Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de...

259
OLAVO JOSÉ JUSTO PEZZOTTI AÇÕES DÚPLICES MESTRADO EM DIREITO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO - 2007

Transcript of Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de...

Page 1: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

OLAVO JOSÉ JUSTO PEZZOTTI

AÇÕES DÚPLICES

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SÃO PAULO −−−− 2007

Page 2: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

OLAVO JOSÉ JUSTO PEZZOTTI

AÇÕES DÚPLICES

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais (Subárea de Direito Processual Civil), sob orientação do Professor Doutor João Batista Lopes.

SÃO PAULO −−−− 2007

Page 3: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

BANCA EXAMINADORA

________________________________

________________________________

________________________________

Page 4: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

Aos meus pais, que procuraram me ensinar o

sentido de tantas palavras, que sintetizo em uma

única: amor. Ao meu pai, que soube com gestos

mostrar que é possível viver e morrer dignamente.

À minha mulher Adriana e aos meus filhos André,

Luiza e Juliana, razões dos meus sonhos, os meus

próprios sonhos que Deus decidiu dar forma e

rosto.

Page 5: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

AGRADECIMENTOS

Aos colegas, amigos, assistidos e procuradores da

inesquecível Procuradoria de Assistência Judiciária,

a nossa já saudosa PAJ.

Ao Professor Doutor João Batista Lopes, pelas

lições de direito e humildade.

Page 6: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

RESUMO

O tema relacionado com as atitudes ou posicionamentos que o réu pode adotar no

processo civil, especialmente no que tange ao procedimento ordinário, se mostra bastante

vasto e complexo.

Múltiplas são as possibilidades que se apresentam ao réu, quer para atacar a

relação processual, quer para impugnar o mérito, direta ou indiretamente.

As hipóteses que permitem ao réu excepcionalmente apresentar contra-ataque à

pretensão do autor, ou obter para si uma tutela jurisdicional de mérito, exigem requisitos e

apresentam características convergentes e outras que as diferenciam.

Entre os casos antes referidos, este trabalho aborda as denominadas ações dúplices

e o pedido contraposto.

Em um exame perfunctório da assertiva supra, poder-se-ia considerar redundante

tratar de ações dúplices e do pedido contraposto, já que seriam institutos sinônimos ou

correlatos.

A fim de permitir alcançar o desiderato de distinguir as várias espécies de contra-

ataque do réu e suas implicações quanto ao objeto litigioso do processo, a dissertação foi

dividida em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, aborda o contraditório e a ampla defesa, a legitimidade do

réu e a eventual interferência dos posicionamentos por ele adotados sobre o objeto

litigioso.

No segundo capítulo, discorre sobre as várias atitudes que o réu pode vir a adotar

no processo civil.

No terceiro capítulo, examina as ações dúplices, seja no Código de Processo Civil,

seja na legislação processual extravagante.

No quarto capítulo, aborda o pedido contraposto, cotejando os pontos de

convergência e divergência entre as espécies de contra-ataque previstas para utilização

pelo réu.

Nas conclusões, destaca os pontos comuns e divergentes entre as ações dúplices e

as demais hipóteses nas quais se permite ao réu formular pedido para obtenção de um bem

da vida para si, confrontando-as com o pedido contraposto, bem como a implicação,

aplicação e sua relação com institutos como da tutela antecipada, revelia, reconvenção e

outros.

Page 7: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

ABSTRACT

The theme related with the attitudes or positionings that the defendant can adopt

in the civil process, especially in the ordinary procedure, is quite vast and complex.

Multiples are the possibilities introduced to the defendant, both to attack the

procedural relationship or to refute the merit, direct or indirectly.

The hypotheses that allow to the defendant exceptionally to present counterattack

to the author’s pretension, or to obtain for himself court protection of merit, demand

requirements and present convergent characteristics and others that differentiate them.

Among the cases before referred, this work approaches the denominated action

duplex and counterclaim.

In an perfunctory exam of these afirmations, it could be considered redundant to

treat the action duplex and the counterclaim, since they would be synonymous or related

institutes.

In order to reach the desideratum of distinguishing the several species of

defendant’s counterattack and their implications related to the litigious object of the

process, the dissertation was divided in four chapters.

In the first chapter, it approaches the contradictory and the wide defense, the

defendant’s legitimacy and the eventual interference of the positionings by him adopted on

the litigious object.

In the second, it discourses on the several attitudes that the defendant can adopt in

the civil process.

In the third chapter, it examines the action duplex, both in the Civil Process Code

and in the extravagant procedural legislation.

In the fourth chapter, it approaches the counterclaim, comparing the convergence

points and divergencies among the counterclaim species foreseen for using by the

defendant.

In the conclusions, it detaches the common points and divergencies between the

action duplex and the other hypotheses that permit the defendant to formulate a request to

obtain for him a life good, confronting them with the counterclaim, as well as the

implication, application and its relationship with institutes like provisional remedy, default,

reconvention and others.

Page 8: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................11

1 DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – ASPECTOS ATUAIS..................17

1.1 Da legitimidade do réu e do autor − estreita relação .....................................................26

1.2 Dos posicionamentos do réu e sua eventual interferência sobre o objeto

litigioso do processo ......................................................................................................31

2 DAS ATITUDES DO RÉU ..............................................................................................37

2.1 Do ônus da defesa ..........................................................................................................37

2.2 Das defesas processuais e de mérito ..............................................................................41

2.3 Das exceções e objeções ................................................................................................43

2.4 Das atitudes do réu.........................................................................................................46

2.4.1 Da contestação ............................................................................................................47

2.4.1.1 Aspectos gerais e objeto ..........................................................................................47

2.4.1.2 Do princípio da eventualidade .................................................................................51

2.4.1.3 Do princípio do ônus da impugnação especificada dos fatos ..................................54

2.4.2 Das exceções rituais....................................................................................................55

2.4.2.1 Aspectos gerais e procedimento ..............................................................................55

2.4.2.2 Da exceção de incompetência..................................................................................58

2.4.2.3 Das exceções de impedimento e de suspeição.........................................................60

2.4.3 Da reconvenção...........................................................................................................63

2.4.3.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica .............................................................63

2.4.3.2 Requisitos gerais e específicos para o oferecimento da reconvenção .....................66

2.4.3.3 Procedimento da reconvenção – Revelia e reconvenção sucessiva.........................78

2.4.3.4 Autonomia da reconvenção e recurso cabível quanto ao indeferimento da

inicial do réu reconvinte ..........................................................................................84

2.4.4 Ação declaratória incidental .......................................................................................88

2.4.4.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica .............................................................88

2.4.4.2 Requisitos para a propositura da ação declaratória incidental .................................90

2.4.4.3 Reconvenção e ação declaratória incidental − Distinções .......................................94

2.4.5 Outras atitudes do réu .................................................................................................97

2.4.5.1 Impugnação ao valor da causa .................................................................................98

Page 9: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

2.4.5.2 Impugnação aos benefícos da assistência judiciária gratuita...................................99

2.4.5.3 Incidente de falsidade ............................................................................................100

2.4.5.4 Intervenção de terceiros .........................................................................................104

2.4.5.5 Da revelia...............................................................................................................105

2.4.5.5.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica ........................................................106

2.4.5.5.2 Da revelia − Espécies e efeitos ...........................................................................109

2.4.5.6 Do reconhecimento jurídico do pedido..................................................................114

3 DAS AÇÕES DÚPLICES ..............................................................................................118

3.1 Introdução ....................................................................................................................118

3.2 Dos procedimentos especiais .......................................................................................119

3.3 Ações dúplices – Breve evolução histórica .................................................................123

3.4 Ações consideradas dúplices no Código de Processo Civil.........................................128

3.4.1 Ação de consignação em pagamento – Aspectos gerais e breve evolução histórica 129

3.4.1.1 Da legitimidade......................................................................................................132

3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento –

artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de Processo Civil .....................133

3.4.1.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de consignação

em pagamento ........................................................................................................138

3.4.2 Ação de prestação de contas − Aspectos gerais e breve evolução histórica.............141

3.4.2.1 Da legitimidade – ação de prestação e de dar contas.............................................144

3.4.2.2 Da denominada duplicidade intrínseca da ação de prestação de contas ................145

3.4.2.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações de prestação de contas......150

3.4.3 Ações possessórias – Aspectos gerais e breve evolução histórica............................153

3.4.3.1 Da legitimidade ativa e passiva .............................................................................157

3.4.3.2 Da fungibilidade entre as ações possessórias ........................................................159

3.4.3.3 Da cumulação de pedidos ......................................................................................161

3.4.3.4 Da liminar possessória ...........................................................................................162

3.4.3.5 Do caráter dúplices das ações possessórias e algumas de suas implicações .........165

3.4.3.6 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações possessorias......................169

3.4.4 Das ações de divisão e demarcação de terras particulares – Aspectos gerais e

breve evolução histórica ...........................................................................................170

3.4.4.1 Da legitimidade ativa e passiva para as ações de demarcação e divisão de

terras particulares...................................................................................................173

Page 10: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

3.4.4.2 Cumulação de pedidos e a sentença.......................................................................176

3.4.4.3 Do caráter dúplice das ações de demarcação e divisão e suas implicações...........178

3.4.4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações demarcatórias e divisórias 180

3.5 Outras ações consideradas dúplices fora do Código de Processo Civil.......................183

3.5.1 Ação renovatória de locação empresarial – Aspectos gerais e breve

evolução histórica .....................................................................................................183

3.5.1.1 Do caráter dúplice da ação renovatoria e suas implicações...................................187

3.5.1.2 Da inadmissibilidade da reconvenção em ações renovatórias ...............................198

3.5.2 Ações de alimentos – Aspectos gerais e breve evolução histórica ...........................199

3.5.2.1 Do caráter dúplice das ações de alimentos e suas implicações..............................202

3.5.2.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas açoes de alimentos .....................211

3.5.3 Da desapropriação – Aspectos gerais e breve evolução histórica ............................213

3.5.3.1 Do caráter dúplice das ações de desapropriação....................................................215

3.5.3.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de desapropriação .............219

4 DO PEDIDO CONTRAPOSTO.....................................................................................221

4.1 Procedimento sumário e o Juizado Especial Cível − Lei n. 9.099/95 –

Aspectos gerais e breve evolução histórica .................................................................221

4.2 O pedido contraposto – Procedimento sumário e na Lei n. 9.099/95 −

Requisitos para a sua admissibilidade .........................................................................226

4.3 Revelia – Reconhecimento jurídico do pedido e pedido contraposto..........................232

4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações que admitem

pedido contraposto.......................................................................................................236

4.5 Pedido contraposto formulado em face de quem possua dezoito anos de

idade ou por pessoa jurídica no âmbito da Lei n. 9.099/95 .........................................238

5 CONCLUSÕES ..............................................................................................................241

BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................246

Page 11: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

INTRODUÇÃO

O tema da resposta do réu no processo civil ou, em sentido lato, os

posicionamentos e as atitudes que o sujeito passivo da relação processual pode adotar, é

extremamente amplo e complexo.

Mostra-se forçoso reconhecer que o réu é não raro identificado como aquele que

resiste à pretensão do autor, que a ela se contrapõe visando a obtenção de uma sentença

declaratória negativa quanto à existência do direito material afirmado na peça inaugural.

O Código de Processo Civil, nesse aspecto, notadamente no âmbito do

procedimento ordinário, é pródigo em permitir ao réu que, utilizando-se de defesas de

mérito (diretas ou indiretas), obtenha a extinção do processo com ou sem resolução do

mérito (defesas processuais peremptórias), enseje a dilação da marcha processual (defesas

processuais dilatórias) ou ainda obtenha a declaração de inexistência do direito material

postulado pelo promovente da demanda.

De outro lado, se revela igualmente auspiciosa a seara relativa à postulação do réu

visando uma sentença de mérito em seu favor, que reconheça o bem da vida por ele

pleiteado.

Não que possa causar qualquer estupefação o só fato do réu figurar como

demandante, desde que se empregue o sentido exato do termo “demanda”.

Sobre o tema, pertinente o magistério de Cândido Rangel Dinamarco, que assim

se pronuncia:

“Demanda, por antonomásia, é o ato de iniciativa do processo, realizado por aquele que, a partir de sua realização, será o demandante (...). Mas o vocábulo tem maior amplitude. O verbo demandar significa pedir, postular. O procedimento todo é um suceder de postulações de ambas as partes (demandas) (...) às quais o juiz vai dando solução nos momentos adequados. Por isso, rigorosamente demanda não é sinônimo de demanda inicial. Há demandas incidentes ao processo – e são tantas! – de iniciativa do próprio autor, do réu, do terceiro que interveio e dos próprios auxiliares da Justiça (demanda de arbitramento ou levantamento de honorários periciais, ou de prorrogação de prazo para cumprir mandados

Page 12: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

12

etc.). Vigorosa doutrina demonstrou que nas hastas públicas cada licitante, ao oferecer seu lance, está dirigindo uma demanda ao juiz – para que ele acolha a melhor delas e adjudique o bem ao vencedor, rejeitando as demais(Zanzucchi). É bastante amplo o conceito de demanda.”1

As espécies previstas para permitir o contra-ataque pelo réu, ensejando a

ampliação do objeto litigioso e a resolução de mérito para si possuem alguns pontos de

convergência quanto aos seus requisitos e outros que as distinguem, como se procurará

enfatizar.

Não obstante, há uma zona que poderia se dizer cinzenta ou pelos menos

suscetível de provocar divergências entre elas, como na hipótese da reconvenção e da ação

declaratória incidental, especialmente quando essa última tiver natureza negativa, visando,

destarte, o reconhecimento da inexistência de relação jurídica de direito material entre as

partes.

Se tais dissensos se manifestam entre algumas das referidas espécies de contra-

ataques, no que tange às denominadas ações dúplices, o alcance exato de tal termo é

igualmente capaz de fomentar dúvidas e lançar divergências quanto ao seu elastério, o que,

por si, se revelaria auspicioso enquanto tema a ser objeto de exame e aprofundamento.

O exame da doutrina, via de regra, revela que na expressão “ações dúplices” se

inseriram hipóteses diversas.

Conforme se tentará abordar nesta dissertação, via de regra, quando se alude ao

fato de ser uma ação dúplice, se está com isso enfatizando a circunstância de que nela o réu

poderia formular pedido em seu favor, independentemente do oferecimento de

reconvenção.

Em que pesem as ações dúplices, ao menos dentro do sentido que se procurará

aqui empregar, permitirem a obtenção do bem da vida pelo réu, sem que para tanto haja a

necessidade do oferecimento da reconvenção, o mesmo se dá em relação ao pedido

1 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, v.

2, p. 132-133.

Page 13: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

13

contraposto, sem que se possa concluir, salvo melhor juízo, que se trata de institutos

idênticos.

Dentro do gênero dos posicionamentos do réu ou das atitudes passíveis de adoção

pelo mesmo, e mais especificamente dos tipos de contra-ataques admitidos pelo sujeito

passivo da relação processual, a reconvenção, a ação declaratória incidental, as ações

dúplices e o pedido contraposto estariam inseridos.

As distinções, como se procurará demonstrar, não são apenas um preciosismo

teórico, mas apresentam implicações práticas que merecem abordagem, decorrendo de tais

circunstâncias a preocupação em afastar eventuais incertezas terminológicas.

A respeito da precisão terminológica, vale relembrar o magistério de Sálvio de

Figueiredo Teixeira:

“A exemplo de Ascarelli, que verberara as incertezas terminológicas, acentuou Pietro Cogliolo, em sua admirável Filosofia do direito privado, que não se pode negar que uma parte, não pequena, da grande dos juristas romanos foi a sua feliz intuição das palavras jurídicas, como também que uma parte não pequena do hodierno envilecimento da linguagem forense é o pouco caso pela frase, a falta de correção e de precisão nas expressões do direito. Os verba iuris, prossegue o mestre italiano, têm a sua história e a sua tradição. Conhecê-los bem e deles usar é ‘condição necessária para um bom raciocínio jurídico’. E arremata: ‘De um outro modo, continuaremos a ver freqüentemente o que Bacon chamava de idola fori, vale dizer, sofismas de linguagem, nos quais tropeça a prática forense, ou porque use de palavras ambíguas e mal definidas ou porque atribua a uma idéia palavra diversa, sem perceber que muitas vezes, cai numa tautologia de conceito, por não distinguir do significado comum o sentido técnico ou, ainda, por, de qualquer outra forma, não aprender a relação entre a palavra e a idéia. As verdades, as apreciações científicas que não se designam por uma expressão técnica, assinalou Von Ihering, são como as moedas que não recebem cunho: tanto umas como as outras não entram em circulação. Daí a primorosa síntese de Carnelutti, segundo a qual a primeira exigência do processo e da ciência processual é a pureza dos conceitos e a propriedade dos vocábulos (...).”2

Não há dúvida que na presente dissertação as aspirações são mais limitadas,

pretendendo-se, como antes aventado, realçar as distinções entre as espécies de contra-

2 Sálvio de Figueiredo Teixeira, O agravo de instrumento é recurso próprio contra as decisões que apreciam

cálculos no curso das execuções. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 9, n. 36, p. 181, out./dez. 1984.

Page 14: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

14

ataques do réu, afastando-se a idéia de que toda ação em que o réu possa vir a formular

pedido na contestação seja necessariamente dúplice, ao menos dentro da amplitude e

conseqüências existentes quando tal caráter deriva da própria relação de direito material.

Para que se possa eventualmente chegar ao ponto fundamental das ditas

distinções, é imprescindível examinar alguns aspectos que permitirão uma visão mais

ampla da legitimidade do réu e dos seus posicionamentos.

No primeiro capítulo da dissertação se fará, ainda que de forma breve, uma

abordagem do contraditório e da ampla defesa, destacando o que o fenômeno da

constitucionalização do processo teria repercutido ao erigir tais subprincípios do devido

processo legal em garantias asseguradas pela Magna Carta.

Referido tema igualmente pressupõe uma análise da legitimidade ad causam do

réu e sua estreita relação com a exigida para o autor.

Sem procurar englobar as múltiplas divergências sobre o que constituiria o objeto

do processo ou o objeto litigioso, o que certamente extrapolaria o tema desta dissertação,

se tentará destacar como o posicionamento do réu poderá afetar o mérito e a coisa julgada

que se formará.

No segundo capítulo, se enfocarão os diversos posicionamentos ou atitudes do

réu, destacando seus pressupostos, finalidades e algumas das questões, dentre várias que

poderiam ser indicadas no plano jurisprudencial e doutrinário, que apresentam

divergências.

Essas questões serão deliberadamente realçadas, com o objetivo de examinar, no

terceiro e quarto capítulos da dissertação, reservados ao exame das ações dúplices e o

pedido contraposto, sua aplicabilidade ou não aos aludidos institutos.

De igual modo, a análise da revelia, suas espécies e efeitos são de grande relevo

para que possa refletir sobre o impacto de sua existência, ou não, no que se refere às ações

dúplices e no que diz respeito ao pedido contraposto.

Page 15: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

15

No terceiro capítulo se procurará enfrentar o tema relativo às ações dúplices.

A inserção do tema dos procedimentos especiais se justifica porque é sob esse rito

que se processam as ações consideradas dúplices no âmbito do Código de Processo Civil,

vale dizer, as ações de consignação em pagamento, de prestação de contas, possessórias,

demarcatórias e de divisão de terras particulares.

Faz-se mister deixar consignado que se optou por uma breve incursão histórica

quanto à origem das citadas ações, o que permitirá trazer subsídios relevantes para

justificar o seu caráter dúplice.

A abordagem das mencionadas ações terá por objeto específico seu caráter

dúplice, já que caso se optasse pelo exame de seus vários aspectos materiais e processuais,

haveria afastamento do tema da dissertação.

Assim, apenas os aspectos que se mostrem de alguma forma relevantes para o

entendimento do seu caráter dúplice é que serão abordados.

A análise das ações consideradas dúplices e previstas em leis extravagantes

igualmente seguirá tal linha teórica, dando-se, destarte, enfoque àquilo que poderá servir

de base ou parâmetro para a compreensão ou delimitação do tema da dissertação.

Por derradeiro, no quarto capítulo, se fará a abordagem do pedido contraposto,

seus pressupostos, requisitos e processamento no âmbito do procedimento sumário e do

Juizado Especial Cível que possuem, indubitavelmente, diversos pontos comuns, e outros

diferenciadores que se procurará enfatizar, na medida que se mostrem relevantes para o

tema proposto.

A tarefa a que nos propomos é ao mesmo tempo desafiadora e preocupante, diante

da complexidade do tema e da reconhecida dificuldade referente à legislação e doutrina

estrangeiras sobre o pedido contraposto e as ações dúplices.

Page 16: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

16

Vale, nesse aspecto, relembrar um antigo pensamento que certamente não atenua

os equívocos que serão cometidos, mas que pode servir de estímulo a quem se dedica a

semelhante mister, que proclama não haver comparação entre o que se perde por fracassar

e o que perde por não tentar!

Page 17: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

1 DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – ASPECTOS

ATUAIS

O denominado fenômeno da constitucionalização do processo teria se iniciado na

Europa, na primeira metade do século XX3, sobretudo nos regimes políticos totalitários.

Dentro da aludido fenômeno de constitucionalização dos direitos fundamentais da

pessoa, inseriu-se a tutela das garantias mínimas do processo judicial, com o que se

objetivou evitar que o legislador os ignorasse ou violasse, protegendo-os através de um

sistema “reforçado de reforma constitucional”.

A Constituição Federal estabelece no artigo 5º, inciso LV, que ninguém será

privado da liberdade e da propriedade sem o devido processo legal.

É cediço que o devido processo legal possui manifestações tanto em sentido

material como processual.

Consoante o magistério de Nelson Nery Junior, é no sentido unicamente

processual que a doutrina brasileira tem empregado, ao longo dos anos, a locução “devido

processo legal”, sendo, em síntese, a cláusula procedural due process of law nada mais do

que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e

defendendo-se de modo mais amplo possível.

Para o aludido autor, bastaria a Constituição Federal de 1988 ter enunciado o

princípio do devido processo legal e o caput e os incisos do artigo 5º, em sua grande

maioria, seriam absolutamente despiciendos. A explicitação feita pela Magna Carta dos

subprincípios que integram o devido processo legal, como o contraditório e a ampla defesa,

teria visado realçar a importância das garantias, “norteando a Administração pública, o

Legislativo e o Judiciário, para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações”.4

3 Joan Pico y Junoy, Las garantias constitucionales del proceso, 3 reimpr. Barcelona: Bosch, 2002, p. 17. 4 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, 8. ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004, p. 69 e ss.

Page 18: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

18

A garantia do contraditório e da ampla defesa em processo judicial ou

administrativo e aos acusados em geral está prevista no artigo 5º, inciso LV da

Constituição Federal.

Na Magna Carta de 1969, o artigo 153, parágrafo 16 fazia apenas previsão da

garantia do contraditório para o processo penal, embora, como leciona Nelson Nery

Junior5, a doutrina se pronunciava no sentido de sua aplicabilidade também aos processos

civil e administrativo.

Não resta dúvida de que, a partir do advento da Magna Carta de 1988, operou-se o

fenômeno da “constitucionalização do processo civil”, realçando sua função social,

deixando, destarte, de ser apenas um instrumento puramente técnico para a solução de

conflitos.

Trata-se de tarefa árdua definir de forma objetiva o que teria implicado tal

fenômeno, sob o prisma processual, e em que consistiria a sua denominada função social.

Ensina José Roberto dos Santos Bedaque6 que as regras destinadas a assegurar

garantias para o processo não estão restritas aos vários incisos do artigo 5º, mas se

encontram em vários outros dispositivos, como os artigos 93, inciso IX (motivação das

decisões judiciais), 95 e 96 (garantias dos juízes e dos tribunais), destacando que a

Constituição procura estabelecer o processo justo, entendido como o instrumento que a

sociedade politicamente organizada entende necessário para assegurar adequada via de

acesso à solução jurisdicional dos litígios.

Destaca o citado autor a mudança impulsionada pela Constituição Federal no

processo civil, assinalando:

“Foi-se o tempo em que o processo era concebido como fenômeno puramente técnico, caracterizado pelo formalismo estéril. Os institutos processuais são construídos sob a profunda determinante de valores éticos, exatamente aqueles que norteiam a Constituição. Cada país tem seu modelo processual-constitucional idealizado em conformidade com as opções ideológicas dominantes.”

5 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 168. 6 José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, São

Paulo, Malheiros, 1995, p. 18.

Page 19: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

19

A respeito da função social do processo, José Carlos Barbosa Moreira7 destaca os

seus dois aspectos principais:

“Marcha em direção a uma igualdade maior, no sentido da eliminação – ou quando menos, da atenuação – das diferenças de tratamento dos membros da comunidade em razão das diversidades de riquezas de posição social, de cultura, de pertinência a esta ou àquela classe, raça, credo religioso ou corrente política. De outro lado, reclama atenção a questão da capacidade do sistema jurídico para assegurar, na medida necessária, a primazia dos interesses da coletividade sobre os estritamente individuais.”

Como nota João Batista Lopes 8 , havia anteriormente a identificação do

contraditório com a defesa, sendo tal concepção tradicional substituída por fórmula mais

ampla, trocando-se o antigo binômio direito à informação e à reação pelo trinômio

informação-reação-diálogo. A propósito, assinala o autor:

“Mais explicitamente, o contraditório exige informação dos atos processuais: os termos da petição inicial devem ser comunicados ao réu mediante citação; a contestação do réu deve chegar ao conhecimento do autor; as partes devem ser intimadas regularmente dos atos subseqüentes etc. Ao tomar conhecimento de ato praticado pelo adversário, a parte pode reagir, expondo sua posição (o réu, contestando; o autor replicando etc). A seu turno, o juiz, como diretor do processo, deve promover o diálogo com as partes, de que constitui exemplo a audiência preliminar do artigo 331do CPC.”

A possibilidade de diálogo entre o juiz e as partes antes de qualquer

pronunciamento jurisdicional é enfatizada por Guiseppe Tarzia9, como ainda o direito às

provas e o uso de instrumentos idôneos para conhecimento das ocorrências anormais ou

crises do procedimento, e a garantia da motivação das alegações das partes.

Por seu turno, Comoglio, Ferri e Tarrufo 10 indicam o conteúdo mínimo do

contraditório, a saber: (a) igualdade das partes, não apenas em sentido formal, mas

substancial; (b) possibilidade de defesa técnica, mediante assistência de defensor

profissionalmente qualificado; (c) adequação qualitativa das possibilidades de alegação e

7 José Carlos Barbosa Moreira, A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na

direção e na instrução do processo, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, p. 140, 1985.

8 João Batista Lopes, Curso de direito processual civil: parte geral, São Paulo: Atlas, 2005, v. 1, p. 232. 9 Giuseppe Tarzia, Il contradditorio nel processo esecutivo, Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, v.

2, n. 72, p. 195-196, 1978. 10 Luigi Paolo Comoglio; Corrado Ferri; Michele Taruffo, Lezione sul processo civile, Bologna: Il Mulino,

1995, p. 70.

Page 20: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

20

produção de provas capaz de influenciar a formação do convencimento do juiz; (d) direito

à adequada informação dos atos processuais; (e) direito à motivação das decisões etc.

Não se pode igualmente olvidar que ao assegurar a Magna Carta, no artigo 5º,

inciso XXXV, o acesso ao Judiciário, que tal garantia constitucional abarca o direito ao

contraditório e à ampla defesa.

Nesse sentido, calham à fiveleta as lições de José Roberto dos Santos Bedaque, ao

assinalar que a garantia constitucional de ação compreende o direito ao contraditório e

distinguir os pontos essenciais entre esse princípio e a ampla defesa:

“Contraditório e ampla defesa, aliás, constituem aspectos do mesmo fenômeno. Examinado pelo prisma estrutural do procedimento, o primeiro representa pressuposto do direito de defesa. A inviolabilidade deste último, por sua vez, considerado pelo ângulo das partes, é condição mínima de realização plena daquele. Talvez se possa afirmar que a ampla defesa é garantia de participação conferida exclusivamente às partes da relação processual. Já contraditório é fenômeno mais amplo, pois se refere também ao juiz, que deve, juntamente com os sujeitos parciais do processo, assumir postura ativa no desenvolvimento do processo, preocupando-se com seu resultado. Assegurar o direito de ação no plano constitucional é garantir o acesso ao devido processo legal, ou seja, ao instrumento tal como concebido pela própria Constituição Federal. Entre os princípios inerentes ao processo, destacam-se o contraditório e a ampla defesa, cujo conteúdo é substancialmente idêntico: a necessidade de o sistema processual infraconstitucional assegurar às partes a possibilidade da mais ampla participação na formação do convencimento do juiz.” 11

A participação ativa do juiz, no que tange ao contraditório, segundo concepção

moderna predominante, para assegurar a igualdade substancial e a busca da verdade real, é

destacada por vários autores, entre os quais podem ser citados Luigi Comoglio12 e Mauro

Cappelletti.13

Conforme consignado por Maria Elizabeth de Castro Lopes14, Mauro Cappelletti

efetuou uma revisão do princípio dispositivo, já que concluiu ser o juiz diretor material do

11 José Rogério Cruz e Tucci; José Roberto dos Santos Bedaque (Coords.), Causa de pedir e pedido no

processo civil: questões polêmicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 19. 12 Luigi Comoglio, Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali, Rivista Trimestrale di

Diritto e Procedura Civile, Milano, Giuffrè, n. 4, p. 1.086, dic. 1994. 13 Mauro Cappelletti, La testimonianza della parte nel sistema dell’orallità: contributo alla teoria della

utilizzazione probatoria del sapere delle parti ne processo civile, Milano: Giuffrè, 1974, Parte 1, p. 303-375. 14 Maria Elizabeth de Castro Lopes, O juiz e o princípio dispositivo, cit., p. 89-90.

Page 21: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

21

processo e não diretor formal, conferindo ao magistrado uma função assistencial, atuando

na proteção da parte mais fraca ou mal defendida por profissional negligente ou

inexperiente.

De acordo com essa autora, o instrumento que o juiz se vale para assegurar a

igualdade substancial da partes é o interrogatório livre, que não constitui meio de prova,

mas providência utilizada por ele para permitir supressão de omissões das partes,

complementação de alegações e esclarecimentos.

Critica a referida autora que se reconheça ao magistrado tal elastério no seu poder

instrutório, o que seria suscetível de converter o juiz em “investigador ou pesquisador,

funções estranhas ao ato de julgar”.

Sem que se pretenda efetuar maior aprofundamento do tema, valeria apenas

relembrar que o Código de Processo Civil, não obstante preveja no artigo 130 que o juiz

possa de ofício determinar a produção de provas necessárias à instrução do feito, que tal

atividade, ao menos na jurisdição contenciosa, teria como base os fatos alegados pelas

partes.

Com efeito, no âmbito da jurisdição voluntária, o Código de Processo Civil, no

artigo 1.107, conferiu ao juiz a faculdade de investigar livremente os fatos, uma vez que

vige o princípio inquisitivo, e não o dispositivo.

Nesse sentido, os comentários de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery ao referido dispositivo: “1. Instrução probatória. Na jurisdição voluntária não existem

prazos peremptórios nem revelia, devendo o juiz proceder à instrução probatória de ofício,

mesmo contra a vontade dos interessados, já que incide em plenitude o princípio da

investigação de ofício, em contraposição ao princípio dispositivo (...).”15

Não obstante a Constituição Federal erija o contraditório e a ampla defesa em

garantias constitucionais, não se pode perder de vista que essa última pode eventualmente

15 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 1.218.

Page 22: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

22

se sujeitar a determinados limites, sem que se possa, em princípio, falar em afronta ao

referidos princípios.

Nesse sentido, João Batista Lopes faz pertinentes observações sobre o assunto ora

em exame, questionando:

“Que se deve entender por ampla defesa? Há ações em que a defesa do réu é limitada pela lei, como a desapropriação, a monitória, as possessórias, etc. Ampla defesa não significa, pois, defesa ilimitada, mas defesa adequada à natureza do processo em que é exercida. Nas ações cautelares, por exemplo, a ampla defesa não pode ir além do questionamento do fumus boni iuris e do periculum in mora, além das questões de conteúdo meramente processual, como é curial. Põe-se a questão, porém, de saber se a simples inobservância desses limites é suficiente para caracterizar abuso no direito de defesa. A resposta é negativa, cabendo ao juiz examinar cada caso e ver se o excesso não resultou de erro escusável ou inexperiência do advogado (...).”16

Na mesma esteira, Vicente Greco Filho assim se pronuncia: “Consiste a ampla

defesa na oportunidade do réu contraditar a acusação, através da previsão legal de termos

processuais que possibilitem a eficiência da defesa, como já se disse. Ampla defesa,

porém, não significa oportunidades ou prazos ilimitados.”17

Cabe destacar que em algumas das ações consideradas dúplices, como a

possessória, há limitação quanto à matéria que pode ser deduzida pelo réu em sua

contestação, ou quanto ao exercício do direito à ação autônoma.

Nesse aspecto, relembre-se o artigo 923 do Código de Processo Civil, que veda às

partes, no curso do processo possessório, a propositura de ação de reconhecimento do

domínio, o que restou ratificado pelo novel Código Civil, em seu artigo 1.210, parágrafo

2º.

16 João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 74. 17 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justiça, 17.

ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 1, p. 56.

Page 23: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

23

Há limitação quanto à matéria fática que pode ser suscitada pelo réu na

contestação das ações expropriatórias, conforme previsto no artigo 20 do Decreto-Lei n.

3.365/41.18

No que tange à ação renovatória, igualmente considerada dúplice, também existe

restrição à defesa do réu, prevista no artigo 72 da Lei n. 8.245/91.19

As razões para tal limitação serão examinadas no terceiro capítulo da dissertação,

podendo-se entretanto, desde já, consignar que o contraditório certamente não pode ser

idêntico para todas as ações, porquanto deve-se levar em conta a peculiaridade e a natureza

do procedimento ou da demanda.

Poder-se-ia ainda aduzir que, diante de um vasto rol de garantias constitucionais,

seria extremamente difícil alcançar a conjugação de princípios assegurados na mesma

Constituição, tarefa que se reconhece não raro se mostrar árdua.

Apenas a título de exemplo, poder-se-ia objetar que, diante do que anteriormente

foi esposado, como se alcançaria a razoável duração do processo, se em especial no campo

do processo civil, notadamente no procedimento ordinário, o contraditório e a ampla defesa

seriam assegurados ao extremo?

Comoglio, ao proclamar a necessidade de um processo équo e justo, de meios e

resultados, justamente atenta para a necessidade de garantir “da un lato, la correttezza e

l’effetività degli strumenti processuali disponibili nel corso del giudizio e dall’altro,

l’effettività e l’adeguatezza della tutela ottenible al termine di quel giudizio.”20

18 Decreto-Lei n. 3.365/41: “Artigo 20 - A contestação só pode versar sobre vício do processo judicial ou

impugnação do preço: qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.” 19 Lei n. 8.245/91: “Artigo 72 - A contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber, ficará

adstrita, quanto à matéria de fato, ao seguinte: I - não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta lei; II - não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar; III - ter proposta de terceiro para locação, em condições melhores; IV - não estar obrigado a renovar a locação (incs. I e II do art. 52).”

20 Luigi Paolo Comoglio, Riforme processuali e poteri del giudice, Torino: Giappichelli, 1996, p. 89.

Page 24: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

24

A eventual tensão entre os referidos princípios poderá ser solucionada pela

aplicação do princípio da proporcionalidade, não perdendo de vista a busca da efetividade

do processo.

Partindo-se da premissa de que a efetividade se trata de um princípio, e abstraindo

discussões cabíveis sobre o tema, segundo Nelson Nery Junior, “na interpretação de

determinada norma jurídica constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os

interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa”, assentando-

se seu fundamento no conteúdo do princípio do Estado de Direito, havendo, contudo, que o

situe no princípio do devido processo legal.21

Na esfera específica do processo civil, os efeitos do princípio da

proporcionalidade são de extrema relevância, como destaca Marcelo José Magalhães

Bonício:

“No direito processual civil, este princípio projeta riquíssimos efeitos, destinados a evitar excessos, a procurar a justa adequação de meios e, ainda, a estabelecer uma proporção razoável entre os interesses em conflito, inserindo-se portanto entre os princípios informativos do sistema processual, com a missão especial e um tanto diferente da missão reservada aos demais princípios: lidar quase exclusivamente com situações excepcionais, reveladoras de flagrantes injustiças, onde deve funcionar como um fator de proteção aos direitos fundamentais envolvidos.”22

E arremata o autor, indicando os aspectos endoprocessuais do princípio da

proporcionalidade no processo civil, com o fito de alcançar um processo justo e équo:

“Basta, pensar, por exemplo, no excessivo tempo de duração dos processos, no acesso à Justiça, no excesso de poderes que o sistema confere ao juiz na análise das condições da ação, na questão da admissibilidade e valoração das provas, nas tutelas de urgência, na necessidade de uma postura ativa do juiz, na proporcionalização da coisa julgada, no sistema de nulidades processuais, nos limites dos processos de execução e nos excessos que ocorrerem no sistema recursal, para percebermos que o processo civil brasileiro, em muitos pontos, não observa a exigência da proporcionalidade (...).”23

21 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 197. 22 Marcelo José Magalhães Bonício, Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da

proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais, São Paulo: Atlas, 2006, p. 212-214.

23 Ibidem, p. 213.

Page 25: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

25

Quanto à efetividade, se cuida de um conceito extremamente elástico e vago,

servindo porém o entendimento de Barbosa Moreira para realçar seus principais aspectos:

“(...) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequada, na medida do possível, a todos os direitos (e outras disposições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento que resultam de expressa previsão normativa, que se possam inferir no sistema; (b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo de eventuais sujeitos; (c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; (d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; (e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias.”24

É, portanto, claramente estreita a relação que existe entre a efetividade e a

proporcionalidade, e o quanto foi exposto sobre o assunto no presente item certamente

servirá de balizamento para a interpretação de eventuais questões que deverão ser

enfrentadas, quer no que se refere às diversas atitudes do réu, quer quando se coloque na

posição de demandante, no sentido antes empregado, que resiste à pretensão do adversário,

quer como aquele que oferece um contra-ataque, por meio das formas que serão

examinadas.

Cumpre assinalar que por óbvio a invocação do princípio da proporcionalidade ou

a busca da efetividade é incompatível com o exagero na forma, mas certamente não pode

servir de pressuposto para simplesmente negá-la.

Deve-se, contudo, não olvidar que o tema da efetividade jurisdicional não se

circunscreve à seara do autor, e o entendimento do alcance da proporcionalidade é de suma

relevância para compreender a extensão do primeiro princípio.

De todo pertinente, para realçar as idéias desenvolvidas e sintetizá-las, a

ponderação de João Batista Lopes acerca da relação existente entre os princípios da

proporcionalidade e da efetividade:

24 José Carlos Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da “efetividade” do processo, in Temas de direito

processual civil: terceira série, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 27.

Page 26: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

26

“A perfeita compreensão do princípio da proporcionalidade torna patente sua importância para a efetividade do processo. Com efeito, na medida em que o juiz, ante tensão conflitiva de princípios, procede à avaliação dos interesses em jogo e adota a solução mais adequada à fattispecie, estará, certamente, contribuindo para a efetividade da tutela jurisdicional. É que a efetividade da tutela jurisdicional não deve ser vista exclusivamente da perspectiva do autor, mas também da do réu, uma vez que a ação, garantia constitucional, tem caráter bilateral. Assim, a efetividade é via de mão dupla: é valor a ser alcançado por quem tiver razão segundo os princípios, valores e regras da ordem jurídica.”25

1.1 Da legitimidade do réu e do autor −−−− estreita relação

Cumpre inicialmente ressaltar que não se pretende no presente tópico trazer à

colação as diversas teorias acerca das condições da ação, senão introduzir o tema relativo à

estreita relação existente entre as legitimidades dos sujeitos que integram a relação

processual.

As condições da ação são definidas por Arruda Alvim como as “categorias lógico-

jurídicas existentes na doutrina e, muitas vezes, na lei como em nosso direito positivo, que,

se preenchidas, possibilitam que alguém chegue à sentença de mérito”.26

Ovídio Baptista da Silva27 tece críticas a tal conceituação, observando que a

doutrina brasileira teria sido influenciada pela concepção de Liebman.

Sustenta que a sentença que extingue o processo por ausência de qualquer das

condições da ação seria de improcedência do mérito, já que o juiz estaria declarando a

inexistência de uma pretensão acionável do autor contra o réu, estando, pois, a decidir

sobre a pretensão posta em causa pelo primeiro, para declarar que o agir desse contra o

segundo é improcedente.

25 João Batista Lopes, Curso de direito processual civil: parte geral,, cit., v. 1, p. 235. 26 José Manoel Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: parte geral, 6. ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, v. 1, p. 368. 27 Ovídio Araujo Baptista da Silva; Fábio Luiz Gomes, Teoria geral do processo civil, São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1997, p. 116 e ss.

Page 27: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

27

Por seu turno, Marcelo Abelha28 assevera que as condições da ação, em respeito à

técnica, seriam melhor denominadas como condições da demanda, já que corresponderiam

aos requisitos necessários para verificar se a reclamação (demanda) é merecedora

(meritória) de um julgamento de mérito.

Funcionariam as condições da ação, segundo o autor supra, como um filtro, uma

peneira das demandas que serão ou não julgadas.

Humberto Theodoro Júnior29, reportando-se a ensinamento de Liebman, realça

que embora abstrata, a ação não é genérica, de sorte que a obtenção da tutela jurídica

pressupõe que o autor demonstre uma pretensão idônea a ser objeto da atividade

jurisdicional do Estado.

Mencionados requisitos constitutivos seriam justamente as condições da ação.

Vale ainda relembrar que há dissenso na doutrina quanto ao exame em abstrato ou

não das condições da ação, se seriam elas analisadas in statu assertionis.

José Roberto Bedaque sustenta posição no sentido de que as condições devem ser

analisadas em tese, manifestando-se assim:

“Devem as condições da ação ser analisadas em tese, isto é, sem adentrar ao exame do mérito, sem que a cognição do juiz se aprofunde na situação de direito substancial. Esse exame, feito no condicional, ocorre normalmente em face da petição inicial, in statu assertionis. Apenas por exceção se concebe a análise das condições da ação após esse momento: é que alguma vezes não há elementos para que tal ocorra naquele instante. Desde que a cognição permaneça nos limites formulados (análise em tese, no condicional), permanecerá no âmbito das condições da ação.”30

Sobre o tema, observa Dinamarco, ao tecer críticas à teoria da asserção,

sustentando que não basta ao demandante descrever formalmente uma situação em que

estejam presentes as condições da ação, sendo indispensável que elas existam:

28 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual, 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003, v.1, p. 234 e ss. 29 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, 39. ed., 4. tiragem, Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 1, p. 49. 30 José Roberto dos Santos Bedaque, Pressupostos processuais e condições da ação, cit., p. 192.

Page 28: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

28

“Goza no entanto de crescente prestígio a teoria da asserção, que afirma o contrário. Segundo seus seguidores, as condições da ação deveriam ser aferidas in statu assertionis, ou seja, a partir do modo como a demanda é construída – de modo que se estaria diante de questões de mérito sempre que, por estarem as condições correntes expostas na petição inicial, só depois se verificasse a falta de sua concreta implementação. Ao propor arbitrariamente essa estranha modificação da natureza de um pronunciamento conforme o momento em que é produzido (de uma sentença terminativa a uma de mérito), a teoria della prospettazione incorre em uma séria de erros e abre caminho para incoerências que desmerecem desnecessária e inutilmente o sistema.”31

Não obstante os argumentos respeitáveis que embasam os que defendem a posição

no sentido, parece que pelo artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil, a extinção

do processo ante a ausência de qualquer das condições da ação é sempre ensejadora de

uma sentença terminativa, independentemente do reconhecimento da carência ter se dado

na fase postulatória ou depois de realizada a instrução probatória.

Dentre as condições da ação pretende-se abordar, ainda que de forma sintética, a

legitimidade do réu e sua relação com a ao autor, especialmente sopesando a defesa que

venha a argüir.

Conforme ensina Teresa Arruda Alvim Wambier, a legitimidade “é um liame que

se estabelece entre o sujeito, um objeto e outro sujeito. De fato, a relação jurídica abrange,

pelos menos, dois sujeitos e um objeto. Logo, se diz que a legitimidade é um liame que

envolve um sujeito e uma relação jurídica, nesta relação haverá sempre o outro sujeito.”32

Donaldo Armelin33, ao abordar as distinções entre a legimatio ad causam e ad

processum, observa que a primeira diz respeito ao exercício do direito de ação, direito que

pode perfeitamente concernir ao sujeito carente de capacidade de exercício. Por sua vez, a

legitimatio ad processum atine à estrutura do processo precipuamente.

Ao tratar especificamente da legitimidade do réu, reportando-se aos

posicionamentos de Celso Agrícola Barbi e Liebman, ensina Donaldo Armelin que a mera

31 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 317 e ss. 32 Tereza Arruda Alvim Wambier, Nulidades da sentença, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 19-20. 33 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1979, p. 111.

Page 29: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

29

inclusão do réu no pólo passivo, mercê de sua citação, não lhe confere legitimidade para

figurar validamente como parte legítima.

A respeito do tema, assim se posiciona o referido autor:

“Assim, enquanto a situação legitimante para o exercício do direito de defesa é que resulta da citação para responder aos termos de uma ação que lhe foi proposta pelo autor, o réu só estará legitimado passivamente ad causam quando inserido no pólo passivo da relação controvertida no processo, ou quando titular de uma situação a ela reportada por disposição expressa de lei, no caso de legitimidade passiva extraordinária.”34

Ressalta que o direito de defesa, que é abstrato, se exerce mesmo quando

inexistente pronunciamento sobre o mérito.

Se o direito de ação está vocacionado à obtenção de uma solução favorável ou

desfavorável, tendo como base uma lide, o direito de defesa volta-se a afastar da esfera

patrimonial ou moral do réu “as conseqüências de uma decisão desfavorável, o que é

perfeitamente atingível através da demonstração de imperfeições da relação jurídico

processual e de outros obstáculos processuais inibidores da apreciação do mérito e

extintores do processo.”35

Destaca que a legitimidade no processo é “eminentemente bilateral”, já que o

autor está legitimado em regra a propor ação contra aquele réu específico e não contra

outro.

Ganha relevo, considerando o tema da presente dissertação, o fato de que, na

esteira dos argumentos desenvolvidos por Donaldo Armelin, a legitimidade do réu não

estaria desvinculada da do autor, podendo se considerar a recíproca verdadeira.

Vale, pela importância, transcrever o pensamento do citado autor, no que tange ao

reflexo possível de se reconhecer no processo pela eventual falta de legitimidade de

qualquer dos sujeitos da relação processual:

34 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, cit., p. 101-104 35 Ibidem, p. 103-104.

Page 30: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

30

“Ambos são legitimados quando inseridos na mesma relação processual emergente da pretensão. Da mesma forma serão ambos carentes de legitimidade quando um deles estiver alheio a tal relação (...). (...) Concluindo a legitimidade do réu muitas vezes decorre daquela do autor, da qual passa a ser mero reflexo e complemento, quando a defesa limita-se a negar o fundamento da pretensão do autor. Todavia, sempre que o réu argúi objeções processuais extrínsecas ao processo no qual ele se insere, ou exceções substanciais, é de exigir uma legitimidade específica para tanto. Somente aqueles réus que se encontram inseridos naquelas situações ensejadoras das exceções substanciais ou de objeções processuais extrínsecas estão legitimados a arguí-las. Sem embargo de tal exigência, o exercício ou não do direito de argüir exceções substanciais ou objeções processuais dessa natureza não retira do réu a sua legitimidade básica que é dada pela inserção do réu na relação jurídica emergente ou reafirmada na pretensão do autor (...).”36

Elio Fazzalari37destaca a necessária coordenação entre processo e direito material,

ao aludir à situação legitimante, como a que deve encontrar-se o sujeito para ser titular de

um poder (legitimidade ativa) ou destinatário dos efeitos (legitimidade passiva).

A legitimidade, portanto, não é própria de todos que possuem capacidade, mas só

aos que se inserem na situação substancial afirmada pelo autor, vale dizer, a relação

jurídica material em que as partes se inserem.

Na visão de Fazzalari, a legitimidade ativa constituiria na titularidade de poderes,

faculdades e deveres processuais, concluindo, desse modo, que também o réu ostentaria

legitimidade ativa.

Entende que a legitimidade não teria o poder de provocar a decisão de mérito,

quer porque a ação não se limita a um único poder e ainda porque constitui resultante não

uma componente da situação substancial, pelo que não integraria as condições da ação.

Segundo sua posição, que não é acolhida pelo Código de Processo Civil, somente

existiria legitimidade ativa, já que a passiva existe para aquele que deve suportar os efeitos

do provimento judicial. A situação legitimante não é a alegada pelo autor, mas sim a

reconhecida pelo juiz, razão pela qual a legitimidade ativa seria pressuposto de

36 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, cit., p. 104-105 37 Elio Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, Padova, CEDAM, 1975; e Note in tema di diritto e

processo, Milano: Giuffrè, 1957.

Page 31: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

31

desenvolvimento do processo e a passiva estaria relacionada com a sentença de

procedência.

Apresentados alguns dos entendimentos sobre o assunto em exame, poder-se-ia,

destarte, deixar assentado, com base no quanto foi antes abordado, que, como regra, não há

como examinar a legitimidade do autor ou do réu de forma isolada, nem tampouco

imaginar que a ação e a defesa, ambas garantidas constitucionalmente, como

compartimentos estanques, ou meros direitos subjetivos.

Na esteira do que foi exposto, pode-se afirmar ser possível reconhecer-se sempre

uma bilateralidade de ações ou de demandas, que adviria do fato das partes formularem

pretensões antagônicas que formam o objeto da lide.

Nesse sentido, vale consignar a visão de Cândido Rangel Dinamarco sobre o

conteúdo dos institutos da ação e da defesa, o que se tem como extremamente pertinente,

levando em conta que se discorrerá na dissertação sobre uma e outra, no prisma do réu:

“Eis porque, numa visão moderna e realista, ação e defesa não são direitos subjetivos, mas autênticos poderes. Essa é a visão sintética de cada uma delas, que permite simplificar a linguagem e indicar sua natureza jurídica – porque na realidade, tanto ação como defesa são conjuntos de situações jurídicas. As situações jurídicas englobadas no conceito de defesa são aquelas que no curso do processo se desenvolvem (oportunidades de participação com a expectativa de resultados). A ação inclui tudo isso e também o poder de iniciativa processual. Tal é o conteúdo analítico dos institutos da ação e da defesa.”38

1.2 Dos posicionamentos do réu e sua eventual interferência

sobre o objeto litigioso do processo

A matéria relativa à identificação do que consiste o objeto litigioso do processo é

das mais polêmicas, tanto na doutrina nacional, como na estrangeira.

38 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 325.

Page 32: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

32

A abordagem do tema será circunscrita fundamentalmente àquilo que guarde

pertinência com as atitudes que o réu possa vir a adotar no processo e sua interferência

sobre o objeto litigioso.

As indicações doutrinárias que serão feitas, portanto, terão como base firmar as

premissas necessárias para a compreensão mais ampla das conseqüências advindas dos

posicionamentos do réu, sem esgotar, por certo, a matéria cujo universo é, como afirmado,

extremamente complexo.

Milton Paulo Carvalho 39 define o pedido como o conteúdo da demanda, a

pretensão processual, o objeto litigioso do processo, o mérito da causa. Ressalta em seu

entendimento que a delimitação do objeto litigioso do processo não prescinde da

fundamentação da demanda.

Sydney Sanches, fazendo alusão a entendimento de Arruda Alvim, posiciona-se

da seguinte forma:

“O objeto do processo é toda matéria de fato ou de direito relacionada aos pressupostos processuais (inclusive, portanto o próprio procedimento), às condições da ação (possibilidade jurídica, interesse de agir e legitimidade das partes) e ao próprio mérito (inclusive questões prévias), que deva ser examinada pelo juiz, provocado pelas partes ou ex officio, seja como simples operação de conhecimento(cognitio), seja como julgamento propriamente dito (judicium), seja em caráter incidental, seja em caráter principal. Enfim, o objeto do processo é o gênero, a que se filia a espécie ‘objeto litigioso do processo’.”40

Define Sydney Sanches o objeto litigioso do processo como aquele sobre o qual

versará o judicium (não apenas a cognitio), sendo limitado sempre por um desses pedidos

do autor, do réu ou do terceiro.

Ao se reportar à limitação feita pelo autor, réu ou terceiro, no que pertine ao

objeto litigioso, menciona as hipóteses de cumulação objetiva de demandas, quais sejam:

reconvenção, chamamento ao processo, denunciação da lide, pedido do réu nas ações

dúplices, pedidos nas ações declaratórias incidentais, e oposição, esclarecendo que em

39 Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1992, p. 97. 40 Sydney Sanches, Objeto do processo e objeto litigioso do processo, Revista de Jurisprudência do Tribunal

de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 12, n. 55, p. 22-23, nov./dez. 1978.

Page 33: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

33

torno do objeto litigioso se formará a litispendência e se estabelecerão os limites objetivos

da coisa julgada.

Cândido Rangel Dinamarco distingue entre o objeto do processo e o objeto do

conhecimento do juiz, fazendo-o do seguinte modo:

“Objeto do processo é o conjunto de todo o material lógico que o espírito do juiz capta e elabora de modo a saber se julgará o mérito e como o julgará. Não-obstante a proximidade que existe entre os dois conceitos, são coisas bem diferentes o objeto do conhecimento do juiz e o objeto do processo. Lá, um conjunto de questões a serem decididas; cá, a pretensão. Lá material puramente lógico-jurídico; cá a realidade prática do conflito existente entre os litigantes. O objeto do conhecimento do juiz é também designado por objeto formal do processo, em oposição ao seu objeto material, que é o mérito.”41

Refere que todos os casos de cúmulo ulterior de demandas têm o efeito de ampliar

o objeto do processo, indicando os mesmos casos relacionados por Sydney Sanches e antes

transcritos, acrescendo apenas a hipótese do terceiro comparecer no processo com pedido

de condenação do réu a seu favor, a que denomina de intervenção litisconsorcial

voluntária.

Karl Heinz Schwab42 observa que a pretensão processual é o objeto do litígio,

advertindo que não se pode atribuir importância exagerada aos preceitos legais na

investigação de sua essência.

Ao examinar e oferecer críticas às várias teorias a respeito do tema, Schwab

revela seu empenho em encontrar um conceito unitário válido para todas as classes de

ações e para todas as instituições nas quais o objeto litigioso tenha relevância, indicando

como caminho as chamadas pedras de toque, quais sejam: a cumulação de ações, a

alteração da demanda, a litispendência e a coisa julgada.

O citado autor procura ainda enfatizar o motivo porque se permitira a acumulação

de ações, que teria por finalidade impedir que o autor que tenha sucumbido intente nova

41 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 186-187. 42 Karl Heinz Schwab, El objeto litigioso en proceso civil, traducción de Tomas A. Banzhaf, Buenos Aires:

EJEA, 1968, p. 5 ss.

Page 34: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

34

demanda, distinta mas vinculada jurídica ou economicamente à primeira, afirmando que

“su finalidad no es nunca liberar al actor del riesgo de una pretensión infundada”.43

Schwab sustenta que os fatos não constituem parte do objeto litigioso, já que a

unidade ou a pluralidade de pretensões processuais é determinada pela unidade ou

pluralidade de pedidos da demanda, devendo-se, segundo ele, recorrer aos fatos, para

interpretar ações de pagamento de quantias em dinheiro ou de gênero.

Dentro da linha de argumentação desse autor, a introdução de fato novo,

mantendo-se inalterado o pedido, não implica em mudança do objeto litigioso.

Ao definir o objeto litigioso, Schwab afirma ser ele o pedido, que porém precisa

em todos os casos ser fundamentado por fatos.

Walter Habscheid 44 aponta para o caminho no sentido de se reconhecer a

existência de duas partes no objeto litigioso, que seriam: a pretensão do autor,

compreendendo tanto o direito substancial como o processual, e o estado de fato, a causa

petendi, sobre a qual se baseia a pretensão identificando a demanda.

Pertinentes a respeito do assunto as observações de Liebman, realçando que a

defesa do réu não aumenta o campo do objeto litigioso e do que o juiz julgará e será

acobertado pela coisa julgada.

Assinala sobre o tema Liebman:

“Eccezione è l’affermazione da parte del convenuto di um fatto estintivo od impeditivo, diretta ad ottenere il rigetto dell’ azione. La proposizione di um’accezione allarga la materia dalla causa, perchè introduce nella discussione fatti diversi da quelli che erano stati affermati dall’attore, pur lasciando immutati i limiti della decisone, che sono determinati soltanto dalle domande delle parti.”45

Ricardo de Barros Leonel, examinando o tema, sustenta que pedido pode ser

compreendido como a pretensão definidora do objeto litigioso do processo, que deve ser

43 Karl Heinz Schwab, El objeto litigioso en proceso civil, cit., p. 112. 44 Walter J. Habscheid, L’oggetto del processo nel diritto processuale civile tedesco, Rivista di Diritto

Processuale, Padova, v. 35, p. 457, giul,/set. 1980.

Page 35: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

35

informado necessariamente pelos fundamentos de fato e de direito que a instruem, vale

dizer, pela causa de pedir, fazendo, em síntese conclusiva, as principais distinções entre o

objeto litigioso e do processo:

“Não se pode confundir o objeto litigioso do processo com o objeto do processo, não se tratando aqui de mera troca de palavras, mas sim de conceitos diversos, com conseqüências diferenciadas: enquanto o objeto litigioso do processo refere-se exclusivamente à pretensão processual, materializada através do pedido e individualizada por meio da causa de pedir, o objeto do processo deve ser compreendido de forma mais ampla , como sendo tudo aquilo no processo, que é alvo da cognição judicial, esteja ou não dentro dos limites do objeto litigioso. Verifica-se pois maior amplitude no objeto do processo que no objeto litigioso; ademais aquele pode ser modificado constantemente, inclusive em grau de recurso, quando são deduzidas questões de qualquer natureza muitas vezes sequer suscitadas anteriormente, ou mesmo conhecidas de ofício, enquanto os limites à possibilidade de alteração do objeto litigioso são rígidos, sujeitando-se, neste particular a regras relacionadas ao princípio da eventualidade e a sistema de preclusões que geram a denominada estabilização da instância (...).”46

Em que pese se tratar, como se procurou demonstrar, de tema extremamente

divergente, pode-se concluir que o objeto do processo é mais amplo que o objeto litigioso,

sendo esse último delimitado pelo pedido formulado pelo autor, réu ou terceiros, que terá

como base a causa petendi.

Cumpre notar, como ensina Jaime Guasp47 , que quando o réu apresenta sua

resistência à pretensão do autor não estaria senão pleiteando a rejeição da demanda

proposta. Nesse aspecto, eventual pedido formulado de condenação em honorários

advocatícios e custas pela parte adversa não indica a formulação de uma pretensão advindo

do princípio da causalidade.

Sobre o tema ora examinado, não se pode, ademais, olvidar as regras relativas à

estabilidade do libelo, compreendo o pedido e a causa de pedir, previstas nos artigos 264 e

294 do Código de Processo Civil, e que os posicionamentos que o réu pode vir a adotar no

processo civil são suscetíveis de alterar o objeto litigioso apenas quando deixa

45 Enrico Túllio Liebman, Manuale di diritto processuale civile, 3. ed., Giuffrè, 1973, v. 1, p. 134, § 79. 46 Ricardo de Barros Leonel, Objeto litigioso do processo e o princípio do duplo grau de jurisdição, in José

Rogério Cruz e Tucci; José Roberto dos Santos Bedaque (Coords.), Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 405 e ss.

47 Jaime Guasp, Derecho procesal civil, 2. ed., Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1962, p. 242.

Page 36: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

36

simplesmente de resistir à pretensão, oferecendo defesa de natureza processual ou de

mérito, passa a formular pedido em seu favor, ocupando a posição de autor.

A forma e requisitos da aludida ampliação do objeto litigioso são variáveis,

dependendo do direito material postulado, de motivos de política legislativa, entre outros,

que serão examinados no segundo capítulo da dissertação.

Page 37: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

2 DAS ATITUDES DO RÉU

No âmbito do procedimento ordinário, especialmente abrem-se várias

oportunidades ao réu, quer ele pretenda apresentar defesa, tanto processual, como de

mérito, quer pretenda exercer seu direito ao contra-ataque, ampliar a incidência da coisa

julgada material, silenciar, aderir ao direito material do autor ou provocar a intervenção de

terceiros.

Para que se possa ter todavia um panorama mais amplo de tais atitudes, parece-

nos imprescindível que preliminarmente se efetue uma breve incursão no ônus da defesa,

nas matérias processuais e de mérito suscetíveis de argüição, bem como nas exceções e

objeções argüíveis.

2.1 Do ônus da defesa

Conforme já aludido, o direito de ação e de defesa são garantidos

constitucionalmente (art. 5º, incs. XXXV e LV da CF), de tal sorte que não devem ser

vistos como meros direitos subjetivos, mas como autênticos poderes conferidos aos seus

titulares.

Se de um lado a Magna Carta e o Código de Processo Civil asseguram ao réu a

possibilidade de se defender diante da pretensão formulada pelo autor, certo é que essa

prerrogativa não pode lhe ser em regra imposta.

Tem-se portanto para o réu um típico ônus, no que tange ao exercício de sua

defesa.

Como é cediço, não se trata de mera faculdade, nem tampouco de obrigação.

Page 38: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

38

Couture48 afirma ser o processo um instrumento da liberdade civil e enfatiza que

ele se constitui em um jogo de garantias processuais de caráter fundamental ou cívico,

porque elas incumbem a qualquer sujeito de direito em razão de sua qualidade.

Carnelutti49 assinala que na obrigação tutela-se um interesse de outrem (sujeito

ativo), no ônus resguarda-se um interesse próprio.

José Frederico Marques ensina que existe para o réu o ônus de responder, que será

perfeito ou imperfeito, conforme as circunstâncias do processo e o conteúdo do pedido.

Afirma ainda sobre o assunto:

“Quando o litígio se configura como conflito de interesses disponíveis à subordinação das partes a imperativos de ordem pública que promanam da relação processual somente se opera por ônus, porquanto estes não impõem aos contendores o sacrifício daqueles interesses suprimindo a liberdade de escolha, como ocorre em se tratando de obrigação ou dever. Autor e réu autodeterminam-se quanto aos comportamentos que devem ter no processo, embora possam sofrer gravames ao descumprirem ônus que a lei lhes impõe. O ônus, portanto, não passa de um aspecto ou modo de ser dos poderes ou direitos conferidos às partes sempre que o exercício desses poderes ou direitos é deixado à livre disposição dos respectivos titulares, na relação processual.”50

Conforme Frederico Marques, o direito de defesa vem tutelado de entremeio com

ônus que não o enfraquecem, mas que compelem o réu a atuar segundo imperativos

resultantes do processo.

O enquadramento da defesa como um ônus, consoante o citado autor, deu maior

relevo ao princípio dispositivo e à economia processual, para apenas se admitir

controvérsia relevante na esfera dos direitos disponíveis quando o réu vier a provocá-la.

Cândido Dinamarco indica existência de ônus absolutos e relativos.

“São absolutos aqueles cujo não-cumprimento conduz inevitavelmente ao resultado desfavorável. Sem o preparo o processo não será realizado e os recursos não serão processados em hipótese alguma, não havendo a menor esperança de que algum fato interfira para neutralizar os efeitos do descumprimento. O autor que não cumpre o ônus de alegar na petição

48 Eduardo J. Couture, Fundamentos del derecho procesal civil, 3. ed., reimpresíon inalterada, Buenos Aires:

Depalma, 1976, p. 98-99. 49 Francesco Carnelutti, Sistema di diritto processuale civile, Milano: CEDAM, 1936, v. 1, p. 55, n. 21. 50 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, Campinas: Bookseller, 1997, v. 2, p. 94-95.

Page 39: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

39

inicial todos os fatos de seu interesse jamais poderá ser beneficiado em julgamento fundado nos fatos omitidos. O réu que não alega as exceções em sentido estrito, como é o caso da prescrição ou da incompetência relativa, idem (...). Os ônus relativos não trazem conseqüências inexoráveis. Descumpridos, seu titular corre o risco de ser prejudicado, mas ainda é possível que o risco não se consume – o que se dará se interferir algum acontecimento favorável. Caso típico é o de alegar a incompetência absoluta: é dever do juiz declará-la de ofício(supra, n. 317), mas a parte que a alega evita o risco de que o juiz se omita (...).”51

Do quanto exposto, pode-se inferir que não se cuida a defesa de uma obrigação

como já dito, nem de mera faculdade, cuja inobservância se revelaria indiferente ao

sistema processual.

Vê-se, pois, que a defesa constitui ônus cuja inobservância pode trazer vantagens

ao réu e cujo descumprimento, via de regra, o coloca numa situação de prejuízo,

representada pela preclusão, vale dizer, pela perda de uma faculdade processual, como

ensinam, entre outros, Chiovenda.52

Trata-se, na esteira do magistério trazido à colação, de ônus relativo, uma vez que

nada impede que, não obstante deixando de apresentar defesa, venha a obter sentença em

seu favor, já que a presunção de veracidade que decorre da inércia do réu é relativa (arts.

319, 320 e 324 do CPC).

Para concluir o tópico ora em exame, faz-se mister consignar que a regra é tratar a

defesa como um ônus processual, convindo, porém, não perder de vista as hipóteses de

nomeação do curador especial.

Com efeito, no caso do curador especial (art. 9º, inc. II do CPC), o contraditório

deve ser efetivo e não simplesmente possível, o que constitui regra no processo civil, tendo

ele, enquanto exercente de um múnus, a obrigação de contestar, sendo os prazos para ele

impróprios.

51 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 205-206 52 Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, tradução da 3. ed. italiana por J. Guimarães

Menegale, São Paulo: Saraiva, 1969, v. 3, p. 372, n. 116.

Page 40: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

40

Nesse aspecto, o escólio de Nelson Nery Junior:

“Esta é a razão porque a contestação do curador especial em favor do réu revel citado por editais ou com hora certa é necessária, devendo ser obedecido no particular o contraditório efetivo e real. A missão específica do curador especial é contestar a ação, que, na verdade, se revela em função coativa, dado que sua atribuição decorre de múnus público, que é o de assegurar a efetiva defesa do réu revel citado fictamente, em benefício da paz social que o processo visa a proteger.(...).”53

Não se pode, ademais, perder de vista que o direito de ação e de defesa

apresentam o mesmo objeto imediato, convergindo no que diz respeito ao pedido

instrumental (imediato), já que ambos visam a obtenção de uma tutela jurisdicional, que

poderá divergir quanto à sua natureza.

Com efeito, o autor poderá pleitear uma tutela jurisdicional de natureza

condenatória, constitutiva, executiva lato sensu ou mandamental, enquanto o réu, no

processo de conhecimento, caso opte por resistir, através da contestação, exceto nas ações

dúplices ou quando admitido pedido contraposto pedirá uma sentença de cunho

declaratório, que reconheça a inexistência do direito material afirmado na inicial, ou a

extinção sem resolução do mérito, caso argua matéria processual.

A divergência opera-se, destarte, no plano do pedido mediato, do bem jurídico

pleiteado pelos sujeitos da relação processual.

Arruda Alvim destaca mencionado aspecto, mostrando que tanto a ação como a

contestação objetivam a prestação da tutela jurisdicional:

“Quer a ação, quer a defesa ligam-se a situações materiais nelas retratadas. Têm em comum, a ação e a contestação, o fim de objetivarem a prestação da tutela jurisdicional, constituindo-se, ambas em direitos processuais subjetivos. Entretanto, embora apresentem o mesmo objetivo imediato (tutela jurisdicional), diferem no seu pedido mediato, uma vez que enquanto a finalidade da contestação praticamente é sempre única – obtenção de uma sentença declaratória negativa – a da ação varia. Só raramente, e por disposição de lei, podem-se formular autênticos pedidos na contestação, que, então, opera como reconvenção (v. art. 922 – caráter dúplice da ação possessória; artigo 899, § 2º, com a redação que lhe deu a Lei 8.591/94 – caráter dúplice da ação consignatória, em geral, Lei 8.245/91, artigo 72, caput c/c artigo 52, inc. II(correspondentes ao art. 8º,

53 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 189.

Page 41: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

41

e, da revogada Lei de Luvas) – pedido de uso próprio do prédio pelo locador(réu); Lei 8.245/91, artigo 72, § 4º − pedido de fixação de aluguel provisório pelo réu durante a tramitação da ação renovatória etc.).”54

2.2 Das defesas processuais e de mérito

Tendo sido proposta a ação em juízo, é possível identificar uma relação de

natureza processual e outra de direto material, podendo o réu atacar uma ou outra, ou

ambas.

Ensina Humberto Theodoro Júnior:

“(...) a relação processual, que é de ordem pública e nasce da propositura da ação e se aperfeiçoa com a citação do demandado, vinculando, assim, autor, juiz e réu (iudicium est actus trium personarum); a relação de direito material, que é o objeto da controvérsia existente entre as partes (lide ou litígio) e que configura o mérito da causa, comumente de natureza privada. Identifica-se pela causa petendi e pelo pedido que o autor formula na petição inicial. Assim quando o réu responde ao autor, tanto pode defender-se no plano da relação processual (preliminares), como no direito material (questão de mérito). Daí a classificação das defesas em processual e defesa de mérito.”55

Pode-se afirmar, como o faz José Joaquim Calmon de Passos, que a defesa

processual, também denominada de rito, é sempre indireta, pois “visa a obstar a outorga da

tutela jurisdicional pretendida pelo autor mediante inutilização do processo, ou seja, do

meio, do instrumento de que ele se valeu, sem que se ofereça oportunidade para

composição da lide, isto é, sem apreciação do mérito pelo juiz.”56

Distinguem-se entre dilatórias ou peremptórias, conforme ensejem, quando

acolhidas, a ampliação da marcha do processo sem operar sua extinção ou quando, ao

contrário, puserem fim ao feito.

54 José Manoel Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, 7. ed., São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 2, p. 296-297. 55 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 341. 56 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, 8. ed., Rio de Janeiro:

Forense, 2001, v. 3, p. 244, n. 173.1.

Page 42: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

42

Vale ressalvar, todavia, que uma defesa originariamente dilatória pode vir a se

convolar em peremptória.

Apenas à guisa de exemplo, pode-se ilustrar com a eventual argüição pelo réu, em

sua contestação, da falta de capacidade processual plena do autor, que relativamente

incapaz tenha intentado a ação sem estar devidamente assistido.

Fixado prazo razoável para sanar o defeito, nos termos do artigo 13 do Código de

Processo Civil e quedando-se inerte o autor, caberia eventual extinção do processo, nos

termos do artigo 267, inciso IV, por ausência do referido pressuposto de validade da

relação processual.

As defesas de mérito subdividem-se em diretas ou indiretas.

Nas defesas de mérito ditas diretas, o réu nega o fato constitutivo do direito

afirmado pelo autor.

Nas defesas de mérito indiretas, o réu, sem negar os fatos constitutivos do direito

do autor, lhes opõem outros, novos, impeditivos, modificativos ou extintivos.

Conforme alude Barbosa Moreira57, o fato novo argüido pelo réu é supostamente

impeditivo, modificativo ou extintivo do direito deduzido, ou ao menos suscetível de tolher

eficácia, em caráter temporário ou definitivo, à pretensão do autor.

Como assinala o autor citado, esse último tipo de defesa indireta corresponde às

chamadas exceções materiais ou substanciais, que não se confundem com as processuais,

conforme adiante se exporá.

Humberto Theodoro Júnior 58 distingue igualmente as defesas de mérito entre

dilatórias e peremptórias, conforme visem a total exclusão do direito material do autor ou

apenas a procrastinação do seu exercício, citando como exemplos da última espécie o

57 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, 21.

ed., 2. tiragem, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 38-39. 58 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 342.

Page 43: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

43

direito de retenção por benfeitorias (art. 1.219 do CC) e a exceção de contrato não

cumprido(art. 476 do CC).

2.3 Das exceções e objeções

Ensinam José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo59, ao tratarem do

período formular, que, do ponto de vista estrutural, a exceptio consistia em uma cláusula

condicional negativa, que era aditada, a pedido do réu, entre a intentio e a condemnatio,

alterando de forma substancial o sentido da fórmula.

Era mais eficaz sob o aspecto prático do que a antiga praescriptio pro reo, já que

colocada no corpo da fórmula, imediatamente em seguida à pretensão do autor.

Observam os citados autores que, ao tempo das ações da lei, o único modo pelo

qual o réu poderia se defender era a simples negativa, enquanto, sob a vigência do processo

formular, abria-se ensejo para que, por meio da exceptio, alegasse qualquer circunstância

que pretendesse fazer valer em favor de seu direito (causa exceptione), defendendo-se

positivamente diante da causa petendi deduzida pelo autor.

A exceptio tinha a natureza de defesa material do réu, cuja fonte imediata,

segundo os autores supra referidos, era o ius honorarium, instrumento introduzido pelo

pretor para abrandar, em determinados casos, os rigores da aplicação estrita do ius civile.

Nos termos da classificação sugerida por Gaio, as exceptiones eram peremptoriae

ou dilatoriae.

As peremptoriae podiam ser opostas a qualquer tempo (perpétuas) e as dilatoriae,

também chamadas de temporais, eram oponíveis por um certo prazo.

59 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, 2.

tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 96-98.

Page 44: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

44

Caso, todavia, fosse oposta a exceção dilatória e o autor insistisse na continuidade

do processo, considerada procedente a exceptio, o réu era absolvido e o demandante

derrotado não poderia mais propor nova ação, por força do efeito extintivo da litis

contestatio.

Por ocasião do período da extraordinária cognitio, houve o abandono de inúmeras

regras do processo formular, no que tange à defesa do réu.

O réu não tinha o ônus de provas os fatos alegados senão depois que o autor

demonstrasse a veracidade dos que fundamentavam a sua pretensão.

Assim, a exceptio passou a se identificar com a própria defesa do réu, sendo

indicada pelas fontes com o termo praescriptio, como autêntica preliminar da contestação,

abarcando tanto matéria processual, como material, mantida a distinção entre as dilatórias

(que deveriam ser provadas na fase inicial do debate) e as peremptórias (provadas até antes

da sentença).60

A palavra exceção em sentido amplo significa direito de defesa e em sentido

estrito, a matéria de defesa que o juiz não pode conhecer de ofício, dependendo, portanto,

de iniciativa da parte.

As exceções em sentido estrito podem ser divididas em substanciais e processuais.

Exceções substanciais, em sentido estrito, ou de mérito, são aquelas de direito

material que demandam iniciativa da parte para serem suscitadas, entre as quais podem ser

citadas a decadência convencional (art. 210 do CC) e compensação.

Nesse aspecto, cabe relembrar que por força da Lei 11.280, de 16 de fevereiro de

2006, operou-se a revogação do artigo 194 do Código Civil, que previa ser a prescrição

uma exceção substancial, já que o juiz apenas poderia conhecê-la de ofício, quando viesse

a beneficiar pessoa absolutamente incapaz.

60 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p.

146.

Page 45: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

45

Face à referida revogação, o juiz passou a poder conhecer de ofício a prescrição,

deixando de distinguir a natureza do interesse tutelado. Referida modificação, aqui

ventilada apenas pela relação que tem com o assunto relativo às exceções e objeções, tem

suscitado alguma perplexidade, já que o magistrado passaria a ser exator do interesse

privado, não provocando a alteração do artigo 191 do Código Civil, que prevê a

possibilidade de renúncia da prescrição.

Pertinente relembrar que o ônus da prova quanto às exceções substanciais, ou as

defesas de mérito indiretas, competem ao réu, nos termos do artigo 333, inciso II do

Código de Processo Civil, e que o artigo 22 do aludido diploma legal prevê a condenação

em custas, a partir do saneamento do processo, e a perda do direito ao recebimento de

honorários, caso não argüido o fato impeditivo, modificativo ou extintivo, por ocasião da

resposta.

Convém todavia consignar, conforme ensina Celso Barbi 61 , que as sanções

constantes do artigo 22 se aplicam não só quando o réu deixa de apresentar exceções

substanciais no momento oportuno (resposta), mas também quando deixa de apresentar

defesa de natureza processual.

O Código de Processo Civil limitou-se a utilizar o termo “exceções” apenas para

as hipóteses de argüição de incompetência relativa, impedimento e suspeição, não o

fazendo em relação à defesa de mérito indireta, seguindo, nesse aspecto, a tradição que

vem do direito francês, diferentemente do que foi adotado no ZPO (§§ 146, 278, I e 597, I),

utilizando o direito alemão a palavra “exceção” para a espécie de defesa de mérito antes

indicada.

Ovídio Baptista realça tal aspecto e a importância da mencionada distinção de

conceitos:

“Essa distinção conceitual é relevante por dois motivos: sem argüição expressa do réu, o juiz não poderá julgar improcedente a ação, com fundamento em alguma exceção substancial, o que significa que as exceções não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz; sob o ponto de vista probatório também se destaca a diferença entre a contestação

61 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil: Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973

(arts.1º a 153), 11. ed. rev. e atual por Eliana Barbi Botelho, Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1, p. 149-152.

Page 46: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

46

simples e a oposição por parte do réu, de alguma exceção sustancial; se ele argüir exceção, cabe-lhe naturalmente, o ônus de prová-la, ao passo que simplesmente contestando a ação pela simples negativa dos fatos ou do fundamento jurídico da ação, nenhum ônus probatório lhe cabe.”62

As exceções processuais em sentido estrito são as matérias de natureza processual,

que o juiz não pode conhecer de ofício, incluindo-se nessa espécie o artigo 301, inciso IX

do Código de Processo Civil, face ao que prevê o parágrafo 4º do citado dispositivo e o

artigo 526, que estabelece, no que tange ao agravo de instrumento, seu não conhecimento

pela ausência da comunicação estabelecida no seu caput, se o agravado vier e alegar e

comprovar a inércia do agravante.

As objeções, por seu turno, são as defesas que o juiz pode e deve conhecer de

ofício, embora possam as partes igualmente fazê-lo.

Podem ser divididas igualmente em substanciais e processuais.

São exemplos de objeções substanciais a decadência legal (art. 210 do CC) e a

prescrição (face à alteração legislativa antes referida).

Quanto às objeções processuais, podem ser relacionadas todas as hipóteses do

artigo 301, excetuando-se a hipótese do inciso IX (convenção de arbitragem).

Além das mencionadas defesas, é possível ainda suscitar as chamadas exceções

rituais, que possuem processamento próprio e ensejam com seu oferecimento a suspensão

do processo, voltadas à alegação da incompetência relativa, impedimento e suspeição do

juiz, e que serão tratadas em tópico específico.

2.4 Das atitudes do réu

Consoante destacado alhures, especialmente no âmbito do procedimento

ordinário, há várias atitudes que o réu poderá adotar, conforme pretenda afastar a pretensão

62 Ovídio Araujo Baptista da Silva; Fábio Luiz Gomes, Teoria geral do processo civil, cit., p. 272.

Page 47: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

47

do autor, resistindo a ela ou voltar-se contra a relação processual, seja, ainda, para ampliar

o objeto litigioso.

Passaremos ao exame dos diversos posicionamentos do réu para que, como dito,

se possa estabelecer um panorama geral das atitudes que o sujeito passivo pode adotar,

como também para fixar pontos relevantes que certamente se mostrarão úteis no exame dos

pontos de convergência e de distinção entre os citados institutos, as ações dúplices e o

pedido contraposto, bem como a eventual possibilidade de convivência entre eles.

2.4.1 Da contestação

2.4.1.1 Aspectos gerais e objeto

A contestação é conceituada por Pontes de Miranda como “a contrapetição do réu:

por ela, se defende, objetando”.63

Pode-se dizer que a contestação possuiria um caráter residual, uma vez que nela se

concentrariam as razões de fato e de direito para resistência do réu que não demandem o

uso de via específica para argüição.

Através da contestação opera-se, salvo nas ações consideradas dúplices e quando

admitido o pedido contraposto, a ampliação da cognição do juízo, sem que ocorra, todavia,

aumento do objeto litigioso.

Cândido Dinamarco destaca o caráter residual da contestação, ao afirmar que “o

caráter bastante amplo que lhe dão os artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil

conduz a excluir de seu âmbito somente as defesas que não sejam reservadas aos incidentes

da exceção, da nomeação à autoria, da impugnação ao valor da causa ou da argüição de

falsidade”.64

63 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3. ed., Rio de Janeiro:

Forense, 2001, v. 4, p. 117. 64 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, v.

3, p. 461.

Page 48: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

48

Alude ainda o autor ao fato de existirem algumas áreas de superposição, sendo

admissível a argüição em contestação de matérias alegáveis em outra espécie de resposta,

sempre que a lei não venha a impor a exclusividade de vias especiais, dando, entre outros,

como exemplo, a hipótese do impedimento do juiz e a falsidade documental.

Note-se que no caso das ações dúplices e do pedido contraposto, pela natureza do

direito material ou por opção de política legislativa, conforme se verá, a par de outros

motivos, a contestação pode excepcionalmente permitir ao réu formular pedido, o que seria

típico da reconvenção, dedutível em peça autônoma, à luz do artigo 299 do Código de

Processo Civil.

Como leciona Frederico Marques, o réu, como regra, pleiteia na contestação uma

sentença de natureza declaratória negativa, no que tange à pretensão de direito material

afirmada pelo autor, enfatizando:

“Sob o aspecto processual, a contestação é pedido de tutela jurisdicional de conteúdo declaratório-negativo, ou pedido de desvinculação do processo, ou de ambos simultaneamente. Na contestação o réu se defende: a) pedindo que se declare inadmissível a tutela jurisdicional impetrada pelo autor; b) pedindo que se declare improcedente a pretensão do autor. No primeiro caso, pleiteia o réu que se finde o processo sem sentença de mérito; e, no segundo caso, pede sentença declaratória negativa em seu favor. O réu pede ao juiz que mantenha o status quo anterior à propositura da ação, ou levantando preliminares para pôr termo ao processo ou impugnando a res in iudicium deducta, para que seu interesse continue intangível e superando o do autor. Com a contestação, não se amplia a res iudicanda, mas tão-só o campo da atividade lógica do juiz. Ainda mesmo quando exceções de mérito, não apreciáveis pelo juiz, são argüidas não se dilata o litígio, uma vez que tudo continua gravitando em torno da matéria do libelo. Por outro, a sentença declaratória negativa que o réu procura obter incide igualmente sobre o pedido do autor e é conseqüência natural de sua improcedência (...).”65

Ressalve-se que tendo sido ajuizada ação declaratória da natureza negativa pelo

autor, visando a declaração de inexistência da relação jurídica de direito material, o réu

poderá pleitear na contestação, caso não opte por ajuizar ação declaratória incidental, pelo

reconhecimento do elo que o promovente da demanda visa refutar, mantendo-se a situação

jurídica anterior.

65 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, cit., 1997, v. 2, p. 104.

Page 49: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

49

Os artigos 36, 300 e 396 mostram que a contestação deverá estar instruída com a

procuração outorgada ao patrono do réu, salvo nas hipóteses excepcionais que se

reconheça capacidade postulatória à própria parte (Lei n. 9099/95) ou quando atue o

advogado em causa própria (art. 39), devendo ser escrita, salvo quando a lei preveja a

forma oral (arts. 278, caput e 30 da Lei n. 9.099/95), contendo a especificação das provas,

devendo estar instruída com os documentos indispensáveis.66

Uma vez apresentada a contestação, há vários efeitos relevantes que eclodem

conforme adiante indicado67: 1) no plano material, a preclusão de alegação do benefício de

ordem; 2) no plano processual: 2.1) preclusão relativa às matéria de defesa não argüidas na

contestação, salvo as exceções do artigo 303, incisos I a III do Código de Processo Civil);

2.2) presunção de veracidade dos fatos narrados pelo autor na inicial e não impugnados

pelo réu, salvo as hipóteses do artigo 302, incisos I a III do Código de Processo Civil; 2.3)

responsabilidade do réu pelas custas de retardamento, caso não alegue na contestação

qualquer das matérias do artigo 267, incisos IV e a VI, nos termos do artigo 267, parágrafo

3º ou, ainda, a responsabilidade integral pelas custas da parte que não argüir a

incompetência absoluta (art. 113, § 1º); 2.4) aplicação das sanções previstas no artigo 22,

caso não suscite na contestação eventuais exceções substanciais cabíveis; 2.5) surgimento

das questões, entendidas consoante Carnelutti, dúvidas ou pontos controversos sobre os

fatos (quaestiones facti) ou sobre as normas jurídicas (quaestiontes uris), não obstante

apenas as primeiras devam ser necessariamente suscitadas para que o juiz possa conhecê-

las.

O artigo 301 do Código de Processo Civil arrola as preliminares que o réu deve

argüir antes de discutir o mérito.

66 Cândido Rangel Dinamarco critica o rigor de decisões exigindo que o requerimento de provas pelo réu já

seja feito na contestação. Entende que tal posição restritiva fere o direito à prova, que considera um dos pilares do processo civil moderno, de tal sorte que tenha ou não o réu feito o protesto por provas ao contestar, deve ter a faculdade de requerê-las. Assim, conclui que a falta de requerimento de provas ou protesto por elas na contestação, não prejudica o réu (Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 473).

67 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit., p. 40.

Page 50: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

50

Pode-se afirmar que questão é o ponto duvidoso ou controverso68, denominando-

se de prévias as que devem ser lógica e cronologicamente examinadas antes do mérito.

As questões prévias podem ser preliminares ou prejudiciais.

As preliminares são as de natureza processual que indicam para o juiz se será ou

não possível a apreciação do mérito, de tal sorte que sua existência impede ou retarda o

julgamento da lide.

Conforme Tereza Alvim 69 , o ponto central da distinção entre prejudicial e

preliminar não é a natureza da questão vinculada, mas o teor de influência que a questão

vinculante terá sobre a vinculada.

Barbosa Moreira70 mostra que a solução de uma questão pode influenciar a de

outra, dos seguintes modos: a) tornando dispensável ou impossível a solução dessa outra

(caso em que tratar-se-á de preliminar); ou, b) predeterminando o sentido em que há de ser

resolvida, isto é, influenciando o teor da decisão condicionada (caso em que se cuida de

questão prejudicial).

Em que pese a presente matéria venha ser novamente examinada por ocasião da

fixação dos pontos principais da ação declaratória incidental, poder-se-ia, em síntese,

observar que a preliminar é questão de natureza processual que se existente impede ou

retarda o julgamento do mérito, enquanto a prejudicial é sempre de mérito, antecedendo de

forma lógica a solução do litígio e nela necessariamente interferindo, constituindo

verdadeira premissa para a solução da lide.

Cabe notar que não obstante o longo rol de matérias indicadas como preliminares

para argüição na contestação, pode ainda o réu deduzir eventual existência do

68 Luiz Rodrigues Wambier; Flávio Renato Correia de Almeida; Eduardo Talamini, Curso avançado de

processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, coordenação de Luiz Rodrigues Wambier, 3. ed., 3. tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 420-421.

69 Teresa Arruda Alvim Wambier, Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 15.

70 José Carlos Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, Rio de Janeiro, Borsoi, 1967, p. 22 e ss. (Tese de Livre Docência − Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1967).

Page 51: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

51

impedimento, conquanto ele preveja sua alegação por exceção ritual, que constituiria

verdadeira objeção, face ao disposto no artigo 485, inciso II, além da eventual ausência do

pagamento de custas, bem como as previstas no artigo 267, incisos IX e X 71 e o

descumprimento do artigo 268.

2.4.1.2 Do princípio da eventualidade

Pelo princípio da eventualidade previsto no artigo 300 do Código de Processo

Civil, o réu deve deduzir na contestação toda a matéria de defesa, ainda que se trate de

alegações incompatíveis, já que caso não acolhida a matéria deduzida anteriormente, o juiz

passará à apreciação da subseqüente.

Em monografia sobre o tema da eventualidade, Guilherme Freire de Barros

Teixeira72 assinala que o princípio retro referido é também conhecido como “princípio do

ataque e defesa global”, “princípio da acumulação eventual” ou da concentração,

admitindo uma conceituação ampliativa ou restritiva do princípio.

Em conceito amplo, se aplica tanto ao autor como ao réu, sendo definido como o

princípio pelo qual as partes têm o ônus de apresentar de forma concentrada e simultânea,

em um único ato, todas as alegações e meios de prova pertinentes, ainda que de natureza

diversa ou incompatíveis entre si, para a eventualidade de não ser acolhido algum dos

argumentos utilizados, sob pena de preclusão.

Já em sentido estrito, é princípio aplicado somente ao réu, que deve alegar na

contestação toda a matéria de defesa contra o pedido do autor, ainda que sejam tais

alegações incompatíveis entre si, pois não acolhendo uma delas, o juiz passará a examinar

as outras de forma sucessiva.

71 O artigo 267, inciso IX prevê a extinção do processo sem resolução do mérito quando o direito for

intransmissível por disposição legal, e o inciso X trata da hipótese de confusão entre autor e réu. 72 Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil, São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2005, p. 335 e ss.

Page 52: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

52

Indica o autor como origem do princípio a estrutura do processo comum

germânico, baseada em fases distintas, preclusivas, determinando o surgimento do

princípio da concentração e da defesa, também chamado de princípio da eventualidade ou

eventualmaxime.

No Brasil, a fonte inicial da adoção do princípio teria sido o artigo 14 da

Disposição Provisória sobre a administração da justiça cível, promulgada junto com o

Código do Processo Criminal de Primeira Instância, de 29 de novembro de 1832.

Não obstante o princípio da eventualidade fosse instrumento que privilegiasse

outros princípios, como a lealdade, economia, igualdade, contraditório e ampla defesa, sua

aplicação rigorosa nos moldes em que foi concebido acabaria por negá-los, restando

preservados apenas se houver mitigação da concentração almejada.

Na Alemanha, a ZPO afastava a adoção do princípio da eventualidade, adotando

procedimento mais elástico que, contudo, após a alteração legislativa feita em 1976, tende

à reaproximação com a eventualmaxime.

O direito italiano73, após ter sofrido várias mudanças, que foram desde a adoção

de um sistema rígido para outro mais flexível, passou, com as regras do atual Código de

Processo Civil, advindas da Lei n. 5.341/95, a utilizar um critério misto, permitindo certa

liberdade às partes, dentro de certos limites.

No direito português74, o processo possui uma fase postulatória mais flexível,

franqueando a possibilidade de complementação das alegações, pedidos e exceções pelas

partes, em seu diálogo com o juiz, permitindo a alteração do thema disputandum.

73 O artigo 185, 5º comma do Código de Processo Civil italiano, com a alteração introduzida pela Lei n.

534/1995, prevê que a requerimento de uma ou de ambas as partes, o juiz fixe prazo peremptório não superior a 30 dias para a apresentação por escrito de esclarecimentos e modificações dos pedidos, das exceções e conclusões.

74 O artigo 264º do Código de Processo Civil português faz distinção entre fatos essenciais, instrumentais e complementares, cabendo às partes apenas alegar imediatamente os primeiros. Conforme os artigos 508º, 1, “b”, 3, 508º-A, 1, “c” e 787º, o órgão judicial, na audiência preliminar, pode instar qualquer das partes a suprir insuficiências na exposição da matéria fática constante de seus articulados.

Page 53: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

53

Na Espanha75, onde o processo civil é regulado pela Ley de Enjuiciamiento Civil,

cuja última alteração se deu pela Lei n. 1/2000, de 7 de janeiro de 2000, em vigor desde 8

de janeiro de 2001, permite-se que haja o esclarecimento, retificação e complementação

das alegações e pedidos formulados, não sendo admitida a alteração substancial da causa

de pedir e do pedido.

Preconiza o autor uma revisão do princípio da eventualidade, podendo servir

como parâmetros as alterações feitas na legislação estrangeira, já que sua aplicação

rigorosa teria o inconveniente de poder acarretar a exclusão de questões processuais, que

poderão originar novas demandas entre as partes.

Nota-se que efetivamente o sistema processual brasileiro, marcado por rígida

preclusão(arts. 282, incs. III e IV, 264, 294, 300, 321, entre outros), exige que tanto o

autor, em sua petição inicial, indique os fundamentos jurídicos de sua pretensão e o pedido

com suas especificações, e que o réu sustente toda a matéria de defesa em sua contestação,

salvo as que demandem vias especiais para argüição.

Diante da possibilidade de afirmações incompatíveis, tanto na inicial, como na

contestação, em homenagem ao princípio da eventualidade e ao rígido sistema de

preclusão adotado, admite-se uma ilogicidade tanto numa como noutra, havendo entre elas

uma correspondência, como bem examinado por Vicente Greco:

“Nesse aspecto há uma correspondência entre o ônus de contestar e o ônus de demandar. Da mesma forma que a inicial deve conter toda a matéria relativa ao pedido, assim, também, na contestação deve estar contida toda a matéria de defesa. Esse ônus está submetido à preclusão; se o réu deixar de apresentar fundamentos de defesa na contestação, não mais poderá fazê-lo. Todas as defesas devem ser apresentadas de uma só vez, em caráter alternativo ou subsidiário, de modo que, não acolhida uma, possa ser apreciada outra (...).”76

Vale, por derradeiro, neste tópico, assinalar que o autor pode se valer de eventual

cumulação objetiva, própria ou imprópria, a fim de que eventuais pretensões possam ser

75 O artigo 426, 1 da Lei de Enjuiciamiento Civil (LEC) permite que na audiência prévia possam os litigantes,

desde que não alterem substancialmente suas pretensões e seus fundamentos, efetuar alegações complementares, face ao que tenha sido alegado pelo adversário.

76 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos tribunais, 16. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 117.

Page 54: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

54

apreciadas pelo juiz, se rejeitadas as anteriores, e o réu, valendo-se igualmente da

eventualidade, suscitar defesas incompatíveis.

Lembre-se ainda que, em relação ao réu, o artigo 303 antes citado permite que se

flexibilize o rigor da preclusão decorrente da apresentação da contestação.

Parece-nos que o princípio da eventualidade pode ser aplicado nas hipóteses das

ações dúplices ou do pedido contraposto, quer porque formalmente a pretensão do réu é

veiculada na contestação, que ainda se tomarmos em conta o conceito amplo do referido

princípio, que abarcaria não só quem resiste, como quem aciona ou contra-ataca.

2.4.1.3 Do princípio do ônus da impugnação especificada dos

fatos

Pelo referido princípio, previsto no artigo 302 do Código de Processo Civil, o réu

não pode de forma genérica contrapor-se aos fatos alegados pelo autor na petição inicial

devendo manifestar de forma precisa sobre eles.

Ao reverso, caso não existente qualquer das hipóteses excepcionais dos incisos I a

III e parágrafo único do apontado dispositivo, os fatos alegados pelo autor poderão ser

tidos como verdadeiros, dispensando sobre eles a produção de prova (art. 334, inc. III) e

permitindo o julgamento antecipado da lide(art. 330, inc. I, 2ª parte).

Consoante ensina Lucon77 não basta que de forma genérica o réu afirme que os

fatos ocorreram de maneira diversa da alegada e provada pelo autor, para elidir a aplicação

do artigo 302.

Calmon de Passos esclarece o que se deve entender por manifestar-se

especificadamente: “Manifestar-se especificadamente é manifestar-se de modo específico,

o que pode significar tanto indicando a espécie como descrevendo pormenorizadamente,

ou apontando individualmente, ou determinando de como preciso e explícito etc.

77 Paulo Henrique dos Santos Lucon, Eficácia das decisões e execução provisória, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 247.

Page 55: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

55

Manifestar-se precisamente é manifestar-se indicando com exatidão, particularizando,

mencionando especialmente etc.”78

Arruda Alvim sustenta que deixando de observar a regra do artigo 302, “à qual a

lei chama de presunção de veracidade dos fatos não impugnados, já se decidiu, cede ante a

existência de prova em contrário, e isto porque ao decidir a causa, nos termos do artigo 131

do Código de Processo Civil, o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e

circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes”.79

Na Itália, segundo Proto Pisani80, a mera defesa, que ocorre quando o réu limita-se

a contestar a existência dos fatos constitutivos alegados pelo autor tendo o condão de

torná-los controversos, ensejando a produção de provas sobre eles.

Frise-se, por fim, que o artigo 490º, 1 e 2 do Código de Processo Civil de Portugal

prevê que incumbe ao réu “tomar posição definida perante os factos articulados na petição,

acarretando a falta de observância de tal ônus a admissão, por acordo, dos fatos não

impugnados”. Ressalve-se, porém, a hipótese de estarem em oposição com a defesa

considerada em seu conjunto, se não for admissível a confissão sobre eles ou se só

puderem ser provados por documento escrito.

Nota-se, assim, que a redação do citado dispositivo tem praticamente o mesmo

teor dos incisos I a III, do artigo 302 do Código de Processo Civil brasileiro.

2.4.2 Das exceções rituais

2.4.2.1 Aspectos gerais e procedimento

As exceções rituais ou instrumentais estão previstas nos artigos 304 a 314 do

Código do Processo Civil, sendo utilizáveis para argüição da incompetência relativa,

impedimento e suspeição do juiz.

78 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 280. 79 José Manoel Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.

298-299. 80 Proto Pisani, Lezioni di diritto processual civile, 3. ed., Napoli: Jovene 1999, p. 60.

Page 56: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

56

Conforme ressalta Barbosa Moreira81, em que pese o Código as preveja na Seção

III do Capítulo intitulado “Da resposta do réu”, nem sempre se trata de tal modalidade, já

que o artigo 304 faculta o seu oferecimento a qualquer das partes, exceto no que se refere à

incompetência relativa, não oponível pelo autor.

A doutrina as denomina como rituais ou instrumentais, porque dão ensejo à

suspensão imprópria do processo, processando-se, nos termos do artigo 299, em apenso

aos autos principais.

Quanto ao procedimento das exceções, duas dúvidas poderiam eventualmente

surgir, face à redação dos artigos 265, inciso III e 306 do Código Processual, bem como

sobre até que momento subsistiria a suspensão do processo principal.

Além disso, há aparente conflito entre as normas do artigo 297, que prevê o

oferecimento de exceções rituais no prazo de resposta, e o artigo 305, que estabelece tal

possibilidade no prazo de quinze dias, contado do fato que tenha ocasionado a

incompetência, impedimento ou suspeição.

Quanto à suspensão, deve prevalecer o entendimento de que ela se opera com a só

oposição da exceção, já que, ao reverso, a parte diligente ficaria na dependência de seu

recebimento pelo juiz para efetivá-la.

A respeito do tema, vale mencionar os comentários de Marcus Vinicius Rios

Gonçalves sobre a redação do artigo 306 do Código de Processo Civil, que prevê a

suspensão do processo com o recebimento da exceção:

“A redação desse dispositivo não é feliz, porque a suspensão se dará desde o momento em que a exceção for protocolada em cartório, mesmo que ela nem venha a ser recebida e seja indeferida de plano. Tanto que o CPC, artigo 265, III, é expresso ao estabelecer que a suspensão tem início quando oposta a exceção. A má redação do dispositivo também traz dúvida sobre o termo final da suspensão. Uma interpretação literal poderia sugerir que o processo continuaria suspenso mesmo depois de decidida a exceção, enquanto ainda houvesse recurso pendente. No entanto, não é esse o entendimento que tem sido dado à norma: o processo ficará suspenso até o julgamento definitivo em primeiro grau de

81 José Carlos Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, cit., p. 41.

Page 57: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

57

jurisdição, uma vez que o recurso apropriado, o agravo não tem efeito suspensivo.”82

Caso se trate de exceção de impedimento ou de suspeição que será decidida pelo

Tribunal a que está vinculado o juiz excepto, do acórdão prolatado caberá eventual recurso

especial ou extraordinário, que igualmente não possuem efeito suspensivo (art. 497 do

CPC).

Quantos aos artigos 297 e 305, tratariam de momentos processuais diversos.

O artigo 297 se aplicaria quando o motivo que enseja o oferecimento da exceção

exista no momento da apresentação da resposta, quando então a parte a apresentaria, no

prazo de quinze dias do procedimento ordinário, contado na forma do artigo 241.

Tendo ocorrido o fato ensejador do oferecimento posteriormente à apresentação

da resposta, poderia então a parte oferecer a exceção no prazo de quinze dias previsto no

artigo 305.

Cândido Dinamarco 83 sustenta a aplicação do artigo 305 em relação à

incompetência relativa, quando o foro é desmembrado ou quando nova lei de organização

judiciária inclui em outra comarca o lugar ao qual a causa esteja ligada.

Nesse aspecto, grassa dissenso sobre o destino dos processos, quando efetuado o

desmembramento de comarcas.

Com efeito, há decisões no âmbito do Superior Tribunal de Justiça determinando

a remessa dos autos à comarca resultante do desmembramento.84

Athos Gusmão Carneiro 85 reporta-se à posição da doutrina majoritária, que

considera tratar-se na hipótese de mudança do “estado de direito”, das regras jurídicas de

82 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p.

375. 83 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 484. 84 STJ − RESP n. 150.902/PR, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro. 85 Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 73.

Page 58: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

58

determinação da competência, sendo portanto irrelevante a modificação de tais regras no

que tange às causas já anteriormente propostas.

2.4.2.2 Da exceção de incompetência

No dizer de Liebman, ”a competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício

é atribuído a cada órgão, ou seja a ‘medida da jurisdição’.86

Cumpre notar que com tal concepção não se está a afirmar que existiriam órgãos

jurisdicionais dotados de mais ou menos jurisdição, mas, que a competência corresponde a

um critério, um sistema, para estabelecer de forma prévia e abstrata quem terá o poder de

fazê-la atuar no caso concreto.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery distinguem a competência

absoluta e a relativa:

“Competência absoluta e relativa. A competência absoluta é ditada no interesse público, ao passo que a relativa é atribuída tendo em vista o interesse privado das partes. A absoluta é pressuposto processual de validade, não pode ser modificada por vontade das partes (CPC 102); contrario sensu, deve ser examinada ex officio pelo juiz (CPC 113); pode ser argüida por qualquer das partes, independentemente de exceção, a qualquer tempo e grau de jurisdição, pois não está sujeita à preclusão; enseja o juízo rescisório (CPC 485 II). A relativa pode ser modificada por convenção das partes (eleição de foro) ou por inércia do réu que não argüiu exceção de incompetência no prazo da lei; não pode ser declarada de ofício pelo juiz (STJ 33); não enseja nulidade do atos processuais e nem juízo rescisório. São de competência absoluta: a material e a funcional. São de competência relativa: a territorial e a valor da causa.”87

Athos Gusmão Carneiro 88 indica como espécies de competência absoluta: a

competência em razão da matéria; em razão da pessoa; em razão do valor, quando do

“menos para o mais”, ou seja, a competência do juiz de menos “alçada” não pode ser

prorrogada para abranger causa de maior valor; a competência pela situação do imóvel (art.

95, 2ª parte); e a competência funcional.

86 Enrico Tullio Liebman, Manual de direito processual civil, tradução e notas de Cândido Rangel

Dinamarco, Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. 1, p. 55, n. 24. 87 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 476.

Page 59: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

59

Considera como espécies de competência relativa: a competência territorial ou de

foro; a competência em razão do valor; do “mais para o menos”, pois a competência do

juiz de maior alçada pode ser prorrogada para abranger causa de menor valor; e a

competência em razão da situação do imóvel (art. 95, 1ª parte), no caso em que permite a

opção pelo foro de eleição ou do domicílio do réu.

Cabe relembrar que face à alteração introduzida pela Lei n. 11.280, de 16 de

fevereiro de 2006, o juiz poderá, nos casos de contratos de adesão, reconhecer a nulidade

de cláusula de eleição de foro, determinando a remessa dos autos à comarca onde tem

domicílio o réu.

Criou-se com a alteração um sistema que se poderia dizer híbrido, porquanto em

hipótese de incompetência relativa, permite que o juiz aja de ofício, mas em contrapartida,

determina o artigo 114, com a redação que lhe foi dada pela lei supra indicada, que caso o

juiz não o faça, nem tampouco o réu ofereça a exceção ritual, que haverá a prorrogação da

competência.

Da redação dos aludidos dispositivos, pode-se extrair a conclusão de que se

acolheu a posição então adotada na Súmula n. 28 do antigo Primeiro Tribunal de Alçada

Civil de São Paulo, revogada pela Súmula n. 33 do Superior Tribunal de Justiça. A referida

Súmula n. 28 previa: “Pode o juiz declarar de ofício a incompetência relativa, desde que o

faça em sua primeira intervenção no processo.”

Louvável a alteração prevista no parágrafo único do artigo 305, permitindo que na

exceção de incompetência, a petição possa ser protocolizada no juízo de domicílio do réu,

com requerimento de sua imediata remessa ao juízo que determinou a citação.

De toda forma, para tentar impedir que a petição, em função da demora na

chegada da petição ao juízo onde tem curso a ação, venha a ser tardia, quando já

eventualmente proferida sentença, é de todo recomendável que o excipiente se valha da Lei

88 Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., p. 76-77.

Page 60: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

60

n. 9800, de 29 de maio de 1999, que permite a utilização de sistema de transmissão de

dados para a prática de atos processuais, ou outro meio eletrônico eficiente.

Cumpre ainda assinalar que o artigo 87 prevê o princípio da perpetuatio

iurisdictionis, que determina que a competência se fixa no momento da propositura da ação

(art. 263 ) e que são irrelevantes as modificações posteriores, salvo se culminarem com a

supressão do órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.

Face às alterações efetuadas pela Emenda Constitucional n. 45/2004 na redação

do artigo 114, inciso VI da Constituição Federal, os feitos relativos à indenização por

danos morais e/ou patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho passaram à

competência da Justiça Trabalhista.

O Superior Tribunal de Justiça, com fulcro em precedentes do Supremo Tribunal

Federal, acabou por decidir que a alteração superveniente da competência, mesmo que

determinada por regra constitucional, não atinge a validade da sentença anteriormente

proferida.89

Os artigos 307 a 311 estabelecem o procedimento e requisitos para argüição da

incompetência relativa, valendo destacar que no procedimento ordinário, a petição deverá

ser escrita, é obrigatória a indicação do órgão jurisdicional para o qual o excipiente declina,

cabendo da decisão sobre o incidente a interposição de agravo de instrumento, e as

alterações introduzidas pela Lei n. 11.187, de 20 de outubro de 2005, não teriam ensejado

modificações no que tange a tal aspecto.

2.4.2.3 Das exceções de impedimento e de suspeição

Os artigos 312 a 314 do Código de Processo Civil estabelecem o procedimento

relativo às exceções voltadas à alegação do impedimento e da suspeição do juiz.

89 STJ: CC n. 7.204/MG, DJU, de 03.8.2005; CC n. 6.967/RJ, DJU, de 26.9.1997; CC n. 51.712, j.

10.08.2005.

Page 61: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

61

Calmon de Passos90 distingue o impedimento e a suspeição, cujas hipóteses estão

previstas, respectivamente, nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil.

Afirma o autor que “a suspeição é obstáculo de ordem subjetiva, posto à

imparcialidade do juiz, sem caráter absoluto, visto como não conduzirá, necessariamente, a

uma decisão parcial do magistrado que poderá superá-lo. Daí dizer-se que a suspeição é

uma incompatibilidade relativa, pelo que se não argüida tempestivamente, ficará preclusa

sua alegação e tornado compatível o juiz.”

Quanto ao impedimento, consigna que “é obstáculo de natureza objetiva posto à

imparcialidade do juiz, revestido de caráter absoluto, por criar incompatibilidade lógica

entre o impedido e a função de julgar. Por força disso, o impedimento pode ser argüido em

qualquer tempo, inclusive é causa de rescisão de sentença (art. 485, II).”

Do exame dos aludidos dispositivos que tratam da exceção de impedimento e de

suspeição, verifica-se que qualquer das partes pode figurar como excipiente e o juiz será o

excepto.

Ao magistrado, diante da exceção oferecida, restariam duas alternativas: abster-se

de julgar a causa, reconhecendo o impedimento ou suspeição, determinando a remessa dos

autos ao seu substituto legal; não reconhecer os motivos constantes da exceção oferecida,

manifestando-se no prazo de dez dias, com a remessa dos autos ao Tribunal competente

para julgá-la, que concluirá pela sua rejeição ou acolhimento.

Não cabe, por óbvio, o indeferimento da exceção pelo magistrado, já que é parte

no incidente, sendo discutível se uma vez afastado do processo poderá o juiz interpor

recurso.

Em havendo a abstenção espontânea por parte do magistrado de forma

superveniente, seria de se cogitar como ficariam os atos anteriormente praticados por ele.

90 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 292.

Page 62: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

62

Há precedente no sentido de que, reconhecendo o impedimento ou a suspeição

supervenientes, o juiz não pode tornar sem efeito os atos anteriormente praticados de forma

válida.91

À falta de regra específica no Código de Processo Civil, entendemos que seria

aplicável o artigo 113, parágrafo 2º, decretando-se a nulidade de eventuais atos decisórios

que tenham sido praticados pelo juiz.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery92 sustentam a legitimidade e

interesse de recurso do magistrado, porque o juiz é parte no incidente e o artigo 499 do

Código de Processo Civil, quando fala em legitimidade recursal da parte, deve se estender

também aos litigantes nos incidentes processuais, e, ainda, com fulcro no respeito ao

múnus público, relativo ao respeito ao princípio constitucional do juiz natural (art. 5º, inc.

LIII da CF) e na defesa de seu direito subjetivo (o art. 314 prevê a condenação do juiz

afastado ao pagamento das custas do incidente).

Em síntese conclusiva sobre as chamadas exceções rituais, pertinente mencionar o

magistério de Clito Fornaciari93, ao mencionar seus principais pontos: a) possuírem caráter

de disponibilidade; b) faltar poder oficioso ao juiz para conhecer das mesmas; c) serem,

por natureza preclusivas.

Aponta que das três defesas alegáveis por exceção ritual, apenas a de

incompetência relativa guardaria tais características.

As de suspeição e impedimento não se submetem às regras antes referidas, porque

o juiz não só tem poderes para de ofício declará-las, mas tem a obrigação de o fazer, face

ao que preceitua o artigo 137.

91 TFR − MS n. 11.673, 1ª Seção, Min. Flaquer Scartezzini, j. 10.12.1986, segurança concedida, DJU, de

23.4.1987, p. 7.023. 92 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 699. 93 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Saraiva,

1983, p. 17.

Page 63: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

63

Não resta dúvida que o impedimento, em razão do que dispõe o artigo 485, inciso

II do Código de Processo Civil constitui verdadeira objeção, de forma que caso não

argüido pela via da exceção, será possível deduzi-lo até por simples petição.

2.4.3 Da reconvenção

2.4.3.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica

Conforme indica Rita Gianesini 94 , citando ensinamento de Jaeger, a palavra

reconvenção provém do latim – reconventio, formada pela união de conventio (ação) com

o prefixo re (contra) ou com a raiz de réus (réu).

De acordo com lição de Gabriel de Rezende Filho95, sequer era concebida nos

termos primitivos, dado o formalismo do processo em Roma, tendo surgido no período da

cognitio extraordinaria quando, com as actiones bonae fidei, as partes podiam formular

mútuas pretensões.

Teriam surgido daí as expressões mutua petitio (Dig., livro 24, título 38) ou mutua

actio (Dig. Livro 2, título 1, frag. 11, § 1).

O direito canônico teria colaborado para a formação da doutrina da reconvenção,

elaborando a denominação que se tornou universal, a reconventio; a partir de uma decretal

de Inocêncio IV, surgiram duas espécies de reconvenção, a própria (proposta antes da

litiscontestatio) e a imprópria (proposta depois da litiscontestatio, não gozando do

benefício do simultaneus processus).

Como assinala todavia Eduardo Spínola 96 , no direito romano, no período

formulário, a reconvenção estava intimamente ligada à compensação, que a teria originado.

94 Rita Gianesini, Alguns aspectos da reconvenção, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais,

ano 2, n. 7/8, p.79-97, jul./dez. 1977. 95 Gabriel de Rezende Filho, Curso de direito processual civil, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1953, v. 2, p. 148. 96 Eduardo Spínola, Código de Processo do Estado da Bahia anotado, Salvador: Tipographia Bahiana, 1916,

p. 494, apud Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 34.

Page 64: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

64

Não obstante, conforme apontado por Rita Gianesini, ainda sob a vigência do

Código Civil de 1916, os institutos da reconvenção e da compensação não se confundem:

“a) reconvenção é a ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo feito e juízo em que é demandado; compensação é a defesa oposta pelo réu à ação proposta pelo autor em virtude deste ser, também, devedor daquele; b) reconvenção é uma ação; compensação é meio de defesa do réu; c) reconvenção é instituto de direito processual; compensação é instituto de direito material (arts. 1.009, do CC e 439, do CCom); d) reconvenção amplia o tema decidendo originário, podendo ocorrer a condenação do autor da ação principal, no saldo apurado a favor do réu; compensação, sendo mera defesa, está adstrita aos limites da ação, só podendo o devedor compensar com o credor o que este lhe dever(art. 1.013 do CC); e) reconvenção só pode ser oposta, simultaneamente com a contestação (art. 299 do CPC); compensação pode ser alegada, segundo o Prof. Moacyr A. Santos a qualquer momento processual; f) reconvenção pode prorrogar a competência; compensação é tão-somente meio de extinção de obrigações; g) reconvenção é admissível, preenchidos os requisitos legais, em todos os procedimentos, salvo o procedimento comum sumaríssimo; compensação só é admitida no tocante à extinção de obrigações; h) na reconvenção o réu pode ou não reconhecer o direito do autor da ação principal; na compensação o réu sempre reconhece o direito do autor; i) na reconvenção o autor da ação originária poderá ser condenado ao pagamento do saldo devedor; na compensação não poderá haver tal condenação; j)a reconvenção pode ser fundamentada em título de dívida ilíquido ou incerto, desde que possa a sua certeza e liquidez ser apurada, por meio dos modos permitidos em direito; a compensação só pode ter por objeto dívidas líquidas, certas e exigíveis – artigo 1.010 do Código Civil. l) na reconvenção o réu-reconvinte poderá ser condenado ao pagamento de custas e honorários; na compensação só poderá ser condenado ao pagamento de custas e honorários da ação principal.”97

Conforme Moacyr Amaral Santos 98 , nas Ordenações Filipinas, que tiveram

vigência até a edição do Regulamento n. 737, de 25.11.1850, e do Decreto n. 763, de

19.9.1890 (que determinou a aplicação do Regulamento n. 737/1850 também às causas

cíveis), a reconvenção tinha as seguintes características:

A reconvenção era uma ação do réu contra o autor, mas seu traço diferenciador

era a condição de ser deduzida no mesmo juízo em que o autor era demandado.

97 Rita Gianesini, Alguns aspectos da reconvenção, cit., p. 85-86. 98 Moacyr Amaral Santos, Da reconvenção no direito brasileiro, 3. ed., São Paulo: Max Limonad, 1966.

Page 65: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

65

Em função disso, ao autor não era possível excepcionar o juízo, mas se admitia a

prorrogação da competência em relação à ação do réu, caso se cuidasse de ação

independente.

A ação e a reconvenção deveriam ser julgadas simultaneamente numa só sentença,

de tal sorte que essa última deveria ser da natureza a tomar o rito da ação.

Quanto ao momento do oferecimento da reconvenção, deveria ser ajuizada no

princípio da causa, antes da litiscontestação, no momento processual anterior à realização

de prova pelo autor.

Não se admitia reconvenção em apelação ou agravo, mas era concebida em todas

as ações, conexas ou não, com exceção de algumas demandas, como depósito, guarda,

esbulho e executivas.

Ao autor era reconhecido o privilégio de não ser no curso da ação demandado em

outro juízo senão naquele em que fora acionado, e através da via reconvencional.

Quanto à legitimidade, poderiam ser reconvintes todos os que pudessem ser

autores e reconvindos todos os autores, salvo se estivessem agindo em nome alheio.

Não se admitia a reconvenção sucessiva (reconventio reconventionis) porque

daria ensejo a um processo infinito.

Por sua vez, o artigo 103 do Regulamento n. 737/1850 previa a possibilidade do

réu reconvir, desde que o fizesse simultaneamente com a contestação, mas admitia a

reconvenção imprópria, ajuizada posteriormente à resposta, que se processaria em autos

apartados.

Os Códigos Estaduais que se seguiram por força da dualidade processual prevista

na Constituição Federal de 1891 seguiram em linhas gerais o quanto era estabelecido no

Regulamento n. 737/1850, dispensando-se a citação do reconvindo, formando-se um único

processo e proferindo-se uma única sentença.

Page 66: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

66

Alguns Códigos não exigiam a conexão entre a ação principal e a reconvenção.

O Código do Estado de São Paulo exigia a conexão e não admitia a reconvenção

em ações especiais, nas sumárias e sumaríssimas.

O Código de Processo Civil de 1939 manteve no seu artigo 190 a necessidade de

formulação da reconvenção com a contestação; devia preencher os requisitos da petição

inicial; era julgada na mesma sentença da ação principal (art. 195); o reconvindo era

intimado pessoalmente ou na pessoa de seu advogado (art. 193), vedando-se o seu

oferecimento nas ações indicadas no artigo 192, entre elas as reais e as executivas.

Essa breve retrospectiva histórica tem por fito destacar que vários dos requisitos e

procedimentos previstos para a reconvenção nas Ordenações Filipinas, no Regulamento n.

737/1850, nos Códigos Estaduais, especialmente o de São Paulo, e no Código de Processo

Civil de 1939, subsistiram no codex vigente, como se procurará enfatizar.

Além disso, a vedação ao oferecimento da reconvenção em ação de procedimento

especial, e principalmente nas de procedimento mais célere, são suscetíveis de justificar

quer a admissibilidade do caráter dúplice de algumas demandas, quer o cabimento do

pedido contraposto.

2.4.3.2 Requisitos gerais e específicos para o oferecimento da

reconvenção

Pode-se conceituar a reconvenção como ação do réu em face do autor, dentro do

mesmo processo em que as partes litigam, ensejando uma ampliação do objeto litigioso e

uma cumulação própria, superveniente e heterogênea de demandas.

Consoante destaca Clito Fornaciari99, através da reconvenção desencadeia-se uma

nova relação processual, trazendo à baila nova pretensão, levando ao processo um novo

99 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 67.

Page 67: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

67

objeto litigioso, fazendo com que sobre ele, e tendo em vista os contornos dados à decisão,

passe a recair a autoridade da coisa julgada.

Menciona Humberto Theodoro 100 , aludindo a lição de João Monteiro, que

conforme tradição do direito romano, através da reconvenção se formam duas ações

mútuas num só processo, “a ação originária, que os jurisconsultos romanos chamavam

conventio e a segunda, oposta àquela pelo réu reconventio”, resultando um cúmulo de

lides, representado pelo acréscimo do pedido do réu ao que inicialmente havia sido

formulado pelo autor.

Pertinente observar que se trata no caso de cumulação própria, porquanto há a

formulação de mais de um pedido e se pode pretender o acolhimento de todos eles, tanto

mais que, como se assinalará oportunamente, a autonomia entre a ação e a reconvenção

(art. 317 do CPC) pode inclusive levar à obtenção de resultados não excludentes entre elas.

Fala-se em cumulação superveniente porque se opera no curso do processo, e

heterogênea, considerando o fato de que quem as realiza são partes diferentes.

Vale ainda lembrar que o oferecimento da reconvenção constitui uma faculdade,

cujo exercício atende fundamentalmente ao princípio da economia processual, não

impedindo, portanto, a sua não propositura pelo réu o ajuizamento de ação autônoma.

Tal possibilidade existirá por vezes em função de mero exame pelo réu da

conveniência ou não do seu oferecimento de reconvenção, quer em função de óbices

legais, como nas hipóteses dos artigos 278, parágrafo 1º do Código de Processo Civil e 31

da Lei n. 9099/95, quando há vedação à reconvenção.

Tratando-se a reconvenção de uma ação intentada pelo réu em face do autor,

dentro do mesmo processo em que as partes litigam, ensejando, destarte, a existência de

simultaneus processus, deve observar pressupostos gerais e outros específicos.

100 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 355.

Page 68: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

68

Os gerais ligados à teoria geral da ação (condições da ação) e os pressupostos

processuais de existência, validade e negativos ou extrínsecos.

Em relação às condições da ação, ao réu falecerá interesse processual no

oferecimento da reconvenção se a improcedência do pedido formulado pelo autor for

suficiente para satisfazer a sua pretensão, ou se houver matéria para apresentação de defesa

processual dilatória ou peremptória, já que para tanto bastaria apresentar contestação.

Assim, como se assentou em julgado, a “reconvenção deve proporcionar ao

reconvinte um plus além do que lhe daria uma contestação, se acolhida”.101

Quanto à legitimidade, ganha relevo a regra do artigo 315, parágrafo único do

Código de Processo Civil.102

Resulta do aludido artigo que as partes devem ostentar na reconvenção a mesma

qualidade que possuem na ação originária.

Donaldo Armelin, fazendo menção à posição de Waldemar Mariz de Oliveira,

anota que não deverá estar o substituto legitimado para contestar a reconvenção ajuizada

no bojo do processo por ele iniciado através do exercício do direito de ação, observando

que “contestar a reconvenção é ato para o qual se exige legitimidade extraordinária

específica, não compreendida na legitimidade para ajuizar ação, razão pela qual, à míngua

daquele tipo de legitimidade, defesa será ao autor extraordinariamente legitimado

responder à reconvenção, mister se fazendo a citação do substituído para tanto”.103

No presente tópico, é bastante divergente a admissibilidade da ampliação

subjetiva do litígio por meio da reconvenção.

101 TJSP − Apelação Cível n. 226.149-2/São José dos Campos, 6ª Câmara Cível, v. u., rel. Pires de Araújo, j.

03.05.1984. 102 “Artigo 315 - (...) Parágrafo único - Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este

demandar em nome de outrem.” 103 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, cit., p. 135.

Page 69: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

69

Clito Fornaciari104 nega a possibilidade de ampliação subjetiva da demanda a

eventual terceiro e considera que a legitimidade ativa para a reconvenção caberia apenas ao

réu.

Considera que a inclusão na demanda reconvencional de terceiros, como

reconvindo ou reconvinte, seria inviável por infringir o princípio constante do caput do

artigo 315, segundo o qual, a reconvenção deve ser movida pelo réu do processo principal

contra o autor.

Além disso, para ele, tendo a reconvenção caráter incidental, já que uma ação

encartada no bojo de um processo em curso, se fosse admitido seu oferecimento em face de

terceiros prejudicaria o curso normal da ação, afetando a economia processual.

Haveria a necessidade de citação do terceiro, enquanto o autor reconvindo seria

intimado (art. 316), de tal sorte que os prazos para resposta seriam diversos, vez que para o

que não integrava a relação processual se aplicariam as disposições do artigo 241.

Miguel Ángel Michinel Álvarez 105 consigna que os sistemas que sofreram

influência do direito francês (belga, italiano e austríaco) somente admitem reconvenção

entre demandante e demandado e assinala que nem mesmo os que a aceitam permitem que

ela seja ofertada apenas contra um terceiro sem atingir a parte principal integrante da

relação processual.

Perfilham posição diversa, entre outros, Calmon de Passos 106 , Cândido

Dinamarco107 e Hélio Tornaghi.108

Calmon de Passos entende que é indiferente a circunstância de implicar a

reconvenção ou mesmo a ação originária litisconsórcio, tanto que, em outra hipótese em

104 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 93-94. 105 Miguel Ángel Michinel Álvarez, Sobre la interpretación del artículo 6.3º del convenio de Bruselas de 27

de septiembre de 1968, Revista Española de Derecho Internacional, Madrid, v. 49, n. 2, p. 52-53, jul./dic. 1997.

106 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 237. 107 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 506. 108 Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, v. 1,

p. 212.

Page 70: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

70

que vários são os autores ou réus da ação original, um só réu pode reconvir a um só autor,

sem qualquer empecilho.

A admissibilidade da reconvenção subjetivamente ampliativa, conforme

Dinamarco, é “expressão da legítima tendência a universalizar a tutela jurisdicional,

procurando extrair do processo o máximo de proveito útil que ele seja capaz de oferecer

(...). É ditame do princípio da economia processual a busca do máximo de resultado na

atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais (...).”

Em que pese a questão se mostre conflitante, havendo argumentos sólidos em

ambas as correntes, quer a que considera inviável a ampliação subjetiva, quer a que a

admite, consideramos que desde que a reconvenção também seja necessariamente ofertada

em face do autor reconvindo, não haveria empecilho ao seu cabimento.

Com efeito, visto sob o prisma exclusivamente de uma das partes da relação

processual, poder-se-ia ter tal possibilidade como capaz de afrontar o princípio da

economia processual.

Partindo do pressuposto que a efetividade buscada no processo será melhor

atingida com a ampla pacificação social, chegaríamos à conclusão de sua admissibilidade.

Caso se admita a reconvenção dita ampliativa, a parte que já se encontrava

integrante da relação processual será intimada na pessoa de seu advogado e o terceiro

citado.

Relativamente à possibilidade jurídica do pedido, não será admitida a

reconvenção nas ações que tenham curso no procedimento sumário (art. 278, § 1º), nas que

tramitem perante o Juizado Especial Cível (art. 31 da Lei n. 9.099/95) e nas ações

consideradas dúplices, matéria que será abordada no terceiro capítulo desta dissertação,

exceto no que extrapole ao âmbito da duplicidade, como se examinará adiante.

Como pressupostos de existência da relação processual, embora a classificação

não seja uniforme na doutrina, poderíamos ter: a) petição inicial; b) citação; c) jurisdição;

d) capacidade postulatória, especialmente para o autor, exceto nos casos em que ela é

Page 71: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

71

reconhecida à própria parte, como no caso do habeas corpus, as ações que têm curso na

Justiça Trabalhista e na Lei n. 9.099/95, se o valor da causa não ultrapassar 20 salários

mínimos.

Os pressupostos processuais de validade seriam: a) petição inicial apta; b) citação

válida; c) competência; d) capacidade processual; e) imparcialidade do juiz.

Por seu turno, os pressupostos processuais negativos ou extrínsecos são os que

situam fora da relação processual objeto de exame e levam à extinção do processo sem

resolução do mérito, impedindo que seja reproposta a ação (arts. 267, inc. V e 268), quais

sejam: litispendência, coisa julgada e a perempção.

Quanto aos pressupostos específicos da reconvenção, podem ser arrolados: a)

conexão; b) litispendência; c) competência; d) uniformidade procedimental.

A conexão está estabelecida no artigo 315, caput, que prevê a possibilidade do

oferecimento da reconvenção pelo réu toda vez que ela seja conexa com a ação principal

ou com o fundamento da defesa.

Do referido requisito, dois aspectos, entre outros, merecem algumas observações.

O Código de Processo Civil, no artigo 103, define a conexão, para efeito de

eventual reunião de ações.

Considera haver conexão entre duas ou mais ações quando lhes for comum o

objeto ou a causa de pedir.

Não obstante se possa do próprio Código de Processo Civil extrair uma

interpretação mais elástica para efeito de conexão, como nos casos de intervenção de

terceiros, se mostra incontroverso que a exigida para a reconvenção foi substancialmente

mais extensa do que a abarcada no conceito do artigo 103.

Page 72: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

72

Barbosa Moreira109, tomando como base o chamado ângulo da valoração dos

interesses em jogo, destaca que, para efeito de reconvenção, bastaria para admiti-la a

existência de uma linha tênue entre duas demandas, aceitando, portanto, seu oferecimento,

desde que: a) haja identidade parcial entre os fundamentos da ação e da reconvenção; b)

quando os elementos probatórios sejam comuns; c) quando haja uma inter-relação lógica

de julgados.

Cruz e Tucci110, reportando-se ao magistério de Moacyr Amaral dos Santos, nota

que diante do acanhamento da admissibilidade da pretensão reconvencional, por força do

artigo 103, seria necessário atribuir-se à reclamada no artigo 315 o critério da

compatibilidade.

Assim, a reconvenção seria possível toda vez que não fosse incompatível com a

ação originária ou com o fundamento da defesa, no caso de cumulação de ações ou de

pedidos (art. 292, § 1º), reconhecendo que jurisprudência, extravasando o conceito

emoldurado pelo Código, vem dando ao enunciado da norma interpretação mais flexível.

Clito Fornaciari111 menciona que no sistema espanhol não se requer nexo algum

entre a ação e a reconvenção ou entre essa e as defesas ou exceções do réu.

Sustenta que quanto à causa de pedir, a vinculação poderá estar na identidade de

causa de pedir próxima, como também na remota, o que enseja uma ligação menos rígida

entre a ação e a reconvenção, sem contudo romper o sistema vigente.

Dentro desse aspecto, apenas para situar o tema no âmbito da reconvenção, vale

relembrar que a causa de pedir, não obstante as divergências que possam existir quanto à

sua classificação, pode ser distinguida entre remota e próxima.

109 José Carlos Barbosa Moreira, A conexão de causas como pressuposto da reconvenção, São Paulo:

Saraiva, 1979, p. 90 e ss. 110 José Rogério Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.

174-175. 111 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 116 e ss.

Page 73: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

73

Para Cruz e Tucci112, a causa de pedir seria composta do fato (causa remota) e o

fundamento jurídico (causa próxima).

A causa petendi remota (particular) engloba normalmente o fato constitutivo do

direito do autor, associado ao fato violador desse direito, do qual se origina o interesse

processual para o demandante. O fato constitutivo do direito do autor seria a causa ativa, e

o fato do réu contrário ao direito, a causa passiva.

A causa de pedir próxima “se consubstanciaria no enquadramento da situação

concreta, narrada in status assertionis à previsão abstrata, contida no ordenamento jurídico

positivo, e do qual decorre a juridicidade daquela, e em imediata seqüência, a

materialização do pedido, da conseqüência jurídica alvitrada pelo autor”.

Cândido Rangel Dinamarco113 nota ser a causa petendi de grande importância na

propositura da demanda, sendo constituída da narrativa dos fatos que, segundo o autor,

geram as conseqüências jurídicas pleiteadas, e da proposta de enquadramento em uma

categoria jurídico-material, ressaltando, contudo, que a qualificação jurídica dos fatos ou

atos não é vinculativa para o juiz.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery114 consignam que a causa de

pedir é composta dos fundamentos de fato (causa de pedir próxima), que consistem no

inadimplemento, a ameaça ou violação do direito (fatos) que caracterizam o interesse

processual imediato, que autoriza o autor a deduzir pedido em juízo.

Para esses autores, os fundamentos jurídicos comporiam a causa de pedir remota,

que consistiria no direito, o título, a autorização e a base que o ordenamento jurídico dá ao

autor para que possa deduzir pretensão em juízo.

De todo modo, deve-se deixar assentado que os fatos simples não integram a

causa de pedir, valendo aqui a lição de Milton Paulo de Carvalho, no sentido de que o fato

112 José Rogério Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil, cit., p. 126-127. 113 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 71. 114 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 282.

Page 74: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

74

reputado como causa eficiente de uma pretensão processual é apenas o que se mostra

“carregado de efeito pelo ordenamento jurídico e não o fato simples ou secundário”.115

Frise-se ainda que o artigo 264º do Código de Processo Civil de Portugal

distingue entre fatos essenciais, instrumentais e complementares, sendo certo que apenas

os primeiros integrariam a causa de pedir ou o fundamento da exceção, e cuja falta levaria

à inviabilidade da ação ou da exceção.

Relativamente à conexão com fulcro no pedido, Clito Fornaciari, citando lição de

Wach, aduz que a identidade deve se dar em relação aos pedidos mediatos, vale dizer, o

bem da vida pretendido pelas partes.

Com efeito, conforme destaca, caso se tomasse como base apenas o pedido

imediato, ou seja, a espécie de tutela jurisdicional pleiteada, se chegaria ao absurdo de

reunir todas as ações declaratórias, constitutivas e condenatórias por terem pedidos

imediatos comuns.

Quanto à conexão com o fundamento da defesa, divergindo da tese sustentada por

Calmon de Passos, que só a tem como possível em relação às indiretas, considera que não

tendo o Código feito distinção nesse sentido, não caberia fazê-la.

Parece-nos que a posição mais ampla é coerente com a conexão exigida pelo

Código de Processo Civil, de tal sorte que seja a defesa de mérito, direta ou indireta, deve-

se admitir a reconvenção.

Sobre a conexão exigida, para efeito de reconvenção, J. J. Calmon de Passos116

vislumbra quatro hipóteses: a da existência de conexão entre a causa principal e a

reconvencional; ação e reconvenção conexas pela identidade do título; diversidade dos

direitos e variedade de relações jurídicas; decorrente da existência entre a ação do autor e a

do réu, de uma relação de exclusão, mas não de pura relação de afirmação e negação, o que

se situa o campo da chamada declaração incidente, que o réu pode colocar como conteúdo

de sua reconvenção.

115 Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, cit., p. 81. 116 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 308-312.

Page 75: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

75

Cândido Dinamarco117 adverte que para a reconvenção com fulcro no pedido, é

imprescindível que a improcedência do pedido do autor não seja suficiente para obtenção

do bem jurídico pretendido pelo réu.

Para a reconvenção com base na causa de pedir, seria suficiente a parcial

identidade de títulos e que a conexidade com os fundamentos na defesa é a mais intensa

porque de uma só alegação, o réu extrai duas conseqüências, uma defensiva e outra

reconvencional.

Vê-se do quanto exposto que a conexão prevista no artigo 315 para ensejar a

reconvenção é substancialmente mais ampla do que a admitida no artigo 103, no que tange

à eventual reunião de demandas.

Outro aspecto que merece maior atenção é o fato de se ter pela reconvenção uma

cumulação de demandas, mas com peculiaridade que a distingue da hipótese contemplada

no artigo 292 do Código de Processo Civil.

Nesse dispositivo, o Código prevê a cumulação de pedidos, independentemente de

existir entre eles conexão.

Para a reconvenção, em que pese prevaleça o entendimento de que a conexão seja

mais ampla do que a constante do artigo 103, ela foi efetivamente exigida.

Tem-se, destarte, uma hipótese de cumulação onde foi exigida a conexão.

A razão de tal exigência estaria na preocupação de se evitar o tumulto processual,

caso se admitisse a cumulação, mercê do oferecimento da reconvenção sem que fosse

necessário observar a conexão entre a ação proposta pelo autor e pelo réu.

A propósito, são pertinentes as palavras de Aderbal Torres de Amorim:

“Se se pensar no oposto, ou seja, em que se haverá de admitir cumulação de pedidos na ação reconvencional ainda que entre eles inexista conexão e, por decorrência, que inexista conexão entre algum deles, ou alguns

117 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 499 e ss.

Page 76: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

76

deles, e a ação ou os fundamentos da defesa, concluir-se-á de forma a negar um dos fundamentos teleológicos inspiradores da admissibilidade da reconvenção, qual seja, o da economia processual. De efeito, pudesse o reconvinte deduzir pretensão -ou pretensões – que porventura tivesse contra o autor reconvindo, sem qualquer liame com a ação dita principal, então a atividade cognitiva tumultuar-se-ia de tal forma que o remédio criado (a reconvenção) travestir-se-ia em verdadeiro veneno a contaminar a atividade judicante.”118

Quanto ao requisito da litispendência, significa dizer que para o oferecimento da

reconvenção, é necessário que o processo da ação originariamente proposta esteja em

primeiro grau no momento em que for proposta, sendo irrelevante a extinção superveniente

do processo quanto à demanda intentada pelo autor (art. 317).119

A litispendência deve ser entendida, para permitir o oferecimento da reconvenção,

como um efeito da citação, já que o Código de Processo Civil se vale do termo em diversos

significados.

Lembre-se que a litispendência rigorosamente significaria a existência de uma

ação em curso.

O Código de Processo Civil, no artigo 301, parágrafo 3º, dispõe haver

litispendência quando se repete ação em curso, e o artigo 219 a arrola como um dos efeitos

processuais da citação válida.

Pode-se dizer que a litispendência se dá quando há ação em curso, mas que para

efeito de eventual extinção de ações idênticas, deve-se levar em conta onde se efetivou

primeiro a citação, que deverá subsistir.

Para efeito de prevenção, havendo lides conexas que possam vir a ser reunidas, o

Código utiliza como critério fixador da competência o do despacho, quando se trate de

órgãos de igual competência territorial (art. 106) ou da citação, quando forem de comarcas

diferentes (art. 219).

118 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção, cumulação de ações e ação rescisória, Revista dos Tribunais,

ano 73, v. 581, p. 269, mar. 1984. 119 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit.,

p. 45.

Page 77: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

77

Quanto à competência, o artigo 109 do Código de Processo Civil determina que a

reconvenção seja ajuizada perante o órgão jurisdicional em que tem curso a ação

originariamente intentada.

Extrai-se do referido dispositivo que o órgão jurisdicional da ação principal deve

ser competente de forma absoluta para a apreciação da reconvenção.

Caso não o seja, restará ao réu intentar ação autônoma, uma vez que, como é

cediço e já assinalado, as regras relativas à competência absoluta tutelam o interesse

público e são de natureza cogente, inafastáveis pela vontade das partes.

Na hipótese do órgão vir a ser incompetente de forma relativa à apreciação da

reconvenção, não haverá óbice ao seu oferecimento, desde que observada a conexão

exigida, admitindo-se a prorrogação da competência, nos termos do artigo 114 do Código

de Processo Civil.120

O último requisito específico a ser observado é o da uniformidade procedimental,

face à regra do artigo 319 do Código de Processo Civil, que prevê o julgamento simultâneo

da ação e da reconvenção.

Caso os procedimentos da ação e da reconvenção sejam incompatíveis, resultaria

inviável o cumprimento do mencionado dispositivo, exigindo-se tal compatibilidade por

força do artigo 319 e pela aplicação analógica do artigo 292, parágrafo 1º, inciso III.

Com efeito, conforme já sublinhado, a reconvenção dá ensejo a uma cumulação

de ações, aplicando-se por analogia à espécie o quanto consta do artigo 292, parágrafo 1º,

inciso III.

A citada exigência comportaria, todavia, exceções, como pondera Barbosa

Moreira:

120 A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que: “O juiz da causa principal é competente para

conhecer da reconvenção, desde que seja competente em razão da matéria. Entendimento conjunto do CPC 109 e demais artigos sobre competência. Assim, não é possível opor reconvenção da Justiça Federal, em ação que tramita em vara cível da Justiça comum estadual, segundo dedução do CPC 102.” ( STF − RE n. 93843/BA, 1ª T., rel. Min. Soares Muñoz, j. 17.03.1981).

Page 78: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

78

“a) se a ação originária obedece o rito ordinário, admite-se a reconvenção não só quando a esta seja igualmente adequado o procedimento ordinário, mas também quando, ainda que a lei lhe indique rito especial ou o rito sumaríssimo, o réu reconvinte aceite o seu processamento segundo o ordinário, e seja ele compatível com o pedido reconvencional (art. 292, § 2º analogicamente aplicável); b) se a ação originária segue rito especial, admite-se a reconvenção caso o procedimento a esta adequado seja o mesmo, ou caso se torne igual nas fases subseqüentes à postulatória − v.g., quando a ação originária é daquelas que, com a contestação, passam a seguir o rito ordinário, e a este obedece também a reconvenção (que todavia, em semelhante hipótese, só será admissível se o réu contestar!).”121

A posição antes indicada é também sustentada por Adroaldo Furtado Fabrício122 e

Ovídio Baptista da Silva.123

2.4.3.3 Procedimento da reconvenção – Revelia e reconvenção

sucessiva

Tratando-se a reconvenção de uma ação, deverá ser elaborada petição inicial, em

peça própria autônoma (art. 299), com os requisitos do artigo 282, atentando-se ainda para

aqueles específicos,antes objeto de comento.

Ressalve-se que o valor da causa na reconvenção deverá ter como base o proveito

econômico buscado pelo réu reconvinte, não coincidindo necessariamente com o constante

da peça vestibular.124

Assinale-se ainda que não obstante o artigo 299 ser claro no sentido de que a

contestação e a reconvenção devam ser apresentadas em peças autônomas, admite-se

121 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática o procedimento, cit.,

p. 46. 122 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil: Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de

197 (arts. 890 a 945), Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 8, t. 3, p. 139, 244, 343 e 412. 123 Ovídio Araujo Baptista da Silva; Fábio Luiz Gomes, Teoria geral do processo civil, cit., p. 275. 124 “VALOR DA CAUSA – Impugnação – Estabelecimento do mesmo valor para a ação e para a

reconvenção – Hipótese em que o benefício econômico de cada pedido é diferente – Reconvenção, ademais, que é verdadeira ação, distinta da originária – Decisão reformada – Recurso provido.” (TJSP − Agravo de Instrumento n. 78.477/São Bernardo do Campo, 16ª Câmara Civil, rel. Bueno Magno, v.u., RJTJESP 90/387).

Page 79: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

79

excepcionalmente o abrandamento de tal regra, com fulcro no princípio da

instrumentalidade das formas.125

Entre as várias questões que poderiam ser suscitadas quanto ao procedimento, há

duas que merecem destaque: a natureza da intimação prevista no artigo 316; as espécies de

defesa que o autor reconvindo poderá ou não utilizar e os efeitos de sua eventual inércia.

No que pertine à intimação constante do artigo 316, na pessoa do advogado do

autor reconvindo, Pontes de Miranda tece criticas à redação do dispositivo, afirmando: “A

ciência de que houve reconvenção tem-na o autor por ‘intimação’, e não ‘citação’. O

Código, com isso, excetuou o seu próprio sistema, chamando de intimação o que, ainda

com forma diferente, citação é. Bastaria conservar o nome à coisa evitando que lhe dessem

outras roupas.”126

Clito Fornaciari127 assevera que a mesma razão de economia processual que se

tem na citação dos opostos, igualmente feita na pessoa do seu advogado (art. 57), se

encontra na intimação constante do artigo 316.

Sustenta que seria melhor o termo citação, pois tanto na reconvenção, como na

oposição, existe uma nova demanda, chamando para a defesa do réu e a forma prevista no

Código para chamar alguém, ainda que por intermédio de seu advogado, a se defender em

juízo, como consta do artigo 213.

Cândido Dinamarco128 preconiza que o ato, no caso da reconvenção, tem o efeito

de transmitir ao demandado (autor-reconvindo) a informação da propositura da ação pelo

réu, mas não tem o condão de trazê-lo ao processo e fazê-lo parte, uma vez que já o é.

Considera que essa distinção terminológica não teria importância prática, porque toda

citação traz consigo uma intimação.

125 Sobre o artigo 299, anotam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Peças autônomas.

Embora a norma sob comentário exija sejam oferecidas contestação e reconvenção em peças autônomas, caso a contestação contenha inequivocamente uma reconvenção, pode esta ser conhecida como tal (RTJ 996/671; RP 24/315), desde que preenchidos os requisitos legais para tanto (...).” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 684). Cite-se, ainda: RT 464/167 e RTJ 55/735.

126 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3. ed., 2001,cit., v. 4, p. 171.

127 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 173-174. 128 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 509.

Page 80: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

80

De toda forma, quer se trate de uma ou outra espécie, a intimação prevista no

artigo 316 produzirá todos os efeitos da citação válida especificados no artigo 219 do

Código de Processo Civil.

Luiz Paulo da Silva Araújo Filho129 reporta-se ao fato de que, já na época das

Ordenações Filipinas (Livro III, Título II, princípio), vigorava a excepcionalidade da

citação na pessoa do procurador da parte, mencionando entendimento de J. J. Calmon de

Passos sobre o tema e destacando a reconhecida dificuldade existente para contato, muitas

vezes, entre o defensor e o hipossuficiente, inviabilizando a apresentação de resposta à

reconvenção.

Não resta dúvida que a advertência é fundada porque são reconhecidamente

freqüentes as dificuldades de localização do hipossuficiente, e mesmo considerando a regra

do artigo 5º, parágrafo 5º da Lei n. 1.060/50 em relação aos prazos, se mostra inviável que

seu defensor logre apresentar resposta à reconvenção, o que poderá lhe trazer efeitos

processuais nocivos.

O segundo tema relevante diz respeito à interpretação do artigo 316 do Código de

Processo Civil.

Com efeito, interpretando de forma literal do disposto acima citado, se chegaria à

conclusão de que ao autor reconvindo restaria apenas a apresentação da contestação.

Ocorre, entretanto, que se efetuada uma interpretação sistemática do Código,

pode-se notar que por mais de uma vez a palavra contestar é utilizada não como espécie de

um gênero, mas no sentido de resposta.

Nesse aspecto, apenas à guisa de exemplos, citem-se os artigos 57, caput, 188 e

191, que seriam suscetíveis de ratificar que o termo contestação é por vezes utilizado com

o sentido de responder.

129 Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, A “intimação” do reconvindo na pessoa do seu procurador (art. 316 do

CPC) e o defensor público, Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, CEJUR, 2. ed., 1996.

Page 81: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

81

A matéria ora enfocada remete à questão da admissibilidade da chamada

reconvenção sucessiva, ou a reconvenção da reconvenção.

Os que se colocam contrariamente à possibilidade do oferecimento de

reconvenção sucessiva o fazem, via de regra, tendo como base o fato de que admitida tal

faculdade, haveria verdadeiro tumulto processual.

Se admitida a possibilidade antes aventada, ter-se-ia dentro dessa ordem de

raciocínio afronta à economia processual, que é um dos fundamentos para a

admissibilidade da reconvenção.

Restariam, assim, como possíveis defesas pelo réu, a contestação e a apresentação

de exceções.

Os partidários da tese favorável ao oferecimento da reconvenção sucessiva

argumentam que o interesse do autor em fazê-lo pode ter surgido justamente em razão da

reconvenção do réu.

Além disso, não haveria o risco de tumulto processual, quer porque a reconvenção

sucessiva deve observar requisitos genéricos e específicos, quer ainda porque somente

seria admissível seu oferecimento quando se tratasse de pedido que o autor não poderia ter

formulado com a inicial, com o que se impediria afronta ao princípio da estabilidade da

demanda (arts. 264 e 294 do CPC).130

Posicionam-se contrariamente à possibilidade do oferecimento de reconvenção

sucessiva pelo autor reconvindo, entre outros, Wellington Moreira Pimentel131, Frederico

Marques132, Clito Fornaciari133, Luiz Rodrigues Wambier134¸ Adroaldo Fabrício135 e Jaime

Guasp.136

130 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 504. 131 Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1975, p. 321. 132 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1974, v. 2. p. 95. 133 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 176. 134 Luiz Rodrigues Wambier; Flávio Renato Correia de Almeida; Eduardo Talamini, Curso avançado de

processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, cit., p. 411. 135 Adroaldo Furtado Fabrício, A ação declaratória incidental, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 173. 136 Jaime Guasp, Derecho procesal civil, cit., p. 260.

Page 82: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

82

Manifestam-se favoravelmente à possibilidade do autor oferecer reconvenção

sucessiva, entre outros, Moacyr Amaral Santos 137 , Calmon de Passos 138 , Pontes de

Miranda139, Cândido Dinamarco140 e Mario Dini.141

Considerando que o Código de Processo Civil não vedou expressamente a

admissibilidade da reconvenção sucessiva, seu oferecimento acaba por gerar controvérsias.

Entendemos, todavia, respeitando as posições em contrário, que a reconvenção

sucessiva atende ao princípio da economia processual, à medida que enseja uma

pacificação mais completa de conflitos, evitando a propositura de ações autônomas.

O temor da eternização dos conflitos pode ser atenuado, desde que se observem

rigorosamente os requisitos genéricos e específicos para a propositura da ação por meio da

reconvenção e se examine se a hipótese comportava ou não a formulação de pretensão pelo

autor na inicial, a fim de que não se burle a regra da estabilização da demanda, conforme

antes assinalado.

Questão ainda de suma relevância é o efeito da revelia, no que se refere ao autor

reconvindo e ao réu reconvinte.

Aderbal Torres de Amorim142, após tecer críticas à intimação prevista no artigo

316, na pessoa do advogado do autor reconvindo, acentua que, no caso da extinção do

processo sem resolução do mérito (art. 267, inc. III), exige-se sua realização pessoal, e não

se poderia conceber para um ato de “muito maior relevância processual” que se admitisse

os efeitos da revelia, diante do silêncio do autor reconvindo.

137 Moacyr Amaral Santos, Da reconvenção no direito brasileiro, 4. ed., São Paulo: Max Limonad, 1973, p.

258. n. 96. 138 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 315-316, n. 216. 139 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil de 1973, Rio de

Janeiro: Forense, 1975, v. 3, p. 181-182. 140 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 504. 141 Mario Dini, La demanda riconvenzionale nel diritto processuale civile, 3 ed., Milano: Giuffrè, 1978, p.

172. 142 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção e revelia, Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 284, p. 66 e ss,

out./dez. 1983.

Page 83: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

83

Diferencia os efeitos da revelia conforme a demanda reconvencional seja proposta

em conexão com a ação principal ou com a resposta a ela, afirmando:

“Não seria crível que esgotada (quando esgotada) a matéria na petição inicial da ação primitiva, viesse o demandante a ser alvejado com os efeitos da contumácia porque o réu, além da contestação, intentou também ação reconvencional com o nexo causal fundado na ação e não na defesa. Ora, se na inicial já se esgotou o pensamento e já se esgotaram as razões do demandante, seria verdadeira iniqüidade que da ação proposta (e no mesmo processo, segundo alguns), lhe nascessem os efeitos de revel! Por tudo isso é que se repete: sempre que a reconvenção for proposta em conexão com a própria demanda primitiva, de nenhum modo se poderá alvitrar a aplicação ao autor reconvindo dos efeitos da revelia e, nesse caso, ainda quando regularmente citado!”143

Eduardo Arruda Alvim144 sustenta que a não apresentação do contestação pelo

autor reconvindo conduz à presunção relativa de veracidade dos fatos nela alegados (art.

319), assim como a não observância do princípio do ônus da impugnação especificada dos

fatos levará à presunção de serem verdadeiros os não refutados (art. 302).

Pondera que para a presunção antes indicada, não há necessidade de que conste da

intimação a advertência do artigo 285 do Código de Processo Civil.

Reportando-se ao magistério de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery, observa que a ratio essendi do artigo 285 reside no fato de ser o réu leigo, mas que

considerando ser o autor reconvindo intimado na pessoa de seu advogado, este tem

conhecimentos técnicos suficientes para saber os efeitos decorrentes de sua inércia.

Para o réu reconvinte, a apresentação da contestação não constitui pressuposto

para o oferecimento da reconvenção.

Sobre a desnecessidade da apresentação da contestação para o oferecimento da

reconvenção, pertinente o quanto consignado por Clito Fornaciari:

143 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção e revelia, cit., p. 68. 144 Eduardo Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, 2. tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000, v. 1, p. 456-457.

Page 84: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

84

“Não existe óbice algum à dedução da reconvenção sem contestação. O fato de a lei exigir simultaneidade de ambas deve ser interpretado com vistas a se vedar, onde seja intento do réu opor as duas modalidades de resposta, que seja cada qual oferecida em momento diverso da outra. O artigo 299 não cria a necessidade de que a reconvenção venha sempre ladeada à contestação, mas sempre que existirem ambas, elas devem fazer-se presentes acompanhadas.”145

A respeito do tema em exame, vale ainda mencionar o entendimento de Coqueijo

Costa, que afirma: “Sendo o reconvinte revel, inadmissível se torna o julgamento

antecipado da lide numa das hipóteses previstas no artigo 330: a de n. II, isto é, quando

ocorre a revelia. A reconvenção deduzida pelo réu a impedirá, uma vez que terão de ser

julgados pela mesma sentença a ação e a reconvenção.”146

Parece-nos que, nas duas hipóteses, a inércia do autor reconvindo e do réu

reconvinte na apresentação da contestação, eventual presunção de veracidade dos fatos

alegados pelo adversário poderá ser afastada se a inicial da ação originária ou da

reconvenção vierem a torná-los controversos ou seus fundamentos forem incompatíveis

com da demanda da parte contrária.

Aplicar-se-ia em tais casos o artigo 302, inciso III do Código de Processo Civil, já

que os fatos estariam em contradição face ao quanto alegado na inicial da ação originária

ou da reconvenção, exigindo que sobre eles haja produção probatória, nos exatos termos do

artigo 334, inciso III, conforme interpretação a contrário senso.147

2.4.3.4 Autonomia da reconvenção e recurso cabível quanto ao

indeferimento da inicial do réu reconvinte

Dois temas que ainda merecem algumas observações em relação à reconvenção,

especialmente considerando o cotejo que se pretende realizar com a ação declaratória

incidental, as ações dúplices e o pedido contraposto, são a característica da autonomia da

reconvenção prevista no artigo 317 do Código e o recurso apropriado quanto ao

145 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 156. 146 Coqueijo Costa, Reconvenção, Revista Brasileira de Direito Processual Civil, n. 2, p. 35-36, jun. 1974. 147 Nesse sentido: TJSP − Agravo de Instrumento n. 41.414-2, 7ª Câmara Civil, v. u., rel. Tomaz Rodrigues, j.

06.05.1982.

Page 85: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

85

indeferimento da inicial do réu reconvinte, face à alteração da redação do artigo 162,

parágrafo 1º do Código de Processo Civil, empreendida pela Lei n. 11.232, de 22.12.2005.

O artigo 317 do Código de Processo Civil enfatiza a autonomia da reconvenção,

que não se trata, destarte, de ação acessória da originariamente proposta.

Como sublinha Humberto Theodoro Júnior148, a nulidade do pedido do autor não

prejudica o pedido reconvencional, já que a ação e reconvenção são independentes,

devendo ser consideradas per se, sendo a recíproca verdadeira, ou seja, a desistência da

reconvenção ou sua extinção, sem resolução do mérito, igualmente não atinge a demanda

proposta pelo autor reconvindo.

Reportando-se a julgamento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, Nelson

Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery observam que a autonomia antes citada não é

absoluta, porque caso a sentença extinga a ação e reconvenção, e somente o autor

reconvindo apele, o provimento do seu recurso não enseja a reabertura do procedimento da

reconvenção, mas somente da ação principal.149

Ressalta-se que embora autônomas, ação e reconvenção não necessariamente

terão julgamentos opostos.

Com efeito, é possível que em ambas os seus autores (autor reconvindo e réu

reconvinte) não logrem êxito ou obtenham procedência parcial.

Basta, nesse aspecto, exemplificar com a hipótese de um cônjuge que tenha

intentado separação judicial litigiosa em face do outro, e haja reconvenção oferecida, tendo

como conexão o pedido, mas com causas de pedir diversas, e ambos não obtenham sucesso

quanto à prova de suas alegações, de tal sorte que o julgamento, na mesma sentença, das

demandas ajuizadas pelo autor reconvindo e o réu reconvinte, poderá obter igual resultado.

148 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 359. 149 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 707. O julgado foi publicado no Boletim AASP 1.699/184.

Page 86: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

86

Por derradeiro, o recurso cabível em função do indeferimento da petição inicial da

reconvenção. No Código de 1939, o recurso previsto era o agravo de petição, nos termos

do artigo 846, segundo o qual “salvo os casos expressos de agravo de instrumento, admitir-

se-á agravo de petição, que se processará nos próprios autos, das decisões que impliquem a

terminação do processo principal, sem lhe resolverem o mérito”.

Não obstante sustentassem o mencionado posicionamento Moacyr Amaral

Santos150 e Pontes de Miranda151, outros, como José Frederico Marques152, entendiam que

o recurso cabível seria o agravo no auto do processo, que era julgado por ocasião da

apelação como preliminar (art. 852 do CPC de 1939), enquanto o agravo de petição subia

nos autos principais (arts. 847 e 848 do CPC de 1939).

A dúvida então existente, no que se refere ao manejo do agravo de petição ou no

auto do processo passou, com a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a envolver

o agravo de instrumento ou a apelação.

Sérgio Bermudes153 e Arruda Alvim154 preconizam o cabimento da interposição

da apelação. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery155 , Vicente Grecco

Filho156, Calmon de Passos157 e João Batista Lopes158 sustentam ser o caso de interposição

de agravo de instrumento.

150 Moacyr Amaral Santos, Da reconvenção no direito brasileiro, 2. tiragem, São Paulo: Max Limonad,

1958, n. 102. 151 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., Rio e Janeiro:

Forense, 1959, v. 11, p. 488. 152 José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 4, p.

232-233. 153 Sérgio Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 496-565, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1975, v. 7, p. 120, n. 101. 154 José Manoel de Arruda Alvim et al., Indeferimento liminar de ação declaratória incidental, reconvenção,

oposição; embargos do devedor e pedido de assistência: recurso cabível, Revista de Processo, São Paulo, ano 1, n. 2, p. 237-240, abr./jun. 1976.

155 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery observam que o processo é o conjunto da ação principal e da reconvenção, de tal sorte que se apenas uma delas for extinta, ainda que com julgamento do mérito, o ato judicial que a extingue é decisão interlocutória, pois o processo não se extinguiu. (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 562).

156 Vicente Greco Filho sustenta que a reconvenção aproveita a base procedimental da ação principal porque é ação, mas simultaneus processus, e o ato do juiz que a rejeita liminarmente não põe fim a todo o processo (Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos tribunais, 16. ed., cit., v. 2, cit., p. 138).

157 José Joaquim Calmon de Passos realça que o indeferimento da petição da reconvenção põe fim à ação reconvencional, mas não extingue o processo, que se mantém com a ação principal (Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 322, n. 224).

158 João Batista Lopes igualmente acentua que a reconvenção é nova ação, mas não enseja novo processo (Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento, São Paulo: Atlas, 2006, v. 2, p. 49).

Page 87: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

87

O dissenso que se encontrava bastante mitigado, predominado o entendimento

pela interposição do agravo de instrumento, em que pese a admissibilidade de eventual

invocação do princípio da fungibilidade, poderá se reacender em função da atual redação

do artigo 162, parágrafo 1º.

Referido dispositivo conceitua sentença como o ato do juiz que implica alguma

das situações previstas nos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil.

A redação anterior definia a sentença como o ato do juiz que punha fim ao

processo, decidindo ou não o mérito da causa.

A modificação da redação do dispositivo se explicaria em função do fato de ter se

passado a adotar o processo sincrético, também no que concerne à obrigação por quantia

certa, sem que haja a necessidade de um novo processo de execução autônomo.

O ato do juiz, portanto, que efetue o julgamento da pretensão não poria mais fim

ao processo de conhecimento, mas apenas à sua primeira fase, que prosseguiria para a

realização do direito constante do título, através de seu cumprimento.

Caso se acolha o entendimento no sentido de que a redação atual do dispositivo

teria consagrado a posição que considera ser a sentença definida pelo conteúdo, e não pela

finalidade, relevantes implicações poderiam advir no processo, abarcando, entre outras, a

hipótese ora abordada.

Se tomada rigorosamente a conceituação da sentença a partir do conteúdo do ato

do juiz, ter-se-ia que analisar a sua subsunção a alguma das hipóteses do artigo 267 e 269.

Assim, o ato do juiz que indeferisse a petição inicial da reconvenção, porque

suscetível de enquadramento no artigo 267, inciso I, ou caso tenha sido feito com base na

decadência ou na prescrição (arts. 269, inc. IV e 295, inc. IV) se trataria de sentença, da

qual seria interponível o recurso de apelação.

Page 88: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

88

Considerando a redação do artigo 520, caput do Código de Processo Civil, o

referido recurso seria recebido no duplo efeito, devolutivo e suspensivo, com evidente

prejuízo à efetividade e à marcha processual.

Parece-nos assim, como já alvitrado por parte da doutrina, que seria preferível o

entendimento de que se teria passado a adotar, após o advento da Lei n. 11.232/2005, um

conceito misto de sentença.

A sentença seria o ato do juiz com o conteúdo dos artigos 267 e 269 do Código de

Processo Civil e que tenha posto fim ao processo, ou a uma das fases do processo.

Vale para ratificar o posicionamento ora externado relembrar que o próprio

Código de Processo Civil, mesmo após a edição da Lei n. 11.232/2005 não teria se

distanciado de tal caminho, tanto assim que, para efeito de embargos, distingue conforme a

decisão que os resolve importe extinção da execução, quando prevê a interposição de

apelação, daquela que não tenha o citado efeito (art. 475-M, § 3º).

As questões examinadas relativas à autonomia da reconvenção, e no que tange ao

recurso interposto, se mostram igualmente relevantes, no que se refere às distinções entre a

aludida forma de contra-ataque do réu e outros posicionamentos que ele poderá adotar,

entre os quais a propositura de ação declaratória incidental, e a formulação de pretensão a

um bem da vida por ele, nas ações dúplices e nas que admitem o pedido contraposto.

2.4.4 Ação declaratória incidental

2.4.4.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica

A respeito da origem da ação declaratória incidental, Humberto Theodoro

Júnior159 afirma que até o Código de 1939, o instituto não merecia referência expressa na

legislação formal, encontrando-se regulamentado nos artigos 5º, 325 e 470 do codex de

1973.

159 Humberto Theodoro Júnior, Ação declaratória incidental, Revista Brasileira de Direito Processual, Rio de

Janeiro, Forense, v. 49, p. 84, jan./mar. 1986.

Page 89: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

89

Consigna que o direito romano conhecia os praeiudicia e as actiones

praeiudiciales. Alude a ensinamento de Adroaldo Fabrício, indicando que os conceitos de

prejudicialidade e coisa julgada atualmente dominantes estão muito próximos aos que

vigiam no direito romano.

Na legislação estrangeira, conforme magistério de João Batista Lopes 160 , o

instituto da ação declaratória incidental deve seus contornos iniciais à doutrina francesa,

transmitindo-se posteriormente aos direitos italiano e alemão.

Na Itália, conforme o autor supra indicado, a elaboração dos autores franceses foi

admitida pela doutrina, embora a legislação não a disciplinasse expressamente.

O Código italiano de 1940, no artigo 34, veio a dispor sobre o instituto, havendo

casos particulares de declaração incidente previstos nos artigos 35 e 318, e no artigo 124

do Código Civil.

Na Alemanha, o § 280 da ZPO prevê a declaratória incidental, que sendo

formulada pelo autor constitui verdadeira ação, e a apresentada pelo réu, uma demanda

reconvencional.

O § 236 da ZPO austríaca regula a ação declaratória, que em Portugal é

disciplinada no Livro I, Título I, Capítulo I, artigo 4º, dispondo entre as espécies de

declarativas as de simples apreciação, visando obter unicamente a declaração da existência

ou inexistência de um direito ou de um fato.

Não resta dúvida que para o exame da ação declaratória incidental, ainda que de

forma sintética, é imprescindível relembrar os limites objetivos da coisa julgada constantes

dos artigos 469 e 470 do Código de Processo Civil e estabelecer um conceito de questão

prejudicial, diferenciando-a da preliminar.

Como é cediço, os artigos 469 e 470 do Código determinam como regra geral que

a coisa julgada material atingirá apenas a parte dispositiva da sentença, vale dizer, aquela

160 João Batista Lopes, Ação declaratória, 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

p. 128-130.

Page 90: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

90

em que o juiz entrega a tutela jurisdicional que lhe foi requerida, decidindo sobre o bem da

vida em disputa, julgando, enfim, a pretensão formulada.

Caso qualquer dos sujeitos da relação processual pretenda expandir o campo da

coisa julgada material, para que passe ela a alcançar também a questão prejudicial que

seria decidida incidenter tantum, na parte da fundamentação da sentença, poderá, então,

intentar a ação declaratória incidental.

Como explica Humberto Theodoro Júnior161, é de suma relevância extremar o

iudicium da cognitio, porque apenas sobre o primeiro é que irá repousar a eficácia da coisa

julgada.

Por iudicium pode-se entender, segundo ele, a conclusão da sentença que

soluciona a lide, a declaração a respeito da relação jurídica principal invocada pelo autor

que proclama a vontade da lei a respeito da pretensão ao bem da vida objeto do petittum.

Já cognitio pode ser entendida como atividade lógica, com que o julgador toma

conhecimento e faz a devida valoração dos fatos e fundamentos de tudo que vai influir no

conteúdo do julgamento.

Celso Agrícola Barbi162 realça que a ação declaratória incidental evita a renovação

de discussão sobre a mesma prejudicial em outras demandas futura entre as mesmas partes

e o risco de decisões conflitantes, em processos diversos, sobre uma mesma questão.

2.4.4.2 Requisitos para a propositura da ação declaratória

incidental

João Batista Lopes163 define a ação declaratória incidental como a ação (e não

mero incidente processual) proposta pelo autor ou pelo réu, em processo pendente, visando

a ampliação do âmbito da coisa julgada material.

161 Humberto Theodoro Júnior, Ação declaratória incidental, cit., p. 95. 162 Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidente, 4. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Forense,

1977, p. 207. 163 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 127.

Page 91: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

91

O autor ainda aponta as principais distinções entre as questões prévias prejudiciais

e as preliminares, com escólio no entendimento de Barbosa Moreira, Thereza Alvim e

Antônio Scarance Fernandes, valendo, pela sua pertinência, transcrever as diferenças

indicadas, já que a ação declaratória incidental apenas pode incidir sobre as primeiras: “a)

a denominação questões prévias refere-se ao gênero de que as preliminares e as

prejudiciais constituem espécies; b) preliminares são as questões cuja solução pode tornar

dispensável ou inadmissível o ajuizamento das questões dela dependentes; c) prejudiciais

são as questões cuja decisão influenciará ou determinará o conteúdo da questão

vinculada.”164

O autor menciona posição de Arruda Alvim que, com fulcro nas lições de Salomi,

Chiovenda e Menestrina, distingue entre ponto prejudicial, questão prejudicial e causa

prejudicial, a saber:

“1º) ponto prejudicial é o antecedente lógico incontroverso; 2º) questão prejudicial é o antecedente lógico controvertido, o qual deve ser resolvido pelo juiz no mesmo processo, e diríamos nos lógico-jurídicos controvertidos; 3º) a causa prejudicial é aquela que surgindo antes ou depois da litispendência da causa prejudicada terá que ser resolvida antes desta, em processo autônomo ou mediante declaratória incidental ou reconvenção se surgida após a litispendência prejudicada, acrescentamos.”165

Athos Gusmão Carneiro, citando Hugo Alsina, alude à dificuldade em precisar o

conceito de prejudicialidade, parecendo-lhe razoável definir como prejudicial toda questão

que constitua um antecedente lógico da sentença, e que se baseie em “una relacíon

sustancial independiente de la que motiva a litis”.166

Arruda Alvim arrola os seguintes requisitos para o pedido de julgamento da ação

declaratória incidental, assinalando que quanto ao mais se aplicariam as regras gerais, quer

as relativas às condições da ação, quer as de índole estritamente processual:

“1º) que o julgamento a respeito da questão prejudicial pudesse ser objeto de demanda autônoma, o que significa que, em última análise, a pretensão à declaratória incidental expressa um bem da vida;

164 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 134. 165 Ibidem, mesma página. 166 Hugo Alsina, Las cuestiones prejudiciales en el processo civil, EJEA, 1959, apud Athos Gusmão

Carneiro, Ação declaratória incidental no novo Código de Processo Civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 93, v. 822, p. 755-758, abr. 2004.

Page 92: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

92

2º) ademais, que exista entre a demanda incidental e a principal uma relação de prejudicialidade; ou seja, que a causa que vai ser julgada, através da declaração incidental, constitua-se num aspecto prejudicial da outra questão e, que, mediante a declaração incidental passe a ser verdadeiramente uma causa prejudicial; 3º) que a questão prejudicial seja controvertida.”167

Considerando os requisitos antes indicados, resulta, em princípio, indispensável a

apresentação da contestação pelo réu para que surja a litigiosidade exigida para efeito de

propositura da ação declaratória incidental.

O exame do artigo 321 do Código de Processo Civil seria, contudo, suscetível de

causar dúvidas, já que no referido dispositivo está previsto que caso o réu seja revel e o

autor pretenda demandar declaração incidente, será necessário promover nova citação.

Como menciona Adroaldo Fabrício 168 , pode-se, com fulcro na doutrina,

vislumbrar ao menos três hipóteses em que a revelia não impediria a declaratória

incidental, que seriam as seguintes: a) quando o revel foi citado por edital ou com hora

certa e o curador especial provocou a litigiosidade superveniente; b) quando, além do réu

revel, existem litisconsortes passivos que contestaram a ação; c) quando dois processos

conexos são reunidos para instrução e julgamento conjunto, sendo que o réu é revel num e

não é no outro, e a questão prejudicial é suscitada naquele em que não há revelia, deverá

também produzir efeito sobre o sujeito à revelia.

Outra questão que é de grande relevância, especialmente sopesando as atitudes

que réu pode vir a adotar, reside na legitimidade para o ajuizamento da ação declaratória

incidental.

Cabe quanto à legitimidade observar que o artigo 5º do Código de Processo Civil

prevê a possibilidade de qualquer das partes intentar a ação declaratória incidental.

167 José Manoel de Arruda Alvim, Ação declaratória incidental, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos

Tribunais, ano 5, n. 20, p. 13, out./dez. 1980. 168 Adroaldo Furtado Fabrício, A ação declaratória incidental, cit., p 136-137, n. 60.

Page 93: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

93

No conceito de parte devem ser incluídos os opoentes e opostos, bem como os

litisconsortes, e sendo este não unitário, um deles ou alguns poderão figurar como partes da

ação declaratória incidental, tanto no pólo ativo, como passivo.169

Sobre a eventual extensão subjetiva da coisa julgada material em relação aos

demais litisconsortes, Arruda Alvim170 adverte que cada um propondo a ação declaratória

incidental a confinará com referibilidade a si. Ressalva que embora já se encontram

litisconsorciados, aqueles que seriam atingidos pela res judicata no litisconsórcio unitário

formado pela propositura da ação, não se justifica, todavia, que com a declaratória

incidental ficassem os mesmos litisconsortes submetidos à autoridade da coisa julgada, que

agora viria pesar sobre a relação prejudicial, pois se estaria, também, diante de uma única

lide, com pluralidade de sujeitos.

O assistente não sendo parte não poderá ajuizar a ação declaratória incidental,

facultado-lhe, entretanto, manter tal qualidade na declaração incidente.

Além dos requisitos retro indicados, podem ser citados: a competência absoluta do

órgão jurisdicional para apreciação da ação declaratória incidental (arts. 109, 111 e 470 do

CPC) e que a “relação jurídica litigiosa se situe fora do pedido, que se cuide de

pronunciamento meramente declaratório e que haja identidade do tipo de procedimento

adotado para a ação subordinada e subordinante e que o processo seja de cognição

ampla”.171

Assim, não admitiriam a propositura de ação declaratória incidental as ações de

consignação em pagamento, possessórias (art. 923, que veda discussão sobre o domínio),

inventário (art. 984), mandado de segurança (art. 15 da Lei n. 1.533/51), busca e apreensão

de coisa gravada com alienação fiduciária (art. 3º e § 2º do Dec.-Lei n. 911/69), alimentos

(art. 2º da Lei n. 5.478/68) e desapropriações (Dec.-Lei n. 3.365/41).

169 Humberto Theodoro Júnior, Ação declaratória incidental, cit., p. 107, com escólio em Adroaldo Fabrício e

Pontes de Miranda. 170 José Manoel de Arruda Alvim, Ação declaratória incidental, cit., p. 12. 171 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 136-137.

Page 94: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

94

2.4.4.3 Reconvenção e ação declaratória incidental −−−− Distinções

Como o artigo 5º antes citado menciona a legitimidade de qualquer das partes para

intentar declaração incidente, não pairaria dúvida sobre a possibilidade do réu fazê-lo.

Ocorre todavia que grassa considerável dissenso na doutrina sobre se estaria o réu,

ao intentar a ação declaratória incidental, na realidade oferecendo reconvenção.

Barbosa Moreira172 entende que a ação declaratória incidental ajuizada pelo réu

equipara-se substancialmente a uma reconvenção.

Destaca que a reconvenção pode ser utilizada com a finalidade típica da ação

declaratória incidental, para ensejar o pronunciamento, com força de coisa julgada, sobre

questão prejudicial da suscitada principaliter na ação do autor-reconvindo.

Reconhece a existência de pontos de contato e até de certa fungibilidade entre a

reconvenção e a ação declaratória incidental, mas consigna que os dois institutos são

diversos, nos seus requisitos de admissibilidade e disciplina formal. Sustenta ser aplicável,

por analogia, à ação declaratória incidental, o disposto, quanto à reconvenção, no artigo

253, parágrafo único do Código de Processo Civil.

Humberto Theodoro Júnior 173 entende que para o réu, a ação declaratória

incidental pode normalmente ser manejada através da reconvenção, concordando, em tal

ponto, com a posição de José Frederico Marques.174

Athos Gusmão, reportando-se ao entendimento de Chiovenda, sustenta que a

declaratória incidental por parte do réu é uma espécie de reconvenção, mas costuma-se

reservar o nome de “reconvenção” para o caso em que o réu intenta uma ação condenatória

ou constitutiva. Quando o réu se limita a requerer uma declaração positiva ou negativa,

utiliza-se da declaratória incidental.

172 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit.,

p. 92-93. 173 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 366. 174 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1974, v. 2, p. 105, n. 397.

Page 95: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

95

Refere-se ainda à posição de Galeno de Lacerda, para quem a declaração

incidente, quando formulada pelo réu, é uma demanda reconvencional com pedido sempre

declaratório negativo (exceto se a ação principal for declaratória negativa, caso em que a

declaração incidente do réu terá caráter declaratório positivo); se apresentada pelo autor, é

sempre positiva (salvo quando a ação principal for declaratória positiva, caso em que terá

caráter negativo).

Ernani Fidélis admite a declaratória incidental pelo autor ou pelo réu, mas ressalta

que apesar da lei não dizer, pelo princípio da eventualidade, deverá ela ser requerida com a

contestação, e observa: “O autor terá o prazo de dez dias para promover a ação declaratória

incidente, prazo que abre forçosamente, por despacho judicial, quando o juiz verificar, na

contestação, questão prejudicial (323). Se não o fizer, porém, o prazo do autor terá início a

partir do conhecimento da contestação do réu, ou seja, pela primeira vez que tiver de falar

nos autos.”175

Não obstante seja forçoso reconhecer a existência de pontos de convergência entre

a reconvenção e a ação declaratória incidental, e admitida excepcionalmente sua

fungibilidade, como defende Barbosa Moreira, não há dúvida que existem diferenças claras

entre os dois institutos.

Arruda Alvim adverte que vários autores têm sustentado que a declaratória

incidental proposta pelo réu sê-lo-ia sempre por via reconvencional, mas considera não ser

correta tal posição, arrolando as razões que o levaram a tal conclusão, a saber:

“1ª) se a lei distingue, nitidamente, entre reconvenção e declaratória incidental, não é lícito ao intérprete deixar de acatar a distinção; 2ª) na reconvenção, propriamente dita, existe causa petendi e pedidos, que são encartados no processo, via de regra, contrapostamente à ação nela contida; 3ª) na ação declaratória incidental, o que ocorre é, exclusivamente, solicitação de que, também sobre a relação prejudicial, que seria necessariamente examinada, tendo havido ou não, ação declaratória incidental, sobre essa matéria se opere a autoridade da coisa julgada; 4ª) na reconvenção, o reconvinte traz a sua causa petendi e o seu pedido, ao passo que, na ação declaratória incidental, diversamente, a matéria já consta do processo, ou seja, o ponto (relação subordinante ou prejudicial) é trazido ao processo pelo autor, e o réu, contestando-o (contestando a

175 Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p.

398.

Page 96: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

96

relação prejudicial) transmuda-o em questão, e a respeito solicita (= formula pedido, propondo ação) autoridade de coisa julgada; 5ª) a ação declaratória incidental apóia-se sempre sobre questão prejudicial, ao passo que isto não ocorre, necessariamente, com a reconvenção; 6ª) pode haver reconvenção, sem que tenha havido contestação, o que inocorre com a ação declaratória incidental – praticamente sempre (v. art. 321) – porquanto o tornar litigiosa a relação subordinante é um dos pressupostos da proponibilidade de ação declaratória incidental; 7ª) à reconvenção não-impugnada aplicar-se-á o artigo 319, quanto àqueles fatos que, no processo, não resulta a evidência contrária; diversamente, o artigo 319 é inaplicável à ação declaratória incidental, porque: a) se proposta a ação declaratória incidental, necessariamente já se terá criado controvérsia a respeito da relação prejudicial, e, portanto, deverá, ipso facto, haver atividade probatória; b) outrossim, e, da mesma forma, se vier a ser proposta pelo autor, também por causa da contestação à relação prejudicial, que é um dos pressupostos do cabimento da ação declaratória incidental, terá de haver, igualmente atividade probatória.”176

Enfatiza o aspecto divergente quanto ao regime jurídico da ação declaratória

incidental e da reconvenção.

Uma vez que a declaratória é incidente, ocorrendo a extinção do processo sem

resolução do mérito, e já tendo sido ela proposta e admitida, todo o feito se extinguirá,

inclusive o pedido de declaração incidental formulado por qualquer das partes.

O regime jurídico será outro em se tratando de reconvenção, já que o artigo 317

prevê a sua autonomia.

Em que pese a relevância das distinções antes indicadas, parece-nos conveniente

não olvidar, como anteriormente exposto, que a revelia do autor reconvindo ou do réu

reconvinte não necessariamente conduzirá à presunção de veracidade dos fatos alegados

pelo adversário, e que o objeto da declaratória incidental é mais restrito.

Com efeito, se através da reconvenção pode ser ajuizada ação de qualquer

natureza jurídica, na declaratória incidental seu fito será sempre uma declaração positiva

ou negativa, quando à existência ou inexistência de relação jurídica de direito material que

poderia ser objeto de demanda autônoma.

176 José Manoel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.

325-326.

Page 97: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

97

Vale ainda notar que a legitimidade para a propositura da ação declaratória

incidental é cabível para qualquer das partes, enquanto a reconvenção, exceto se admitida a

sucessiva, apenas se restringe ao réu.

Além disso, à falta de qualquer previsão no Código de Processo Civil quanto ao

procedimento a ser observado após a propositura da ação declaratória incidental, deverá se

seguir o quanto estabelecido para a reconvenção.

Destarte, ajuizada a declaratória incidental, deverá se promover a intimação do

adversário, na pessoa do advogado, nos termos do artigo 316 do Código de Processo Civil,

solucionando-se numa sentença única a ação principal e a incidente.

Pode-se, contudo, dizer, não obstante as distinções feitas, como o faz João Batista

Lopes177, que as conseqüências práticas das diferenças apontadas são pequenas, uma vez

que nada impede que o réu, deixando de pedir a declaração incidente, formule idêntica

pretensão em sede reconvencional.

Tanto a declaratória incidental como a reconvenção são ações, não se confundindo

com a simples contestação do réu, devendo ambas ser oferecidas pelo réu no prazo para a

resposta.

2.4.5 Outras atitudes do réu

Além dos posicionamentos antes indicados, há ainda outros que podem ser

adotados pelo réu, valendo ressalvar que, no caso do procedimento sumário, pela ampla

concentração de atos processuais prevista e a maior proximidade temporal entre eles, na

audiência de conciliação e resposta, poderá se efetuar a argüição de matérias, como a

impugnação ao valor da causa, oralmente.

177 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 132-133.

Page 98: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

98

2.4.5.1 Impugnação ao valor da causa

O artigo 261 do Código de Processo Civil deixa claro que eventual impugnação

ao valor da causa, no procedimento ordinário, deverá ser deduzida em petição própria,

autuando-se em apenso, sem suspensão do processo, pelo que constitui uma forma

específica de resposta do réu.

Nos artigos 259 e 260, o Código de Processo Civil estabelece os critérios ditos

legais ou objetivos para atribuição de valor à causa.

Considerando a complexidade das relações jurídicas e as várias espécies de ações

que podem ser intentadas, se mostraria inviável que o legislador lograsse estabelecer num

rol taxativo todos os valores a serem observados nas diversas causas.

Assim, em não havendo critério objetivo, legal, deve se utilizar o subjetivo, ou

estimativo, tomando-se como parâmetro o proveito econômico buscado com a ação e a

razoabilidade.

É controversa a possibilidade do juiz determinar de ofício sempre a correção do

valor da causa.

Cândido Dinamarco178, não obstante ressalte que há vacilações sobre o tema no

âmbito dos tribunais, entende que sendo o critério do valor da causa legal, o juiz deverá

fiscalizar a sua correção ex officio.

No caso de ser o critério estimativo, o juiz aguardaria eventual impugnação pelo

réu, mas quando o valor atribuído for além do limite de razoabilidade tolerável, o

magistrado agiria de ofício.

Ele o faria porque a matéria relativa ao valor da causa poderia ser objeto de

controle judicial em qualquer momento ou fase do procedimento, já que é de ordem

pública.

178 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 376-377.

Page 99: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

99

O parágrafo único do artigo 261 seria indicativo da preclusão para o réu e não se

aplicaria ao juiz.

Entendemos, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que, em

sendo o critério estimativo ou subjetivo, o controle judicial do valor atribuído à causa seria

excepcional, apenas se justificando quando se ferisse a razoabilidade ou fosse utilizado

para alterar regras de competência ou quanto ao procedimento aplicável, bem como se

distanciasse do proveito econômico buscado.179

2.4.5.2 Impugnação aos benefícos da assistência judiciária

gratuita

O artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal assegura assistência jurídica

integral e gratuita pelo Estado aos necessitados que comprovarem sua situação.

Como a Magna Carta garante igualmente o acesso ao Judiciário (art. 5º, inc.

XXXV), o dispositivo antes referido não revogou o artigo 4º da Lei n. 1.060/50, bastando,

destarte, a simples alegação do interessado para concessão do benefício da assistência

judiciária, militando presunção juris tantum de hipossuficiência em seu favor.180

Caso, portanto, tenha sido deferido o benefício da assistência judiciária gratuita

em favor do autor, poderá o réu não na própria contestação, mas observando os requisitos

formais previstos no parágrafo 2º da Lei n. 1.060/50, apresentar impugnação em peça

própria, sendo ônus dele apresentar prova capaz de afastar a presunção referida.

Relembre-se, por derradeiro, dentro do presente tópico, que como dispõe o artigo

4º, parágrafo 2º da Lei n. 1.060/50, a aludida impugnação não levará à suspensão do

processo e será feita em autos apartados.

179 “A modificação do valor da causa, por iniciativa do magistrado, à falta de impugnação da parte, somente

se justifica quando o critério estiver fixado na lei ou quando a atribuição constante na inicial constituir expediente do autor para desviar a competência, o rito procedimental adequado ou alterar a regra recursal.” (STJ − RESP n. 120.363/GO, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado).

180 Nelson Nery Junior; Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 1.459.

Page 100: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

100

2.4.5.3 Incidente de falsidade

O Código de Processo Civil disciplina nos artigos 390 a 395 o incidente de

falsidade.

No caso do réu, poderá provocar o incidente no prazo da contestação, quando o

documento tenha instruído a petição inicial, ou em dez dias, contados da intimação de sua

juntada aos autos.

Em função da complexidade da matéria ora em foco, certamente sua abordagem

poderia envolver vários aspectos relevantes e divergentes, o que, contudo, extrapolaria o

tema desta dissertação.

Assim, se procurará apenas discorrer sobre alguns pontos que possam dizer

respeito mais diretamente à resposta do réu.

Pode-se distinguir entre falsidade de assinatura e falsidade do documento,

material e ideológica.

Consoante mostra Humberto Theodoro Júnior 181 , a primeira não reclama o

incidente de falsidade, já que a fé do documento particular cessa a partir do momento em

que lhe for contestada a assinatura, de tal sorte que a sua eficácia probatória não se

manifestará, nos termos do artigo 338, inciso I, enquanto não se lhe comprovar a

veracidade.

Conforme o autor, a falsidade material se dá nas hipóteses em que o vício se

manifestou na elaboração física do documento, e não na vontade declarada.

A falsidade ideológica seria aquela que se caracteriza quando a declaração,

consciente ou inconscientemente, revela um fato inverídico, que adviria de simulação ou

dos vícios de consentimento.

181 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 410-411.

Page 101: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

101

Em outras palavras, a falsidade material se refere ao suporte do documento,

entendido este como o material sobre o qual a expressão do fato se manifesta, enquanto a

ideológica teria como objeto o seu conteúdo.182

Não obstante eventuais divergências sobre a questão filiamo-nos à corrente que

considera cabível o incidente de falsidade apenas no que re refere à falsidade material.

Arruda Alvim183, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery184 e José

Frederico Marques185 posicionam-se contrariamente à admissibilidade do incidente em

relação à falsidade ideológica.

Com efeito, o próprio Código de Processo Civil, no artigo 392, caput, alude à

necessidade de prova pericial, que seria inócua, em tese, para demonstração da falsidade

ideológica, conquanto já tenha se decidido ser possível sua demonstração por outros

meios.186

Ao provocar o incidente antes referido, à semelhança do que ocorre com a ação

declaratória incidental a parte objetiva obter uma decisão com força de coisa julgada

material sobre a autenticidade ou falsidade do documento.

Em que pese tal ponto comum, cabe ressalvar que o incidente de falsidade tem

sempre objeto um fato, vale dizer, a autenticidade ou falsidade de um documento, enquanto

a ação declaratória incidental, como antes destacado, visa declarar a existência ou

inexistência de uma relação jurídica entre as partes.

Além disso, quando caracterizado eventual vício social ou de vontade, a parte não

visa, em regra, apenas obter uma sentença que declare a sua ocorrência, mas uma decisão

182 Luiz Rodrigues Wambier; Flávio Renato Correia de Almeida; Eduardo Talamini, Curso avançado de

processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, cit., p. 506. 183 José Manuel de Arruda Alvim reporta-se aos seguintes julgados: RT 539/85; RJTJSP 64/145 e 88/285;

JUTACivSP 60/252 (Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p. 507). 184 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 748-749. 185 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, Atualizado por Vilson Rodrigues Alves,

Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 100. 186 RP 6/285 (Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e

legislação extravagante, cit., p. 749).

Page 102: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

102

que possa desconstituir o ato viciado, para o que seria indispensável o ajuizamento de ação

constitutiva negativa.

Desse modo, se o documento contiver algum vício social ou de vontade, poderá a

parte demonstrar que ele não é merecedor de fé, nos termos do artigo 372, parágrafo único.

Como enfatiza João Batista Lopes187, a discussão sobre o conteúdo ideológico do

documento envolve perquirição de vícios que conduzem à anulação do ato, somente

alcançável pela ação constitutiva, enquanto a sentença proferida na ação incidental de

falsidade não cria, modifica, nem extingue direito, limitando-se à afirmação da qualidade

jurídica do documento.

Por derradeiro, pode-se mencionar que o Código de Processo Civil estabelece

procedimentos diversos, conforme o documento tenha sido oferecido antes da audiência

(art. 391) ou depois de encerrada a instrução (art. 393).

No primeiro caso, haveria duas ações que tramitariam em simultaneus processus,

correndo ambas nos mesmos autos do processo da ação originária. Na segunda hipótese, o

incidente correrá em apenso aos autos principais.

O artigo 395 do Código de Processo Civil define como sentença o ato do juiz que

resolve o incidente, declarando sua falsidade ou autenticidade.

Tomando-se literalmente o disposto no artigo 395, do ato praticado pelo juiz

resolvendo o incidente caberia a interposição de recurso de apelação.

Poder-se-ia ainda considerar que na primeira hipótese (art. 391), o ato praticado

pelo juiz seria uma decisão interlocutória e, no caso do artigo 393, uma sentença.

Por fim, em ambas as hipóteses se teria uma decisão interlocutória, considerando

a finalidade do ato, uma vez que não poria fim ao processo, que prosseguiria para

julgamento da pretensão formulada pelo autor em face do réu.

187 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 110.

Page 103: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

103

A redação atual do artigo 162, parágrafo 1º, advinda da Lei n. 11.232/2005 antes

referida, teria o condão de encerrar eventual celeuma, se aceita a concepção de que desde a

edição do aludido diploma legal, passou-se a adotar uma conceituação de sentença

levando-se em conta exclusivamente o conteúdo do ato.

Reportamo-nos ao quanto consignado ao abordar o recurso cabível do

indeferimento da reconvenção, para referendar o entendimento de que a sentença seria

definível por um critério híbrido, levando em conta o conteúdo e a finalidade do ato.

Tais argumentos nos levariam, respeitando as posições contrárias, à conclusão de

que o ato praticado pelo juiz ao decidir sobre o incidente de falsidade continuaria a ser uma

decisão interlocutória atacável por agravo, seja na hipótese do artigo 391, seja na do artigo

393.

Ressalvaríamos apenas o caso de existir como único ponto controverso a questão

relativa à autenticidade ou falsidade do documento, que uma vez dirimida, viesse a ensejar

a prolação de uma sentença o resolvendo e decidindo sobre a pretensão, da qual caberia,

por óbvio, o recurso de apelação.188

De todo, entendemos que mesmo depois da edição da Lei n. 11.232/2005, subsiste

a possibilidade de invocação do princípio da fungibilidade recursal, já que presentes os

pressupostos da dúvida objetiva e da inexistência de erro grosseiro.

Convém, por fim, notar que não provocado o incidente de falsidade no prazo,

inexiste impedimento para que se ajuíze demanda autônoma, nos termos do artigo 4º do

Código de Processo Civil (ação declaratória de falsidade), ou mesmo para que se intente

ação rescisória, após o trânsito em julgado, com fulcro no artigo 484, inciso VI do estatuto

processual civil.

188 Posição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 449.

Page 104: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

104

2.4.5.4 Intervenção de terceiros

Das formas de intervenção de terceiros previstas nos artigos 56 a 80 do Código de

Processo Civil, poderá o réu, no prazo de resposta, promover a nomeação à autoria (arts.

62 a 69), oferecer denunciação da lide (arts. 70 a 76) ou provocar o chamamento ao

processo(arts. 77 a 80).

Limitamo-nos, a fim de não transbordar o tema próprio da dissertação, a relembrar

alguns pontos das formas de intervenção de terceiros que o réu pode ensejar.

No caso da nomeação à autoria, tem-se um dever (art. 69 do CPC), através do qual

aquele que foi equivocadamente inserido no pólo passivo da relação processual (detentor,

art. 62 ou preposto, art. 63), indica ao autor quem ostenta legitimidade ad causam, para

ocupar o seu lugar, livrando-se assim dos eventuais efeitos processuais e materiais da

sentença a ser prolatada.

Trata-se, nos termos dos artigos 64 a 68, de um ato complexo que demanda a

concordância, expressa ou tácita, do autor e do nomeado.

A denunciação da lide é uma ação condenatória, secundária ou eventual, intentada

por quem figure como parte em ação que se encontra em curso (litisdenunciante) em face

de terceiro (litisdenunciado), obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar o denunciante,

caso sucumba na ação principal.

Através dela se pretende a formação de um título executivo em favor do

denunciante, em face do denunciado.

Diz-se secundária ou eventual porque pressupõe uma ação principal em curso, e

ainda porque apenas haverá interesse processual na sua apreciação se o denunciante vier a

sucumbir na ação originariamente proposta.

Page 105: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

105

No chamamento ao processo, instituto exclusivamente exercitável pelo réu, esse,

uma vez demandado, traz aos autos o devedor principal, o co-devedor ou co-obrigados,

ensejando, conforme posição predominante na doutrina, a formação de um litisconsórcio

passivo, ulterior, facultativo, simples, a fim de que cada um deles passe a responder por

suas respectivas cotas na dívida comum.

Cumpre notar que o Código de Processo Civil, no artigo 75, disciplina a

denunciação da lide feita pelo réu, e o artigo 79 manda que se observe, quanto ao

chamamento ao processo, em relação à citação e prazos, o disposto nos artigos 72 e 75,

aplicáveis à denunciação da lide.

Carece o Código de Processo Civil de uma disciplina mais pormenorizada quanto

à forma da denunciação da lide, quando feita pelo réu ou no que se refere ao chamamento

ao processo.

Diante de tal omissão, tem-se admitido que a denunciação da lide e o chamamento

ao processo se efetuem na própria contestação ou em peça própria, mas necessariamente

dentro do prazo de resposta, devendo resultar inequívoca a intenção de provocar a

intervenção do terceiro.

Relembre-se ainda que no procedimento sumário, o artigo 280 do Código de

Processo Civil veda a intervenção de terceiros, salvo fundada em contrato de seguro, e que

a Lei n. 9.099/95 é ainda mais restritiva, não contemplando em seu artigo 10 qualquer

exceção.

Mencionadas restrições se justificam porque as formas de intervenção de terceiros

provocam a suspensão do feito, o que se mostra incompatível com a celeridade e a ampla

concentração buscada tanto no procedimento sumário, como no que tange ao Juizado

Especial.

2.4.5.5 Da revelia

Page 106: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

106

2.4.5.5.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica

No período da legis actionis, o réu era convidado a comparecer a juízo e, caso se

recusasse, a lei permitia ao autor compeli-lo, através da força (manus injectio), o mesmo

ocorrendo diante da reação do réu ou da tentativa de sua fuga, razão pela qual se poderia

afirmar que ser inadmissível, nessa fase do direito romano, a contumácia.

Na litiscontestatio, o autor poderia exigir a presença do réu em juízo, salvo se esse

apresentasse uma garantia (vindex).

Conforme Zanzucchi189, face à inviabilidade de se trazer o réu a juízo, autoriza-se

o autor entrar desde logo na posse dos bens do devedor ou do escravo.

Em comparecendo o réu, e mantendo-se todavia inerte, era tido como confesso.

J. J. Calmon de Passos 190 observa que no período formular, caso o réu não

atendesse à convocação para comparecimento a juízo, além de uma multa pecuniária

chamada de missio in bona, o magistrado autorizava o autor a apossar-se dos bens de

demandado como garantia, facultando-se, por vezes, a venda deles.

De outro lado, como assinalado por Luiz Justo Severo Tordino191, reportando-se a

magistério de Affonso Braga, nessa fase já existiam a reiteração da citação com tríplice

denuntiatio ou o edictum peremptorium, de tal sorte se o autor, depois da citação, deixasse

de comparecer, o réu poderia exigir que a causa fosse julgada imediatamente e o juiz

pronunciasse a sua absolvição.

No período da extraordinaria cognitio, o réu era chamado a juízo através da

denuntiatio (forma oral), edictum (édito) ou da litterae (forma escrita).

189 Marco Túlio Zanzucchi, Diritto processuale civile, Milano: Giuffrè, 1947, p. 115. 190 José Joaquim Calmon de Passos, Da revelia do demandado, Salvador: Progresso, 1960, p. 22. 191 Luiz Justo Severo Tordino, A revelia e o julgamento antecipado da lide no novíssimo Código de Processo

Civil, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 4, p. 147-175, 1973.

Page 107: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

107

Não atendida a citação pelo réu, era julgado contumaz (contumax), mas o autor

devia provar sua pretensão, e caso não o fizesse, seu pedido seria recusado. Ambas as

partes, no direito justiniano, estavam obrigados a prestar caução, assegurando seu

comparecimento a juízo.

Menciona o autor, com base em ensinamento de Leo Rosemberg, que, em

havendo recusa por parte do réu em receber o libellus conventionis, o juiz fazia o exame

sumário do mérito, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor. No caso de ausência, após a

litiscontestatio, efetuava-se a inquirição unilateral dos direitos e prolatava-se a sentença,

dando ganho de causa ao autor ou ao réu.

Ao abordar o processo no período da extraordinaria cognitio, José Rogério Cruz e

Tucci e Luiz Carlos de Azevedo192 aludem ao fato de que, na famosa lex properandum (C.

3.1.13 a. 530), ficou estabelecido o procedimento em caso de ausência (eremodicium) de

uma das partes após a litis contestatio.

Notificava-se o faltoso por três vezes, antes que se completasse o prazo de

prescrição intercorrente (3 anos); não comparecendo, a sentença era prolatada. O

contumaz, autor ou réu, independentemente do resultado da causa, era sempre condenado

nas despesas processuais e, admitido a purgar a contumácia, só podia retomar a iniciativa

do feito depois de pagos os prejuízos acarretados ao outro litigante.

No direito canônico, o não comparecimento, tido como desprezo à autoridade pela

parte, era punido com excomunhão, distinguindo-se a ausência do réu na primeira

audiência, quando o juiz imitia o autor provisoriamente na posse de seus bens, ou posterior

à litiscontestatio, quando se procedia à setentia in eremodicio, ou seja, com exposição

unilateral, com decisão favorável ao autor, exceto quando seu direito não estivesse bem

definido.

Nas Decretais de Gregório IX (1234), institui-se relevante princípio sobre a

contumácia, chamado de accusatio contumaciae, pelo qual a contumácia não poderia mais

ser decretada de ofício, dependendo de pedido da parte contrária.

192 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p.

161.

Page 108: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

108

Conforme Marcelo Abelha193, nas Ordenações Afonsinas, embora já prevista a

contumácia, não se aplicava a confissão ficta.194

Nas Ordenações Afonsinas, caso o autor fosse revel, somente poderia intentar

nova ação comprovando o pagamento das custas do processo anterior, extinto sem

resolução do mérito, diante de sua ausência. Para o réu, em se tratando de ação real, a

revelia autorizava a imissão na posse definitiva pelo autor, e sendo a ação pessoal, o

demandante, provadas as suas alegações e obtida a condenação do demandado, poderia

promover a execução dos bens do patrimônio do devedor.

Nas Ordenações Manoelinas, segundo o referido autor, o aspecto peculiar se

assentava no fato de que se o réu já tivesse recebido o libelo, o processo prosseguiria

mesmo à revelia do autor, julgando o magistrado em favor de quem tinha razão.

Além disso, a revelia do réu não mais importava em imissão na posse dos seus

bens pelo autor, podendo o demandado comparecer até antes da sentença, recebendo o

processo no estado em que se encontrava.

Nas Ordenações Filipinas, não houve grandes alterações, destacando-se apenas a

contumácia do autor, bem como o recurso de agravo de petição ou de instrumento contra a

sentença que decretasse a absolvição da instância.

Os Regulamentos ns. 737/1850 e 763/1890 teriam, conforme o autor supra

indicado, mantido o regime das Ordenações Manoelinas.

As alterações mais relevantes operaram-se com o Código de 1939, que nos seus

artigos 34, 38, 80, parágrafo 1º, alínea “b” e 90, passou a distinguir contumácia e revelia,

prevendo ainda os principais efeitos processuais dessa última, como a aplicabilidade da

193 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, 2. ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003, v. 2, p. 337 e ss. 194 Livro III, Título XVII das Ordenações Manuelinas : “1. Se o citado parecer perante o juiz, e o que o citou

não parecer ao termo, se o outra vez citar, esse Reo nom lhe respondera até que lhe pague as custas; e se na segunda citação o autor não parecer per sy, nem por outrem, e o citar a terceira vez, nunqua já mais será theudo o Reo de lhe responder sobre aquello, porque jaa foi citado duas vezes, e o autor sempre foi revel, como dito he.”

Page 109: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

109

admissão de veracidade dos fatos alegados pelo autor e não impugnados pelo réu (art. 290)

e o transcurso dos prazos, independentemente de intimação ou notificação.

Não obstante houvesse divergência quanto à aplicação da sanção de presunção de

veracidade, o que fora afastado nas Ordenações Manoelinas, acabou-se por adotá-la

expressamente no artigo 319 do Código de Processo Civil de 1973.

2.4.5.5.2 Da revelia −−−− Espécies e efeitos

Não obstante existam autores como Calmon de Passos 195 e Gabriel José de

Rezende Filho196 que considerem sinônimos os termos contumácia e revelia, podemos

dizer que a contumácia é o gênero.

A contumácia é a ausência de qualquer das partes, enquanto a revelia pode ser

tomada em várias concepções.

José Frederico Marques197distingue entre revelia em sentido estrito ou lato.

Revelia em sentido estrito ou revelia específica é a que se caracteriza quando o

réu, citado pessoalmente (ou por seu representante legal), pelo correio ou oficial de justiça,

não contesta a ação, descumprindo o ônus de defender-se (arts. 319 a 322, 285, 324, 330, II

e 803).

A revelia em sentido lato “traduz uma situação processual decorrente da ausência

do réu no processo (revelia por omissão e revelia por não comparecimento) ou, às vezes do

descumprimento de algum ônus especial, como se dá nos casos dos artigos 13, II e 265,

parágrafo 2º”.198

Assinala ainda que a revelia pode ser intencional ou involuntária, ocorrendo a

última quando a ausência do réu se dá por desconhecer a publicação dos editais. Na revelia

195 José Joaquim Calmon de Passos, Da revelia do demandado, cit., p. 14. 196 Gabriel José de Rezende Filho, Curso de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1950, v. 2, p. 124. 197 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1997, cit., v. 2, p. 96.

Page 110: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

110

apenas por ausência, seja ela intencional ou involuntária, não há descumprimento pelo réu

do ônus de defender-se, pelo que não se verificam os efeitos previstos nos artigos 319 a

321.

Não há que se confundir entre a revelia, que decorreria em sentido amplo da

ausência de comparecimento do réu, e em sentido escrito da inexistência da contestação,

com os seus efeitos, que consistem nas conseqüências jurídicas advindas de tal estado.

Sobre os efeitos da revelia, adverte que constituem efeito ou corolário do

princípio dispositivo, ao mesmo tempo que traduzem regra de economia processual.

Para Rita Ginanesini199, a revelia e espécie do gênero contumácia, consistindo na

não apresentação da contestação na forma e prazo legais, não importando se o réu tenha

oferecido exceção ou reconvenção.

Segundo a autora, a lei “é clara e precisa em delimitar o seu efeito à não

apresentação da contestação, sem se referir à existência ou à falta de outras peças”.

Umberto Bara Bresolin200 sustenta, ao reverso, que não é revel o réu que responde

no prazo, por qualquer modalidade distinta da contestação, já que seria de uma

“artificialidade incompatível com o moderno processo civil admitir a verdade de um fato

alegado pelo autor e impugnado pelo réu apenas porque tal impugnação não foi veiculada

em contestação”, preconizando que, em homenagem à verdade real e para evitar situações

paradoxais, há de se reconhecer a eficácia da impugnação veiculada em qualquer das

modalidades de resposta do réu, ainda que diferentes da eleita pelo Código.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery indicam que a revelia pode ser

total ou parcial, formal ou substancial:

“Há revelia parcial quando o réu deixa de impugnar algum ou alguns dos fatos articulados pelo autor na vestibular. Há revelia formal quando não há formalmente a peça de contestação ou quando é apresentada intempestivamente. Há revelia substancial quando, apesar de o réu ter

198 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1997, cit., v. 2, p. 96. 199 Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 9, 66 e

79. 200 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, São Paulo: Atlas, 2006, p. 88-89, Coleção Atlas de

Processo Civil, coordenação Carlos Alberto Carmona.

Page 111: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

111

apresentado a peça, não há conteúdo de contestação, como, por exemplo, quando o réu contesta genericamente, infringindo o CPC 302 caput.”201

Quanto às hipóteses em que não haverá presunção de veracidade dos fatos

alegados pelo autor, em função da revelia, indicam que o rol previsto no artigo 320 não é

taxativo, havendo outras nele não contempladas, como a dos artigos 9º, inciso II, 303,

parágrafo único e 52, parágrafo único.

Como observa Arruda Alvim, a presunção de veracidade dos fatos não leva

necessariamente à procedência do pedido do autor, “pois daqueles fatos, ainda que devam

ser considerados verídicos, segundo a lei, poderão não decorrer as conseqüências tiradas

pelo autor, como poderão eles não encontrar apoio em lei, o que, então, levará, apesar da

revelia, a um julgamento de improcedência”.202

Chiovenda203 entende que a revelia por si só não dispensa da prova do adversário,

devendo o juiz examinar se realmente os fatos estão provados pelo autor.

A eventual presunção decorrente da revelia, se relativa ou absoluta, comporta

divergências, embora a doutrina caminhe no sentido de acolher o primeiro entendimento.

Entendem tratar-se de presunção absoluta, entre outros, Calmon de Passos204 e

Rita Gianesini, posicionando-se essa última da seguinte forma sobre o tema ora em exame:

“O artigo 319 do Código de Processo Civil estabelece uma presunção. Não se há de considerar de nenhuma valia ou efeito a expressão ‘presumirão’, usada pelo legislador no artigo 285. (...) Trata-se de presunção absoluta ou iures et iure. Com efeito, a presunção legal absoluta decorre da própria lei, e, em ocorrendo deverá ser aplicada pelo magistrado, não admitindo prova contra ela. É justamente o que ocorre na hipótese de o réu citado não apresentar contestação, e o caso concreto não se enquadrar nas exceções estabelecidas àquela regra. Isto é, serão ‘reputados verdadeiros os fatos alegados pelo autor’. O réu, em comparecendo, não poderá, ou não surtirá efeito, a produção de prova contra o fato principal ou fato presumido – reputarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Deverá, sim, procurar provar os motivos que o

201 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 708. 202 José Manuel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.

336). 203 Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, § 65. 204 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 348.

Page 112: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

112

levaram a não apresentar contestação, tentando, assim, elidir o fato auxiliar, o qual, quando provado, faz decorrer a presunção absoluta.”205

De acordo com Calmon de Passos:

“O artigo 319 não presume nenhuma declaração ou manifestação de vontade do réu, nem presume qualquer declaração ou manifestação de conhecimento de sua parte, nem busca retirar ou inferir intenções de seu comportamento omissivo. Apenas autoriza o juiz a decidir como se os fatos afirmados pelo autor estivessem verificados no processo. Dispensa-se o juiz da tarefa de verificá-los como se libera o autor do ônus de prová-los.”206

Seguem a corrente amplamente majoritária no sentido de haver presunção

relativa, entre outros, Cândido Dinamarco207 e Ada Pellegrini Grinover, que assim se

posiciona:

“É evidente que se trata de presunção iuris tantum, como se verifica pelos próprios incisos do artigo 302, pelo artigo 131, que consagra o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz e pelo critério do ônus da prova, hoje dominante na doutrina: o juiz apreciará toda a prova aferida nos autos, não importando qual das partes a tenha produzido no processo. Além disso, o próprio artigo 320 abre exceção ao artigo 319, indicando casos taxativos em que, muito embora ocorra a revelia, não se consideram verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, ainda que não contestados.”208

Umberto Bara Bresolin209 acolhe a posição no sentido de se tratar de presunção

relativa, conforme doutrina e jurisprudência amplamente dominantes, posição que se

revelaria coerente com a perspectiva de instrumentalidade do processo, cujo principal

efeito é atuar sobre as regras de distribuição do ônus da prova, invertendo-o.

Assim, caso o réu impugne os fatos alegados pelo autor, o ônus da prova de tais

alegações seria do autor e, na hipótese de se omitir, o sistema imporia ao revel o ônus de

provar o contrário, invertendo o ônus da prova.

Não resta dúvida, como já destacado, que quando se trata de revelia total,

decorrente da ausência de contestação, os efeitos processuais previstos se mostram não

205 Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, cit., p. 74-75 206 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 348. 207 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 534-535. 208 Ada Pellegrini Grinover, Direito processual civil, 2. ed., São Paulo: José Bushatsky, 1975, p. 25. 209 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 138 e 199.

Page 113: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

113

raro mais graves (v.g. arts. 319, 322, 330, inc. I), havendo seu eventual abrandamento

quando se cuidar de revelia em sentido lato (consoante classificação retro), oriunda do

descumprimento de algum ônus processual. Na referida hipótese, fundamentalmente se

teria a aplicação do artigo 322.

Cabe realçar que relativamente à hipótese prevista no artigo 320, inciso I, somente

se tem como aplicável, para elidir os efeitos da revelia, o litisconsórcio unitário, ou quando

os interesses dos litisconsortes forem convergentes ou comuns aos fatos a eles imputados.

Convém lembrar ainda que a Lei n. 11.280/2006 alterou a redação do artigo 322,

para deixar assentado, como já se sustentava na doutrina, que o réu revel que tenha

advogado deverá ser intimado dos atos processuais.

Frise-se que, no caso de citação ficta (com hora certa ou por edital), exige-se o

contraditório efetivo, efetuando-se a nomeação de curador especial, a quem caberá a

intimação dos atos processuais.

Conforme ensinam Rita Gianesini 210 , Calmon de Passos 211 e Umberto Bara

Bresolin212, há atos que deverão ser objeto de comunicação, que são aqueles destinados a

fazer com que a parte faça ou deixe de fazer alguma coisa, destacando-se entre eles: falar

sobre o pedido de desistência formulado pelo autor (art. 267, § 4º); prestar depoimento

pessoal (art. 343, § 1º); exibir documento ou coisa (art. 357).

Quanto à sentença, nada dispõe o Código sobre a necessidade de intimação do

revel sobre sua prolação, havendo porém quem sustente tal direito, em nome do

contraditório efetivo, como Marinoni e Arenhart213, Ada Pellegrini Grinover214 e Calmon

de Passos.215

210 Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, cit., p. 110. 211 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 385. 212 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 163. 213 Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento: a tutela

jurisdicional através do processo de conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 129. 214 Ada Pellegrini Grinover, Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil, São Paulo: José

Bushatsky, 1973, p. 105. 215 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 386-387.

Page 114: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

114

No que tange ao termo inicial dos prazos para o revel, face à alteração introduzida

pela Lei n. 11.280/2006 ao artigo 322, no que concerne aos prazos decorrentes de atos

decisórios, seria o da intimação do autor, o que se dá, via de regra, por meio de publicação

na imprensa oficial216, diferentemente da posição anterior, no sentido de que seria o da

publicação em sentido estrito, ou seja, quando se tornou público em cartório, ou no dia da

audiência, se nela o ato foi praticado.

Cite-se, ademais, a Súmula n. 231 do STF, que faculta ao revel que compareça em

tempo oportuno à produção de provas.

Ao revel que venha a comparecer em juízo quando já ultrapassado o prazo de

resposta, tratando-se de ação que verse sobre direitos disponíveis, restaria a possibilidade

de alegação de matérias de ordem pública não sujeitas à preclusão e a produção probatória

compatível com o estágio em que o processo se encontre.

As distinções ora efetuadas se mostram relevantes para que se possa, no terceiro

capítulo da dissertação, examinar os eventuais efeitos da revelia, considerando a natureza

dúplice da ação ou o pedido contraposto do réu.

2.4.5.6 Do reconhecimento jurídico do pedido

Entre os possíveis posicionamentos do réu, admite-se ainda o reconhecimento

jurídico do pedido, constante do artigo 269, inciso II do Código de Processo Civil.

Pode ser definido como a adesão por parte do réu ao direito material afirmado

pelo autor e de suas respectivas conseqüências jurídicas.

Não se confunde com a confissão. Primeiro, porque apenas o réu pode praticar o

ato e incide sobre o próprio direito material alegado pelo autor.

216 Posição de Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 201.

Page 115: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

115

A confissão, como é cediço, pode advir do autor ou do réu e tem como objeto os

fatos.

Ponto relevante e ao mesmo tempo divergente sobre o tema em apreço é, se

realizado o reconhecimento jurídico do pedido, o juiz estaria vinculado a homologá-lo,

prolatando sentença de mérito, ou se o ato não subtrairia do magistrado o poder de julgar,

mesmo para desacolher a pretensão do autor.

Sustentam que em função do reconhecimento jurídico do pedido, face ao

desaparecimento da lide, deixaria de haver interesse na continuidade do feito, restando ao

juiz homologar o ato praticado pelo réu, entre outros: Cândido Dinamarco217, Moacyr

Amaral218, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery219, Moniz de Aragão220,

Tornaghi221, Barbosa Moreira222 e Humberto Theodoro.223

Posicionam-se no sentido de que o reconhecimento jurídico do pedido não

asseguraria ao autor o direito à obtenção de uma sentença favorável, já que ao reverso se

estaria atribuindo ao ato do réu função jurisdicional de fazer atuar a lei no caso concreto,

que é prerrogativa do Poder Judiciário, entre outros: Moacyr Lobo da Costa224, Celso

Barbi225 e Luiz Eulálio Bueno Vidigal.226

Partidário da última corrente, Marcelo Abelha resume seu entendimento do

seguinte modo:

217 Cândido Rangel Dinamarco, Direito processual civil, São Paulo: Bushatsky, 1975, p. 74. 218 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 15. ed., São Paulo, 1992, v. 2, p. 89. 219 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 639. 220 Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense,

1995, v. 2, p. 547. 221 Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 2, p. 347. 222 José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento,

cit., p. 97. 223 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 288-289. 224 Moacyr Lobo da Costa, Confissão e reconhecimento jurídico do pedido, São Paulo: Saraiva, 1983, p. 88. 225 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, v.

1, p. 212. 226 Luiz Eulálio Bueno Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais,

1974, v. 6, p. 46.

Page 116: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

116

“Destarte, pensamos que a renúncia à pretensão e o reconhecimento jurídico do pedido exigem a extinção do processo com julgamento do mérito, mas não necessariamente ‘chancelando’ o que foi determinado unilateralmente na disposição de direitos pelas partes (incs. II e V do art. 269 do CPC). Assim, tanto no inc. II quanto no inc. V do artigo 269 temos verdadeiro julgamento de mérito, podendo o magistrado decidir de modo distinto do que disse a renúncia e do reconhecimento jurídico do pedido. O fato de quase sempre seguir-se uma sentença de mérito cujo teor seja o mesmo da disposição de direito feita unilateralmente pela parte não tem por condão modificar a natureza da sentença, ou seja não passa ela a ser homologatória por isso. Vem confirmar o exposto o próprio artigo 584, III do CPC, que apenas elenca em tal dispositivo a sentença homologatória de transação, não fazendo menção às demais hipóteses dos incs. V e II do artigo 269 do CPC. Isso porque, quando formadores de título executivo judicial, já estariam encartados no artigo 584, I do CPC.”227

Cabe ressaltar que o artigo 475-N, inciso III do Código de Processo Civil, com a

redação dada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, manteve a redação anterior

do artigo 584, inciso III, no que tange à referência apenas à sentença homologatória da

conciliação ou da transação.

Não obstante o respeito que mereça a corrente que preconiza não ensejar o

reconhecimento jurídico do pedido a necessária resolução do mérito em favor do autor,

pensamos que a melhor posição é a defendida pelos partidários da tese oposta.

Não se trata de mera inércia do réu. Não se cuida de mera admissão de fatos.

Somente se admite o reconhecimento sobre direitos disponíveis, pelo que, estando a

matéria dentro da disponibilidade das partes, não seria aceitável, salvo melhor juízo, que o

juiz, se sobrepondo à vontade livre e espontânea das partes, viesse a julgar diferentemente

do quanto restou da manifestação inequívoca de qualquer delas.

Acreditamos que nem a eventual alegação da busca da verdade real, que seria um

dos aspectos da efetividade do processo, seria hábil a justificar o prosseguimento do feito,

em função de um ato unilateral, inequívoco de qualquer das partes, limitando-se, destarte,

o juiz a examinar os seus aspectos formais e de regularidade.

227 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, cit., v. 2, p. 173.

Page 117: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

117

Como o reconhecimento pode ser parcial ou total, pode-se cogitar de eventual

incompatibilidade ou não de sua prática com o oferecimento da reconvenção, o que seria

aplicável às ações dúplices e ao pedido contraposto.

Tratando-se especificamente da reconvenção e do reconhecimento jurídico do

pedido, vale relembrar a posição externada por Clito Fornaciari, no mesmo sentido da

sustentada por Zanzucchi e Chiovenda, com a qual aquiescemos: “Havendo

reconhecimento, inexiste contestação. No entanto, afigura-se-nos possível, ainda assim, a

reconvenção, em virtude de ser esta autônoma, em relação ao pedido do autor e, por outro

lado, esse posicionamento atende o princípio da economia processual.”228

Desde que possa existir uma relação de independência entre o que tenha se

sustentado na reconvenção, no pedido formulado na hipótese de ações dúplices ou do

pedido contraposto, entendemos ser plenamente possível, em homenagem ao princípio

antes referido, e desde que, por óbvio, o reconhecimento seja parcial, que o ataque

veiculado pelo réu subsista.

228 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 46.

Page 118: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

3 DAS AÇÕES DÚPLICES

3.1 Introdução

Examinadas as diversas possibilidades que se apresentam ao réu, especialmente

no procedimento ordinário, quer para resistir, quer para contra-atacar a pretensão do autor,

passamos à análise das hipóteses em que se reconheça a ele o direito de obtenção do bem

da vida em disputa, sem que para tanto se faça necessário intentar ação, através de peça

vestibular regularmente elaborada.

Nas hipóteses nas quais se reconhece o referido direito ao réu, costuma-se

denominar a ação como dúplice.

Se todavia comparamos as situações previstas pelo legislador, dentro do Código

de Processo Civil ou em legislação processual extravagante onde tal possibilidade foi

deferida ao réu, verificamos que elas possuem pontos de convergência, mas outros que

claramente as diferenciam.

Parece-nos, portanto, primordial que de início se fixe uma linha de distinção.

Os pressupostos e hipóteses albergadas no Código e fora dele, nas quais se defere

ao réu o direito à obtenção do bem da vida disputado, por vezes prescindem de

reconvenção e, em outros, sequer de pedido para alcançá-lo por parte do demandado.

A relação de direito material acaba por ensejar que os litigantes possam ocupar

qualquer dos pólos da relação processual, diferentemente do que de ordinário ocorre

quando há uma predeterminação de legitimações.

Em casos como os ora mencionados, a rejeição do pleito de quem figurou como

demandante conduz, em regra, à satisfação da pretensão do adversário.

Page 119: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

119

Há situações outras, nas quais a possibilidade assegurada ao réu de formular

pretensão à obtenção do bem da vida em litígio não se estriba na relação de direito

material, mas têm por fundamento pressupostos outros.

As distinções feitas, por ora de maneira embrionária, já seriam, salvo melhor

juízo, indicativas de que não poderiam todas as hipóteses, diante das nuances e distinções

que ostentam, estar incluídas num mesmo gênero: ações dúplices.

Para que possamos identificar os aludidos pontos de congruência e de

distanciamento entre as chamadas ações dúplices e o pedido contraposto, se mostra

indispensável examinar alguns aspectos de suma relevância.

Primeiramente, uma prospecção sobre eventuais justificativas teóricas dos

procedimentos especiais, cenário por excelência das ações dúplices.

Posteriormente, passaremos ao exame das denominadas ações dúplices, dentro e

fora do Código de Processo Civil, podendo-se reconhecer que mesmo entre elas há, sem

dúvida, aspectos coincidentes, mas outros que as distinguem.

Feito o referido exame, então examinaremos o procedimento sumário e o pedido

contraposto nela admitido e nas ações que têm curso no Juizado Especial, procurando

enfatizar que o modelo adotado não teria observado as mesmas premissas, nem tampouco

possui as mesmas características das ações dúplices.

3.2 Dos procedimentos especiais

Considerando que justamente é nas ações que seguem procedimento especial,

quer no âmbito do Código de Processo Civil, quer fora dele, que se reconhece o caráter

dúplice, julgamos apropriado, ainda que brevemente, examinar as eventuais justificativas

teóricas para a adoção de rito especial em relação a determinadas demandas.

Se de um lado é possível reconhecer que a existência de procedimentos especiais

teria por fulcro a tutela adequada de determinados direitos materiais (sem que isso

Page 120: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

120

implique em qualquer subordinação do direito processual civil a eles), é forçoso

reconhecer que inexistiria diretriz única nesse sentido.

Sobre o tema, vale mencionar o entendimento de Adroaldo Fabrício:

“O peso da tradição histórica, com as complicações e incongruências decorrentes das múltiplas fontes de influência, nem sempre coesas e entre si coerentes; a eventual interpenetração, em um mesmo processo, de elementos de diversas modalidades de tutela jurisdicional (de cognição, de execução e de cautela); razões de conveniência momentânea e local, com caráter meramente emergencial; até mesmo a simples impaciência do legislador frente à morosidade do aparelhamento judiciário em contratante com a pressão da demanda social − tudo influi no sentido de retirar da vala comum do rito ordinário um número crescente de ‘ações’, em antagonismo com a recomendação da doutrina, esta cada vez mais inclinada à redução numérica dos tipos procedimentais como imperativo da simplificação e da racionalização. Não há negar, por certo, a possibilidade de uma correta sistematização, seja a partir da intrínseca irredutibilidade de certos procedimentos ao ordinário, seja com base na idéia de ‘exceções reservadas’, embora esta acabe por conduzir à suposta sumariedade de todo procedimento especial. O que não se pode aceitar é a proliferação caótica e indiscriminada, submissa a razões sem qualquer compromisso científico.”229

Conforme aponta Antonio Carlos Marcato230, a pretensa celeridade aplicável aos

procedimentos especiais nem sempre prepondera, já que em havendo contestação, alguns

deles passam a adotar o rito ordinário.

Convém relembrar que se há prazos de resposta inferior ao previsto para o

procedimento ordinário (arts. 902, inc. II – ações de depósito, e 915 − prestação de contas),

existem outros que lhe são superiores, como é o caso das ações de divisão e demarcação de

terras (arts. 954 e 968 – vinte dias).

Nesse sentido, o referido autor ainda pondera que o legislador, em relação aos

procedimentos especiais, aludiu apenas à contestação, deixando portanto de considerar as

outras formas de resposta do réu.

229 Adroaldo Furtado Fabrício, Justificação teórica dos procedimentos especiais, Conferência proferida no

Congresso Nacional de Processo Civil – 20 anos de vigência do CPC, Rio de Janeiro, dezembro de 1994, Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 91, n. 330, p. 6, abr./jun. 1995.

230 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, 12. ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 59.

Page 121: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

121

Deve-se porém interpretar a palavra “contestar” no sentido de “resposta”,

observando-se para tanto o prazo fixado para a contestação nos artigos 188 e 191 do

Código de Processo Civil.

Assinala que se a celeridade fosse o escopo precípuo dos procedimentos especiais,

não obstaria que, ao invés deles, se adotasse o rito sumário.

Conclui que a especialidade resultaria das próprias características do litígio

submetido à apreciação judicial e das exigências das pretensões que neles se contêm, o que

tornaria mais aparente a relação entre direito e processo.

Além de tal aspecto, explicaria a adoção dos procedimentos especiais a situação

peculiar da relação material objeto de litígio no processo, mencionando entendimento de

Alberto dos Reis231, no sentido de que a “fisionomia especial do direito” impõe forma

especial de procedimento.

Resta, destarte, evidenciado que múltiplas são as razões para justificar a adoção

dos procedimentos especiais, inexistindo, consoante nota Pontes de Miranda232, uma razão

unitária para fundamentar tal opção do legislador.

Vicente Greco Filho igualmente correlaciona a adoção do procedimento especial à

correção de possível lesão específica de direito material, o que levaria o legislador a por

vezes dar força à posição processual do autor, ora à do réu, ou, ainda, mais poderes ao juiz,

podendo também enriquecer o processo em atos e termos especiais.

Não obstante seja difícil indicar todas as peculiaridades dos procedimentos

especiais, o citado autor enumera algumas das medidas adotadas pelo legislador em relação

a eles, tomando como paradigma o procedimento ordinário que, segundo ele, são técnicas

ou métodos de adequação da tutela jurisdicional à correção da pretensa lesão de direito, a

saber:

“1) altera prazos e seqüência de atos e suprime atos ou termos (v. arts. 938 e 939);

231 Alberto dos Reis, Processos especiais, Coimbra: Coimbra Editora, 1955, v. 1, p. 1-2, n. 1. 232 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro:

Forense, 1977, v. 13, p. 3-4.

Page 122: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

122

2) insere providências cautelares ou executivas (v. possessórias ou ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária); 3) altera a força e efeitos das sentenças (v. despejo, possessórias); 4) funde conhecimento e execução (própria e imprópria), podendo colocar o primeiro como eventual (v. ação de prestação de contas, ação de consignação em pagamento); 5) estabelece regras recursais próprias (v. despejo por falta de pagamento e Lei n. 6.830/80); 6) atribui à ação a natureza de dúplice ou excepciona o princípio da iniciativa de parte (v. possessórias, inventário, prestação de contas); 7) altera a regra geral sobre legitimação ativa ou passiva e intervenção de terceiros (v. casos de substituição processual, citação de ‘terceiros interessados’); 8) antecipa a ocorrência do interesse processual para o momento da ameaça de lesão (v. nunciação de obra nova); 9) condiciona o exercício do direito de ação a pré-requisitos especiais, processuais e extraprocessuais (v. notificação prévia, justificação prévia); 10) atribui ao juiz poderes para atuar, independentemente de outra ação, diretamente no plano do direito material, eliminando ações futuras (v. a instituição de servidão pelo juiz da divisória); 11) excepciona o princípio da atuação por legalidade estrita e autoriza o julgamento por eqüidade; 12) estabelece regras especiais de competência.”233

Ressalte-se que a cognição no plano vertical, nas ações que seguem o

procedimento especial, é plena.

Além disso, o Código de Processo Civil estabelece no artigo 272, parágrafo único,

a aplicação subsidiária das disposições gerais do procedimento ordinário quando houver

omissão no que se refere ao procedimento especial.

Adroaldo Fabrício 234 sustenta que, em regra, deverá haver aplicação do

procedimento ordinário, admitindo contudo que para situações excepcionais, possa incidir

o procedimento sumário.

Dentre as medidas supra relacionadas, iremos nos concentrar no enfoque do

caráter dúplice de algumas ações que seguem o procedimento especial.

Acreditamos que para melhor examiná-las e distingui-las, é fundamental não

olvidar o quanto antes mencionado.

233 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: processo de execução a procedimentos especiais,

16. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 203-204. 234 Adroaldo Furtado Fabrício, Justificação teórica dos procedimentos especiais, cit., p. 10.

Page 123: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

123

Em que pese, como já frisado, ser impossível estabelecer uma razão exclusiva

para a sua adoção, a relação de direito material posta em juízo constitui fator primordial,

que serviria não só para justificar tal opção, mas para realçar o caráter dúplice da ação.

Passaremos, primeiramente, a uma breve retrospectiva histórica das ações

dúplices, para, em seguida, abordar as de procedimento especial previstas no Código de

Processo Civil e na legislação extravagante, que ostentariam ou não tal qualidade.

3.3 Ações dúplices – Breve evolução histórica

Nas Institutas de Gaio, 4, 156-160, constava:

“156. Tertia diviso interdictorum in hoc est, quod aut simplicia sunt aut duplicia (‘Uma terceira divisão é a dos interditos em simples e dúplices’). 157. Simplicia sunt veluti in quid bus alter actor, alter reus est, qualia sunt omnia restitutoria aut exhbitoria: namque actor est, qui desiderat aut exhiberi aut restitui, reus is est, a quo desideratur, ut exhibeat aut restituat .(‘Nos simples, um é autor e outro o réu; tais são todos os interditos restituitórios ou exibitórios; pois o autor é quem deseja a exibição ou restituição da coisa; réu, quem a deve exibir ou restituir’). 158. Prohibitoriorum autem interdictorum (interditum) alia duplicia, alia simplcia sunt. (‘Dos proibitórios, uns são simples, outros dúplices’). 159. Simplicia sunt velutti quibus prohibet praetor in loco sacro aut in flumine publico ripave eius aliquid facere conatur. (‘Nos simples o pretor proíbe ao réu fazer alguma coisa em lugar sagrado, em rio público ou suas margens; pois o autor é quem deseja que não se faça a coisa e o réu, quem a atenta fazer’). 160. Duplicia sunt velui UTI POSSIDETIS interdictum et UTRUBI. Ideo autem duplicia vocantur, quod par utriusque litigatoris in his condicio est, nec quisquam praecipue reuns vel actor intellegitur, sed unusquisque tam rei quam actoris partes sustinet; quippe praetor pari sermone cum utroque loquitur. Nam summa conceptio eorum interdictorum haec est: UTI NUNC POSSIDETIS, QUO MINUS ITA POSSIDEATIS, VIM FIERI VETO: item alterius: UTRUBI HIC HOMO, DE QUO AGITUR (APUD QUEM) MAIORE PARTE HUIUS ANNI FUIT, QUO MINUS IS EGUM DUCAT, VIM FIERI VETO (‘Dúplices são, por exemplo, os interditos uti possidetis e utrubi. Por isso chamam-se dúplices porque neles a condição dos litigantes é idêntica, nenhum se encontra na situação determinada de réu ou autor, mas cada um representa ambos os papéis; por isso o pretor emprega as mesmas palavras, dirigindo-se aos dois. Assim, a forma geral desses institutos é a seguinte: EU PROÍBO SE FAÇA VIOLÊNCIA, DE MODO DEIXARDES DE POSSUIR COMO AGORA POSSUÍS. E a do outro: EU PROÍBO SE FAÇA VIOLÊNCIA, VISANDO IMPEDIR AQUELA DAS PARTES, QUE POSSUI O ESCRAVO EM QUESTÃO

Page 124: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

124

DURANTE A MAIOR PARTE DESTE ANO, DE O LEVAR CONSIGO’).”235

Relembram José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo 236 que no

período formular, nas ações bona fidei, ou seja, nas controvérsias pro socio, mandati e

negotiorum gestio, poderia o réu apresentar pedido autônomo, decorrente do negócio

jurídico, dando origem a um iudicium contrarium, no qual as partes assumiam idênticas

posições processuais, cada um representando ambos os papéis, de autor e réu.

Afirmam que a locução mutua petitio que aparece nas fontes jurídicas clássicas

para indicar um iudicium contrarium constituiria um remédio de natureza reconvencional.

Parece-nos que das Institutas poderíamos extrair a exata concepção do que seria a

ação dúplice.

Por força da própria relação de direito material, inexistira previamente, como não

raro ocorre, uma legitimação predeterminada, de sorte que a um dos litigantes

corresponderia a legitimidade para ser autor e ao outro restaria, na hipótese de eventual

ação em juízo, a de réu, resistindo simplesmente à pretensão alheia.

Nesse diapasão, calham à fiveleta as palavras de Adroaldo Fabrício:

“Em regra, a relação jurídico-processual, estabelecida entre o autor e o Estado-juiz e entre este e o réu, mantém uma polaridade bem definida, no sentido de que uma das partes é a que pede para si um bem da vida e a outra e aquela em face da qual, ou mesmo contra a qual, é pedida a prestação jurisdicional. Quem formula o petitum, em rigor de técnica, é o autor e só ele; o réu, se é que ‘pede’, nada mais pede do que a improcedência da demanda. Certo, o oferecimento eventual de reconvenção inverte, quanto ao objeto desta, aquela polaridade, mas isso em nada afeta a estrutura lógica da relação processual, porque o reconvinte, em verdade propõe uma outra ação, que só acidentalmente se processa nos mesmos autos.

235 Alexandre Correia; Gaetano Sciacia; Alexandre Augusto de Castro Correia, Manual de direito romano, 2.

ed., São Paulo: Saraiva, 1955, v. 2, p. 278-281. Para José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, a descoberta dos denominados Gai institutionum commentarii quattour na Biblioteca Capitular de Verona, em 1816, pelo historiador alemão Barthold Georg Niebuhr, a partir de uma genial intuição de Savigny, revolucionou a história do direito privado em todo o mundo (Lições de história do processo civil romano, cit., p. 31).

236 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p. 85.

Page 125: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

125

Também, em regra, pode-se dizer que o direito material predetermina a priori a polarização, pois é dele que emergem a legitimação ativa e passiva para a causa. Considerados uma certa relação jurídico-material a um dado remédio jurídico-processual, identificadas estão a pessoa que pode ser autor e a que pode ser réu. Muito excepcionalmente, inexiste essa predeterminação das legitimações: a situação jurídica é tal que qualquer dos sujeitos pode ajuizar a ação em face dos demais. Tal ocorre nos juízos demarcatórios e divisórios: não há rigorosamente autores e réus; qualquer dos confinantes ou comunheiros poderia ter tomado a iniciativa. Se há dois sujeitos da relação jurídico-material e qualquer deles pode propor a mesma ação contra o outro, essa ação é dúplice. Geralmente se reconhece essa condição de actio duplex, por exemplo, a de prestação de contas, não tanto pelo fato de as poder oferecer quem as deve, assim como pode exigi-las aquele a quem são devidas (na verdade, são diferentes, em um e em outro caso, as pretensões e os remédios), mas antes pelo efeito secundário de condenação pelo saldo, que faz título executivo contra qualquer das partes, independentemente de quem seja autor ou réu (...).”237

Posição idêntica manifesta Gabriel Rezende Filho:

“Nas ações dúplices, igual e recíproco é o direito que às partes compete promover, podendo, assim, figurar, indiferentemente, como autores os réus. Estas ações assim se denominam porque nelas as partes como que reúnem as qualidades de autor e de réu, podendo, em conseqüência, ser o autor condenado sem necessidade de reconvenção do réu. Nas ações simples, ao contrário, o pedido do autor deve ser julgado procedente ou improcedente, e a única condenação que lhe pode ser imposta pelo juiz é o pagar as custas. Foram os romanos que estabeleceram a classe da judicia duplicia como excepcional, porque em tais ações o réu pleiteia a mesma coisa que o autor: o autor pode tornar-se réu e o réu autor em relação ao mesmo objeto do litígio. A sentença é que definirá, afinal, a posição das partes, colocando uma como autor, outra como réu. Nas ações dúplices, portanto, o réu assume papel ativo, sem perder, contudo, a sua posição de réu, fazendo pedido que não constitui ação nova. São exemplos de ações dúplices a de divisão, a de demarcação, a de partilha, a possessória.”238

Da relação de direito material decorreria, assim, a possibilidade de qualquer dos

sujeitos que a integram figurar como autor ou réu.

Além disso, ao se negar o direito material afirmado pela parte que se apresenta em

juízo como autor, se estaria reconhecendo a pretensão do adversário.

237 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 494. 238 Gabriel Rezende Filho, Curso de direito processual civil, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1957, v. 1, p. 234, §

237.

Page 126: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

126

Araken de Assis 239 consigna que “do prisma material, é dúplice a ação,

provocando o iudicium duplex, na qual a contestação do réu basta à obtenção do bem da

vida. Em regra geral, o autor pede e o réu somente impede: na actio duplex, o ato de

impedir (contestação) já expressa um sentido contrário. Tal característica deriva do direito

material posto em causa(rectius: mérito, pretensão processual ou objeto ltigioso)”.

Não se desconhece a posição de autores como Câmara Leal240 no sentido de que

só a praxe e a lei poderiam conferir caráter dúplice a qualquer ação.

Rigorosamente do ponto de vista técnico, parece-nos que a lei por razões variadas,

como a busca de maior celeridade e concentração de atos processuais, pode, eventualmente

facultar ao réu formular pedido, para obtenção de um bem da vida na própria contestação,

sem que à luz dos magistérios antes expostos, se pudesse falar estritamente em ter se criado

uma ação dúplice, a não ser que tal termo seja usado em sentido lato.

Ter-se-ia que examinar a relação de direito material se haveria ou não uma

polarização previamente definida, se qualquer das partes poderia ocupar o pólo ativo ou

passivo da relação processual, se a rejeição do pedido do autor de per si seria suscetível de

conferir o bem da vida em disputa ao réu.

Acolhida a mencionada posição mesmo algumas ações como as possessórias,

consideradas dúplices, deixariam de se enquadrar em tal moldura.

A não ser que se parta da premissa de que as ações seriam dúplices em sentido

lato ou estrito.

Em sentido lato, seria dúplice a ação, sempre que se permita ao réu a formulação

de pedido que não o de mera improcedência do requerido pelo autor, independentemente

de reconvenção.

239 Araken de Assis, Procedimento sumário, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 93. 240 Antônio Luiz da Câmara Leal, Código de Processo Civil e Comercial do Estado de São Paulo comentado,

São Paulo: Acadêmica 1930, v. 3, p. 488-489.

Page 127: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

127

Em sentido estrito, seria dúplice a ação em que, pela relação de direito material,

qualquer das partes pode figurar em juízo como autor ou réu, e a improcedência do pedido

efetuado pelo promovente implicaria no reconhecimento do direito do adversário.

Dentro dessa esteira, a duplicidade seria natural a algumas ações ou derivaria de

opção legislativa.

A duplicidade poderia se assentar na ausência de “predeterminação das

legitimações”, no dizer de Adroaldo Fabrício, em função da peculiaridade da relação de

direito material ou pelo efeito da sentença, ou ainda pela possibilidade do réu formular

pretensão de direito material na contestação, sem que haja necessidade do oferecimento de

reconvenção, ampliando o objeto litigioso.

Ao abordar as ações consideradas dúplices, afigura-nos possível enfatizar em

quais dos aspectos antes referidos teria se estribado o legislador para fazê-lo.

Cumpre, afinal, dentro do presente tópico, afastar qualquer confusão entre

bilateralidade das ações com o seu caráter dúplice.

A respeito do tema, precisas as ponderações de Kazuo Watanabe241, reportando-se

a entendimento de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Dinamarco, no

sentido de que todo ação é bilateral, “em virtude da direção contrária dos interesses dos

litigantes”, há na ação e no processo “contradição recíproca”, tendo também o réu uma

pretensão em face do órgão jurisdicional.

A pretensão do réu consiste em ver o pedido do autor rejeitado, assumindo uma

forma antitética à do autor.

Assevera, como aliás já se consignou na presente dissertação, que embora a defesa

do réu possa dilatar a área de cognição do juiz, o objeto do processo, não aumenta o objeto

litigioso, representado por aquilo que ele julgará e será acobertado pela coisa julgada

material.

241 Kazuo Watanabe, Ação dúplice, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 8, n. 31, p.

139-140, jul./set. 1983.

Page 128: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

128

Assinala que a ampliação do objeto litigioso apenas se dá com instrumentos

processuais destinados a tal fim, entre os quais a ação declaratória incidental e a

reconvenção, e por opção legislativa, em casos excepcionais, através da própria

contestação, e observa que quando isso se permite, diz-se que a ação tem caráter dúplice.

Faz ressalva que se mostra relevante, valendo-se de lição de Pontes de Miranda,

que não “se dispensa de modo nenhum a alegação e a prova, como se a duplicidade fosse

de iure, o que não está nos princípios”.242

Permitimo-nos apenas acrescer que nas ações de prestação de contas, conforme

adiante se pormenorizará, afastou-se o Código de tal posição, uma vez que poderá haver

julgamento em favor do réu, ainda que ele nada tenha alegado ou provado, mantendo-se

revel.

Doravante passaremos ao exame das ações consideradas dúplices no Código de

Processo Civil e fora dele, valendo sublinhar que procuraremos apenas enfatizar esse

aspecto e suas implicações, já que certamente, se nos lançássemos à tarefa de abordar cada

uma destas demandas, em suas múltiplas variantes, se extrapolaria o âmbito da dissertação.

3.4 Ações consideradas dúplices no Código de Processo Civil

No âmbito do Código de Processo Civil e por razões não plenamente

coincidentes, são consideradas dúplices as seguintes ações: consignação em pagamento,

prestação de contas, possessórias, demarcatórias e divisórias.

Passaremos à análise do caráter dúplice de cada uma das citadas ações,

procurando abordar os principais pontos que adviriam do reconhecimento de tal natureza.

242 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,

v. 10, p. 417-418 § 1.137.

Page 129: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

129

3.4.1 Ação de consignação em pagamento – Aspectos gerais e

breve evolução histórica

Constitui uma obrigação do devedor solver o débito, mas trata-se também de um

direito fazê-lo, a fim de ser ver liberado do vínculo que o une ao credor.

Ao longo da história, pretendendo o devedor livrar-se do débito e diante de

eventuais obstáculos colocados a ele para efetuar o pagamento, criaram-se os chamados

sucedâneos liberatórios243, que abarcavam três hipóteses: a consignação ou depósito, a

venda de mão própria e o abandono da coisa devida, que foram desaparecendo ou se

judicializaram.

No direito romano, realizada a oblatio e caracterizada a mora in accipiendo,

poderia o devedor se valer de quaisquer das formas de liberação antes referidas, passando

do abandono à consignação e a venda mediante iniciativa do credor, consideradas essas

duas últimas menos gravosas a ele.

Conforme Moreira Alves244, no direito romano, quando o credor se recusava a

receber a prestação, ou a praticar ato indispensável para que ela pudesse ser executada, o

devedor poderia fazer a ele uma oferta real da prestação, e persistindo a recusa, depositá-la

in publico (num templo, num armazém, a um banqueiro ou em outro local designado pela

autoridade competente).

O mencionado depósito não tinha, contudo, eficácia liberatória, dele resultando

alguns efeitos relevantes, como o fato de não mais correrem juros contra o devedor.

Teria sido, segundo o referido autor, no direito justinianeu, que o depósito passou

a possuir eficácia liberatória para o devedor, tornando-se assim modo de extinção da

obrigação.

243 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 43-44. 244 José Carlos Moreira Alves, Direito romano, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 2, p. 98.

Page 130: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

130

De acordo com Antonio Carlos Marcato245 , essa modalidade de extinção das

obrigações era desconhecida pelas Ordenações do Reino, tendo o Regulamento n.

737/1850 a previsto pela primeira vez.

Alguns Códigos estaduais, como do Espírito Santo (art. 329 e ss.), Bahia (art. 790

e ss.), São Paulo (art. 417 e ss.) fizeram previsão da ação de consignação em pagamento,

que no Código de 1939 foi regulada nos artigos 314 a 318.

O Código Civil, no artigo 335, prevê hipóteses de consignação, havendo ainda

outros casos constantes de legislação especial, como são exemplos: artigo 17, parágrafo

único do Decreto-Lei n. 58/37; artigos 19 e 21 da Lei n. 492/37; e artigos 33 e 34 do

Decreto-Lei n. 3365/41.

Quanto à natureza da ação de consignação em pagamento, Celso Agrícola Barbi246

afirma prevalecer o entendimento de que se trata de demanda de conhecimento, da espécie

declaratória, porque o que nela se pretende é uma sentença que declare extinto o débito

pelo depósito judicialmente feito, divergindo, a nosso ver acertadamente, da posição de

Pontes de Miranda e Humberto Theodoro Júnior, que ao lado desse caráter, vislumbram

uma “certa dose de executividade”.

João Batista Lopes247 entende que a ação de consignação em pagamento tem

conteúdo preponderantemente declaratório (em verdade quase que exclusivamente

declaratório), o que o artigo 897 do Código de Processo Civil deixaria assentado.248

Em relação ao âmbito cognitivo da ação de consignação em pagamento, vale

lembrar que grassa considerável dissenso doutrinário.

Abordando referido tema, Manoel Fernando Thompson Motta Filho assinala que

Carvalho Santos, Caio Mário da Silva Pereira e outros entendem que a consignação não

245 Antonio Carlos Marcato, Ação de consignação em pagamento, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 29 e

ss., ns. 3.3 e 3.4. 246 Celso Agrícola Barbi, Ação de consignação em pagamento e renovatória na nova lei do inquilinato,

Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 81, v. 676, p. 7, fev. 1992. 247 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 95.

Page 131: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

131

tem suficiente superfície para suportar discussões que sejam de alta indagação, e que só

dívida líquida e certa pode ser objeto da ação.

Reportando-se a entendimento de Barbosa Moreira, o qual acolhe, pondera que

“na velha ação executiva – e, ainda atualmente, na execução fundada em título

extrajudicial – não só se mostra possível, mas de fato acontece vezes sem conta, que se

impugne o valor do débito, que o devedor pleiteie a exclusão de parcelas a seu ver não

devidas, e assim por diante. Ora, jamais ocorreu a quem quer que seja a suposição de que,

em casos tais, a ação executiva se tornasse ipso facto incabível, e para o credor surgisse o

ônus de recorrer à propositura de uma declaratória, a fim de obter o acertamento judicial

em torno do quantum debeatur”.249

A respeito do tema, João Batista Lopes, após fazer referência ao dissenso

existente na doutrina sobre a admissibilidade ou não da discussão sobre o quantum

debeatur na ação de consignação em pagamento, assevera:

“A discussão entre as partes, relativamente ao quantum debeatur, não constitui objeto de sentença de conteúdo condenatório ou constitutivo, mas simplesmente declaratório. Desse modo, se as partes contendem, no pleito consignatório, a respeito desse ponto, por que obrigar o autor a propor nova ação (declaratória) se a ação de consignação em pagamento já tem essa natureza? Concluímos, pois, pela admissibilidade da ação quando a discussão tiver por objeto a fixação do quantum debeatur, não se admitindo, porém, o pleito declaratório quando se questionar sobre o inadimplemento ou a rescisão do contrato, caso em que estaremos diante de ação de natureza condenatória ou constitutiva.”250

Entendemos que efetivamente matérias que não digam respeito à liberação do

devedor seriam estranhas à lide, mas tudo aquilo que concerne à dívida deve ser apreciado

pelo juiz, valendo deixar assentado, como o faz Manoel Fernando Thompson Motta Filho,

que “a necessidade de julgar procedente ou improcedente o pedido, e com isso declarar ou

não extinta a dívida, leva forçosamente o órgão judicial a examinar o contrato, para apurar

248 Código de Processo Civil: “Artigo 897 - Não sendo oferecida contestação dentro do prazo, o juiz julgará

procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios.”

249 Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Aspectos controvertidos da ação de consignação em pagamento, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 10, n. 40, p. 257, out./dez. 1985.

250 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 97-98.

Page 132: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

132

qual das partes o está interpretando de modo correto, e, por conseguinte, se o autor devia

só o que depositou, ou também devia plus pretendido pelo réu”.251

3.4.1.1 Da legitimidade

A legitimidade ativa é do devedor, mas também de todos aqueles a que lei permite

que paguem a dívida em seu próprio nome.

Podem ter legitimidade ativa ainda o terceiro juridicamente interessado em solver

o débito, o espólio, até que seja ultimada a partilha e o incapaz, desde que representado ou

assistido.

Admite-se ainda que o terceiro desinteressado possa promover a consignação,

estando abarcados no referido conceito o procurador, o preposto e o gestor de negócios.

Em que pese a legitimidade do terceiro não interessado não seja pacífica, havendo

quem não a admita, como Adroaldo Fabrício252, parece-nos mais acertado o entendimento

de quem a considera possível, como Clóvis do Couto e Silva253 e Alexandre de Paula.254

Ernane Fidélis observa que o terceiro interessado é “o que também está obrigado à

dívida, como o fiador, o avalista, o que deu bens em garantia. Terceiro não interessado é o

que não está obrigado à dívida. Quando pagam, ambos têm o direito ao reeembolso, com a

diferença de que o terceiro interessado se sub-roga nos direitos do credor, isto é, assume

posição como se fosse titular primitivo do crédito, inclusive com as garantias que houver,

enquanto o terceiro não interessado pode apenas se fazer pagar”.255

Ostenta legitimidade passiva o credor, que é aquele que pode exigir o pagamento

e dar quitação, podendo ser certo ou desconhecido, capaz ou incapaz.

251 Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Aspectos controvertidos da ação de consignação em

pagamento, cit., p. 253-261. 252 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 83-87. 253 Clóvis do Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais,

1997, v. 11, t. 1, p. 26, n. 9. 254 Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, v. 4, p. 1. 255 Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1996, v. 3, p. 6.

Page 133: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

133

Em sendo desconhecido ou incerto, far-se-á a sua citação por edital, e quando

incapaz, deverá estar assistido ou representado, intervindo o Ministério Público (arts. 82,

inc. I e 84 do CPC).

Na hipótese de existir dúvida quanto à titulariedade do crédito (arts. 985 e 898),

haverá a formação de litisconsórcio passivo necessário entre os pretensos credores.

3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de

consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo

1º do Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil arrola no artigo 896 as matérias que o réu poderá

argüir na contestação, seguindo, nesse aspecto, o que constava do artigo 316 do Estatuto de

1939.

O fato do legislador ter indicado uma relação de matérias alegáveis pelo réu

poderia dar a falsa idéia de que se trata de um rol taxativo e o fato de haver aludido apenas

à contestação poderia ensejar que restringiu a sua resposta a tal espécie.

Não é a interpretação, contudo, que deve prevalecer.

Como ressalta Antônio Carlos Marcato256, quanto às matérias capazes de argüição

pelo réu, na contestação poderá ainda alegar as preliminares indicadas no artigo 301, e

outras de mérito, diretas e indiretas.

Quanto ao uso da expressão “contestação”, vale igualmente uma ressalva.

O Código de Processo Civil, como anteriormente destacado em vários

dispositivos, utiliza a palavra contestar, mas no sentido de responder, como nos casos dos

artigos 57, 188 e 191.

256 Antonio Carlos Marcato, Ação de consignação de pagamento, cit., p. 87.

Page 134: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

134

Não resta dúvida que as exceções rituais podem ser oferecidas, já que mesmo em

procedimentos que têm em vista uma maior celeridade, como nas hipóteses do

procedimento sumário e do Juizado Especial, são admitidas, embora possa variar seu

procedimento em relação ao rito ordinário.

A questão que seria passível de trazer maiores discussões seria a admissibilidade

da reconvenção.

Aludida dúvida poderia advir em função do disposto no artigo 899 do Código de

Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.591/94, que teria lhe erigido à

condição de ação dúplice.

Com efeito, dispõe o artigo 899 sobre a possibilidade do réu, na contestação,

argüir a insuficiência do depósito, admitindo-se então como regra que o autor possa

complementá-lo em dez dias.

Faculta-se ao réu levantar desde logo a quantia ou coisa depositada, prosseguindo

o feito quanto à parte controversa, promovendo-se a liberação parcial do devedor (autor da

demanda).

Estabelece então o parágrafo 2º que a sentença, tendo concluído pela insuficiência

do depósito, determinará, sempre que possível, o montante devido, valendo como título

executivo, em tal hipótese, a favor do credor, que poderá promover a execução.

Importante relembrar que não bastará, por óbvio, que o réu, em sua contestação,

alegue a insuficiência do depósito, devendo discriminar o montante do débito.

A ação consignatória, especificamente no que tange à hipótese antes aventada,

teria passado a ter caráter dúplice, já que se reconhecida a insuficiência do depósito, será

desacolhido o pedido do autor, arcando ele com a sucumbência, bem como havendo a

formação do título em favor do credor, réu da demanda, sem que para tanto tenha ele que

oferecer reconvenção.

Page 135: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

135

No sistema anterior à Lei n. 8.591/94, reconhecida insuficiência do depósito, o

pedido do autor era julgado improcedente, facultando-se a ele o levantamento da quantia

ou coisa consignada.

No sistema atual, não se trata apenas de reconhecer a improcedência do pedido,

mas de levar à formação de um título judicial para o réu, sem que para tanto haja

necessidade quer da propositura de ação autônoma, quer do oferecimento de reconvenção.

É todavia necessário não olvidar, como relembra Antonio Carlos Marcato257, que

somente em se tratando de prestação líquida é que existirá titulo executivo judicial hábil à

execução.

Situação que se reputa sui generis, ainda dentro do mencionado dispositivo, é a

decorrente da alegação de insuficiência do depósito pelo réu na contestação, com a

aquiescência do autor, no prazo de dez dias, vindo a complementá-lo.

Trata-se no caso de exceção ao princípio da estabilidade da lide (art. 264,

parágrafo único), já que se confere ao autor, depois da resposta do réu, e

independentemente de sua concordância, a modificação da pretensão por ele formulada.

Cuida-se ademais, conforme o citado autor, amparado em posição também

sustentada por Adroaldo Fabrício, de uma espécie de sentença que não se enquadraria em

qualquer das hipóteses do artigo 269.

Não é de fato reconhecimento jurídico do pedido, porque é ato praticado pelo

autor, nem tampouco renúncia ao direito em que se funda a ação, já que o demandante de

qualquer modo logrará obter a liberação da obrigação.

O caso seria de reconhecimento da procedência da defesa pelo autor.

257 Antonio Carlos Marcato, Consignação em pagamento, Revista do Advogado, São Paulo, Associação dos

Advogados de São Paulo, n. 46, p. 71-73, ago. 1995.

Page 136: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

136

Responderá todavia pela sucumbência, em homenagem ao princípio da

causalidade, porque se complementou o depósito, isso seria suscetível de indicar que a

recusa do réu em receber a prestação longe estaria de ser injusta.

A sentença, como já decidido258, seria de parcial procedência, distribuindo-se o

ônus da sucumbência na forma do artigo 21 do Código de Processo Civil, embora existam

decisões no sentido de que, em havendo a complementação por força da contestação,

caberia apenas ao autor suportar a sucumbência259, posição com a qual concordamos.

Frise-se que se o autor não complementar o depósito, subsistirá o dissenso sobre a

diferença, que será objeto de resolução na sentença.

Se o autor não vier a complementar o depósito, insistindo que a prestação é aquela

que consignou, e tendo o juiz, ao final, acolhido seu pleito, suportará o réu o ônus da

sucumbência.

Caso o juiz conclua pela insuficiência do depósito, duas seriam as possibilidades

aventadas, conforme o autor supra citado:

Se não foi efetuado o levantamento do depósito pelo réu, será rejeitado o pedido

do autor, arcando esse com a sucumbência.

Face ao caráter dúplice da ação, o autor consignante será condenado ao

pagamento ou à entrega da diferença da quantia ou coisa devida.

A sentença valerá como titulo executivo judicial, facultando-se o cumprimento

nos termos dos artigos 475-I e seguintes do Código de Processo Civil, com as alterações

empreendidas pela Lei n. 11.232/2005.

Não obstante a apelação seja recebida no duplo efeito (devolutivo e suspensivo), à

luz do disposto no artigo520, caput do Código de Processo Civil, a quantia ou coisa já

258 STJ – RESP n. 94.425/SP, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado. 259 2º TACivSP – Apel. n. 325633, 1ª Câmara, rel. Juiz Claret de Almeida, j. 14.12.1992, JTACivSP 106/473

(Nelson Nery Junior; Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 1.121).

Page 137: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

137

depositada poderá ser objeto de levantamento pelo réu, como lhe é facultado pelo artigo

899, parágrafo 1º.

Em tendo havido o levantamento do depósito pelo réu, que atingirá apenas a parte

incontroversa do débito, igualmente se formará o título executivo em seu favor, arcando o

autor com o ônus da sucumbência.

Quando não se mostra possível apurar o saldo em aberto, o réu levantará a parte

incontroversa, podendo o credor cobrá-lo em ação autônoma.

O caráter dúplice da ação, em sentido lato do termo, se manifestaria, como visto,

pela admissibilidade do réu argüir na própria contestação a insuficiência do depósito,

pleiteando seja o autor instado a complementá-lo e, não o fazendo, ensejando eventual

formação do título em favor do credor.

Cabe entretanto frisar que se o réu não vier a alegar e indicar de forma precisa na

sua contestação o montante da prestação ou deixar de discriminar a coisa, a mera

improcedência do pedido do autor será insuscetível de gerar a formação do título em favor

do credor.

Em outras palavras, a rejeição do pedido do autor não traz por si a obtenção do

bem da vida pelo réu, como seria curial nas ações estritamente dúplices ou na origem do

instituto.

Tal peculiaridade é por si indicativa de que o caráter dúplice da ação de

consignação em pagamento se confinou à hipótese da insuficiência do depósito, e não

prescinde de alegação do réu.

É de se observar ainda que, na hipótese de dúvida por parte do devedor quanto à

titulariedade do crédito, o Código de Processo Civil, no artigo 898, prevê o procedimento a

ser seguido.

Quando o juiz, tendo comparecido mais de um pretendente ao crédito, declara

efetuado o depósito e extinta a obrigação, há a exclusão do devedor, autor da

Page 138: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

138

consignatória, da relação processual, que prosseguirá apenas entre os pretensos credores,

passando-se a adotar, no caso, o procedimento ordinário.

Na hipótese vertente, os pretendentes ao crédito passam a ser simultaneamente

autores e réus, podendo formular sua pretensões, independentemente do oferecimento de

reconvenção, pelo que a demanda passaria a ter caráter dúplice, já que o direito ao

levantamento da quantia depositada pelo autor poderá ser reconhecido em favor de

qualquer dos sujeitos que integram a relação processual.

3.4.1.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de

consignação em pagamento

A questão antes aventada pode trazer à baila a discussão sobre o cabimento ou não

de reconvenção no caso da consignatória, como de resto para as demais ações de

procedimento especial e, especialmente, as consideradas dúplices.

Calmon de Passos260 adverte que a especialidade do procedimento por si não

afasta a reconvenção.

Ao tratar especificamente do tema em exame, Aderbal Torres de Amorim261

ressalta a dificuldade em se situar, com precisão científica, o campo de atuação da

pretensão reconvencional, que não pode ser tão restrito (para que não se confunda com a

própria contestação), nem tão largo (que venha a se tornar, em verdade, cumulação de

pedidos, ou cumulação de ações, sem qualquer liame com a ação dita principal).

Afirma que a “principalidade” da consignatória pertinente à reconvenção

restringe-se a um único aspecto, entre uma e outra, a única “dependência” a se vislumbrar

é a que aponta o completamento da relação processual principal, sem o qual de todo

afastada a possibilidade de reconvir.

260 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 214. 261 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção e ação consignatória, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 71,

v. 565, p. 260, nov. 1982.

Page 139: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

139

Cita Pontes de Miranda no sentido de que o único óbice ao oferecimento da

reconvenção é a necessidade de que se estabeleça a angularidade processual através da

citação, sendo esse o único entrave ao seu ajuizamento, desde que atendidos os demais

pressupostos de índole processual – a conexidade – e material – os fundamentos jurídicos

da defesa.

Pertinente, todavia, não olvidar que, a partir das alterações introduzidas pela Lei

n. 8.591/94, a ação de consignação em pagamento, especificamente para o que se refere à

hipótese de alegação de insuficiência do depósito pelo réu, passou, segundo a doutrina

predominante, a ter caráter dúplice.

Nesse sentido, por vezes existe alusão à impossibilidade de oferecimento de

reconvenção em ações dúplices, porquanto haveria falta de interesse processual para tanto

por parte do réu.

Adroaldo Fabrício262, embora relacione a ação de consignação em pagamento

entre as de procedimentos irredutivelmente especiais, admite referida possibilidade,

assinalando que o Código vigente teria sido mais liberal que o anterior, vedando sua

restrição apenas no procedimento sumário.

A reconvenção todavia terá, como é óbvio, que observar os seus requisitos gerais

e específicos examinados anteriormente.

Consideramos que a reconvenção seria admissível para o que extrapole o caráter

dúplice da ação.

Se o réu, na hipótese de alegação de insuficiência do depósito efetuado pelo autor,

vier a oferecer reconvenção, certamente lhe faltará interesse processual, já que o Código

permite que o faça na própria contestação, sem necessidade de formulação do referido

pedido na petição inicial.

262 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 39 e 139.

Page 140: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

140

Assim, caso o réu pretenda formular qualquer outro pedido, que não o relativo à

condenação do autor ao pagamento da diferença entre o valor depositado e aquele reputado

correto pelo autor, poderá fazê-lo pela via reconvencional.

Resulta claro que para efeito de complementação do depósito, eventual

reconvenção oferecida seria indeferida por falta de interesse processual.263

Poderá, destarte, por exemplo, pleitear eventual rescisão contratual em face do

autor.

O fato da ação de consignação em pagamento observar o procedimento especial

não se mostra empecilho a tanto, já que diante da omissão do Código quanto ao prazo para

resposta, deverá ser observar, nos termos do artigo 272, parágrafo único, o previsto para o

procedimento ordinário.264

Vale lembrar que as ações de consignação em pagamento de alugueres possuem

procedimento próprio previsto no artigo 67 da Lei n. 8.245/91, admitindo-se

expressamente a reconvenção, advindo de tal circunstância a conclusão de que tais

demandas não ostentam o caráter dúplice previsto no artigo 899, parágrafo 2º do Código de

Processo Civil.

Sobre o tema, manifesta-se Ernane Fidélis, em relação ao artigo 67, da Lei n.

8245/91, especificamente sobre a reconvenção:

“A reconvenção pode ter por objeto apenas a cobrança de valores, e tal se dará nas hipóteses de controvérsia sobre a mora, mas o despejo só poderá ser proposto, em reconvenção, com fundamento em falta de pagamento de aluguéis e acessórios, ou seja, na mora debitoris. Pela disposição da lei, parece que se permitiu ao locatário a complementação do depósito, quando não integral, apenas na hipótese de

263 Nesse sentido: “AÇAO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – Reconvenção – Propositura –

Desnecessidade – Ação consignatória que assumiu caráter dúplice – Artigo 899, parágrafo 2º do CPC. Decisão que indeferiu a petição inicial da ação reconvencional mantida – Recurso não provido.” (TJSP – Agravo n. 430.557-4/8-00/Ribeirão Preto, rel. Ary Bauer).

264 “RECONVENÇÃO – Cabimento em ação de consignação em pagamento – Caso em que o pedido formulado pelo reconvinte implica em pretensão indenizatória, não se tratando de hipótese que pudesse ser abrangida pelo caráter dúplice da ação – Decisão extintiva da reconvenção afastada – Recurso provido para esse fim.” (1º TACivSP – AG n. 7.062.151-5/Sertãozinho, 15ª Câmara de Direito Privado, rel. Cyro Bonilha, j. 09.05.2006, v.u.).

Page 141: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

141

ter havido reconvenção para cobrança de valores. Assim, porém, não se deve entender, em razão do próprio espírito da lei. Em primeiro lugar, a complementação é decorrente do princípio do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, pois, onde há diferenças possíveis de serem corrigidas sem prejuízo das partes interessadas, a correção deverá ser feita; em segundo lugar há interesse público na manutenção da locação, mormente a residencial; em terceiro lugar, e, no próprio pedido de despejo, a complementação pode ser feita, por que não antecipá-la na consignação incompleta?”265

No caso da consignação em pagamento do Código de Processo Civil, verifica-se

que a duplicidade da ação restringiu-se à hipótese de pleito do réu de complementação do

depósito feito pelo autor. Não cuida de hipótese na qual a improcedência do pedido do

autor poderia levar o réu à obtenção do bem da vida disputado.

Ao permitir que o réu veicule mencionado pedido na petição inicial, o legislador

teria objetivado atender ao princípio da economia processual, evitando que, reconhecida a

insuficiência de depósito, como no sistema anterior à Lei n. 8.591/94, se visse o credor

cingido a intentar ação autônoma para recebimento de seu crédito.

Assim, caso o réu não venha, na contestação, pedir a condenação do autor ao

complemento do depósito, como lhe faculta o artigo 891, parágrafo 1º, não poderá o juiz,

por força do princípio dispositivo da ação, fazê-lo, caracterizando-se a preclusão, caso não

argüida a matéria na contestação.

Há decisões judiciais que efetivamente reconhecem o caráter dúplice da ação

consignatória prevista no Código de Processo Civil, especificamente no caso do artigo 899,

parágrafo 2º, mas considerando inaplicável o citado dispositivo se atingida a matéria pela

preclusão, e se algum direito assistir ao credor, deverá ser buscado pelas vias ordinárias.266

3.4.2 Ação de prestação de contas −−−− Aspectos gerais e breve

evolução histórica

265 Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, cit., p. 17-18. 266 A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça ratificou o entendimento do Tribunal a quo quanto à

impossibilidade de se fixar o quantum devido pelos mutuários, autores da ação, em virtude da falta de requerimento do agente financeiro nesse sentido, e ainda que não aplica a regra do parágrafo 2º do artigo 899 do Código de Processo Civil, se atingida a matéria pela preclusão (STJ – RESP n. 832.824/PR, 1ª T., rel. Min José Delgado, v.u., DJU, de 11.09.2006, p. 232). No mesmo sentido: STJ – RESP n. 535100/SC, 1ª T., rel. Min. Denise Arruda, v.u., DJU, de 05.12.2005, p. 221.

Page 142: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

142

Conforme leciona Adroaldo Fabrício, prestar contas significa “fazer alguém a

outrem, pormenorizadamente, parcela por parcela, a exposição dos componentes de débito

e crédito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração aritmética

do saldo credor ou devedor, ou de sua inexistência”.267

De acordo com Moacyr Amaral268, a ação de prestação de contas surgiu na Idade

Média com procedimento peculiar, adotando no direito romano o processo comum.

Passou a ter procedimento específico após a Idade Média, consoante alguns

estatutos legais, como o de Castiglione di Lago, de 1571.

Assinala Edson Cosac Bortolai269 que no direito francês, a Ordenação de 1667

disciplinava em título especial o processo de prestação de contas, que em linhas gerais foi

trasladado para o Código de Processo Civil de Napoleão.

Segundo o autor supra citado, nas Ordenações Filipinas não havia prescrição do

procedimento a ser observado na ação de prestação de contas, estabelecendo-se de forma

aleatória princípios, especialmente no que diz respeito às contas de tutores e curadores.

Adotava-se o processo cominatório, considerando-se a prestação de contas como obrigação

de fazer.

Na Consolidação de Ribas, estava incluída entre as ações de preceito cominatório,

ou embargos à primeira, conforme previsão do artigo 774.

No Regulamento n. 737, de 1850 (art. 247, §7º), as ações de preceito cominatório

não se incluem entre as de procedimento especial, mas como de procedimentos ordinário,

já que não estavam incluídas entre as de procedimento sumário.

Consoante Edson Cosac Bortolai270, a ação de prestação de contas surgiu como

procedimento especial no período de vigência do Regulamento n. 737, de 1850 e 1877.

(Comentários de Teixeira de Freitas).

267 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 387. 268 Moacyr Amaral Santos, Ações cominatórias no direito brasileiro, 5. ed., São Paulo: Max Limonad, 1973,

v. 2, p. 374 e ss. 269 Edson Cosac Bortolai, Da ação de prestação de contas, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 8 e ss. 270 Edson Cosac Bortolai, Da ação de prestação de contas, cit., p. 11.

Page 143: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

143

Os Códigos de São Paulo (art. 800) e do Espírito Santo (art. 604) a incluíram entre

as cominatórias, o que teria inspirado o Código de Processo Civil de 1939, que assim

também procedeu (arts. 801 e 802).

O Código de Processo Civil de 1973 não tratou em separado das ações

cominatórias, incluindo a ação de prestação de contas entre as de procedimento especial,

da jurisdição contenciosa.

Não obstante resulta claro a sua natureza cominatória, quando se recorda que o

artigo 915, parágrafo 2º do Código de Processo Civil determina que a sentença que julgar

procedente a ação condenará o réu a uma obrigação de fazer, consistente em prestar as

contas no prazo de quarenta e oito horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o

autor apresentar.

Há divergência se no caso da ação de prestação de contas espontânea haveria ou

não caráter cominatório.

Pontes de Miranda271 considera, com fulcro na tradição luso-brasileira, que a

pretensão à ação de prestação de contas, ativa ou passiva, é sempre objeto de preceito

cominatório, com o que concorda Ovídio Baptista.272

Diverge Adroaldo Fabrício 273 , com quem concordamos, pois o caráter

cominatório somente estaria presente quando se tratar de ação de exigir contas.

Frise-se ainda que o Código Civil, nos artigos 33, caput, 668, 1.756, 1.774, 1.980

e 2.020, estabelece hipóteses em que há o dever de prestar contas, e o Código de Processo

Civil, nos casos do administrador da massa na insolvência, ou do imóvel ou empresa no

usufruto executivo, entre outros.

271 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 1977, v. 13, p. 128. 272 Ovídio Baptista da Silva, Procedimentos especiais: exegese do Código de Processo Civil (arts. 890 a 981),

Rio de Janeiro: AIDE, 1989, p. 179.

Page 144: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

144

3.4.2.1 Da legitimidade – ação de prestação e de dar contas

São legitimados à ação os que têm o direito de exigir a prestação de contas, como

aqueles que são obrigados a prestá-las, em razão do caráter dúplice da ação.

A inclusão dos litigantes em qualquer dos pólos da relação processual evidencia o

aspecto dúplice da ação de prestação de contas, já que pode ela ser objeto de ajuizamento

tanto pelo titular de um direito em face do administrador ou do gestor, como vice-versa.

Como menciona Antonio Carlos Marcato, ”a inserção dos litigantes em um ou

outro dos pólos da relação jurídica processual é determinada, mercê do caráter dúplice da

ação, pela iniciativa do autor: ocupará a posição de parte ativa aquele que por primeiro

tome a iniciativa de ingressar em juízo, cabendo ao outro a posição de demandado”.274

A questão ganha interessante aspecto quando se tratar de sucessão.

Pontes de Miranda sustenta que não se cuida de questão que possa ser resolvida a

priori e ressalta que as relações jurídicas resultantes das obrigações de prestar contas são

de diferente natureza e categoria, sujeitas a variação, assinalando:

“O fato de se transmitir aos herdeiros a obrigação de prestar contas não basta para que se afirme transmitir-se aos herdeiros a legitimação passiva na ação cominatória. Seria confundir a pretensão de direito processual e a de direito material. Os herdeiros do advogado, por exemplo, que não o tenham substituído no escritório de advocacia, não podem ser preceituados segundo o artigo 302, V; têm de ser chamados em processo de rito ordinário. O herdeiro que ficou à testa do estabelecimento comercial responde segundo o artigo 302, V.”275

Ainda sobre o tema da legitimidade, vale lembrar que se firmou a legitimidade

passiva para as ações de prestação de contas por parte das instituições bancárias 276 ,

havendo precedentes admitindo o ajuizamento da demanda por consorciado277 e, quanto ao

273 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 392. 274 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 136-137. 275 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, 2. ed., Rio

de Janeiro: Forense, 1959, v. 5, p. 25-26. 276 Súmula n. 259 do STJ: “A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta bancária.” 277 JTACSP - Lex 133/149.

Page 145: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

145

condomínio em edifícios, apenas seria cabível seu ajuizamento pelo condômino, se o

síndico não as tiver prestado à assembléia geral e ao conselho consultivo.278

Conforme assinala João Batista Lopes279, o condômino não pode individualmente

exigir prestação de contas pela via judicial, porque a lei considera a assembléia geral como

foro adequado para tal discussão, e caso fosse admissível tal possibilidade, se instalaria o

tumulto na vida condominial.

Caso o síndico se negue a prestar contas à assembléia ou se recuse a convocá-la,

restaria aos condôminos fazê-lo, ou havendo violação à convenção de condomínio ou à lei,

teriam legitimidade para exigir dele a prestação de contas judicialmente.

Além disso, como realça Adroaldo Fabrício, o manejo da ação de prestação de

contas “pressupõe divergência entre as partes, seja quanto à existência mesma da obrigação

de dar contas, seja sobre o estado delas, vale dizer, sobre a existência, o sentido ou o

montante do saldo”.280

3.4.2.2 Da denominada duplicidade intrínseca da ação de

prestação de contas

O procedimento da ação de prestação de contas é variável, conforme se trate de

ação proposta por quem tem o direito de exigi-las (art. 915) ou a obrigação de prestá-las

(art. 916).

Na primeira hipótese, o procedimento será, em regra, bifásico, voltando-se a

primeira etapa à discussão sobre a obrigação ou não do réu prestar contas, e a segunda à

sua apresentação, com a apuração de eventual saldo, com a formação do título executivo.

278 JTJ 180/41. 279 João Batista Lopes, Condomínio, 9. ed. rev., atual e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 183. 280 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 397.

Page 146: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

146

Como anteriormente consignado, iremos nos restringir ao exame do caráter

dúplice da ação e o que ele teria de peculiar, em confronto com outras demandas assim

consideradas.

No caso da ação intentada por quem tem o direito de exigir a prestação de contas,

ao réu seria possível adotar as seguintes atitudes:

a) Apresenta a contas e não contesta, o que caracteriza a hipótese do artigo 269,

inciso II (reconhecimento jurídico do pedido) e o procedimento será abreviado, passando-

se ao julgamento: em tal hipótese, as contas serão julgadas por sentença que condenará

qualquer das partes ao pagamento do saldo apurado, sendo irrelevante o exame de quem

tomou a iniciativa de ajuizar a ação, enfatizando o caráter dúplice da ação.

b) Contesta e nega a obrigação de prestar contas ou aduz que as contas já foram

apresentadas: em o réu apresentando contestação negando a obrigação de prestar contas,

far-se-á eventual dilação probatória, prolatando-se sentença, acolhendo ou não a pretensão

do autor.

c) Apresenta contas e contesta: embora à primeira vista pareça haver clara

incompatibilidade lógica entre tais atitudes, Adroaldo Fabrício281 a tem como possível,

quando a divergência se assentar não quanto às próprias contas, mas no que tange ao seu

conteúdo, vale dizer, sobre as parcelas de “dever” e “haver”, enfim, sobre o saldo.

d) Mantém-se revel: havendo revelia, será cabível o julgamento antecipado da lide

(art. 330, inc. II), e a sentença prolatada cominará ao réu a obrigação de prestar as contas,

no prazo de quarenta e oito horas, aplicando-se, em caso negativo, o disposto no artigo

915, parágrafo 2º.

Frise-se que caso o juiz entenda não ser caso de aplicação dos efeitos da revelia e

de proceder o julgamento antecipado da lide, determinará que o autor especifique as provas

que pretende produzir, nos termos do artigo 324.

281 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 407.

Page 147: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

147

Como assinala Adroaldo Fabrício282, não será necessariamente aplicável o artigo

330, inciso II, ainda porque pode o juiz entender que há carência de ação.

O Código de Processo Civil denomina de sentença, nos termos do artigo 915,

parágrafo 2º, o ato do juiz que encerra a primeira fase do processo, conquanto ao rigor da

anterior definição do artigo 162, parágrafo 1º, o ato não tivesse o condão de extinguir o

feito.

A segunda fase se iniciará após o trânsito em julgado da sentença prolatada na

primeira fase, com a intimação do réu, que deverá ser pessoal, para apresentar as contas em

quarenta e oito horas.

Prestadas as contas sobre elas o autor terá cinco dias para sobre elas se manifestar,

admitindo-se eventual dilação do prazo.283

O Código não dispõe sobre qual providência adotar, na hipótese do réu não

apresentar as contas e o autor igualmente quedar-se inerte, sendo, porém, aplicável o artigo

267, inciso III, vale dizer, proceder-se-á a sua intimação pessoal e, persistindo sua

contumácia, caberá a extinção do processo.

Embora o artigo 918 do Código diga que o saldo credor será declarado na

sentença, trata-se de sentença dotada de carga predominantemente condenatória, já que

formará o título em favor de qualquer das partes.

Relativamente à ação de dar contas (art. 916), pode-se, em síntese, assinalar que

não se trata de procedimento que observa duas fases284, podendo ocorrer as seguintes

hipóteses:

282 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 409. 283 STJ – RESP n. 67671/RS, 3ª T., rel. Min. Ari Pargendler, j. 22.6.99, DJU, de 13.9.99, p. 62 (Antonio

Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit.,, p. 142). 284 “Ação de prestação de contas. Tratando-se de ação intentada por quem pretende prestar contas, não se

divide o processo em duas fases como se sucede quando proposta por quem está a exigi-las.” (STJ –RESP n. 2.779, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, de 25.6.1990, p. 6.039).

Page 148: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

148

a) O réu aceita as contas apresentadas pelo autor: face ao reconhecimento jurídico

do pedido por parte do autor, as contas serão julgadas, conforme prevê o artigo 916,

parágrafo 2º, em dez dias, observando-se o quanto consta do artigo 918. Pontes de

Miranda285 indica que a concordância deve ser sobre todos os pontos das contas oferecidas,

que a falta de aquiescência sobre qualquer um deles, ainda que não essencial, destruiria a

aceitação como plus suficiente para a conclusão dos autos.

b) Revelia: cabe o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, inciso

II, com as ressalvas antes feitas, no sentido de que pode o juiz entender não serem

aplicáveis os efeitos da revelia, determinando a especificação e produção de provas pelo

autor.

c) Contestação: poderá o réu deduzir qualquer matéria, tanto processual como

material, podendo atacar no que se refere à sua forma e conteúdo.

d) Impugnação das contas: como assinala Antonio Carlos Marcato286, além da

contestação, pode o réu apresentar a impugnação quanto ao conteúdo e a forma das contas

apresentadas pelo autor.

Sobre essa hipótese, Eduardo Furian Pontes287 a define como a manifestação do

demandado sobre o conteúdo das contas ou de algumas das parcelas que compõem o saldo

das contas, e adverte que diante da redação do parágrafo 2º do artigo 916, a conjunção

alternativa “ou” utilizada daria a falsa impressão de pensamentos que se excluem ou se

alternam.

Observa porém que é perfeitamente possível que o réu conteste a ação por inépcia

da petição inicial (art. 301 inc. III, do CPC) e, ao mesmo tempo, impugne o conteúdo das

contas oferecidas, fazendo-o com fulcro no princípio da eventualidade.

285 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 1977, cit., v. 13, p.

132. 286 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 144. 287 Eduardo Furian Pontes, Ação de prestação de contas espontânea, Direito & Justiça, Porto Alegre,

Faculdade de Direito da PUC/RS, ano 21, n. 20, p. 137-138, 1999.

Page 149: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

149

No aspecto substancial, o réu poderá apresentar suas próprias contas e no formal

apontar defeitos, como v.g., a falta de observância do quanto exigido pelo artigo 917, o que

poderá ensejar ao juiz que determine a correção de eventuais defeitos ou omissões.

Poderá o juiz, em conformidade com o artigo 916, parágrafo 2º, determinar a

realização de audiência de instrução e julgamento, condenando qualquer das partes no

saldo apurado (art. 918).

Convém frisar ainda, como pondera Moacyr Amaral, que as contas devem

transcrever o “desenvolvimento cronológico das operações a que se relacionam, com a

demonstração gráfica das quantias recebidas e despendidas e respectivo saldo” 288 ,

acompanhada dos respectivos documentos.

Feita uma breve exposição da estrutura do procedimento, tanto no que refere à

ação proposta por quem tem o direito de exigir contas, como por aquele que tem a

obrigação de prestá-las, seria agora o momento de procurar examinar o que ressaltaria o

caráter dúplice das referidas demandas.

Primeiramente, a existência das duas modalidades de ação de prestação de contas,

uma para pedir e outra de dá-la, enseja uma dupla legitimação, tanto no pólo ativo, como

passivo.

Consoante o que havia se consignado, não há uma legitimação predeterminada,

porque qualquer dos sujeitos que mantêm a relação material pode figurar como autor ou

réu da ação.

Segundo aspecto de suma importância é a condenação ao pagamento do saldo

devedor, que pode voltar-se contra qualquer das partes, independentemente inclusive de

qualquer requerimento nesse sentido pelo réu, de contestação e mesmo se ele for revel.

Referida circunstância leva a que se reconheça a existência de ações que seriam

intrinsicamente dúplices, em oposição a outras que permitem que o réu amplie o objeto

288 Moacyr Amaral Santos, Ações cominatórias no direito brasileiro, cit., v.2, p. 400.

Page 150: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

150

litigioso, formulando pedido em seu favor, na própria contestação, sem que haja

necessidade do oferecimento de reconvenção.289

Mencionada disposição constitui ainda exceção ao princípio dispositivo, como

sustenta Adroaldo Fabrício:

“Mas há outra hipótese absolutamente impassível de enquadramento teórico nas coordenadas antes definidas. O autor oferece contas (art. 916) com saldo favorável a ele; o réu, citado, mantém-se em silêncio; o juiz, confrontando as contas com os documentos e verificando os cálculos conclui e julga que há saldo favorável ao réu. Este nada objetou e a nada anuiu, e contudo se vê beneficiado pelo título executivo sentencial. O caso traduz uma clara quebra do princípio dispositivo e só se aplica por razões de ordem pragmática, a que o legislador deu prevalência sobre os princípios gerais e bases teóricas do processo civil.”290

Ovídio Baptista291 comenta que não havendo contestação ou impugnação, seria

aplicável o artigo 319, promovendo-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do

artigo 330, inciso II, mas que isso não significa que o juiz tenha que julgar as contas

favoráveis ao autor.

Observa que ele examinará os elementos processuais da relação jurídica, sem

nenhuma vinculação com os elementos fáticos, porque esses são intocáveis.

Vê-se, pois, que a duplicidade das ações de prestações de contas possui

peculiaridade, explicável à luz do quanto exposto, por razões de ordem mais pragmática do

que propriamente assentadas na relação de direito material.

3.4.2.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações de

prestação de contas

Considerando que haveria uma reconvenção implícita admitida na ação de

prestação de contas e que o título poderia ser formado em favor de qualquer dos litigantes,

parte da doutrina não entende possível o seu oferecimento.

289 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 243-244. 290 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 443-444. 291 Ovídio Baptista da Silva, Procedimentos especiais: exegese do Código de Processo Civil (arts. 890 a 981),

cit., p. 180.

Page 151: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

151

Clito Fornaciari considera inadmissível o oferecimento de reconvenção, dada a

natureza dúplice da ação de prestação de contas. Acresce que sendo o fundamento da

contestação a impugnação das contas apresentadas, ela produz os mesmos efeitos da

reconvenção, pois se “a sentença julgar que exista um saldo, aquela das partes em favor de

quem esse saldo for julgado como existente terá título executivo que a habilitará, quer seja

autor ou réu, à execução (art. 918).”292

Edson Cosac, além de assinalar a existência de uma reconvenção implícita

admitida nas ações de prestação de contas, distingue a primeira e a segunda fase do

procedimento e aponta qual alternativa seria aplicável, caso o réu pretenda ampliar o

pedido do autor:

“A rigor, não haveria impedimento a que o réu, na primeira fase da ação intentada para exigir-lhe contas, reconviesse, já que não há nessa fase, como referimos, reconvenção implícita, o que tão-só ocorre na segunda fase, ou na ação ajuizada para prestar contas. Como ação e a reconvenção são autônomas, a decisão de uma não tem vinculação com a da outra, podendo ambas ser julgadas procedentes ou improcedentes, ou uma procedente e outra improcedente. Daí porque a eficácia da reconvenção estaria condicionada à improcedência da ação ajuizada para exigir contas, podendo tão-só nesse caso ser admitida. Entretanto, sendo a ação julgada procedente em parte, e a reconvenção, também, procedente em parte, por exemplo, dada a diversidade dos procedimentos, não poderia ser admitida, sob pena de tumultuar-se a ação de prestação de contas em sua segunda fase, com graves riscos de, complicando-se de tal forma os procedimentos, cometerem-se injustiças. Já na segunda fase da ação, ou naquela ajuizada para apresentar contas (art. 916), não pode sequer cogitar-se de reconvenção.”293

Para o referido autor, caso o réu pretenda ampliar o objeto litigioso, a solução

seria a propositura de ação autônoma, no prazo da contestação, requerendo julgamento

conjunto dela com a ação, na hipótese de prestação de contas, face ao disposto no artigo

105 do Código de Processo Civil.

292 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 137. 293 Edson Cosac Bortolai, Da ação de prestação de contas, cit., p. 97-100.

Page 152: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

152

Por seu turno, Ernane Fidelis294 e Adroaldo Fabrício295 admitem reconvenção nas

ações de prestação de contas, considerando especialmente o fato de que o rito se

converteria em ordinário após a contestação.

O último autor citado, mesmo sopesando a natureza dúplice da ação de prestação

de contas, não rechaça o oferecimento da reconvenção.

Sustenta que o réu pode veicular pretensão que não a de prestar contas ou pedir

contas, mas que atenda ao requisito genérico da conexão do artigo 315.

Mesmo no caso da ação de oferecer contas, o aludido autor não vê óbice no

oferecimento da reconvenção, quando o réu contestando, sem negar a obrigação de prestá-

las, se valha da via reconvencional para oferecê-las, segundo o artigo 914, inciso II.

Em sede jurisprudencial, igualmente grassa considerável dissenso e, embora se

reconheça o caráter dúplice da ação de prestação de contas e a existência de uma

reconvenção implícita, há precedentes autorizando seu manejo pelo réu.296

Entendemos, não obstante os sólidos argumentos existentes em ambas as

correntes, que seria admissível a reconvenção, desde que ela não tenha por fito o pedido de

condenação do adversário ao pagamento do saldo, já que para esse fim, a ação é dúplice.

294 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. 6,

p. 100, n. 103. 295 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 412-413. 296 “Prestação de contas. Reconvenção. É possível a reconvenção em ação de prestação de contas, mas o seu

indeferimento não é causa de nulidade se a mesma matéria foi apresentada na contestação, considerando-se que nesse tipo de ação a ‘reconvenção é implícita na defesa’. Recurso conhecido, mas improvido.” (STJ – RESP n. 239311/CE, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado, v.u., DJU, de 08.05.2000, p. 101). Ainda pela admissibilidade da reconvenção: RTJ 91/365; RT 614/83. Contra: “Prestação de contas. Direito da sociedade formalizada de requerer contas de período anterior, quando atuava apenas de fato. Conjunto probatório revela que os réus se retiraram da sociedade antes de sua constituição jurídica e que administravam conta bancária da entidade, devendo assim responder por tal movimentação financeira. Sentença de Procedência. Ação de caráter dúplice, todavia o pedido do réu em face do autor deve ser manejado na contestação (art. 300 do CPC) sob pena de ofensa ao devido processo legal, possibilidade, no entanto, de discutir a questão em procedimento específico, sentença de procedência. Recurso improvido.” (TJSP – Apelação Cível com Revisão n. 159.384-4/1-00/Laranjal Paulista, 5ª Câmara de Direito Privado, v.u., rel. Oscarlino Moeller, j. 21.06.2006).

Page 153: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

153

A reconvenção seria admissível, quando se tratar de ação proposta para exigir

contas, na primeira fase do processo, já que na segunda etapa a cognição está voltada ao

exame das contas e à apuração de eventual saldo.

A solução aventada anteriormente, vale dizer, a propositura de demanda que

poderá ser reunida com a ação de prestação de contas, quando houver interesse do réu na

ampliação do objeto litigioso, feriria, salvo melhor juízo, o princípio da economia

processual, que deve ser visto não sob o prisma exclusivo do autor, mas do processo.

Ao eventual tumulto processual que poderia ser temido parece-nos que seria

suscetível de se impor o risco da multiplicação de ações que poderiam ser objeto de

solução num único processo, através de uma única instrução e sentença.

Assim, concluímos, com o devido acatamento às posições contrárias, assinalando

que o caráter dúplice da ação de prestação de contas não impediria o oferecimento da

reconvenção, desde que, como já destacado, o pleito reconvencional não esteja englobado

no âmbito da dúplice, e, destarte, não se trate de pedido de condenação da parte adversa ao

pagamento do saldo que venha a ser apurado na sentença.

3.4.3 Ações possessórias – Aspectos gerais e breve evolução

histórica

Deixamos, desde já, assentado que não faremos referência às discussões,

conquanto extremamente relevantes, como as relativas à natureza da posse e sua proteção,

a fim de que possamos nos concentrar no tema da dissertação.

Assim, a breve evolução histórica aqui efetuada se justifica para o exame,

posteriormente, dos interditos possessórios, da fungibilidade entre eles, da cumulação de

pedidos, da concessão de liminar e da possibilidade de sua aplicação em relação ao réu,

dado o caráter dúplice das ações possessórias.

Page 154: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

154

Consoante mostra Moreira Alves297, quanto à origem da proteção possessória,

duas teorias se formaram, concordando ambas que foi criada pelo pretor.

A primeira teoria considera que a proteção possessória surgiu para tutelar os que

ocupam o ager publicus.

A segunda entende que a tutela possessória teria advindo da faculdade que tinha o

pretor até a sentença, nos juízos reivindicatórios, de atribuir provisoriamente a posse da

coisa a uma das partes para mantê-la (retinandae possessionis) ou para recuperá-la

(recuperandae possessionis). Ensina o autor que no direito clássico duas eram as espécies

de interditos que protegiam a posse: a) interdcita retinendae possessionis causa (interditos

para a manutenção da posse); b) interdicta recuperandae possessionis causa (interditos

para a recuperação da posse).

Os interdicta possessionis causa eram dois: interdito uti possidetis e interdito

utrubi, que se destinavam, respectivamente, à proteção de coisas imóveis e móveis.

Ambos tinham caráter proibitório e dúplice.

O interdito uti possidetis somente protegia o possuidor cuja posse não fosse

violenta, clandestina ou precária.

O interdito utrubi se destinava à conservação da posse do escravo, tendo se

estendido, no período clássico, às coisas móveis em geral, e exigia igualmente posse não

violenta, clandestina ou precária, protegendo apenas o possuidor que, no ano em curso,

tivesse estado mais tempo na posse coisa, o que não era considerado para efeito do

interdito uti possidetis.

Como antes assinalado nas Institutas de Gaio (IV 160), enfatizava-se o caráter

dúplice dos referidos interditos, que eram assim chamados porque “neles a posição dos

dois litigantes é igual, e nenhum mais do que o outro é considerado réu ou autor, mas cada

297 José Carlos Moreira Alves, Direito romano, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 1, p. 332 e ss.

Page 155: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

155

um assume as partes, tanto do réu quanto do autor, dado que o pretor se dirige a ambos

com a mesma peroração”.298

Quanto aos interditos reciperandae possessionis, eram três: a) interdito unde vii;

b) interdito de precario; c) interdito de clandestina possesione.

O interdito unde vi era destinado a reintegrar na posse os que foram despojados

com violência, sendo utilizável apenas em relação aos imóveis. Ela se desdobrava em dois

interditos, de acordo com a violência empregada no esbulho. Caso a violência fosse

comum, era cabível o interdito de vi cottidiana e, se incomum, o interdito de vi armata.

O interdito de precario foi criado pelo pretor para que o proprietário pudesse

obter de imediato a restituição da coisa recusada pelo precarista.

O interdito clandestina precaria era voltado à recuperação da posse do imóvel

ocupado de forma clandestina por alguém.

No direito justinianeu, foram efetuadas várias alterações no que concerne à

proteção possessória.

O interdito utrubi, face à sua proximidade com o uti possidetis, passou a proteger

o possuidor que estava na posse da coisa móvel no momento da turbação, e não como

ocorria no direito clássico, protegendo o que havia possuído por mais tempo no período em

que houve a turbação.

Operou-se a fusão entre os interditos de vi cotidiana e de vi armata, passando o

interdito único unde vi a ser requerido até um ano depois do desapossamento, não se

admitindo a exceção vitiosae possessionis, de tal sorte que mesmo tendo havido a

aquisição da posse por violência, clandestinidade ou precariedade, não havia impedimento

à sua utilização.

Ao abordarem o procedimento da tutela interdital, José Rogério Cruz e Tucci e

Luiz Carlos de Azevedo assinalam que se caracterizava essencialmente pela rapidez e

298 José Carlos Moreira Alves, Direito romano, cit., v. 1, p. 332.

Page 156: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

156

sumariedade e que em se tratando de interdito de natureza dúplice, o rito se tornava muito

mais complexo.

Pela pertinência do tema, vale transcrever a exposição feita pelos aludidos autores

sobre o interdito de natureza dúplice:

“Nesses interditos (retinendae possessionis) a situação jurídica das partes era idêntica, havendo, por esse motivo, no processo per sponsionem, duas sponsiones e duas restipulationes; e, ademais, se a coisa objeto da controvérsia, produzisse frutos, exigia-se uma caução, denominada fructuaria stipulatio, que consistia na oferta (fructus licitatio) de uma soma; e quem oferecesse a maior quantia, ficava, interinamente na posse da coisa (Gaio, I., 4. 166). O sucumbente, nessa hipótese, perdia a título de pena, as somas de sponsio e da restipulatio; e, mais, também pela mesma razão, a soma da fructuaria stiupulatio, quando a condenação recaísse sobre aquele que estivesse na posse da coisa. E, a final, para que nesse caso, fosse essa efetivamente restituída, o vencedor dispunha da actio Cascelliana ou secutoria (Gaio, I., 4. 166ª), e, ainda, de um meio processual (iudicium secutorium), pelo qual recebia uma caução para assegurar o cumprimento do julgado.(I., 4. 169). Aduz-se que em qualquer desses procedimentos – no da sponsio ex interdito ou no do per arbiter – admitia-se a inserção na respectiva fórmula, a pedido do réu, e uma exceptio.”299

Ney da Fontoura Boccanera300 aduz que na evolução histórica do direito romano,

buscou-se assegurar a proteção possessória estritamente àqueles que exerciam os poderes

inerentes ao direito real de propriedade, ou a outros direitos reais (aos que possuíam como

se proprietários ou titulares fossem de outros direitos reais: precaristas, credor

pignoratícios, sequestratários etc.).

Assinala que no direito medieval e canônico ampliou-se a faixa de aplicação da

proteção possessória aos direitos pessoais.

Reporta-se a ensinamento de Arnaldo Wald301, que considera que o problema da

fundamentação dos interditos possessórios se situa mais no campo filosófico que

dogmático.

299 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p.

l16. 300 Ney de Fontana Boccanera, A defesa possessória nos direitos pessoais, Revista dos Tribunais, ano 69, v.

540, p. 20-21, out. 1980.

Page 157: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

157

Menciona Arnoldo Wald as posições de Kant, Savigny e Ihering sobre o tema

para reforçar seu entendimento. Kant afirma que a proteção possessória é um corolário da

autonomia da vontade que viria ser violada pela turbação ou o esbulho. Savigny via na

proteção possessória a defesa da ordem e da segurança pública e a garantia da paz social,

pois impedia que se fizesse justiça pelas próprias mãos. Ihering imaginava a proteção

possessória como a primeira linha de defesa da propriedade.

No Brasil, os procedimentos possessórios estavam previstos nas Ordenações do

Reino e foram adotados pela legislação brasileira.302

Os Códigos estaduais passaram a distinguir entre o interdito proibitório, de

natureza possessória, e o preceito cominatório, sendo as ações possessórias incluídas no

Código de 1939 no Título XIII, do Livro IV, que disciplina as ações de manutenção,

reintegração, interdito proibitório e de imissão na posse.

No Código atual, a ação de imissão de posse deixou de observar o procedimento

especial e as demandas possessórias típicas estão previstas no Livro IV, Título I, Capítulo

V, Seção I a III, artigos 920 a 933.

3.4.3.1 Da legitimidade ativa e passiva

Podem ser legitimados ativamente aqueles que tiveram posse e a perderam (no

caso de esbulho), os que ainda a exercem, mas não em sua plenitude (na hipótese de

turbação), os possuidores diretos e indiretos, quer se trate de posse natural ou civil,

podendo intentar a ação e ser demandado o sucessor universal (arts. 1.207 e 1.784 do CC)

e singular (art. 1207, 2ª parte do CC).

Em se tratando de posse derivada, escalonada, deve se indagar qual das posses foi

ofendida, sendo legitimado o seu titular mas, alcançando a todos o ataque, cuida-se de

hipótese de litisconsórcio facultativo.303

301 Arnoldo Wald, Curso de direito civil: direito das coisas, 2. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1970, v.

3, p. 64. 302 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 149.

Page 158: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

158

No caso de composse, aplica-se por analogia o artigo 1.234 do Código Civil,

tratando-se de litisconsórcio facultativo unitário.

Os compossuidores que vierem a intentar a ação agirão como legitimados

extraordinários concorrentes, facultando-se aos demais eventual intervenção na qualidade

de assistentes litisconsorciais (art. 54 do CPC), já que o direito material discutido em juízo

igualmente lhes pertence e serão atingidos diretamente pela sentença a ser prolatada.

É possível também a propositura da ação por parte do possuidor de boa ou má-fé,

o que possui posse justa ou injusta, face ao caráter relativo de tais vícios.

No pólo passivo, deverá figurar quem praticou o esbulho, turbação ou ameaça.

Como esclarece Marcos Vinicius Rios Gonçalves304, se aquele que praticou o

esbulho tiver falecido, legitimado será o espólio, dada a natureza e conteúdo patrimonial da

posse ou os herdeiros. Em havendo transferência da coisa a terceiros, será indispensável

analisar a existência de boa ou má-fé do adquirente. Se de boa-fé, a ação não pode ser

intentada em face dele, considerando o que dispõe o artigo 1.212 do Código Civil; se de

má-fé, pode ser ré da demanda.

No caso do incapaz ter praticado a ofensa à posse, a ação deverá ser ajuizada em

face dos pais, já que o Código Civil atual não fez distinção entre eles para fins de

responsabilidade civil por ato ilícito.

Podem ser rés, ainda, as pessoas jurídicas e os entes públicos, observando-se,

contudo, na última hipótese, o artigo 928, parágrafo único do Código de Processo Civil, a

necessidade de prévia audiência dos seus representantes judiciais, para efeito de eventual

concessão de liminar.

Assinala, ainda o autor supra referido que, em havendo vários invasores, não

haverá litisconsórcio necessário, mas a sentença somente poderá ser cumprida em face de

quem integrou regularmente a relação processual.

303 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 473. 304 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 285-286.

Page 159: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

159

Não há no caso legitimação extraordinária, de tal sorte que pretendendo a vítima

que a sentença produza efeitos em face de todos aqueles que ofenderam sua posse, deverá

incluí-los no pólo passivo.

Relembre-se ainda que o detentor pode se valer apenas da legítima defesa da

posse e do desforço imediato (art. 1.210, § 1º do CC), não ostentando legitimidade para

propositura da ação possessória.

Na hipótese de vir o detentor a ser incluído no pólo passivo da relação processual,

deverá promover a nomeação à autoria, nos termos dos artigos 62 a 69 do Código de

Processo Civil.

Por derradeiro, dentro do presente tópico, vale consignar que o artigo 10,

parágrafo 2º do Código de Processo Civil dispõe ser indispensável a participação do

cônjuge, seja do autor ou do réu, quando se tratar de composse ou de ato por ambos

praticado.

3.4.3.2 Da fungibilidade entre as ações possessórias

O artigo 920 do Código de Processo Civil prevê a fungibilidade entre as ações

possessórias, o que já houvera sido adotado por alguns Códigos estaduais, como os de São

Paulo (art. 610), de Minas Gerais (art. 659) e do Espírito Santo (art. 431), bem como pelo

Estatuto de 1939 (art. 375).

Não obstante a aplicação do princípio da fungibilidade tenha requisitos

específicos na seara recursal, onde não foi expressamente previsto, pode-se afirmar que o

pressuposto da dúvida objetiva, vale dizer a divergência sobre a espécie de agressão à

posse e a respectiva ação a ser intentada, serve de base à sua invocação.

A dúvida pode surgir porque o direito material não extremou, mercê de critérios

totalmente objetivos, uma hipótese da outra de ofensa à posse. Pode advir porque as

diferenças entre as situações de ataque à posse são por vezes sutis. Além disso, as diversas

hipóteses são suscetíveis de mutação em breve espaço de tempo.

Page 160: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

160

Com efeito, o que em dado momento é uma ameaça, pode se transformar em

turbação, e essa convolar-se, de forma célere, em esbulho. Sobre o tema, pertinente o

magistério de Vicente Greco:

“Justifica a regra a sutil diferença que pode existir entre uma situação de esbulho e uma situação de turbação ou entre esta e a simples ameaça, devendo o juiz dar o provimento correto, ainda que a descrição inicial não corresponda exatamente à realidade colhida pelas provas. Essa regra, porém, com exceção aos princípios consagrados nos artigos 459 e 460 (proibição de julgamento extra petita), deve ser interpretada estritamente não admitindo extensão analógica para outros casos. Ela se refere exclusivamente à fungibilidade entre as possessórias; não é aplicável, por exemplo, entre o pedido possessório e o petitório. A propositura de possessória quando caberia reivindicatória ou vice-versa, leva à carência da ação por falta de interesse processual adequado. Não há possibilidade do juiz aceitar uma pela outra.”305

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, além de igualmente

ressaltarem a aplicação restritiva do princípio apenas em relação aos interditos

possessórios, fazem importante advertência: “É preciso mencionar, entretanto, que o juiz

deverá conhecer do pedido na medida exata em que se encontra deduzido pelo autor ou réu

(já que a ação é dúplice), não podendo ser alterada a causa de pedir. Essa fungibilidade é

válida para qualquer um dos três interditos (...).”306

Cabe assinalar que o interdito proibitório está disciplinado na Seção III do

Capítulo V do Livro IV do Código de Processo Civil, que trata das ações possessórias,

enquanto a fungibilidade consta do artigo 920, que integra a Seção I.

O artigo 933 prevê a aplicação ao interdito proibitório do disposto na Seção

anterior (Seção II), que trata do procedimento das ações de reintegração e manutenção de

posse.

305 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: processo de execução a procedimentos especiais,

cit., v. 3, p. 224. 306 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1.137.

Page 161: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

161

Considerando todavia que os motivos que levam à aplicação da fungibilidade são

plenamente pertinentes em relação ao interdito proibitório, resulta possível que se sujeite a

mencionada ação ao princípio antes examinado.

3.4.3.3 Da cumulação de pedidos

A cumulação de pedidos nas ações possessórias está prevista no artigo 921 do

Código de Processo Civil.

Faz-se mister observar que o artigo 292 do Código prevê os requisitos para a

cumulação de pedidos, entre os quais estabelece o seu inciso III a adequação para todos

eles do tipo de procedimento.

No mesmo artigo, o parágrafo 2º fixa a possibilidade de opção pelo procedimento

ordinário, quando para cada pedido corresponder tipo diverso de rito.

Conforme é cediço, o artigo 921 não se cuida de mera repetição do artigo 292,

mas de regra especial, que afasta, destarte, a geral.

Significa assim que para a cumulação dos pedidos arrolados nos incisos I a III do

artigo 921, quais sejam condenação em perdas e danos, cominação de pena, desfazimento

de construção ou plantação feita em detrimento da posse do autor, não há necessidade que

o promovente da demanda abdique do procedimento especial.

Pode-se dizer com fulcro em lição de Adroaldo Fabrício307 que as perdas e danos

indenizáveis são aquelas diretamente relacionadas com a ofensa à posse.

No caso da cominação de pena, o interdito proibitório é da essência da própria

ação e, em se tratando de turbação ou esbulho acidental e facultativo, tem como base a

suposição de se alguém ofende a posse uma vez, poderá reiterar a conduta no futuro.

307 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 486-491.

Page 162: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

162

Na hipótese de construções ou plantações, há que se distinguir duas situações.

Se a realização de construções ou plantações constituir por si mesma o ato

turbativo ou esbulhatório, a manutenção ou reintegração envolve obrigatoriamente o

desfazimento, sendo a cumulação, portanto, desnecessária.

Assim, o pedido cumulado de desfazimento de construção ou plantação deve se

referir às obras realizadas pelo ofensor no interregno em que deteve ilicitamente a coisa,

não podendo se referir a construções ou plantações cuja execução não guarde vínculo

lógico com a questão possessória.

3.4.3.4 Da liminar possessória

Dispõem os artigos 924, 927 e 928 sobre a adoção do procedimento especial para

as ações possessórias, quanto intentadas dentro de ano e dia da ofensa à posse, devendo a

prova e os requisitos para a concessão de liminar serem produzidos pelo autor.

Conforme se pode extrair do artigo 1.208 do Código Civil, apenas quando houver

a cessação da violência ou da clandestinidade é que se iniciará a contagem do prazo de ano

e dia para que a ação tramite no procedimento especial.

No caso em que a vítima da ofensa à posse não teve efetiva ciência de sua

ocorrência, tem aplicação o artigo 1.224 do Código Civil, que determina só se considerar

perdida a posse para quem não presenciou o esbulho quando, tendo notícia dele, se abstém

de retomar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.

Tratando-se de precariedade, o esbulho se tem como caracterizado a partir da

inversão do ânimo da posse, quando se inicia a contagem do prazo de ano e dia retro

citado.

A liminar possessória tem natureza satisfativa e não cautelar, já que a medida

antecipa os efeitos da sentença a ser prolatada.

Page 163: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

163

Não obstante sua natureza satisfativa, bem como seu caráter revogável e

provisório, que a aproximaria da tutela antecipada, os dois institutos não se confudem.

A respeito do tema, vale referir ao magistério de João Batista Lopes:

“Cotejemos, agora, a tutela antecipada com a liminar possessória. Ambas têm em comum, também, a provisoriedade (qualidade própria de qualquer liminar) e a satisfatividade. O grau de satisfatividade difere, porém, numa e outra. Na tutela antecipada, adiantam-se os efeitos práticos do mérito, que em regra, não tem o mesmo elastério da sentença final (v.g., antecipação de parte da indenização pleiteada para atender a situação de emergência hospitalar). Na liminar possessória adianta-se, ainda que provisoriamente, o próprio resultado pretendido pelo autor (v.g.,reintegração de posse). Nesta última, a tutela final da sentença nada acrescentará à liminar possessória, salvo se houver cumulação de pedidos (v.g., indenização por perdas e danos). Também são diferentes os requisitos de uma e outra. Para a liminar possessória, não se exige prova inequívoca, nem o periculum in mora, sendo suficiente a prova dos requisitos do artigo 927 do CPC (posse, reintegração ou turbação, prazo de menos de ano e dia). É claro, porém, que a liminar possessória só será concedida se o juiz entender suficientemente provados os fatos. Outra diferença está na revogabilidade da tutela antecipada prevista expressamente no texto legal. Já em relação à liminar possessória, a ausência de recurso do réu opera preclusão, vale dizer, o juiz não pode, de ofício, revogar a liminar.308 Por último, a liminar possessória não se sujeita ao requisito da reversibilidade, conquanto se considere não absoluta tal exigência em relação à tutela antecipada.”309

Questão que nos parece relevante é a admissibilidade ou não da concessão de

tutela antecipada genérica, prevista no artigo 273, caso a parte não preencha os requisitos

para a liminar possessória, se, por exemplo, tiver intentado a ação quando superado o prazo

de ano e dia da ofensa à posse.

Luiz Guilherme Marinoni 310 , Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery311 e João Batista Lopes312 admitem a concessão de tutela antecipada, tramitando a

308 O tema relativo à possibilidade de revogação da liminar de ofício pelo juiz não se mostra totalmente

pacificado, tendo o Superior Tribunal de Justiça, em relação à tutela antecipada, decidido: “O juiz pode revogar a antecipação de tutela, até de ofício, sempre que, ampliada a cognição, se convencer da inverossimilhança do pedido” (STJ –RESP n. 192.298/MS, 3ª T., rel. Min. Ari Pargendler). Como para concessão da tutela antecipada também se exige pedido e tanto como na liminar possessória a cognição, no plano vertical, não é exauriente, poderia se cogitar da invocação do referido precedente, quando a instrução probatória realizada vier a levar o magistrado à conclusão de que não seria cabível a manutenção da decisão interlocutória concessiva da liminar. A Conclusão n. 46, majoritária, do VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada foi, porém, no seguinte sentido: “Concedida a liminar em ação possessória, não pode o juiz revogá-la, salvo através do juiz de retratação do agravo.” (Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 160).

309 João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, cit., p. 149. 310 Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 125.

Page 164: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

164

ação possessória sob o rito comum, cujos requisitos, porém, serão os previstos no artigo

273, caput e incisos I e II.

Não se admitirá, conforme João Batista Lopes, que se formule pedido bifronte, ou

seja, liminar possessória e tutela antecipada.

Diverge de tal posicionamento, Clito Fornaciari313, sustentando que o prazo de

ano e dia não é somente uma questão processual, mas um elemento que separa a posse

nova da velha, sujeitas a regimes jurídicos de direito material diferenciados.

Afirma que o legislador proíbe o rito especial para as ofensas à posse praticadas

há mais de ano e dia, porque está preocupado com o próprio direito, e não com o

procedimento para sua discussão, e consigna: “O que a norma prevê, quando decodificada,

é que o esbulhador há mais de um ano e dia tem direito material que lhe enseja proteção

jurídica a seu favor, ainda que originariamente a sua posse fosse viciada.”

Reporta-se o autor a vários julgados que afastaram a aplicação do artigo 273 aos

procedimentos possessórios promovidos depois de ano e dia do ato que ofende a posse.

Conclui assim que o sistema jurídico já teria definido a situação possessória que

ele entende verossímil e passível de importar em dano irreparável para fins de concessão

de liminar, colocando entre seus requisitos o aspecto temporal.

Temos que o melhor entendimento seria aquele que admite a concessão de tutela

antecipada genérica nas ações possessórias, ajuizadas depois de ano e dia do ato de ofensa

à posse.

Os argumentos utilizados para a defesa da aludida posição se mostram sólidos.

311 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1.144. 312 João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, cit., p. 104. 313 Clito Fornaciari Júnior, Da tutela antecipada nas possessórias fundadas na posse velha, Revista do

Instituto dos Advogados de São Paulo, ano 7, n. 14, p. 171-179, jul./dez. 2004.

Page 165: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

165

A ação terá curso no procedimento comum e aquele que pretenda a concessão da

tutela antecipada deverá observar os requisitos próprios do artigo 273, que se diferenciam

dos exigidos para a liminar possessória.

Ora, tendo a parte prova inequívoca e sendo verossímeis suas alegações,

caracterizando-se quaisquer das hipóteses dos incisos I e II do artigo 273, que tratam,

respectivamente, da tutela de urgência e da evidência, a admissibilidade da antecipação

preconizada vem de encontro à própria idéia de efetividade do processo, tão cara nos dias

atuais.

Postergar eventual realização do direito, ainda que provisória e revogável, seria

dar ensejo a uma procrastinação ou morosidade que se choca com os escopos maiores do

processo civil moderno.

3.4.3.5 Do caráter dúplices das ações possessórias e algumas de

suas implicações

Examinadas a legitimidade, a fungibilidade, a cumulação de pedidos e a

concessão de liminar, procuraremos cotejar o quanto exposto com o chamado caráter

dúplice das ações possessórias.

Inicialmente, dentro do presente tópico, cabe realçar que não obstante

historicamente, como alhures demonstrado, se reconhecesse o caráter dúplice das ações

possessórias, elas não ostentariam tal qualidade por natureza.

Adroaldo Fabrício, debruçando-se sobre o tema, assim se pronuncia, ao questionar

se qualquer dos interditos possessórios se enquadraria na categoria dos juízos dúplices por

natureza:

“Parece-nos que não. Em matéria de proteção possessória supõe-se a existência de um possuidor e de um ofensor da posse; as correspondentes legitimação ativa e passiva são definidas por essas mesmas posições e não são intercambiáveis. O que antes denominamos polaridade da relação processual acha-se predeterminada antes mesmo da instauração

Page 166: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

166

do processo. Basta que se confronte a situação com os exemplos anteriores de divisão e demarcação para fazer saltar à vista a diferença. E no entanto a lei tornou dúplice a ação possessória ao permitir que o juiz, no mesmo processo e independentemente de reconvenção dispensasse a proteção possessória ao réu, se ele a requerer para si e prova os requisitos que normalmente se exigiriam ao autor. Cumpre destacar, ainda a esse propósito, que a simples improcedência da ação, por si só, não representa tutela judicial dispensada à posse do demandado, o que, ocorrendo poderia fornecer argumento favorável à duplicidade ‘natural da ação possessória’. Mesmo quando o juiz afirma ser possuidor o réu, e ser justa e de boa-fé a sua posse em face do autor, não lhe está dispensando tutela possessória: está, simplesmente, fundamentando a improcedência da demanda. A revogação da liminar que eventualmente haja sido deferida ao autor é simples restituição das partes ao statu quo ante.”314

Para o autor, com o qual concordamos, diante dos argumentos expostos, a

duplicidade das ações possessórias corresponderia a uma opção do legislador, tanto assim,

diz ele, que a maioria dos sistemas legislativos a desconhece e o próprio direito material

brasileiro só a admitia parcialmente, no artigo 374 do Código de 1939, para perdas e danos,

mesmo existindo precedentes legislativos como nos Códigos de São Paulo (art. 612) e do

Espírito Santo(art. 432).

Referida questão remete a matéria já anteriormente observada, no sentido de que

se extrai da doutrina majoritária a concepção de que seria dúplice a ação nas quais as

posições de autor e réu se confundem, podendo esse último formular o pedido de um bem

da vida para si, independentemente de reconvenção.

O caráter dúplice das ações acaba por assumir um espectro extremamente elástico,

daí a distinções entre aquelas que seriam naturalmente dúplices e outras em que tal

qualidade decorreria de opção do legislador, ou ainda, as que o seriam intrinsicamente em

oposição às que não ostentariam tal caráter.

A distinção não se restringiria apenas ao aspecto teórico, mas teria efeitos

práticos, já que a eventual improcedência do pedido, nas ações dúplices em sentido estrito,

ou dúplices por natureza, levaria a que o réu obtivesse o próprio bem da vida disputado,

independentemente inclusive de pleito por ele formulado.

314 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 495-496.

Page 167: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

167

Tereza Arruda Alvim Wambier315 igualmente se filia à corrente que classifica as

ações possessórias como dúplices por força de lei.

Antonio Carlos Marcato316 define como dúplices as ações nas quais o autor e réu

ocupam simultaneamente ambas as posições subjetivas na base da relação jurídica

processual, podendo o último obter, independentemente de pedido (mas sem prejuízo dele),

o bem da vida disputado, como conseqüência direta da rejeição do pedido do primeiro,

como sucede, v.g., nas ações de prestação de contas e de divisão e demarcação de terras.

Partindo, destarte, da premissa de serem as ações possessórias dúplices por força

de lei, cabe cogitar se a fungibilidade se aplicaria ao réu e se ele poderia, como o autor,

cumular pedidos e pleitear liminar ou tutela antecipada na contestação.

Tereza Arruda Alvim Wambier 317 responde afirmativamente às três hipóteses

aventadas, observando que o réu pode fazer outras cumulações que não as do artigo 921,

aplicando-se, nesse caso, a regra geral do artigo 292, parágrafo 2º.

Quanto à fungibilidade pondera que se aplica à duplicidade, porque o autor pode

pleitear reintegração e o réu, manutenção.

Entendemos que efetivamente se as razões que alicerçam a fungibilidade antes

mencionadas estiverem presentes, não obsta a que o réu possa dela se aproveitar.

Quanto à cumulação de pedidos, parece-nos que pode se dar em ambos os pólos,

observando-se o procedimento especial, caso se restrinja ao quanto consta no artigo 921,

incisos I a III, e em caso contrário se aplicaria o artigo 292, parágrafo 2º.

Tratar-se-á, ademais, de cumulação superveniente e heterogênea, porque realizada

no curso do processo e feita por partes diferentes, razão pela qual não se aplicaria o

requisito do artigo 292, inciso I do Código de Processo Civil, qual seja, a compatibilidade

de pedidos, que poderiam, à evidência, conflitar.

315 Tereza Arruda Alvim Wambier, Ações possessórias, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos

Tribunais, ano 11, n. 43, p. 187, jul./set. 1986. 316 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 62 e 154. 317 Tereza Arruda Alvim Wambier, Ações possessórias, cit., p. 187-188.

Page 168: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

168

A questão relativa à possibilidade de liminar a ser pleiteada pelo réu na

contestação, em função do caráter dúplice da demanda possessória, não é contudo pacífica.

Joel Dias Figueira Júnior nega tal possibilidade, advertindo que a natureza dúplice

das ações possessórias encontraria uma limitação intransponível de ordem fática e

instrumental, afirmando sobre o aludido obstáculo:

“Esse obstáculo exsurge fundamentalmente por duas razões: ou a contracautela é desnecessária, porque a liminar foi negada ao autor no caso de reintegração de posse, permanecendo o bem em poder do réu, resultando, via de conseqüência, na falta de interesse processual, ou nos demais casos, por impossibilidade procedimental, senão vejamos. Se o autor obteve a tutela antecipatória, não poderá o réu, na mesma relação processual e em momento procedimento sucessivo, que é a contestação, pleitear e conseguir providência inversa, a qual em outras palavras, significa revogação da medida anteriormente deferida por intermédio de mecanismo não habilitado à impugnação das decisões judiciais. Assim como não se admite a utilização dos remédios cautelares para a obtenção da cassação e providência emergencial anteriormente concedida, por intermédio de outra liminar, pelos mesmos motivos não se pode permitir contracautela antecipatória interdital, sob pena de resultar em inconciliáveis conflitos de decisões judiciais, que dariam azo à insegurança dos litigantes, diante das traumáticas modificações da situação fática, com reflexos de ordem sócio-econômica e política, pelo descrédito dos jurisdicionados nas providências tomadas pelo Estado-juiz.”318

Parece-nos que a razão se encontra com Joel Dias Figueira Júnior, e seus

argumentos seriam aplicáveis à hipótese em que o autor tenha pedido tutela antecipada e

não tenha logrado alcançá-la por ausência de interesse processual ou quando a obteve, e

caberia ao réu interpor eventual agravo de instrumento.

Entendemos ainda que sendo a ação dúplice, por força de lei ou pela própria

natureza, ao réu será possível pleitear a tutela antecipada, ressalvada a hipótese supra

referida, se presentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, já que

contra-atacando assumiria a posição de autor podendo pedir a antecipação da tutela de

mérito da ação intentada por ele.319

318 Joel Dias Figueira Júnior, Liminares nas ações possessórias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.

262. 319 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 647.

Page 169: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

169

3.4.3.6 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações

possessorias

Face ao que dispõe o artigo 922 do Código de Processo Civil, que atribuiria às

ações possessórias caráter dúplice, pode-se discutir sobre a possibilidade ou não de

reconvenção nas ditas demandas.

Jacy de Assis320, José Frederico Marques321 e Clito Fornaciari322 entendem não ser

admissível a reconvenção, em função da natureza dúplice das ações possessórias, faltando

ao réu interesse de agir para o seu oferecimento, dado que a sua contestação equivaleria a

um contra-ataque.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery323, Adroaldo Fabrício324 e

Antonio Carlos Marcato325 admitem o oferecimento da reconvenção, desde que se tratando

de pedidos de natureza diversa, não incluídos no caráter dúplice da ação constante do

artigo 922, quais sejam, proteção possessória e indenização por perdas e danos.

Temos para nós que a última posição é que deve prevalecer, tanto mais que a

especialização do procedimento nas ações possessórias se dá pela eventual concessão de

liminar e a realização de audiência de justificação, passando a se adotar, a partir da

resposta, nos termos do artigo 931, o rito ordinário.

320 Jacy de Assis, Procedimento ordinário, São Paulo: Lael, 1975, p. 107. 321 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1974, cit., v. 2, p. 389. 322 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 137. 323 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1.139. 324 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 499. 325 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 179. O autor inclusive cita precedente do

Superior Tribunal de Justiça: “A natureza dúplice da ação possessória, no rastro do artigo 922 do Código de Processo Civil, não tem o condão de afastar, em tese, a possibilidade de reconvenção.” (STJ – RESP n. 119775/SP, 3ª T., rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 12.05.1998, v.u., DJU, de 02.06.1998, p. 73, RSTJ 112/169).

Page 170: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

170

3.4.4 Das ações de divisão e demarcação de terras particulares –

Aspectos gerais e breve evolução histórica

Conforme ensinam Hamilton de Moraes e Barros326 e Clóvis de Couto e Silva327,

no direito romano havia três espécies de ações divisórias: a ação finium regundorum, a

familiae erciscundae e a communi dividundo, que nos dias atuais teriam a denominação de

ação de demarcação, ação de partilha e ação de divisão. Todas elas possuíam como ponto

comum a pretensão de tornar certas, fixas, delimitadas e definidas as propriedades,

diferenciando-se, contudo, nos seus fundamentos e requisitos.

A finium regundorum teria lugar quando a comunhão viesse a resultar da confusão

entre os exatos limites de dois prédios. Seu objeto era fixar os limites entre os prédios,

rurais ou urbanos, estabelecendo e marcando no solo as linhas que os separam, levando ao

desaparecimento da confusão dos limites entre os prédios.

A ação familiae erciscundae se aplicaria quando a comunhão se filiasse à

sucessão ou tenha sido havida a coisa por título universal.

No caso da communi dividundo, se aplicaria às coisas oriundas a título singular.

As duas últimas ações referidas teriam entre si como comum o fato de fazer

terminar a comunhão, individuando a parte que cabe a cada comunheiro.

Além da distinção antes feita, vale dizer, conforme a divisão se faça tendo como

base se a coisa foi havida a titulo singular ou universal, a familiae erciscundae

compreenderia todo o patrimônio disponível do de cujus.

No caso da ação de divisão, embora possam ser propostas várias demandas, a

regra é que ela seja limitada à coisa objeto do litígio.

326 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense,

1977, v. 9, p. 16-17. 327 Clóvis de Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 11, t. 1, p. 188-189.

Page 171: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

171

As Ordenações Filipinas tratavam do direito à divisão no Primeiro Livro, Título

LVIII, 37 e da demarcação no mesmo Livro, Título XVI, parágrafo 9º e no Título L,

parágrafo 2º.

O Código de Processo Civil de 1939 disciplinava a ação de divisão e demarcação

de terras no Título XIX do Livro IV, destinado aos processos especiais, não fazendo

alusão, como o Código, atual à expressão “terras particulares”.

Haveria duas razões, uma de ordem histórica e outra sistemática.

O Decreto n. 720, de 05.09.1890, que substituiu, em parte, a Consolidação de

Ribas, já preconizava que o regulamento se observaria na divisão e demarcação de terras

particulares.

A razão de ordem sistemática se assenta no fato de que as terras devolutas se

submetem à disciplina da Lei n. 6.383/76, instituidora da ação discriminatória, não

estando, portanto, mais sob a regência do Código de Processo Civil.

É preciso observar que a divisão e a demarcação podem ser feitas

extrajudicialmente, em havendo consenso, no referido sentido, pelos condôminos ou

vizinhos.

Como realça Vicente Greco328, o Código atual, diferentemente do que fazia o de

1939 (art. 440), não prevê a ação de divisão em que as partes são concordes, e havendo

incapaz, se aplicaria o procedimento geral da jurisdição voluntária (art. 1.103).

Se todos forem maiores, capazes e sendo o imóvel divisível, quanto à

possibilidade física, natural, econômica e de utilidade, bem como perante o direito, faltará

interesse processual para ajuizamento da ação, uma vez que para viabilizar a divisão,

havendo concordância plena, ela poderá se perfazer por escritura pública, exigindo-se

outorga uxória, exceto quando se cuide de bem que pertença exclusivamente a um dos

cônjuges, tendo o matrimônio se realizado no regime da separação absoluta de bens.

328 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: processo de execução a procedimentos especiais,

cit., v. 3, p. 238.

Page 172: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

172

Não obstante os pontos comuns antes expostos, pode-se distinguir a pretensão

divisória da demarcatória.

Consoante explicita Antonio Carlos Marcato329, o Código Civil (art. 1.320) e o

Código de Processo Civil (art. 946) permitem a divisão da coisa comum, para extinguir o

estado de comunhão entre os condôminos, quando não mais houver interesse em mantê-lo

e se revele inviável fazê-lo amigavelmente, ressalvando as hipóteses em que a demanda se

mostra incabível.

Com efeito, se a coisa for indivisível ou se torne por ela imprópria ao seu destino,

deverá se adotar o quanto previsto nos artigos 504 a 1.322 do Código Civil.

No caso de imóvel rural, a divisão deverá observar os quinhões de dimensão

superior à constitutiva do módulo de propriedade rural (art. 65 da Lei n. 4.504/64).

Tratando-se da demarcatória, nos termos dos artigos 1.297 do Código Civil e 946,

inciso I do Código de Processo Civil, a pretensão estará voltada à fixação de rumos novos

entre os prédios confinantes ou aviventar os existentes.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 330 arrolam os seguintes

requisitos para o exercício da ação demarcatória: a) a existência tanto do autor, como do

réu, de direito real sobre a coisa demarcanda, prédio rural ou urbano; b) haver contigüidade

de prédios; c) existir confusão entre os limites, ou risco de haver confusão entre os limites

dos prédios confinantes.

Denomina-se simples a ação quando se pleiteie apenas a demarcação de áreas, e

qualificada na hipótese de se formular ainda pedido de reintegração na posse ou

reivindicação da propriedade.

329 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 188. 330 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1.155.

Page 173: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

173

Sobre a natureza da ação demarcatória e da divisória, ensina João Batista Lopes331

que a primeira é preponderantemente declaratória, uma vez que não cria, modifica ou

extingue situação jurídica anterior, mas apenas desfaz a insegurança existente sobre os

limites entre prédios.

No que toca à ação de divisão, em que se desfaz a comunhão, surgindo

propriedades distintas, observa o autor, na demarcatória não existe alteração do estado

jurídico preexistente, mas apenas a “clarificação dos direitos das partes”.

3.4.4.1 Da legitimidade ativa e passiva para as ações de

demarcação e divisão de terras particulares

No caso da demarcatória, a interpretação literal do artigo 946, inciso I levaria à

conclusão de que apenas o proprietário pode intentar a ação, posição que é acolhida por

Antonio Carlos Marcato.332

Sílvio Venosa333 admite seja a ação proposta pelo possuidor, quando a declaração

da sentença se restringirá à delimitação do fato da posse. Assim, poderiam dois

possuidores limítrofes se deparar com a necessidade de definir os marcos ou divisas de

suas posses.

Hamilton de Moraes e Barros entende igualmente ser a legitimidade ativa e

passiva exclusiva do proprietário, embora também entenda ser legitimado ativo o

promitente-comprador, desde que o compromisso esteja registrado perante o registro

imobiliário, o que lhe confere direito real de aquisição (arts. 5º e 22 do Dec.-Lei n. 58/37 e

25 da Lei n. 6.766/79).

Menciona contudo argumentos relevantes, considerando especialmente a natureza

dúplice da ação, para concluir que a legitimação seria do proprietário.

331 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 101. 332 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 191. 333 Sílvio de Salvo Venosa, Diretos reais, São Paulo: Atlas, 1995, p. 242.

Page 174: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

174

Reporta-se ao fato de que, no Código de 1939 (art. 415), se atribuía legitimidade

passiva aos possuidores do prédio confinante, provocando o entendimento inacolhível de

ter curso o processo contra o mero possuidor desprovido de propriedade.

Tratando-se especificamente da natureza dúplice da ação e como tal circunstância

poderia influenciar a legitimidade, assinala:

“Sendo a demarcatória ação dúplice, em que o autor pode virar réu e o réu tornar-se autor, independentemente de reconvenção, a legitimação passiva irá, por certo, repercutir na legitimação ativa, igualando as duas. E o raciocínio é simples e lógico: Se o proprietário, em defesa do seu pedido, pode promover demarcação contra o simples possuidor do prédio limítrofe, não se compreenderia que esse réu igual direito tivesse, também, de defender o seu prédio, contra o confinante que teve a iniciativa.”334

Para o autor, com quem entendemos subsiste razão sobre o tema, a mesma

legitimidade do promovente devem ter os promovidos, que já vão disputar sobre prédios,

sobre direitos reais, em ação dúplice, isto é, em ação onde possuem as mesmas

possibilidades, faculdades e perspectivas.

Caso o processo venha a ser intentado em face do possuidor, a sentença prolatada

seria res inter allios para o proprietário, como prevê o artigo 472 do Código de Processo

Civil, ao estabelecer a regra sobre os limites subjetivos da coisa julgada.

Em havendo divisão do direito de propriedade entre vários titulares diferentes,

todos deverão estar no processo, na qualidade de litisconsortes.

Reporta-se ao magistério e Pontes de Miranda, no sentido de eventual lide entre

possuidores sobre as áreas em que exercem posse e disputa possessória, e não demarcação

da propriedade.

Quanto à divisória, afirma ser a legitimidade privativa do condômino, ou seja, do

titular do ius in re, não se exigindo, todavia, que seja proprietário pleno.

334 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 70-74.

Page 175: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

175

Assim, aplicar-se-ia a ação de divisão aos outros direitos que se exercitam pela

posse, como o uso, o usufruto, o aforamento, desde que os desmembrados estejam em

estado de comunhão.

Se a posse do imóvel for total, tendo completado os requisitos para declaração do

domínio pela usucapião, não precisará pedir a divisão, já que a ocupação de toda a área que

intenciona usucapir vai culminar com a propriedade exclusiva.

Caso seja parcial, estará localizada dentro de certos limites, presumidamente

certos, de tal sorte que adquirida por usucapião a área possuída se desmembrará do imóvel

comum, cabendo apenas, se necessário, a demarcatória e não a divisória, que teria perdido

seu objeto.

Ressalve-se a posição de Ernane Fidélis335, que reconhece legitimidade para o

pedido de divisão ao compromissário comprador, desde que tenha contrato sem cláusula de

arrependimento, devidamente registrado na serventia imobiliária, já que o “direito real lhe

dá titulação de efeito definitivo”, devendo porém, pela comunhão de interesses, pedir a

citação do promitente-vendedor.

No caso da demarcatória, havendo mais de um vizinho, deverá se formar um

litisconsórcio passivo necessário, e na divisória, sendo ela intentada por um dos

condôminos, os demais integrarão o pólo.

Vale assinalar que poderá haver, conforme dispõe o artigo 947, cumulação das

ações de divisão e demarcação. Em tal hipótese, prevê o Código de Processo Civil que

primeiramente se processará a demarcação da coisa comum, citando-se os confinantes e

condôminos.

Como os réus das ações são distintos (na demarcatória os vizinhos e na divisória

os condôminos), deverá ser citado o proprietário do imóvel contíguo para integrar o pólo

passivo e os demais condôminos, que ocuparão o pólo ativo na qualidade de litisconsortes

necessários.

335 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 81.

Page 176: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

176

Conforme estabelecido no artigo 948, primeira parte, prolatada a sentença na ação

demarcatória, fixando-se os limites entre os imóveis, terá processamento da divisória

apenas entre os condôminos, ressalvando a última parte do dispositivo a possibilidade do

proprietário do imóvel confinante propor reivindicatória, possessória ou indenizatória, caso

feitas as demarcações, sobrevier a invasão de sua área.

3.4.4.2 Cumulação de pedidos e a sentença

O artigo 951 consigna a possibilidade de cumulação da demarcatória com queixa

de esbulho ou turbação.

Cumpre, ainda que de forma sintética, relembrar a divergência doutrinária a

respeito de se tratar de ação demarcatória com pedido de restituição da coisa fundada em

domínio ou se a hipótese é de cumulação de pedido demarcatório e possessório.

Alinham-se à primeira corrente, Antonio Carlos Marcato336 e Ernane Fidelis, que

ressalta:

“O confinante (autor) não está pedindo manutenção ou reintegração, mas apenas denunciando um fato, com a conseqüência de que, se provado o que alega, vai ficar o confinante (réu) caracterizado como turbador ou esbulhador, com a obrigações decorrentes de tal situação. Não há propriamente, porém, procedimento de ação possessória. Inclusive não se pode nem pensar em deferimento de mandado liminar. A sentença que dá pela procedência do pedido demarcatório, no caso, se reconhecer o esbulho ou a turbação denunciados, apenas os declara, fixando, conforme o pedido, rendimentos a se restituírem ou indenização pelos danos, esbulho ou turbação que o juiz está apto a declarar, pois nesta fase, já se fixa o traçado da linha demarcanda.”337

Por sua vez, Clóvis do Couto338 e Hamilton de Moraes e Barros sustentam a

segunda posição, afirmando este último:

“Pode, conforme o Código de 1973, estar a demarcatória cumulada com queixa de esbulho ou de turbação, pedindo-se a restituição do terreno invadido, a dos rendimentos que produziu, ou a indenização. Trata-se de

336 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 193-194. 337 Ernane Fidelis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 6, p. 257-259. 338 Clóvis de Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 11, t. 1, p. 206.

Page 177: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

177

cumulação inicial, possibilidade tranqüila, de permissão em texto expresso. São, entretanto, requisitos deste cúmulo que o promovente tenha tido a posse do terreno cuja restituição reclama e que o esbulhador ou turbador seja o confrontante diante do qual se põe a demarcatória.”339

Não obstante os argumentos utilizados, a ação demarcatória tem natureza

petitória, de tal forma que a restituição da área ocupada pelo vizinho teria como fulcro o

jus possidendi.

Referida questão tem importância, e por isso foi aqui ventilada, porque dado

caráter dúplice da ação demarcatória, poderá o réu, na contestação, igualmente apresentar

queixa de esbulho ou de turbação, com a restituição do terreno invadido e ainda eventuais

rendimentos obtidos pelo autor ou indenização por danos sofridos.

Quanto à sentença prolatada nas ações demarcatórias e divisórias, poderá se ter

uma de natureza declaratória e outra constitutiva.

Na divisória, em sendo procedente o pedido, o juiz reconhecerá o direito à

divisão, que somente será extinta com a segunda sentença que porá fim ao condomínio,

tendo ainda natureza executiva.

Conforme ensina Antonio Carlos Marcato340, na demarcatória, se proposta com

fundamento no artigo 1.297 do Código Civil, a sentença de procedência será declaratória,

pois reconhecerá, com fulcro nos títulos de domínio, que estão aviventados os rumos

apagados ou renovados os marcos destruídos ou arruinados.

Se a hipótese tiver como fulcro o artigo 1.298 do Código Civil, vale dizer, seu

objeto for o desfazimento de confusão de limites entre prédios, a sentença terá natureza

constitutiva e determinará a divisão entre os confiantes da área ou, sendo ela impossível,

determinará a adjudicação a um deles, mediante indenização à parte prejudicada.

339 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 82. 340 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 189.

Page 178: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

178

A sentença homologatória do artigo 966 do Código de Processo tem natureza

meramente declaratória, uma vez que se restringe a declarar cumpridos os trabalhos de

campo, na forma prevista na lei.

3.4.4.3 Do caráter dúplice das ações de demarcação e divisão e

suas implicações

As ações demarcatórias e divisórias são dúplices e deriva tal qualidade da própria

natureza do direito material, confundindo-se as posições de autor e réu, diferenciando-se

um do outro, pode-se dizer, apenas pela iniciativa de promover a ação.

Referida qualidade gera importantes conseqüências, como as que Hamiton de

Moraes e Barros enfatiza:

“A demarcatória e a divisão são ações dúplices. Não existem nestas duas ações, a rigor, nem autores, nem réus. É por isso que as partes são chamadas de promoventes e promovidos. Pode qualquer dos promovidos realizar a atividade processual própria do promovente, o qual é tido como autor pelo simples fato e exclusivo motivo de ter iniciado o procedimento. Seu pedido é o mesmo que normalmente fazem os promovidos, ou seja, a divisão ou a demarcação. Tanto o promovente como o promovido – qualquer deles –tem o impulso processual e o dever de impulso, ou seja, qualquer das partes pode fazer andar o processo, se ocorrer a inércia da outra. A inércia processual do promovente não vai produzir os mesmos efeitos da inércia do autor. Não vai dar lugar à extinção do processo sem o julgamento do mérito, não sendo de aplicar-se aqui o disposto nos incisos II, III e VIII do artigo 267 do Código de Processo Civil. Sendo todos – o promovente e os promovidos – titulares do impulso processual, a inércia processual seria de todos e nenhum poderia invocá-la no que seria um seu proveito. Além disso, é do interesse de todos que se faça a divisão que se proceda à demarcação. Tendo qualquer das partes o impulso processual, ou melhor dito, sendo de cada uma delas, por igual, o ônus de tal movimentação, nenhuma poderia argüir a inércia alheia, pois que uma tal falta seria também, por igual, da parte que a invocasse.”341

341 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 30-31 e 53-55.

Page 179: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

179

O mesmo autor ainda destaca que para efeito de solução da lide, deverá prevalecer

o resultado conjunto dos títulos e da combinação e sucessão dos critérios estabelecidos no

Código Civil.

Assim, se os promovidos vierem a silenciar sobre o traçado da linha sugerida pelo

promovente, ela se fará não em decorrência do pedido formulado pelo demandante, mas

pelo que resultar dos títulos, da posse ou dos critérios estabelecidos no direito material e

ficar consubstanciado no laudo dos arbitradores e da planta, bem como do memorial das

operações em campo.

Ressalta, de outra banda, que se um dos promovidos oferecer outro traçado para a

linha, diverso do sugerido pelo promovente, se não prosperar a pretensão desse último, por

não haver demonstrado que os legítimos limites são os que propõem, nem por isso

automaticamente será vitoriosa a linha que o promovido dissidente haja sugerido.

Tanto na divisória, como na demarcatória, a duplicidade não se trata de mera

opção do legislador, mas decorre, como dito, da própria relação de direito material.

Em tal hipótese, a pretensão do réu já estaria inserida no objeto do processo, a

partir da propositura da ação pelo autor.

Face à referida circunstância, em sobrevindo o decreto de carência do autor, o

direito material por ele postulado não será apreciado pelo Poder Judiciário, impedindo

qualquer provimento sobre a pretensão do réu.

Sobre o caráter dúplice da ação demarcatória, pertinente ainda o magistério de

João Batista Lopes:

“Ao revés do que ocorre nas ações simples, na demarcatória a sucumbência do autor não implica somente o ônus de pagar as custas e honorários, mas pode traduzir o acolhimento da pretensão deduzida pelo réu. Desse modo, na ação demarcatória, sem a necessidade de reconvenção, o réu pode oferecer ao juiz, relativamente à linha lindeira, plano diferente do apresentado pelo autor e ver acolhida sua pretensão.”342

342 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 101-102.

Page 180: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

180

3.4.4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações

demarcatórias e divisórias

Antes do exame do cabimento ou não da reconvenção nas ações demarcatórias e

divisórias, pode-se observar que a leitura do artigo 954 do Código Civil é suscetível de

fomentar ao menos duas dúvidas.

O citado dispositivo estabelece que feitas as citações, os réus terão o prazo

comum de vinte dias para contestar.

Cabe assim primeiro indagar se o referido prazo apenas será aplicável quando

houver litisconsórcio passivo ou se deverá ser observado apenas que não haja pluralidade

subjetiva da lide.

Hamilton de Moraes e Barros343 e Clóvis do Couto e Silva344 sustentam que o

prazo de vinte dias apenas será aplicável se existente litisconsórcio.

Divergem de tal posição Antonio Carlos Marcato 345 e Ernane Fidélis 346 ,

assentando que o prazo, mesmo em não havendo litisconsórcio, será de vinte dias.

Assinala o último autor referido com argumentos que, ao nosso alvitre, devem ser

acolhidos, que a matéria relativa a prazos deve submeter-se a uma interpretação ampla,

favorecendo o seu destinatário.

Quanto à segunda questão, diz respeito ao uso do verbo “contestar” no artigo 954.

Se entendido que o legislador teria utilizado a palavra em seu sentido estrito, vale dizer,

como espécie do gênero resposta do réu, não se poderia cogitar de qualquer outro

posicionamento por parte dele.

343 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 89. 344 Clóvis de Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 11, t. 1, p. 210. 345 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 196. 346 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 6, p. 262.

Page 181: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

181

Ao reverso, se uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil vier a

considerar que a palavra “contestar” foi usada em sentido amplo, abarcando a resposta do

réu, outras atitudes poderiam ser admitidas.

Parece-nos, conforme interpretação anteriormente referida, que se deve considerar

que a palavra foi utilizada em sentido amplo, de tal sorte que a resposta não se restringiria

à contestação.

Basta, para tanto, lembrar que em vários dispositivos, o Código teria utilizado a

palavra contestar não em sentido estrito, como v.g., nos casos dos artigos 188, 191, 902,

inciso II, 930, 954 e 1.057, entre outros.

Assim, efetuando-se uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil,

chegaríamos à conclusão de que serão admitidas outras formas de resposta pelo réu, a

serem ofertadas no prazo especial de vinte dias, contado na forma do artigo 241.

Quanto à admissibilidade da reconvenção, trata-se de assunto que enseja

controvérsias.

Face ao caráter dúplice da ação, Antonio Carlos Marcato347 e Clito Fornaciari348

posicionam-se contrariamente à admissibilidade da reconveção.

Clito Fornaciari sustenta a inadmissibilidade da reconvenção, mesmo

reconhecendo que, após contestadas, a divisória e a demarcatória passam a observar o

procedimento ordinário, assinalando:

“Por intermédio da ação de divisão realiza-se uma atividade aproximada à de jurisdição voluntária, apesar de seu procedimento estar encartado entre os de jurisdição contenciosa, o que representa um óbice à possibilidade de reconvenção. Em segundo lugar, seria um contra-senso, quanto à demarcação, principalmente, opor-se o confrontante à realização da mesma, pois há um interesse comum. Evidentemente podem surgir dúvidas quanto à área a ser demarcada, o que transforma a questão em demanda possessória, para a qual a reconvenção é desnecessária, devido ao seu caráter dúplice.”349

347 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 196. 348 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 139. 349 Ibidem, p. 139.

Page 182: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

182

Ernane Fidélis350 admite a reconvenção para reivindicação do imóvel e Hamilton

de Moraes e Barros para usucapião351, aduzindo que seria ela conexa com a demarcatória e

que os óbices antes existentes no Código de 1939 para a sua admissão nas ações que

versarem sobre bens imóveis não subsistem no Estatuto vigente.

Para o autor, a reconvenção poderia inclusive evitar o surgimento de decisões

contraditórias.

Entendemos, por óbvio, que para formular pretensão à demarcação ou divisão,

faltaria interesse processual ao réu para o oferecimento de reconvenção, tratando-se de

ações dúplices por natureza.

Nas hipóteses de oferecimento da reconvenção para reivindicação do imóvel ou

para usucapir, conquanto o requisito da conexidade possa ser preenchido, não seria

suficiente para admitir tal contra-ataque do réu.

Com efeito, pode-se discutir se após as modificações introduzidas pela Lei n.

8.591/94, a ação de usucapião continuaria efetivamente a ter procedimento especial, já que

não há mais a audiência de justificação que especializaria o rito.

De qualquer forma, na usucapião há previsão de formação de litisconsórcio

necessário simples (art. 942), intimação das pessoas jurídicas de direito público (art. 943) e

citação editalícia de eventuais interessados.

Haveria, destarte, salvo melhor juízo, uma clara distinção, seja sob o ângulo

procedimental, seja no que tange aos pólos da relação processual, entre a demanda

demarcatória ou divisória e a ação de usucapião, o que nos levaria à conclusão de

inadmissibilidade da reconvenção.

350 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 6., p. 235. 351 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 66-67.

Page 183: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

183

3.5 Outras ações consideradas dúplices fora do Código de

Processo Civil

Além das ações antes abordadas, consideradas dúplices dentro do Código de

Processo Civil, há outras previstas em legislação extravagante que igualmente ostentariam

tal caráter.

Quanto ao pedido contraposto, previsto no artigo 278 do Código de Processo Civil

e no artigo 31 da Lei n. 9.099/95, faremos sua análise separadamente, porquanto

entendemos, com fulcro em posições doutrinárias às quais nos reportaremos, que seus

pressupostos seriam diversos dos relativos às chamadas ações dúplices.

Ressaltamos ainda que, no concernente às ações chamadas de dúplices fora do

Código de Processo Civil, procuraremos efetuar essencialmente o aludido caráter, para que

se possa confrontar com as demais demandas que teriam essa natureza.

3.5.1 Ação renovatória de locação empresarial – Aspectos gerais

e breve evolução histórica

Os requisitos e procedimento para renovação dos contratos de locação destinados

a fins comerciais e industriais eram previstos no Decreto n. 24.150, de 20.04.1934

(chamada “Lei de Luvas”).

O referido Decreto foi revogado pelo artigo 90, inciso I da Lei n. 8.245, de

18.10.1991, passando a Lei do Inquilinato a reger a matéria relativa à renovação da locação

comercial, nos artigos 51, 52 e 71 a 75.

Ressalte-se ainda que a ação renovatória pode ser aplicada aos imóveis destinados

ao comércio, bem como às locações celebradas por indústrias e sociedades com fins

lucrativos.

Page 184: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

184

O artigo 51 da Lei n. 8.245/91 estabelece os requisitos para a propositura da ação

renovatória e o artigo 52 as hipóteses nas quais o locador não está obrigado a renovar o

contrato.

Quanto à legitimidade, o artigo 51 da Lei n. 8.245/91 estabelece quem pode

intentá-la.352

O procedimento a ser observado na ação renovatória de locação comercial é

matéria divergente entre os doutrinadores.

Posicionam-se favoravelmente à tese de que o procedimento é ordinário, entre

outros: Maria Helena Diniz353 e João Nascimento Franco e Nisske Gondo.354

Celso Barbi 355 e Theotônio Negrão 356 manifestam-se no sentido de ser o

procedimento especial.

A questão suscita dúvidas porque a Lei n. 6.014, de 27.12.1973, que efetuou a

adaptação de várias leis ao então Código de Processo Civil editado e ora em vigor, dispôs

em seu artigo 12 que o procedimento nas ações fundadas no Decreto n. 24.150/34 seria

ordinário.

A Lei n. 8.245/91, contudo, não mencionou expressamente o procedimento a ser

observado nas ações renovatórias.

352 O artigo 51 da Lei n. 8.245/91 define quem possui legitimidade para a propositura da ação renovatória: a)

cessionários ou sucessores da locação (§ 1º); b) sublocatário, nos casos em que houver sublocação total do imóvel (§ 1º); c) locatário ou sociedade, quando firmado contrato pelo inquilino, houver nele autorização para que o imóvel venha a ser utilizado pela sociedade de que faça parte, tendo o fundo de comércio passado a pertencer à última (§ 2º); d) sócio sobrevivente, que fica sub-rogado no direito à renovação, desde que prossiga no mesmo ramo, nos casos de dissolução da sociedade comercial por morte de um dos sócios (§ 3º).

353 Maria Helena Diniz, Lei de locações e imóveis urbanos comentada, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 287. 354 João Nascimento Franco; Nisske Gondo, Ação renovatória e ação revisional de aluguel, 7. ed., 2.

tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 151. 355 Celso Agrícola Barbi, Ação de consignação em pagamento e renovatória na nova lei do inquilinato, cit., p.

11. 356 Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 22. ed., São Paulo:

Saraiva, 1992, p. 1.505.

Page 185: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

185

A dúvida persistiria porque poderia se sustentar que o artigo 12 da Lei n. 6.014/73

teria sido revogado, ainda que de forma implícita, pela Lei n. 8.245/91, que passou a tratar

da matéria nos artigos 71 a 75.

Posição diversa é adotada Fábio Ulhoa Coelho357, para quem se deve considerar

vigente o artigo 12 da Lei n. 6.014/73, pois apesar de revogado o Decreto n. 24.150/34,

permaneceria sua sistemática nas disposições da Lei n. 8.245/91, devendo-se aproveitar a

legislação esparsa, que se reporta à antiga “Lei de Luvas”.

Assim, para o autor, o procedimento a ser aplicado em relação à ação renovatória

seria o ordinário.

Sobre o tema, José Carlos de Moraes Salles358 sustenta que não importaria que o

artigo 12 da Lei n. 6.014/73 houvesse estabelecido como sendo ordinário o procedimento

das ações renovatórias, então fundadas no Decreto n. 24.150/34, porque, na realidade,

sempre observaram o rito especial, contendo o mencionado diploma normas semelhantes

às dos artigos 71 e 75 da atual Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91).

Sugere que o artigo 12 da Lei n. 6.014/73 fosse interpretado no sentido de que ao

procedimento especial da então “Lei de Luvas” seriam aplicáveis subsidiariamente as

regras do procedimento ordinário, conforme previsto no artigo 272, parágrafo único do

Código de Processo Civil.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery indicam as seguintes regras

aplicáveis ao procedimento das ações renovatórias:

“a) Ações tramitam durante as férias; é competente o lugar da situação do imóvel; o valor da causa corresponde a doze meses de aluguel; as apelações terão apenas efeito devolutivo e as citações, intimações e notificações, além das formas previstas no CPC, podem ser feitas mediante carta com AR, ou se se tratar de pessoa jurídica, mediante telex ou fax (LI 58 I a V); b) segue procedimento especial (LI 71 a 75); c) a petição inicial deve ser instruída com documentos específicos (LI 71 I a

357 Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à Lei de Locação de imóveis urbanos, São Paulo: Saraiva, 1992, p.

422. 358 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais

e para sociedades civis com fins lucrativos, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 175.

Page 186: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

186

VII); d) se a ação for movida pelo sublocatário, ocorrerá hipótese de litisconsórcio necessário (LI 71 par.ún); e) a contestação quanto à matéria de fato é limitada (LI 72 incisos e parágrafos); f) a diferença de aluguéis vencidos serão executadas nos autos da ação, se renovada a locação (LI 73); g) o juiz ordenará a desocupação do imóvel em 6 meses, se a renovatória for improcedente e se houver pedido neste sentido na contestação (LI 74); h) o juiz fixará na sentença a indenização a que alude a LI 52 parágrafo 3º (LI 75).”359

Cabe lembrar ainda que o parágrafo 5º do artigo 51 da Lei n. 8.245/91 prevê um

prazo decadencial para a propositura da ação renovatória, que deve ser intentada no prazo

de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data de término do

interregno do contrato em vigor.

O artigo 72 da Lei 8.245/91 arrola as matérias que podem ser suscitadas pelo réu

na contestação da ação renovatória.

Não obstante o referido dispositivo arrole o que pode ser suscitado pelo réu, na

realidade, não se trata de rol taxativo, podendo ser alegadas quaisquer matérias de natureza

processual, bem como oferecer exceções rituais para argüição da incompetência relativa,

impedimento e suspeição do juiz.

No que tange ao mérito, importante destacar que o caput do artigo 72 da Lei n.

8.245/91 restringe a argüição da matéria fática ao quanto está indicado nos seus incisos I a

IV.360

Deve-se espancar qualquer dúvida quanto à constitucionalidade do citado

dispositivo, já que como anteriormente assinalado, a ampla defesa assegurada no artigo 5º,

inciso LV, da Magna Carta não pode ser entendida como defesa ilimitada, mas como

aquela compatível com o procedimento em que é exercida.

359 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 2.363. 360 Lei n. 8.245/91: “Artigo 72 - A contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber, ficará

adstrita, quanto à matéria de fato, ao seguinte: I - não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta Lei; II - não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar; III - ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores; IV - não estar obrigada a renovar a locação (incs. I e II do art. 52).”

Page 187: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

187

3.5.1.1 Do caráter dúplice da ação renovatoria e suas implicações

A ação renovatória é considerada dúplice, porque caso o réu pretenda formular

contraproposta, deverá fazê-lo na própria contestação, sendo desnecessário para tanto o

oferecimento de reconvenção, assim como se intencionar retomar o prédio.

Conforme ensina Buzaid361 a contestação insere um pedido reconvencional.

Na contestação deverá se concentrar toda a matéria de defesa, que seria deduzível

em reconvenção.

Na esteira de tal entendimento, Moraes Salles362 afirma vigor na ação renovatória

o princípio da defesa concentrada, com efeito preclusivo em tudo quanto diz respeito à

matéria de fato, cabendo ao réu-locador apresentar na contestação tudo aquilo que poderia

ser objeto de reconvenção, que seria, portanto, desnecessária.

Cabe lembrar que o artigo 72, inciso II, da Lei n. 8245/91 indica entre as matérias

de fato que podem ser alegadas pelo réu na própria contestação a de que a proposta do

locatário não atende o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a

valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar.

Dado o caráter dúplice da ação e a redação do dispositivo em apreço, duas

importantes conseqüências podem ser extraídas.

Se o valor do aluguel vier a ser fixado em quantidade superior à proposta pelo

autor, mas nos limites do pedido do réu na contestação, não há que se falar em julgamento

extra petita.363

361 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis

destinados a fins comerciais, 2. ed. rev. e aum., São Paulo: Saraiva, 1981, v. 2, p. 536-537. 362 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais

e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 199. 363 “A ação renovatória tem natureza dúplice, pelo que configura-se julgamento ultra petita, não

configurando julgamento fora do pedido se o valor do aluguel for fixado em quantidade superior ao demandado pelo autor, mas nos limites do pedido do réu na contestação. Balizando-se a sentença dentro destes limites, não há falar em violação ao artigo 460.” (STJ – ED no AGR no AG n. 277472/MG (1999/0113743-8), 5ª T., rel. Min. Edson Vidigal, v.u., negaram provimento, DJU, de 01.08.2000, p. 331).

Page 188: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

188

De outro lado, se o réu apenas vier a informar o valor do aluguel de mercado, sem

pleitear a fixação de novo quantum, o julgamento seria ultra petita caso fixasse o locativo

dentro de tal patamar.364

Quando a contestação tiver como base o fato de que, por determinação do Poder

Público, haja o réu que realizar no imóvel obras que importem na sua radical

transformação, ou para fazer modificação de tal natureza que aumente o valor do negócio

ou da propriedade, a contestação deverá trazer prova do quanto alegado.

Moraes Salles adverte nesse aspecto que “assim como a petição inicial será

instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 283 do CPC) a

contestação deverá sê-lo (art. 396 do CPC), também, até porque nas ações de caráter

dúplice, além do instrumento de defesa, a contrariedade, com pedido de retomada do

imóvel, funciona como verdadeira ação”.365

É pertinente perquirir, caso o réu não apresente toda a documentação com a

contestação ou se ela eventualmente apresentar defeitos passíveis de correção, se seria

hipótese, considerando-se o seu caráter dúplice, de aplicar o artigo 284 do Código de

Processo Civil.

Sobre o tema, o autor citado sustenta posicionamento com o qual concordamos, e

que pode, aliás, ser extensível a todas as ações dúplices.

Segundo ele, sendo a renovatória ação de caráter dúplice, deve incidir

relativamente ao réu-locador o disposto no artigo 284 do Código de Processo Civil, por

simetria com a petição inicial, podendo o juiz determinar, no caso da contestação em que

se pleiteia a retomada com arrimo no inciso I do artigo 52 da Lei n. 8.245/91, que o réu a

364 “Malgrado possua a ação renovatória caráter dúplice, possibilitando ao réu, na contestação, formular

pedidos em seu favor, não exigindo reconvenção, caracteriza julgamento ultra petita decisão fixando novo quantum de aluguel, sem que haja requerimento nesse sentido, mas, tão-somente, informação no tocante ao seu valor de mercado. (...) O pedido deve ser interpretado restritivamente (art. 293, CPC), ou seja, há necessidade de invocação expressa da pretensão do autor e, na espécie também pelo réu.” (STJ – RESP n. 285472/SP, 6ª T., rel. Min. Fernando Gonçalves, v.u., deram provimento, DJU, de 05.11.2001, p. 147, RSTJ v. 152, p. 662).

365 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 228-229.

Page 189: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

189

complete, no prazo de dez dias, juntando aos autos documento indispensável à prova do

seu alegado direito, que tenha deixado de acostar à peça contestatória.

Outra questão relevante que pode ser aventada, relacionada ainda ao caráter

dúplice da ação renovatória, é a necessidade ou não de formulação de pedido pelo réu, na

contestação, para que seja decretada a retomada do imóvel e ele possa ter direito ao aluguel

atualizado, no período entre o vencimento do contrato e a data da efetiva de desocupação

do imóvel.

O extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo tinha orientação no

sentido de exigir para fixação do aluguel atualizado, no interregno referido, pedido do réu,

face ao que dispõem os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil.366

O artigo 72, inciso III da Lei n. 8.245/91 permite que o réu alegue na contestação

a existência de proposta de terceiro para efeito de impedir a renovação compulsória da

locação objetivada pela propositura da ação renovatória pelo locatário.

A disposição é semelhante à que constava dos artigos 8º e 20 do Decreto n.

24.150/34, que entretanto eram mais pormenorizados, especialmente no que tocava à

indenização devida ao locatário.

Alfredo Buzaid 367 define como terceiro aquele que não haja participado do

contrato renovando, seja como parte, seja como fiador, não reconhecendo ao sublocatário

tal qualidade, por fazer parte do arrendamento na qualidade de locatário em relação ao

locador, e de locador em relação ao sublocatário.

366 “Não pleiteando o locador, ao contestar a ação renovatória e deduzir a intenção de retomar o imóvel, o

pagamento de aluguel atualizado pelo inquilino no período de desocupação, não pode o juiz concedê-lo, sob pena de estar julgamento extra petita partium. (RT 577/166-167).” (José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 280). Conforme o autor, acabou por prevalecer o entendimento do Supremo Tribunal Federal no âmbito do 2º Tribunal de Alçada Civil, no sentido de dispensar-se pedido do autor, não tendo a Lei. n. 8.245/91 tratado expressamente da matéria.

367 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 366-368.

Page 190: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

190

Moreira Salles368 dissente da posição de Buzaid, quando se tratar de sublocação

total, já que o artigo 51, parágrafo 1º da Lei n. 8.245/91 estabelece em tal hipótese que o

direito à renovação somente pode ser exercido pelo sublocatário.

Pode-se afirmar que não obstante a lei se restrinja a prever que a proposta do

terceiro deverá constar de prova documental, subscrita por ele e duas testemunhas, com

indicação do ramo a ser explorado, que não pode ser o mesmo do locatário, deve ela ser

suficientemente detalhada, para evitar fraudes ou simulações.

Relevante observar que, em havendo impugnação à proposta de terceiro por parte

do locatário, deverá ser ele citado, formando-se um litisconsórcio necessário unitário com

o locador, nos termos do artigo 47 do Código de Processo Civil.

Com efeito, a formação do litisconsórcio decorre do quanto previsto nos artigos

75 e 52, parágrafo 3º da Lei n. 8.245/91, porquanto acolhida a proposta de terceiro, o

locatário fará jus a uma indenização a ser paga solidariamente pelo proponente e pelo

locador.

Dispõe ainda o artigo 72, inciso IV que o réu poderá na contestação alegar que

não está obrigado a renovar a locação, fazendo uma remissão legal aos incisos I e II do

artigo 52.369

No caso da primeira parte do artigo 52, inciso I, deverá ser acostada aos autos

prova das exigências efetuadas pelo Poder Público, já que sendo a ação dúplice, o pedido

de retomada é realizado na própria contestação.

Não obstante dúvidas surgidas logo após o advento da Lei n. 8.245/91 quanto à

interpretação do inciso I do artigo 52, acabou-se por admitir que o réu possa exercer o

368 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais

e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 208. 369 Lei n. 8.245/91: “Artigo 52 - O locador não está obrigado a renovar o contrato se: I - por determinação do

Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificação de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade; II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maior do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. § 1º - Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio com as instalações e pertences.”

Page 191: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

191

direito de retomada para demolição e construção, ensejando a radical transformação do

imóvel, mesmo sem que ela se deva à determinação do Poder Público.

Mostra-se porém indispensável que, fundando-se o pedido de retomada em

realização de obras que importem em sua radical transformação ou modificação que

aumente o valor do negócio ou da propriedade, que se demonstre sua efetivação a

estimativa de valorização alegada.

Quanto à legitimidade para pleitear a retomada, entre as várias hipóteses

aventadas, quatro podem ser mencionadas: do usufrutuário, do compromissário comprador,

do condomínio e do espólio(ou herdeiros).

Alfredo Buzaid370 , Moraes Salles371 e Nascimento Franco e Nisske Kondo372

opinam pelo reconhecimento da legitimidade do usufrutuário, desde que haja concordância

do proprietário da nua-propriedade.

Quanto ao compromissário comprador, se contiver o contrato de compromisso de

compra e venda cláusulas de irretatabilidade e irrevogabilidade e estiver devidamente

registrado na serventia imobiliária, passará a ter eficácia real, admitindo-se, portanto, que

possa ajuizar a ação renovatória.

Relativamente ao condomínio, em havendo concordância dos demais condôminos,

poderá promover a retomada, com fulcro nos artigos 628 do Código Civil, sendo

representado nos autos pelo síndico ou administrador (arts. 12, inc. IX do CPC e 22, § 1º

da Lei n. 4.591/64).

Quanto ao espólio, admite-se a sua legitimidade, já que a ação tem natureza

patrimonial, mas se considera que se o fulcro do pedido de retomada for a transformação

radical ou modificação que aumente o valor do negócio ou da propriedade, mas que tenha

sido oriunda não de determinação do Poder Público, será necessária a concordância

370 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis

destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 378. 371 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais

e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 235. 372 João Nascimento Franco e Nisske Kondo, Ação renovatória e ação revisional de aluguel, cit., p. 197.

Page 192: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

192

expressa de todos os herdeiros e autorização judicial, mercê da expedição de alvará nos

autos do inventário.373

No que concerne ao caso do inciso II do artigo 52 que, como dito, poderá ser

aduzido visando a retomada para uso do próprio do imóvel pelo locador, haveria presunção

relativa de sinceridade do pedido que, contudo, deverá indicar com precisão o fim que lhe

dará.

Vale lembrar que referido posicionamento era acolhido já à época da vigência do

Decreto n. 24.150/34, constando da Súmula n. 485 do STF.374

Em se tratando de pedido de retomada pelo locador, mas tendo outrem como

beneficiário (cônjuge, ascendente ou descendente, nos termos do art. 52, inc. II da Lei n.

8.245/91), Alfredo Buzaid375 entende que tendo a lei conferindo legitimidade exclusiva ao

locador para figurar no pólo passivo da ação renovatória, ele assumiria a posição de

substituto processual, porque agiria em nome próprio, mas na defesa do interesse ou do

direito de seu cônjuge, ascendente ou descendente.

Moraes Salles 376 , acolhendo o entendimento de Buzaid, sustenta que há na

hipótese litisconsórcio necessário e unitário, ressaltando, ademais, o caráter dúplice da

contestação que pede a retomada.

Relativamente à possibilidade de execução de julgado que tenha acolhido o

pedido de retomada para uso próprio do locador que falecer antes de obter a devolução do

imóvel, Moraes Salles distingue duas hipóteses:

“Assim, se a retomada foi decretada pela sentença de primeiro grau, porém, posteriormente, se verificou o falecimento do locador retomante, a morte, como fato superveniente à sentença, poderá ser levada pelo apelante ao conhecimento do tribunal ad quem, que a reexaminará à luz dos demais fatos e circunstâncias referidos nos autos, mantendo a

373 Nesse sentido: José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações

comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 244. 374 Súmula n. 485 do STF: “Nas locações regidas pelo Decreto n. 24.150, de 20.04.1934, a presunção de

sinceridade do retomante é relativa, podendo ser ilidida pelo locatário.” 375 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis

destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 397. 376 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais

e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 259.

Page 193: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

193

sentença, se entender que os herdeiros ou legatários têm condições de dar ao imóvel destino que havia sido indicado pelo retomante falecido, ou reformando o julgado, se considerar inexistentes aquelas condições, concedendo, nesse caso, a renovação do contrato de locação.”377

É de todo modo relevante sublinhar que embora seja a ação renovatória

considerada dúplice, por permitir, como destacado, que o réu formule na própria

contestação sua pretensão de retomada do imóvel locado, o que seria argüível

ordinariamente em reconvenção, não se dispensa a formulação de pedido por ele, conforme

já decidido.378

O caráter dúplice da renovatória significa fundamentalmente que o réu pode

deduzir pretensão à retomada ou pleitos, como fixação de aluguel provisório ou de aluguel

atualizado, sem necessidade de oferecer reconvenção.

A aludida assertiva reforça a idéia de que a mera improcedência do pedido do

autor não seria suficiente, em regra, para atribuir ao réu o bem da vida por ele pretendido.

Em relação ao aluguel provisório e ao aluguel definitivo, igualmente é necessário

efetuar algumas observações e distinções.

O aluguel provisório está previsto no artigo 72, parágrafo 4º, quando for decretada

a renovação.

Em função do caráter dúplice da renovatória, o réu poderá pedir sua fixação na

contestação, sendo ele devido desde o vencimento do contrato até o trânsito em julgado da

sentença que estabelecer o aluguel definitivo (art. 73 da Lei n. 8.245/91).

377 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais

e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 263. 378 “Incabível o decreto de despejo nos autos de ação renovatória se não oferecida exceção de retomada. (2º

TACivSP – Agr. n. 341735, rel. Juiz Batista Lopes, j. 24..02.1992, Boletim AASP 1.767/2, supl.)” (Nelson Nery Junior; Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 2.384).

Page 194: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

194

A necessidade de pedido para fixação do aluguel provisório está prevista no

próprio dispositivo antes mencionado (art. 72, § 4º da Lei n. 8.245/91), ressaltando o seu

caráter dúplice.379

Vale lembrar, conforme exposto no segundo capítulo desta dissertação, que o

princípio da eventualidade, vinculado apenas à contestação, também é cabível em relação à

petição inicial, sendo sua aplicação clara no que tange às ações dúplices.

Assim, em homenagem ao princípio da eventualidade, nada obsta que o réu, na

contestação, pleiteie a retomada do imóvel e requeira a fixação de aluguel provisório.380

Por seu turno, o aluguel atualizado é cabível quando o pedido de retomada

constante da contestação for acolhido e tenha o locador ou sublocador pleiteado a sua

fixação, e será devido entre o vencimento do contrato e a data da desocupação do imóvel

pelo locatário, autor da renovatória.

Não obstante não se trate a ação renovatória de uma ação cuja duplicidade seria

natural, mas decorrente da lei, firmou-se entendimento no âmbito do então Segundo

Tribunal de Alçada Civil e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que julgado

improcedente o pedido do locatário, é devido o aluguel atualizado até a entrega das chaves

do imóvel, ainda que não haja sido formulado pleito nesse sentido.381

Reconhece-se que tal entendimento deve ter por base o princípio que veda o

enriquecimento sem causa, mas, salvo melhor juízo, colide com os princípios dispositivo e

da correspondência (arts. 128 e 460 do CPC), deixando de considerar que a duplicidade, no

caso da ação renovatória, não dispensa o réu de formular pedido para obtenção do bem

jurídico por ele pretendido.

379 Lei n. 8245/91: “Artigo 72 - (...) § 4º - Na contestação, locador ou sublocador poderá pedir, ainda, a

fixação do aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel.”

380 “Não há contradição quando o senhorio formula exceção de retomada e, simultaneamente, pede a fixação de aluguel provisório para vigorar após o vencimento do contrato renovando. A Lei n. 8.245, de 1991, obriga o locador a formular contraproposta à oferta do inquilino (art. 72, § 4º) e, querendo, a fixação de aluguel provisório para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado (art. 72, § 4º). JTACSP – Lex 151/532.” (José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 288).

Page 195: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

195

Seria destarte preferível que mantendo a coerência do sistema, se exigisse a

formulação de pedido na própria contestação, dado o caráter dúplice da renovatória, tanto

para fixação do aluguel provisório, previsto expressamente no artigo 72, parágrafo 4º,

como relativamente ao atualizado, quando deferida a retomada.

Quanto à revelia, não conduzirá por si à veracidade dos fatos alegados pelo autor,

não só porque a presunção prevista no artigo 319 do Código de Processo Civil é relativa,

mas ainda, sopesando uma das finalidades principais da renovatória, que se assenta na

fixação do aluguel justo, para o que a prova pericial se mostra, não raro, indispensável, em

que pese a inércia do réu.

Cumpre anotar a posição de Alfredo Buzaid382, para quem, ocorrendo a revelia,

caberia ao juiz proferir julgamento conforme o estado do processo, nos termos do artigo

330 do Código de Processo Civil, julgando procedente a ação, se presentes todas as

condições exigidas pela lei.

Falamos por ora sobre o caráter dúplice da renovatória, se intentada a ação em

face do locador ou do sublocador, podendo-se aventar se manteria tal natureza, se proposta

demanda por esses, visando a renovação compulsória da locação.

O tema é divergente, já que a Lei n. 8.245/91 não reproduziu o artigo 26 do

Decreto n. 24.150/34, que permitia ao locador, nas mesmas condições do inquilino, propor

ação para regular o seu dever de prorrogar ou não a locação, aplicando-se em relação ao

senhorio todas as disposições legais pertinentes ao seu procedimento.

Na vigência do referido diploma legal, já se manifestava divergência doutrinária a

respeito do tema, havendo autores como João Nascimento Franco e Nisske Gondo383, que

sustentavam ter o locador apenas legitimidade para a ação negatória de renovação do

381 RT 606/169; RTJ 75/547. 382 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis

destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 543. 383 João Nascimento Franco; Nisske Gondo, Ação renovatória e ação revisional de aluguel, cit., p. 54.

Page 196: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

196

contrato de locação, e outros, como Alfredo Buzaid384, que reconheciam seu direito de

ajuizamento da renovatória para compelir o locatário a prorrogar compulsoriamente o

vínculo locatício.

Moraes Salles admite a propositura da ação pelo locador para renovação

compulsória da locação, no mesmo prazo decadencial ajuizável pelo locatário (art. 51, § 5º

da Lei n. 8.245/91), que teria igualmente caráter dúplice:

“Nesse caso, entretanto, estará concordando expressamente com a renovação e reconhecendo o direito do inquilino à mesma, restando-lhe, pois, discutir apenas as condições da renovação (aluguel, prazo, etc.). Entendemos, ainda que a renovatória proposta pelo locador tem caráter dúplice(cf. a opinião do Min. Rodrigues de Alckmin, no acórdão inserto na RT 507/250-251, 2ª col. in fine), de modo que o locatário, na contestação, poderá tanto insurgir-se contra a renovação, como, se assim o entender, concordar com esta, ainda que divergindo das condições propostas pelo senhorio, prosseguindo o processo com sua normal tramitação.” 385

Admite ainda esse autor, com quem concordamos, o ajuizamento de ação

negatória da renovação pelo locador, sendo desnecessária a propositura de demanda

autônoma de despejo para desocupação do imóvel pelo locatário.

Salienta inexistir vedação legal a tanto, e destaca o caráter dúplice da renovatória,

que permite o acolhimento da contestação para julgar improcedente o pedido.

Não sendo renovada a locação, prevê o artigo 74 que o juiz fixe o prazo de até seis

meses, após o trânsito em julgado da sentença para desocupação, se houver pedido na

contestação, ensejando a expedição de mandado de despejo, se desatendida a ordem.

O caráter dúplice da ação renovatória produz ainda outros efeitos que merecem

destaque.

384 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis

destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 466. 385 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais

e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 392.

Page 197: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

197

Permite-se a cobrança das diferenças de alugueres, em favor de qualquer das

partes, nos próprios autos, sem necessidade da propositura de ação para tal fito, face à

natureza dúplice da ação e do princípio de igualdade de tratamento das partes.386

O abandono do imóvel pelo locatário caracteriza a carência de ação e faculta a

imissão na posse do imóvel pelo locador.387

Tratando-se de prazo decadencial para propositura da ação renovatória, e não

adotadas as providências previstas no artigo 219 do Código de Processo Civil, entende-se

ser cabível o decreto de despejo, em função do caráter dúplice da renovatória.388

Relembre-se, por derradeiro, dentro do presente tópico, que ordinariamente, nas

ações que apresentam caráter dúplice em função da relação de direito material discutida,

decretada a carência de ação por parte do autor, haverá a extinção do processo sem

resolução do mérito, de tal sorte que a pretensão do réu não chegará a ser apreciada.

No caso específico da renovatória, o artigo 74 da Lei n. 8.245/91, retro citado,

prevê que não renovada a locação, haverá a fixação do prazo de até seis meses, após o

trânsito em julgado, para a desocupação do imóvel por parte do locatário.

Assim, diferentemente do que ocorre nas ações que tenham caráter dúplice em

função da especificidade da relação de direito material existente entre as partes, na

renovatória, a negativa de renovação, seja por carência, seja por improcedência do pedido,

enseja a obtenção do bem jurídico pretendido pelo réu.389

386 TJSP – Apelação Cível n. 830.841-0/3/São Paulo, 35ª Câmara de Direito Privado, rel. Melo Bueno, J.

22.05.2006. v.u. 387 RT 735/325. 388 RT 641/200. 389 “Locação comercial. Renovatória, Decretação de carência da ação. Caráter dúplice do processo

renovatório. Reconvenção implícita na contestação. Desocupação . Prazo de seis meses. Vigência do artigo 360 do CPC anterior. O processo renovatório tem caráter dúplice, de forma que a contestação contém implícito um pedido reconvencional . Na hipótese de negação da renovatória, tanto por decretação de carência de ação, quanto por improcedência desta, o prazo para desocupação do imóvel é de seis meses. Aplicável o artigo 360 do Código Processual anterior, por força do artigo 1.218, III do CPC atual.” (STJ – RESP n. 29830/SP, 6ª T., rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, DJU, de 05.04.1993, p. 5.864, v.u., deram provimento).

Page 198: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

198

3.5.1.2 Da inadmissibilidade da reconvenção em ações

renovatórias

Há entendimento predominante, conforme antes exposto, no sentido da

inadmissibilidade da reconvenção em ações dúplices, dado que inexistiria interesse

processual no seu ajuizamento, para pleitear o que se obteria com a contestação.

Partilhamos, contudo, a posição dos autores que consideram cabível a

reconvenção, caso se refira a pretensão que extrapole os limites da duplicidade, quando o

procedimento se converta em ordinário, após a resposta.

No caso da renovatória, contudo, que é ação de procedimento especial, o espectro

de matérias passíveis de serem suscitadas na própria contestação pelo réu, que

demandariam de ordinário reconvenção, é significativamente amplo.

Basta, para tanto, lembrar que o réu pode, na própria contestação, pleitear a

retomada do imóvel, suscitando as matérias dos artigos 52, parágrafos 1º e 2º, 72, incisos I

a IV, pedir a fixação de aluguel provisório (art. 72, § 4º), do aluguel atualizado, além da

alteração da periodicidade de reajustamento do locativo (art. 72, § 5º).

A duplicidade tem, destarte, um elastério significativamente mais amplo do que

aquele, por exemplo, previsto para as ações possessórias, que se restringe à proteção

possessória e indenização por perdas e danos (art. 922 do CPC).

Por isso, entendemos, com fulcro no magistério doutrinário retro exposto, que se

adotou na ação renovatória o princípio da defesa concentrada, cabendo alegar na

contestação toda matéria de fato que seria suscitável na reconvenção, faltando ao réu

interesse processual no seu oferecimento, já que se torna desnecessária.390

390 Nesse sentido: RT 579/159, 587/166, 519/250.

Page 199: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

199

3.5.2 Ações de alimentos – Aspectos gerais e breve evolução

histórica

Cabe, preliminarmente, assinalar que se procurará enfatizar apenas alguns dos

aspectos processuais das ações de alimentos, privilegiando aqueles que guardem correlação

com o seu caráter dúplice.

Conforme ensina Yussef Cahali391, a doutrina ressalta que a obrigação alimentar

tendo como base as relações de família não era mencionada nos primeiros momentos da

legislação romana. O fato se explica pela estrutura familiar então vigente, na qual o

paterfamilias concentrava em suas mãos todos os direitos.

Teria sido a partir do principado, quando o conceito de família passou a se alargar,

adquirindo o vínculo de sangue uma importância mais acentuada, e quando se assistiu a

uma paulatina transformação do dever moral em socorro, que a controvérsia se deslocou

para a extensão das pessoas vinculadas à obrigação alimentar.

No direito justinianeu, houve o reconhecimento da obrigação alimentar recíproca

entre ascendentes e descendentes, distinguindo-se sua amplitude conforme se tratasse de

família legítima ou ilegítima, pertencendo provavelmente ao referido período sua extensão

à linha colateral.

Nas Ordenações Filipinas, no Livro 1, Título LXXXVIII, 15, se fazia indicação

dos elementos que compunham a obrigação alimentar e, ainda, da assistência devida aos

filhos ilegítimos (Livro 1, Título LXXXVIII, 11, Livro 4, Título XCIX, 1º).

O Assento de 09.04.1772, que recebeu força de lei, através do Alvará de

29.8.1776, estabeleceu ser dever de cada um alimentar a si mesmo, estabelecendo algumas

exceções, nas hipóteses de descendentes legítimos e ilegítimos, ascendentes, transversais,

irmãos legítimos e ilegítimos, primos e outros consangüíneos legítimos, primos e outros

consangüíneos ilegítimos.

391 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 38 e ss.

Page 200: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

200

Conforme o autor supra citado, Teixeira de Freitas, na Consolidação das Leis

Civis, estabeleceu em vários dispositivos o dever de sustento dos filhos, os direitos

recíprocos de alimentos entre pais e filhos e entre parentes.

O Código Civil de 1916, em vários dispositivos, disciplinou a obrigação

alimentar, como nos artigos 231, incisos II a IV e 309 a 405, ora como efeito do casamento

ou em função das relações de parentesco(arts. 396 a 405).

Houve ainda a edição de diversas leis extravagantes, entre elas a Lei n. 5.478, de

25.07.1968, sobre a ação de alimentos, além do Código de Processo Civil, que disciplinou

o foro competente para ajuizamento das demandas nas quais se pedem alimentos (art. 100,

inc. II) e a execução da prestação alimentícia (arts. 732 a 735).392

O Código Civil de 2002 tratou da matéria de alimentos em vários dispositivos

(arts. 373, inc. II, 1.694 a 1.710, 1.740, inc. I, 1.920 e 1.928, entre outros)

Como o Código Civil se reporta no artigo 1.706 à fixação dos alimentos

provisionais, nos termos da lei processual, poderia suscitar-se dúvida sobre a vigência da

Lei n. 5.478/68, especialmente sopesando o disposto no artigo 2.043 da lei substantiva

civil.393

Acerca do tema, acreditamos plenamente acertada a posição de Cahali394 , no

sentido de que deverá continuar vigendo a Lei n. 5.478/68 e as demais disposições

pertinentes à ação alimentar contidas no Código de Processo Civil e na legislação

extravagante, constantes na Lei do Divórcio, em matéria processual, por não estarem

compreendidas na revogação expressa do artigo 2.043, ressalvando-se aquelas em

392 Várias leis foram editadas no que tange a alimentos, valendo citar, entre outras: Decreto-Lei n. 3.200, de

19.04.1941 (Lei de Proteção à Família); Lei n. 883, de 21.10.1949, tratando de alimentos provisionais em favor do filho ilegítimo; Lei n. 6.515/77 que, destinada a regular os casos de dissolução da sociedade conjugal, trazia disposição acerca de alimentos; Lei n. 8.560, de 29.12.1992, regulando a investigação de paternidade; Lei n. 8.971, de 29.12.1994, regulando o direito dos companheiros a alimentos e sucessão; Lei n. 9.278, de 10.05.1996 regulando o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal.

393 Código Civil: “Artigo 2.043 - Até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código.”

394 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 542.

Page 201: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

201

contrário, sujeitas a interpretação na forma do artigo 2º, parágrafos 1º e 2º da Lei de

Introdução.

Nota-se, portanto, uma profusão de leis, quer materiais, quer processuais, sobre o

tema de alimentos.

Humberto Theodoro Júnior395, citando Leonardo José Carneiro da Cunha, observa

que o direito processual sofre ingentes influxos do direito material, com a estruturação de

procedimentos adequados ao tipo de direito material, adaptando a correlata tutela

jurisdicional. Não é estranho, inclusive, haver normas processuais em diplomas de direito

material e, de outro lado, normas materiais em diplomas processuais (chamadas pela

doutrina de normas heterotópicas).

Reporta-se, para ilustrar o entendimento exposto, à regra do artigo 1.698 do

Código Civil, que tem provocado divergências na doutrina, quanto à sua natureza

jurídica.396

Consigna que já se tentou ver na hipótese a existência de denunciação da lide, o

que não se trataria, porque o réu da ação de alimentos não invoca relação de garantia, nem

tampouco exerce o direito de regresso.

Rejeita a posição de Fredie Didier Júnior e Yussef Said Cahali, no sentido de se

cuidar o caso de litisconsórcio superveniente, cuja formação seria, no entanto, de iniciativa

do autor.

Acolhe a tese de Cássio Scarpinella Bueno, para quem se teria na hipótese

chamamento ao processo, embora o caso não seja de solidariedade, mas de

395 Humberto Theodoro Júnior, O novo Código Civil e as regras heterotópicas de natureza processual, Revista

Síntese de Direito Processual Civil, ano 6, n. 32, p. 16-17, nov./dez 2004,. 396 Código Civil: “Artigo 1.698 - Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em

condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e intentada a ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.”

Page 202: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

202

responsabilidade subsidiária a ser exercida consoante as forças de cada um dos

responsáveis pelo pagamento dos alimentos.

Parece-nos que a posição que deva prevalecer é a que considera a existência de

um litisconsórcio ulterior, de iniciativa do autor, já que o chamamento ao processo estaria

restrito pelo previsto nos artigos 77 a 80 do Código de Processo Civil aos casos de

solidariedade e fiança, aos quais não se insere a previsão do artigo 1.698 do Código Civil.

Feitas as ponderações introdutórias, passaremos a abordar o caráter dúplice das

ações de alimentos.

3.5.2.1 Do caráter dúplice das ações de alimentos e suas

implicações

Ação de alimentos, conforme define Sérgio Carlos Covello, “é o mecanismo

processual colocado à disposição de quem, em virtude do parentesco, casamento ou união

estável, postula de outrem os recursos necessários à sua subsistência. Seu suporte jurídico é

uma relação familiar”.397

Pode a ação de alimentos ter curso nos seguintes procedimentos:

1) Especial, previsto na Lei n. 5.478/68 que, segundo observa Carlos Alberto

Alvaro de Oliveira 398 , compreende espécie de tutela jurisdicional diferenciada, com

mandado liminar, embora em processo de conhecimento, a que proveu o legislador

brasileiro, face ao peculiar interesse de ordem pública que a informa, que é inconfundível

estruturalmente com a tutela cautelar de alimentos prevista nos artigos 852 e seguintes do

Código.

397 Sérgio Carlos Covello, Ação de alimentos, São Paulo: LEUD, 1992, p. 27. 398 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, A tutela cautelar antecipatória e os alimentos “initio litis”, Ajuris:

Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 14, n. 41, p. 240, nov. 1987.

Page 203: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

203

O autor enumera a lide alimentar que deve ser resolvida pelo procedimento

especial regulado na Lei n. 5.478/68, a saber: a) haver evidência de vínculo parental,

mediante prova escrita e imediata; b) configurar-se obrigação de alimentar do devedor, nos

termos do artigo 2º da Lei n. 5.478/68, atinente às relações entre cônjuges, as quais não

consubstanciam parentesco.

Assim, a lei especial apenas autoriza sua utilização quando houver prova pré-

constituída da relação de parentesco ou da obrigação alimentar, devendo, em caso

negativo, a ação de alimentos ter curso no rito ordinário.

2) Cautelar, dos artigos 852 a 854, que se destina, conforme anota Marco Antonio

Botto Muscari399, à manutenção do requerente e sua prole, enquanto tramitam as ações de

separação, divórcio, anulação e nulidade de casamento, dissolução de união estável ou a

própria ação de alimentos, incluindo verba suplementar para que o alimentando possa fazer

frente às despesas processuais.

3) Ordinário, quando inexistir parentesco ou união estável suficientemente

provados.

Cumpre notar que no Código de Processo Civil de 1939, a ação de alimentos era

regulada nos artigos 291 a 297 observando o procedimento ordinário, permitindo-se,

contudo, ajuizamento de cautelar antecedente ou incidental de prestação de alimentos

provisionais (art. 676, inc. VIII), no curso de ação de desquite, nulidade ou anulação de

casamento.

Sem que se pretenda esgotar o tema, faz-se mister realçar os principais pontos de

convergência e divergência entre os alimentos provisórios, previstos na Lei n. 5.478/69, e

os provisionais, disciplinados no Código de Processo Civil (arts. 852 a 854), porquanto se

trata de ponto relevante para as hipóteses nas quais se revela o caráter dúplice das ações

ora examinadas.

399 Marco Antonio Botto Muscari, Aspectos controvertidos da ação de alimentos, Revista de Processo, São

Paulo, Revista dos Tribunais, ano 26, n. 103, p. 125, jul./set. 2001.

Page 204: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

204

Sobre o tema, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira400, mencionando lição de Galeno

de Lacerda, aponta as principais diferenças entre os dois institutos.

O ponto comum entre os alimentos provisórios e os provisionais se assentaria na

possibilidade de expedição de mandado liminar, em favor da tutela requerida, com a

mesma função de prover o litigante necessitado de meios de subsistência durante a

litispendência.

Menciona que os aludidos procedimentos se originaram remotamente da forma

interdita romana e, mais proximamente, das inhibitiones do processo germânico medieval,

justificando tratamento igual às partes a justificar a tutela liminar em benefício do autor,

embora condicional e provisória.

Os alimentos provisórios serão devidos nos casos em que ao momento da

demanda se achem provadas a relação parental ou a obrigação alimentar, impondo sua

concessão.

Por seu turno, os alimentos provisionais dependem da presença do fumus boni

iuris e do periculum in mora, sustentando o autor retro citado que enquanto cautelar, “a

concessão de alimentos provisionais não está facultada à parte que dispuser do meio

específico assegurado pela Lei n. 5.478/68”, já que faltaria legítimo interesse para

admissão de cautela com idêntico objetivo.

Vale ainda observar que grassava considerável dissenso jurisprudencial sobre a

natureza da ação de alimentos, se eram pessoais ou de estado, e se seria possível no curso

da lide o ajuizamento de eventual ação declaratória incidental, tendo por objeto questão

prejudicial ligada ao reconhecimento da existência ou não de vínculo de parentesco ou

matrimonial.

A divergência teria restado pacificada com a inserção da obrigação alimentícia no

âmbito do direito patrimonial do Livro de Família.

400 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, A tutela cautelar antecipatória e os alimentos “initio litis”, cit., p. 240-

242.

Page 205: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

205

Quanto à legitimidade, em função do caráter personalíssimo do direito de

alimentos, pode-se dizer que só a ostenta a própria pessoa que os receberá, ou quem a

represente de fato ou de direito, e em havendo eventual litisconsórcio ativo entre a genitora

e filhos, o interesse de cada um deles permaneceria distinto, inclusive para efeitos

recursais.401

No que concerne ao pedido poderia se perquirir se seria indispensável a fixação

do quantum pleiteado ou se haveria eventual vício na sentença,, caso não observados os

limites estabelecidos na peça vestibular.402

Sérgio Covello403 afirma que como exceção à regra geral, e por força de sua

natureza dispositiva, a sentença de alimentos pode ser ultra petita.

Não obstante inexista regra expressa na Lei de Alimentos excepcionando a

aplicação do princípio da adstrição, nem tampouco facultando ao autor a formulação de

pedido genérico, prevalece, contudo, o entendimento no sentido da não exigência de

correspondência entre a pretensão do autor e a sentença e a permissão para que o pleito

possa ser indeterminado.

Desse modo, já se decidiu não constituir requisito do pedido de alimentos a

especificação do quantum pretendido pelo autor da ação, não se considerando, diante da

omissão nesse sentido, que a petição inicial seria inepta.

Com efeito, decidiu-se que “o pedido de alimentos poderá ser formulado sem a

especificação do quantum desejado pelo autor, o que poderá ser apurado durante a fase de

conhecimento ou mesmo em juízo sucessivo da execução; tal permissão não caracteriza

infringência ao disposto no artigo 286 do Código de Processo Civil”. É que “nas ações de

alimentos, as sentenças são de índole dispositiva ou determinativa, podendo o juiz decidir

401 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 557-558. 402 Os parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Lei n. 5.478/68 permitem o comparecimento do interessado

desacompanhado de advogado, que passará a intervir no curso do processo. Em São Paulo, o Provimento n. 261, de 08.11.1995, do Conselho Superior da Magistratura, com a redação dada pelo Provimento n. 717, de 04.11.1999, permite que o pedido seja feito verbalmente e reduzido a termo, submetendo-o à apreciação do juiz, para fixação dos alimentos provisórios, designação de audiência e nomeação de profissional para assistir o requerente, caso não o tenha feito, recaindo essa em defensor público ou procurador da Assistência Judiciária.

403 Sérgio Carlos Covello, Ação de alimentos, cit., p. 38.

Page 206: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

206

segundo as circunstâncias ou seguindo a eqüidade, por estar revestido em certa medida de

um poder discricionário, o que ocorre porque as prestações de alimentos são dívidas de

valor e não de quantia certa, onde o adimplemento da obrigação não se resolve com a

entrega de um mero quantum, mas, sim, de um quid”.404

A respeito da sentença ser dispositiva nas ações de alimentos, o que justificaria a

flexibilidade ao princípio da congruência, vale lembrar o magistério de Araken de Assis,

reportando-se entendimento de Wilhelm Kisch e Chiovenda:

“Liga-se o entendimento ao isolamento, por Wilhelm Kisch, de uma nova categoria de sentenças, rotuladas ‘determinativas’ (festsetzend Urteil), em que a atividade do juiz se limitaria a alterar o conteúdo de uma relação jurídica preexistente. Segundo Chiovenda, a característica dessas sentenças, comparativamente às constitutivas, onde a coisa julgada possui caráter ‘absoluto’, radica na possibilidade de as partes obterem outra ‘disposição’, porque na origem, o órgão jurisdicional atuara segundo critérios de justiça e oportunidade.”405

Admite-se, ademais, como dito, que a quantia total arbitrada supere o valor do

pedido original, já que a sentença de alimentos não estaria subordinada ao princípio da

adstrição, podendo o juiz, tanto na oferta do devedor, como na iniciativa do credor, fixar a

prestação acima dos limites do pedido ou até fora dele, sem importar a provisão diversa em

decisão ultra ou extra petita.406

Quanto à resposta a ser eventualmente apresentada pelo réu nas ações de

alimentos, cumpre inicialmente notar as dúvidas surgidas quanto ao momento de seu

oferecimento, face à redação do artigo 5º, parágrafo 1º da Lei n. 5.478/68407, que não o

precisou.

Nelson Carneiro408 manifestou-se no sentido de que teria se deixado ao critério

judicial a fixação do dia e horário da audiência, devendo o juiz levar em conta o prazo

necessário não só para a contestação, mas para a eventual citação por edital. Propunha

404 TJSP – Apelação n. 1.262-1, 4ª Câmara Cível, j. 15.05.1980 (Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p.

571). 405 Araken de Assis, Breve continuação ao estudo da coisa julgada nas ações de alimentos, Ajuris, Revista da

Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 16, n. 46, p. 88-89, jul. 1989. 406 TJSP – Apelação Cível n. 229.624-4/2/São Paulo, 2ª Câmara de Direito Privado, rel. César Peluso, j.

04.02.2203, v.u. 407 Lei 5.478/68: “Artigo 5º - (...) § 1º - Na designação da audiência, o juiz fixará o prazo razoável que

possibilite ao réu a contestação da ação proposta e a eventualidade de citação por edital.”

Page 207: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

207

aplicar-se o artigo 27 da Lei n. 5.478/68, que se reporta à aplicação supletiva do Código de

Processo Civil, apresentado-se a resposta no prazo de quinze dias, no sistema do Estatuto

vigente (art. 297).

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery409, aludindo a julgado (RF

290/258), apontam que na ação especial de alimentos sujeito ao rito da Lei n. 5.478/68, a

contestação deve ser apresentada na audiência.

Yussef Cahali, fazendo alusão a vários julgados, sintetiza da seguinte forma as

possibilidades que se apresentam quanto à apresentação da defesa, ressaltando que a Lei n.

5.478/68 teria se inspirado no processo trabalhista, em matéria de celeridade da ação:

“a) o termo limite para apresentação da defesa do réu é a audiência de conciliação e julgamento, descartado, assim, o entendimento de que ‘a citação é para o réu comparecer à audiência de conciliação, podendo contestar a ação, no prazo de 15 dias a partir dessa audiência’; b) não prevalece para a defesa do réu o prazo comum previsto no artigo 297 do CPC (15 dias), nem é dado ao juiz reduzi-lo ou dilatá-lo arbitrariamente; c) o arbítrio que a lei irroga ao juiz é para a designação de audiência quando do despacho inicial, antevendo tempo bastante para a citação do réu ainda que por edita, como prazo razoável para a preparação de sua defesa até a data designada para a audiência, pois ‘a falta de prazo razoável entre a citação e a audiência de conciliação e julgamento, na ação de alimentos, anula o processo por cerceamento do direito de defesa do réu’.”410

Pertinente acrescer, conforme alude esse autor, que se a contestação for oferecida

antes da audiência, não há impedimento à sua realização, cabendo ao réu eventual

demonstração de ausência de fixação de prazo razoável, que se acolhida levará o

magistrado a estabelecê-lo, não podendo, contudo, ultrapassar quinze dias.

O entendimento antes exposto se mostra adequado, especialmente considerando a

regra do artigo 100, inciso II do Código de Processo Civil, que atribui foro privilegiado ao

credor de alimentos, de tal sorte que tramitando a ação em comarca diversa daquela onde o

alimentante tem seu domicílio, exigir-se a sua presença em audiência, para efeito de

apresentação de sua resposta, equivaleria, em algumas hipóteses, notadamente nas lides

408 Nelson Carneiro, A nova ação de alimentos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, p. 75-77. 409 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1.711.

Page 208: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

208

envolvendo hipossuficientes, a inviabilizar o exercício da defesa, violando o artigo 5º,

inciso LV da Constituição Federal.

No que toca à amplitude da defesa, vale lembrar que o réu poderá apresentar

defesas processuais e de mérito, diretas ou indiretas.

Relativamente ao caráter dúplice das ações de alimentos, tem-se reconhecido sua

presença, afastando-se a necessidade da propositura de demanda autônoma, quando

existirem nos autos elementos fáticos e jurídicos que autorizem a apreciação do pedido

formulado pelo réu na própria contestação.

Poderíamos afirmar que a duplicidade se justificaria pela celeridade almejada pelo

procedimento previsto na Lei n. 5.478/68 e própria natureza da sentença, como dito,

dispositiva, a ser prolatada, suscetível de modificação no tempo.

No caso das ações de oferta de alimentos, previstas no artigo 24 da Lei n.

5.478/68411, intentada, portanto, pelo próprio devedor, enfatiza-se o seu caráter dúplice, já

que poderão ser fixados alimentos em valor superior ao proposto pelo autor, na petição

inicial, resolvendo-se em típico juízo de acertamento, não se cuidando, ademais, de simples

pedido de homologação de oferta legal, mas de pedido de arbitramento judicial.412

Não há portanto, em função do caráter dúplice da ação, que se falar em

julgamento ultra petita, pelo fato de ser arbitrada pensão em quantum que supere o valor

proposto.413

410 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 576-577. 411 Lei n. 5.478/68: “Artigo 24 - A parte responsável, e que deixa a residência comum por motivo, que não

necessitará declarar, poderá tomar a iniciativa de comunicar ao juízo os rendimentos de que dispõe e de pedir a citação do credor, para comparecer à audiência de conciliação e julgamento destinada à fixação dos alimentos a que está obrigado.”

412 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 606-607. 413 “Alimentos provisórios. Ação de oferta do devedor. Fixação em quantia superior à oferecida –

Admissibilidade – Ação dúplice, em que o arbitramento nunca é ultra petita – Recurso provido – Inteligência do artigo 24 da Lei n. 5.478/68. Na ação de alimentos proposta pelo devedor, podem os alimentos, assim os provisórios, como definitivos, ser fixados em quantia superior à oferecida, sem que isso implique sentença ultra petita.” (TJSP – Agravo de Instrumento n. 084.366-4/Avaré, 2ª Câmara de Direito Privado, v. u., rel. Cezar Peluzo, j. 13.10.1998).

Page 209: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

209

Face ao caráter e finalidade da ação, pode-se igualmente cogitar dos efeitos que

adviriam da ausência do autor ou do réu à audiência designada.

Brandão Lima414 entende que o não comparecimento do autor não impede o juiz

de fixar os alimentos, já que ele próprio tomou a iniciativa de intentar a ação.415

A ausência do réu, para o autor antes mencionado, acarretaria o arquivamento dos

autos, pelo seu patente desinteresse, importando em desistência temporária do recebimento

de alimentos, não porém em renúncia do direito.

Quanto à inércia do réu, seus efeitos não são pacíficos, valendo consignar o que

restou decidido em julgado sobre o tema:

“A ausência do réu, diversamente do disposto no artigo 7º dessa lei especial, não implica em arquivamento por desinteresse (ainda que momentâneo), certo que a causa de pedir e o petitum possuem desígnios diversos dos artigos 7º e 24 da Lei n. 5.478/68, ainda que o objeto ‘alimentos’ seja idêntico. No primeiro (art. 7º) é o credor quem reclama a pensão e a ausência sem justificativa em audiência resulta no arquivamento pela desistência temporária, e a ausência do devedor importa em revelia e confissão quanto à matéria de fato. No caso do artigo 24, o devedor de plano, confessa a matéria de fato, restando, tão-só, a discussão quanto ao acertamento do valor da pensão; a ausência do réu, para a qual não há nenhuma sanção expressa na lei, e nem importará em confissão ficta, não pode pôr fim ao processo sem julgamento do mérito. A ausência do credor-alimentando não obsta a fixação do valor da pensão com base nos elementos existentes nos autos ou em prova a ser produzida, a requerimento da parte ou por determinação judicial, e que a qualquer tempo poderá ser revista em face da situação financeira dos interessados.”416

Acreditamos, em que pesem as opiniões em contrário, que efetivamente a melhor

solução, na hipótese de revelia do réu na ação de oferta de alimentos, seria sua fixação e

não a presunção de desinteresse no seu recebimento.

Basta que se avente a hipótese de incapazes, cujo representante legal deixe de

comparecer à audiência, que poderiam ficar à míngua de recursos para sua subsistência, em

função de inércia que sequer lhes poderia ser imputada.

414 Domingos Sávio Brandão Lima, A nova lei do divórcio comentada, São Joaquim da Barra, SP: O . Dip,

1978, p. 389. 415 No mesmo sentido: RJTJSP 98/29. 416 RJTJSP 98/26 (Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 607-608).

Page 210: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

210

Quanto às ações voltadas à revisão, modificação ou exoneração da pensão

alimentícia, igualmente se reconhece o seu caráter dúplice.

Cabe, antes de ressaltar tal aspecto, relembrar que o artigo 13 da Lei n. 5.478/68

prevê que o disposto nesse diploma legal se aplica, no que couber, às ações ordinárias de

separação, nulidade e anulação de casamento, revisão de sentenças proferidas em pedidos

de alimentos e respectivas execuções.

Ressalve-se posição contrária, como a de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira417, no

sentido de que na revisão não se perfazem as condições de emergencialidade que tornam

recomendável a celeridade da ação de alimentos, embora considere cabível para a hipótese

o emprego de ação cautelar do artigo 852, inciso II, inclusive para a concessão de

alimentos initio litis.

Feita essa ressalva, vale observar que não se tem como descartada a possibilidade

de reconvenção em ações de revisão de pensão ou de exoneração, mas se considera

passível de formulação de pedido pelo réu nesse sentido, na própria peça contestatória,

afastando-se, como anteriormente consignado, a necessidade da propositura de ação

autônoma.

Calha à fiveleta a respeito do tema ora em exame o quanto restou decidido em

julgado cuja tese da desnecessidade da ajuizamento de ação autônoma para obter-se a

exoneração de alimentos em ação reclamando alimentos restou sufragada:

“RECONVENÇAO – Pedido de exoneração em ação reclamando alimentos – Admissibilidade – Caráter dúplice da demanda. Exigência de lide autônoma que caracteriza excesso de formalismo. Defesa indireta permitida pelo ordenamento atual – Restrição somente no âmbito das ações de procedimento sumaríssimo – Recurso provido. O pedido de exoneração de alimentos pode ser formulado tanto por via de exceção, em face do caráter dúplice do juízo, como de reconvenção, porque a única restrição processual é para o procedimento sumaríssimo.”418

417 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, A tutela cautelar antecipatória e os alimentos “initio litis”, cit., p. 243. 418 TJSP – Apelação Cível n. 228.885-1/Campinas, 3ª Câmara Cível, v. u., rel. Mattos Faria, j. 08.11.1994.

Page 211: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

211

A admissibilidade de dedução de pedido na própria contestação teria contudo

como pressuposto que as questões fáticas e jurídicas estejam suficientemente aclaradas e

demonstradas nos autos.

Na esteira do quanto alegado, decidiu-se em sede de ação revisional de alimentos

pelo descabimento de pedido contraposto para redução da pensão alimentícia justamente

porque o pleito formulado pelo réu não incidia sobre os mesmos fatos contidos na

inicial.419

Destarte, admite-se que o pedido de exoneração possa ser formulado, por via de

exceção, na própria contestação, em eventual ação revisional intentada, em função do

caráter dúplice da ação, afastando-se eventuais formalismos, como constante do julgado

citado, mas, para tanto, parece evidenciar-se como exigência que todas as questões fáticas

e jurídicas estejam “alinhavadas nos autos”.

3.5.2.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas açoes de

alimentos

Face à admissibilidade do caráter dúplice das ações de alimentos, especialmente

no que se refere à demanda voltada à oferta de alimentos, revisionais ou exonerativas,

pode-se questionar sobre a admissibilidade ou não da reconvenção.

Cumpre assinalar que o caráter dúplice antes referido não está expressamente

previsto na Lei n. 5.478/68, ao contrário do que ocorre em algumas ações que ostentam tal

natureza, quer dentro do Código de Processo Civil, como a consignatória, prestação de

contas, possessórias, divisórias e demarcatórias, quer fora dele, como na hipótese da ação

renovatória de locação empresarial.

No caso das ações de alimentos previstas na Lei n. 5.478/68, poderia se objetar

como fator impeditivo da reconvenção a sumariedade e celeridade buscadas no

419 TJSP – Apelação Cível com Revisão n. 406.854-4/1-00/São Paulo, 6ª Câmara de Direito Privado, v. u.,

rel. Sebastião Carlos Garcia, j. 23.02.2006.

Page 212: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

212

procedimento, embora seja ele especial. Sendo o rito da Lei n. 5.478/68 sumaríssimo, não

haveria campo para admissibilidade da reconvenção.

Posiciona-se contrariamente à admissibilidade da reconvenção Pontes de

Miranda420, entendendo que se na ação de alimentos sobrevier alteração das circunstâncias,

ensejando a alteração do pedido ou seu alcance, a sentença teria que atender a tal mudança.

Sérgio Gilberto Porto421 entende cabível a reconvenção porque o rito da Lei n.

5.478/68 é próprio, não sumário, em que ela foi vedada, admitindo-a no mínimo na ação de

revisão, exoneração e na própria ação onde é deduzida pretensão alimentar, pela via

ordinária.

Yussef Cahali422 considera inútil reconvir para alegar compensação, uma vez que

a prestação de alimentos é insuscetível de admiti-la.

Conclui que não há impedimento à reconvenção em ações de alimentos,

considerando que a compensação não é o único direito a constituir objeto da ação

reconvencional, e em função do artigo 315 do Código de Processo Civil exigir para que

seja admissível seu oferecimento pelo réu a conexão com a demanda principal e o

fundamento da defesa, daí admitir, em ação ajuizada pela mulher, reconvenção do marido

para anular o matrimônio.

Clito Fornaciari423 sustenta ser cabível a reconvenção na ação de exoneração de

prestação de alimentos, podendo o réu pedir sua majoração, e igualmente naquela em que

se pleiteia redução para aumentar o valor, mas faz importante ressalva. Com efeito, adverte

que a ação que o reconvinte agora vai propor deve estar submetida originariamente a

procedimento comum, ordinário, ou então, na ocasião de deduzir seu pleito

reconvencional, deverá adotar esse rito, sendo do contrário causa de indeferimento da

reconvenção.

420 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 4. ed., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1974, § 1.009, v. 9, p. 247. 421 Sérgio Gilberto Porto, Doutrina e prática dos alimentos, 2. ed., Rio de Janeiro, AIDE, 1991, p. 88. 422 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 578. 423 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 141-142.

Page 213: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

213

Cabe porém ressaltar que há precedentes jurisprudenciais admitindo que eventual

pedido de exoneração de alimentos possa ser formulado por via de exceção na ação

revisional ajuizada pelo alimentando, reconhecendo-se o caráter dúplice da ação.

Para tanto, como igualmente consignado, se sopesa o afastamento do excesso de

formalismos, especialmente se tratando de ação que tem como objeto alimentos, bem como

se teria como pressuposto que as questões fáticas e jurídicas estejam suficientemente

demonstradas nos autos.

A reconvenção, portanto, não seria vedada, mas seu oferecimento, como ainda a

dedução da pretensão em lide autônoma, tem sido dispensada, com fulcro nos pressupostos

antes referidos.

3.5.3 Da desapropriação – Aspectos gerais e breve evolução

histórica

Cabe inicialmente consignar que a desapropriação é forma originária de aquisição

da propriedade, já que não há transmissão do bem expropriado pelo particular ao

expropriante, inexistindo qualquer vinculação entre aquele que o adquire e quem o perde.

A respeito da origem da desapropriação, Pontes de Miranda424 sustenta que a

tomada de bens dos súditos realizada pelos dirigentes romanos não correspondiam ao

referido instituto, que não era até então sistematizado.

Eurico Sodré 425 observa que na Renascença e nos tempos modernos não se

verificou modificação no sistema existente, referido no Digesto e no Código Teodosiano,

que era de autêntica espoliação, reconhecendo-se ao imperador e ao Poder Público o direito

de dispor dos bens particulares ao seu inteiro talante.

424 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1/69, 2. ed.,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, v. 5, p. 419. 425 Eurico Sodré, A desapropriação, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1955, p. 12.

Page 214: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

214

Moraes Salles426 identifica na Revolução Francesa a substancial modificação na

desapropriação, face à consagração da propriedade como inviolável e a permissão para que

alguém dela fosse privado dada apenas nos casos de manifesta necessidade pública e

mediante indenização justa e prévia.

No Brasil, o autor faz a indicação dos vários decretos editados e a previsão, desde

a Constituição do Império de 25.03.1824, do instituto da desapropriação, evoluindo das

hipóteses inicialmente de necessidade e utilidade pública, cujos casos eram definidos no

artigo 590 do Código Civil de 1916, até abarcar o interesse social, cuja previsão foi feita

pela Magna Carta de 18.09.1946.

Cumpre notar que o Decreto n. 4.956, de 09.09.1903, regulou a matéria relativa à

desapropriação por necessidade ou utilidade pública para obras da União e do Distrito

Federal até o advento do Decreto-Lei n. 3.365, de 21.06.1941, que até o presente regula a

matéria.

Por derradeiro, nesta breve retrospectiva histórica, cumpre lembrar que a

Constituição Federal de 05.10.1988 trouxe várias inovações na esfera da desapropriação,

regulando a matéria nos artigos 5º, inciso XXIV e XXIV, 22, inciso II, 182, parágrafo 3º e

inciso III, parágrafo 4º, 184, 185 e 243, prevendo que lei estabelecerá o procedimento para

expropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e

prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos nela previstos.

Após a Constituição Federal, sobrevieram vários outros diplomas legais sobre

desapropriação, valendo lembrar, entre tantos, a Lei n. 10.257, de 10.07.2001 (Estatuto da

Cidade) que, no artigo 8º, prevê a possibilidade do Município promover desapropriação,

em caso de não cumprimento pelo proprietário da obrigação de parcelamento, edificação

ou utilização do imóvel, e o Código Civil de 10.01.2002, nos seus artigos 519, 959, 1.387,

1.409, 1.425, V e parágrafo 2º, e 1.509, parágrafo 2º.

426 José Carlos de Moraes Salles, A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 5. ed., São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006, p. 69.

Page 215: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

215

3.5.3.1 Do caráter dúplice das ações de desapropriação

O artigo 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41 estabelece as matérias que o réu pode

suscitar na contestação, restringindo-as à alegação sobre vício do processo judicial ou

impugnação do preço, prevendo que qualquer outra questão deverá ser decidida por ação

direta.427

O dispositivo apontado tem direta correlação com o artigo 9º do Decreto-Lei n.

3.365/41, que estabelece ser vedado ao Poder Judiciário, no processo de desapropriação,

decidir se ocorreram ou não os casos de utilidade pública.

Não obstante as discussões que os artigos possam comportar e que extrapolariam

o âmbito da dissertação, os dispositivos não colidiram com os incisos XXXV e LV do

artigo 5º da Constituição Federal, quer porque o exame da utilidade pública ou do interesse

social pode ser feito em ação direta, quer ainda, como já mencionado, o legislador pode

limitar o âmbito da defesa para atender à natureza da causa ou a peculiaridades do

procedimento.

O artigo 20 alude à possibilidade do réu argüir na contestação vícios processuais.

Fazendo ressalva quanto à complexidade e extensão do tema das nulidades no

processo civil, mas apenas na tentativa de tornar menos vago o que se poderia entender por

“vício processual”, para os fins do artigo 20 citado, discutamos brevemente a questão.

Vicente Greco 428 , antes de efetuar a classificação das violações das normas

relativas à forma, faz três relevantes advertências: a) o sistema de nulidades do processo

civil não decorre de mera aplicação do existente na lei civil; b) o Capítulo V do Livro I,

que trata das nulidades, nos artigos 245 a 250 do Código de Processo Civil, não conseguiu

boa sistematização, a ponto de se afirmar que a lei se preocupou mais em dizer o que não

acarreta nulidade do que em explicar e sistematizar o instituto; c) salvo a nulidade de

427 Decreto-Lei n. 3.365/41: “Artigo 20 - A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou

impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.” 428 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos

tribunais, 16. ed., 2003, cit., v. 2, p. 41-43.

Page 216: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

216

citação, que equivale a inexistência, as nulidades processuais só se decretam no momento e

pelo instrumento processual adequado, produzindo efeitos, em caso negativo, até que se

declare sua invalidade.

Moniz de Aragão429, com base em entendimento de Galeno de Lacerda, assinala

que o que caracteriza o sistema de nulidades é que elas se distinguem em razão da norma

violada, em seu aspecto teleológico.

Se na norma prevalecem fins ditados pelo interesse público, a violação enseja

nulidade absoluta, insanável do ato, e se tutela interesse particular, o vício é sanável.

Sendo a norma cogente, a violação produzirá nulidade relativa, havendo a

faculdade do juiz de proceder de ofício, ordenando o saneamento pela repetição ou

ratificação do ato ou pelo suprimento da omissão.

Para o autor citado, a anulabilidade é vício resultante de norma dispositiva, razão

pela qual sua anulação só pode ocorrer mediante reação do interessado, vedado ao juiz agir

de ofício.

As irregularidades seriam vícios de menor calibre, que não comprometem o

ordenamento jurídico, nem o interesse da parte, não afetando a estrutura do ato a ponto de

torná-lo inábil à produção de efeitos a que é destinado.

Inexistente seria o ato, embora discutível o seu reconhecimento, quando constitui

mera aparência, incapaz de adentrar no mundo jurídico e de produzir efeitos.

Queremos crer, destarte, que ao mencionar a possibilidade de alegação pelo réu,

na contestação de vícios processuais, estaria o artigo 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41 se

referindo, fundamentalmente, à argüição de quaisquer das violações ao modelo

estabelecido no Código de Processo Civil antes indicadas, abarcando ainda as defesas de

natureza processual, sejam dilatórias ou peremptórias.

429 Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974,

v. 2, p. 276-277.

Page 217: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

217

Ao estabelecer o dispositivo ora em exame como outra matéria que pode ser

tratada na contestação à impugnação do preço, teria restringido a tal questão o quanto pode

ser alegado, no mérito, pelo réu.

Não obstante seja tarefa árdua a definição do que vem a ser o mérito no processo

civil, o que efetivamente não pretendemos enfrentar com a profundidade que o tema

recomenda, no âmbito da presente dissertação valeria lembrar, com base no entendimento

de Liebman 430 , que constitui o fulcro da ação, em saber quem tem razão, quanto à

substância do litígio, envolvendo a causa de pedir e o pedido.431

Liebman entende que julgar a lide é julgar mérito, conceituando aquela como o

conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a

decidir. Assim modificado, o conceito de lide torna-se perfeitamente aceitável na teoria do

processo e exprime satisfatoriamente o que se costuma chamar de mérito da causa. Julgar a

lide e julgar o mérito são expressões sinônimas que se referem à decisão do pedido do

autor para julgá-lo procedente ou improcedente e, por conseguinte, para conceder ou negar

a providência requerida.432

A impugnação ao preço certamente não é matéria de natureza processual e, a se

pensar diversamente, se correria o risco de afirmar se estar, no caso da desapropriação,

diante de hipótese de processo em que não há mérito, ou ele não pode ser objeto de

discussão pelo réu.

Considera-se dúplice a ação de desapropriação porque o réu pode, na própria

contestação, independentemente de reconvenção e até mesmo sendo revel, obter um

provimento jurisdicional em seu favor, ultrapassando o limite de preço oferecido pelo réu,

sem que se possa falar em sentença ultra petita.

Faz-se mister não olvidar que o artigo 23 do Decreto-Lei n. 3.365/41 estabelece

que após o prazo para a contestação, não havendo concordância expressa quanto ao preço,

430 Enrico Tullio Liebman, Estudos sobre o processo civil brasileiro, São Paulo: Betsbook, 2001, p. 103. 431 João Batista Lopes, Curso de direito processual civil: processo de conhecimento, v. 2, cit., p. 41. 432 Enrico Tullio Liebman, Estudos sobre o processo civil brasileiro, cit., p. 103.

Page 218: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

218

o perito apresentará o laudo em cartório, em até cinco dias, pelo menos, antes da audiência

de instrução e julgamento.

Não obstante, após o transcurso do prazo de resposta, o procedimento passe a ser

ordinário, extrai-se do dispositivo referido que a revelia não leva por si à presunção de

veracidade dos fatos alegados pelo expropriante, nem tampouco a se ter como aceita a

proposta oferecida.

Comentando tal dispositivo, assim se manifesta Moraes Salles:

“O dispositivo em apreço se refere ao fim do prazo de contestação, sem exigir, entretanto, que a contrariedade seja apresentada, o que leva o intérprete à pressuposição de que mesmo não sendo contestado o pedido do expropriante, o perito designado pelo juiz, nos termos do artigo 14 do Decreto-Lei n. 3365/41, deverá apresentar seu laudo em cartório até cinco dias antes da audiência de instrução e julgamento. Vale dizer: apesar da revelia do réu, o feito deve prosseguir com produção de prova pericial e realização de audiência de instrução e julgamento, porque, na ação de desapropriação, a anuência do expropriado quanto ao preço oferecido pelo expropriante deve ser expressa, para ensejar seu encerramento na decisão saneadora do processo. Aliás, a norma contida no artigo 23 do Decreto-Lei n. 3.365/41 se amolda, perfeitamente, à exigência constitucional da justa indenização (art. 5º, XXIV, da CF de 1988), pois, em tese, possibilita a apuração do justo valor do bem expropriado por meio de perícia, o que não ocorreria com o julgamento antecipado da lide, em que seria levado em consideração pelo juiz, por falta de contestação, o preço oferecido pelo expropriante, na maioria das vezes, muito aquém do real valor da coisa expropriada.”433

Se, como assentado antes, o mérito do processo de desapropriação consiste,

fundamentalmente, na discussão quanto ao preço a ser pago em prol do expropriado,

chega-se à conclusão de que se trataria de ação dúplice, porque o réu pode obter uma

sentença de mérito em seu favor, formulando pedido na própria contestação, sem

necessidade de reconvir e até independentemente de a ter apresentado.

Por força de tal caráter considerado dúplice da expropriatória, já se decidiu que

não é “ultra petita a decisão que, em ação de desapropriação, em que o réu é revel, fixa a

433 José Carlos de Moraes Salles, A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, cit., p. 439.

Page 219: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

219

condenação, não na importância oferecida, mas naquela estabelecida em avaliação, uma

vez que preceito constitucional condiciona a expropriação à prévia e justa indenização”.434

De igual modo, sopesando o caráter dúplice da ação de desapropriação, se entende

que a inércia do expropriado quanto à execução para recebimento da indenização a que faz

jus não deve levar à extinção do feito, mas ao arquivamento dos autos.435

3.5.3.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de

desapropriação

Face ao que dispõe o artigo 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41, se mostra inadmissível

a reconvenção nas ações de desapropriação.

A cognição no plano horizontal se restringe, como anteriormente ressaltado, à

alegação de eventuais vícios processuais e à impugnação quanto ao preço.

Para impugnar o preço e eventualmente lograr obter uma sentença de mérito que o

estabeleça, inclusive em valor superior ao proposto pelo autor, não há interesse processual

no oferecimento da reconvenção, devendo o réu fazê-lo na própria contestação.

Poderia eventualmente se cogitar da hipótese do réu pretender formular pretensão

que se afaste das matérias indicadas no artigo 20, se não seria, em relação a elas, o

oferecimento de reconvenção.

Entendemos que fulminaria tal possibilidade a própria vedação prevista no

dispositivo, que remete aquele que pretende fazê-lo à propositura de ação direta, autônoma.

434 RT 420/218. 435 “DESAPROPRIAÇÃO – Execução – Inércia dos expropriados – Indenização ainda não satisfeita –

Inadmissibilidade – Arquivamento como melhor solução – Recurso provido. Levando em conta a natureza dúplice da ação expropriatória e o dever constitucional de pagamento integral do justo preço, em existindo crédito ainda não satisfeito, a inércia dos credor leva ao arquivamento e não à extinção da execução.” (TJSP – Apelação Cível n. 262.154-2/São Paulo, 14ª Câmara, v. u., rel. Franciulli Neto, j. 12.09.1995).

Page 220: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

220

Conforme se tem reiterado na presente dissertação, o só fato de ter a ação natureza

dúplice não deve ser obstáculo para o oferecimento de reconvenção.

O afastamento de tal possibilidade se deu quando o legislador propiciou ao réu

ampla possibilidade de formular pedidos na contestação, como na renovatória de locação

empresarial, hipótese em que haveria interesse processual na reconvenção, ou quando

expressamente previu restrições ao seu oferecimento, como no caso da desapropriação,

bem como em existindo óbices procedimentais, v.g., em se tratando de pedidos que sigam

procedimentos absolutamente incompatíveis ou inconciliáveis.

Reforce-se que na desapropriação, o óbice ao oferecimento da reconvenção não

está no procedimento especial previsto no Decreto-Lei n. 3.365/41, que se converte em

ordinário após a contestação, mas nos limites da cognição judicial e das matérias que

podem ser deduzidas pelo réu.

Page 221: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

4 DO PEDIDO CONTRAPOSTO

O pedido contraposto é previsto nos artigos 278, parágrafo 1º do Código de

Processo Civil e 31 da Lei n. 9.099/55, encontrando o oferecimento desse último no âmbito

do Juizado Especial Cível maiores limitações, se comparado à hipótese constante do

procedimento sumário.

Far-se-á, introduzindo o tema, breve exame dos aspectos principais que nortearam

a previsão do trâmite de algumas demandas no rito sumário e que influenciaram a criação

dos Juizados Especiais.

Entendemos que tais premissas são indispensáveis para a compreensão do

instituto do pedido contraposto e dos motivos que levaram o legislador a admiti-lo no

procedimento sumário e na Lei n. 9.099/95.

4.1 Procedimento sumário e o Juizado Especial Cível −−−− Lei n.

9.099/95 – Aspectos gerais e breve evolução histórica

A simplificação e racionalização de procedimentos, o estímulo à conciliação e a

busca de uma justiça mais acessível e participativa são aspectos que integram as chamadas

“ondas renovatórias” da fase instrumentalista do direito processual civil.436

O procedimento sumário, previsto nos artigos 275 a 280 do Código de Processo

Civil e o rito sumaríssimo da Lei n. 9.099, de 26.09.1995, se inserem, efetivamente, na

busca dos escopos supra referidos, o que se torna de suma importância, não só para

compreensão de seus múltiplos aspectos, mas, em especial, para o exame do instituto do

pedido contraposto que se passará a fazer.

A Lei n. 9.245/95 efetuou substanciais alterações no então procedimento

sumaríssimo, que a partir de sua edição passou a ser denominado de sumário.

436 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do

processo, 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 44.

Page 222: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

222

João Batista Lopes assinala que o procedimento sumário que constituíra a grande

inovação do Código de 1973, já que o julgamento antecipado era admitido desde o

Decreto-Lei n. 890/69, “não foi adequadamente assimilado pela comunidade jurídica,

pouco afeiçoada à oralidade e à informalidade”.437

Segundo o autor, foram apresentadas diversas propostas de alteração no então

procedimento sumaríssimo que, em princípio, resultaram infrutíferas, até que superados os

obstáculos existentes, se logrou modificar o rito, que passou a ser sumário, alterando-se

vários pontos.

Entre os pontos modificados, destacam-se a exclusão de várias causas que eram

de procedimento sumaríssimo, a exigência de que as partes, caso pretendam perícia,

formulem quesitos e indiquem assistentes técnicos na inicial e na contestação, e a previsão

no artigo 278, parágrafo 1º, do pedido contraposto.

Vale ainda lembrar que a Lei n. 10.444/2002 elevou para o patamar de sessenta

salários mínimos o critério valorativo para efeito de adoção do procedimento sumário (art.

275, inc. I) e modificou o artigo 280, para constar a admissibilidade da intervenção de

terceiros, fundada em contrato de seguro.

Quanto ao Juizado Especial, cabe recordar que antes mesmo da promulgação da

Constituição Federal de 1988, editou-se a Lei n. 7.244/84, que dispunha ser faculdade dos

Estados a criação dos Juizados de Pequenas Causas.

A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 98, inciso I, fez a previsão de

criação dos Juizados Especiais, que foram instituídos com o objetivo precípuo de arrefecer

a denominada “litigiosidade contida”, ensejando a redução de conflitos que outrora não

chegavam a ser objeto de postulação judicial.

A Lei n. 9.099/95 apresenta 97 artigos, distribuídos em quatro capítulos

(Disposições gerais, Dos Juizados Especiais Cíveis, Dos Juizados Especiais Criminais e

Disposições finais comuns).

437 João Batista Lopes, Procedimento sumaríssimo passa a ser sumário, Repertório IOB de Jurisprudência:

civil processual penal e comercial, n. 6, p. 110, 2. quinz., mar. 1996.

Page 223: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

223

O projeto elaborado pelo então Deputado Nelson Jobim implementou o capítulo

segundo e o projeto de lavra do Deputado Michel Temer deu origem ao capítulo terceiro da

Lei n. 9.099/95, seguindo, em regra, o que estava previsto na Lei n. 7.244/84, bem como a

Lei estadual n. 9.446/91 do Estado do Rio Grande do Sul.438

Frise-se ainda que, diferentemente do sistema da Lei n. 7.244/84, que estabelecia

ser facultativa a criação dos Juizados de Pequenas Causas, a Lei n. 9.099/95 determinou a

criação dos Juizados Especiais no prazo de seis meses a partir de sua vigência, ou seja, em

27.11.1995, nos termos do seu artigo 96.

Em 16.07.2001, houve a edição da Lei n. 10.259, dispondo sobre a instituição dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, com competência para

julgar causas, no âmbito cível, até o valor de sessenta salários mínimos, excetuadas as

relacionadas no seu artigo 3º.

Convém lembrar que tão logo houve a edição da Lei n. 9.099/95, especialmente

considerando a previsão do artigo 3º, inciso III, que incluiu na competência do Juizado

Especial as causas enumeradas no artigo 275, inciso II do Código de Processo Civil (ações

que tramitam no procedimento sumário pelo critério material), se discutiu sobre a

possibilidade ou não do autor optar pela adoção de um outro rito, ou se deveria fazê-lo

doravante perante aquele órgão especial do Poder Judiciário.

Prevaleceu a tese pela possibilidade de opção pelo autor, embora a Lei n. 9.099/95

não tenha reproduzido a regra do artigo 1º da Lei n. 7.244/85 que expressamente continha

tal faculdade.

A respeito, pertinente o magistério de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery:

“O autor pode, no regime jurídico da vigente LJE optar pelo ajuizamento da ação pelo regime do CPC ou pelo regime da LJE. A previsão constitucional do procedimento sumaríssimo perante os juizados especiais cíveis tem a finalidade de oferecer aos jurisdicionados mais

438 João Protásio Farias Domingues de Vargas, As inovações dos Juizados Especiais Cíveis na nova Lei

federal n. 9.099/95, em contraste com a Lei n. 9.446/91 do Rio Grande do Sul, Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano 3, n. 14, p. 28-30, 1995.

Page 224: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

224

uma opção alternativa de acesso à ordem jurídica justa. Não teria sentido dizer-se que há facilitação de acesso à justiça, com a criação dos juizados, mas de utilização obrigatória, apenando-se, na verdade, a parte com o procedimento estreito previsto na LJE, quando isto não for de seu interesse. A possibilidade de o autor optar pelo procedimento comum, quando deveria utilizar-se de outro procedimento existe no direito processual civil brasileiro (v.g., CPC 292 § 2º). A LJE 3º § 3º também a possibilidade de opção, de modo que fica afastado o argumento de que seria vedado ao autor optar pelo procedimento do CPC, porque matéria de ordem pública. Interpretando-se sistematicamente a norma, não se pode dar à mesma situação jurídica material, prevista em dispositivos legais diferentes, interpretação diferente (...).”439

Não se pode perder de vista que, no âmbito do Juizado Especial, terá o autor de

um lado a adoção de um procedimento sumaríssimo, com a observação dos critérios da

oralidade, simplicidade, gratuidade, informalidade, simplicidade, economia processual e

busca da conciliação ou da transação, além do reconhecimento de sua capacidade

postulatória nas causas que não excedam vinte salários mínimos.

De outro, todavia, há limitações no plano recursal, que se restringirá à

interposição do recurso ordinário, embargos declaratórios e recurso extraordinário, não se

admitirá intervenção de terceiros, nem assistência, o juiz não estará obrigado a julgar com

base em princípio de legalidade estrita, e não se admitirá ação rescisória.

Assim, caberá ao autor, cotejando os vários aspectos, dentre outros, antes

arrolados, optar perante qual juízo pretende exercer o seu direito de ação.

Considerando que tanto no âmbito do procedimento sumário, por força do artigo

278, como na esfera do Juizado Especial Cível, face ao que prevêem os artigos 30 e 31, a

resposta do réu deverá ser apresentada em audiência, podendo ser escrita ou oral,

facultando-se a apresentação do pedido contraposto, far-se-á o exame da defesa passível de

argüição distinguindo seus principais pontos de divergência para, posteriormente, abordar a

formulação de pedido pelo réu, na própria contestação, em ambos os ritos.

439 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1.520.

Page 225: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

225

No caso do procedimento sumário, conforme leciona Barbosa Moreira440, a defesa

não sofre qualquer restrição quanto ao conteúdo, podendo o réu fazer quaisquer alegações

que entenda cabíveis, de natureza processual ou material, variando apenas a forma.

Com efeito, as possíveis alegações deverão ser formuladas por escrito ou

oralmente, na audiência de tentativa de conciliação, e a apresentação da resposta, instruída

com rol de testemunhas e documentos, bem como em se requerendo perícia, observará o

disposto no artigo 278, caput, aplicando-se a mesma sistemática em relação à impugnação

ao valor da causa, que não seguirá o procedimento do artigo 261.

Quanto às exceções rituais, não há previsão de como se dará o seu oferecimento,

observando o autor supra citado que não se exigirá, contudo, petição escrita, mas que

inexistindo disciplina própria, ter-se-ia a aplicação do quanto previsto no procedimento

ordinário, face ao que dispõe o artigo 272, parágrafo único.

Critica de toda forma a solução em se aplicar o rito previsto nos artigos 304 a 306,

não apenas pelas dificuldades práticas que poderão advir, mas porque se teria um fator de

retardamento inconciliável com o espírito que anima o Capítulo III do Título VIII do Livro

I, sendo preferível que o legislador houvesse regulado a matéria de forma expressa e com

mais simplicidade.

Relativamente ao Juizado Especial Cível, o artigo 30 prevê que a contestação

conterá toda a matéria de defesa, ressalvando-se as exceções rituais para alegação de

impedimento e suspeição, já que o próprio dispositivo remete ao processamento “na forma

da legislação em vigor”, pelo que se aplicam os artigos 304 a 306 e 312 a 314.

Pertinente realçar ainda que, diferentemente do sistema do Código de Processo

Civil, quando do acolhimento da alegação de incompetência, seja absoluta, em preliminar

de contestação (art. 300, inc. II) ou relativa (arts. 303 a 311), haverá a remessa dos autos ao

órgão competente e a decretação da nulidade dos atos decisórios (art. 113, § 2º), no âmbito

do Juizado Especial, culminando com a extinção do processo, conforme previsão do artigo

51, inciso III da Lei n. 9.099/95.

440 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit.,

p. 107-108.

Page 226: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

226

4.2 O pedido contraposto – Procedimento sumário e na Lei n.

9.099/95 −−−− Requisitos para a sua admissibilidade

O artigo 278, parágrafo 1º do Código de Processo Civil estabelece a possibilidade

do réu formular pedido contraposto na contestação, desde que fundado nos mesmos fatos

referidos na inicial, o que é igualmente previsto no artigo 31 da Lei n. 9.099/95,

ressalvando-se que na segunda hipótese, a pretensão deve se conter nos limites do artigo 3º

dessa Lei.

Na doutrina, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery441, Athos Gusmão

Carneiro 442 , Gilson Delgado Miranda 443 , Arruda Alvim 444 e Cândido Dinamarco 445

consideram que, em função de ter sido permitido que nos referidos casos o réu possa

pleitear a obtenção de um bem da vida em seu favor na própria contestação, as ações no

procedimento sumário e perante o Juizado Especial passaram a ostentar natureza dúplice.

Parece-nos todavia que, exceto se tomado o conceito de ação dúplice no sentido

amplo, as referidas demandas não possuiriam tal natureza.

Nesse diapasão, nos reportamos à lições de Adroaldo Fabrício, Gabriel Rezende

Filho e Araken de Assis, antes examinadas, para realçar os principais aspectos das ações

dúplices.

Nelas inexistiria predeterminação de legitimações, sendo certo que qualquer dos

sujeitos da relação jurídico-material pode propor a mesma ação em face do outro.

É, nas ações dúplices, igual e recíproco o direito que às partes cabe promover,

definindo ao final a sentença a sua posição.

441 Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 665 e 1.536. 442 Athos Gusmão Carneiro, Do rito sumário na reforma do CPC: Lei n. 9.245, de 26-12-1995, 2. ed., São

Paulo: Saraiva,, 1997, p. 60. 443 Gilson Delgado Miranda, Procedimento sumário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 176. 444 José Manoel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.

321. 445 Cândido Rangel Dianamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 721-772.

Page 227: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

227

Ao se negar o direito material do autor pleiteado em juízo, se estaria

imediatamente reconhecendo a pretensão do adversário.

Qualquer das partes poderia promover o andamento do processo, já que poderiam

indistintamente ocupar a posição de autor ou de réu.

Ora, no caso do pedido contraposto, verifica-se que a sua admissibilidade não

decorreria propriamente da relação de direito material, nem tampouco se aplicaria a ele o

quanto foi supra mencionado, já que as posições de cada legitimado seriam previamente

definidas

Na realidade, considerando a celeridade e ampla concentração de atos processuais

almejadas no procedimento sumário e na Lei n. 9.099/95, permitiu-se que o réu deduza sua

pretensão à obtenção de um bem da vida, seu pedido mediato, na própria contestação, com

limites mais estreitos dos que os previstos para a reconvenção e sem a observância de seu

rito, que seria suscetível de causar embaraços aos fitos buscados.

Antonio Carlos Marcato, ao abordar as hipóteses que a lei abre para que o réu

possa vir a obter tutela jurisdicional ativa favorável, sem necessidade de valer-se da

reconvenção, distingue entre o pedido contraposto e as ações dúplices:

“É o que ocorre quando ele formula, na própria contestação, pedido contraposto ao do autor (demanda contrária ou demanda inversa), fundando-o nos mesmos fatos por este deduzidos à guisa de causa de pedir (CPC, art. 278, § 1º e Lei n. 9.099/95, art. 31) e, também, nas chamadas ações dúplices (v., supra, n. 167 16.6), nas quais autor e réu ocupam simultaneamente ambas as posições subjetivas na base da relação jurídica processual, podendo o último obter, independentemente de pedido expresso (mas sem prejuízo dele), o bem da vida disputado como conseqüência direta da rejeição do pedido do primeiro, como sucede, v.g. nas ações de prestação de contas (supra, n. 51) e de divisão e demarcação de terras(infra, n. 98).”446

Joel Dias Figueira Júnior447 igualmente diferencia as ações dúplices do pedido

contraposto.

446 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 154. 447 Joel Dias Figueira Júnior, Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2006, p. 224-225.

Page 228: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

228

Remonta à origem das ações dúplices nas actiones duplicia ou iudicia duplicia,

nas quais as partes apareciam, em certas demandas, simultaneamente como autoras e rés.

Assinala que a ação é dúplice, por natureza ou por força de lei, e “designa a

ampliação do objeto litigioso por intermédio de pretensão inversa em forma de contra-

ataque do réu, articulado na própria contestação”.

Quanto ao pedido contraposto, realça ser ainda mais limitado, se comparado com

a ação dúplice, tratando-se de pedido formulado pelo réu na própria peça contestatória,

restrito aos mesmos fatos em que se funda a pretensão do autor.

O pedido contraposto não teria, segundo o autor, a mesma autonomia da

reconvenção e seria duplamente limitado: “primeiro, deve estar adequado à competência

desses Juizados – por valor e matéria – nos termos do artigo 3º da Lei 9.099/95 (art. 3º da

Lei n. 10.259/2001); segundo, limita-se aos contornos delineados pelos fatos que

constituem o objeto da controvérsia (lide).”

Resulta assim que o pedido contraposto seria uma reconvenção limitada,

ressaltando o autor que a distinção entre uma e outra está no grau em que as matérias

podem ou não ser objeto de ampliação do espectro da lide.

Através da reconvenção, há a introdução no mesmo processo de uma nova lide,

que pode ter inclusive amplitude superior à proposta pelo autor, enquanto o pedido

contraposto possui seus limites estabelecidos pelo conflito de interesses deduzido pelo

adversário.

Cândido Dinamarco, após enfatizar que a opção legislativa pela possibilidade de

oferecimento do pedido contraposto é compatível com a índole do procedimento sumário e

que seus limites são mais estreitos que os da reconvenção, apresenta os pontos de

convergência entre os dois institutos:

“a) o pedido inicial e o contraposto são julgados em sentença única, repartindo-se esta em capítulos distintos (art. 318); b) a inadmissibilidade do julgamento do mérito em relação a um desses pedidos não implica a do outro nem extinção do processo, prosseguindo este pelo pedido remanescente (art. 317);

Page 229: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

229

c) é interlocutória a decisão que exclui um dos pedidos e mantém o outro, com a conseqüência de comportar recurso de agravo e não de apelação (arts. 162, § 2º e 522); d) admite-se o pedido contraposto formulado por algum dos réus, não necessariamente todos, ou que não envolva todos os autores (analogia com a reconvenção restritiva); e) a admissibilidade do pedido contraposto é condicionada pela competência absoluta do juízo, mas pela territorial, não; f) admite-se o pedido contraposto ainda quando o réu não ofereça defesa em relação ao pedido do autor (...).”448

Lembre-se, ainda, que há duas espécies de pedidos contrapostos na Lei n.

9.099/95, a chamada contraposição originária e a ulterior.

A primeira espécie, prevista no artigo 17 da Lei n. 9.099/95, cuida da

admissibilidade de demandas simultâneas e contrapostas, formuladas reciprocamente pelos

litigantes, tratando-se de instituto que teve como base as lesões patrimoniais em acidentes

automobilísticos.449

As partes comparecem, formulando cada qual sua respectiva pretensão,

instaurando-se, desde logo, a sessão de conciliação, dispensando-se o registro prévio dos

pedidos e a citação.

Exige-se, para tanto, que exista conexão objetiva entre os pedidos, a fim de que se

permita a existência da conciliação e de instrução única, além da legitimidade e capacidade

processual para figurar como autores perante o Juizado Especial, nos termos dos artigos 8º,

parágrafo 1º da Lei n. 9.099/95 e 6º, inciso I da Lei n. 10.259/2001.

A hipótese da contraposição ulterior está prevista, como dito, nos artigos 31 da

Lei n. 9099/95 e 278, parágrafo 1º do Código de Processo Civil, que ocorre quando o réu,

já integrado à relação processual, após sua citação, pode, com fulcro nos mesmos fatos

aduzidos na inicial pelo autor, formular pedido em face desse.

Para Calmon de Passos, a distinção entre ação dúplice, pedido contraposto e

reconvenção seria o que chama de “verbalismo” jurídico. Ele manifesta sua falta de

448 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 722-723. 449 Conforme Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 792.

Page 230: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

230

simpatia pela “ginástica” feita para distinguir tais institutos, posicionando-se da seguinte

forma sobre o tema:

“No nosso modo primário de entender as coisas, quando o autor pede a procedência, o réu deve pedir a improcedência. Pouco importa os fundamentos que invoque para obter essa improcedência. Sua defesa pode ser direta ou indireta de mérito, mas o objeto que ele persegue é pura e simplesmente descartar-se da pretensão do autor. Outra coisa é o réu, valendo-se do processo do autor, e por um princípio de economia processual, estando autorizado por lei, além da improcedência, também formalizar uma demanda contra o autor, mas demanda que tem uma tramitação e um procedimento peculiares, dada essa conjuminação à pretensão do autor. Poderia ser uma demanda conjuminada procedimentalmente ao autor. (...) Tirou-se o nome reconvenção mas reconvenção será, entendido o termo reconvenção para além do estritamente formal. Ou se o nome ofende, é contra-ataque do réu ao autor, formalizando demanda conexa à do autor e com repercussão qualitativa ou quantitativa no tocante a ela.”450

Questão igualmente relevante é o cabimento ou não da aplicação do artigo 317 do

Código de Processo Civil, que trata da autonomia da reconvenção em relação ao pedido

contraposto.

Cabe consignar que dois argumentos poderiam objetar a aplicação do artigo 317

do Código de Processo Civil ao pedido contraposto. Primeiro, que o pedido contraposto,

diferentemente da reconvenção, não é oferecido em peça autônoma, diversa da

contestação. Além disso, o fato de não existir previsão de autonomia do pedido

contraposto.

Não obstante tais circunstâncias entendemos que caso a eventual desistência da

ação pudesse levar ao mesmo efeito em relação ao pedido contraposto, seria facilmente

possível ao autor burlar a regra do artigo 267, inciso VIII e parágrafo 4º do Código de

Processo Civil, especialmente quando o demandante, em função do risco iminente de perda

da demanda, tomasse a iniciativa de com um ato seu fulminar a pretensão do réu.

450 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 140-141.

Page 231: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

231

Entendemos ser mais coerente com a instrumentalidade do processo e a economia

processual considerar que a inviabilidade do julgamento de mérito em relação ao pedido do

autor ou o feito pelo réu na contestação não deve conduzir à extinção do outro.451

Pertinente, ademais, observar que das três possibilidades que se apresentam, para

efeito de conexão para o oferecimento da reconvenção (conexão com o pedido, a causa de

pedir e o fundamento da defesa), apenas uma delas autoriza o pedido contraposto.

Se para a reconvenção com fulcro na causa de pedir admite-se o seu oferecimento

mesmo que exista apenas parcial identidade de títulos, para o pedido contraposto teria o

legislador restringido a sua admissibilidade a um dos elementos da causa petendi, ou seja,

aos fatos.

O artigo 282, inciso III do Código de Processo Civil, que serve de base para a

conclusão de que se teria no Brasil adotado a chamada teoria da substanciação quanto à

causa de pedir, exige que sejam indicados os fundamentos fáticos e jurídicos que embasem

a pretensão do autor.

No Código de Processo Civil português, pode-se distinguir, com fulcro no artigo

264º, entre os fatos essenciais ou principais, instrumentais e os complementares ou

concretizadores.

Conforme leciona Miguel Teixeira de Souza452, eles poderiam se distinguir da

seguinte forma:

Essenciais ou principais são os que integram a causa de pedir ou o fundamento da

exceção e que se ausentes levam à inviabilidade da ação ou da exceção.

Instrumentais são os que indicam os fatos essenciais e que podem ser utilizados

para prova indiciária deles.

451 Nesse sentido: “PROCEDIMENTO SUMÁRIO – Ação principal – Extinção do processo sem apreciação

do mérito – Fato que não implica na extinção do pedido contraposto feito pelo réu, diante do caráter dúplice das demandas.” (RT 786/317:)

452 Miguel Teixeira de Sousa, Aspectos do novo processo civil português. Revista de Processo, São Paulo, v. 22, n. 86, p. 178, abr./jun. 1997.

Page 232: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

232

Concretizadores ou complementares são os que participam de uma causa de pedir

ou de uma exceção e que são indispensáveis à procedência do pedido, embora sua ausência

não leve à inviabilidade da ação ou da exceção.

Não obstante no Brasil não se façam as distinções supra aventadas, consideramos

que para efeito de pedido contraposto, a conexão exigida deve se referir aos fatos

essenciais, entendidos como aqueles que individuam a demanda e a distinguem, constituem

o direito afirmado na inicial, ensejando o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Cabe ressaltar a crítica que Calmon de Passos faz à redação do parágrafo 1º do

artigo 278, porquanto, segundo seu entendimento, não se propõe demanda com fulcro em

fatos, mas sim com fundamento em fato ou fatos que comportam tipificação como causa de

pedir, distinguindo-se entre fato-título (fundamento) e fato simples. Ele aborda ainda as

conseqüências que poderiam advir se aplicado o dispositivo em sua literalidade:

“O art. 315 diz que o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa (ver item 210). Será que o § 1º do art. 278 pretendeu dizer coisa diversa? Se nos submetemos à sua literalidade chegamos a um absurdo. Se o fato (título) que serviu de fundamento à pretensão do autor é verdadeiro, de duas uma: ou ele comporta a tipificação que lhe foi dada e a conseqüência formalizada no pedido, hipótese em que a ação será procedente, não se sabendo o que seria a reconvenção, salvo que o mesmo fato também fundamente pretensão em favor do réu, o que é, se possível, de ocorrência dificílima, o que torna o dispositivo matéria de museu, ou se o fato-título que serviu de fundamento à pretensão do autor não for verdadeiro, ele será não verdadeiro para o autor e réu, sendo impensável invoque o réu este fato para postular algo em seu favor, salvo a improcedência do pedido.”453

4.3 Revelia – Reconhecimento jurídico do pedido e pedido

contraposto

No segundo capítulo desta dissertação abordou-se a revelia e suas espécies, bem

como alguns dos seus efeitos.

453 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 140.

Page 233: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

233

Tanto no procedimento sumário, como na Lei n. 9.099/95, a contestação que

poderá conter o pedido contraposto deverá ser apresentada em forma escrita ou oral, na

própria audiência.

No procedimento sumário, por força do artigo 278, em se inviabilizando a

conciliação, deverá ser apresentada a resposta na primeira audiência.

Assim, a revelia decorrerá da ausência do réu ou de se representante com poderes

para transigir, mas também de seu comparecimento desacompanhado de advogado, já que

evidentemente não se lhe reconhece capacidade postulatória.

Trata-se, contudo, de presunção relativa, como se extrai do próprio artigo 277,

parágrafo 2º.454

Analisando a questão da revelia no procedimento sumário, Umberto Bara

Bresolin455 aponta que se o advogado comparecer à audiência desacompanhado do réu ou

de seu preposto e não ostentar poderes para transigir, não seria o caso de decretar a revelia.

Conforme o autor, com quem concordamos, o réu não permaneceu inerte, e se

constituiu advogado e compareceu à audiência, reagiu ao estímulo provocado pela citação.

A ausência de poderes da cláusula ad judicia et extra para transigir apenas

tornaria impossível a conciliação.

Considerando ademais que a revelia seria incompatível com um comportamento

ativo do réu, ainda que não exteriorizado através da apresentação da contestação, conforme

o autor citado, não seria o caso de decretá-la, se o réu assim ofereceu resposta escrita antes

da audiência, protocolando-a em cartório, mesmo que ele e o patrono não comparecem a

454 Cândido Rangel Dinamarco, não obstante a redação do artigo 277, parágrafo 2º, entende que sua redação

peca por vincular a revelia à ausência do réu, quando é a do advogado que acarreta a falta de resposta, entendendo, assim, que como a parte só tem o ônus de comparecer quando intimada para prestar depoimento pessoal, a conseqüência da falta será a confissão (Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 724).

455 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 91-92.

Page 234: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

234

ela; nem se o réu comparecer para oferecer resposta escrita assinada por seu advogado,

ainda que esse não vá à audiência.

No âmbito do Juizado Especial Cível, o artigo 20 da Lei n. 9.099/95 pode levar à

conclusão de que a ausência do réu à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e

julgamento levaria à revelia, ainda que esteja representado no ato processual por

procurador habilitado, a quem se tenha outorgado mandato, inclusive para transigir e

praticar outros que exijam a cláusula ad judicia et extra (art. 38 do CPC).

Com efeito, o artigo 20 estabelece que não comparecendo o demandado à sessão

de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, serão reputados como verdadeiros

os fatos alegados na petição inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do juiz,

enquanto o artigo 9º da Lei n. 9.099/95 prevê que as partes serão assistidas e não

representadas por advogados.

Preferimos, no caso em tela, como Joel Dias Figueira Júnior456 e Nelson Nery

Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 457 entender que o móvel da Lei n. 9.099/95 ao aludir

à presença do demandado no artigo 20 foi incentivar a aproximação entre os litigantes e a

eventual obtenção da conciliação, que constitui um dos princípios do Juizado Especial

Cível (art. 2º).

O reconhecimento de tal finalidade não poderia, contudo, ir a ponto de justificar a

decretação da revelia quando presente patrono à audiência com poderes inclusive para

transigir, já que se assim fosse, haveria afronta a outros princípios albergados na Lei n.

9.099/95, como a informalidade, simplicidade, celeridade e economia processual.

Caso o réu não apresente na contestação defesas processuais ou de mérito, mas

formule pedido contraposto, não será revel, já que não se manteve inerte.

Vale para a hipótese o quanto foi mencionado para a reconvenção, ou seja, não

caberá eventual presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial se o pedido

456 Joel Dias Figueira Júnior, Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, cit., p. 232-233. 457 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1533.

Page 235: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

235

contraposto tornar controversos aqueles indicados pelo autor ou for com eles

incompatíveis.

Em sendo ré a Fazenda Pública, hipótese possível, em se tratando da Lei n.

10.259/2001, seria aplicável o artigo 320, inciso II, que afasta a possibilidade de presunção

de veracidade dos fatos alegados pelo autor, quando a lide verse sobre direitos

indisponíveis.

Faz-se mister ainda assinalar que formulado o pedido contraposto, o Código de

Processo Civil nada dispõe sobre eventual prazo para manifestação do autor, parecendo-

nos, todavia, que pela similitude entre os institutos, deve ser aplicado o previsto no artigo

31 da Lei n. 9.099/95.

Assim, poderá o autor responder ao pedido na própria audiência, requerer a

designação de nova data, que será fixada desde logo pelo juiz, para se manifestar acerca da

pretensão do réu.

O prazo estabelecido pelo juiz não poderá ser, contudo, superior ao previsto nos

artigos 326 e 327 do Código de Processo Civil, ou seja, dez dias.

Poderá ainda o autor reportar-se aos termos de sua petição inicial, se o cotejo

entre os fatos nela alegados e os versados na contestação do réu mostrarem que há

controvérsia ou incompatibilidade entre eles.

Entendemos, tal como mencionado em relação à reconvenção, que o silêncio do

autor sobre o pedido contraposto formulado pelo réu não levará à presunção de veracidade,

se de qualquer modo existir incompatibilidade ou controvérsia entre os fatos alegados pelo

demandante na inicial e os que constem da pretensão do réu.

O reconhecimento jurídico, na esteira do que foi afirmado em relação à

reconvenção, podendo ser parcial, não inibiria a formulação de pedido contraposto, caso se

possa reconhecer eventual independência e autonomia entre o que foi objeto de adesão

pelo réu e o que serviu de fundamento para a apresentação demanda contrária ou inversa.

Page 236: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

236

4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações que

admitem pedido contraposto

Como exposto, houve a previsão da formulação de pedido contraposto pelo réu

em ações que têm curso no procedimento sumário e no rito da Lei n. 9.099/95, com limites

mais estreitos dos que os estabelecidos para a reconvenção e mediante procedimento mais

simplificado.

A conexão admitida somente pode ter como base os fatos referidos na peça inicial,

inexistindo previsão de intimação do autor, na pessoa de seu advogado, para contestação

em quinze dias, como determinado no artigo 316 do Código de Processo Civil.

Em função das referidas limitações, se mostra coerente com a própria finalidade

que inspirou a admissibilidade do pedido contraposto que nas demandas no procedimento

sumário e no rito da Lei n. 9.099/95 se negue a possibilidade de ampliações subjetivas do

litígio, ou se tolere a formulação de pedidos contrapostos sucessivos.

Embora tenhamos nos manifestado favoravelmente à reconvenção ampliativa do

ponto de vista subjetivo e à sucessiva, fizemos referência às posições contrárias a tais

faculdades.

Temos para nós que com relação ao pedido contraposto, elas são válidas, já que o

legislador estabeleceu, como dito, seus contornos, limitando-os comparativamente com a

reconvenção, em função dos procedimentos (sumário e sumaríssimo, da Lei n. 9.099/95)

onde os concebeu.

A previsão do pedido contraposto afasta, destarte, a admissibilidade da

reconvenção.

Poderia, de toda forma, se questionar, caso o réu venha, no procedimento sumário

ou na ação que tenha curso na Lei n. 9.099/95, a oferecer reconvenção, qual seria a atitude

a ser adotada pelo juiz, se ele simplesmente a indeferiria, ou se admitiria sua substituição

pelo pedido contraposto, se presentes seus requisitos.

Page 237: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

237

Consideramos que subsiste razão a Cândido Dinamarco, que preconiza o não

indeferimento puro e simples da reconvenção, com fulcro no princípio da

instrumentalidade. Afirma o autor sobre o tema ora versado:

“Mas, como é regra a ser observada em todas as ações dúplices, a reconvenção ofertada no procedimento sumário não deve ser pura e simplesmente indeferida. Seu formalismo é muito maior que o do simples pedido contraposto e dessa mera irregularidade formal não decorre prejuízo para o adversário (arts. 244, 294, § 1º e 250); basta que o juiz trate a reconvenção, quando eventualmente deduzida no procedimento sumário, como mero pedido contraposto.”458

Há inclusive precedente, no âmbito das decisões judiciais, permitindo que assim

se proceda, com fulcro no princípio da instrumentalidade das formas.459

Ressalvamos que a possibilidade supra aventada apenas poderia estar presente se

a reconvenção não tiver sido oferecida com fulcro na conexão com o pedido ou com o

fundamento da defesa, porque, se assim for, não seria possível o aproveitamento do ato

processual praticado, uma vez que o pressuposto da vinculação com os fatos exigidos para

o pedido contraposto estaria ausente.

Não havendo conexão com os fatos, vale dizer, o próprio pedido contraposto deve

ser indeferido.460

Se, todavia, houver ocorrido a eventual conversão do procedimento sumário para

o ordinário (art. 277, §§ 4º e 5º do CPC), o pedido contraposto que tenha sido apresentado

deve ser admitido como reconvenção.461

458 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 722. 459 “Reconvenção – Ajuizamento no âmbito do rito sumário – Mero equívoco – Recebimento como pedido

contraposto – Admissibilidade – Princípio da instrumentalidade das formas – Artigo 244 do Código de Processso Civil – Aplicação – Recurso não provido.” (TJSP – Apelação Cível n. 714.020-0/0/São Paulo, 26ª Câmara de Direito Privado, rel. Andreatta Rizzo, j. 26.09.2005, v.u.).

460 “Condomínio – Despesas condominiais – Pedido contraposto – Pretensão que deve derivar dos mesmos fatos da petição inicial – Inocorrência, pois o que busca é a redução de sua participação em rateio – Alegação que não ilide o fato constitutivo do autor e a legitimidade da cobrança, fundada no inadimplemento da apelante – Cobrança procedente – Recurso desprovido.” (TJSP – Apelação n. 909771-0/5/São Paulo, 35ª Câmara de Direito Privado, rel. Artur Marques, j. 12.12.2005, v.u.)

461 “Procedimento Sumário – Alteração para ordinário, depois de oferecida a contestação e pedido contraposto – Admissibilidade, feita a conversão, de o pedido contraposto vir entendido como reconvenção – Apresentação em seguida à contestação – Mera irregularidade – Inteligência do artigo 299 do Código de Processo Civil – Recurso provido.” (TJSP – Agravo de instrumento n. 57.782-4/São Paulo, 6ª Câmara de Direito Privado, rel. Octávio Helene, j. 13.11.1997, v.u.).

Page 238: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

238

4.5 Pedido contraposto formulado em face de quem possua

dezoito anos de idade ou por pessoa jurídica no âmbito da Lei n.

9.099/95

Em função do artigo 8º, parágrafos 1º e 2º da Lei n. 9.099/95, podem-se discutir

duas questões que envolvem a possibilidade de pedido contraposto em face de quem

possua dezoito anos de idade ou por pessoa jurídica.462

A respeito do tema, Juliana Demarchi sustenta que as expressões constantes dos

parágrafos do artigo 8º da Lei n. 9.099/95 devem ser entendidas como restritivas da

propositura de demanda inicial, razão pela qual “apenas as pessoas físicas podem tomar a

iniciativa de movimentar o aparato judiciário, assim como o maior de dezoito anos será

admitido como parte nos juizados apenas se foi ele o primeiro a suscitar a prestação

jurisdicional.”463

Referida limitação não se aplicaria à propositura de demanda incidental,

asseverando a autora que a não admissibilidade da formulação de pedido contraposto

acarretaria maiores ônus àqueles a quem a lei quis acesso rápido e fácil ao Judiciário.

Além disso, reportando-se a magistério de Jorge Alberto Quadros de Carvalho

Silva, consigna que o fato de ser autor no Juizado Especial implica na submissão a todas as

conseqüências derivadas de tal opção, sejam elas positivas ou negativas, incluindo nelas o

ônus de responder a eventual pedido contraposto.

Na mesma esteira, Joel Dias Figueira Júnior464 observa que não se admitindo o

pedido contraposto por pessoa jurídica, significaria remetê-la às vias ordinárias.

462 Lei n. 9.099/95: “Artigo 8º - (...) § 1º - Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação

perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. § 2º - O maior de dezoito anos poderá ser autor, independentemente de assistência, inclusive para fins de conciliação.”

463 Juliana Demarchi, Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, Revista Gênesis de Direito Processual Civil, Curitiba, Gênesis, v. 5, n. 17, p. 531-541, jul./set. 2000. Disponível em: <www.jupodium.com.br./novo/arquivos/artigos/processo civil/acao duplice.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2007.

464 Joel Dias Figueira Júnior, Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, cit., p. 119-120.

Page 239: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

239

Não obstante a conexão ou a continência entre as causas, uma em curso no

Juizado Especial Cível e a outra perante a Justiça Comum, não seria possível sua reunião,

face à diversidade de ritos e de competência, o que ensejaria o sobrestamento de um dos

processos.

Pondera, ademais, que se o juiz a quem fosse formulado pedido contraposto por

pessoa jurídica viesse remeter os autos à Justiça Comum, o autor estaria encontrando

limitação de acesso à jurisdição especializada, já que ficaria à mercê da iniciativa da ré o

deslocamento da competência.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery465 igualmente admitem a

formulação de pedido contraposto por pessoa jurídica, entendendo que a norma do artigo

9º, parágrafo 1º da Lei n. 9.099/95, que estabelece a possibilidade de assistência ao autor

desacompanhado de advogado se o réu for pessoa jurídica se compatibiliza com o artigo 31

da lei, e que onde essa não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Os autores, após fazerem referência a vários enunciados e diversas decisões sobre

o tema, reportam-se ao quanto restou assentado no Fórum Permanente de Juízes

Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, no seu XII Encontro

Nacional, em novembro de 2002, quando se firmou a tese da admissibilidade do pedido

contraposto por ré pessoa jurídica (Enunciado n. 31).

Ressalve-se, todavia, a posição de Cândido Dinamarco, para quem só se admite o

pedido contraposto ulterior, quando deduzido por pessoa física, microempresa ou empresa

de pequeno porte, porque “deduzir pedido contraposto é pôr-se como autor e só essas

pessoas podem figurar como autoras nos processos dos juizados. Logo, nos juizados

federais os pedidos contrapostos não são admissíveis.”466

Entendemos que efetivamente subsiste razão àqueles que proclamam ser possível

a formulação de pedido contraposto por pessoa jurídica, no âmbito do Juizado Especial, o

que decorreria de uma interpretação sistemática da Lei n. 9.099/95.

465 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação

extravagante, cit., p. 1.536-1.537. 466 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 802-803.

Page 240: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

240

Atentaria efetivamente contra os princípios e as finalidades da Lei n. 9.099/95

sujeitar a pessoa jurídica que pretenda formular pedido contraposto à propositura de ação

autônoma, correndo-se o risco de decisões contraditórias, ou, ainda que não fosse assim,

diante dos óbices à reunião das demandas, constituiria fator a ensejar demora no deslinde

do litígio, o que não coaduna com o espírito dessa lei.

Quanto à regra do artigo 8º, parágrafo 2º da Lei n. 9.099/95, que permite apenas

ao maior de dezoito anos ser autor, teria perdido relevância a discussão quanto à sua

extensão, diante da disposição do artigo 5º do Código Civil atual, que reduziu a maioridade

civil.

Com efeito, as pessoas com dezoito anos passaram a ser maiores, se encontrando,

assim, habilitadas à prática de todos os atos da vida civil, de tal sorte que poderão figurar

quer no pólo ativo, quer no pólo passivo da relação processual.

Page 241: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

5 CONCLUSÕES

Não obstante tenhamos ao longo da dissertação procurado externar nossa posição

sobre os principais aspectos que envolvem as ações dúplices e o pedido contraposto,

apresentamos nossas conclusões, com o fito de deixar assentado os pontos que julgamos de

maior relevo em relação aos referidos institutos, a saber:

1. No gênero das ações dúplices, verifica-se a inserção, pela doutrina, de hipóteses

que embora guardem pontos de convergência, apresentam outros que claramente se

diferenciam, de tal sorte que se mostra imprescindível distingui-los, evitando-se que no

citado conceito sejam abarcadas posições do réu que não guardem perfeita identidade

quanto aos seus pressupostos, poderes, finalidades e efeitos.

2. Em sentido estrito, seriam dúplices apenas as ações nas quais, por força da

relação de direito material estabelecida, inexista uma pré-legitimação, podendo qualquer

das partes figurar no processo como autor ou réu. A negativa do direito material postulado

por aquele que tomou a iniciativa de intentar a ação corresponderá à satisfação da

pretensão de direito material do adversário. Em havendo o reconhecimento da carência da

ação em relação ao autor, tal circunstância se estenderia ao réu. Se a legitimidade do réu

guarda direta relação com a do autor, nas ações dúplices, em sentido estrito, aludido nexo

se mostra ainda mais estreito. Qualquer das partes poderia praticar atos de movimentação

do processo, não cabendo, destarte, diante da inércia do autor, a mera aplicação do artigo

267, inciso III do Código de Processo Civil. Não obstante esse Estatuto Processual preveja,

em regra, para tais hipóteses, a formulação de pedido pelo réu, pode todavia dispensá-lo,

como no caso da ação de prestação de contas, considerada, em função disso,

intrinsicamente dúplice.

3. As ações dúplices em sentido lato seriam aquelas que, não em decorrência da

relação de direito material, mas por opção legislativa, se faculta ao réu, independentemente

de reconvenção, obter o bem da vida por ele pretendido através de formulação nesse

sentido na própria contestação, que deixa, portanto, de ser peça de mera resistência. Em

tais hipóteses, a mera negativa do direito material do autor não leva ao reconhecimento

daquele pleiteado pelo réu, nem a carência do promovente repercute diretamente na esfera

do réu. As ações de consignação em pagamento, possessórias, renovatórias de locação

Page 242: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

242

empresarial e de desapropriação se inserem entre aquelas que apresentam tais

características. Por força de lei, algumas ações são dúplices em sentido lato, porque o

legislador permitiu que o réu formule pedido na própria contestação, ou atenuou o

princípio dispositivo e da congruência. Fê-lo assim para admitir que o juiz possa prolatar

sentença sem a necessidade de exata correspondência com o pedido formulado pelo autor,

como na desapropriação, ensejando a fixação de indenização acima do patamar proposto

pelo expropriante, sem que se possa falar em sentença ultra ou extra petita. Referida

possibilidade se justificaria a partir dos contornos constitucionais do instituto da

desapropriação albergados pela Magna Carta de 1988, que estabeleceu, como regra, a

obrigatoriedade da indenização prévia, justa e em dinheiro. No caso das ações de

alimentos, a admissibilidade de fixação de montante superior ao patamar pleiteado pelo

autor e a possibilidade de formulação de pedido à obtenção de bem da vida pelo réu na

própria contestação teriam seu fulcro na própria peculiaridade da prestação objeto da lide,

na informalidade e celeridade buscadas no procedimento sumário adotado.

4. O fato de ser a ação dúplice, em sentido estrito ou lato, por natureza ou por

força da lei, não descarta por si a possibilidade do oferecimento da reconvenção. Há

hipóteses nas quais o legislador estabelece previamente as matérias que podem ser

deduzidas pelo réu, valendo-se do seu caráter dúplice, que portanto possuem um alcance

limitado, como nos casos das ações de consignação em pagamento e as possessórias.

Entendemos que não havendo incompatibilidade procedimental entre a ação em curso e a

demanda a ser intentada pela via reconvencional, nada impede que o réu a ofereça, desde

que se cuide de matéria que não se insira no objeto da duplicidade. Quando, todavia, o

caráter dúplice da demanda possuir um elastério ou amplitude maior, não seria admissível

a reconvenção, como no caso da ação renovatória de locação empresarial, hipótese na qual

o legislador previu um amplo campo de pleitos que podem ser formulados pelo réu na

contestação. Se a cognição judicial é adrede estabelecida de forma restrita pela lei, que

limitou, no plano vertical, o quanto pode ser deduzido e apreciado pelo órgão judicial,

como na hipótese da desapropriação, se revelaria inadmissível a reconvenção, porquanto,

ao permitir seu oferecimento, se contrariaria a finalidade e a natureza do processo

concebidas pelo legislador. Nas ações de alimentos, abdicando-se do excesso de

formalismo, com fulcro na instrumentalidade e sopesando os bens jurídicos em disputa,

permite-se que eventual pedido de exoneração possa ser formulado tanto por via de

exceção como através de reconvenção, tendo como pressuposto, todavia, que as questões

Page 243: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

243

fáticas e jurídicas estejam suficientemente demonstradas nos autos. Nas ações de prestação

de contas, consideramos possível a reconvenção, desde que ela não tenha por fito o pedido

de condenação do adversário ao pagamento do saldo, já que para esse fim, a ação é

dúplice. A reconvenção seria admissível quando se tratar de ação proposta para exigir

contas na primeira fase do processo, já que na segunda etapa, a cognição está voltada ao

exame das contas e à apuração de eventual saldo.

5. Nos casos das ações dúplices que não prescindam da formulação de pedido pelo

réu para a obtenção do bem jurídico por ele almejado, seria aplicável o artigo 284 do

Código de Processo Civil, no que se refere à parte da contestação onde se deduza

pretensão, autorizando-se, assim, eventuais emendas ou correções, não se observando os

rigores do artigo 303 desse diploma legal.

6. Em relação a essas ações, tem plena aplicação o princípio da eventualidade, já

que em sentido amplo, se aplica não apenas à contestação, enquanto forma de resistência

do réu, mas também à petição inicial e às demandas dúplices, o que se mostra justificável

em função do sistema preclusivo adotado pelo Código de Processo Civil, no que tange às

alegações que as partes podem deduzir nos autos. Destarte, nada obsta que o réu apresente

alegações na contestação (abarcando a sua eventual resistência e o pedido nela deduzido,

por força do caráter dúplice da ação) que se mostrem incompatíveis.

7. A revelia não constitui óbice à formulação de pedido por parte do réu nas ações

dúplices. Essa assertiva se funda no fato da revelia comportar diversas espécies, podendo

ser parcial, de tal sorte que deixando o réu de resistir ao pedido na contestação, não

haveria, em tese, impedimento a que formule pretensão a determinado bem da vida,

valendo-se do caráter dúplice da demanda. A revelia parcial não levaria à necessária

presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na peça vestibular, se os

fundamentos do pedido deduzido na ação dúplice forem incompatíveis com eles ou os

tornarem controversos.

8. O pedido contraposto não se confunde com as ações dúplices, já que seus

pressupostos são diversos. Na hipótese do pedido contraposto, a admissibilidade da

formulação de pedido à obtenção de determinado bem da vida na própria contestação não

se assenta na relação de direito material estabelecida entre as partes, mas tem como

Page 244: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

244

fundamento a celeridade e ampla concentração buscadas nos procedimento sumário e no

Juizado Especial. Comparando a reconvenção e o pedido contraposto, nota-se que as

hipóteses de admissibilidade desse último são mais reduzidas, autorizando sua formulação

apenas quando houver conexão com os fatos que devem ser entendidos como principais ou

constitutivos do direito do autor. A reconvenção é mais ampla, já que a conexão pode ter

por base um vínculo mais tênue entre ela e a demanda originariamente intentada. No

âmbito da Lei n. 9.099/95, a limitação é ainda mais significativa, já que o artigo 31 apenas

o admite se o pedido formulado pelo réu se adequar aos limites das causas que possuem

curso nesse órgão do Poder Judiciário.

9. Em que pese não se possa invocar a fungibilidade entre o pedido contraposto e

a reconvenção, já que seus pressupostos não se confundem, deve-se, com supedâneo no

princípio da instrumentalidade, admitir como contra-ação eventual pleito reconvencional

formulado pelo réu, o que coadunaria com a visão moderna do processo civil, voltada à

efetividade e sem rigoroso apego ao formalismo. Considerando, todavia, que o pedido

contraposto é mais restrito, que seu procedimento é substancialmente simplificado, se

comparado com o da reconvenção, não se deve admitir que através dele se amplie

subjetivamente a lide, nem tampouco que o autor igualmente se contraponha ao réu, senão

simultaneamente, hipótese estabelecida no artigo 17 da Lei n. 9.099/95.

10. No que toca à eventual repercussão advinda ao pedido contraposto pela

desistência ou extinção da ação proposta pelo autor, não obstante se pudesse objetar que

ele é formulado na própria contestação e que não há previsão de sua autonomia, como o

legislador fez em relação à reconvenção, entendemos que deve haver seu prosseguimento,

ainda que o feito não tenha curso no que se refere à demanda principal. Consideramos que

tal posição é mais coerente com a visão instrumental do processo, tanto mais que, diante do

pedido contraposto que trouxesse virtual possibilidade de êxito por parte do réu, se

facilitaria, caso o entendimento oposto fosse acolhido, que o autor burlasse a regra do

artigo 267, incisos III e III do Código de Processo Civil.

11. Nas ações dúplices, no que se refere à iniciativa para a prática de atos

processuais, entendemos que cada autor e réu deve arcar com parte que lhe caiba, de

acordo com o interesse na sua realização, antecipando as despesas. Relativamente às regras

Page 245: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

245

quanto ao ônus da prova, caberia sua atribuição a quem alegar o fato, já que as posições de

autor e réu se confundem.

12. É admissível que o réu pleiteie a tutela antecipada, quer nas ações dúplices,

quer no pedido contraposto, mas referida possibilidade está diretamente relacionada à

presença do interesse processual. Se a antecipação pleiteada pelo autor houver sido negada,

não seria admissível pedido em igual sentido pelo réu, porque lhe faltaria interesse

processual para tanto. Caso concedida a tutela antecipada ao autor, a via adequada para que

o réu impugne a decisão judicial desfavorável seria o manejo do agravo de instrumento.

Nada obsta, porém, que feitas as referidas ressalvas, o réu possa pleitear, na contestação

das ações dúplices e no pedido contraposto, a tutela antecipada, já que sua situação jurídica

se assemelharia à do autor que, formulando pedido de obtenção de determinado bem

jurídico, pode, preenchidos os requisitos legais, veicular pretensão à realização da tutela

pretendida ou de alguns de seus efeitos antes da prolação da sentença.

Page 246: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

BIBLIOGRAFIA

AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. 15. ed. São

Paulo: Saraiva, 1992. v. 2.

______. Ações cominatórias no direito brasileiro. 5. ed. São Paulo, Max Limonad, 1973.

v. 2.

______. Da reconvenção no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1966.

______. Da reconvenção no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Max Limonad,1973.

______. Da reconvenção no direito brasileiro. 2. tiragem. São Paulo: Max Limonad, 1958.

AMORIM, Aderbal Torres de. Reconvenção, cumulação de ações e ação rescisória.

Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 73, v. 581, p. 269-270, mar. 1984.

______. Reconvenção e revelia. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 284, p. 63-69,

out./dez., 1983.

______. Reconvenção e ação consignatória. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 71, v.

565, p. 259-262, nov. 1982.

ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. A “intimação” do reconvindo na pessoa de seu

procurador (art. 316 do CPC) e o defensor público. Revista de Direito da Defensoria

Pública do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, CEJUR, 2. ed., 1996.

ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. (Coleção de Estudos de Direito de Processo Enrico

Tullio Liebman, 7).

ARRUDA ALVIM, Eduardo. Curso de direito processual civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000. v. 1. (RT Didáticos).

ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de direito processual civil: processo do

conhecimento. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 2. (RT

Manuais).

Page 247: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

247

______. Manual de direito processual civil: parte geral. 6. ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. v. 1.

______. Ação declaratória incidental. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos

Tribunais, ano 5, n. 20, p. 9-55, out./dez. 1980.

ARRUDA ALVIM, José Manoel de et al. Indeferimento liminar de ação declaratória

incidental, reconvenção, oposição; embargos do devedor e pedido de assistência: recurso

cabível. Revista de Processo, São Paulo, ano 1, n. 2, p. 237-240, abr./jun. 1976.

ASSIS, Araken de. Procedimento sumário. São Paulo: Malheiros, 1996.

______. Breve contribuição ao estudo da coisa julgada nas ações de alimentos Ajuris,

Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 16, n. 46, p. 77-

96, jul. 1989.

ASSIS, Jacy. Procedimento ordinário. São Paulo: Lael, 1975.

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araujo; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo

civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

______. Procedimentos especiais: exegese do Código de Processo Civil (arts. 890 a 981).

Rio de Janeiro: AIDE, 1989.

BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil: Lei n. 5.869, de 11 de

janeiro de 1973 (arts.1º a 153). 11. ed. rev. e atual por Eliana Barbi Botelho. Rio de

Janeiro: Forense, 2002. v. 1.

______. Ação de consignação em pagamento e renovatória na nova lei do inquilinato.

Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 81, v. 676, p. 7-13, fev. 1992.

______. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:

Forense, 1981. v. 1 (arts. 1º a 153).

______. Ação declaratória principal e incidente. 4. ed., 2. tiragem rev., aum. e atual de

acordo com o Código de Processo Civil de 1973 e legislação posterior. Rio de Janeiro:

Forense, 1977.

Page 248: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

248

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro: exposição

sistemática do procedimento. 21. ed. rev. e atual., 2. tiragem. Rio de Janeiro: Forense,

2001.

______. A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na

direção e na instrução do processo. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais,

ano 10, n. 37, p. 140-150, 1985.

______. Notas sobre o problema da “efetividade” do processo. In: ____. Temas de direito

processual civil: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984.

______. A conexão de causas como pressuposto da reconvenção. São Paulo: Saraiva,

1979.

______. Questões prejudiciais e coisa julgada. Rio de Janeiro: Borsoi, 1967. (Tese de

Livre Docência − Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de

Janeiro, 1967).

BARROS, Hamilton de Moraes e. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1977. v. 9.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material

sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 1995.

______. Pressupostos processuais e condições da ação. Revista da Procuradoria Geral do

Estado de São Paulo, São Paulo, n. 35, p. 183-211, jun. 1991.

BERMUDES, Sérgio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, Revista dos

Tribunais, 1975. v. 7 (arts. 496-565).

BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. Proporcionalidade e processo: a garantia

constitucional da proporcionalidade, a legitimação no processo civil e o controle das

decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2006. (Coleção Atlas de Processo Civil −

Coordenação: Carlos Alberto Carmona).

BOCCANERA, Ney de Fontana. A defesa possessória nos direitos pessoais. Revista dos

Tribunais, São Paulo, ano 69, v. 540, p. 18-24, out. 1980.

Page 249: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

249

BORTOLAI, Edson Cosac. Da ação de prestação de contas. São Paulo: Saraiva, 1981.

BRANDÃO LIMA, Domingos Sávio. A nova lei do divórcio comentada. São Joaquim da

Barra, SP: O. Dip., 1978.

BRESOLIN, Umberto Bara. Revelia e seus efeitos. São Paulo: Atlas, 2006. (Coleção Atlas

de Processo Civil − Coordenação: Carlos Alberto Carmona).

BUZAID, Alfredo. Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de

locação de imóveis destinados a fins comerciais. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva,

1981. v. 2.

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 3.

______. Da revelia do demandado. Salvador: Progresso, 1960.

CÂMARA LEAL, Antônio Luiz de. Codigo de Processo Civil e Commercial do Estado de

São Paulo commentado. São Paulo: Acadêmica, 1930. v. 3.

CAPPELLETTI, Mauro. La testimonianza della parte nel sistema dell’orallità: contributo

alla teoria della utilizzazione probatoria del sapere delle parti ne processo civile. Milano:

Giuffrè, 1974. Parte 1.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Ação declaratória incidental no novo Código de Processo

Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 93, v. 822, p. 755-759, abr. 2004.

______. Jurisdição e competência: exposição didática, área do direito processual civil. 10.

ed. rev. e ampl. de conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. São

Paulo: Saraiva, 2000.

______. Do rito sumário na reforma do CPC: Lei n. 9.245, de 26-12-1995. 2. ed. rev. e

ampl. São Paulo: Saraiva, 1997.

CARNEIRO, Nélson. A nova ação de alimentos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968.

Page 250: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

250

CARVALHO, Milton Paulo de. Do pedido no processo civil. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris, 1992.

CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Padova: CEDAM 1936.

v. 1.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução da 3. ed.

italiana por J. Guimarães Mengale. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 3.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada

Pellegrini. Teoria geral do processo. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 1994.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Locação Imóveis Urbanos. São Paulo:

Saraiva, 1992.

COMOGLIO, Luigi Paolo. Riforme processuali e poteri del giudice. Torino: Giappichelli,

1996.

______. Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali. Rivista

Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, Giuffrè, n. 4, p. 1.063-1.111, dic. 1994.

COMOGLIO, Luigi Paolo: FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo

civile. 2. ed. Bologna: II Mulino, 1995.

COQUEIJO, Costa. Reconvenção no Código de Processo Civil de 1973 e o processo do

trabalho. Revista Brasileira de Direito Processual Civil, n. 2, p. 35-44, jun. 1974.

CORREIA, Alexandre; SCIACIA, Gaetano; CORREIA, Alexandre Augusto de Castro.

Manual de direito romano. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1955. v. 2.

COSTA, Moacyr Lobo da. Confissão e reconhecimento jurídico do pedido. São Paulo:

Saraiva, 1983.

Page 251: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

251

COUTO E SILVA, Clóvis do. Comentários ao Código de Processo Cvil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1977. v. 11, t. 1.

COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 3. ed., reimpresíon

inalterada. Buenos Aires: Depalma, 1976,

COVELLO, Sérgio Carlos. Ação de alimentos. São Paulo: LEUD, 1992.

CRUZ E TUCCI, José Rogério.A causa petendi no processo civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1993.

CRUZ E TUCCI, José Rogério.; BEDAQUE, José Roberto dos Santos (Coords.). Causa de

pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2002.

CRUZ E TUCCI, José Rogério.; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do

processo civil romano. 2. tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedindo contrapostos e reconvenção. Revista

Gênesis de Direito Processual Civil, Curitiba, Gênesis, v. 5, n. 17, p. 531-541, jul./set.

2000. Disponível em: <www.jupodium.com.br./ novo/ arquivos/ artigos/ processo_civil/

acao_duplice.pdf>. Acesso em 24 fev. 2007.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004. v. 3.

______. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. v. 2.

______. Direito processual civil. São Paulo: Bushatsky, 1975.

DINI, Mário. La domanda riconvenzionale nel diritto processuale civile. 3. ed. riv. Milano,

Giuffrè, 1978.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos comentada. 2. ed. atual e

ampl. São Paulo: Saraiva, 1992.

Page 252: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

252

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Justificação teórica dos procedimentos especiais.

Conferência proferida no Congresso Nacional de Processo Civil – 20 anos de vigência do

CPC, Rio de Janeiro, dezembro de 1994. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 91, n. 330, p.

3-14, abr./jun. 1995.

______. Comentários ao Código de Processo Civil: Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 197

(arts. 890 a 945). Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 8, t. 3.

______. A ação declaratória incidental. Rio de Janeiro: Forense, 1976.

FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova: CEDAM, 1975.

______. Note in tema di diritto e processo. Milano: Giuffrè, 1957

FERNANDES, Antonio Scarance. Prejudicialidade: conceito, natureza jurídica, espécies

de prejudiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

______. Liminares nas ações possessórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Da tutela antecipada nas possessórias fundadas na posse

velha. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, Nova Série, ano 7, n. 14, p. 171-

179, jul./dez. 2004.

______. Da reconvenção no direito processual civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

1983.

FRANCO, João Nascimento; GONDO Nisske. Ação renovatória e ação revisional de

aluguel. 7. ed. rev. e ampl., 2. tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

GUASP, Jaime. Derecho procesal civil. 2. ed. Madrid: Instituto de Estudios Políticos,

1962.

GIANESINI, Rita. Alguns aspectos da reconvenção. Revista de Processo, São Paulo, ano

2, n. 7/8, p. 79-97, jul./dez. 1977.

______. Da revelia no processo civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

(Coleção de Estudos de Direito de Processo, 4).

Page 253: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

253

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de direito processual civil. São Paulo:

Saraiva, 2004, v. 1.

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro: teoria geral do processo a

auxiliares da justiça. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

______. Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos

tribunais. 16. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2.

______. Direito processual civil brasileiro: processo de execução a procedimentos

especiais. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil.

São Paulo: José Bushatsky, 1973.

______. Direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1975.

HABSCHEID, Walter J. L’oggetto del processo nel diritto processuale civile tedesco.

Rivista di Diritto Processuale, Padova, v. 35, p. 454-464, giul./set. 1980.

LEONEL, Ricardo de Barros. Objeto litigioso e o princípio do duplo grau de jurisdição. In:

CRUZ E TUCCI, José Rogério; BEDAQUE, José Roberto dos Santos (Coords.). Causa de

pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2002.

LIEBMAN, Enrico Túllio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook,

2001.

______. Manual de direito processual civil. Tradução e notas de Cândido Rangel

Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984. v. 1.

______. Manuale di diritto processuale civile: nozioni preliminari. 3. ed. Milano: Giuffrè,

1973. v. 1.

LOPES, João Batista. Condomínio. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2006.

______. Curso de direito processual civil: processo de conhecimento. São Paulo: Atlas,

2006. v. 2.

______. Curso de direito processual civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2005. v. 1.

Page 254: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

254

______. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

______. Ação declaratória. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2002. (Coleção Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman, v. 10)

______. Procedimento sumaríssimo passa a ser sumário. Repertório IOB de

Jurisprudência: civil processual penal e comercial, n. 6, p. 110-109, 2. quinz., mar. 1996.

LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O juiz e o princípio dispositivo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2006.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 12. ed. atual. até a Lei n. 11.280 de

16.2.2006. São Paulo: Atlas, 2006.

______. Ação de consignação em pagamento. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros,

1996.

______. Consignação em pagamento. Revista do Advogado, São Paulo, Associação dos

Advogados de São Paulo, n. 46, p. 64-74, ago. 1995.

MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação de tutela. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Malheiros, 1997.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de

conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001.

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. Atualizado por Vilson

Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 1997. v. 2.

______. Manual de direito processual civil. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves,

Campinas: Bookseller, 1997. v. 3.

______. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1974. v. 2.

______. Instituições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. 4.

Page 255: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

255

MICHINEL ÁLVAREZ, Miguel Angel. Sobre la interpretacion del artículo 6.3º del

convenio de bruselas de 27 de septiembre de 1968. Revista Española de Derecho

Internacional, Madrid, v. 49, n. 2, p. 47-75, jul./dic. 1997.

MIRANDA, Gilson Delgado. Procedimento sumário. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. (Coleção Estudos de Direito do Processo Enrico Tullio Liebman, v. 45).

MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1995. v. 2.

______. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. v. 2.

MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v.

1.

______. Direito romano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 2.

MOTTA FILHO, Manoel Fernando Thompson. Aspectos controvertidos da ação de

consignação em pagamento. Revista de Processo, São Paulo, ano 10, n. 40, p. 253-261,

out./dez. 1985.

MUSCARI, Marco Antônio Botto. Aspectos controvertidos da ação de alimentos. Revista

de Processo, São Paulo, ano 26, n. 103, p. 123-145, jul./set. 2001.

NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 22. ed.

São Paulo: Saraiva, 1992.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev.,

ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil

comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003.

Page 256: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

256

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A tutela cautelar antecipatória e os alimentos

“initio litis”. Ajuris, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,

v. 14, n. 41, p. 229-248, nov. 1987.

PAULA, Alexandre de. Código de Processo Civil anotado: arts. 890-1.220. 2. ed. rev. e

atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. v. 4.

PICO Y JUNOY, Joan. Las garantias constitucionales del proceso. 3 reimpr. Barcelona:

Bosch, 2002.

PIMENTEL, Wellington Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1975.

PONTES, Eduardo Furlan. Ação de prestação de contas espontânea. Direito & Justiça,

Porto Alegre, Faculdade de Direito da PUC/RS, ano 21, n. 20, p. 133-142, 1999.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo

Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 4.

______. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. 13.

______. Comentários ao Código de Processo Civil de 1973. Rio de Janeiro: Forense, 1975.

v. 3.

______. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1/69. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1971. v. 5.

______. Comentários ao Código de Processo Civil de 1939. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1959. v. 5.

______. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio e Janeiro: Forense, 1959. v.

11.

______. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 9.

______. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. v. 10

PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE,

1991.

Page 257: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

257

PROTO PISANI, Andrea. Lezioni di diritto processual civile. 3. ed. Napoli: Jovene 1999.

REIS, Alberto dos. Processos especiais. Coimbra: Coimbra Editora, 1955, v. 1.

REZENDE FILHO, Gabriel de. Curso de direito processual civil. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 1953. v. 2

______. Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1950. v. 2.

______. Curso de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1957. v. 1.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 3. ed. rev. atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 1.

______. Elementos de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2003. v. 2.

SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência.

5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

______. Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais e para

sociedades civis com fins lucrativos. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002.

SANCHES, Sydney. Objeto do processo e objeto litigioso do processo. Revista de

Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 12, n. 55, p.

13-28, nov./dez. 1978.

SANTOS , Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 5. ed. rev., atual e ampl.

São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1.

______. Manual de direito processual civil. 4. ed. atual. e reform. São Paulo: Saraiva,

1996. v. 3.

______. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 6.

SCHWAB, Karl Heinz. El objeto litigioso en processo civil. Traducción de Tomas A.

Banzhaf. Buenos Aires, EJEA, 1968.

Page 258: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

258

SILVA, Eduardo Calyle. Conexão de causas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SODRÉ, Eurico. A desapropriação. 3. ed. (póstuma). São Paulo: Saraiva, 1955.

SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista de

Processo, São Paulo, v. 22, n. 86, p. 174-184, abr./jun. 1997.

TARZIA, Giuseppe. Il contradditorio nel processo esecutivo. Rivista di Diritto

Processuale, Padova, Cedam, v. 2, n. 72, p. 195-196, 1978.

TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. O princípio da eventualidade no processo civil.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. (Coleção Temas Atuais de Direito Processual

Civil, v. 10).

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O agravo de instrumento é recurso próprio contra as

decisões que apreciam cálculos no curso das execuções. Revista de Processo, São Paulo,

Revista dos Tribunais, v. 9, n. 36, p. 181-184, out./dez. 1984.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. O novo Código Civil e as regras heterotópicas de

natureza processual. Revista Síntese de Direito Processual Civil, ano 6, n. 32, p. 15-34,

nov./dez. 2004.

______. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 39. ed., 4. tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 1.

______. Ação declaratória incidental. Revista Brasileira de Direito Processual, Rio de

Janeiro, Forense, v. 49, p. 83-122, jan./mar. 1986.

TORDINO, Luiz Justo Severo. A revelia e o julgamento antecipado da lide no novíssimo

Código de Processo Civil. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 4, p.

147-175, 1973.

TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1976. v. 1-2.

Page 259: Tese Olavo Pezzotti Olavo... · 3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de

259

VARGAS, João Protásio Farias Domingues de. As inovações dos juizados especiais cíveis

na nova Lei federal n. 9.099/95, em contraste com a Lei n. 9.446/91 do Rio Grande do Sul.

Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano 3,

n. 14, 1995.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Diretos reais. São Paulo: Atlas, 1995.

VIDIGAL, Luis Eulálio Bueno de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1974. v. 6.

WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 2. ed. rev. e atual.

São Paulo: Sugestões Literárias, 1970. v. 3.

WAMBIER, Luis Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,

Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. Coordenação de Luis Rodrigues Wambier. 3. ed. rev., atual. e ampl. 3.

tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 1. (RT Didáticos).

WAMBIER, Teresa Celina de Arruda Alvim. Nulidades da sentença. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1987. (Coleção de Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman,

6).

______. Ações possessórias. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano

11, n. 43, p. 186-190, jul./set. 1986.

______. Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1977. (Coleção de Estudos de Direito de Processo Enrico Tullio Liebman, 1).

WATANABE, Kazuo. Ação dúplice. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos

Tribunais, ano 8, n. 31, p. 138-143, jul./set. 1983.

ZANZUCCHI, Marco Tullio. Diritto processuale civil. Milano: Giuffrè, 1947.