Introdução à Experiência Intelectual de Theodor Adorno 2

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Introdução à experiência intelectual de Theodor Adorno Aula 2 Na aula de hoje, começaremos a discussão de um pequeno texto programático, intitulado A atualidade da filosofia. Na verdade, este texto não foi publicado por Adorno, mas pronunciado como aula-magna à ocasião de sua entrada na Universidade de Frankfurt como professor de filosofia, em 1931, quando o autor tinha 28 anos. Trata-se de um texto programático por ser, de uma certa forma, a síntese de um processo de definição de problemas e de formação intelectual que havia direcionado Adorno durante todo os anos 20. Uma das características maiores deste processo era seu hibridismo. Durante os anos 20, Adorno foi atravessado por uma oscilação constante entre seguir uma carreira de compositor e seguir uma carreira acadêmica de professor de filosofia. Ele chega a ir para Viena a fim de seguir cursos com o compositor Alban Berg durante quase dois anos. Neste período, ele produz várias peças, todas marcadas por uma certa filiação àquilo que então era chamado de “nova música”, ou seja, a Segunda Escola de Viena (Schoenberg, Berg, Webern). [( a primeira funda o classicismo musical com Heideber, Mozart e Bethoween.) (ele continua até os anos 40, tudo isso compilado depois e diponibilizado) ]]Sua produção de artigos sobre a música de sua época e críticas de concerto é intensa, principalmente para revistas como Musikblätter des Anbruch, Pult und Taktstock e Die Musik. Os assuntos dizem respeito, sobretudo, às correntes artísticas e compositores decisivos para o debate estético dos anos 20 na Alemanha: o expressionismo, Hindemith, Bela Bártok, os compositores da nova música, Hanns Eisler, Kurt Weill, Ravel, Mahler, entre outros. [[(debate extremamente rico; tinha interesse em participar do debate musical, pois havia a noção de que acontecia algo de importante no interior da música daquela época; textos não só de cirscuntancias, mas textos nos quais Adorno começa a esborçar as bases daquilo que posteriormente vai ser a sua teoria estética. Significa que a teoria estética adorianana nasce da confrontação das obras. É um exercício posterior de confrontação das obras,

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Introdução à experiência intelectual de Theodor AdornoAula 2

Na aula de hoje, começaremos a discussão de um pequeno texto programático, intitulado A atualidade da filosofia. Na verdade, este texto não foi publicado por Adorno, mas pronunciado como aula-magna à ocasião de sua entrada na Universidade de Frankfurt como professor de filosofia, em 1931, quando o autor tinha 28 anos.

Trata-se de um texto programático por ser, de uma certa forma, a síntese de um processo de definição de problemas e de formação intelectual que havia direcionado Adorno durante todo os anos 20. Uma das características maiores deste processo era seu hibridismo. Durante os anos 20, Adorno foi atravessado por uma oscilação constante entre seguir uma carreira de compositor e seguir uma carreira acadêmica de professor de filosofia. Ele chega a ir para Viena a fim de seguir cursos com o compositor Alban Berg durante quase dois anos. Neste período, ele produz várias peças, todas marcadas por uma certa filiação àquilo que então era chamado de “nova música”, ou seja, a Segunda Escola de Viena (Schoenberg, Berg, Webern). [( a primeira funda o classicismo musical com Heideber, Mozart e Bethoween.) (ele continua até os anos 40, tudo isso compilado depois e diponibilizado) ]]Sua produção de artigos sobre a música de sua época e críticas de concerto é intensa, principalmente para revistas como Musikblätter des Anbruch, Pult und Taktstock e Die Musik. Os assuntos dizem respeito, sobretudo, às correntes artísticas e compositores decisivos para o debate estético dos anos 20 na Alemanha: o expressionismo, Hindemith, Bela Bártok, os compositores da nova música, Hanns Eisler, Kurt Weill, Ravel, Mahler, entre outros. [[(debate extremamente rico; tinha interesse em participar do debate musical, pois havia a noção de que acontecia algo de importante no interior da música daquela época; textos não só de cirscuntancias, mas textos nos quais Adorno começa a esborçar as bases daquilo que posteriormente vai ser a sua teoria estética. Significa que a teoria estética adorianana nasce da confrontação das obras. É um exercício posterior de confrontação das obras, ou seja, ele passa décadas analisando obras para depois construir sua estética . A teoria estética de adorno é no fundo no fundo uma filosofia das obras musicais e literárias) ]]

Por outro lado, Adorno continua seguindo os passos necessários para a carreira acadêmica. Em 1924, ele defende sua dissertação, sob a supervisão de Hans Cornelius, cujo título era: A transcendência do objetal e do noemático na fenomenologia de Hursserl (Die Transzendenz des Dinglichen und Noematischen in Husserls Phänomenologie). [[resultado duma Pesquisa que ele desenvolve entre 33 e 37 a respeito da filosofia husseneana na Inglaterra sob a supervisão do Gilbert....m 33 ele se exila devido a ascensão do nazismo; procura inserção e acaba pós doutorando, desenvolvendo esse estudo que publica depois modificado]]] O debate com a fenomenologia será uma constante na trajetória filosófica de Adorno, principalmente através dos seus dois nomes maiores: Husserl e Heidegger. Ao primeiro, será dedicado, entre outros, o livro Para uma metacrítica da teoria do conhecimento: estudos sobre Husserl e as antinomias fenomenológicas, de 1956. Para o segundo, o famoso O jargão da autenticidade, de1964.

Alguns anos mais tarde, em 1927, Adorno tentará apresentar sem sucesso, para o mesmo Hans Cornelius, uma tese de habilitação em filosofia intitulada: O conceito de inconsciente na doutrina transcendental da alma (Die Begriff des Unbewussten in der transzendentalen Seelenlehre). Tratava-se de uma tentativa ousada de aproximação entre psicanálise freudiana e a noção de transcendental no interior da tradição filosófica

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kantiana. [texto bastante peculiar em que ele defende- tese: que o inconciente nada tinha a ver com o irracional, nada tinha a ver com conteúdos mentais recalcados, lapsos, tudo aquilo que está fora da consciência ou pulsões não socializadas. AA verdade do inconsciente era ser sistema de regras, de normas e leis que determinavam os modos de pensar da consciência ,ou seja, da mesma maneira como o transcendental é um conjunto de regras, estruturas categoriais que determinam os modos possíveis do pensar e determinam as condições a priori das possibilidades de experiência, o inconsciente tinha mais ou menos a mesma função. O que não deixa de ser impressionante é que 25 anos depois na França com o advento do estruturalismo essa idéia voltará a pauta do dia. Ex.: Foucault quando escreve As Palavras e as coisas, irá dizer que o inconsciente é um objeto fundamental de todas as ciências humanas porque afinal de contas através do inconsciente nos temos a experiência do sistema de regras, de leis e de normas que determinam as possibilidades de experiência da consciência, determinam a maneira como a consciência usa a linguagem. Algo semelhante ao que Adorno tenta formular já nos anos vinte.]] Indicação clara desta maneira tão própria a Adorno de procurar pontos de articulação entre questões filosóficas e problemáticas derivadas do estado atual das ciências empíricas. Cornelius não aceitou porque havia uma articulação entre ciências empíricas e filosofia não acadêmica.Este fracasso levará Adorno a apresentar outra tese de habilitação, agora sob a supervisão de Paul Tillich, que será publicada em 1933 com o título de Kierkegaard: construção da estética. [[Kierkegaard havia sido recuperado pelo Heidegger que via nele o primeiro filósofo da existência, então a maneira como Adorno se apropria já é uma polêmica em direção ao Heidegger.]]

No entanto, não deixa de ser surpreendente que, até o momento da publicação de sua tese de habilitação, Adorno não publicara praticamente nenhum artigo ou texto claramente sobre filosofia. Sua prolífica produção era, até então, exclusivamente dirigida à estética musical. Um fato que só pode ser explicado se aceitarmos que várias preocupações maiores que serão objetos de seu programa filosófico já estão, de uma forma ou outra, em operação no interior dos textos sobre estética e crítica musical.[ é impossível de dissociar essa produção do programa filosófico. O que fica é como ler esses textos, que, ao fazer crítica musical aponta para uma série de problemáticas que ganharão corpo no programa filosófico.] De fato, a conferência A atualidade da filosofia, nos indica alguns caminhos importantes neste sentido.

Esta conferência programática aparece em um momento decisivo. Em janeiro de 1931(3 meses antes de Adorno proferir essa conferência em Frankfurt), Max Horkheimer assume a direção do Instituto para a pesquisa social, que a partir de então se transformará na base institucional daquilo que hoje entendemos por Escola de Frankfurt. Criado em 1923 graças à subvenção financeira de Félix Weil, filho de um grande comerciante com negócios na Argentina, o Instituto dedicava-se (antes do Horkheimer), principalmente, a estudos sobre a história do movimento operário, especialidade de seu então diretor, o professor de economia política Carl Grünberg. A tais estudos, somavam-se análise sobre a crise da economia capitalista e o funcionamento da economia planificada( o funcionamento da União Soviética).[[ O grupo conseguiu articular uma série de pesquisadores que vieram de partidos de esquerdas. Era autônomo em relação a Universidade de Frankfurt) Mas com a vinda de Horkheimer, as pesquisas ganharão uma perspectiva substancialmente diferente. (Martin Jay – A imaginação dialética, história do instituto)

A nova linha de pesquisa encontra-se enunciada na conferência de janeiro de 1931 que Horkheimer pronuncia à ocasião de sua posse como diretor do Instituto. Ela tinha por título “A situação atual da filosofia social e as tarefas de um instituto para a

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pesquisa social”. Como vocês percebem, já seu título não deixará de ressoar na conferência que Adorno dará meses depois. Nos dois casos, era questão de uma reflexão sobre o quadro atual da filosofia (basicamente aquela de tradição alemã) e sobre as possibilidades que então se abriam. Por isto, uma boa maneira de entrar na leitura da conferência de Adorno é lembrando inicialmente algumas questões presentes na conferência de Horkheimer, já que, muito seguramente, o público das duas conferências era o mesmo. [o Adorno chega a fazer insinuações a respeito da conferencia de Horkheimer – o filósofo escalador de paredes, v.g.]

[ o texto tem duas funções: posicionamento do Adorno no interior da filosofia alemã – fenomenologia do Hurssel e Heidegger e o positivismo lógico; segunda, ele sugere uma perspectiva de filosofia que pode ser ao mesmo tempo materialista e dialética, a partir duma confrontação com Benjamim, referência maior nesse momento.) Ler prefácio Origem do Drama Barroco Alemão; o capítulo da A teoria do romance de Lukacs)

O lugar da filosofia

A conferência de Horkheimer inicia com a afirmação da que a filosofia social deve estar no coração das preocupações maiores da filosofia. Fundada na reflexão sobre fenômenos que só podem ser entendidos no contexto da vida social (como estado, lei, economia, religião), a filosofia social encontraria seu impulso decisivo na recusa hegeliana em deduzir tais categorias da análise solipsista de sujeitos isolados. [Hegel inaugura uma nova maneira de fazer filosofia porque inaugura uma nova maneira de pensar objetos cuja realidade é eminentemente social; isso terá continuidade com Marx e posteriormente a Escola de Frankfurt.]]] Daí a necessidade de Horkheimer lembrar da crítica hegeliana a pretensa tendência kantiana em derivar os princípios fundamentais da moral, arte, conhecimento, direito a partir de uma reflexão que parte da estrutura individualizada da consciência ou da análise a priori de suas faculdades.[ [[Horkheimer lembra do sentido dessa crítica hegeliana ao Kant, que consiste em dizer q não devemos, a se perguntar o que eu posso saber, partir da consciência isoladamente. Kant, na CRP, ao partir da consciência das suas faculdades, da maneira como se relacionam o entendimento, a razão, a imaginação, quando se pergunta o que devo fazer, eu não devo partir da auto reflexão solipsista da consciência, uma consciência que pergunta sobre a possibilidade de estabelecer uma regra universal e categórica da qual ela mesma é autora e que submete a sua vontade da natureza de uma vontade livre.]]] Contra isto [[[Hokhermeir sempre insistiu que essas ações tão vinculadas a maneira com que todas as ações subjetivas, do sujeito, são desde o inicio ações sociais, vinculadas ao campo que define o sentido da ação individual. Hegel tem que dá um nome pra essa campo “ espírito”. A escola de Frankfurt foi precisa ao lembrar que espírito não é um conceito metafísico como a principio pode parecer. Há uma versão desinflacionada do ponto de vista metafísico pra compreensão do que é espírito hegeliano. Espírito, em última instancia, é esse processo através do qual as consciências individuais podem apreender reflexivamente aquilo que determina o seu modo de conduta. Ou seja, é o proceso através do qual a consciência pode apreender a natureza desse vinculo social que determina a conduta das ações individuais. Hegel insiste nessa espécie de back ground normativo é resultado de processos histórico e a consciência tem que absorver esses processos do que aparece a ela como racional e necessária. Por isso Horkheimer pode dizer que ele funda a filosofia social, porque o objeto da filosofia hegeliana não é a consciência, mas aquilo que ele chama de espírito. Ou seja, a filosofia hegeliana segundo Horkheimer não é uma filosofia da consciência nem da absolutização da

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consciência, mas daquilo que fornece uma realidade social para os princípios gerais da razão. ]]]]Daí porque ele Horkheimer insiste na maneira com que, na filosofia social hegeliana: “a essência ou a forma substantiva do individual manifesta-se não em atos pessoais, mas na vida do todo ao qual ela pertence” ( todas as ações do sujeito individuais são ) É desta forma que o idealismo pode se transformar, em Hegel, em filosofia social. [[essa idéia mesma que parte do caráter constitutivo da subjetividade, ou seja, a idéia de que a subjetividade é a aquela que possibilita toda e qualquer experiência válida e racional. Parte disso para a idéia de que, afinal de contas, para que possamos compreender a constituição do campo de validade da experiência é necessário não partir da experiência. Daí porque a Fenomenologia hegeliana não é uma fenomenologia da consciência, mas do espírito. ]]]

Hegel não desconhece a natureza conflitual e não-imediata da relação entre os interesses do indivíduo e o modo de afirmação da necessidade inerente à totalidade da vida social. Uma totalidade que se realiza normalmente na figura institucional do Estado justo.[[ a idéia fundamental do Hegel é que o espírito pode fornecer a substancia das instituições na modernidade, substancia para a racionalidade das instituições que deve se realizar na figura do Estado misto. Todas as ações subjetivas, enquanto ações sociais, procuram ser reconhecidas por estruturas institucionais. Para o Hegel, a estrutura fundamental da vida social na modernidade é o Estado.]]] No entanto[[[o que significa pensar a partir dessa perspectiva nos anos 30 do século XX, pois uma coisa é pensar nessa perspectiva no limiar histórico da filosofia hegeliana, onde duma certa forma ainda era possível fazer uma aposta no processo histórico de racionalização e de modernização das instituições sociais. Agora o que dizer dos anos 30 na Alemanhã, o momento no qual se vê o resultado de um processo ligado aodesenvolvimento exponencial que ocorreu na segunda metade do século XIX do capitalismo e da maneira como o capitalismo interferiu enquanto dispositivo fundamental de organização social na configuração de todas as instituições sociais. Essa é uma questão fundamental pro Horkheimer, veja, desde a família, que sofreu impacto do desenvolvimento do capitalismo, a partir do momento em que o pai não será mais uma espécie de senhor da casa e empreendedor autônomo que introduz o filho no interior do mundo do trabalho, mas será o simples funcionário burocrático – peso disso na noção de autoridade paterna e na configuração dos vínculos familiares. Até o impacto no interior do Estado, e aí vem a idéia Frankfurtiana fundamental de que o capitalismo contemporâneo é um capitalismo de Estado, onde o Estado e as grandes corporações operam de maneira absolutamente coesa e conjugada; a racionalidade das corporações interfere no interior do estado. Essa é uma questão fundamental que problematiza esse modo próprio do Hegel de pensar as articulações entre expectativas das individualidades e possibilidade da totalidade da vida social. Daí porque a questão fundamental pros frankfurtianos é fazer uma crítica da totalidade social, ou, pelo menos no caso do Horkheimer, não se trata de fazer uma crítica de toda e qualquer toda e qualquer possibilidade de se fazer uma reflexão sobre a totalidade da vida social, mas de fazer uma crítica da falsa totalidade que se instaurou num determinado momento histórico marcado pelo desenvolvimento do capitalismo enquanto modo de produção.]]] Então, o modo de desenvolvimento histórico da indústria, da tecnologia, das ciências positivas e dos regimes de reprodução social exigem, da filosofia social, não apenas a problematização do projeto hegeliano, mas a compreensão das novas condições necessárias à sua realização. [[ou seja, para que esse projeto seja realizado será necessário que, no horizonte da reflexão teórica ainda esteja presente a possibilidade de realização de uma verdadeira totalidade. A respeito disso Horkheimer não se desespera nesse momento, ele acredita, como todo marxista na época acredita, porque acredita numa certa filosofia

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da história ligada a um processo de desenvolvimento que teria inclusive um sujeito histórico em formação, o proletariado (chave de leitura de Lukács, formação da consciência proletária de classe.) Esse esquema vai ruir, pelo menos pros frankfurtianos, alguns anos depois, 1933, com ascensão do fascismo e do nazismo, porque pra eles a ascensão do nazismo demonstrava, em última instancia, que proletariado poderia se tornar um dos pilares da regressão. Não que toda classe proletária tenha cerrado fileiras com o partido nazista, mas uma boa parte. A questão fundamental era: o que aconteceu com a classe operária? Esse tipo de questão vai continuar no interior do universo de pesquisa dos frankfurtianos quando eles tiverem nos EUA onde o processo vai ocorrer com a transformção do proletariado na nova classe média. Como o proletariado aparece como uma nova classe média, que longe de ser portadora de um horizonte de constituição de uma nova totalidade social acaba fornecendo as bases de sustentação desse processo de estabilização social. Algo que em última instancia estamos enxergando no nosso país.Veja, Horkheimer – o horizonte de um projeto de totalidade, o que permite que seja fiel a ao projeto hegeliano, à sua maneira. (40 minutos)

Horkheimer é sensível à maneira , por exemplo, com que um certo positivismo afirmava-se tanto na filosofia quanto na sociologia através da crítica a todas categorias ‘abstratas” e “universalistas’, como: classe, ideologia, consciência de classe e totalidade. [ Nesse momento há todo o desenvolvimento de uma certa sociologia tributária metodologicamente do positivismo lógico do Circulo de Viena, que abandona essas categorias por serem demasiado genéricas e passam a trabalhar com categorias como “grupo social”, como uma certa individualidade metodológica que faz com que as ações sociais devam ser vistas primeiramente a partir das individualidades ; o processo de legitimação das ações sociais a partir das individualidades..

Horkheimer compreende esse esforço de abandona essas catagorias “demasiado genéricas”como uma maneira de hipostasiar o dado, de impedir o pensamento de ir além da contemplação do que aparece à “consciência natural” como uma mera efetividade, como realidade bruta. Por outro lado, como bem identificou Honneth em um texto bastante importante: “quando o Instituto de Pesquisas sociais de Frankfurt começa seus trabalhos no inicio dos anos 30 sob a direção de Horkheimer, a estrutura comum é ainda largamente marcada por uma fé no progresso(possibilidade de realização de uma verdadeira totalidade) alimentada pela filosofia da história”1. Ou seja, contra a hipóstase do que aparece como o que meramente é ( do que aparece como um dado irredutível), a filosofia social deve deixar-se pautar por um ideal de reconciliação social filosoficamente fundamentado nas considerações sobre a natureza emancipatória do projeto da modernidade. Ela deve fornecer bases para processos de valoração que orientam a crítica social. [[[Uma maneira de vincular crítica da razão a crítica social. Horkheimer faz esse recuo ao Hegel porque ele insiste em dizer: há um projeto da modernidade em marcha, e a filosofia hegeliana é um exemplo maior, esse projeto é constituído a partir do abandono da filosofia da consciência e da criação de uma verdadeira totalidade social capaz de ser o espaço de reconhecimento das singularidades dos indivíduos e não é simplesmente o espaço d agenciamento das individualidades a partir de interesses que lhe são estranhos. Esse projeto fundamenta toda e qualquer pesquisa nas ciências humanas porque fornece o horizonte critico que deve ser a base das ciências humanas; o elemento de valoração das ciências humanas.]]]

Isto não significa, no entanto, alguma espécie de imperialismo filosófico onde esta fornece o quadro de valores que deve guiar pesquisa empíricas que, em si mesmas, devotar-se-iam a problemas parciais e perdidos em meio a questões de especialistas.

1 HONNETH, Patologias do social In: La société du mépris, p. 78

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[[Esse é um dado muito interessante que é a maneira como os frankfurtianos tentarão pensar a relação entre filosofia e ciências humanas]] Horkheimer fala de uma interpenetração dialética através da qual a filosofia e teoria social se influenciam mutuamente. Isto significa, de maneira mais precisa:

organizar investigações estimuladas por problemas filosóficos contemporâneos onde filósofos, sociólogos, economistas, historiadores e psicólogos estejam juntos em colaboração permanente para empreender em comum o que, em outros campos(ciências naturais), pode ser realizado individualmente em laboratório. Em suma, a tarefa é fazer aquilo que todos verdadeiros pesquisadores sempre fizeram, ou seja, perseguir suas questões filosóficas maiores através dos métodos científicos mais precisos a fim de revisar e refinar suas questões a partir do desdobramento de seus trabalhos e de desenvolver novos métodos sem perder a visão de amplos contextos. Com esta perspectiva, nenhuma resposta por sim ou não deriva de questões filosóficas. (as questões filosóficas não podem ser questões que devam ser respondidas por sim ou não) No entanto, tais questões integram-se no processo de pesquisa empírica, suas respostas estão no avanço do conhecimento objetivo que afeta a própria forma das questões2.

[Interpenetração significa, nesse contexto, em dizer que as questões filosóficas não são postas de maneira exterior as questões empíricas, já estão presentes em toda e qualquer questão empírica. Essa já é uma maneira muito particular de compreender a relação por exemplo entre ciência e metafísica. É como se o Horkheimer tivesse dizendo: não há distinção estrita, contrariamente ao que o positivismo lógico gostaria nos fazer acreditar, ciência e metafísica. As questões maiores das práticas científicas derivam de pressupostos que tem peso metafísico, no sentido de que principalmente no campo das ciências humanas, derivam de pressupostos do que o sujeito é, a respeito do que significa um julgamento racional, a respeito de como funciona a razão, qual o valor da experimentação, o que significa uma generalização, Em que momento eu posso generalizar. Esses cálculos, contrariamente ao que possam parecer, não derivam simplesmente da ótica da descoberta, nem derivam do calculo da eficácia. Eles nascem de uma série de pressupostos fartamente aceitos pelo discursos científico. Isso permite Horkhemer afirmar que existe questões filosóficas no interior das questões empíricas. Compreender essas questões a partir das pesquisas empíricas vai nos permitir reconstituir certas questões filosóficas, a partir do impacto do desenvolvimento das pesquisas empíricas. É isso que ele tem em mente e é isso que o Adorno tentará fazer em vários momentos, por exemplo: quando Adorno na sua pesquisa sobre A Personalidade autoritária se confrontar com a necessidade de se fazer escalas e questionários. [instrumentos fundamentais de toda e qualquer pesquisa empírica, principalmente os questionários; Adorno se ve obrigado a reconstituir a idéia de questionário, porque ele parte da idéia de que existe algo como o incosciente, então de nada adianta a resposta consciente dos sujeitos, porque o máximo que consigo é saber que os sujeitos sabem responder às perguntas corretamente. A pesquisa sobre a moralidade do povo brasileiro, em que se discubriu que a classe letrada é muito mais moral do que o povo brasileiro, pois respondia que demonstrava seu asco pela corrupção de maneira mais evidente do que as classe baixas. Isso não significa muito coisa além de que ela sabe responder perguntas. Ou seja, estava aceitando que há coisa como disposições de conduta que não se manifesta de maneira imediata. Como se deve fazer um questionário que procura os lapsos, as distorções de respostas. Onde há esse

2 HORKHEIMER, A situação atual da filosofia social e as tarefas de um instituto de pesquisas

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momento em que há uma clivagem que aparece na própria fala dos entrevistados. Isso só é possível porque há um conceito de sujeito em questão. Daí porque até hoje os aparatos sociológicos do Adorno são vistos com espanto, pois só fazem sentido na interface entre filosofia e teoria social.

Por outro lado, esta é a primeira formulação do que aparecerá anos mais tarde (1937), em um texto maior de Horkheimer intitulado Teoria tradicional e teoria crítica, como sendo o “programa interdisciplinar” que deverá aparecer como horizonte metodológico dos esforços de pesquisa que caracterizarão a chamada Escola de Frankfurt. Neste momento, tal programa interdisciplinar está ligado à tentativa de analisar a conexão entre vida econômica social(objeto da economia), desenvolvimento psíquico dos indivíduos(objeto da psicologia) e mudanças no reino da cultura (entendida no sentido alemão, tudo aquilo que é produção social, algo mais próximo do nosso entendimento de civilização) tomada aqui em seu sentido o mais amplo possível(objeto da sociologia). Horkheimer vê tal análise como um setor renovado do problema clássico a respeito da conexão entre existência particular e Razão universal, realidade e Idéia, vida e Espírito. [ou seja, ele percebe que nesses problemas fundamentais dos campos empíricos da teoria social está presente o problema clássico da filosofia da relação entre exigências universalistas de racionalidade e racionalização e a vida dos indivíduos singulares; a relação entre universalidade e particularidade no campo da vida social; porque a final de contas o que está em jogo é que uma certa estrutura social funcione, produza riqueza, certas possibilidades de realização dos indivíduos; de desenvolvimento psíquico, ou seja, o processo de socialização, de individuação dos sujeitos no interior das instituições sociais; o sujeito pode ser reconhecido pela família, pelas instituições, enquanto sujeitos capazes de suportar julgamentos morais, estéticos, e mudança na esfera geral da cultura. O que está em jogo, segundo Horkhemeir um problema fundamental da filosofia moderna: como é possível o agenciamento entre exigências de reconhecimento da individualidade e as necessidades fundamentais da universalidade social. ]]]

Não se trata de pressupor uma correspondência completa entre Idéia e realidade material, mas de, através de uma relação renovada entre filosofia e teoria social, dar conta de um duplo processo de reconfiguração das questões filosóficas(por um lado), seus métodos e de orientação do potencial crítico da teoria social. Daí porque Horkheimer insiste em uma filosofia social capaz de, por exemplo, saber avaliar pesquisas empíricas, questionários, estudos sobre comunicação de massa, aproximando-se cada vez mais do método de análise próprio à sociologia é uma exigência absolutamente necessária pro futuro da filosofia.

Todas estas questões não deixam de estar presentes como pano de fundo da conferência que Adorno pronunciará meses mais tarde. O problema da relação entre filosofia e teoria social, a metodologia da especulação filosófica, assim como sua função contemporânea enquanto discurso de forte potencial crítico, a posição em relação às correntes então hegemônicas no cenário intelectual alemão (em especial, a fenomenologia e o positivismo lógico): todas estas questões formam a ossatura do texto adorniano. No entanto, uma série de diferenças entre a posição de Adorno e Horkheimer que são fáceis de serem identificadas.

Perguntas:

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A idéia de Horkheimer é que há um sujeito que é destinatário e agente do processo histórico cujo progresso me permite fazer a critica do que seria uma espécie de falsa totalidade social, que parece pro HHH naquele momento, uma totalidade social marcada pelo impacto do proceso de colonização das esferas sociais de valores pelo processo de desenvolvimento do capitalismo. Essa questão é fundamental porque se eu posso fazer a critica da totalidade social é porque eu tenho no meu horizonte algum tipo de reconstrução das potencialidades inseridas no projeto de emancipação da modernidade, que vai produzir um sujeito capaz de dar esse salto qualitativo e instaurar uma nova totalidade e esse sujeito é a classe operária. Daí a necessidade teórica e intelectual de constituir a consciência da classe operária, o sujeito histórico( uma idéia fundamental do Lukács, qual o HHH compartilha). A questão que aparece depois a ascensão do nazismo é que não há mais um sujeito que possa ser destinatário do processo histórico, ou seja, não é possível pensar o proletariado com a consciencia de classe capaz de levar a cabo as exigências do processo histórico pensado enquanto processo de emancipação. Para chegar a essa conclusão eles levam em conta tanto a maneira como o nazismo foi capaz de agenciar os interesses da classe operária ( um dado concreto, pois a popularidade do partido nacional socialista antes da guerra era enorme). Um outro dado é que eles estão nos EUA nos anos 50(embora esteja em realidades distintas) e eles vêem esse processo de constituição de uma nova classe média basicamente proletária inserida num universo de produção material e de consumo do capitalismo avançado. Daí eles terão que pensar o que signficado desse impacto no interior de uma certa filosofia da história que acreditava na existência de um sujeito com uma práxis revolucionária. O único que talvez ainda continue pensado nesse esquema no interior da Escola de Frankfurt será o Marcuse, mas aí ele terá que fazer uma grande inversão: o sujeito histórico capaz de fazer o papel da classe operária são as minoriais, que vão constituir uma espécie de potencia renovadora.

Como é possível identificar a influencia de Max Weber é decisiva, pois ele fornece a teoria da modernidade social da Escola de Frankfurt, teoria dos processos de racionalização, que vão ser fundamentais pra constituição do aparato crítico da Escola de F. quando a EF desenvolver a chamada critica da racionalidade instrumental isso será fundamental.

A totalidade como problema (01h05min)

Lembremos mais uma vez da maneira com que a conferência de Adorno começa:

“Quem escolhe atualmente por ofício o trabalho filosófico, deve renunciar desde o começo a ilusão que inicialmente animava os projetos filosóficos: a de que seria possível apreender (ergreifen) a totalidade da realidade (Wirklichen) através da força do pensamento”3.

Como dissera na aula passada, esta consciência, historicamente enraizada, do descompasso entre exigências de sistematicidade do pensamento e uma realidade que parece resistir à possibilidade de se deixar formalizar como totalidade é o motor que levará Adorno a constituir a configuração de sua própria experiência intelectual. (uma temática que vai aparecer por exemplo já na primeira frase da Dialética Negativa,

3 ADORNO, Die Aktualität der Philosophie, p. 325

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quando ele se pergunta sobre a possibilidade da filosofia) A princípio, parece estarmos longe desta maneira horkheimeana de colocar-se sob a égide de uma certa recuperação do projeto hegeliano de constituir uma filosofia social suficientemente fortalecida pela sociologia a ponto de dar conta das articulações globais da realidade socialmente partilhada e de suas promessas de racionalidade. ( Daí a necessidade de se criar esse pool de especialista sob os auspícios da filosofia social). Se é verdade que: “em Horkheimer, a filosofia social é finalmente a rainha das ciências”4 devido ao seu caráter sintético, em Adorno aparece desde o início uma necessidade reiterada em afirmar que: “Nenhuma razão legisladora pode reencontrar-se em uma realidade cuja ordem e forma (Gestalt) exclui toda pretensão da razão”5. Ou seja, o primeiro dado a respeito do qual a filosofia deve confrontar-se de maneira demorada é a desintegração da adequação (angemessen) entre pensamento (conceito) e ser. Uma desintegração que faz com que a própria idéia de ser apareça como um “princípio formal vazio” (leeres Formalprinzip). Para Adorno, toda filosofia que pressupõe tal adequação (a adequação positiva e ser) deve ser compreendida como idealista. [[[Idealista pro Adorno é toda filosofia que pressupõe a adequação entre pensamento e ser; pensamento aqui pensado como conceito, conceito aqui pensado como o modo de projeção da força constitutiva da subjetividade no campo da experiência. Então, é idealista toda filosofia que acredita que o campo da experiência é fundamentalmente o campo da realização do conceito, ou seja, o campo organizado, ordenado pelo conceito. O campo que de direito é acessível imediatamente ao conceito. O que levará o Adorno a tecer considerações sobre como se dá a experiência do que inicialmente é não conceitual, como isso interfere na constituição do conceito. Não se trata de fazer nenhuma apologia de irracionalismo mas de complexificar a relação entre conceito e ser Daí porque uma das operações mais recorrentes do texto consiste em mostrar como o espectro do idealismo ainda assombra a filosofia atual (através principalmente da fenomenologia). [[[ o adorno vai chamar de idealismo. E é muito interessante porque essa idéia de que no limiar do Século XX nós ainda estaríamos assombrados pelo idealismo aparece em vários problemas filosóficos. Sartre, por ex., mais ou menos na mesma época, quando vai dizer que o idealismo é um pouco como uma aranha que joga sua telha e reveste os objetos com uma baba para que posso ser deglutido depois. A aranha como animal idealista por excelência. A crítica de Adorno é a mesma, isto é, a um principio de constituição da experiência baseada na força constitutiva da subjetividade transcendental que nos coloca ainda nas vias de um certo idealismo e a possibilidade da filosofia está absolutamente vinculada a critica das múltiplas figuras desse idealismo, ou seja, em última instancia, a critica das múltiplas figuras dos equívocos da filosofia transcendental. Daí porque um dos elementos fundamentais do programa filosófico adorniano é: a filosofia é possível e necessária materialista e dialética, dois termos que vão absolutamente de encontro a idéia de transcendentalidade. Uma ótima maneira de tentar compreender a dialética e fazer isso em confrontação com toda e qualquer filosofia transcendental. Não há idéia de transcendentalidade pro pensamento dialético. Materialista vai insistir na força de sentido daquilo que aparece como realidade material. A crítica do idealismo transforma-se em peça de orientação do próprio programa filosófico adorniano.

Não deixa de ser desprovido de interesse lembrar que o ponto de partida da experiência filosófica adorniana era, a sua maneira, o resultado da absorção de um diagnóstico utilizado para dar conta dos desafios para a produção artística da época. A perda de unidade da experiência do mundo aparecia na estética vanguardista como

4 MÜLLER-DOHM, Stephan; Adorno, p. 138 5 ADORNO, idem

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consciência do esgotamento das formas artísticas arraigadas na tradição com sua força sintética e sua capacidade de constituir obras de arte como totalidades orgânicas.[[[ daí começa a idéia da dissolução da obra e por outro da dissolução das formas tradicionais]]] Já o expressionismo, o grande movimento artístico do modernismo alemão, trazia no seu interior o esgotamento terminal das “leis formais universais”[[[o que trazia a necessidade de se recuperar a idéia de expressão, uma expressão subjetiva, uma expressão que tinha como problema o fato dela ser desprovida de gramática, que aparecia como distorção das formas tradicionais como alongamento dos processos de visibilidade no interior do quadro, como reconstituição total da idéia de forma do quadro, como uma distorção da apresentação da estrutura de apresentação da visibilidade do mundo, ou seja, uma apresentação que longe de trazer um principio positivo de reordenamento traz na verdade a consciência daquilo que o jovem Adorno chamava de “separação entre o Eu e as formas”. Daí porque: “Se o poeta e o pintor expressionista procuram retratar não a objetividade do mundo, nem o modo como ele se mostra aos sentidos, mas sim reconstruir o primado da subjetividade na relação com o que lhe é externo, a consciência da impossibilidade de atravessar o abismo que ligaria o Eu ao mundo também afeta a possibilidade de comunicação dessa expressão pura, [[ a expressão será na verdade expressão desse abismo que separa as exigências de autenticidade do sujeito e as formas tradicionais do pensar no interior do campo estético, daí porque a possibilidade de comunicação do expressionismo será]]cristalizada no ideal do ‘grito’”6.

Mas o que seria exatamente esta desagregação da experiência do mundo( em que elemento fundamental no interior da discussão sobre a perda da apreensão da totalidade da realidade pelo pensamento) que tanto a estética quanto a filosofia do início do século XX parecem sentir de maneira decisiva?

Mais ou menos na mesma época e contexto cultural, o sociólogo Max Weber insistia que um certo sentimento de desagregação e de indeterminação apareciam necessariamente como saldo dos processos de modernização social e de desencantamento do mundo. Weber se referia, principalmente, à perda do poder de unificação social produzido pelas explicações mítico-religiosas de mundo. [[[ uma idéia tácita no conceito weberiano de modernidade é que na modernidade as esferas sociais de valores, como a arte a ciência, a religião, a economia, teriam se autonomizado porque não haveria mais um poder unificador social que unificasse todas essas esferas a partir de um mesmo padrão de valoração e racionalidade. Esse poder unificador era fornecido pelas explicações mítico-religiosas de mundo. ]]]

A tensão entre a significação religiosa e a direção do mundo material levará necessariamente àquilo que Weber chamava de “autonomização das esferas social de valores”, ou seja, processo de autonomia cada vez maior entre os conteúdos normativos, as exigências de validade e o desenvolvimento da arte, da ciência, da política e da economia. Cada uma destas esferas da vida social irá desenvolver aquilo que Weber chama de “legalidade própria”. Isto significa que cada esfera da vida social ganhará, na modernidade, a possibilidade de se desenvolver de “acordo com suas próprias leis” e sem precisar, a todo momento, fazer apelo ao poder unificador dos mitos mítico-religiosos socialmente partilhados. Algumas conseqüências importantes resultam de tal processo.[[trata-se de afirmar que uma experiência fundamental da modernidade eu já não procuro mais um padrão geral de validade entre por exemplo o belo, o justo e o

6 ALMEIDA, Jorge; Crítica dialética em Theodor Adorno, p. 40

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bom, ou seja, entre aquilo que é objeto de julgamentos morais, entre aquilo que é objeto de julgamentos estéticos, entre aquilo que é objeto de , porque não há mais um poder unificador capaz de fornercer um padrão de julgamento para as esferas sociais de valores. Isso quer dizer que cada uma das esferas começa a se desenvolver a partir da sua legalidade própria, a partir de seus problemas internos, a partir de suas complexificações internas

Primeiro, lembremos desta tendência de fragmentação da vida social e de conflito entre exigências de validade. Esta fragmentação foi bem salientada por Habermas, ao lembrar que: “uma vez que as imagens do mundo se desagregam e os problemas legados se cindem entre pontos de vista específicos da verdade, da justeza normativa, da autenticidade ou do belo, podendo ser tratados, respectivamente, como questão de conhecimento, como questão de justiça e como questão de gosto, ocorre nos tempos modernos uma diferenciação de esfera de valor: ciência, moral e arte”7. Todo o problema consistirá em encontrar algum modo de diálogo entre a verdade aspirada pelo discurso científico, a justiça aspirada pelo discurso jurídico e a autenticidade aspirada pela arte (embora esta compreensão da arte como domínio da autenticidade expressiva nào deixe de colocar uma série de problemas).

Enquanto tal diálogo não encontrar lugar o resultado não será apenas o crescimento da distância entre especialistas e a habermasiana de esfera pública. As esferas de valores tendem a ser cada vez mais complexas, inesgotáveis e refratárias à tradução. Seu desenvolvimento impede processos de totalização. Isto faz com o sujeito moderno apareça como aquele que sente a desintegração da possibilidade de apreensão da experiência de totalidade capaz de garantir o acesso ao sentido do existente por operações dedutivas. O desencantamento do mundo( ligado a perda do poder unificador das estruturas mítico-religiosas socialmente partilhadas) mostra aqui, segundo Weber, seu sintoma mais profundo: a entificação de uma antropologia da finitude, a indeterminação social e a perda do sentido que só uma racionalidade orientada por valores seria capaz de garantir. [[[ a idéia central: a modernidade seria o momento, primeiro, de autonomização das esferas sociais de valores; ao se autonomizar as esferas começam a se desenvolver a partir de sua legalidade própria, o que faz com que adquiram um grau cada vez maior de complexidade; a esfera da economia, os problemas de economia adquirem um grau de complexidade cada vez maior; no campo da estética, os problemas da estética, idem; ou seja, o que tende que cada uma dessas esferas seja colonizada pelo discurso de especialistas. Isso faz com que o sujeito moderno, aquele que sente o impacto da complexidade, o impacto que faz com que a experiência da totalidade seja uma experiência cada vez mais impossível. E daí não possa ser apreendida pela força do pensamento, segundo Adorno.....

(9:15): Esse é um dado muito interessante porque, devido a um impacto de uma discussão muito mal posta entre modernidade e pós-modernidade, em compreender todos esses processos de indeterminação social, compleficação, perda de totalidade, como processos que não decorrem do impacto da modernidade, mas de algo muito fluido que seria a “pós-modernidade”. No entanto, pós-modernidade é um conceito muito ruim de ser trabalhado. Primeiro, porque é um conceito de guerrilha intelectual; segundo, porque é um conceito que tem uma compreensão completamente esteriotipada do que é a experiência da modernidade. Um dado interessante é que todas essas caracterizações do que é a experiência da modernidade tendem hoje a, por ex, a serem vistas como caracterizações da nossa época contemporânea, que já seria uma época para além da modernidade. Isso demonstra entre outras coisas a atualidade do problema com

7 HABERMAS, Modernidade : um projeto inacabado, p. 110

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que os frankfurtianos se confrontam, ou seja, a atualidade do tipo de questão que aparece como questão fundamental que pode forçar o pensar.

Esta idéia da experiência da modernidade como a entificação de uma espécie de uma antropologia da finitude( vinculada ao fato de que para o sujeito moderno sua experiência será sempre uma experiência finita no sentido de que ela é incapaz de apreender aquilo que o campo da experiência social nos fornece) fica muito bem caracterizada em um trecho maior de Weber a respeito do fenômeno moderno de ausência de sentido da morte:

Ela não o tem porque a vida individual do homem civilizado, colocada dentro de um progresso infinito, segundo seu próprio sentido imanente, jamais deveria chegar ao fim; pois há sempre um passo à frente do lugar onde estamos, na marcha do progresso. E nenhum homem que morre alcança o cume que está no infinito. Abraão, ou algum camponês do passado, morreu ‘velho e saciado de vida’, por que estava no ciclo orgânico da vida (...) O homem civilizado, colocado no meio do enriquecimento continuado da cultura pelas idéias, conhecimento e problemas, pode ‘cansar-se da vida’, mas não ‘saciar-se dela’8.

Podemos dizer que a proposta horkheimeana de organizar um programa interdisciplinar sob os auspícios da filosofia social consistia em reconstruir uma experiência possível de totalidade acessível à reflexão. Ela vinha ainda marcada de uma importante inflexão marxista fortemente influenciada por Georg Lukács que, grosso modo, consistia em dizer que esta autonomia das esferas sociais de valores e a constituição de racionalidades próprias a cada uma das esferas (que se dava na sociedade capitalista) era um processo que tendia a esconder um outro, a saber, [[a exiestencia de um outro poder unificador que se desvela quando nos atentamos]] a maneira com que todas estas esferas tendiam a ser racionalizadas a partir de [[um mesmo padrão de racionalidade; que, segundo Lukács, tem a sua fonte maior na experiência econômica da forma mercadoria]] nas dinâmicas de abstração e quantificação ligadas à universalização da forma-mercadoria. Como dirá Lukács:

Não há problema nessa etapa de desenvolvimento da humanidade que, em última análise, não se reporte a essa questão e cuja solução não tenha de ser buscada na solução do enigma da estrutura da mercadoria”, já que o problema da mercadoria seria: “o problema central e estrutural da sociedade capitalista em todas as suas manifestações vitais. Pois somente nesse caso pode-se descobrir na estrutura da relação mercantil o protótipo de todas as formas de objetividade e de todas as suas formas correspondentes de subjetividade na sociedade burguesa9.

Lukács pode dizer isto porque a forma-mercadoria não é apenas um dado econômico, mas um modo global de organização e de racionalidade que parece colonizar todas as esferas a partir do modo de racionalidade em operação na esfera econômica. [[[ o que está por trás disso: a crítica é mais ou menos a seguinte: Weber acredita que modernidade é solidária desse impacto da autonomização das esferas de valores e da inexistência de um padrão geral de racionalidade, já que cada uma das esferas funciona com um padrão de racionalidade própria; no entanto, Weber procura não tematizar o fato de que todas essas esferas de valores se submetem ao mesmo padrão de racionalidade, em que sentido? Um exemplo: no campo da ciência é racional

8 WEBER, A ciência como vocação, p. 1669 LUKÁCS, História e consciência de classe, p. 193

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o tipo de ação que se pauta pela possibilidade de mensuração (quantificação) dos objetos, de abstração (ligada ao fato de que pra você poder quantificar objetos distintos é preciso que você encontre um padrão geral de cálculo) você poder falar que todo fenômeno do mundo possa ser massa x aceleração F: M . A, pra que eu possa constituir uma equação dessa natureza há um procedimento de abstração fundamental onde a singularidade do aqui e agora dão lugar a generalidade da consideração dos objetos como massa que podem se multiplicados por uma variável de aceleração. Mensuração, quantificação, dominação pelo calculo, Weber vai falar. Interessante que ele vai falar que não é verdade que a modernidade resultou no aumento da capacidade técnica dos indivíduos; o sujeito que hoje pega um ônibus não sabe como ele funciona, não tem a menor idéia das células mais básicas que circundam a sua vida. Do ponto de vista técnico, um índio tem uma capacidade técnica muito maior que o sujeito moderno porque ele tem o domínio dos seus instrumentos, utensílios, ele sabe como usar e potencia o seu uso. No entanto, a modernidade nos trouxe, diz Weber em Ciencia e Vocação, o fato de que é de direito ( mesmo que não seja de fato) que nenhum conhecimento esteja a nossa distancia, que todo e qualquer conhecimento possa ser dominado pelo calculo. Veja, nessa consideração mais ou menos trivial há a presença de uma idéia de racionalidade, pois o que é racionalidade? Razão não é simplesmente os procedimentos gerais que permitem orientar-se pelo pensamento e produzir jugalmentos que possam ter validdade objetiva. A razão é basicamente uma forma de vida, ou seja, é um processo de racionalização da nossa forma de vida que impõem de maneira ou de outra uma forma de viver. Descartes já afirmava que a função fundamental da razão era nos permitir ser senhor da natureza, ou seja, já era de uma maneira ou de outra uma forma de vida que procurava realizar valores como por exemplo a emancipação, a autonomia, a espontaneidade dos sujeitos. A racionalidade sempre foi vinculada ao sistema de valores. Então, qual a idéia central aqui? Há um principio geral de racionalidade, um pouco como Foucault dizia em As palavras e as coisas; há uma episteme que racionaliza cada um dos modos de saber, por exe, como Weber vai falar de uma esfera que aparece totalmente autônoma desse tipo de discussão: a arte. Ele vai discutir a esfera artística, o principal texto chama “fundamentos sociologicos racionais da música”, texto importante pro Adorno, a questão fundamental do texto é: por que só no ocidente existe música moderna? O que significa a música racional, cujo padrão de raionalidade lhe é interno, a música moderna tem como característica fundamental o fato dela não ser mais dependente de funções extra-musicais , é uma realidade autônoma. A música foi a primeira das artes a se autonomizar. Weber se pergunta o que aconteceu com a música na modernidade. Grosso modo, Weber dirá que a música tem dois vetores: um vetor sincrônico e um vetor diacrônico. O nome do vetor sincrônico da musica chama-se melodia, ou seja, é um modo de encadeamento de elementos musicais sucessivos. A melodia é isso por exemplo que você pode cantar quando vai cantar uma canção, você canta um modo de encadeamento de fatos musicais que se desdobram no tempo. O vetor diacrônico da musica é chamado de harmonia, que tambpem pode ser objeto do que se chama de contraponto, que é: dada uma música, uma peça, há vários instrumentos que tocam simultaneamente. Se eles tocam simultaneamente é necessário que eu pense um modo de relação entre isso que acontece sincronicamente no mesmo tempo. É necessário que essas relações seja consonantes. Se cada uma das vozes fizer o que não tem nada a ver com as demais acontece um processo de completa dissonância, cacofonia. Essa reflexão sobre os modos de relações entre fatos musicais simultâneos é o que chamamos de harmonia. O fato é que, a partir do momento em que regras de harmonia começam a ser obedecidas em vários fatos simultâneos eu começo a esperar, a ter uma expectativa sobre fatos posteriores , eu começo a ver uma progressão

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harmônica. Veja, se vocês estão ouvindo uma música e param no meio você conseguem projetar o desenvolvimento musical. Consegue-se projetar o desdobramento ou a frase final da frase musical. Isso é possível porque há um processo em marcha que se chama progressão harmônica regido por leis de consonância e dissonância. Isso faz com que essa possibilidade de previsibilidade fundada a um fato eminentemente musical, interno, seja a base da racionalidade autônoma do fato musical. Ele se organiza a partir de uma base que lhe é interna, mais ou menos como o sujeito moral é um ser autônomo porque ele age a partir de uma regra que ele mesmo estabelece. Isso é um dado importante proque toda essa discussão sobre a autonomia surge no momento em que Descartes funda a filosofia moderna. Decadas depois de Descartes, Ramout escreve um tratado de harmonia onde ele mesmo se vê como um carteziano, dizendo que deseja fazer na musica o que Descartes quer fazer na filosofia. O quê? A partir de um principio, ele reconstruiu de maneira racional as possibilidades do conhecimento. Ramou quer, a partir de um principio interno a musica ele que reconstruir a racionalidade musical. Este é o objeto de análise do Weber . Ele diz: todo o nosso sistema musical, toda a nossa maneira de construir uma progressão harmônica, que absorve inclusive a racionalidade dissonante pra depois resolver a dissonância, que aborver as tensões pra depois resolver as tensões, que é típico da musica romântica. Tudo isso faz com que a musica seja a primeira das artes a racionalizar o seu material a partir de uma exigência de autonomia e com isso fornecer o principio de desenvolvimento de outras áreas. Não é só o Weber quem dirá isso – críticos concordarão.

O interessante é que o processo de racionalização consiste em, a partir da mensuração do calculo das consonâncias e dissonâncias que permite a constituição da idéia de harmonia ( não é a toa que o tratado sobrea harmonia de Ramout é basicamente matemático sobre as relações de consonância e dissonância, sobre as relações de ressonância das cordas. Ou seja, todas as relações matemáticas que forneceram a base da idéia de harmonia a partir do som). Isso significa o mesmo padrão de racionalidade para a ciencia moderna que aparece no campo da economia aparece no campo das artes. Isso vai permitir que os frankfurtianos afirmem: primeiro, há uma unidade nos processos de racionalização da modernidade; de onde vem essa unidade? Aí o Lukács diz: esse padrão de racionalidade estava presente na esfera econômica através da idéia da forma mercadoria. A mercadoria não é um meio de circulação da mercadoria, ela é uma forma, ela impõe uma forma de relação dos objetos. A partir do momento que eu permito que toda e qualquer singularidade possa ser abstraída a partir de um padrao geral de valoração então toda e qualquer singularidade é intercambiável no interior do sistemade trocas sociais. A partir do momento que digo que todas podem ser mensuradas a partir do mesmo padrão de calculo eu instauro um padrão de racionalização. Esse principio vai fornecer um padrão de racionalidade em todas as esferas de valores.

Isso irá permitir Horkheimer afirmar: a critica da razão deve ser uma critica da economia política no capitalismo avançado, uma critica da maneira como a forma mercadoria coloniza todos os modos de organização e estruturação da experiência, todas as formas de objetivação tal como diz o Lukács. Esse é um dado importante que demonstra como que vai se configurar a crítica no interior da Escola de Frankfurt. Esse é o primeiro momento da idéia da critica como critica da economia política . o potencial de critica da filosofia se baseia neste momento numa criticada economia política. Isso vai se modificar a partir da Dialética do Esclarecimento

Daí porque esta filosofia social renovada proposta por Horkheimer era animada pelo horizonte de uma crítica da economia política do capitalismo avançado.

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No entanto, a via de Adorno não era totalmente simétrica a tais considerações e é bem provável que isto venha do fato de que esta experiência de desagregação e indeterminação não tenham, para ele, apenas uma causa social. Veremos isto de maneira sistemática em outras aulas, mas já vale a pena notar como Adorno introduz em sua conferência algumas noções que nos obrigam a passar para uma dimensão de problemas que não se esgotam na tematização do campo de determinações sociais, mas que parecem nos indicar algo próprio ao campo de uma certa experiência metafísica. Pensemos por exemplo na idéia de uma “ruptura no próprio ser”10 (Brüchigkeit im sein selbst), ou de um ser cujo caráter não adequado e não posto como totalidade racional pode ser esboçado (das ihr nicht adäquat und nicht als Totalität rational zu entwerfen ist).

É fato, por outro lado, que a consciência da ausência de relação imediata de adequação entre pensamento e ser (uma temática, diga-se de passagem, maior da filosofia hegeliana) leva Adorno a, por um lado, estabelecer uma plataforma crítica em relação às correntes hegemônicas da filosofia alemã à época, em especial a fenomenologia de Husserl, Heidegger e o positivismo lógico do Círculo de Viena, isto sem deixar medir sua distância em relação à Escola de Marburgo e a dita filosofia da vida de Simmel. Por outro, tal consciência permitirá a Adorno estabelecer, através de um diálogo cerrado e bastante importante com Walter Benjamin, uma peculiar perspectiva metodológica materialista e dialética.

Nem ontologia do ser, nem hipóstase do dado

Boa parte da conferência de Adorno era dedicada à crítica a duas linhas antagônicas da filosofia alemã da época: a fenomenologia, com sua guinada em direção à recuperação heideggeriana da ontologia, e o positivismo lógico. Tais críticas continuarão como motivos maiores do pensamento adorniano em seus desdobramentos posteriores. Em 1931, ela aparece para demonstrar a possibilidade de uma filosofia que não seja nem simples glosa das ciências empíricas (como quer o positivismo), nem hipóstase de um conceito indeterminado de ser (como quer Heidegger).

Sobre o positivismo, Adorno afirma que ele procura simplesmente “liquidar a filosofia” a partir do momento que esta: “converte-se exclusivamente em instância de ordenação e controle das ciências particulares, sem ser permitida acrescentar algo de essencial a elas”11. Adorno não nega a necessidade, corretamente levantada pelo positivismo, de pensar a possibilidade da filosofia a partir da consideração sobre seus modos de relação às ciências. Neste sentido, ele segue Horkheimer ao afirmar:

Plenitude material e concreção dos problemas é algo que a filosofia só pode alcançar a partir do estado contemporâneo das ciências particulares. Por sua vez a filosofia não poderia elevar-se acima das ciências particulares para tomar delas os resultados como algo pronto e meditar sobre eles a uma distância mais segura. Os problemas filosóficos se encontram continuamente e, em certo sentido, indissoluvelmente encerrados nas questões mais determinadas das ciências particulares12.

10 ADORNO, idem, p. 33411 ADORNO, idem, p. 33212 ADORNO, idem, p. 334

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No entanto, Adorno não deixará de lembrar como o positivismo é incapaz de apreender de maneira correta “o problema do sentido do ´dado´”13 (Gegebenheit – que também pode ser traduzido em vários casos por “fato”, “condição”, “circunstância”), categoria fundamental de todo empirismo. Em larga medida, a crítica adorniana à premissa do imediatamente dado é uma versão da crítica hegeliana a todo conhecimento que procura se fundamentar na imediaticidade do dado.

No primeiro capítulo da Fenomenologia do Espírito, Hegel insiste que não há acesso imediato algum a dados primeiros. Toda e qualquer percepção de um estado físico já é conceitualmente estruturada, ou seja, a receptividade da nossa percepção é dependente do que estamos acostumados a ver e da maneira como estruturamos o campo do visível, por isto ela é inferencial, e em hipótese alguma imediata. Ver algo é não apenas separar este algo de um continum, o que já pressupõe capacidades estruturadas de diferenciação, mas pressupõe também que posso fazer julgamentos do tipo: - Este algo X é semelhante, é idêntico, é o mesmo caso que algo Y. O que, por sua vez, pressupõe todo um amplo conjunto de estruturas inferenciais lógicas que dizem respeito à maneira com que compreendo noções como: identidade, diferença, semelhança, entre outros. Ou seja, todo dado é mediado por estruturas lógicas, e não imediato.

Mas Adorno diz mais do que isto, assim como Hegel havia feito antes dele. Quando o filósofo de Frankfurt afirma que o positivismo lógico parece ignorar como: “o sujeito do dado não é ahistoricamente idêntico, transcendental, mas ele adquire forma (Gestalt) historicamente compreensível e mutável (wechselnde)”14, ele insiste no fato de que tais categoriais lógicas de estruturação do dado não são dedutíveis transcendentalmente, não são o resultado de uma reflexão a respeito de condições a priori e ahistóricas de possibilidade da experiência. Antes, elas são fruto de uma gênese empírica, de um processo histórico que constitui a pretensa naturalidade e essencialidade do meu modo de perceber, de apreender um objeto. Ignorar esta dimensão constitutiva do processo histórico em nossos modos de conhecer é simplesmente sucumbir diante daquilo que Lukács chamava à época de “reificação”, ou seja, tratar como imediatamente dado aquilo que é resultado de um processo histórico e estrutural que se desenrola normalmente às costas das consciências. Daí porque Adorno insiste que o positivismo lógico não pode dar conta de maneira adequada do problema da “consciência alienada, do Eu alienado” (des fremdes Bewustsseins, des fremdes Ich), sou seja, da consciência incapaz de apreender reflexivamente a gênese e o sentido de seu modo de apreensão de objetos. Aqui já se vê uma postura epistemológica fundamental de Adorno. Ela consiste em sempre se perguntar sobre a figura do sujeito pressuposta por perspectivas epistemológicas variadas. Tudo se passa como se Adorno dissesse não haver teoria do conhecimento sem teoria do sujeito, sendo que teorias do conhecimento podem ser criticadas tendo em vista conceitos inadequados de sujeito. O que não significa “psicologizar” a teoria do conhecimento, como se fosse questão de submeter nossas expectativas cognitivas à análise das faculdades psicológicas dos sujeitos. Trata-se antes, como veremos, de mostrar que mesmo faculdades psicológicas têm uma gênese sócio-histórica e, com isto, de submeter nossos modos de conhecer a processos sócio-históricos. Como dirá um comentador atento de Adorno: “Ele aceita que o psicologismo é falso mas propõe no seu lugar uma forma daquilo que poderíamos chamar de “sociologismo”. O que ele está dizendo é que nenhuma característica da

13 ADORNO, idem, p. 33314 ADORNO, idem, p. 333

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lógica – entendida como o reino da validade pura – pode ser compreendida como independente de sua sociogênese”15.

Por sua vez, a crítica à fenomenologia presente nas filosofias de Husserl, Heidegger e Max Scheler é mais complexa. A complexidade vem do fato de Husserl e Heidegger serem dois dos filósofos que mais receberam a atenção de Adorno durante todas as fases de sua produção intelectual. Isto indica a importância que Adorno reconhece na filosofia dos dois, uma importância advinda de uma certa partilha de problemas que unem os três.

Adorno partilha com Husserl a procura em pensar as condições para um certo “retorno às coisas”. Daí porque ele pode afirmar que a descoberta realmente importante de Husserl, para além da noção de intuição de essência (Wesensschau) foi o reconhecimento do conceito de “dado irredutível” (unableitbaren Gegebenheit). Ele arrancou assim da psicologia o conceito de uma intuição que se dá como algo originário. No entanto, esta saída da psicologia teria acabado por hipostasiar um certo absolutismo lógico que permite a Adorno endereçar a Husserl críticas parecidas àquelas que ele dirige contra o positivismo. Como veremos mais a frente, Adorno vê no conceito de “intuição categorial” o ponto central da filosofia husserliana, o ponto para onde converge de maneira antinômica exigências materialistas de retorno às coisas e estratégias idealistas que acabam por atribuir imediatez ao que é resultado de reflexão.

Por outro lado, não é difícil perceber como a relação conflituosa de Adorno a Heidegger sempre o acompanhou, embora não possamos falar em sentido inverso, já que Heidegger, por sua vez, nunca comentou os ataques reiterados adornianos. Esta relação não é apenas resultado de uma espécie de operação de guerrilha intelectual contra um dos pilares daquilo que um dia Adorno chamará de “ideologia alemã”. Ela é uma operação decisiva para a própria formação do pensamento de Adorno, já que entre ele e Heidegger passa uma relação tensa de distância e proximidade.

A primeira questão que deve ser respondida a fim de esclarecer o motor desta confrontação entre Adorno e Heidegger é: em que estas duas experiência filosóficas convergem? Poderíamos aqui identificar, ao menos, três centrais. Primeiro, tanto Adorno quanto Heidegger percebem que a razão moderna enredou-se em um movimento de interversão que transforma os processos de racionalização em dispositivos de dominação técnica da natureza. Ou seja, há uma crítica da racionalidade instrumental orientado os diagnósticos históricos tanto em Heidegger quanto em Adorno: “Pois pode muito bem ser que a natureza esconda sua Essência precisamente no lado em que se presta ao controle técnico do homem”16, diz Heidegger. Isto leva também Heidegger a uma crítica contra a “positividade” das ciências que faz do próprio Heidegger, uma das vítimas preferidas do positivismo lógico que Adorno tanto combate.

Segundo, tal crítica da racionalidade instrumental é também crítica à filosofia moderna do sujeito como sua hipóstase de um conceito de sujeito centrado na figura da consciência. Por fim, restará à filosofia entrar na procura de uma linguagem capaz de pôr o que é da ordem daquilo que nega as determinações fenomenais reificadas. Tanto em Adorno quanto em Heidegger ela será encontrada principalmente no recurso filosófico à arte.

No entanto, Adorno desde o início endereça críticas bastante fortes contra Heidegger. Já no início da conferência A atualidade da filosofia, Adorno afirma que projetos, como o heideggeriano, de reconstrução da ontologia, ou seja, de um discurso do ser enquanto ser, erram por partir da possibilidade de uma adequação entre

15 O´CONNOR, Brien; Adorno´s negative dialectic, p. 13616 HEIDEGGER, Sobre o humanismo, p. 42

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pensamento e ser. Neste sentido, Heidegger compartilharia o pressuposto fundamental do idealismo com suas ilusões de totalidade.

Tal crítica será repetida, por exemplo, na Dialética negativa. Lá, ao analisar o problema da ontologia, Adorno parte de uma estratégia visando dar conta da natureza própria à “necessidade ontológica”, ou seja, àquilo que impõe a ontologia como necessidade para o pensar. Tal necessidade estaria vinculada a exigências de um saber do absoluto (Wissen des Absoluten), vontade de apreender o todo sem que limites sejam impostos ao conhecimento:

A influência da ontologia não poderia ser compreendida se ela não correspondesse a uma necessidade urgente, index de uma perda (Versäumten), a aspiração de que o veredicto kantiano a respeito do saber do absoluto não fique por isto mesmo17.

Esta necessidade estava assentada na crença de que a razão poderia impor sua estrutura à profusão do ente. No entanto, é possível transformar em uma ontologia a própria experiência da impossibilidade de tal tentativa de imposição. À sua forma, ao menos aos olhos de Adorno, é isto que Heidegger tentaria fazer.

Heidegger reconheceria uma situação histórica na qual os processos de reprodução material da vida transformaram a sociedade em uma interconexão integral de funções para as quais a própria noção de substância perdeu sua realidade social. Daí porque mesmo em teoria do conhecimento a noção de substância perdeu há muito seu lugar. Neste sentido, a necessidade ontológica apareceria como sintoma de defesa contra tal situação através de um recurso a relações substanciais que, no entanto, não podem mais se afirmar em toda sua positividade. A ontologia fundamental do ser apareceria assim como uma certa nostalgia de um absoluto que não pode fundamentar determinação fenomenal alguma. É a partir de tal problemática que Adorno procura encaminhar a interpretação do conceito heideggeriano de ser e sua autonomia em relação a todo e qualquer processo posicional reflexivo próprio aos modos de apreensão de um sujeito.

Na nossa conferência, Adorno afirma que a aproximação heideggeriana em relação a Kierkegaard é, no fundo, algo extremamente sintomático, já que a dialética incessante (rastlos) de Kierkegaard não vincula a subjetividade a ser firmemente fundado algum, levando ao abismo do desespero subjetivo. Heidegger deve resolver o problema aceitando uma realidade historicamente pré-dialética, pré-reflexiva e vazia. Por isto, ela tende a se encontrar com uma transcendência opaca, obscura e totalmente indeterminada tematizada através da noção de “ser para a morte”. Pois a morte aqui não é outra coisa do que a manifestação fenomenológica da indeterminação do que exclui toda figura de um sujeito.

Esta realidade pré-dialética, por sua vez, não nos leva a outra coisa que à submissão do sujeito ao ser: “Não é o homem o essencial”, dirá Heidegger, “mas o ser”. No entanto, a subjetividade que se nega (verleugnet) intervém-se em profissão de fé objetivista. Este objetivismo tende à determinação do ser como tautologia não mediatizada por conceitos nem designada imediatamente a partir do modelo da consciência sensível. “Mas o ser – o que é o ser?”, pergunta-se Heidegger, “Isso é isso mesmo (Es ist Es selbst)”18. “A pura repetição do nome”, diz Adorno, “toma o lugar de toda instância crítica concernente o ser”. Ou seja, Adorno age como quem segue Hegel

17 ADORNO, ND, p. 7018 HEIDEGGER, Uber den Humanismus, p. 19

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na sua crítica ao ser como imediaticidade indeterminada (unbestimmte Unmittelbare) que sacrifica a relação ao conceito discursivo e à toda individuação.