teoria do apego

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159 COM TEXTO, Ano VIII, n o 1 ESSE AMOR ME ADOECE: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO DA TEORIA DO APEGO ADULTO COM MULHER EM CONFLITO NAS RELAÇÕES AFETIVO-CONJUGAL Alisandra Barboza e Lucilene Ribeiro da Silva* Orientadora: Profª Geovana Rodrigues Santos 1 Resumo: Apego é concebido como um processo relacional de co-criação de um senso de confiança mútua entre os parceiros, processos esses vinculados às interações afetivas desde o início da vida. Este artigo objetiva investigar as influências das relações de apego adulto na relação afetivo-conjugal com uma mulher que freqüenta programas anônimos de recuperação. Para tanto, faremos uma revisão da Teoria do Apego, apresentando as idéias iniciais de Bowlby sobre os padrões de apego infantil até Mary Main e suas perspectivas acerca do apego adulto. O presente estudo procura analisar, exploratoriamente, o estilo de apego apresentado pela voluntária através de uma análise qualitativa utilizando o AAI (Adult Attachment Interview Protocol) e uma entrevista semi-estruturada das relações com seus parceiros. Palavras-chaves: Apego, relações de apego adulto, relação afetivo- conjugal, programas anônimos de recuperação, AAI. INTRODUÇÃO A teoria do apego é uma teoria psicológica, evolutiva e etológica sobre as relações entre os seres humanos e uma das teorias mais influentes do século sobre desenvolvimento das relações sociais. Tendo como base os estudos discutidos por Bowlby quanto ao apego infantil, Mary Main, posteriormente, discutirá aspectos referentes ao apego adulto e apresentará a discussão de três padrões de apego adulto. Neste estudo descreveremos o que é o apego adulto, os tipos de estilo e analisaremos, exploratoriamente, as influências das relações de apego adulto no relacionamento afetivo- * Discentes do 7º período de psicologia da FACHO ( Faculdades de Ciências Humanas de Olinda). ¹ Psicóloga Clínica pela FAFIRE, Especialista em Saúde Mental pela UFPE, Mestre em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela UNICAP. Professora da disciplina Psicopatologia Especial da FACHO.

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COM TEXTO, Ano VIII, no 1

ESSE AMOR ME ADOECE: UM ESTUDO

EXPLORATÓRIO DA TEORIA DO APEGO

ADULTO COM MULHER EM CONFLITO NAS

RELAÇÕES AFETIVO-CONJUGAL

Alisandra Barboza e Lucilene Ribeiro da Silva*

Orientadora: Profª Geovana Rodrigues Santos1

Resumo: Apego é concebido como um processo relacional de co-criação de um

senso de confiança mútua entre os parceiros, processos esses vinculados às

interações afetivas desde o início da vida. Este artigo objetiva investigar as

influências das relações de apego adulto na relação afetivo-conjugal com uma

mulher que freqüenta programas anônimos de recuperação. Para tanto, faremos

uma revisão da Teoria do Apego, apresentando as idéias iniciais de Bowlby

sobre os padrões de apego infantil até Mary Main e suas perspectivas acerca do

apego adulto. O presente estudo procura analisar, exploratoriamente, o estilo de

apego apresentado pela voluntária através de uma análise qualitativa utilizando

o AAI (Adult Attachment Interview Protocol) e uma entrevista semi-estruturada

das relações com seus parceiros.

Palavras-chaves: Apego, relações de apego adulto, relação afetivo-

conjugal, programas anônimos de recuperação, AAI.

INTRODUÇÃO

A teoria do apego é uma teoria psicológica, evolutiva e

etológica sobre as relações entre os seres humanos e uma das teorias

mais influentes do século sobre desenvolvimento das relações

sociais. Tendo como base os estudos discutidos por Bowlby quanto

ao apego infantil, Mary Main, posteriormente, discutirá aspectos

referentes ao apego adulto e apresentará a discussão de três padrões

de apego adulto. Neste estudo descreveremos o que é o apego

adulto, os tipos de estilo e analisaremos, exploratoriamente, as

influências das relações de apego adulto no relacionamento afetivo-

* Discentes do 7º período de psicologia da FACHO ( Faculdades de Ciências Humanas de Olinda).

¹ Psicóloga Clínica pela FAFIRE, Especialista em Saúde Mental pela UFPE, Mestre em

Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela UNICAP. Professora da disciplina Psicopatologia Especial da FACHO.

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conjugal de uma voluntária que frequentava programas anônimos de

recuperação através de uma análise qualitativa.

DESENVOLVIMENTO

1. Bases Conceituais sobre a teoria do apego

John Bowlby2 foi um psiquiatra londrino que desenvolveu

estudos sobre a teoria do apego. Graduado pela Universidade de

Cambridge em 1928, iniciou sua formação profissional no Instituto

Britânico de Psicanálise com psiquiatria infantil. Bowlby se tornou

chefe do Departamento da Criança na Clínica Tavistock

(Inglaterra), onde concentrou seus estudos clínicos sobre os efeitos

da separação mãe-bebê. Finalizou uma monografia para a

Organização Mundial de Saúde sobre o triste destino de crianças

abandonadas na Europa do pós-guerra e colaborou com James

Robertson em um filme, A Two-Year-Old, para a introdução

referente às visitas da família a crianças hospitalizadas. Estes

trabalhos chamaram a atenção de clínicos para os efeitos

devastadores da separação materna, e levaram à liberalização da

visita da família a crianças hospitalizadas. Assim, John Bowlby

publicou a sua primeira formulação da teoria do apego em um

artigo intitulado The nature of the child‟s tie to his mother

tornando-se um marco nas pesquisas na área do apego (Bowlby,

1958; Lyra, 2008). Posteriormente, publicou o primeiro volume,

Apego, da sua trilogia “Apego, Separação e Perda”, dando início a

várias pesquisas interessadas na investigação da relação afetiva

precoce estabelecida entre o bebê e os responsáveis pelos seus

cuidados iniciais – geralmente a figura materna. O princípio mais

importante da teoria do apego é que uma criança necessita para

desenvolver qualquer tipo de relação de pelo menos um cuidador

primário, para o seu desenvolvimento social e emocional. As

2 Os conceitos de Bowlby foram construídos com base nos campos da psicanálise, biologia , etologia,

psicologia do desenvolvimento, ciências cognitivas e teoria dos sistemas de controle (BOWLBY,

1989; BRETHERTON, 1992)

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observações sobre o cuidado inadequado na primeira infância e o

desconforto e a ansiedade de crianças pequenas quanto à separação

dos cuidadores, levaram Bowlby a estudar os efeitos do cuidado

materno sobre as crianças, em seus primeiros anos de vida. Para

esta teoria, o principal interesse de investigação está no

comportamento da criança em relação a um determinado adulto que

atua para ela como uma figura de apego. (Lyra 2009, p. 27). Mais

especificamente,

Dizer que uma criança é apegada ou tem apego por

alguém, significa que ela está fortemente disposta a

buscar proximidade e contato com uma figura

específica, principalmente quando está assustada,

cansada ou doente. (...) A teoria do apego é uma

tentativa tanto de explicar o comportamento de

apego, com seu aparecimento e desaparecimento

episódicos, como também os apegos duradouros que

as crianças formam (e também os adultos) para com

determinadas figuras (BOWLBY, 1969/1984, p. 396,

grifo nosso).

No início da década de 50, a equipe de pesquisadores de

Bowlby acolheu a norte-americana Mary Ainsworth3 que, após

alguns anos elaborando pesquisas junto à equipe, viajou para

Uganda onde passou três anos (1953-1956) e realizou um estudo de

observação naturalista que veio a confirmar novas idéias etológicas

de Bowlby. A partir das contribuições de Ainsworth, Bowlby

aprofundou a sua teoria em três livros fundamentais: Attachment,

Separation e Loss (respectivamente, 1969, 1973 e 1980). Segundo

Bowlby (1990), o estabelecimento de um modelo de apego seguro

ou inseguro fornece a base para a formação de um modelo funcional

interno, uma lente a partir da qual o indivíduo vai ver o mundo e a

si próprio. Mary Ainsworth e cols.(1978) desenvolveram um estudo

longitudinal, no qual observaram 26 famílias e seus bebês em suas

casas, duas vezes por semana, durante duas horas, ao longo de um

3 Discípula de Bowlby, psicóloga e pesquisadora, trabalhou com William Batz, autor da “Teoria da Segurança”, que a influenciou no seu trabalho.

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período de nove meses. Baseando-se nos dados provenientes deste

estudo, foram identificadas diferenças individuais na qualidade das

relações mãe-bebê que pareciam estar associadas a diferentes

padrões de apego. (VILLACHAN-LYRA, 2009, p.38).

Denominado Situação Estranha 4 esse estudo possibilitou a

identificação de três padrões diferentes de apego:

Apego seguro: As crianças classificadas nesta categoria

demonstraram ser ativas nas brincadeiras, buscavam contato com a

mãe após uma separação breve e eram confortadas com facilidade,

voltando a se envolver em suas brincadeiras;

Apego inseguro/esquivo: Nesta classificação incluem-se

aquelas crianças que após uma breve separação da mãe, evitavam

reunir-se a ela quando esta retornava;

Apego inseguro/resistentes: Essas crianças demonstraram

na situação experimental uma oscilação entre a busca de contato

com sua mãe e a resistência ao contato com esta, além de se

mostrado mais coléricas ou passivas que as crianças com os padrões

de apego anteriormente descritos. Bowlby, citado em Ainsworth &

Marvin (1994, p.12), diz que no sentido mais fundamental, a

classificação tem por base o que nós aprendemos nas observações

naturalísticas.

No entanto, diante do retorno da figura materna, os bebês

classificados como inseguros ansioso-resistentes não apresentam

comportamentos ativos na tentativa de retomar o contato com a

mãe. Um quarto tipo de apego – denominado

“desorganizado/desorientado” – foi posteriormente identificado por

Main e Solomon (1990) e inclui aqueles bebês que não apresentam

padrões de comportamento específicos de resposta e mostram-se

bastante confusos durante o procedimento de situação estranha. É

4 O procedimento de Situação Estranha (Strange Situation Procedure-SSP) baseava-se na observação

do comportamento do bebê diante de um estranho. Objetivava provocar respostas por parte do bebê

que são concebidas como indicativas da qualidade da relação de apego estabelecida entre o bebê e a sua principal figura de apego.

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como se esses bebês não apresentassem estratégias visíveis para

lidar com a situação de angústia causada pelo procedimento de

situação estranha (VILLACHAN-LYRA, 2009, p.40).

2. Mary Main e o apego adulto

Embora Bowlby, ao longo de sua obra (1973, 1977 e

1988), tenha reconhecido em diversas ocasiões a importância do

apego ao longo de todo o ciclo da vida humana, as suas

investigações centraram-se apenas na infância. Bowlby e Ainsworth

focaram as atenções nas origens desenvolvimentais das relações de

apego da criança e seus pais, sobretudo, a mãe. A partir da década

de 80 alguns pesquisadores ofereceram contribuições que tornaram

relevantes os estudos das relações de apego na adolescência e na

vida adulta. Entre eles, salientam-se as pesquisas de Main5 e sua

equipe sobre a dimensão representacional dos vínculos dos quais

resultou na construção do AAI – Adult Attachment Interview

(George, Kaplan & Main, 1984). De acordo com Crowell, Fraley e

Shaver (1999) o conceito de Apego Adulto pressupõe ideais

fundamentais com importantes implicações para o processo de

avaliação. A primeira liga-se aos aspectos normativos do sistema de

vinculação e à sua relevância durante a idade adulta; a segunda, à

presença de diferenças individuais na organização da vinculação, no

contexto das relações interpessoais como elementos de congruência

entre a vinculação na infância e na idade adulta. Weiss (1982, 1991)

apontou a singularidade das características emocionais e

comportamentais (desejo de proximidade a figura de vinculação em

alturas adversas, conforto, na presença da figura de vinculação,

ansiedade em face de inacessibilidade da figura de vinculação,

respostas de luto em situação de perda), a generalização da

experiência, dado que elementos emocionais associados à

5 Mary B. Main, PhD. e docente do Departamento de Psicologia da UC Berkeley Academic. Suas

pesquisas são focadas em Neurociência e estudos comportamentais, tais como; apego, diferenças

individuais na relação de representação no discurso, desenho e narrativa; distúrbios funcionais da consciência; etologia.

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vinculação durante a infância são expressos nas relações de

vinculação adulta, e, ainda, a ligação temporal entre os fenômenos,

uma vez que a centralidade dos pares como figuras de vinculação se

encontra associada ao esbatimento dos progenitores enquanto

figuras de vinculação primárias. (Canavarro, Dias & Lima, 2006).

Quanto ao apego do adulto, Mary Main (2001) distinguiu-o

do apego infantil. Durante a 1ª infância, o apego caracteriza-se

como um interesse insistente em manter proximidade com uma ou

algumas pessoas selecionadas; uma tendência ao usar esses

indivíduos como base segura de referência para a exploração do

desconhecido. Caracteriza-se também como refúgio, na figura de

apego, para busca de segurança em momentos de medo. Assim, na

infância, o apego é considerado seguro ou inseguro com relação à

figura de apego. Já a segurança em adolescentes e adultos não se

identifica com nenhuma relação em particular, ou seja, com

nenhuma figura de apego específica, nem do passado nem do

presente. O que se investiga são as diferenças individuais do estado

mental e história global do apego.

A categoria seguro-autônoma faz um paralelo com o grupo

de crianças de apego seguro. Nos adultos, esse grupo apresenta um

relato espontâneo e vívido das experiências de infância, com

lembranças positivas e uma descrição equilibrada de ocorrências

infantis difíceis. Os adultos que se enquadram na categoria de apego

evitativo ou desapegado apresentam um relato idealizado da

infância, falha na reconstrução das memórias infantis e, se

dificuldades nessas experiências são relatadas, seus efeitos são

negados ou minimizados. A categoria preocupado-ansioso

caracteriza-se por um relato que envolve experiências que podem

ter sido confusas, vagas ou tempestuosas e conflitantes,

apresentando inabilidade para se colocar nas situações infantis e

apresentar um roteiro coerente dessas experiências. Isso também

acontece no relato de experiências difíceis da infância, o que

demonstra dificuldade de compreender as origens de emoções

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preocupantes nessa fase de desenvolvimento humano. A categoria

de apego adulto desorganizado-desorientado está relacionada a

relatos com sinais graves de desorientação e desorganização,

principalmente quando os entrevistados são questionados sobre

eventos traumáticos ou perduas importantes (CORTINA &

MARRONE, 2003).

METODOLOGIA

Participante e Objetivos

Este estudo objetivou analisar, exploratoriamente, as

influências das relações de apego adulto no relacionamento afetivo-

conjugal de uma voluntária que frequentava programas anônimos de

recuperação. Participaram deste estudo uma mulher, NSE6 médio,

vivendo em zonas urbanas, nível escolar médio, profissional

autônoma freqüentadora do programa de co-dependência química.

Utilizamos como análise metodológica os conceitos da Teoria do

Apego de Mary Main (1990), baseados no Protocolo de Entrevista

de Apego Adulto - AAI, versão em língua portuguesa, cedida por

Casellato (2004). A pesquisa desenvolveu-se em dois momentos

distintos; no primeiro, utilizamos a versão do AAI; no segundo,

utilizamos uma entrevista semi-estruturada referente às relações

afetivo-conjugais. Objetivamos investigar: (a) O histórico do

relacionamento, (b) A qualidade da relação, (c) Levantar dados

sobre a estrutura familiar, (d) Identificar as principais figuras de

apego, (e) Identificar as experiências significativas dos vínculos

desenvolvidos até o presente.

MÉTODO

Utilizamos como recurso inicial o AAI e, a seguir, uma

entrevista semi-estruturada. Ressaltamos que o objetivo principal

foi realizar uma análise qualitativa, exploratória, através dos relatos

obtidos e confrontá-los com a literatura apresentada, uma vez que, a

6 Nível Sócio-econômico.

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correta utilização do instrumento científico citado requer

treinamento específico para interpretá-lo7. A Adult Atachment

Interview- AAI (George, Kaplan & Main, 1985, versão portuguesa

de Casellato, 2004). Trata-se de uma entrevista semi-estruturada,

biográfica, de tipo clínico, organizada em torno de um conjunto de

temas que traduzem as principais questões do apego de acordo com

as teorias de Bowlby (1969-1984, 1973, 1980).

A entrevista leva cerca de uma hora para ser administrada e

contém vinte questões de validação e tem uma extensa pesquisa

para apoiá-lo8. Inicia-se com um breve resumo da história da

família, estimulando-se o sujeito a recordar as suas relações com os

pais na infância, através da escolha de cinco adjetivos para

caracterizar cada uma dessas relações. Progressivamente, são

abordadas situações específicas e críticas do ponto de vista da

relação de apego, nomeadamente, problemas ou dificuldades

pessoais, doenças, acidentes, separações, situações de rejeição,

ameaça de abandono pelas figuras de apego, castigos, maus-tratos e

perdas de figuras significativas. A entrevista contempla ainda

questões de natureza mais geral e avaliativa, através das quais o

sujeito é solicitado a analisar a influência das relações com os pais

na infância, ao nível do seu desenvolvimento pessoal, as razões para

o comportamento dos pais, bem como, as mudanças ocorridas na

relação ao longo dos anos. O sujeito é ainda questionado sobre as

suas relações com outros adultos significativos e, na fase final da

entrevista, sobre a sua relação atual com os pais. A abordagem de

cada temática da entrevista é sempre efetuada a um nível mais geral

(semântico) e a um nível mais específico (episódico). Deste modo,

em cada questão, o sujeito é incentivado a recordar episódios ou

acontecimentos ilustrativos das situações mencionadas e a avaliar o

7 Curso fornecido pela UC Berkeley, Califórnia, a título de pós-graduação em dois semestres. 8 Uma boa descrição pode ser encontrada no capítulo 19 do Anexo Theory, Research and Clinical

Applications, editado por J. Cassidy & PR Shaver, Guilford Press, NY, 1999. Sob o título “The Adult

Attachment Interview: Perspectivas históricas e atuais”, escrito por E. Hesse e, brevemente, traduzido neste artigo.

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impacto dessas experiências no desenvolvimento da sua

personalidade e das suas relações de apego. A AAI foi concebida de

modo a possibilitar a ativação do sistema de apego, levando o

sujeito a evocar a história das suas relações com os pais, a partir das

suas memórias e percepções. Nesse âmbito a entrevista tem como

objetivo avaliar a representação atual do sujeito em relação ao

apego, focalizando-se no modo como as experiências e seus efeitos

são refletidos, avaliados e integrados pelo indivíduo e traduzidos em

termos de coerência narrativa e discursiva, ao longo da entrevista.

Neste sentido, a tarefa central colocada ao sujeito é (1) produzir e

refletir acerca das memórias relacionadas com o apego e,

simultaneamente, (2) manter um discurso coerente com o

entrevistador (Hesse, 1999).

No segundo momento utilizamos uma entrevista semi-

estruturada desenvolvida pelos pesquisadores deste estudo

composta de dez questões a nível específico (episódico) com

duração média de 40 minutos que objetivava explorar relatos sobre

os relacionamentos afetivos anteriores e atuais (histórico) e

identificar a qualidade dessas relações. As entrevistas foram

videogravadas e transcritas a partir do método qualitativo, tipo

estudo de caso, através da análise dos discursos confrontados com a

metodologia apresentada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Bowlby (1989) inicialmente pressupôs que os modelos

internos desenvolvidos nas relações com as figuras de apego

primárias tendiam, de maneira geral, a ser estáveis e a se

generalizarem em relações futuras. Partindo deste pressuposto,

outros pesquisadores, como Main (1985), observaram a necessidade

de se desenvolverem estudos sobre os padrões de apego em faixas

etárias diferentes. Com base na literatura e nos resultados obtidos

através das entrevistas com uma voluntária de diferentes etapas

evolutivas pudemos verificar que alguns fatores observados foram

essenciais no desenvolvimento deste artigo. Após a realização das

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entrevistas e a utilização do AAI como recurso para análise,

confrontamos os dados obtidos com a literatura apresentada acerca

do apego adulto. A partir de uma análise qualitativa das respostas

fornecidas pela voluntária pudemos observar características de uma

co-dependência afetiva. Segundo Dantas (2009), a co-dependência

sempre aparece em relação a outras pessoas, ou a uma situação na

qual, por algum motivo interior e pessoal, o indivíduo sente-se

preso ao “dependente”. Mesmo sabendo (conscientemente) que essa

relação não está sendo saudável para si, não consegue se afastar e

voltar-se para sua vida pessoal, colocando-se em segundo plano, e

assim, vivendo em função do “dependente”. A história de uma

determinada mulher observada como objeto de estudo, e mantida

em situação de dependência durante dez anos revela uma trajetória

de perdas e ausências desde a infância, marcada, pela ausência

abrupta da figura paterna;

“Minha infância foi muito difícil, porque eu perdi o

meu pai com três anos de idade. Foi aí que nossa vida

mudou, meu pai foi brutalmente assassinado, ele era

dono de um posto de gasolina e um dos funcionários

dele, que assassinou ele, por um problema lá que, eu

nem sei ao certo qual é este problema. Eu era tão

pequena, né! Três anos de idade...” ( A.L.B , 42 anos)

Desta forma, supomos que, inconscientemente, muitas das

suas escolhas afetivas por homens sempre mais velhos perpetuam-

se dentro deste sentimento de ausência sentida ao longo do seu

desenvolvimento. Estas características ficaram claras na descrição

da co-dependência afetiva estabelecida por ela em relação ao seu

atual companheiro, um dependente químico. Para Dantas (2009), a

co-dependência é sempre uma dependência “ao outro”. Pouco

importa quem é esse outro, e sim, o que ele representa, pois,

geralmente o co-dependente é dependente de um dependente.

Pudemos perceber o grande nível de conflito vivido durante todo o

relacionamento e as insistentes tentativas de continuidade destes.

Percebemos claramente a co-dependência desta mulher ao seu

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companheiro a partir de situações corriqueiras, como a seguinte:

“Desafio de tomar conta da empresa, tomar conta de

tudo, todos os dias tem um desafio... realmente ele

era muito experiente, ele não me deixava fazer nada,

ele tomava conta de tudo até a feira ele fazia... tudo

era com ele” (A.L. B, 42 anos).

Utilizando-se da conceituação da co-dependência afetiva e

analisando os relatos obtidos no AAI pudemos supor que a

voluntária apresenta características de um apego adulto

desorganizado/desorientado, mesmo sendo uma experiência

inaugural com o método que apresentamos. Cortina & Marrone

(2003), descreveram que este tipo de apego é caracterizado por

voluntários que demonstram relatos de desorganização e

desorientação graves, principalmente guando questionados sobre

eventos traumáticos ou perdas importantes. Essas descrições estão

fortemente presentes na entrevista e nas respostas repentina do pai e

da irmã, a ausência afetiva da mãe e sobre presença de uma figura

“paterna”. Este artigo objetivou ser mais um viés nas investigações

acerca das relações de apego adulto; buscando mostrar como este

pode influenciar nas relações adultas com os parceiros.

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