza
ao s
esquemas
origi
nados
dos par que s de diversão, como
já
ocorre em parte
atu-
almente.
No passado,
os
parques de diversões e espetáculos de feira
puderam servir de
sanatórios
auxiliares
para
as massas
urbanas.
As tecnologias
atuais tornaram seus vários sucedâneos uma for
ma de
vivência i mpe r at i va par a t o do s aqueles
que
desejam
lem
brar
que
possuem
uma vida
e , de
algum modo, querem
manter
STALLABRASS, J . G a r g a n t u a : m a n u f a c t u r e d
mass
c u l t u r e , p . 8 5 . C f. F r e d r i c
J am e s o n : P o s t m o d e rn i s m , o r t h e
c u l t u r a l
l o g i c o f l a t e
c a p i t a l i s m .
Durham ( N C ) :
Duke
U n i v . P r e s s , 1 9 9 1 . A
t r a n s f o r m a ç ã o
p o r q u e p a s s a a i n d ú s t r i a d a
c o n s c i ê n c i a ,
e m v i r t u d e
d a
d e s c o b e r t a d e n o va s
t e c n o l o g i a s ,
t e m e n se j ad o m ui ta
e s p e c u l a ç ã o .
C f .
D a v i d B e l l e B a r b a r a Kennedy
o r g s . ) :
T h e c y h e r c u l t u r e s r e a d e r . L o n dr e s: R o u tl e d g e .
2 0 0 0 .
F r a nc i sc o R u d ig e r :
I n t r o d u ç ã o
à s
t e o r i a s
d a c i b e r c u l t u r a . P o r t o
A l e g r e : S u l i n a .
2 0 0 3 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C o n c l u s ã o
2 71
viva s ua espontaneidade no â m b i t o
da sociedade
administrada.
T o rn ou- s e at o desesperado,
ainda
que
não
menos
relevante
mo
ralmente,
a
proposta
de
levar
as
pessoas
a
r e f l e t i r
s ob re s uas
pró
prias
atitudes e
opiniões,
usualmente
tomadas sem análise, mas
sem fornecer
soluções
teóricas para o que s ó pode
encontrar saí
da,
se
é que e s sa existe,
pela
praxis coletiva e sem cair na atitude
indulgente para com o que os costumes têm de mais primário
e
regressivo.2
A
confiança
n a co ndut a e spontânea e
nos
impulsos utópicos
dos
seres
humanos
não
parece
mais capaz
de
justificar
a reflexão
c r í t i c a ,
reduzida
à
condição de esforço moral de
pequenas
mino
r i a s . Através
dessa
reflexão, e xpr es s a- se h oj e
menos a perda
de
s e u e v ent ual mando cultural - como se comprazem em dizer os
porta-vozes
das
atuais e l i t e s niveladoras, do que a
resistência
e
inconformismo de
s ua
subjetividade
ao avanço da
barbárie tec
nológica.
O s i s t e ma da
indústria
cultural é pois,
por
isso tudo,
cada
ve z
mais
o
que seus primeiros pensadores
tinham visto
co
mo sendo s eu sentido essencial: a exploração mercantil
organi
zada
do l a z e r ,
do entretenimento e
da
experiência.
A transformação da cultura em mercadoria
não s ó
a colocou
s ob
a
dependência do s
conceitos de
consumo,
informação e
lazer
mas, devido às suas pr ó pr ias m í dias , levou
à
desintegração da
idéia de formação
e à
maquinização da subjetividade. Atualmen-
t e ,
as
relações sociais que
as pessoas travam
através do capital
estão
virando, como
imagem, no
principal
motivo
da indústria
cultural em que se
tornou
o conjunto da produção de
mercado
r i a s .
Aparent ement e, o capitalismo não sofre
mais
dos
problemas
de legitimação: o
problema agora é como
não
ficar de fora
do
si stema, inclusive para a intelectualidade.
O objetivamente procurado e desejado não só pela criação c u l t u
r a l mas,
em
última i n s t â n c i a , pela sociedade s e
encontra agora em
um isolamento totalmente i s e n t o de e spe rança (Dissonâncias,
1 9 0 ) .
As fronteiras entre
e s sa produção e
a vida das
massas
continuam se apagando, embora
nenhuma mudança
profunda
tenha
havido na
segunda, e entre
os
espetáculos
estéticos
de
Embora a n o s s o j u í z o e q u i v o c a d a , a m p l a r e f l e x ã o s o b r e o a s s u n t o p o d e s e r c o n f e r i d a ,
como
d i t o , e m
S c o t t
L a s h :
C r i t i q u e
o f i n f o r m a t i o n .
O x f o r d :
P o l i t y ,
2 0 0 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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2 72 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
havido na segunda,
e
entre os
espetáculos estéticos
de
primeira
grandeza que os homens se dão,
além do consumo
de todo o
tipo
de
quinquilharia,
contam-se
cada
ve z
mais
os
exercícios
ofereci
dos pelos
divertimentos eletrónicos e os processos
de s ua
própria
conversão, calculada nos
mínimos detalhes,
em coletivos abstra-
t o s , conforme
se pode ver, por exemplo, durante
as
cerimónias
olímpicas e
os
funerais
das
celebridades (Élvis
Presley,
Ayrton
Senna, Princesa Diana).
Theodor Adorno soube calibrar como
ninguém
a moderni
dade
cultural
em
todas
as
suas
ambiguidades ''
e ,
por
i s s o ,
con
cordaria
com os críticos e sclarecidos que,
passando
por alto s o
bre
os textos que
e sc r e v eu
a
respeito
do
assunto,
lhe opõem a
idéia
de
que, embora ainda mais adversa à mudança,
e s sa
situa
ç ão carrega em s i
a
possibilidade de uma
regressão
cultural ainda
mais profunda tanto quanto de
novas
formas de liberdade.
Conforme
o b s e r v a Douglas
Kellner,
o
capitalismo atual é
ambíguo,
porque
representa
ao mesmo
tempo
progresso
e
domi
nação:
[O capitalismo contemporâneo] é uma forma
de
progresso,
porque
pr oduz no vas tecnologias
e
modos
de
informação que produzem
impacto
benéfico
na
vida
humana.
Porém,
também é um sistema
de
dominação,
na
medida em
que
post erga muitas
de
suas
poten
c i a l i d a d e s ,
empregando-as
primeiramente
como elemento de impo
sição
continuada de mercantilização e de trabalho a s s a l a r i a d o , o
que
exacerba
a s
desigualdades
de
c l a s s e ,
ao
mesmo
t e mpo
que
i n
t e n s i f i c a a
miséria
e
o
sofrimento
de milhões
de pessoas por
todo
o
mundo.4
Adorno não contestaria
a
proposição, mas observaria que o
caráter crítico de
s ua
análise não provém desse reconhecimento:
a c r í t i c a às indústrias da cultura e do l a z e r , em particular, não é
uma
forma
de
historicismo
transcendental. Cer ta m en t e
há mo
mentos
utópicos
e
de
liberação
da
espontaneidade
nas
manifesta
ções da cultura de m as s as a t u a l . A reflexão c r í t i c a , todavia, abas-
tardar-se-ia se se contentasse em
atestar e s s e
f a t o , porque, via de
regra,
o
sentido histórico
concreto desses momentos
é
regressivo.
O
significado
deles permanece, em geral,
imanent e
e s u b m i s s o à
WELLMER, A . S o b r e l a
d i a l é c t i c a d e
m o d e r n i d a d
y p o s tm o d e rn i da d , p . 1 3 .
KELLNER,
D .
C r i ti c al t h e o r y ,
Marxism
and
M o d e r n i t y ,
p .
1 8 2 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C o n c l u s ã o 273
ordem
vigente,
quando e s s e s
momentos não s ão
pura e simples
mente
explorados
com finalidades
políticas e económicas
pelos
poderes
organizados.
A
c r í t i c a à indústria cultural s abe -s e h oj e uma atividade cada
ve z
mais
sem
s uj ei to e
escoras, praticada com
consciência
de que
fazer
uma
apologia da
cultura
realmente
não
valeria mais do
que aquela da
barbárie
(Música,
p .
39). Como
antes, ela
conti
nua sem
poder
fazer nenhuma
promessa.
A experiência
histórica
ensinou à teoria que a fidelidade ao espírito da ut opi a s ó se man
tém
tratando-a de
maneira
negativa.
Destarte, a c r í t i c a não
tem como dizer s e , na
hipótese de uma
s upr e s s ã o das relações mercantis, o progresso técnico deixaria de
se acompanhar de
regressão espiritual
ou, mesmo, se continuaria
a
haver
qualquer
progresso. Os
homens teriam novas chances de
buscar a
vida
justa mas,
também, poderia ocorrer uma
estagna
ç ão geral do esclarecimento. O futuro s ó pode ser definido pela
capacidade de ação
e
criação da sociedade
-
é isso que ensina
a
Escola de Frankfurt.
A resistência
que se expressa na atitude c r í t i c a ,
todavia,
não
pode furtar-se
ao
exame da m ane i ra como, hoje em d i a ,
os
suce
dâneos da cultura burguesa convergem com a barbárie, s ob abri
go do espírito pós-modernista. A aceitação de que, em última
instância, as fontes do
mal-estar
na cultura escapam à própria
cultura, tem a ver como o modo de ser
do
homem,
não deveria
servir
de
pretexto
para apoiar
uma
exploração
económica
e
polí
t i c a que não
s ó
reforça
mas
legitima e s t e t icam e nt e s uas
atuais
formas
de manifestação.
Atualmente, assiste-se entre
os
indivíduos intelectualizados a
um entusiasmo com o
pluralismo
cultural
que é ,
no mínimo,
c í
nico, porque
a
euforia com que pessoas sabidamente lúcidas
e
cultas
se
expressam sobre
a
cultura de
massa
esconde uma má
consciência.
Na
verdade,
essas
pessoas
sabem
que
a
maioria
dos
fenómenos com que consentem está aquém de suas próprias exi
gências intelectuais
e
não condiz com s ua subjetividade.
Os fenómenos
de
pseudocultura
s ão uma cicatriz
que
a s o
ciedade tem
de
carregar
por
não t e r resolvido suas
contradições
mais
profundas
e
perturbadoras.
A
alternativa,
precisa ficar
claro,
não
é
validar
a situação. A recomendação pedagógica
ou
doutri
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 278/296
274 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a
c u l t u r a l
nária
do
videogame em v e z de um bom
livro
ou do rock and r o l l
em
v e z
da música
erudita,
como o inverso,
não
é um meio de
desmanchar
a
mentira
afirmativa
da
cultura
mas,
sim,
um
pre
texto à barbárie e
ao s
interesses comerciais da indústri a cultural
(Estética, p . 3 51) .
Afirmações
correntes
que pretendem passar por conclusões
de
pesquisas
bem informadas, como as de que o consumo permi
t e às pessoas e xp r e s sa r e m s eu
e u de
forma autónoma, a porno
grafia tem um sentido pedagógico e , pela
Internet recriamos
as
condições
para
viver
a vida
em
comum
não
diferem,
em
síntese,
daquelas que costuma lançar mão
a publicidade.
Porém
isso
não
é o mais grave. O raciocínio
subjacente
deixa
de lado o
fato
de
que
essas práticas
não s ó colaboram na manutenção do
r eg i m e de
poder vigente
quanto
são,
por e l e ,
requeridas,
exploradas
e
j u s t i
ficadas. O
significado emancipatório que elas e v entualment e
têm
s obre
a
ação
é
determinado
pela forma
mercadoria.
A
cultura
de
massa
não
precisa
de mai s
legitimação:
ela
já
dispõe de meios e advogados em número mais
do
que suficiente.
A suposição
de
que
a t é cni ca
por
s i
s ó
resulta em maior
forma
ção,
porque coloca os
bens culturais
ao
alcance de todos, é tão
falaciosa quanto
a de
que a
televisão,
por e xe mplo , não
passa de
bom divertimento. A cultura em defesa da qual ainda se erguem
algumas v o z e s não mais existe,
e
os lazeres
industriais estão t o
tal me n t e co lo ni z ado s pelo espírito dos negócios, como não fa
zem questão
de esconder s eus explorador es .
Os
progressos
da
indústria da consciência,
po r outro
lado,
convém
notar, não
afetaram
os fundamentos
de
s ua prática, nem
significam que se completou
a
reificação da
sociedade.
Os frag
mentos em que se desintegra a cultura
s ão
cada
v e z
mais marca
dos
pelo
movimento identitário da
forma mercadoria. Já as co
municações
não passaram a ser o momento decisivo ou exclusivo
do
processo
de promoção do
conformismo com o s i s t e ma e
re
gressão da consciência. A consciência
cí nica e
as tendências
à
regressão continuam tendo raízes profundas, que
penetram
na
própria
estrutura
da sociedade
e
s ão engendradas por e s sa última,
antes
mesmo de a
indústria cultural
lh e
dar e s tí m ulo
e legit imi
dade.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 279/296
C o n c l u s ã o 275
Em última instância,
a
acumulação de c a p i t a l ,
e
não as co
municações,
é
que
estrutura
as
relações
sociais
e põe os homens
em
movimento.
O
verdadeiro
problema
não
reside
na
mídia,
mas
na forma como se ordena a vida coletiva. A crise por que passa a
cultura é
uma
expr e s são menor dos
an tag o ni s m o s cada
v e z
mais
profundos que dilaceram, antes, a própria vida humana em s o
ciedade.
Os fenómenos de
cultura
de massa, por
mais
baixos
que
sejam,
p e r t enc e m à
esfera
social
do luxo, i s t o é , uma esfera em
que
as carências v i t a i s e os próprios problemas centrais do ho
mem
moderno
não
estão
envolvidos
de
maneira
imediata.
As esperanças que os pobres de espírito i n v e s t e m nas tecno
logias de
comunicação, e a
pequena-burguesia numa
cultura
h á
muito tempo defunta, s ó
podem s er pos tas , vera zm ent e, numa
mudança da sociedade. A capacidade
de
recepção a t i v a , e sponta
neidade criat iva e reflexão intelectual s ão valores importantes
sempre
que não s ão cobrados ou esperados de
todo
o mundo,
porque a passividade, distração e alienação, sempre que assumi
das l i v r e e
conscientemente,
não o s ão
menos:
igualmente repre
sentam
provas de
humanidade.
O futuro digno do nome, utopicamente, seria aquele em que
os
homens criassem as condições par a t o do s serem como quises
s e m , sem imporem qualquer coação, dever ou mal-estar a seus
semelhantes. A formação integral do ser humano é uma idéia
que
s ó pode ser salva se completarmos s ua dessacralização, posta
em
marcha
de m ane ir a perversa pela indústria cultural. A postulação
de que as
massas
precisam
de
uma educação e cultura das quais
estão alienadas,
porque
esses
bens fariam parte dos direitos
do
homem, baseia-se num mal-entendido.
A l i t e r a t u r a , as artes e as ciências não s ão em s i mesmas bens
mais
especiais do
que
quaisquer outros
pe lo s quai s o
homem
po s sa e de se je vive r em coletividade: s ão m últ iplo s o s
modos
de
se
ser
f e l i z
e
de
se
encontrar
realização
individual.
Aqueles
que
nelas encontrassem
s ua vocação por
certo
não
as reivindicariam
como
práticas especiais
ou de
maior
valor do que, po r
exem
plo,
cozinhar,
pescar, amar, dormir, praticar esportes ou cuidar
de pessoas necessitadas, uma v e z v i v endo numa sociedade
l i v r e
e emancipada.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 280/296
276 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
Destarte, a crítica à indústria cultural precisa manter-se
atenta
para
não empolgar ainda mais
o mi t o
da cultura,
desvian
do
nos sa
atenção
de
assuntos
de muito
maior
importância
histó
r i c a , social
e individual, ao
denunciar
a caída dos valores
no e n
tretenimento.
A possibilidade
da redenção da formação pela
educação , como
por
qualquer
outro
expediente, vista num con
texto
que
a
nega
por princípio, pode
convergir
para a
postura de
autocrítica que busca reapropriar-se do não-idêntico imanente ao
próprio i dê nt ico [ da cultura] , mas
também,
equivocadamente,
para
a
preservação
das
ideologias
de
salvação
pela
educação
ou
qualquer
outra instituição cultural
ou
p o l í t i c a . 5
Theodor Adorno propós uma forma
de
estudos culturais em
que os processos
de sujeição
precisam ser entendidos
no contex
t o histórico dentro do qual eles
têm lugar
e ,
de
f a t o , adquirem
sentido. Os conglomerados multimídia e as comunicações midia-
das não produzem
efeitos
sozinhos e ,
e s t e s ,
resultam em
primeiro
lugar
da
tendência económica geral
fundadora
da sociedade
contemporânea, que
não pretende
em suas fo rm as de consciência
superar o
status
quo,
mas t r a t a
insaciavelmente de
reforçá-lo
e ,
onde se
vê
ameaçada,
de tornar
a restaurá-lo
(Intervenções,
p .
64).
Deborah Cook co nfi rm a m ui t o bem que
Adorno
criticou
duramente a
visão
de
que os indivíduos
s ão objetos cegos e
sem
vontade dentro de um s i s t e ma de dominação insuperável no capi
talismo
tardio ,6 mas isso
não
deveria
servir
de co ns o lo
narcisis
t a , na medida em que o
problema que
muitos
supõem
estar para o
pe ns ado r na indústria cultural se desloca para onde ele de fato o
situava: o plano do problema que é o homem para o próprio ho
mem.
A prática da indústria cultural reproduz as pessoas
t a i s
como
as
modelou o
movimento
do capital
em s e u
todo: não
é
i mpo s ta
por
forças
externas,
nem
uma
expressão
e spontânea
da
vida
em
coletividade. Qualquer tentativa de compreendê-la e , talvez,
transformar
s eu modo
de ser s ó
é possível
procurando-se pelo
processo histórico que a
criou,
pelas
circunstâncias
materiais, r e -
C f .
ANTÔNIO ZUIN: I n d ú s t r i a
c ul tu ra l e e d u c a ç ã o . C a m p i n a s : A u t o r e s
A s s o c i a d o s ,
1 9 9 9 , p . 1 4 9 .
COOK,
D .
T h e
c u l t u r e i n d u s t r y
r e v i s i t e d ,
p .
6 7.
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 281/296
C o n c l u s ã o 2 77
lações
de
força e
fantasias culturais que
a converteram
em s i s t e
ma.
Vendo
bem,
a
sociedade
não
é pior
do
que
os
homens
que
a
formam, e vice-versa, porque não se pode separar totalmente e s
sas
categorias. Sendo
assim, a manutenção dessa prática
precisa
ser vista como
um
fato
que, em última instância,
baseia-se
no
consentimento das mas sas . Indústria cultural
é
uma
figura
da
servidão voluntária
que
recriamos no século
XX.
A
verdade em
tudo i s s o , em síntese, é que o po de r da indústria cultural provém
de
s ua
identificação
com
a
necessidade
produzida,
não da sim
ples
oposição
a e l a : é equivocado supor que as pessoas
s ão
me
ramente
violentadas por e l a , defendeu com
vergonha o
pensador
(Dialética, p .
128).
Conforme escreve em linha conv ergente e t e r m o s similares
Wright Mills,
o problema
político e moral definidor da fortuna
dos tempos modernos
como forma de
vida
consiste
no
fato
de
que
hoje
se
tornou
evidente
que nem t odos os homens querem
por natureza
ser
l i v r e s ; que nem todos os homens estão dispostos
ou
s ão
capazes,
segundo
o
caso,
de esforçarem-se
para
adquirir a
racionalidade exigida
para
se t e r liberdade .7
A resistência enfrentada pela perspectiva
adorniana
provém
em boa parte
da proposição
desse entendimento, radicalmente
c r í t i c o , que traz
à
consciência o que as pessoas procuram
esque
ce r
e no s chama, ainda que sem esperança,
à
responsabilidade.
O
consumo dos
bens culturais da indústria
e
serviços
de
lazer
da
economia mercantil como o conhecemos é i mp o s t o pelo capita
lismo, mas
por
isso mesmo um fenómeno em que se expr e s sa
o
s u j e i t o ,
criador
e
criatura
dessa
sociedade.
Diante
de
Adorno, retrocederá aquele que não fo r capaz de
se responsabilizar
por
idéias nas
quais
ventila
por
s i mesmo um
perigo moral para
a
consciência
cotidiana ,
como
ele
mesmo
dis
se
a
propósito
das
idéias
de
Benjamin.
Nelas,
problematizam-s e
não somente
a
sociedade, mas os homens que
a
engendram: con-
sidera-se o próprio homem como motivo de c r í t i c a . Noutros t e r
m o s ,
a
c r í t i c a
à
indústria cultural
é
causadora de mal-estar por
que revela para
[os
sujeitos
dessa
indústria] que
[em
última
ins
tância] eles mesmos, assim como s ua ideologia, re pre s ent am o
7
MILLS, W.
L a
i m a g i n a c i ó n
s o c i o l ó g i c a .
M é x i c o :
FCE,
1 9 6 1 .
p .
1 8 7 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 282/296
278
F r a n c i s c o R u d i g e r
□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l
problema
[da
moderna indústria da propaganda
e
do mundo ad
ministrado] .8
Os
indivíduos
não
se
vêem
i mpe di do s de
procurar
a l t e r n a t i
vas ao
s i s t e ma
porque
o
exercício
da indústria
cultural
os desvia
de s ua
suposta
vocação histórica mas, antes, porque as mercado
r i a s
que
ela põe à s ua disposição até
certo ponto
respondem a
seus
interesses.
A linha de
fuga
que hoje predetermina s ua vida
é ao mesmo tempo a linha
da
menor resistência. 9 O esclareci
mento não pode ser revogado
de todo e ,
por i s s o , a
característica
central
da
consciência
moderna
não
é
a alienação
nos
bens
de
consumo
mas um cinismo bem informado, a
que
as luzes
da
ra
z ão conduziram em virtude de s e u enredamento com o capitalis
mo. O
verdadeiro
sujeito
da indústria
cultural, noutros termos, é
o homem que, motivadamente, se auto-aliena,
e
não o indivíduo
narcotizado
de mane ira insidiosa pelos
m e i o s
de comunicação
(Música, p .
2 4 4 - 2 4 5 ) .
Horkheimer fez
h á
alguns anos
atrás
a obs ervação
de que
o
e n t endi m en t o de que a sociedade se encontra no caminho que
vai
do liberalismo, caracterizado
pela
concorrência entre vários em
presários, à
co mp e t i ç ão
entre entidades coletivas, sociedades
a -
nónimas, associações e b loco s co m e rciai s e políticos, enfim,
ao
mundo
administrado
não enseja necessariamente
a
resignação,
conforme pretendem os críticos hostis à
Escola
de Frankfurt.
A
significação
[ p o l í t i c a
e s o ci a l ]
do
indivíduo
s e
acha em
v i a s
de
desaparecer; no entanto esse pode i n t e r v i r criticamente ne sse pro
ce ss o, t ant o na
t e o r i a
quanto na p r á t i c a ,
contribuindo,
mediante
métodos adequados
à
época,
para a
formação
de entidades c o l e t i
vas inadequadas para e l a
e
que t a l v e z
pos sam conservar
o
i n d i v í
duo em uma autêntica s o l i d a r i e d a d e . 1 0
Os acontecimentos
históricos
mais recentes tornaram bastan
t e
duvidosa
a
possibilidade
dessa
última
suposição
v i r
a
ocorrer
a
curto
prazo.
A concepção
segundo
a
qual se poderia associar
uma práxis otimista ao pessimismo teórico f o i posta em hiberna-
8
ADORNO.
T . D e m o c r a t i c l e a d e r s h i p a n d m a s s m a n i p u l at i o n , p . 2 8 0 .
As
c a t á s t r o f e s
a q u e a ss is ti mo s h o je n ã o l i v r a m d e r e s p o n s a b i l i d a d e a f i g u r a do i n d i v í d u o , e s c r e v e
n o u t r o l u g a r
o
p e n s a d o r ( L i t e r a t u r a
I I , p . 2 4 2 ) .
9 HORKHEIMER, M.
S t u d i d i
f i l o s o f i a
d e l i a s o c i e t à .
p . 2 2 5 .
1 0
HORKHEIMER,
M.
A p u n t e s :
1 9 5 0 - 1 9 6 9 .
C a r a c a s :
Monte
Á v i l a ,
1 9 7 6 ,
p .
2 5 9 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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C o n c l u s ã o 279
ção. O exercício da reflexão c r í t i c a sobre a indústria da cons
ciência
todavia
ainda pode ser visto
como um e l e m e n t o teórico
de
resistência
e
inconformismo,
sempre que
l ogr em o s manter
n o s sa indepe ndência em relação à s it uaç ão dominante, a
sensibi
lidade para pe rce b e r
o
significado e implicações
mais
profundas
do s fatos e a consciência da relatividade de no s sa posição, inte
resses
e
objetivos.
Aquele que
possuir
essas faculdades e pretende
de
algum
modo viver ou sobreviver nesse mundo precisa estar preparado
para
enfrentar
o
inverno,
porque
embora
possa
v i r
a
ser
f e l i z ,
es
tará em meio
a
um
deserto e s t é r i l ,
seco
e
b r u t a l ,
mal encoberto
pe la po ei ra de cores, sons e espasmos levantada pela indústria
cultural. Apenas se
conservando viva,
porém, é que a pretendida
encarnação
do s
valores realmente esclarecidos
e
progressistas
pode esperar,
atuando
sempre que possível, a eclosão de um no
vo
movimento de solidariedade e luta pela criação
de uma
forma
de vida mais avançada.
Qualquer que
seja a
escolha
a fazer,
continua valendo,
de
to
do modo, a idéia de
que
a
eventual
criação de
coisa
melhor
n e s s e
domínio pressupõe a recusa consciente em
compactuar
com
o
s i s t e ma (subtrair-se às
redes), a
capacidade
de
s e desapegar
dos
expedientes
que
a ele nos
mantêm
presos e a
elevação
dessa
rea-
ç ão ao nível reflexivo. Absolutamente jamais a sustentação de
um otimismo barato em relação à s prát icas dessa indústria, que
acrescenta à prostração
na
idiotia existente hoje a
visão
ainda
mais idiota
de que, conduzidos por meio
delas,
nosso s cos tum e s
v ão bem quando , de f a t o , v ão mal e e stão a exigir, antes de mais
nada, a
adoção de uma postura c r í t i c a e
a manutenção
da capaci
dade de i mag inar alternativas
realmente diferentes
de existência.
Afinal de contas, enquanto
houver
pessoas
que pensem, que
ponham em
questão o
s i s t e ma
social
ou s e u próprio
s i s t e ma
de
vida
haverá
uma
criatividade
histórica
que
ninguém
pode
traçar
de ant e mão .
Nosso vínculo com e s sa
criatividade
depende
de i n
divíduos vivos e es se s indivíduos
existem,
ainda
que
s eu número
seja hoje muito reduzido e ainda que, de f a t o , a situação atual
não
seja nada aprazível .
CASTORIADIS, C . E l a s c e n s o
d e l a i n s i g n i f i c a n c i a . M a d r i : C át e dr a , 1 9 9 8 , p .
1 7 7 .
C f .
F i g u r a s
d e i
p e n s a b l e .
M a d r i :
C á t e d r a , 1 9 9 9 .
p .
1 7 6 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 284/296
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 285/296
Referências
A listagem abaixo objetiva apenas fornecer algumas indicações de l i v r o s
sobre a matéria,
não
mencionando
todos
os documentos
usados
na
montagem
do
t e x t o :
para t a n t o ,
recomenda-se
ver a s notas
de rodapé.
ADORNO, Theodor. The P s y c h o l o g i c a l t e c h n i q u e of Martin Thomas Radio
A d r e s s e s [ 1 9 4 2 ] .
S t a n f o r d
(CA):
S t a n f o r d
U n i v e r s i t y P r e s s ,
2000.
El c i n e y l a
m u s i c a [ 1 9 4 4 ] .
Madri: Fundamentos, 1 9 7 6 .
Minima Moralia
[ 1 9 5 1 ] .
São
P a u l o : Á t i c a , 1 9 9 2 .
I n
s e a r c h
of
Wagner
[ 1 9 5 2 ] . L o n d r e s : V e r s o ,
1 9 9 1 .
. I n t r o d u z i o n e a l l a
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E i n a u d i ,
1 9 7 1 .
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D e s c l é e de
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. T e o r i a e s t é t i c a
[ 1 9 7 0 ] .
L i s b o a : Martins
F o n t e s ,
1 9 8 2 .
. S c r i t t i S o c i o l o g i c i
[ 1 9 7 2 ] .
Turim: E i n a u d i , 1 9 7 6 .
. I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a . B a r c e l o n a : G e d i s a , 1 9 9 6 .
. S o c i o l o g i a ( O r g .
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G .
Cohn). São P a u l o :
Á t i c a , 1 9 8 6 .
- . The C u l t u r e i n d u s t r y ( O r g . de J . B e r n s t e i n ) . L o n d r e s : R o u t l e d g e ,
1 9 9 1 .
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S t a r s
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R o u t l e d g e ,
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ADORNO, Theodor HORKHEIMER, M. D i a l é t i c a do e s c l a r e c i m e n t o
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Temas
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da s o c i o l o g i a [ 1 9 5 6 ] . São P a u l o : C u l t r i x , 1 9 7 8 .
. S o c io l ó g ic a I I [ 1 9 6 2 ] .
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Taurus, 1 9 6 6 .
. / Seminari d e l l a
S c u o l a d i
F r a n c o f o r t e . M i l ã o : Franco
A n g e l i ,
1 9 9 9 .
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 286/296
282
F r a n c i s c o R u d i g e r
□
T h e o d o r
A d o r n o
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a
c r i t i c a
à
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PARCEIRO
Q u a t i d a d e R S
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural
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A
produção
e s t é t i c a
integra-se
à
produção mercantil
em
g e r a l . Em
tomo
desse núcleo
gravitam
questões
c r u c i a i s ao discernimento
do s
rumos
da
atual etapa
c i v i l
izatória : a po s
s i b i l i d a d e
de
contradições
na
produção
cultural, cujas estruturas aparen
temente
s ão inabaláveis
em
s ua
capacidade de
efetivar
a
integração
social;
a
emergência de
uma
pseudocultura, em que e s t í mulos
e s t é t i c o s e
informações tomam o
lugar
da
idéia de fo rm aç ão , e a cultura
confunde-se
com
diver ti m ento;
a
industrialização da subjetividade e
a
possibilidade do
us o de mo cr át ico do s
meios de
comunicação,
dada a
ev olução das
forças
produtivas; o
declínio
da
noção
de ideologia
e o
aparecimento de uma
nova esfera
pública, articulada
pela
mercadoria; e ,
enfim, a hipótese de que, em certa
medida,
surgiu
agora
uma
espécie
de
obediência voluntária
a
essa e s f e r a .
O
autor reconhece
que a c r í t i c a
à
industria c u l t u r a l
se
encontra
atual-
mente em situação
tão ou mais d i f í c i l
que
à
é poca de s eu
aparecimento,
a
ponto de
a
exigência de reflexão c r i t i c a
t e r
se
tornado
at o
desesperado
e
em
que
pe s e
os
momentos
utópicos e
emancipatórios contidos
i n
nuce na
cultura de
massa.
Conclusão
pessi
mista ? A l e i t u r a , altamente proveitosa,
de s t e texto sugere interpretação
alternativa. Adorno afirmou que a
integração sistémica não significa
necessariamente
integração
ideo
lógica mas então, se e assim, brechas
s ão possíveis
e , t a l v e z , nem tudo e s t e j a
perdido.
Carlos
Roberto
Winckler
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