Terrível Encanto - Melissa Marr

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O Rei do Verão ajoelhou-se diante dela. – É isso que você escolhe, por livre e espontânea vonta- de: arriscar-se ao frio do inverno? Ela o observou – o garoto por quem estivera apaixonada nas últimas semanas. Nunca sequer sonhara que ele fosse algo além de humano, mas agora sua pele brilhava como se houvesse chamas crepitando logo abaixo da superfície, tão estranho e belo que ela não conseguia tirar os olhos. – É o que eu quero. – Você entende que, se não for a escolhida, carregará o frio da Rainha do Inverno até que a próxima mortal se arris- que a isso? E você a alertará para que não confie em mim? – Parou de falar, fitando-a com dor nos olhos. Ela assentiu. – Se ela não me aceitar, você dirá à próxima garota, e à próxima – ele se aproximou –, e somente quando uma delas aceitar, você se libertará do frio. – Eu estou ciente disso. – Ela sorriu da maneira mais con- fiante que pôde, e então se encaminhou para o arbusto cheio PRÓLOGO

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Primeiro capítulo para degustação.

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O Rei do Verão ajoelhou-se dian te dela. – É isso que você esco lhe, por livre e espon tâ nea von ta -

de: arriscar-se ao frio do inver no?Ela o obser vou – o garoto por quem esti ve ra apai xo na da

nas últi mas sema nas. Nunca sequer sonha ra que ele fossealgo além de huma no, mas agora sua pele bri lha va como sehou ves se cha mas cre pi tan do logo abai xo da super fí cie, tãoestra nho e belo que ela não con se guia tirar os olhos.

– É o que eu quero.– Você enten de que, se não for a esco lhi da, car re ga rá o

frio da Rainha do Inverno até que a pró xi ma mor tal se arris -que a isso? E você a alertará para que não confie em mim? –Parou de falar, fitando-a com dor nos olhos.

Ela assen tiu.– Se ela não me acei tar, você dirá à pró xi ma garo ta, e à

pró xi ma – ele se apro xi mou –, e somen te quan do uma delasacei tar, você se liber ta rá do frio.

– Eu estou cien te disso. – Ela sor riu da manei ra mais con -fian te que pôde, e então se enca mi nhou para o arbus to cheio

PRÓLOGO

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de espi nhos. As folhas lam biam seus bra ços à medi da que seabai xa va, até que alcan çou o chão.

Seus dedos explo raram o bas tão da Rainha do Inverno.Era um obje to sim ples e des gas ta do, como se incon tá veismãos hou ves sem toca do sua madei ra. Era nes sas mãos, nes -sas outras garo tas que haviam esta do onde ela agora esta va,que não que ria pen sar.

Ela se ergueu, espe ran ço sa e teme ro sa.Atrás dela, ele se aproximou. O agi tar das árvo res tornou-

se quase ensur de ce dor. O bri lho que ema na va de sua pele, deseus cabe los, se inten si fi cou. A som bra dela estendia-se nochão à sua fren te.

Ele sus sur rou: – Por favor, per mi ta que seja ela a esco lhi da...Ela ergueu o bas tão da Rainha do Inverno – e espe rou.

Por um momen to, che gou a acre di tar, mas então o gelo apene trou, preenchendo-a como se hou ves se cacos de vidroem suas veias.

Ela gri tou o nome dele: – Keenan!Ela cambaleou em sua dire ção, mas ele se afas tou, sem

brilhar, sem olhar para ela. Agora esta va sozi nha – com ape nas um lobo para lhe

fazer com pa nhia –, espe ran do para poder dizer à pró xi magaro ta que seria uma toli ce amá-lo, con fiar nele.

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PRO FE TAS, ou Homens que têm a SEGUN DA VI SÃO... têmEncontros muito assus ta do res com [as CRIA TU RAS MÁGICAS, queeles cha mam de Sleagh Maith, ou o Povo Bom].

– A comu ni da de secre ta, Robert Kirk e Andrew Lang (1893)

– Bola 4 na caça pa late ral. – Aislinn mane jou o taco com ummovi men to curto e rápi do; a bola entrou na caça pa com umsatis fa tó rio “tlec”.

Seu par cei ro de jogo, Denny, indi cou uma joga da maisdifí cil: acer tar uma bola na caça pa usan do a tabe la.

Ela revi rou os olhos.– O que foi? Está com pres sa?Ele apon tou com o taco.– Certo. – Foco e con tro le, é disso que se trata. Ela enca çapou

a bola dois.Ele assen tiu uma vez, o mais pró xi mo que che ga va de

um elo gio.

CAPÍTU LO 1

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Aislinn con tor nou a mesa, parou e pas sou giz no taco.Ao seu redor, os sons de bolas coli din do, risa das aba fa das,até mesmo a inter mi ná vel sequên cia de country e de bluesque vinha da juke box mantinham-na cons cien te do mundoreal: o mundo huma no, segu ro. Não era o único, não impor -ta va o quan to desejasse que fosse. Mas ele só ocul ta va ooutro mundo – o hor ren do – por alguns bre ves ins tan tes.

– Três, caça pa do canto. – Deslizou o taco. Foi uma boajoga da.

Foco. Controle.Depois sen tiu: o ar morno em sua pele. Um sopro quen -

te e encan ta do em sua nuca, chei ran do seus cabe los. O quei -xo pon tu do dele con tra sua pele. Nem toda a concentraçãodo mundo tornava tolerável ser o alvo da aten ção de CaraPontu da.

Ela espir rou a taca da: a única bola a cair na caça pa foi abran ca.

Denny pegou a bola. – O que acon te ceu?– Dei mole? – Forçando um sor ri so, olhou para Denny,

para a mesa, para qual quer lugar, menos para a horda queentra va pela porta. Até mesmo quan do des via va o olharpodia ouvi-los: gar ga lhan do e gri tan do, os maxi la res cer ra dose baten do as asas, uma caco fo nia da qual não con se guia esca -par. Andavam em ban dos agora, de algu ma forma mais livresà medi da que a tarde caía, inva din do seu espa ço, pondo fim aqual quer chan ce que ela pudes se ter de encon trar paz.

Denny não a enca rou, não fez per gun tas difí ceis. Apenasges ti cu lou para ela que se afas tas se da mesa e gri tou:

– Gracie, toque algu ma coisa para Ash.

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Na juke box, Grace esco lheu uma das músi cas que nãoeram nem country nem blues: “Break Stuff”, do Limp Bizkit.

À medi da que a letra estra nha men te recon for tan te iaganhan do força naque la voz rouca, atin gin do uma fúria deembru lhar o estô ma go, Aislinn esbo ça va um sor ri so. Se eupudes se esque cer assim, dei xar que os anos de agres são jor ras semsobre as cria tu ras... Ela des li zou a mão pela madei ra lisa dotaco, obser van do Cara Pontuda giran do ao redor de Grace.Eu come ça ria por ele. Aqui e agora. Mordeu o lábio. É claro,todos pen sa riam que ela havia enlou que ci do de vez se come -ças se a balan çar seu taco na dire ção de cor pos invi sí veis –todos menos os seres encan ta dos.

Antes que a músi ca hou ves se aca ba do, Denny arru ma raa mesa.

– Legal. – Aislinn foi até o supor te para os tacos e des li -zou o seu para um dos luga res vagos. Atrás dela, CaraPontuda deu uma risa da alta e estri den te, e arran cou dois fiosde seu cabe lo.

– Guardo tudo de novo? – Mas o tom de voz de Dennyreve lou o que não disse: que ele já sabia a res pos ta mesmoantes de per gun tar. Não sabia o moti vo, mas con se guia per -ce ber os sinais.

Cara Pontuda des li zou os fios do cabe lo dela pela cara. Aislinn lim pou a gar gan ta. – Vamos remar car?– Claro. – Denny come çou a arru mar o taco para guardá-

lo. Os par cei ros mais fre quen tes nunca comen ta vam as estra -nhas mudan ças repen ti nas de humor dela ou seus hábi tosinex pli cá veis.

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Ela se afas tou da mesa, mur mu ran do des pe di das nocami nho, evi tan do enca rar os seres encan ta dos. Eles desa li -nha vam as bolas, esbar ra vam nas pes soas – qual quer coisapara cau sar confusão –, mas não haviam cru za do seu cami -nho esta noite. Ainda não. Na mesa mais pró xi ma à porta,ela parou.

– Vou cair fora.Um dos caras se ergueu após uma bela taca da com bi na -

da, esfre gan do seu cava nha que e ali san do o cabe lo gri sa lho. – Já está na hora, Cinderela?– Sabe como é: vá para casa antes que o sapa to caia. – Ela

ergueu o pé, cal ça do com um tênis sur ra do. – Melhor não seruma tentação para os prín ci pes.

Ele deu um risi nho e se virou nova men te para a mesa. Uma cria tu ra de olhos arre ga la dos moveu-se ao longo do

recin to; esque lé ti ca, com mui tas arti cu la ções apa ren tes, eraao mesmo tempo comum e des lum bran te. Seus olhos eramgran des demais para o rosto, o que lhe dava um ar assus ta do.Aliados ao corpo magér ri mo, os olhos faziam-na pare cer vul -ne rá vel, ino cen te. Mas não era.

Nenhum deles é.A mulher na mesa ao lado de Aislinn bateu as cin zas de

seu cigar ro em um cin zei ro já trans bor dan te. – Vejo você no pró xi mo fim de sema na.Aislinn assen tiu com a cabe ça, tensa demais para res -

pon der.

Em um movi men to muito rápi do, Olhos Arregalados pro je -tou uma fina lín gua azul em uma cria tu ra mági ca de apa rên -cia endia bra da, que recuou, mas um ras tro de san gue já escor -ria de sua boche cha. Olhos Arregalados deu uma risa di nha.

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Aislinn mor deu o lábio com força, e agi tou a mão em umúlti mo aceno para Denny. Foco. Ela lutou para man ter umandar calmo e tran qui lo, tudo que não se sen tia.

Ela saiu, os lábios fir me men te fecha dos para que nãopro nun cias sem pala vras peri go sas. Quis falar, quis dizer àscria tu ras mági cas que fos sem embo ra para que ela não fosseobrigada a ir, mas não podia. Nunca. Se falas se, des co bri riamseu segre do: sabe riam que ela podia vê-los.

A única forma de sobre vi ver era man ter esse segre do;vovó tinha ensi na do essa regra a ela antes mesmo que pudes -se escre ver seu nome: man te nha a cabe ça abai xa da e a bocafecha da. Embora achas se erra do ter que escon der isso, se sequer con si de ras se se rebe lar, a avó a tran ca fia ria – seria edu -ca da em casa, não pode ria jogar sinu ca, fre quen tar fes tas,per de ria sua liber da de e não veria Seth. Ela já havia pas sa dopor essa situa ção por tempo sufi cien te duran te o giná sio.

Nunca mais. Então, com a raiva sob con tro le, Aislinn tomou a dire ção

do cen tro da cida de, para a rela ti va segu ran ça das bar ras deferro e das por tas de aço. Tanto na forma pri mi ti va, quan toalte ra do para uma forma mais pura de aço, o ferro era vene -no so para as cria tu ras mági cas – e glo rio sa men te recon for tan -te para ela. Apesar dos seres encan ta dos que anda vam pelasruas, Huntsdale era seu lar. Ela visi ta ra Pittsburgh, dera umasvol tas em Washington, D.C., explo ra ra Atlanta. Eram luga res legais, mas muito vice jan tes, muito vivos, muito cheios depar ques e árvo res. Huntsdale não era vice jan te. Já não o erahavia anos. Isto sig ni fi ca va que as cria tu ras mági cas tam bémnão vice ja vam por aqui.

Havia bader na na maio ria dos becos e alco vas pelos quaispas sa va, mas nunca era tão ruim quan to o cho que entre

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gru pos de cria tu ras mági cas ocor ri do no shop ping em D.C. ouo que acon te ceu no jar dim botâ ni co de Pittsburgh. Ela ten ta -va se con so lar com esse pen sa men to enquan to anda va. Haviamenos cria tu ras mági cas aqui – menos pes soas tam bém.

Menos é mais.As ruas não esta vam vazias: as pes soas estavam concen-

tradas nos próprios problemas, fazendo com pras, andan do,sor rin do. Era mais fácil para elas, que não haviam visto acria tu ra azul que encon tra ra vários seres ala dos atrás de umajane la suja; nunca assis ti ram às cria tu ras mági cas cor ren do aolongo das linhas de ener gia como se fos sem leões, der ru ban -do umas às outras, e pou san do em uma mulher alta de den -tes tor tos.

Ser cega assim... Esse era um dese jo que Aislinn ali men ta raa vida intei ra. Mas dese jar não muda va a rea li da de. E mesmoque pudes se, de algu ma forma, parar de ver as cria tu ras mági -cas, não se pode sim ples men te esque cer uma ver da de que jáse conhe ce.

Ela pôs as mãos nos bol sos e con ti nuou andan do, pas -san do por uma mãe com suas crian ças visi vel men te exaus tas,por jane las de lojas com cama das de gelo acumuladas, pelalama cin zen ta que já se con ge la ra por toda a rua. Estremeceu.O inver no apa ren te men te sem fim já havia come ça do.

Passava pela esqui na da Harper com a Terceira – quase lá– quan do eles saí ram de um beco: os mes mos dois seresencan ta dos que a vinham per se guin do pelas duas últi massema nas. A meni na tinha lon gos cabe los bran cos que flu tua -vam como espi rais de fuma ça. Seus lábios eram azuis – nãocomo o azul de um tom de batom, mas um azul cada vé ri co.Usava uma saia de couro mar rom já gasta, cos tu ra da com

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cor dões grossos, e ao seu lado havia um enor me lobo bran -co, em que ela ora se apoia va, ora mon ta va. Quando a outracria tu ra mági ca tocou nela, um vapor saiu de sua pele. Elaran geu os den tes para ele, deu-lhe um empur rão e depois umtapa: ele não fez nada além de sor rir.

E ele era devas ta dor quan do sor ria. Luzia o tempo todo,como se bra sas quen tes quei mas sem den tro dele. Seus cabe -los, que iam até o pes co ço, bri lha vam como fios de cobreque pode riam cor tar a pele de Aislinn se ela resol ves se des li -zar os dedos neles – não que fosse fazer isso. Mesmo que elefosse real men te huma no, não seria seu tipo – tão bron zea doe boni to que dava medo de tocar, uma arro gân cia ao andarmos tra va que ele sabia exa ta men te o quan to era atraen te. Ese movia como se coman das se a tudo e a todos, o que faziacom que pare ces se mais alto. Mas não era, de fato, tão alto –não tanto quan to as garo tas muito magras do rio ou os estra -nhos homens com pele de casca de árvo re que vaga vam pelacida de. Tinha uma altu ra quase media na, sendo que ela batiaem seu ombro.

Toda vez que ele se apro xi ma va, ela con se guia sen tir oodor de flo res sel va gens, ouvir o far fa lhar de galhos de sal -guei ro, como se esti ves se sen ta da à beira de um lago em umdes ses dias raros de verão: um vis lum bre do verão em plenoiní cio de um inver no géli do. E que ria reter aque la sen sa ção, deleitar-se, luxuriar-se nela até que o calor pene tras se suapele. Aquilo a apa vo ra va, a quase irre sis tí vel urgên cia em seapro xi mar dele, em se apro xi mar de qual quer cria tu ra mági -ca. Ele a assus ta va.

Aislinn cami nhou um pouco mais rápi do, não che gan doa cor rer, mas mais rápi do. Não corra. Se cor res se, eles a per se -gui riam: os seres encan ta dos sem pre per se guiam.

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Ela se abri gou na Universo dos Quadrinhos, sen tindo-sesegu ra em meio às filei ras de estan tes de madei ra ainda nãopin ta das que demar ca vam a loja.Meu espa ço.

Todas as noi tes esca pa ra deles, escondendo-se até quepas sas sem, espe ran do até desa pa re ce rem. Às vezes eram ne -ces sá rias algu mas ten ta ti vas, mas até então havia fun cio na do.

Ela espe rou den tro da Universo, tor cen do para que elesnão tives sem visto.

Então ele entrou na loja – usan do um encan to, escon -den do aque le bri lho, passando-se por huma no –, visí vel paratodos.

Isso é uma novi da de. E novi da des não eram boas, nãoquan do diziam res pei to aos seres encan ta dos. Eles pas sa vampor ela – por todos – dia ria men te, invi sí veis e inau dí veis, seassim dese jas sem. Aqueles real men te pode ro sos, aque les que podiam se aven tu rar na cida de, podiam usar fei ti ços – mani -pu la ção mági ca – para ocul tar sua ver da dei ra apa rên cia e assu -mir, à vista de todos, a forma huma na. Esses a assus ta vam maisdo que os outros.

Esse ser mági co era ainda pior: ele lan ça ra um fei ti ço entreum passo e o seguin te, tornando-se subi ta men te visí vel, comose não se impor tas se nem um pouco em se expor.

Parou no bal cão e falou com Eddy – inclinando-se paraa fren te para poder ser ouvi do, por causa da músi ca que saíados alto-falantes posi cio na dos nos can tos da loja.

Eddy deu uma olha da em sua dire ção e se vol tou para oser encan ta do. Ele disse o nome dela. Ela percebeu isso,mesmo sem poder ouvir.

Não.A cria tu ra mági ca come çou a cami nhar na dire ção dela,

sor rin do, o olhar tão segu ro quan to o de seus cole gas deturma ricos.

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Ela se virou e pegou um exem plar de Pesadelos e con tos defadas e o aper tou con tra o peito, tor cen do para que suasmãos não tre mes sem.

– Aislinn, não é? – O Garoto Encantado esta va a seulado, seu braço encos tan do nela, pró xi mo demais. Ele olhoupara a revis ta em qua dri nhos que ela segu ra va, sor rin do sar -cas ti ca men te. – Isso é bom?

Ela se afas tou um pouco e o exa mi nou len ta men te. Seele esta va ten tan do se pas sar por um huma no com quem elagos ta ria de con ver sar, falha ra. Da bai nha de seu jeans esto na -do a seu pesa do casa co de lã, esta va engomadinho demais.Ele cla rea ra um pouco seus cabe los cor de cobre para um loiro-acinzentado, escon de ra aque le estra nho ras tro deverão, mas mesmo em seu fei ti ço para se pas sar por huma no,era boni to demais para ser real.

– Não estou inte res sa da. – Ela colo cou a revis ta de voltano lugar e foi para o cor re dor seguin te, ten tan do man ter omedo sob con tro le, sem muito suces so.

Ele a seguiu, reso lu to e bem pró xi mo. Ela não acha va que ele a machu ca ria, não aqui, não em

públi co. Apesar de todas as suas falhas, as cria tu ras mági caspare ciam se com por tar bem quan do se pas sa vam por huma -nos. Talvez fosse medo das gra des de aço das pri sõeshumanas. De fato, o moti vo não impor ta va: o fun da men talé que era uma regra que pare ciam seguir.

Mas Aislinn ainda que ria cor rer quan do olha va para ele.Parecia um daque les gran des feli nos do zoo ló gi co – per se -guin do sua presa ao longo da ravi na.

A Garota Morta espe ra va em fren te à loja, invi sí vel, sen ta -da no dorso do lobo. Seu sem blan te era melancólico, os olhostão cin ti lan tes quan to uma man cha de óleo – com estra nhos eespo rá di cos bri lhos de cor em meio a uma poça negra.

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Não enca re as cria tu ras invi sí veis, regra núme ro 3. Aislinnbai xou o olhar de volta para a pra te lei ra à sua fren te, cal ma -men te, como se não esti ves se fazen do nada além de dar umaolha da na loja.

– Vou tomar um café com uma galera. – O GarotoEncantado se apro xi mou. – Você quer vir?

– Não. – Ela deu um passo para o lado, aumen tan do adis tân cia entre eles. Engoliu sali va, mas isso não aju dou aame ni zar a secu ra em sua boca, o quan to se sen tia apa vo ra dae atraí da por ele.

Ele a seguiu. – Outra noite, então.Não era, de fato, uma per gun ta. Aislinn sacu diu a cabe ça. – Na ver da de, não.– Ela já está imune aos seus encan tos, Keenan? – gri tou a

Garota Morta com uma voz que, embo ra fosse ani ma da, car -re ga va uma ponta de hos ti li da de sob as pala vras. – Garotaesper ta.

Aislinn não res pon deu: a Garota Morta não estava visí vel.Não res pon da a cria tu ras mági cas invi sí veis. Regra núme ro 2.

Ele tam bém não res pon deu a ela, nem sequer olhou emsua dire ção.

– Posso te man dar uma men sa gem pelo celular? Um e-mail? Qualquer coisa?

– Não. – Sua voz era rude. Sua boca esta va seca. Elaengo liu sali va. Sua lín gua gru dou no céu da boca, pro du zin -do um leve esta li do quan do ela ten tou falar: – Não estouinte res sa da mesmo.

Mas esta va.Ela se odia va por isso, mas quan to mais ele se apro xi ma -

va, mais ela que ria dizer sim, sim, por favor, sim a qual querdese jo dele. E não devia, não podia.

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Ele tirou um peda ço de papel do bolso e rabis cou algo. – Aqui está o meu. Quando você mudar de ideia...– Eu não vou mudar de ideia. – Ela pegou o papel, ten -

tan do não dei xar que seus dedos ficas sem muito pró xi mos àpele dele, temen do que o con ta to pudes se, de algu ma forma,pio rar as coi sas, e o enfiou em seu bolso. Resistência pas si va,seria o con se lho de Vovó. Apenas ignore e dê o fora.

Eddy a encara va; a Garota Morta tam bém. O Garoto Encantado che gou mais perto e sus sur rou:– Eu gos ta ria muito de te conhe cer... – Ele a fare jou

como um ani mal, não dife ren te daque les cuja apa rên cia eramenos huma na. – De ver da de.

E essa seria a regra núme ro 1: nunca des per te a aten ção dosseres mági cos. Aislinn quase tro pe çou ten tan do se esqui var –dele e de seu pró prio dese jo inex pli cá vel em ceder. Chegou aesbar rar na porta de saída quan do a Garota Morta sus sur rou:

– Fuja enquan to pode.

Keenan obser vou Aislinn indo embo ra. Ela não che gou acor rer, mas quis. Ele podia sen tir isso, seu medo, como asbati das do cora ção de um ani mal acua do. Mortais nor mal -men te não fugiam dele, espe cial men te garo tas: ape nas umafize ra isso em todos os anos em que vinha par ti ci pan do dessejogo.

Essa, no entan to, sen tia medo. A pele dela, já páli da, des -co rou quan do ele foi em sua direção, fazen do-a pare cer umaapa ri ção emol du ra da por seus cabe los preto-azulados.Delicada. Isso fez com que ela pare ces se mais vul ne rá vel, fácilde abor dar. Ou tal vez isso fosse ape nas por que ela era muitopeque na. Ele ima gi nou que pudes se encai xar a cabe ça delaembai xo de seu quei xo e aco mo dar todo o corpo dela nas

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fol gas de espa ço em seu casa co. Perfeito. Ela pre ci sa ria dealgu ma orien ta ção quan to aos tra jes – subs ti tuir as rou pas comuns, que pare cia pre fe rir, incluir algu mas joias –, masisso era ine vi tá vel nos dias de hoje. Pelo menos ela tinhacabe los lon gos.

Ela seria um desa fio esti mu lan te, tam bém, pelo estra nhocon tro le que tinha sobre as pró prias emo ções. A maio ria dasgaro tas que ele esco lhe ra era tão arden te, tão incons tan te.Uma vez ele pen sa ra que isso era um bom sinal – Rainha doVerão, pai xão arden te. Isso fize ra sen ti do.

Donia inter rom peu seus pen sa men tos: – Não acho que ela goste de você.– E daí?Donia fran ziu seus lábios azuis – o único ponto de cor

em seu rosto frio e bran co.Se ele a ana li sas se, pode ria achar pro vas das mudan ças

que se haviam passado com ela – o seu cabe lo loiro des bo -ta ra, fica ra bran co como uma tem pes ta de de neve, e a pali -dez fazia com que seus lábios pare ces sem azuis demais –,mas ainda era tão boni ta quan to quan do assu miu o postode Garota do Inverno. Bonita, mas não é minha, não comoAislinn será.

– Keenan – cha mou Donia aspe ra men te, uma nu vem dear gela do esca pan do junto à sua voz –, ela não gosta de você.

– Mas vai gos tar. – Ele saiu da loja e des fez o encan to.Então disse as pala vras que já haviam sela do o des ti no de tan -tas garo tas mor tais. – Eu sonhei com ela. É a esco lhi da.

E com isso a mor ta li da de de Aislinn come çou a se esvair.A não ser que se tor nas se a Garota do Inverno, inde pen den -temente do que acon te ces se, agora ela per ten cia a ele.

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