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Page 1: TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E · PDF fileTEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 885 único, da Lei nº 8.666/93. Mas, seja como for, imaginando-se diversamente, parece

883TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS

Sabe-se que o formalismo desatende comfreqüência aos verdadeiros propósitos inseridosna lei que, por sua vez, contempla valores que aela transcendem. Não raro se encontram em con-fronto o empirismo e o dogmatismo, e o embatehá de ser decidido em favor de uma ou outralinha de pensar. A indeclinabilidade ou o deverde decidir que toca à Administração conduz aesse quadro.

Fala-se isso porque o dispositivo em ques-tão, antes de ser matéria, é forma; forma com-plexa – admitimos – da qual depende o aperfei-çoamento da essência versada.

Não se está advogando em absoluto o desa-pego às formas ou formalidades, importantíssi-mas para guiar as condutas administrativas. Masse quer pontuar, desde logo, que casos há emque a forma não poderá sobrepor-se ao fim. Essa,aliás, a tendência interpretativa propagada e ado-tada modernamente no cenário pátrio.1

O dispositivo em tela (art. 26) por certo seaplica à formalização da contratação direta de-corrente de situação emergencial (art. 24, inc. IV,da Lei nº 8.666/93).

Não sendo nossa intenção aqui discorrersobre a substância da mencionada hipótese le-galmente qualificada de afastamento da licita-ção, registra-se que, uma vez ocorrido o fato quese sotoporá àquela situação hipotética,2 surgiráa necessidade da correlata formalização.

E aqui há de ter extremo cuidado para nãoconfundir a forma com a essência.

A norma procedimental do art. 26 manda,em resumo: (a) caracterizar a situação emergen-cial, (b) justificar o preço, (c) motivar a escolhado fornecedor ou executante, (d) apresentar do-cumento de aprovação dos projetos de pesquisaaos quais os bens serão alocados, (e) comuni-car a autoridade superior em três dias para queesta (f) ratifique a dispensa e publique, em cincodias.

E a norma em questão diz que tais providên-cias caracterizam condição para a eficácia dosatos.

A muitos tem passado despercebida a dife-renciação fundamental entre os termos eficáciae vigência dos atos que se materializarão nosajustes lavrados nas situações que menciona-mos.

E a confusão se generaliza tanto a partir daíquanto de equivocada interpretação daquelasformalidades em si mesmas.

Imaginando que o procedimento de dispen-sa emergencial seja fim em si mesmo, criam-sena Administração Pública rotinas que acabampor gerar problemas até então inexistentes.

Sabedores de que os prazos não serão cum-pridos, por motivos vários que não convém dis-cutir, aos autos do procedimento são levados do-

Art. 26 da Lei nº 8.666/93Não-Observância dos Prazos Respectivos

Reflexos nos Ajustes Decorrentes da Contratação Direta EmergencialDistinção entre Eficácia, Vigência e Validade

Jair Eduardo SantanaMestre em Direito do Estado – PUC/SP

1. Referimo-nos à interpretação que se vale do critério sistemático-finalístico, presente em incontáveis decisões dadas,por exemplo, pelo nosso Superior Tribunal de Justiça em matéria de licitações.

2. Vale consultar a teoria geral da tipicidade, cujos fundamentos se aplicam com perfeição à espécie tratada.

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884 BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Setembro/2007

cumentos com datas falsas3 para que se amol-dem ao calendário fictício (há documentos inter-nos, como despachos, remessas, juntadas, vis-ta, e também externos, levando-se o terceiro aigualmente se adequar ao mencionado calendá-rio fictício).

Diversamente há situações nas quais, abo-minando condutas como as relatadas acima, nãose sabe como dar ao executante ou ao fornece-dor (que está atendendo a situação emergencialindependentemente de a formalização procedi-mental ter sido levada a efeito) a devida contra-prestação ou remuneração.

Entretanto, nada disso seria necessário se –nos casos onde se aplicar – estivesse presente anoção que antecipamos em torno da eficácia eda vigência do ajuste levado a efeito. De fato, vi-gência é fenômeno que se verte na perspectivahistórico-temporal. Implica força e vigor. Eficá-cia, por sua vez, se refere à potencialidade paraeclodir efeitos jurídicos desejados.

Já a validade do ajuste é coisa bem diversa.

Assim, na linha que perseguimos, a eficáciados atos a que alude o art. 26 da Lei nº 8.666/93(atos que se petrificam num contrato) pode mui-to bem reconhecer a eficácia de atos pratica-dos de modo pretérito; é, na hipótese, umaeficácia que retroage no tempo pela simplesprevisão da vigência contratual retroativa.

A distinção, embora não seja feita pelosdoutos das licitações, é dado que se soma comperfeição aos respectivos ensinamentos. Todos,aliás, no sentido de que a forma irregular é pas-sível de convalidação.

Assim, aliás, é a lição do professor DiogenesGasparini:

“(...) A publicação, nos termos desse ar-tigo estatutário, deve ser na imprensa oficial.O atendimento de tais exigências é neces-sário para a eficácia desses atos. Vale dizer:somente será possível a contratação depoisde observado esse procedimento, que ter-mina com a publicação na imprensa oficialdo ato de ratificação da dispensa de licita-

ção, acompanhado de sua justificativa. A par-tir daí tem-se a contratação e a execução docontrato. A falta da publicação no momentooportuno não invalida, por si só, a contra-tação, apenas serve de motivo para respon-sabilizar, mediante procedimento disciplinar,o servidor omisso quanto a essa obrigação”(in Direito Administrativo, 10ª ed., São Paulo,Saraiva, 2005, p. 466).

Seguindo esse mesmo raciocínio, escreveMarçal Justen Filho:

“Cabe à autoridade superior ratificar adecisão de promover a contratação direta,assim como as condições contratuais. Aaprovação pela autoridade superior é condi-ção de eficácia da decisão do subordinado.Deverão ser divulgadas pela imprensa oficialas contratações efetivadas com dispensa einexigibilidade de licitação. Pela redação doparágrafo único, confirma-se que a publica-ção se fará após aperfeiçoada a contratação.Não se trata, portanto, de condição de suavalidade. Deve-se reputar que a publicaçãoconstitui condição de eficácia da contratação,nos termos do art. 61, § 1º.* A distinção entrerequisito de validade e de eficácia é simples,do ponto de vista prático. Se um requisito devalidade fosse infringido, seria impossível seusuprimento e existiria obstáculo a promovera execução do contrato posteriormente. Nãoé o que se passa. Alude-se a requisito deeficácia porque se reconhece que o contratoé válido e perfeito. O único problema é quenão poderá ser executado nem produziráefeitos plenos enquanto não cumprida a for-malidade de publicação” (in Comentários àLei de Licitações e Contratos Administrativos,10ª ed., São Paulo, Dialética, 2004, p. 292).

Faltou dizer, como se vê, que a formalizaçãoextemporânea (que tem efeito convalidatório)poderá até mesmo dar vigência retroativa paraacudir situação de fato preexistente. É que, comose disse, não se confunde eficácia com vigência.

Ademais, segundo pensamos, não é neces-sária sequer a publicação do extrato do contrato,a teor do que diz o próprio art. 61, parágrafo

3. São falsas porque simplesmente não correspondem ao tempo respectivo.

* Nota do Editor: Art. 61, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93.

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885TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS

único, da Lei nº 8.666/93. Mas, seja como for,imaginando-se diversamente, parece que a assi-natura e a respectiva publicação do termo decontrato realmente deveriam ocorrer tão-somen-te após a ratificação e a publicação do procedi-mento de contratação direta na forma previstano art. 26 da Lei nº 8.666/93.

Porém, também nesse caso parece-nos queo fato de o respectivo contrato ter sido assinadoe publicado antes mesmo da efetiva ratificaçãodo processo de contratação direta, por si só, nãoacarreta sua nulidade, tendo em vista que, emprincípio, este vício seria sanável com a própriaratificação e posterior publicação do processode contratação direta.

Dando suporte à tese exposta, invoca-seCarlos Ari Sundfeld:

“O dispositivo estipula os prazos de 3dias corridos para o agente comunicar suadecisão ao superior e de 5 dias corridos paraeste a ratificar e publicar. A inobservância

dos prazos gera apenas efeitos de ordemdisciplinar para os agentes relapsos, alémde retardar a eficácia do ato. Mas não impe-de a ratificação ou publicação extemporânea”(in Licitação e Contrato Administrativo, 1ª ed.,São Paulo, Malheiros, 1994, p. 62).

Enfim, não tendo sido possível a formalizaçãodo procedimento nos prazos elencados na lei eespelhando a situação de fato execução de ajus-te prévio (sem, portanto, as formalidades corpo-rificadas), a publicação e a contratação posteriorpodem retroagir à data do acontecimento res-pectivo, a bem da transparência, da publicidade,da lealdade e de valores outros entranhados nasupremacia do interesse público.

E, por fim, a problemática da responsabili-zação pelo descumprimento de prazos é tam-bém matéria a ser tratada noutro nível de discus-são. A incúria em tal setor, via de regra, não podeser tributada a um ou outro servidor público. Aquase ausência absoluta de planificação no se-tor público é uma das grandes vilãs.