Texto consumindo o outro

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1 Consumindo o outro: branquidade, 1 educação e batatas fritas baratas * Michael W. Apple Comendo batatas fritas baratas O sol se refletia no teto do pequeno carro, enquanto percorríamos a estrada de pista simples. O calor e a umidade faziam 1. Na revisão, resolvi traduzir whiteness por “branquidade” apesar das dificuldades que passo a expor. Whiteness no American Heritage Dictionary aparece definido, na acepção que aqui nos interessa, como “a condição ou qualidade de ser branco”. É essa a definição de “branquidade” fornecida pelo Aurélio: “qualidade de branco”. Por simetria (morfológica) com “negritude”, poderia parecer que a palavra mais adequada fosse “branquitude”. “Branquitude”, entretanto, não está registrada no Aurélio e apresenta um outro problema, de ordem, digamos, ideológica. Ocorre que “negritude” é realmente definida pelo Aurélio como “estado ou condição das pessoas da raça negra”, mas a conotação mais comum de “negritude” está associada com o outro significado registrado pelo Aurélio: “ideologia característica da fase de conscientização, pelos povos negros africanos, da opressão colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra, observada objetivamente na fase pré-colonial e perdida pela dominação da cultura branca ocidental”. Esse significado dá ao termo “negritude” uma conotação claramente positiva e o associa a uma política específica de certos movimentos negros. Por ser essa a conotação mais comum do termo faziam-me perguntar se sobraria algum líquido no meu corpo, ao fim da viagem, e levava-me a apreciar os invernos de Wisconsin mais do que seria de se esperar. A idéia de inverno parecia muito remota, neste pequeno país asiático pelo qual eu tenho um grande apreço, mas o assunto em discussão não era o clima, eram as lutas dos/as educadores/as e ativistas sociais para construir uma educação que fosse consideravelmente mais democrática do que aquela vigente no país, no momento. O tópico era perigoso. Discuti-lo filosófica e formalisticamente em termos acadêmicos era tolerado. Trazê-lo abertamente à discussão e situá-lo dentro de uma séria análise das estruturas de poder econômico, político e militar que agora detêm o controle sobre tantas coisas na vida diária desse país é uma outra questão. À medida que progredíamos por aquela estrada rural, no meio de uma das melhores conversações que tive sobre as possibilidades das transformações educacionais e das realidades das opressivas condições que tantas pessoas estavam enfrentando naquela terra, meu olhar de alguma forma foi atraído para um dos lados da estrada. Num daqueles acontecimentos quase acidentais, que esclarecem e cristalizam o que a realidade é realmente, meu olhar caiu sobre um objeto aparentemente inconseqüente. Em intervalos regulares havia pequenas placas

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Consumindo o outro: branquidade,1

educação e batatas fritas baratas *

Michael W. Apple

Comendo batatas fritas baratas

O sol se refletia no teto do pequeno carro, enquanto percorríamos a estrada de pista simples. O calor e a umidade faziam

1. Na revisão, resolvi traduzir whiteness por “branquidade” apesar das dificuldades que passo a expor. Whiteness no American Heritage Dictionary aparece definido, na acepção que aqui nos interessa, como “a condição ou qualidade de ser branco”. É essa a definição de “branquidade” fornecida pelo Aurélio: “qualidade de branco”. Por simetria (morfológica) com “negritude”, poderia parecer que a palavra mais adequada fosse “branquitude”. “Branquitude”, entretanto, não está registrada no Aurélio e apresenta um outro problema, de ordem, digamos, ideológica. Ocorre que “negritude” é realmente definida pelo Aurélio como “estado ou condição das pessoas da raça negra”, mas a conotação mais comum de “negritude” está associada com o outro significado registrado pelo Aurélio: “ideologia característica da fase de conscientização, pelos povos negros africanos, da opressão colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra, observada objetivamente na fase pré-colonial e perdida pela dominação da cultura branca ocidental”. Esse significado dá ao termo “negritude” uma conotação claramente positiva e o associa a uma política específica de certos movimentos negros. Por ser essa a conotação mais comum do termo “negritude”, achamos que o uso de “branquitude”, além de não estar registrado no dicionário, carregaria consigo essa carga conotativa da palavra “negritude”, obviamente inapropriada para “branquidade”. Se existe alguma marca desse tipo no termo whiteness, tal como usado por Apple e em contextos semelhantes, ela é, pelo contrário, negativa. Assim, apesar de soar estranho, utilizamos “branquidade”.Aliás, não é de se estranhar que não tenhamos um termo corrente para nos referir ao significado expressado por whiteness, dada a invisibilidade da norma branca pela qual as pessoas com outra cor de pele são definidas como o “outro”. É o outro que é definido como étnico ou racial. A supremacia da “branquidade” é tão avassaladora que permanece invisível, como a norma que não se nomeia. Parte de seu poder deriva precisamente dessa invisibilidade como, aliás, ressalta Michael Apple neste mesmo texto. (Nota de Tomaz Tadeu da Silva, revisor da tradução para o português.).

* Tradução de Maria Isabel Sujes. Rcvisão de Tomaz Tadeu da Silva.

faziam-me perguntar se sobraria algum líquido no meu corpo, ao fim da viagem, e levava-me a apreciar os invernos de Wisconsin mais do que seria de se esperar. A idéia de inverno parecia muito remota, neste pequeno país asiático pelo qual eu tenho um grande apreço, mas o assunto em discussão não era o clima, eram as lutas dos/as educadores/as e ativistas sociais para construir uma educação que fosse consideravelmente mais democrática do que aquela vigente no país, no momento. O tópico era perigoso. Discuti-lo filosófica e formalisticamente em termos acadêmicos era tolerado. Trazê-lo abertamente à discussão e situá-lo dentro de uma séria análise das estruturas de poder econômico, político e militar que agora detêm o controle sobre tantas coisas na vida diária desse país é uma outra questão.

À medida que progredíamos por aquela estrada rural, no meio de uma das melhores conversações que já tive sobre as possibilidades das transformações educacionais e das realidades das opressivas condições que tantas pessoas estavam enfrentando naquela terra, meu olhar de alguma forma foi atraído para um dos lados da estrada. Num daqueles acontecimentos quase acidentais, que esclarecem e cristalizam o que a realidade é realmente, meu olhar caiu sobre um objeto aparentemente inconseqüente. Em intervalos regulares havia pequenas placas de sinalização plantadas na terra a poucos metros do lugar onde a estrada e o campo se encontravam. A placa era muito mais do que familiar. Levava a insígnia de um dos mais famosos restaurantes de fast food dos Estados Unidos. Trafegamos por quilômetros, passando por terrenos aparentemente desertos, ao longo de uma planície quente, ultrapassando sinal após sinal, cada um deles uma réplica do precedente, cada um com menos de meio metro de altura. Não se tratava de outdoors. Estes dificilmente existem nessa pobre região rural. Ao contrário, eles eram exatamente - exatamente! - iguais às pequenas placas que são encontradas próximas às fazendas do meio-oeste americano e que indicam o tipo de semente de milho que cada agricultor/a plantou no seu campo.

Fiz à motorista - uma amiga chegada e minha ex-aluna que havia retomado àquele país para trabalhar nas reformas educacionais

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educacionais e sociais que eram tão necessárias - aquela que se revelou por fim uma pergunta ingênua mas crucial para a minha própria educação. “Por que estas placas do **** estão ali? Há um restaurante **** por perto? Minha amiga olhou-me surpreendida. “Michael, você não sabe o que estas placas significam? Não há restaurantes ocidentais num raio de oitenta quilômetros de onde estamos. Estas placas representam exatamente o que há de errado com a educação, neste país. Ouça isto.” E eu a escutei.

Trata-se de uma história que deixou em mim uma marca indelével porque ela condensa, em um único conjunto importante de experiências históricas, as conexões entre nossas lutas como educadores/as e ativistas, em muitos países, e as formas pelas quais o poder atua de forma diferencial na vida cotidiana. Não poderei igualar as tensões e paixões na voz de minha amiga, enquanto esta história era contada, nem poderei transmitir os estranhos sentimentos que nos assolavam olhando aquela vasta, às vezes linda, às vezes assustadora e crescentemente despovoada planície.

Ainda assim é crucial ouvir a história. Escutem-na.O governo da nação decidiu que a importação de capital

estrangeiro é crítica para sua própria sobrevivência.2 Trazer americanos, alemães, britânicos, japoneses e outros investidores e fábricas claramente criará empregos, criará capital para investimentos e tornará a nação capaz de ingressar rapidamente no século XXI. (Trata-se, evidentemente, de uma “conversa” dos grupos dominantes, mas vamos supor que eles acreditem, realmente, nisso). Um dos modos pelos quais o governo, dominado pelos militares, planejou fazer isso consistiu em colocar parte dos seus

2. Compreendo que ao não nomear o país corro o risco de essencializar a “Ásia”. Pode fazer parecer que todos os países “asiáticos” possam ser juntados numa única representação, sem nenhuma diferença. Esse risco ideológico de fato existe. Entretanto, dada a volatilidade da situação política naquele país e a possível ameaça aos/às colegas que têm contestado políticas governamentais como as que descrevo aqui, penso que, neste caso, é melhor errar pelo lado da cautela e deixar tanto a nação quanto seu povo no anonimato.

seus esforços de recrutamento no agri-business. Na busca deste objetivo, o governo ofereceu vastas extensões de terra aos interesses internacionais na área de agri-business, a muito baixo custo. De particular importância para a planície que atravessávamos era o fato de que muito desta terra havia sido oferecida a um fornecedor de uma grande empresa americana de restaurantes de fast food para plantar batatas, para fazer as fritas do restaurante, uma das marcas registradas de seu grande sucesso por todo mundo.

A empresa estava ansiosa para aproveitar a oportunidade de transferir parte de sua produção de batatas dos Estados Unidos para a Ásia. Como muitos/as dos/as trabalhadores/as rurais nos Estados Unidos estão agora sindicalizados/as e estão (corretamente) exigindo salários razoáveis, e uma vez que o governo daquela nação asiática desaprova oficialmente sindicatos de qualquer tipo, o custo de plantar batatas seria bem menor. Além disso, a terra naquela planície era perfeita para o uso de tecnologias recentemente desenvolvidas para o plantio e a colheita de batatas com um número consideravelmente menor de trabalhadores/as. Máquinas substituiriam seres humanos. Finalmente, o governo estava muito menos preocupado com leis sobre proteção do meio ambiente. Tudo considerado, este era um bom negócio para o emprego do capital.

Obviamente, pessoas viviam em parte desta terra e a cultivavam para seu próprio sustento e para vender o excedente, depois que suas próprias necessidades - relativamente mínimas - eram satisfeitas. Isto não deteve nem os interessados no agri-business nem o governo. Afinal, o povo poderia ser removido para dar lugar ao “progresso”.

E, afinal, os camponeses ao longo daquelas planícies não tinham realmente os documentos de posse daquela terra (eles haviam vivido ali talvez por centenas de anos, bem antes da invenção dos bancos, das hipotecas e das escrituras – sem papel não há propriedade). Não seria difícil remover o povo da planície para outras áreas para deixá-la “livre” para a produção intensiva de batatas e para “criar empregos”, retirando sustento de milhares e mil

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milhares de pequenos agricultores, na região. Escutei com redobrada atenção, à medida que o resto da história ia se desdobrando, e que passávamos por campos (com as placas da referida empresa) e vilas abandonadas. O povo, cuja terra havia sido tomada por tão pouco, mudara-se, naturalmente. Assim como em tantos outros lugares similares, nos países que os grupos dominantes chamam de Terceiro Mundo, eles migraram para cidade. Tomaram suas magras posses e se mudaram para as favelas, sempre em expansão dentro e ao redor do único lugar que oferecia alguma esperança de encontrar suficiente trabalho remunerado (se todos, incluindo as crianças trabalhassem) para que pudessem sobreviver.

O governo e os segmentos importantes da elite empresarial oficialmente desencorajavam isto, contratando, por vezes, bandidos para queimar as cidades miseráveis, outras vezes, mantendo as condições tão adversas que ninguém “gostaria” de morar ali. Mas, ainda assim, os despossuídos vinham, às dezenas de milhares.

Afinal as pessoas pobres não são irracionais. A perda da terra arável tinha que ser compensada de alguma forma e se isto implicava ser empilhado em lugares que eram infernais, bem, quais eram as outras alternativas? Havia fábricas, sendo construídas nas e em torno das cidades, que pagavam salários incrivelmente baixos (algumas vezes menos do que o suficiente para comprar o alimento necessário para repor as calorias gastas pelos/as trabalhadores/as no processo de produção), mas ao menos poderia haver trabalho remunerado, se o sujeito tivesse sorte.

Assim, máquinas gigantes colhiam as batatas e as pessoas se transferiram para as cidades e o capital internacional ficou feliz. Não é uma bonita história. Mas o que ela tem a ver com educação? Minha amiga continuou minha educação.

O governo dominado pelos militares deu a todas essas grandes empresas internacionais vinte anos de isenção de impostos para facilitar as condições de sua vinda para o país. Assim, há hoje muito pouco dinheiro para fornecer saúde, moradia, suprimento de água, eletricidade, serviço de esgoto e escolas para milhares e milhares

milhares de pessoas que buscaram o seu futuro na cidade ou foram literalmente empurrados para ela. O mecanismo para não oferecer esses serviços era realmente inteligente. Tomemos a falta de qualquer instituição de educação formal como um exemplo. Para que o governo construísse escolas deveria ser mostrado que havia uma “legítima” necessidade para a realização desse gasto. Estatísticas tinham que ser produzidas numa forma que fosse oficialmente aceita. Isto poderia ser feito apenas através da determinação oficial de números de nascimentos registrados. Entretanto, o próprio processo de registro oficial tornava impossível a milhares de crianças serem reconhecidas como realmente existentes.

Para realizar a matrícula na escola, a mãe/o pai tinha que registrar o nascimento da criança no hospital local ou nalguma instituição do governo – nenhum dos quais existia nesta área de favelas. E mesmo que tal instituição pudesse ser encontrada, o governo oficialmente desencorajava as pessoas vindas de fora da região da cidade de mudar-se para ali. Freqüentemente, recusava-se a reconhecer a legitimidade da mudança, como uma maneira de impedir os/as agricultores/as desalojados/as de virem para as áreas urbanas, aumentando, assim, a população. Nascimentos de pessoas que não tinham o direito “legítimo” de ali estar não contavam, de fato, como nascimentos. Esta é lima brilhante estratégia pela qual o Estado cria categorias de legitimação que definem problemas sociais de modos muito interessantes (veja, p. ex., Curtis, 1992 e Fraser, 1989). Foucault teria ficado orgulhoso, estou certo.

Assim, não havia escolas, nem professores, nem hospitais, nem infra-estrutura. As causas profundas dessa situação não estão na situação imediata. Elas só podem ser esclarecidas se nos centrarmos na cadeia de formação de capital (internacional e nacionalmente), nas necessidades contraditórias do Estado, nas relações de classe e nas relações entre campo e cidade que organizam e desorganizam aquele país.

Já fazia um bom tempo que minha amiga e eu estávamos rodando. Eu me esquecera do calor. A frase final da narrativa não é

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nada bombástica. Foi dita devagar e calmamente, dita de um modo que a tornou ainda mais imperiosa. “Michael, estes campos são a razão pela qual não existem escolas na minha cidade. Não há escolas porque há tantas pessoas que gostam de batatas fritas baratas”.

Conto esta história sobre a história que me foi contada, por uma série de razões. Em primeiro lugar, porque este é simplesmente um dos modos mais poderosos que conheço de lembrar a mim mesmo da importância capital de ver a escola relacionalmente, de vê-Ia em conexão, fundamentalmente, com as relações de dominação e exploração da sociedade mais ampla. Em segundo lugar, e igualmente tão importante, conto essa história para marcar uma posição teórica e política crucial. Relações de poder são de fato comp1exas e nós precisamos realmente levar muito a sério o foco pós-moderno no local e na multiplicidade das formas de luta nas quais necessitamos nos envolver. É também importante realmente reconhecer as mudanças que estão ocorrendo em muitas sociedades e ver a complexidade do nexo “poder/saber”. Entretanto, em nossos esforços para evitar os perigos que acompanham alguns aspectos das “grandes narrativas” anteriores, não vamos agir como se o capitalismo tivesse de alguma forma desaparecido. Não vamos agir como se as relações de classe não contassem. Não vamos agir como se tudo que aprendemos sobre as formas de compreender politicamente o mundo pudesse, de alguma forma, ser jogado fora simplesmente porque agora nossas teorias são mais complexas.

A negação dos direitos humanos fundamentais, a destruição do ambiente, as condições abjetas sob as quais as pessoas (apenas) sobrevivem, a falta de um futuro significativo para as milhares de crianças que mencionei em minha história – tudo isto não é apenas ou mesmo primariamente um “texto” para ser decifrado nos nossos livros acadêmicos à medida que seguimos nossos temas pós-modernos. É uma realidade que milhões de pessoas experimentam nos seus próprios corpos, diariamente. O trabalho educacional que não seja fortemente relacionado com a profunda compreensão destas

destas realidades (e esta compreensão não pode abandonar a séria análise da economia política e das relações de classe sem perder muito de sua força) está em perigo de perder a sua alma. As vidas de nossas crianças exigem mais do que isto.

Sobre a branquidade

Não seria inadequado terminar este ensaio com a última frase do parágrafo precedente. Mas desejo propor-me a algumas reflexões adicionais sobre o que significa a história que contei, porque penso que o tema das batatas fritas baratas oferece um exemplo extremamente importante da política do senso comum e da política, não apenas de classe, mas das suas interseções com “branquidade”, com raça, colonialismo e neocolonialismo.

Talvez seja apropriado, neste momento, que eu diga algo sobre minhas opções políticas. Fui e continuo a ser um acadêmico ativista e um ativista acadêmico, dependendo da situação em que me encontro. Assim, como muitas outras pessoas, esforço-me por aliar meus escritos a movimentos pela transformação social e por permanecer um intelectual org, cujo trabalho tem origem nesses movimentos, mas também os realimenta. Isto é mais bem-sucedido algumas vezes do que outras, mas existe um esforço consciente. E, como tantas outras pessoas, isso tem significado tomar parte concreta em esforços anti-racistas, na política sindical, contra a ganância empresarial, em mobilizações contra a guerra e o imperialismo, na política para a educação e em inúmeras outras lutas. Previsivelmente, isto incluiu uma cota de riscos desde a confrontação com membros da Ku Klux Klan, até ser preso em um país asiático (diferente daquele com o qual comecei este texto) por falar contra a repressão do seu governo militar aos direitos humanos e a prisão de. professores/as líderes sindicais.

Digo tudo isto, não para tentar mostrar que “bom sujeito” Michael Apple supostamente é, mas para oferecer um tipo diferente de argumento. O fato de alguém ser claramente um/a ativista político/a não garante que ele/a esteja livre das dinâmicas diferenciais

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diferenciais de poder, dinâmicas que penetram em nossas vidas diárias sob formas muito sutis. Isto pode exigir um ato consciente para interromper nosso senso comum e tornar esta participação clara.

Na história que contei, raça e classe fazem uma interseção com relações coloniais e neocoloniais tanto nacional quanto internacionalmente. Destaquei as conexões entre prática de consumo nos Estados Unidos e o empobrecimento de certos grupos, claramente identificáveis, numa nação asiática. Penso estarem claras as relações de classe que emergem e que ali são criadas. A destrutividade das relações de produção e. o correspondente empobrecimento de milhares e milhares de pessoas num país como esse não podem ser separados da capacidade de consumir do povo de outra nação.

No entanto, esta é também uma história sobre dinâmica racial e sua institucionalização sob formas coloniais e neocoloniais (veja McCarthy e Crichlow, 1993). Relações de “branquidade” são estruturalmente recriadas aqui. Não constitui um acidente histórico que estas relações internacionais sejam criadas e toleradas entre um “centro” arrogante e uma “periferia” que – quando chega a ser vista – é vista pelos do “centro” como habitada por pessoas “descartáveis” por serem, para os olhos imperiais, de algum modo, “diferentes” ou “menos que”. Por que isso não é óbvio?3

Como educadores/as, estamos envolvidos/as numa luta em torno de significados. Entretanto, nesta sociedade, como em todas as outras, apenas certos significados são considerados “legítimos”, apenas certas formas de compreender o mundo acabam por tornar-se

3. A dinâmica de classe e étnica interna de poder também precisa ser considerada neste caso. Tampouco é um acidente que essas formas ideológicas, por tanto tempo associadas com o crescimento do colonialismo e do neocolonialismo e com a internacionalização do capital. sejam apropriadas pelas elites no interior de nações que são vistas como “periféricas”. Assim, esse foco na dinâmica internacional na qual a classe social e a raça se interseccionam e se influenciam mutuamente precisa ser complementado com uma análise interna. Pessoas específicas compram os hambúrgueres e as batatas fritas – produtos que fi

se “conhecimento oficial” (Apple, 1993; Apple, 1990). Isso não é uma coisa que simplesmente acontece. Nossa sociedade é estruturada de tal modo que os significados dominantes têm mais possibilidades de circular. Esses significados, obviamente, serão contestados, serão resistidos e algumas vezes serão transformados (Willis, 1990), mas isto não diminui o fato de que culturas hegemônicas têm maior poder para se fazerem conhecidas e aceitas.

John Fiske expressa a idéia de que nossos significados cotidianos estão igualmente implicados em relações de poder:

A produção de cultura (e a cultura está sempre em processo, nunca acabada) é um processo social: todos os significados sobre o eu, sobre as relações sociais, todos os discursos e textos que exercem esses importantes papéis culturais podem circular, apenas, quando relacionados ao sistema social, no nosso caso, o capitalismo branco, patriarcal. Qualquer sistema social necessita de um sistema cultural de significação que sirva seja para mantê-lo, seja para desestabilizá-lo, para fazê-lo mais receptivo à mudança. Cultura [...] e significados [...] são portanto, inerentemente políticos. Estão centralmente envolvidos na distribuição e possível redistribuição das várias formas de poder social (Fiske, 1989: 1).

fizeram esse restaurante tão famoso em todo o mundo – também no interior dessa nação asiática. E o preço é bem acima daquele que o trabalhador médio pode pagar. Comer essas batatas fritas é uma opção apenas para os ricos. Eles também colhem os benefícios dessas relações. Eles comem; e eles não pagam quaisquer impostos para sustentar a construção de escolas, os salários dos/as professores/as, o custo dos livros didáticos, a disponibilidade de assistência médica mínima – e a lista parece interminável – que o Estado declarou ser “desnecessária” para as crianças “invisíveis” cuja ausência mesma expressa de forma ainda mais eloqüente sua presença social na paisagem de relações de exploração.

Num nível ainda mais geral muito mais, obviamente, precisa ser dito sobre as distintas – embora relacionadas – dinâmicas de raça, colonialismo e classe presentes nesse caso. Essas são situações sobredeterminadas, tanto nacional quanto internacionalmente, nas quais múltiplas relações de poder se originam umas das outras, se medeiam e se transformam entre si e até mesmo se contradizem sob formas extremamente complexas.

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E prossegue, dizendo:

O conhecimento nunca é neutro, nunca existe numa relação empírica e objetiva com o real. Conhecimento é poder, e a circulação do conhecimento é parte da distribuição social do poder. A capacidade discursiva para construir um senso comum que possa ser inserido na vida cultural c política é central na relação social de poder (idem:149-50).

Essas são afirmações genéricas, mas quando aplicadas ao específico da situação que relatei antes tornam-se ainda mais convincentes. Elas colocam minha necessidade de ser ensinado sobre as condições daquela verdejante planície dentro de seu contexto sociocultural mais amplo. Elas cristalizam em uma única história diferenças de construção de significados que separam o que no “Ocidente” pode ser visto simplesmente como comer batatas e naquela nação asiática é visto por muitos ativistas como a destruição das possibilidades de um futuro melhor para milhares de crianças. A história documenta a importância de se perguntar “a quais grupos pertencem as compreensões que são postas em circulação? Por que eu nada sabia sobre isso? Qual é a minha própria localização em um sistema internacional de relações econômicas que produz essas condições?”.

A história fala da continuada circulação de formas coloniais de compreensão, associadas de forma complexa e sempre cambiantes com os modos de produção econômica e de distribuição e consumo a que estamos acostumados/as. De muitas maneiras, muitos de nós somos aprisionados/as nos discursos universalizantes de nosso próprio mundo, um mundo que pressupõe que de alguma forma já sabemos como compreender os eventos diários dos quais participamos, No entanto, a história que me contaram naquele passeio de carro e aquilo que vi são coisas que dizem respeito à questão de saber qual é a realidade e qual é o conhecimento – isto é, de quais grupos – que são tornados púbicos. Vêm-me à mente aqui as palavras tão apropriadas de Edward Said:

Sem exceções importantes os discursos universalizantes da Europa e dos Estados Unidos modernos supõem o silêncio voluntário ou não do mundo não-europeu. Há incorporação, há inclusão, há domínio direto, há coerção. Mas raramente há um reconhecimento de que o povo colonizado deveria ser ouvido, ter suas idéias conhecidas (Said, 1993: 50).

As idéias de Said nos falam da relação entre as formas de compreensão que dominam “nossa” sociedade e do silenciamento das vozes do mundo “não europeu”, “não ocidental”. Entretanto, não são apenas as vozes que são silenciadas (e eu conscientemente emprego a palavra silenciada ao invés de silenciosa para significar que há um processo ativo no qual os grupos dominantes têm que fazer um esforço para manter o poder de seus significados hegemônicos) (veja Apple, 1996), de forma que é quase por acidente que estou numa posição de ser ensinado a ver o mundo de forma diferente. São as conexões determinadas entre vidas nos países do “centro” e vidas nos países da “periferia” – uma classificação em si mesma arrogante e infeliz - que são tornadas invisíveis nesse mesmo e exato momento.

Esta invisibilidade é crucial. Há uma geografia social da branquidade. Sob muitos aspectos, branquidade é um conceito espacial. Nesse caso, ela implica viver uma vida intimamente conectada – de maneira identificável – à dinâmica internacional que tem alterado tão radicalmente as relações econômicas políticas e culturais, em muitas nações. Não está, necessariamente, baseada numa escolha consciente. Ao contrário, ela está profundamente cimentada nas nossas compreensões do senso comum, da vida cotidiana. Compramos nossas roupas, comemos nossa comida e fazemos o que fazemos de um modo que naturaliza as relações sociais e econômicas que realmente criaram as condições para a produção e o consumo dessas roupas e dessa comida. A branquidade, pois, é uma metáfora para o privilégio, para a capacidade de comer batatas fritas baratas.

Obviamente, este não é um argumento nem novo nem original. Há uma tradição bastante longa na economia política que nos

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nos faz lembrar que cada objeto manufaturado não é simplesmente uma coisa que carregamos na mão. Essa visão, de fato, é mais do que apenas reificante. Ao contrário, um objeto manufaturado ou processado – de carros a tênis e camisas e mesmo à comida que colocamos na boca – é corporificação concreta do trabalho humano e das relações sociais produtivas e destrutivas que resultam nele, ou são o resultado de sua feitura. Assim, comer batatas fritas baratas significa colocar a comida em nossa boca, mastigá-la e engoli-la. No entanto, neste mesmo e exato momento, é também e profundamente um ato social pleno. Significa estar inserido no ponto final de uma longa cadeia de relações que retirou pessoas da terra, causou sua ida para as favelas e negou aos seus filhos cuidados médicos e escolas. Ainda, de modo mais imediato, significa estar em uma relação com as/as trabalhadores/as que prepararam as fritas e as serviram, no restaurante de fast food, trabalhadores/as que usualmente recebem um pagamento extremamente baixo, nenhum benefício, nenhum sindicato, e devem esfalfar-se em dois ou três empregos de tempo parcial para tentar colocar comida na sua própria mesa. Estou tentado a dizer, neste momento, que comer batatas fritas baratas é uma das expressões máximas da branquidade.

De modo muito similar, quase todos os benefícios econômicos desfrutados hoje pelos ricos – e mesmo pelos não tão ricos – num país como os Estados Unidos dependem do desenvolvimento histórico de uma infra-estrutura econômica, dependente do trabalho não-remunerado ou de baixo custo. Trabalho que freqüentemente teve o pressuposto da noção de raça como uma dinâmica constitutiva a sustentá-la. Assim, não seria exagerado dizer que as fábricas têxteis do Norte industrial foram alimentadas pelo trabalho não-remunerado dos escravos que cultivavam a matéria-prima no Sul (obviamente a economia inteira dependia do trabalho não-remunerado das mulheres, em casa, ou na fazenda). Por centenas de anos, capitalismo e escravidão estiveram vinculados, numa tensa relação. Deste modo, a branquidade, como privilégio, não é apenas uma metáfora espacial mas também temporal.

temporal. As condições de existência, a partir das quais nossa economia atual se desenvolveu, têm suas raízes no solo de centenas de anos deste trabalho. “Nós”, presentemente, aproveitamos as vantagens obtidas com esse trabalho. (Infelizmente uma séria discussão sobre o fato de que essas presentes – e tão desigualmente controladas e distribuídas – vantagens são completamente dependentes dessas relações históricas dificilmente vem à tona no conhecimento oficial do currículo escolar. Isto dá bem uma idéia sobre a importância daquilo que não é ensinado nas escolas, assim como daquilo que é parte do corpus do conhecimento considerado “legítimo”.)

Talvez eu possa tornar mais claro meu argumento de que estamos estreitamente conectados, de mil maneiras, com relações de privilégio, através de um outro exemplo, mais uma vez, pessoal. Tomemos o ensaio que você está lendo. Enquanto olho pela janela do edifício no qual ele está sendo escrito, vejo uma usina termelétrica. Esta é uma importante parte da história.

Esta manhã, Michael Apple veio para o seu gabinete, abriu a porta, ligou o interruptor de luz e começou a digitar. Podemos interpretar isto como um simples ato físico. Apple coloca sua mão sobre o interruptor, aciona-o e surge a luz. Entretanto, este simples ato não é tão simples porque ele precisa ser entendido relacionalmente. Michael Apple realmente abriu sua porta, ligou a luz, foi até sua mesa e iniciou a digitação. Mas Michael também tinha uma relação anônima – mas não menos real – com os homens e mulheres mineiros que escavaram o carvão, em condições frequentemente perigosas e crescentemente explorativas, carvão este que foi queimado para produzir a eletricidade que permitiu que a luz fosse acesa. A ação de digitar este texto é totalmente dependente desse trabalho.

Meu propósito, com este exemplo, não é “colocar um foco luminoso” (perdoem-me o trocadilho) sobre essas condições de uma forma tal que poderia nos levar ao imobilismo: “Ah, é tudo tão complicado politicamente que tudo o que fazemos tem graves implicações”. Ao contrário, meu objetivo é discutir sobre a natureza

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do senso comum. “Nossos” (refiro-me aqui a grupos brancos e economicamente privilegiados) modos ordinários de compreender nossa atividade cotidiana, dentro e fora da educação, podem tornar extremamente difícil que apreciemos completamente o nexo das relações sociais das quais participamos. Nas palavras de Fiske, desejo “desestabilizar” nossas compreensões ordinárias da educação e da nossa própria posição na sociedade mais ampla (Fiske, 1989). Como Antonio Gramsci nos lembrava, a dominação racial, de gênero e de classe é legitimada através da criação do senso comum, através do consentimento. Este tema é especialmente importante hoje, dada a restauração conservadora que é tão poderosa nas esferas econômica, política e cultural da sociedade, uma vez que uma compreensão da natureza estrutural dessas conexões está sendo retirada de nossas vidas diárias (Apple, 1993; Apple, 1996).

Meu desejo básico é que pensemos o social, reconheçamos que vivemos envolvidos em processos de dominação e subordinação que são muito velados. Compreender isso pode exigir que nos desvencilhemos do senso comum porque estamos profundamente interconectados, queiramos ou não. Isto requer que vejamos a branquidade como sendo ela mesma um termo relacional. O branco é definido não como um estado, mas como uma relação com o preto, ou com o marrom, ou amarelo, ou vermelho. O centro é definido como uma relação com a periferia.

Nos nossos modos usuais de pensar essas questões, a branquidade é algo sobre o qual não temos que pensar. Ela está simplesmente aí. Trata-se de um estado naturalizado de ser. Trata-se de uma coisa “normal”. Tudo o mais é o “outro”. É o lá que nunca está lá.4 Mas está lá, porque ao nos reposicionarmos para ver o

4. Há evidências, entretanto, de que a política reacionária da presente restauração conservadora está mudando isso. Está crescendo uma certa consciência de “ser branco” – de uma forma bastante perigosa. Pode-se ver isso nos ataques organizados sobre as políticas de ação afirmativa, na crescente aceitação, uma vez mais, de explicações pseudocientíficas sobre a “inferioridade”

o mundo, como constituído a partir de relações de poder e privilégio, a branquidade como privilégio desempenha um papel crucial.

Este mesmo senso de conectividade ou relacionalidade, no seu contexto internacional, é tornado claro, nas palavras gaguejantes do Sr. “Whiskey” Sisodia, nos Versos Satânicos de Salman Rushdie. “O problema com os in...ingleses é que sua his...his... história aconteceu no além-mar, assim, eles não não sabem o que ela significa” (citado em Bhabha, 1994: 6). Colocar qualquer outro grupo nacional privilegiado no lugar de “ingleses” pouco muda a idéia de Rushdie sobre a natureza de nossa compreensão – ou a falta dela – das relações internacionais e das vantagens desiguais que têm origem nos modos pelos quais tais relações são hoje estruturadas.

Pensamentos finais à guisa de conclusão

Contei uma história autobiográfica e refleti sobre ela para lançar luzes sobre a espacial idade da “branquidade” como uma relação internacional. Pelo fato de que grande parte constitui uma narrativa pessoal, necessito admitir ter estado um pouco preocupado com o que fiz neste ensaio. Tal preocupação leva-me a fazer uma advertência a mim mesmo e a você, leitor/a, sobre algum dos efeitos ocultos do (geralmente elogiável) impulso de empregar registros autobiográficos para revelar as conexões, não apenas entre a educação e a sociedade mais ampla, mas também entre nós e outros grupos de pessoas e que podem estar ocultas, dados os mapas de realidade que empregamos.

Muito do ímpeto por detrás de narrativas pessoais é moral. A educação é vista, corretamente, como um empreendimento ético. O

racial e de gênero (veja, p. ex., Herrnstein & Murray, 1994) e nos movimentos racistas da Identidade Cristã, que estão conseguindo obter mais poder num grande número de países.

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O pessoal é visto como um modo de despertar sensibilidades éticas. Ou é percebido, corretamente, como uma maneira de dar voz às subjetividades das pessoas que têm sido silenciadas. Há muito a elogiar nesta posição. No entanto, algo se mantém um tanto abafado nos bastidores, em muitas variantes de tais histórias – uma pungente consciência do político, das estruturas sociais que condenam tantas pessoas identificáveis a vidas de luta econômica e cultural (e também corporal) e, em alguns casos, desespero. Fazer conexões entre o que pode ser chamado de imaginação literária e narrativa e o movimento concreto que busca transformar nossas instituições é simplesmente essencial neste caso. Argumentos políticos não constituem alternativas para preocupações morais. São, antes, estas preocupações tomadas seriamente, em suas implicações plenas (Eagleton, 1983: 208).

Ora, frequentemente vejo os relatos e as narrativas interpretativas como convincentes e plenos de significados. E, obviamente como usei essa forma, neste ensaio, não quero descartar o seu poder. Entretanto – permitam-me ser pouco sutil e apresentar minha preocupação aqui – também freqUentemente estes textos correm o risco de cair num individualismo 1 possessivo (Apple, 1995). Mesmo quando ola autoria faz “a coisa certa” e discute seu lugar social, num mundo dominado por condições opressivas, se ele/ela não for reflexivo em relação a isso, seu texto pode servir à função confortadora de dizer basicamente “chega de falar sobre vocês, deixem-me contar-lhes sobre mim”. Por estar ainda bastante comprometido em levantar questões sobre as dinâmicas de raça e classe é que me preocupo com as perspectivas que supostamente reconhecem as vozes negadas de muitas pessoas no nosso pensamento sobre educação mas que, na verdade, ainda acabam privilegiando os brancos, as mulheres ou homens de classe média, numa necessidade aparentemente infinita de auto-exibição.

Não interpretem de forma errônea o que estou dizendo aqui. Como já foi fartamente documentado em trabalhos feministas e pós-colonialistas, o pessoal é freqüentemente a presença ausente por detrás dos escritos mais desencarnados (veja, p. ex., McCarthy e

e Crichlow, 1993), mas ao mesmo tempo é igualmente crucial que interroguemos nossos motivos “ocultos”, nesses casos, quando empregamos tais modos de apresentação. É a insistência no pessoal, uma insistência que sustenta em grande parte a mudança para formas literárias e biográficas, também, em parte, um discurso de classe? Devemos admitir seu poder em esclarecer como o mundo é construído, em torno de muitos eixos de poder, e de aclarar também nossa participação pessoal nesses eixos. Entretanto, embora “o pessoal possa ser político”, podemos perguntar: o político se esgota no pessoal? Ainda mais: por que devemos pressupor que o pessoal é menos difícil de entender que.o inundo “externo”?

Levanto essas questões, mas não posso respondê-las de forma que valha para todas as situações. O que posso dizer é que tais questões necessitam ser feitas por todos/as nós que estamos comprometidos/as com múltiplos projetos envolvidos na luta por uma educação mais emancipatória. Por esta mesma razão, contei uma história da minha própria educação – como branco e visitante estrangeiro – que está conscientemente conectada a uma clara compreensão da real idade das relações de exploração e dominação estruturalmente geradas, relações que fazem com que nos perguntemos até mesmo se existe alguma educação numa situação como essa. Foi, para mim, um momento educativo sobre o que significa “ser branco” num contexto internacional, um momento educativo que tornou claro para mim como o privilégio penetra nos atos humanos mais básicos, tais como comer. Como vocês poderiam esperar, e eu estou certo de que muitos/as de vocês o fariam, se tivessem uma experiência similar, estou agora envolvido, de forma mais consciente, no apoio às ações dos movimentos democráticos naquele país asiático, tanto nos Estados Unidos quanto lá. Como vocês poderiam também esperar, não como batatas fritas baratas.

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Referências bibliográficas

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______. Education and power. 2. ed. Nova York: Routledge, 1995.

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BHABHA, H. The location of culture. Nova York: Routledge, 1994.

CURTIS, B. True government by choice men. Toronto: University of Toronto Press, 1992.

EAGLETON, T. Literary theory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1983.

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FRASER, N. Unruly practices. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1989. .

HERRNSTEIN, R. & MURRA Y, C. The bell curve. Nova York: Free Press, 1994.

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