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FABIANA BORGES VALÉRIO RA 446956/4 TEORIA DA IMPREVISÃO ENFOQUE NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE COISAS BACHARELADO EM DIREITO UniFMU São Paulo - 2004

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FABIANA BORGES VALÉRIO

RA 446956/4

TEORIA DA IMPREVISÃO

ENFOQUE NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE COISAS

BACHARELADO EM DIREITO

UniFMUSão Paulo - 2004

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FABIANA BORGES VALÉRIO

RA 446956/4

TEORIA DA IMPREVISÃO

ENFOQUE NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE COISAS

Monografia apresentada à banca examinadorada Faculdade de Direito UniFMU, comoexigência parcial para a obtenção do grau debacharela em direito, sob a orientação do Prof.Fernando Borges Vieira.

São Paulo2004

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Banca Examinadora

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Dedico essa monografia à Guilherme,

meu primeiro sobrinho e afilhado. Que a

sua chegada seja repleta de saúde,

felicidade, paz e amor. Ainda, que esse

mundo se torne melhor com você

porque, com certeza, todos nós o

seremos ao seu lado.

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Agradeço, com muito amor e carinho,

primeiramente, a meus pais, meus

heróis, meus exemplos de vida,

Francisco e Eneida, uma vez que sem

eles não estaria aqui e não seria a

pessoa que hoje sou; aos meus irmãos

Fernando, Fabrício e Felipe, que me

fizeram muito feliz; ao Fábio, meu noivo,

que viveu comigo os momentos de maior

felicidade e me ajudou a enfrentar

dificuldades com carinho, amor e

dedicação; ao Iam, meu grande

companheiro, e, por fim, mas não menos

importante, ao meu orientador Fernando

Borges Vieira, professor e amigo, que

me ajudou nessa jornada tão difícil que é

a formação acadêmica.

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SINOPSE

Trata-se de uma monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade

de Direito UniFMU, como exigência parcial para obtenção do grau de bacharela em

direito, cujo escopo é desenvolver o tema Teoria da Imprevisão com enfoque nos

contratos de locação de coisas, demonstrando-se que a natureza do Direito jamais é

absoluta e imutável, ou seja, a mesma modifica-se e evolui. Essa monografia jurídica

foi realizada de forma teórica, tendo como base as doutrinas, legislações e

jurisprudências já existentes, limitando-se o trabalho a uma pesquisa bibliográfica.

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SUMÁRIO

1. Introdução.................................................................................................. 8

2. Teoria Obrigacional.................................................................................... 10

3. Contratualismo........................................................................................... 13

4. Conceito da Teoria da Imprevisão............................................................. 15

5. Origem e evolução da Teoria da Imprevisão............................................. 17

6. Precedentes históricos de aplicação da Teoria da Imprevisão.................. 20

7. Harmonia entre os princípios pacta sunt servanda e rebus sic stantibus.. 26

8. Caso fortuito, força maior e a Imprevisão................................................... 29

9. Fundamentos da Imprevisão e suas doutrinas.......................................... 37

10. Pressupostos de admissibilidade da Teoria da Imprevisão..................... 44

11. Campo operacional da Imprevisão........................................................... 51

12. Tramitação processual da Imprevisão..................................................... 58

13. A Imprevisão no campo obrigacional....................................................... 65

14. Contrato de locação................................................................................. 68

15. A Teoria da Imprevisão e os contratos de locação de coisas.................. 76

16. A Imprevisão e o Direito Brasileiro........................................................... 80

17. Novo Código Civil Brasileiro e a Teoria da Imprevisão............................ 84

18. Considerações finais................................................................................ 88

19. Bibliografia................................................................................................ 91

20. Anexos – jurisprudência........................................................................... 93

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1. INTRODUÇÃO

O contrato, segundo Maria Helena Diniz:

“é um acordo de duas ou mais vontades na conformidade da ordem

jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre

as partes com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações

jurídicas de natureza patrimonial”1.

Quando celebrado ele deve permanecer imutável, em decorrência do princípio

pacta sunt servanda. Como o contrato estabelece lei entre as partes, por esse

princípio, não pode uma das partes sem o consentimento da outra parte, ou seja,

unilateralmente, alterá-lo.

A revisão pode ser feita se ambos os contratantes desejarem.

Entretanto, tem-se admitido nos dias atuais a revisão dos contratos por força

de uma intervenção judicial. Para que isso ocorra deve existir um fato novo,

inesperado (situações excepcionais), que gere para um dos contratantes uma

situação difícil e inesperada.

A presente monografia visa tratar da Teoria da Imprevisão nos contratos de

1 Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil brasileiro. Teoria das obrigações contratuais eextracontratuais, p. 15.

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locação, desenvolvendo tópicos de maior relevância referentes à matéria. Para isso,

algumas perguntas devem ser feitas, tais como: O que é a Teoria da Imprevisão?

Como ela surgiu? Quais são os seus fundamentos e os pressupostos de

admissibilidade? Como ela é desenvolvida no Direito brasileiro e, principalmente, no

Código Civil Brasileiro? De que maneira ela é tratada no contrato de locação? Dessa

forma, o escopo desse trabalho é analisar a importância do tema na vida jurídica.

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2. A TEORIA OBRIGACIONAL

A obrigação no direito creditório tem como elementos principais o débito

(natureza pessoal) e a responsabilidade (natureza patrimonial). De acordo com os

ensinamentos de Nelson Borges:

“o débito resulta da opção feita pela parte de criar uma obrigação; a

responsabilidade decorre daquela escolha, tendo como garantia o

patrimônio do devedor. Resultante do débito – a que o sujeito passivo se

vinculou – surge a responsabilidade e, paralelamente a esta, como direito

subjetivo (nascido com o direito objetivo), a faculdade do credor de propor a

execução dos bens do devedor – caso ele não satisfaça o débito

espontaneamente -, na busca de solução para seu direito de recebimento

do que lhe é devido”.2

Todavia, para a maioria dos juristas toda obrigação deriva de uma ação ou

omissão. Sendo assim, a obrigação é:

“toda ação ou omissão da pessoa (física ou jurídica), de caráter

patrimonial, nascida da manifestação livre da vontade, ou decorrente da

prática de ato ilícito, da declaração unilateral de vontade ou ainda em

virtude da lei”.3

Para Silvio Rodrigues obrigação é:

2 Nelson Borges. A teoria da imprevisão. No direito Civil e no Processo Civil com referências aoCódigo Civil de 1916 e ao novo Código Civil, ps. 52 e 53.

3 Ibidem, mesma página.

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“o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar,

fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem (sujeito

ativo)”.4

Para os romanos, obrigação e débito eram coisas diferentes. Para eles

apenas os bens do devedor respondiam pelo débito, sendo que sua liberdade

pessoal não fazia parte da relação dos negócios como garantia da prestação, ou

seja, a incidência não cairia diretamente sobre o devedor, mas somente sobre seus

bens.

Uma das melhores classificações das obrigações foi feita por Nely Lopes

Casali5. Ele as dividiu em jurídicas, naturais, morais e religiosas. As jurídicas ele

subdividiu em lei, contratos, manifestações unilaterais de vontade e atos lícitos. A lei

é a mais importante fonte, enquanto o contrato é a mais rica. Subdividiu as fontes

jurídicas ainda em positivas e negativas. Por fim dividiu as obrigações positivas em

de dar, de restituir e dos deveres de fazer e dar.

A obrigação traz como elementos o vínculo jurídico, as partes e o objeto da

prestação. Com o vínculo jurídico uma parte se obriga em relação à outra, e, ao

descumprir a obrigação responde pelo prejuízo causado, ou seja, haverá uma

sanção. As partes serão o credor (sujeito ativo) e o devedor (sujeito passivo). Já a

4 Silvio Rodrigues. Direito Civil. Parte geral das obrigações, ps. 3 e 4.

5 Nely Lopes Casali. Aula no Curso de Mestrado em Direito das Relações Sociais da UniversidadeEstadual de Londrina.

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prestação é a obrigação de dar, fazer ou não fazer algo. Diante disso, complementa

Silvio Rodrigues que obrigação:

“é o vínculo de direito pelo qual um sujeito passivo fica adstrito a dar, fazer

ou não fazer alguma coisa em favor de um sujeito ativo, sob pena de, se o

não fizer, espontaneamente, seu patrimônio responder pelo equivalente”.6

Dessa maneira, as obrigações de dar, fazer e não fazer merecem maiores

esclarecimentos. As obrigações de dar caracterizam-se pela entrega, pelo devedor,

de algo (tradição) ao credor. Na obrigação de fazer, o devedor deve praticar um ato

ou fazer uma tarefa, que trará um benefício para o credor. Por fim, a obrigações de

não fazer são aquelas em que o devedor deve abster-se de um fato diante do vínculo

existente.

6 Silvio Rodrigues, op. cit., p. 4.

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3. CONTRATUALISMO

O contrato teve a sua consolidação no mundo românico devido a religiosidade

e ao formalismo, tendo se firmado realmente no direito canônico. Ainda, com o

jusnaturalismo alcançou o seu auge. Antes disso o contrato era um instrumento que

criava direitos e obrigações e após esse período passou a modificar e extinguir

também, atingindo os direitos reais. Atualmente, o contrato é um instrumento

translativo de direitos reais, ressaltando-se que no direito brasileiro a transferência da

propriedade ocorre por meio da tradição (bens móveis) e através da transcrição

(bens imóveis). Teve também grande representação no Código Napoleônico que o

elevou a condição de lei, ou seja, é a manifestação da vontade dos contratantes,

onde eles mesmos irão decidir as questões que serão pactuadas sem a intervenção

do Estado ou de terceiros.

Hoje em dia, analisa-se duas situações ao se referir à autonomia da vontade.

O primeiro seria a liberdade contratual (determina o conteúdo do pacto) e o segundo

é a liberdade de contratar (realização ou não de um contrato, devendo prevalecer o

interesse social pelo particular).

É necessário ressaltar que a regra é o princípio do pacta sunt servanda e, a

exceção é a Teoria da Imprevisão, que somente ocorrerá diante de um evento

anormal e imprevisível. A regra pacta sunt servanda, defendida pela Lei das XII

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Tábuas, significa que os pactos devem ser cumpridos e que as partes devem se

submeter às regras do contrato. Entretanto, foi Ulpiano que a definiu como lei entre

as partes, sendo assim, os contratos aceitam a lei provida do pacto.

Diante disso, os contratos têm como alicerce os seguintes princípios: o da

autonomia da vontade, a supremacia da ordem pública e a obrigatoriedade do

convencionado.

A história do contratualismo está relacionada com a história dos homens.

Estendeu-se ao mundo helênico, passando pelo mundo românico e tendo um

momento de pico após a Idade Média. Com a burguesia e seu sistema, os contratos

justificaram a existência de um Estado. Isso ocorreu devido ao fato do Estado

disciplinar e manter a ordem comum, devendo a sociedade seguir as leis.

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4. CONCEITO DA TEORIA DA IMPREVISÃO

Diversos autores, tanto os de antigamente (a partir da Idade Média) como os

modernos, definiram a Teoria da Imprevisão. Dentre eles estão São Tomás de

Aquino, Marcio Klang, Orlando Gomes, Darcy Bessone, Marco Aurélio S. Viana,

Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz, dentre outros.

A Teoria da Imprevisão é o nome adotado, nos dias atuais, para a cláusula

rebus sic stantibus.

Essa cláusula era vista como inserta nos contratos de duração e nos de

execução diferida (ou seja, as partes acordam um contrato para que o

comportamento ocorra em outro momento. No caso de fatos imprevisíveis, que

dificultem a situação, à parte que se sentir lesada poderá solicitar a revisão judicial

das cláusulas do contrato). Portanto, obrigações sucessivas ou dependentes do

futuro. A cláusula era presumida e obrigava o cumprimento da permanência do

estado do contrato contemporâneo à época em que ele foi celebrado. Uma vez

alterada a situação da parte, devido a uma situação imprevisível, essa poderia se

desvincular da sua obrigação, mediante autorização do Estado-Juiz.

De acordo com Capitant, a cláusula rebus sic stantibus:

“é a cláusula considerada subentendida nos contratos permanentes,

segundo o qual uma convenção só permanece em vigor enquanto o estado

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de coisas existente no momento em que haja sido estabelecida não tenha

sido objeto de modificações essenciais”.7

Nelson Borges também a define ao afirmar que:

“A “teoria da imprevisão” é o remédio jurídico a ser empregado em

situações de anormalidade contratual, que ocorre no campo extracontratual

– ou “aura” das convenções -, de que se podem valer as parte não

enquadradas em situação moratória preexistente, para adequar ou extinguir

os contratos – neste caso com possibilidades indenizatórias – sobre os

quais a incidência de um acontecimento imprevisível (entendido este como

aquele evento ausente dos quadros do cotidiano, possível, mas não

provável), por elas não provocado mediante ação ou omissão, tenha

causado profunda alteração na base contratual, dando origem a uma

dificuldade excessiva de adimplemento ou modificação depreciativa

considerável da prestação, se sorte a fazer nascer uma lesão virtual que

poderá causar prejuízos àquele que, em respeito ao avençado, se disponha

a cumprir a obrigação assumida.

Se, em decorrência de ato praticado pelas partes ou terceiros, a base

contratual desaparecer, alterando as circunstâncias que serviram de

fundamento ao contrato, não sendo possível adaptá-lo ao novo estado, ele

poderá ser extinto, aferindo-se responsabilidades pela existência ou não de

lesão objetiva, como decorrência da supressão do alicerce contratual”.8

7 J. M. Othon Sidou. Revisão Judicial dos Contratos e Outras Figuras Jurídicas, p. 11.

8 Nelson Borges, op. cit., p. 80.

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5. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO

A Teoria da Imprevisão surge na Idade Média, devido aos filósofos católicos,

com a ajuda de São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Bartolo e seus seguidores.

Levava-se em conta o cumprimento do contrato de acordo com as condições em que

ele foi criado (conditio causa data non secreta). Dessa maneira, a cláusula rebus sic

stantibus foi difundida, como existente nos contratos de trato sucessivo.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa9, a Teoria da Imprevisão já era conhecida

antes do direito romano. Esse não desenvolveu a Teoria pois era levado pelo cunho

individualista. Entretanto, o Código de Hamurabi admitia a imprevisão no caso das

colheitas. A Idade Média foi o período em que ela se destacou, ressurgindo com

força após a Primeira Guerra Mundial.

A Primeira Guerra Mundial chamou a atenção dos intelectuais do direito

porque ela causou inúmeros desequilíbrios na vida das pessoas e,

conseqüentemente, nos contratos.

Na Itália, Giuseppe Osti criou a Teoria da Superveniência. Segundo ele, a

promessa deve ser cumprida no futuro e o promitente, ao se vincular, faz a

9 Silvio de Salvo Venosa. Teoria Geral dos contratos.

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representação mental dos efeitos, ou seja, efeitos que realizar-se-ão depois. Assim

ocorre a determinação da vontade. A vontade marginal é aquela que compreende a

consecução efetiva da contraprestação (como foi feita no momento das promessas e

a execução de uma prestação, ambas correspondentes à representada).

O ordenamento jurídico reconhece a vontade que tem por fim a constituição

de uma obrigação visando um resultado. Todavia, se o meio falha, ou seja, se ocorre

algo diverso do que o esperado, a tutela jurídica permite a sua eliminação porque a

prestação não vai mais se referir à vontade marginal.

Portanto, a superveniência, segundo Darcy Bessone é o:

“fato ulterior impeditivo da verificação do resultado concreto representado

pelo promitente”.10

O Código Civil italiano de 1865 previa a força obrigatória do contrato,

permitindo a sua revogação, desde que fosse por mútuo acordo ou por lei.

O Código Civil francês não acolheu a cláusula rebis sic stantibus e a

jurisprudência da Corte de Cassação sempre a repeliu, resistindo as solicitações de

revisão dos contratos. Entretanto, resultante de circunstâncias de emergência e

transitórias surgiu a Lei Failliot. Segundo essa lei, os contratos comerciais celebrados

antes de 1º de agosto de 1914, durante o conflito e até três meses depois de

cessados as hostilidades, cujo cumprimento dependesse do futuro, teriam solução,

10 Darcy Bessone. Do contrato. Teoria Geral, p. 216.

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mesmo que não ocorresse as causas de resolução estabelecidas e convencionadas,

respectivamente, pelo direito comum ou pelas partes, se devido a guerra, a execução

das obrigações, seja de um ou de outro contratante, causasse prejuízos excedentes

ao previsto na época da convenção.

Dessa maneira, a França, unindo a jurisprudência do Conselho do Estado e da

Lei Falliot, elaborou a Teoria da Imprevisão.

No Direito Inglês, situações que se aproximam da cláusula rebus sic stantibus

ocorreram na época dos casos das localidades da coroação. Próximo à Coroação de

Eduardo VII, as localidades de onde se poderia assistir de forma satisfatória o cortejo

real, foram alagadas. Entretanto, a coroação foi adiada por motivo de doença do

monarca. Os Tribunais ingleses desobrigaram, então, os locatários do pagamento

dos aluguéis combinados, uma vez que os lugares ficarem vazios.

Na Alemanha pós-guerra, houve a desvalorização do marco devido a inflação.

Ocorreram alterações das circunstâncias em muitos casos, como nos contratos de

fornecimento onde uma parte era obrigada a entregar as mercadorias de acordo com

o preço combinado à época da celebração do contrato. Entretanto, esse valor não

era mais compatível com a época pós-guerra. Caso o valor fosse mantido haveria o

enriquecimento de uns e o empobrecimento de outros, ou seja, o princípio pacta sunt

servanda se transforma num obstáculo. Apesar de não constar expressamente no

Código Civil, a Alemanha admite a revisão.

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6. PRECEDENTES HISTÓRICOS DA APLICAÇÃO DA

TEORIA DA IMPREVISÃO

A Teoria da Imprevisão teve os primeiros registros de sua existência há quase

quatro mil anos. A França, por exemplo, até o século passado fez com que a regra

pacta sunt servanda fosse intocável. Todavia, em 1804, o Código Civil Francês fixou

a posição definitiva sobre a Teoria da Imprevisão no artigo 1134.

A primeira manifestação existente sobre o princípio da exceção de que se tem

conhecimento foi a do Código de Hamurabi, que registrando como caso fortuito ou

força maior, isentava o devedor do cumprimento da obrigação devido a um

acontecimento imprevisível e/ou inesperado.

Apesar da exceção da regra pacta sunt servanda ter surgido há muitos

séculos, até mesmo antes do Império Romano, ela recebeu realmente atenção no

início da Era Cristã, através de Neratius, um jurista. Segundo Neratius, os contratos

de trato sucessivo que dependem do futuro devem manter o mesmo estado de

quando foi criado. Esse seu trabalho fez com que os canonistas se interessassem

pelo estudo da Teoria da Imprevisão.

Devido a sua expansão, muitos países demonstraram a sua opinião sobre ela,

como veremos a seguir. O anteprojeto de 1756, Codex Maximilianeus Bavaricus

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Civilis, recepcionou a Teoria da Imprevisão. Todavia, o Código Civil Alemão o

rejeitou. Já Algemeines Landrecht Prussiano do ano de 1774 a recepcionou, bem

como o Código Austríaco de 1811.

No Direito Francês, grande defensor da regra pacta sunt servanda, a corrente

revisionista (à favor da Teoria da Imprevisão) mereceu grande destaque,

demonstrando a sua excepcionalidade. A primeira posição revisionista foi a proferida

pelo Tribunal do Comércio de Rouen em 1843, confirmada em 1844 pela Corte de

Cassação. Essa decisão tinha como conflito um contrato de transporte rodoviário

existente entre Paris e Rouen. A instalação de uma linha férrea entre esses lugares

trouxe o desinteresse no comércio rodoviário. Diante disso, foi feito o pedido de

resolução, atendido pelo Tribunal julgando estar diante de um caso de força maior,

muito confundido com a Teoria da Imprevisão.

Outro caso ocorrido na França foi o Canal Craponne em 1876 onde uma

construção visava a irrigação de terras de agricultura, diante de um pagamento. A

solicitação da revisão contratual foi levada ao Tribunal de Aix e posteriormente à

Corte de Apelação, sendo totalmente acolhida. Entretanto, em 1876 a decisão foi

anulada pela Corte de Cassação.

O primeiro julgamento proferido por um colegiado superior também ocorreu na

França em 1915 quando o Tribunal do Comércio de Toulosse admitiu a aplicação da

Teoria da Imprevisão. Nesse caso um estilista não teria como pagar o combinado

com um senhor, uma vez que a guerra fez com que ele perdesse os seus clientes.

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Ainda, em 1916, houve mais um caso referente a Cie. Générale d´Eclairage de

Bordeaux em face da Municipalidade, onde devido a guerra os contratos de

concessão de serviços públicos causaram prejuízos para os concessionários. Isso

ocorreu porque o preço do carvão aumentou consideravelmente, motivo pelo qual as

concessionárias pressionaram as entidades concedentes. O problema era que nem

todas as entidades concedentes concordavam com as solicitações feitas. Dessa

forma, foi necessário recorrer ao Judiciário. Entretanto, os Conselhos das Prefeituras

também não foram unânimes em suas decisões. O contrato existente entre a

Municipalidade e a empresa para a distribuição de gás e energia elétrica tinha uma

tarifa móvel que ficava condicionada às variações do preço do carvão. Com a

Primeira Guerra Mundial a Companhia pediu a modificação das tarifas antes

estabelecidas. O Sindicato do gás fez uma consulta a três advogados franceses de

que derivou um parecer afirmando uma situação não prevista contratualmente.

Usando o parecer o Sindicato do Gás pediu que fosse autorizada a elevação do

preço, negada pelo Conselho da Prefeitura de Bordéus. Insatisfeita a Companhia

recorreu ao Conselho da Prefeitura da Gironda, instância superior, entretanto a

decisão denegatória foi confirmada. Da mesma maneira, a Companhia apelou para

o Conselho do Estado que determinou a revisão do pacto. Pela primeira vez na

França, depois do Código Civil de 1804, foi adotada a Teoria da Imprevisão, mas não

como caso de caso fortuito ou força maior.

Por força da “Lei de Guerra”, ainda na França, foi autorizada a resolução dos

contratos cujo término ocorresse antes de 1° de agosto de 1914. Essa lei tratou

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apenas da resolução dos contratos e não da revisão. Como conseqüência dessa lei,

surgiu a Lei Failliot, sendo a primeira lei que representou a exceção a regra do

princípio pacta sunt servanda. Essa lei tratava das situações conseqüentes da

guerra.

A companhia ferroviária de Cherbourg conseguiu elevar as tarifas de

transporte dos trens, mas o número de passageiros diminui por causa do transporte

rodoviário. Usando a Teoria da Imprevisão a companhia ferroviária solicitou ao

Conselho do Estado uma compensação dos prejuízos sofridos. O Comissário do

Governo foi a favor, entretanto se a desvantagem fosse transitória os prejuízos

seriam divididos, por sua vez, se fosse permanente caberia a extinção do contrato

tendo como base a força maior. Em outros casos o Conselho de Estado Francês

tomou a mesma decisão.

Ainda hoje, alguns doutrinadores franceses aceitam a Teoria da Imprevisão

apenas no direito público e não no privado.

No direito inglês, foram estabelecidas em 1863 algumas regras chamadas de

cláusulas tácitas ou implícitas como conseqüência do caso Taylor/Cadwell. Com

essas cláusulas os contratos estavam condicionados à existência do objeto,

referente ao contrato. É fácil notar que o direito inglês não aceitava nem o caso

fortuito e nem a força maior, aplicando exclusivamente a regra pacta sunt servanda.

Nesse caso um empresário alugou um local de espetáculos para algumas

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representações, entretanto, antes da primeira o prédio foi destruído por um incêndio

impedindo, conseqüentemente, a realização das apresentações.

Em 1868, os ingleses começaram a aceitar os “atos de Deus”, equiparando-os

à Teoria da Imprevisão em relação às catástrofes marítimas.

Também na Inglaterra, em 1901, a convenção tácita foi aplicada uma vez que

a decisão aceitou a inexecução voluntária independente do objeto do contrato ter

sido destruído ou ter desaparecido, devendo a sua existência ser considerada

essencial à realização do contrato.

Em 1902, quando da programação da festa de coroação do Rei Eduardo VII,

os donos das casas onde passaria o cortejo real alugaram as janelas de suas

moradias para quem quisesse assistir diante do pagamento de uma parte da

locação. Porém, no dia do cortejo o rei ficou doente e as festas foram canceladas.

Diante disso os locatários foram ao Tribunal com o fim de receber o dinheiro de volta.

O Tribunal determinou que os locatários não deveriam pagar o restante do

combinado, mas também não poderiam reaver o que já havia sido pago, ficando

certa a aceitação da Teoria da Imprevisão.

O direito italiano recebeu muita influência do Código de Napoleão e, em 1900

a Corte de Cassação de Turim aceitou que a Teoria da Imprevisão fosse aplicada.

Teve o mesmo posicionamento a Corte de Apelação de Florença e, ainda, o Código

Civil Italiano de 1942 estabeleceu a regra pacta sunt servanda de forma não

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intangível e abriu exceção para a excessiva onerosidade, equivalente a nossa teoria

da exceção.

O Direito Polonês, até 1934, era anti-revisonista aceitando como exceção

apenas as situações de impossibilidade absoluta, baseadas no caso fortuito e na

força maior. Por sua vez, devido a guerra de 1914/1918 a Polônia presenciou o

surgimento de algumas situações de exceção, sendo aceita sob vários fundamentos,

tais como: a atenuação do conceito de impossibilidade, a execução relacionada à

boa-fé, o enriquecimento injusto, o abuso de direito, a equivalência das prestações e

a cláusula rebus sic stantibus. Em 1933, o novo Código da Polônia aceitou

integralmente a Teoria da Imprevisão diante de eventos anormais e imprevisíveis.

Em nosso país, o primeiro julgado que aceitou a Teoria da Imprevisão ocorreu

em 1930 com a decisão de primeiro grau de Nélson Hungria. Em 1932 a decisão foi

reformada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A decisão de segundo grau da

Corte de Apelação também aceitou a Teoria da Imprevisão. A sentença foi reformada

em 1934 pelo Tribunal e reestabelecida no mesmo ano pelas Câmaras de Apelações

Cíveis. O acórdão das Câmaras Conjuntas foi levado ao Supremo Tribunal Federal

que não o conheceu e manteve a Teoria da Imprevisão, decidindo a Corte Suprema

que essa teoria não é contrária à lei do Brasil.

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7. HARMONIA ENTRE OS PRINCÍPIOS PACTA SUNT

SERVANDA E REBUS SIC STANTIBUS

Tendo como inspiração a filosofia de São Tomás de Aquino e de Santo

Agostinho, por iniciativa de Bártolo e seus seguidores surgiu a cláusula rebus sic

stantibus. Essa cláusula é uma exceção ao cumprimento dos contratos, diante de

situações anormais.

No Código de Napoleão, o princípio pacta sunt servanda teria como exceção

os princípios da Teoria da Imprevisão e, portanto, da cláusula rebus sic stantibus.

Dessa maneira, a Teoria da Imprevisão se revigora, tendo como fim restabelecer o

equilíbrio que pode sofrer desgastes diante de fatos imprevisíveis. Ressalta-se que

os contratos devem ser condicionados ao futuro, ou seja, contratos de execução

diferida.

Os princípios do pacta sunt servanda e rebus sic stantibus, embora aparentem

ser antagônicos, mostram, no caso do primeiro, o respeito ao convencionado nos

contratos, aos acordos celebrados entre as partes, enquanto no segundo a exceção

à regra diante da impossibilidade de se cumprir o antes convencionado. Destaca-se,

que nunca se pretendeu aplicar a teoria da imprevisão como regra geral, mas sim

como exceção.

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Nelson Borges explica que:

“... Em inúmeras oportunidades os defensores da regra pacta sunt

servanda acusaram os revisionistas de tratarem unilateralmente a questão,

cuidando apenas do interesse do devedor atingido pelo evento modificador

da base negocial”.11

E ainda:

“... Inteiramente ao contrário do que, ao longo dos séculos, vêm

sustentando os não-revisionistas, as regras pacta sunt servanda e rebus sic

stantibus não são colidentes ou conflitantes em qualquer ponto.”12

A regra geral de que os contratos devem ser cumpridos a qualquer custo sofre

exceção da Teoria da Imprevisão a partir do momento em que as circunstâncias

foram alteradas, por algum evento extraordinário. Portanto:

“o contrato faz lei entre as partes, mas desde que mantidas as condições

iniciais da contratação”.13

Os princípios acima citados são harmônicos entre si e a Teoria da Imprevisão

encontra aceitabilidade, devendo ser respeitados alguns pontos: a) o contrato em

uma situação deve ser respeitado de maneira integral (pacta sunt servanda); b) a

situação do contrato exigirá uma exceção quando algum acontecimento imprevisível

11 Nelson Borges. op. cit., p. 141.

12 Ibidem, mesma página.

13 Ibidem, p. 142.

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e inesperado o alterar (rebus sic stantibus). Ressalta-se que contrato em uma

situação não é sinônimo de situação do contrato. Isso significa dizer que, o contrato

ao nascer está em uma situação, entretanto, ao ser executado, ocorrendo alterações

imprevisíveis e anormais do previamente celebrado, leva-se em consideração a nova

situação do contrato.

Esses princípios apresentam características. De acordo com o princípio pacta

sunt servanda, o contrato faz lei entre as partes, devendo toda lei e contrato serem

cumpridos. Já no rebus sic stantibus, todo contrato deve ser cumprido, o

cumprimento do mesmo está condicionado à normalidade dos fatos e diante de um

evento imprevisível que cause alteração o contrato pode não ser cumprido.

Conclui-se, portanto, que:

“... ausentes os pressupostos de admissibilidade para a aplicação da teoria

da imprevisão, deverá viger a regra pacta sunt servanda, pelo simples fato

de que inexistirá causa impeditiva de que ela seja considerada como lei

entre as partes; presentes os requisitos indispensáveis à sua utilização, o

princípio rebus sic stantibus deverá prevalecer, em razão de que a lei entre

as partes não será mais aquela do instante vinculativo e, ipso facto, terá

perdido seu caráter dogmático, podendo sofrer a influência da equidade, na

busca do equilíbrio jurídico comprometido pelo evento extraordinário”.14

14 Nelson Borges, op. cit., ps. 144 e 145.

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8. CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR E A IMPREVISÃO

A regra geral, ao se tratar de contratos, é o cumprimento do pactuado entre as

partes, enquanto a exceção é o seu não cumprimento. Todavia, quando esse

descumprimento é uma excludente de responsabilidade civil sem culpa, trata-se de

caso fortuito ou força maior. Entretanto, no caso da imprevisão não há a isenção da

responsabilidade.

Ao se analisar vários artigos, tais como o art. 1058 e seu parágrafo único do

atual Código Civil, conclui-se que as expressões caso fortuito e força maior são

equivalentes para a lei, principalmente os seus efeitos. Contudo, alguns autores

classificam o caso fortuito como sendo a existência de uma relação com a natureza e

suas forças e, a força maior como sendo a existência de uma relação com o homem.

Porém, ao se tratar das principais características do caso fortuito e da força maior,

ocorre um posicionamento unânime de que elas seriam a inevitabilidade e a

irresistibilidade.

Diante do acima exposto, duas grandes correntes surgiram: a subjetiva que

acredita não haver diferença entre os institutos e a objetiva que acredita que eles têm

diferenças próprias.

Várias outras teorias surgiram, sendo a de maior aceitação a que define força

maior como os fenômenos ligados à natureza e caso fortuito as resultantes de fatos

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ligados ao homem. Entretanto, o que merece destaque é que tanto a força maior

quanto o caso fortuito:

“são causas determinantes do inadimplemento contratual involuntário, com

exclusão de responsabilidade”.15

O caso fortuito e a força maior apresentam como elementos essenciais: a

inimputabilidade e necessariedade, a superveniência, a inevitabilidade e a

irresistibilidade.

a) Inimputabilidade e necessariedade: o autor do evento não pode ser a pessoa que

pretende se beneficiar do benefício legal. Segundo Nelson Borges:

“o fato necessário decorre da isenção de qualquer responsabilidade pelo

seu surgimento e ainda da decorrente impossibilidade de seu

cumprimento”.16

b) Superveniência: o evento deve ser precedente à execução do contrato.

c) Inevitabilidade:o evento deve ser inevitável, independente de se tratar de força

humana ou natural.

d) Irresistibilidade: não pode ser oposta qualquer forma de energia e força humana

ao fato que diz respeito à contratação.

15 Nelson Borges, op. cit., p.148.

16 Ibidem, p. 149.

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O Código Civil de 1916 não fazia diferenciação entre os institutos, sendo

importante tal distinção apenas do ponto de vista acadêmico já que seus efeitos

serão sempre os mesmos em relação ao devedor.

Já a Teoria da Imprevisão:

“tem sido considerada como a solução jurídica destinada a corrigir

situações anômalas – por via de revisão ou resolução – resultantes da

incidência de eventos extraordinários sobre a base contratual,

reconhecidamente ausentes do espectro do cotidiano, de sorte a ficar fora

de qualquer dúvida razoável que, se a parte atingida pudesse prever

aquele resultado gravoso, não teria contratado. Tomada sempre em caráter

de excepcionalidade, destina-se à atenuação do excessivo rigor contido na

regra geral pacta sunt servanda, desde que presentes os pressupostos de

sua admissibilidade”.17

Disserta, ainda, Nelson Borges:

“o caso fortuito e a força maior conduzem à impossibilidade de

cumprimento da obrigação; a imprevisibilidade, quando não suprime a base

da contratação, faz nascer apenas a extrema dificuldade”.18

Todavia, existem casos em que o fenômeno pode pertencer ao caso fortuito

ou força maior sem trazer a impossibilidade, mas a extrema dificuldade. Mesmo

assim, nesse caso a situação é de inexecução voluntária, sem aplicação da

imprevisibilidade, já que ela se define pela causa e não pelos efeitos gerados.

17 Nelson Borges, op. cit., p. 150.

18 Ibidem, mesma página.

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Existem quatro semelhanças entre o caso fortuito ou força maior e a Teoria da

Imprevisão: a) imprevisibilidade; b) desobrigação do devedor; c) fatos jurídicos, d)

projeção no tempo.

a) Imprevisibilidade: no caso fortuito e na força maior a imprevisibilidade é relativa,

enquanto que na Teoria da Imprevisão ela é absoluta. Sendo assim, essa

semelhança tem caráter relativo.

b) Desobrigação do devedor: no caso fortuito e na força maior a desobrigação do

devedor é absoluta, já na Teoria da Imprevisão é relativa. Nos dois primeiros casos,

para que ocorra a desobrigação do devedor é necessário que ele não esteja em

mora, que não seja culpado pelo evento que criou o obstáculo impeditivo, e, ainda,

que inexista renúncia de forma expressa daquele benefício. Na Teoria da Imprevisão,

a desobrigação do devedor somente ocorrerá quando não for possível a realização

da revisão, sendo cabível a extinção se ele não a tiver provocado. Normalmente, na

Teoria da Imprevisão não há a desobrigação do devedor por ser frustrada a revisão,

até mesmo em caso de ocorrer a extinção contratual. Apenas, excepcionalmente,

será possível a resolução contratual, sendo cabível em alguns momentos a

indenização. Essa semelhança também apresenta caráter relativo.

c) Fatos jurídicos: tanto o caso fortuito e a força maior como a Teoria da Imprevisão

são fatos jurídicos. Os dois primeiros nascem de um ato jurídico e se desenvolvem

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no âmbito do contrato, enquanto a Teoria da Imprevisão aparece no âmbito

supracontratual. Essa semelhança tem caráter absoluto.

d) Projeção no tempo: tanto a impossibilidade (caso fortuito e força maior) quanto a

extrema dificuldade (imprevisão) surgem após a celebração do contrato. Portanto, só

será cabível o caso fortuito, a força maior e a imprevisão nos contratos de execução

diferida, não sendo possível ocorrer nos contratos em que a execução for imediata

ou instantânea. Essa semelhança apresenta caráter absoluto.

Conclui Nelson Borges:

“As hipóteses de caso fortuito ou de força maior têm seu alicerce fixado em

situação de cumprimento impossível conseqüente à inevitabilidade e

irresistibilidade; e a imprevisibilidade apenas na de adimplemento

extremamente difícil”.19

As diferenças existentes entre caso fortuito, força maior e Teoria de

Imprevisão são marcantes e em maior número do que as semelhanças.

a) No caso fortuito e na força maior a impossibilidade de cumprir a obrigação é

absoluta. Já na Teoria da Imprevisão o cumprimento da prestação é possível,

entretanto, se torna extremamente difícil diante da ocorrência de algum evento

anormal.

19 Nelson Borges, op. cit., p. 153.

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b) No caso fortuito e na força maior a desoneração da obrigação sofre efeitos da

imediatividade. Isso decorre da constatação da ocorrência de um dos fenômenos

discutidos, da inexistência da mora, do direito irrenunciado e da inimputabilidade do

devedor na ocorrência do evento. Na Teoria da Imprevisão não deve haver a

desobrigação da prestação, não sofrendo os efeitos da imediatividade.

c) No caso fortuito e na força maior, levando-se em conta a valoração, a

imprevisibilidade não é tão importante quanto a inevitabilidade e a irresistibilidade do

fato. A inevitabilidade e a irresistibilidade na Teoria da Imprevisão são afastadas,

sendo necessário a extrema dificuldade.

d) O caso fortuito e a força maior têm determinação topológica de contrato. Por sua

vez, a Teoria da Imprevisão tem a determinação topológica extracontratual.

e) No caso fortuito e na força maior a lesão é concreta e tem como conseqüência a

desobrigação do devedor da prestação e na Teoria da Imprevisão tenta-se adaptar a

convenção alterada à situação criada. Observa Nelson Borges:

“No caso fortuito ou de força maior não há caminho de volta. Em

conclusão: diante do fato consumado nasce uma realidade; na

imprevisibilidade, diante da virtualidade da lesão, a manutenção do pacto

será buscada por via de revisão, ou, quando não, sua extinção,

identificando-se tão-somente uma probabilidade”.20

20 Nelson Borges, op. cit., p. 156.

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f) No caso fortuito ou força maior, enquanto o devedor é atingido de maneira direta, o

contrato o é de forma indireta. Já na Teoria da Imprevisão ocorre o contrário, ou seja,

o devedor é atingido indiretamente e o contrato de forma direta.

g) No caso fortuito e na força maior, primeiramente, é atingido o devedor da

obrigação. Na imprevisibilidade os dois contratantes são atingidos pelo evento

anormal.

h) No caso fortuito e na força maior a prestação se mantém igual ao momento em

que foi estabelecida inicialmente. Na Teoria da Imprevisão não é assim uma vez que

ocorre a descaracterização da obrigação.

i) O caso fortuito e a força maior, quando invocados, exigem que o postulante esteja

isento de culpa. Enquanto que na imprevisão, mesmo estando em mora, o postulante

poderá requerer a revisão ou a resolução do pacto, tendo como condição que o

evento imprevisível tenha ocorrido antes da mora.

j) No caso fortuito e na força maior só cabe a resolução. Já na imprevisão cabe a

revisão, e quando não satisfatória, a resolução.

l) Ao se falar de caso fortuito e força maior analisa-se o possível e o impossível e ao

se referir a imprevisão analisa-se o normal e o anormal.

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m) No caso fortuito e na força maior o benefício da desobrigação do contrato pode

ser renunciado, quando formalmente expresso. Na Teoria da Imprevisão, a revisão e

a resolução, são irrenunciáveis. Sendo assim, explica Nelson Borges:

“... como princípio de ordem pública, de interesse coletivo, deve o Estado

tutelar e suprir o desconhecimento da parte que, inadvertidamente, tenha

contratado contra seus próprios direitos e interesses, considerando nulo tal

procedimento”.21

E ainda:

“...as cláusulas que contiverem renúncia do direito da parte de invocar a

teoria da imprevisão devem ser consideradas como nulas de pleno direito,

pela natureza do princípio”.22

E ainda, se da cláusula contratual constar a renúncia à revisão ou a resolução,

referindo-se a fatos específicos, não haverá a imprevisibilidade uma vez que seu

caráter se tornará genérico.

21 Nelson Borges, op. cit., p. 158.

22 Ibidem, mesma página.

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9. FUNDAMENTOS DA IMPREVISÃO E SUAS

DOUTRINAS

O contrato visa uma situação futura, não podendo ser violado por causa de

dificuldades previsíveis.

Aduz Sílvio de Salvo Venosa:

“A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade

contratual é somente aquela que revogue totalmente às possibilidades de

previsibilidade”.23

Para ser considerada imprevisão, o fenômeno deve atingir a toda a

sociedade ou grande parte dela, decorrente de uma circunstância global.

Marcio Klang24, em seu livro, sistematizou treze teorias encontradas por

Anísio José de Oliveira. Elas se dividem em dois grandes grupos: a) intrínsecas, b)

extrínsecas. As primeiras se subdividem em dois outros grupos: teorias com base

na vontade e teorias com base na prestação. Dentre as teorias com base na

vontade estão: a teoria da pressuposição, a teoria da vontade marginal, a teoria da

23 Sílvio de Salvo Venosa, ob. cit., p. 91.

24 Marcio Klang. A Teoria da Imprevisão e a revisão dos contratos, p. 230.

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base do negócio, a teoria do erro, a teoria da situação extracontratual e a teoria do

dever de esforço. Dentre as teorias com base na prestação estão a teoria do

estado de necessidade e a teoria do equilíbrio das prestações. Já as extrínsecas

se dividem em fundamento na moral, fundamento na boa-fé, fundamento na

extrinsibilidade do fortuito, fundamento na socialização do Direito e fundamento na

equidade e na justiça.

Abaixo, seguem as treze teorias:

1) Teoria da pressuposição: essa teoria foi defendida por Bernard Windscheid e tem

como fundamento que quando celebrado o contrato, as partes partem do princípio de

que tudo ocorrerá normalmente. Caso isso não ocorra a parte se desobriga, uma vez

que não teve culpa.

2) Teoria da vontade marginal: teoria sustentada por Osti. Segundo ela, o vínculo

obrigacional apresenta dois momentos: o da declaração de vontade, e o momento da

execução do contrato. Ou seja, é a soma da vontade contratual (vontade da parte de

se obrigar para cumprir uma obrigação) e da vontade marginal (é a vontade de

adotar o comportamento pelo qual o agente se obrigou).

3) Teoria da base do negócio: sustentada por Paul Oertmann, trata da análise

psicológica do conteúdo da vontade e das representações mentais das partes. Essas

representações mentais se referem ao acordo de vontades na sua origem.

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4) Teoria do erro: defendida suscetivamente por Archiele Giovéne e Jair Lins.

Desenvolve a idéia de que é possível anular o negócio jurídico no caso do agente ter

representado uma situação de fato que não condiz com a realidade, devido a

incidência em erro.

5) Teoria da situação extracontratual: sustentada por A. Bruzin no começo do século

XX afirma que o acordo de vontades celebrado no contrato é limitado por uma

extensão de representação dos efeitos possíveis ou previsíveis no ato do contrato.

6) Teoria do dever de esforço: é a teoria da prestação de diligência, segundo o seu

criador R. Hartmann. De acordo com essa teoria o conteúdo do dever jurídico é o

dever de esforço, originado para as partes de um vínculo obrigacional. No caso de

dedicação do devedor para cumprir o contrato, e mesmo assim, não ocorrer o êxito,

devido a fato superveniente, este ficará livre do cumprimento de sua obrigação.

7) Teoria do estado de necessidade: teoria sustentada por Lehmann e Covielo que

parte da premissa de que se o devedor for surpreendido por um fato superveniente e

imprevisível, ele estará num estado de necessidade que o liberaria, inclusive do

inadimplemento. Esse fato gera uma expropriação do direito do credor. Entretanto,

segundo Covielo o estado de necessidade é um título constitutivo de direito e o

direito do devedor é sempre superior ao do credor.

8) Teoria do equilíbrio das prestações: baseada na “justiça Comutativa” de São

Tomás de Aquino e sustentada por Giorgi e Lenel. Esse último a denominou também

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de “equilíbrio dos interesses”. A premissa, nesse caso, é a utilidade do vínculo

contratual para ambas as partes. Isto é, fatos supervenientes e imprevisíveis que

causem desequilíbrio nas prestações, afetarão a utilidade do vínculo contratual uma

vez que será mais oneroso para uma parte levando a resolução do acordo de

vontades, ou melhor, o contrato.

9) Fundamento na moral: teoria sustentada por Ripert e Voirin. Tem como base a

moralidade do enriquecimento injusto do credor às custas do devedor. Quando o

desequilíbrio das prestações é grande a ponto do contratante não poder prever

vantagens para ele decorrentes do contrato ocorre o abuso. Sendo assim, para que

ocorra a revisão deve ocorrer um fato extraordinário que leve o devedor a uma

situação muito difícil gerando uma lesão desproporcional com os benefícios de cada

um. E ainda, é indispensável que a álea excepcional do contrato não tenha sido

compensada anteriormente pela natureza da operação ou pelas estipulações

particulares que constam do acordo de vontades.

Aduz Ripert:

“o juiz poderá ordenar a resolução ou a revisão do contrato primitivo

quando, em conseqüência de circunstâncias que não podiam ser previstas,

o devedor sofra um prejuízo considerável e o credor venha a retirar um

proveito injusto de um contrato que não haja sido inspirado por um fim de

especulação”. 25

25 Marcio Klang, ob. cit., p.230.

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10) Fundamento na boa-fé: sustentada por Wendt e Klenke, Naquet e Nehemias

Gueiros, consagrada pela jurisprudência da Alemanha, Hungria, Suíça e Polônia.

Visa justificar a teoria de revisão contratual através da boa-fé. Entretanto, o grande

problema que surge nessa teoria é a definição de boa-fé, uma vez que não existe

consenso acerca desse conceito.

11) Fundamento na extrinsibilidade do fortuito: essa teoria é aceita pelas

jurisprudências alemã, inglesa e francesa e visa fundamentar a imprevisão através

do caso fortuito.

12) Fundamento na socialização do Direito: essa tese é defendida por Romam

Badenes Gasset. Para ele o princípio da obrigatoriedade dos contratos é menos

importante do que os interesses coletivos, uma vez que essa corrente foi inspirada

na solidariedade social.

13) Fundamento na Equidade e na Justiça: sustentada por Arnoldo Medeiros da

Fonseca e Darcy Bessone. Parte da premissa de que o Direito traz ínsito a idéia de

equidade. Este é um elemento de equilíbrio entre as pretensões e os interesses

contrapostos. Preceitua Bonnecase que:

“Direito e Eqüidade são palavras que traduzem um mesmo conteúdo”.26

26 Marcio Klang, op. cit., p. 231.

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Assim como Marcio Klang, Nelson Borges em seu livro “A Teoria da

Imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil com referências ao Código Civil de

1916 e ao novo Código Civil” explicou as teorias acima citadas, acrescentando,

ainda, algumas outras. Ressalta-se que algumas teorias tiveram classificação

diferente da sistematizada por Marcio Klang, inclusive pelo fato dele ter feito uma

divisão muito mais específica.

Estão entre as doutrinas apoiadas na vontade das partes a cláusula

tacitamente contida nos contratos (Bártolo), a pressuposição (Windscheid), a

pressuposição típica (Pisko), a vontade marginal (Osti), a base do negócio jurídico

(Oertmann), o fim negocial (Locher), os fatores objetivo e subjetivo (Larenz), a

reserva virtual (Kruckmann), a teoria do erro (Giovenne), o mútuo consenso

(Cogliolo) e situações contratuais e extracontratuais (Bruzin). Dentre as doutrinas

com sustentação na concepção de Direito encontra-se apenas a de Bonnecase

chamada de a exata noção de Direito. As que tem como base princípios éticos e

ético-jurídicos são a noção moral de equivalência das prestações (Voirin e Ripert), a

equidade e a justiça (Medeiros da Fonseca) e a boa-fé (Wendt e Naquet). As

doutrinas alicerçadas no direito positivo são 6 (seis): o alargamento do conceito de

caso fortuito (Lalou), o enriquecimento sem causa (Popescu), o desaparecimento da

causa da obrigação (De Simone), o dever de esforço (Hartmann), o estado de

necessidade (Lehmann e Covielo) e a impossibilidade econômica (De Szladits,

Volkmar, Tjilo, Simonius, Titze e Oertmann). Há, ainda, as doutrinas fundamentadas

no vínculo social chamadas de o solidarismo (Louveau), vínculos obrigacionais – a

cooperação social (Betti) e a socialização do Direito (Badenes Gasset e Carvalho

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Fernandes). Existem outras baseadas nos princípios jurídicos afins de Mantica (a

lesão superveniente) e de Giorgi e Lennel (o equilíbrio das prestações). Também,

mereceu explicação a mista, tendo como base mais de um fundamento chamada de

fundamentos múltiplos (Cardini e Soriano de Oliveira) e, por fim, as doutrinas com

conceituação sui generis de Hauriou denominada de as tendências limitativas e a

gênese da imprevisão: a transformação do ato em fato jurídico de Cossio. Ressalta-

se que ainda existem outras doutrinas.

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10. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DA

TEORIA DA IMPREVISÃO

O fenômeno da imprevisão se caracteriza pelo direito das obrigações, não

tendo relevância saber quais são os sujeitos da relação.

A regra pacta sunt servanda caracteriza-se pelo cumprimento pontual e

integral das obrigações contratadas. À essa regra geral, surge a exceção, ou melhor,

a Teoria da Imprevisão, caracterizada pela revisão, e quando não possível, pela

resolução dos contratos.

Para o princípio pacta sunt servanda são requisitos a vontade das partes, o

objeto lícito e a observância de forma e proibição legais. Já a Teoria da Imprevisão

exige vários requisitos. São eles: a execução diferida, a imprevisibilidade, a ausência

do estado moratório, a lesão virtual, a essencialidade, a inimputabilidade, a

excessiva onerosidade e a extrema vantagem.

1- Execução diferida: a Teoria da Imprevisão só ocorre em contratos de execução

diferida (gênero). Esse tipo de contrato tem como espécies: a diferida propriamente

dita, a continuada ou sucessiva, a periódica e a termo. A Teoria da Imprevisão exige

lapso de tempo entre o instante em que o contrato foi celebrado e a sua respectiva

execução. Sendo assim, não se pode falar dessa Teoria quando se trata de contratos

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com execução imediata ou instantânea, uma vez que a expressão diferir está

relacionada com evento futuro.

1- a- Execução diferida propriamente dita: ocorre nos casos de cumprimento total da

obrigação em momento futuro. Tal obrigação pactuada não exige condições ou

amortizações parciais, ou seja, exigências, até o vencimento do contrato.

1- b- Execução continuada ou sucessiva: as obrigações são cumpridas

sucessivamente, somente ocorrendo a extinção do contrato quando tiver totalmente

cumprido. Por exemplo: toda semana, de quinze em quinze dias ou mensalmente.

1- c- Execução periódica: as obrigações são cumpridas em um só momento, em

dinheiro ou espécie, ou seja, pode ser trimestral, semestral ou anual. A obrigação só

será cumprida quando estiver totalmente esgotada.

1- d- Execução a termo: segundo Nelson Borges

“termo é a cláusula que condiciona o efeito do ato jurídico a um

acontecimento futuro, certo ou incerto”.27

Será inicial quando se referir ao momento do começo, sendo uma condição

suspensiva, ou final quando referir-se a cessação, sendo uma condição resolutiva. É

considerado certo o fato que estabelece uma data futura para sua vigência e incerto

27 Nelson Borges, op. cit., p. 304.

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quando a sua incidência era certa e a sua efetivação não era determinada.

Nos casos citados acima é possível a aplicação da Teoria da Imprevisão. Para

tanto é necessário que a execução não seja contemporânea à celebração do

contrato.

As obrigações são caracterizadas pela satisfação imediata de uma prestação,

mesmo sendo de execução continuada. Nesses casos, a execução tem o seu início

no momento da compra, entretanto, enquanto o comprador leva o produto, o seu

pagamento será feito posteriormente. Sendo assim, é cabível a Teoria da

Imprevisão, desde que o contrato seja de execução diferida (gênero) ou de uma de

suas espécies.

Ao se falar das obrigações de não-fazer existem duas situações:

a) a obrigação poderá ser de execução continuada com caráter complexo, tendo

várias obrigações de não-fazer.

b) a omissão poderá estar condicionada a algum ato e a seu acontecimento.

2) Imprevisibilidade: disserta Nelson Borges que:

“se a previsibilidade decorrer da identificação de um fato certo e provável,

o fato incerto e improvável só poderá ser considerado imprevisível”.28

28 Nelson Borges, op. cit., p. 306.

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É necessário distinguir entre fato imprevisto e fato imprevisível. Imprevisto é:

“ tudo aquilo que poderia ser aprioristicamente identificado, mas não foi –

por circunstâncias e motivos que pouco importam; dentro, portanto, do

campo da normalidade das previsões”.29

Evento imprevisível passa:

“a idéia de fato ocorrido fora dos padrões e expectativas de uma realidade,

isto é, de acontecimento extraordinário porque situado fora das

possibilidades de qualquer previsão, tomados como base os

acontecimentos normais do cotidiano”. 30

Como exceção temos um acontecimento imprevisível que para alguns poderá

ser previsível, uma vez que essa pessoa tem conhecimentos especializados,

podendo prever a alteração do que havia sido pactuado. Assim, para um dos

contratantes tal fato é imprevisível, enquanto para o contratante especializado é

previsível.

Fato imprevisto é o fato que é passível de previsão, entretanto, tal fato não

ocorreu. Já o fato imprevisível é aquele onde não existe chance normal de previsão.

29 Nelson Borges, op. cit., p. 306.

30 Ibidem, mesma página.

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Deve-se esclarecer também o que é a impossibilidade. Ela deve ser usada

quando a prestação for insuscetível de ser cumprida, não sendo correto dividí-la em

absoluta e relativa, afinal, ou ela existe ou não.

3- Ausência do estado moratório: a Teoria da Imprevisão não será aplicada quando

houver mora de quem deve cumprir a obrigação (regra geral). Entretanto existe a

possibilidade de uma exceção quando a alteração da base dos negócios tiver

ocorrido antes da mora, não se tendo notícia da mesma. Portanto, quando a

alteração do contrato tiver ocorrido antes da mora, o devedor poderá se valer da

Teoria da Imprevisão, seja para buscar a revisão ou a resolução. Ressalta-se que a

mora não é conhecida de ofício, devendo ser provocada e comprovada habilmente

por quem tenha interesse.

4- Lesão virtual: a lesão virtual é também chamada de lesão subjetiva ou iminente.

Ela pode surgir em conseqüência de uma dificuldade extrema, sendo necessário que

a lesão não tenha ocorrido, mas que esteja em vias de ocorrer, antes do prazo

estipulado para que a obrigação seja cumprida. Para se identificar uma lesão virtual

é necessário a existência do espaço jurídico (contrato), da determinação temporal

(contrato de execução diferida e suas espécies) e a iminência da lesão (a lesão

ainda não pode ter ocorrido).

5- Essencialidade: essencial é aquilo que se refere a essência do pacto e não

somente a exterioridade. A essencialidade fica caracterizada a partir do momento em

que a alteração é considerada incomum.

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Para a utilização da exceção é necessário a imprevisibilidade e os seus

efeitos. Sendo assim, se o evento for imprevisível e se tratar de um contrato com

execução diferida, será importante a sua classificação como extraordinário e os seus

efeitos.

6- Inimputabilidade: nos ensinamentos de Nelson Borges:

“Há de existir, de forma inconteste, a negativa de autoria do fato alterador

das circunstâncias em que as partes fundaram suas vontades de contratar,

gerador da lesão virtual ou extinção da base negocial, por via de ação ou

omissão atribuível àquele que dela pretenda se valer”.31

Ou seja, se a parte, por ação ou omissão, der causa a uma situação criadora

de uma alteração irreversível do contrato, criando a lesão virtual, não terá direito a

nenhum benefício.

7- Excessiva onerosidade e extrema vantagem: a pessoa deverá provar ao juiz que a

obrigação pactuada se tornou excessiva diante dos efeitos do evento anormal,

criando, assim, uma lesão virtual.

Merece um breve relato o assunto que trata do regime jurídico. É certo que ao

se analisar a revisão e a resolução do contrato, é preferível o uso da primeira uma

vez que ela visa adequar o evento anormal ao já pactuado pelos contratantes.

Todavia, em alguns casos só é possível a resolução.

31 Nelson Borges, op. cit., p. 321.

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Diante disso, a maioria dos autores defendem o uso de um sistema misto,

onde quando não for possível a solução dos problemas por uma via, será possível o

uso da outra. Sendo assim, a revisão tentará fazer a readequação do contrato,

entretanto, quando isso não for possível, ocorrerá a ruptura através da resolução.

Outro ponto merece destaque: qual via deve ser usada: a judicial ou a

extrajudicial? A resposta para essa pergunta não gera controvérsia pois os autores

são unânimes ao defender a via judicial, com exceção dos casos onde os

contratantes buscam solucionar os problemas e se compor na fase do conflito de

interesses. Esse conflito ainda não é uma lide.

Ressalta-se que, quando a revisão não bastar para a solução do conflito, o juiz

ao extinguir o processo deverá fixar uma indenização à parte credora.

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11. CAMPO OPERACIONAL DA IMPREVISÃO

Para que o Direito seja operado é necessário existir mais de uma pessoa. No

Direito Alternativo o juiz critica a lei, estando compromissado com o Direito, como

discorre Cernicchiaro.32 Ou seja, a lei deve se adequar ao direito e quando não for

possível ao juiz a utilização da lei por ela não corresponder ao Direito, deve-se usar

uma solução alternativa. A Teoria da Imprevisão está inclusa nas hipóteses

alternativas do Direito.

O verbo julgar está ligado ao entendimento obtido sobre os fatos. A palavra

Justiça é um critério baseado no valor, onde se leva em consideração as ações dos

homens, sejam elas aprováveis ou condenáveis. Ainda, a atividade jurisdicional

declara e ordena o cumprimento do direito. Para isso, são muito importantes a

discricionariedade e valoração independente do juiz.

Como já explicado anteriormente, a Teoria da Imprevisão é uma cláusula

supracontratual e dessa maneira, o juiz está tratando de um caso concreto sui

generis. Ao juiz é conferido, pela lei, vários poderes que visam a conciliação das

partes e a punição dos que fizeram algo errado. Se isso for alcançado, o juiz terá

conseguido cumprir o seu dever.

32 Revista Jurídica Consulex 7/37 apud Nelson Borges, ob. cit., p. 553.

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Quando o evento imprevisível atinge o contrato, a situação tratada apenas

pelo direito material passa a ser responsabilidade do direito processual civil. Assim, a

parte que se sentir afetada pela lesão virtual terá o direito de se valer da Teoria da

Imprevisão. Entretanto, é necessário lembrar que a força que vincula as partes no

contrato age até o momento em que existir uma sentença judicial com trânsito em

julgado. Essa sentença dirá o que deverá ser usado, se a revisão ou a resolução.

É sabido que o contrato por execução diferida (quando ainda se tem

obrigações a serem cumpridas) e suas espécies é o ideal para o uso da Teoria da

Imprevisão. Todavia, há uma discussão sobre uma exceção levantada onde a

execução do contrato é integral. Tal exceção sofre questionamentos uma vez que

fatos posteriores à celebração do contrato não podem o atingir.

Deve-se lembrar que, nos contratos de execução diferida, quando a parte

cumpri a sua obrigação, adimpli o contratado. Já se ela não cumpre o estipulado

devido ao evento anormal, mas também não age de acordo com as providências

legais necessárias, estará em mora e como já mencionado não poderá utilizar da

Teoria da Imprevisão já que não estar em mora é um dos seus requisitos.

Luís Alberto de Carvalho Fernandes apud Nelson Borges, citou a proposta que

se baseia no poder discricionário do julgador, onde lhe será dirigido o pedido de

concessão de efeito suspensivo à exigência de cumprimento da obrigação, devido a

instalação da lesão virtual.Tal método é utilizado em todo o mundo e inclusive no

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Brasil, tendo mais força após a criação do artigo 273, I, do Código de Processo Civil,

o qual trata da tutela antecipada. Afirma, ainda, Nelson Borges que:

“Por esta via, no mesmo feito a parte se sujeitará, na sentença final, a ver

reconhecida ou não sua pretensão de pertinência de emprego da teoria da

imprevisão para rever ou extinguir o pacto alterado. Reconhecido o direito

ao benefício, isto é, ultrapassado o juízo de admissibilidade do exame da

questão, denunciada como de imprevisibilidade, autorizada estará a

tentativa de revisão; não justificada a pretensão revisional, havendo pedido

alternativo-sucessivo expresso de extinção do pacto, em caso de

impossibilidade de adaptação da contratação à nova situação modificada, o

autor estará percorrendo um campo minado, a chamada trilha do risco

calculado, tão-somente porque se em atenção a seu pedido houver

extinção do contrato, parcial ou inteiramente inexecutado, é da melhor

justiça que o juiz lhe imponha a obrigação de indenizar o outro contratante,

pela parte não cumprida do pacto”.33

A antecipação da tutela é decisão interlocutória de mérito e, portanto, pode ser

agravada. Para que seja possível a concessão do efeito suspensivo da obrigação

visando evitar a mora do contratante, é necessário que haja boa-fé de quem a

requer. A Teoria da Imprevisão, como princípio que é de exceção, visa a manutenção

da vontade em primeiro instante pelos contratantes, merecendo o apoio da doutrina e

da jurisprudência.

Os artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil são considerados, para

alguns autores, normas em branco, ou seja, aquelas normas que precisam de

complemento. A parte, diante do direito de ação, tem condições legais para requerer

33 Nelson Borges, op. cit., p. 563.

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a tutela jurisdicional (gênero) em alguma forma de prevenção da mesma (espécie).

Nos artigos supracitados existe, mesmo que implicitamente, a presença do fumus

boni iuris e do periculum in mora. A presença do periculum in mora justifica a

concessão da liminar diante do pedido de revisão da prestação por causa de algum

evento anormal que modifica o antes estipulado pelos contratantes. O periculum in

mora ocorre na fase pré-litigiosa e uma vez concretizado poderá ser solicitado o uso

da Teoria da Imprevisão.

É necessário esclarecer que tutela cautelar e tutela antecipada não são a

mesma coisa, sendo usado para efeitos de revisão somente a segunda. A

antecipação da tutela tem caráter provisório e visa uma satisfação que terá seu fim

com a concessão e trará efeitos imediatos. Para melhor esclarecer afirmamos que a

tutela antecipada adianta a pretensão material, que terão os seus efeitos antecipados

quando ela for reconhecida em sentença.

Nos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior tutela antecipada é:

“a possibilidade de o juiz conceder ao autor (ou ao réu, nas ações

dúplices) um provimento imediato que, provisoriamente, lhe assegure o

bem jurídico a que se refere a prestação de direito material reclamada

como objeto da relação jurídica envolvida no litígio”. 34

E ainda:

34 Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil, p. 561.

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“há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento

reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um

provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a

apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva”.35

A Lei n° 8.952/94 introduziu a tutela antecipada no nosso Código de Processo

Civil. O artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil é o ponto de apoio do pedido

de tutela antecipada ou da extinção do contrato. Diante desse dispositivo, o julgador

deve observar a existência de prova inequívoca e a verossimilhança das alegações

de quem requer a antecipação da tutela.

Verossimilhança é o que é verdadeiro, semelhante à verdade, é aquilo que

tem qualidade ou caráter do que tem característica de verdade.

Quando o efeito suspensivo é deferido, não existirá o estado de mora porque

quando for possível a aplicação da Teoria da Imprevisão, a lesão será afastada pela

revisão do contrato. Todavia, quando não for possível o uso da teoria e indeferido o

efeito suspensivo o estado moratório ficará caracterizado. Ou melhor:

“vitoriosa a pretensão deduzida em juízo, absorvida estará a mora

incidente no curso do processamento do pedido, pelo não-cumprimento da

prestação na data ou forma pactuadas – então autorizado pela suspensão

liminar -, e a revisão ou resolução do pacto será efetivada (nesta última

hipótese, em alguns casos, com obrigação indenizatória); negada a

pretensão, não só o estado moratório afluirá, como também a exigência da

35 Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 562.

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execução integral não poderá mais ser afastada, com possíveis

composições de perdas e danos ...”.36

Prova inequívoca é aquela que tem um grau de convencimento tão importante,

que não cabe qualquer tipo de dúvida. Sendo assim, é uma prova cuja veracidade

pode ser comprovada.

O devedor, diante de um evento anormal, apresenta o fumus boni iuris e o

periculum in mora quando solicita a antecipação da tutela, caracterizando a

probabilidade de dano de difícil reparação ou de incerta reparação.

Nos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior receio fundado:

“é o que não decorre do simples estado de espírito do requerente,

afastado da situação subjetiva de temor ou dúvida pessoal, antes

relacionado estreitamente a uma situação objetiva, de fácil comprovação

por via de um fato concreto”.37

Perigo de dano próximo ou iminente, ainda na visão desse autor:

“é o que se relaciona com uma lesão que com toda certeza irá ocorrer

ainda durante o curso do processo principal, isto é, antes da solução

definitiva da questão”.38

36Nelson Borges, op. cit., p. 575.

37 Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 562.

38 Ibidem, p. 563.

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Se o contratante cumprir a obrigação, mesmo diante de um evento anormal,

não será mais possível a recomposição do prejuízo, sem chances de ressarcimento

pelo excesso uma vez que o devedor terá adimplido a prestação.

Ao se falar de tutela antecipada deve-se analisar o requerimento da parte

interessada, a prova inequívoca dos fatos elencados na inicial, a verosimilhança da

alegação, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e a

caracterização de abuso de direito ou manifesto propósito protelatório do réu com a

possibilidade de reversão da medida antecipatória caso o juiz se convença disso,

seja por si próprio ou por causa de recurso da outra parte.

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12. TRAMITAÇÃO PROCESSUAL DA IMPREVISÃO

Diante de um contrato de execução diferida com lesão virtual, conseqüência

de um evento anormal e imprevisível, em ocorrendo a vontade de aplicar a Teoria da

Imprevisão para ver o pacto ser postergado, antes do vencimento da prestação, a

parte deverá se valer do procedimento ordinário revisional da cláusula contratual,

não se esquecendo de pedir a suspensão do cumprimento da prestação. Uma vez

preenchidos os requisitos de admissibilidade da Teoria da Imprevisão, ao juiz caberá

analisar a situação, vendo se a hipótese é harmônica ao fato apresentado com as

exigências da lei.

São quatro as hipóteses mais prováveis:

1- Situação de resolução compulsória: nesse caso só é possível a resolução tendo

como base um acontecimento provocado pelas próprias partes ou por terceiro. Em

situações como essa, a revisão não tem espaço uma vez que não existe

possibilidade de se adaptar o contrato a uma nova situação provocada pelo evento

imprevisível. Ocorrem 3 (três) situações:

a) desaparecimento da base contratual em virtude de ato praticado por terceiros,

sem prejuízo para as partes: quando não é possível a revisão para se adaptar o

contrato a nova situação decorrente de ato de terceiros, as partes devem usar a

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resolução. Por não haver prejuízos para as partes não há motivos para que haja

responsabilidades para qualquer um deles.

b) desaparecimento da base contratual decorrente de ato praticado por uma das

partes – ou por terceiros – com prejuízos para a outra: diante da ação ou omissão de

uma das partes ou terceiros, causando prejuízo para uma das partes, a

responsabilidade da indenização será inafastável. Nesse caso, o réu poderá fazer

prova da impossibilidade da revisão e de sua veracidade provando que é possível

fazer mudanças nos contratos.

c) desaparecimento da base contratual como resultante de ato praticado por uma das

partes, sem prejuízos para a outra: trata-se do desaparecimento da base do contrato

ocasionado por ato praticado por uma das partes sem que alteração dos fatos antes

convencionado em contrato trouxesse prejuízos para uma das partes.

2- Situação de revisão consensual ou por via de decisão judicial: é um caso

específico de revisão visando a conciliação entre as partes. Ocorrem duas hipóteses:

a) quando o devedor se interessar pela manutenção do contrato e houver intenção

de cumprir a cláusula alterada por causa dos eventos anormais, entretanto em casos

que não sejam os que resultam da alteração extraordinária, deve ocorrer a

manifestação judicial visando a revisão. O juiz tentará adequar o contrato, de modo

que devedor e credor se satisfaçam. Quando as partes entrarem em um consenso a

decisão será homologada.

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b) quando as partes não entrarem em um consenso, entretanto o autor provar as

suas alegações e o juiz as considerar válidas, aceitando os fundamento do pedido de

revisão, o juiz decidirá pela procedência da ação. Nesse caso, a parte que não tiver

concordado com a revisão responderá pelos efeitos da sentença.

3- Situação de revisão contingente: o ideal nesse caso é a revisão e não a resolução

visando evitar a mora accipiendi. Na lesão a essencialidade deve estar presente.

Ainda, deve-se tentar primeiro a recomposição da prestação e somente o seu

fracasso a aceitação da prestação, apesar de correr o risco de ter o valor contratado

num primeiro momento diminuído, independente de ocorrer a decisão em conciliação

ou através do juiz.

4- Situação de revisão ou resolução com pedidos alternativo-sucessivos: a parte visa

pedidos alternativo-sucessivos, sendo que no caso de não ocorrer a revisão, ocorrer

a resolução. Dessa maneira, são propostas duas ações em apenas um

procedimento, devendo, para a ocorrência do segundo pedido, que o primeiro seja

inviável pois apenas um pedido poderá ser acolhido.

Em princípio, visando justificar a indenização ao credor que com a resolução

sofreu prejuízos, surgem três fundamentos:

a) abuso de direito: é uma causa para a vantagem indevida obtida pela outra parte

(devedor) diante da resolução do contrato. Por sua vez ele foi descartado.

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b) lesão: é um vício de consentimento que acarreta a resolução do contrato através

da anulação ou da nulidade. Bem como o abuso de direito, a lesão também não pode

ser aproveitada.

c) enriquecimento sem causa: não sendo possível a revisão e ocorrendo o pedido de

resolução, o juiz deverá extinguir o contrato. Dessa maneira, duas solicitações são

feitas, tais como: o pedido do devedor de extinção do contrato e o pedido de

indenização feito pelo credor. Nesse caso, ocorreria o julgamento da ação e sua

procedência com a resolução do pacto e depois a fixação do pagamento das perdas

e danos que o réu sofreu. É o instituto mais apropriado.

Teríamos como base de tramitação processual de um procedimento de

revisão contratual afetada pela imprevisibilidade o abaixo exposto:

a) Diante do desaparecimento da base do contrato surgem hipóteses, como

conseqüência de atos das partes ou de terceiros, em que será determinada a

existência ou não de prejuízos para que ocorra a indenização ou não.

b) No caso de possibilidade de revisão com o consenso das partes ocorrerá a

homologação da decisão do juiz. Nessa hipótese as despesas processuais e os

honorários advocatícios ficam sob a responsabilidade dos interessados. Entretanto,

se não houver conciliação, o juiz intervirá para que seja possível a criação de novas

bases contratuais, ficando o réu responsável pelas verbas acessórias.

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c) Tendo-se como base que a Teoria da Imprevisão pode ser usada tanto pelo

devedor como pelo credor, diante de um contrato onde o objeto for muito depreciado,

será possível que o credor pleiteie a revisão.

d) Quando a revisão não for possível pelo fato do credor não concordar com nenhum

termo da revisão visando a extinção do contrato, só será possível a resolução do

contrato. Assim, o devedor irá sujeitar-se à indenização se o réu a requerer. É

necessário esclarecer que nesse caso o devedor será o autor e o réu o credor.

Na esfera processual, cabe ao autor provar os fatos em que se baseiam os

seus interesses, cabendo ao réu provar circunstâncias que impeçam, modifiquem ou

determinem a extinção da pretensão. Esclarece Nelson Borges:

“aquele que pretender fazer uso da teoria da imprevisão deverá requerer

revisão contratual, solicitando também que, diante de sua impossibilidade,

seja decretada a resolução do pacto. E complementam: uma vez presentes

os pressupostos de aplicação do princípio de exceção, pelo magistrado

deverá ser buscada, primeiramente, a adequação contratual para

condicionar a prestação alterada à nova situação criada pelo evento

anormal, na tentativa de evitar que a lesão subjetiva se transforme em

objetiva; sendo impossível a adaptação (revisão), o juiz deverá decretar a

resolução da contratação, com fundamento no pedido do autor”.39

Duas hipóteses não aceitam o uso da revisão no plano operacional:

39 Nelson Borges, op. cit., p. 591.

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a) quando o caso só comportar resolução: o evento anormal acaba com a base do

contrato. Fica caracterizada a impossibilidade de ocorrer a revisão.

b) quando em casos de pedidos sucessivo-alternativos não for possível adaptar o

contrato à nova situação. Aqui se caracteriza um pedido sucessivo-alternativo onde,

não sendo possível a revisão será decretada a resolução.

Segundo Nelson Borges:

“todas as vezes em que o autor formular pedidos sucessivo-alternativos

(revisão e, quando não, resolução) deverá sujeitar-se à indenização fixada

pelo juiz, que, para tanto, deverá levar em conta a parte por cumprir da

contratação. Não só a injuridicidade manifesta sanciona a pertinência da

indenização, como também o recurso ao enriquecimento sem causa

(hipótese em que uma das partes vê seu patrimônio acrescido de um plus

sem qualquer origem justificada) e ainda à teoria da responsabilidade sem

culpa (cuja reparação não leva e, conta a possível culpabilidade, mas,

antes, emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico)”.40

O enriquecimento sem causa, usado como alicerce indenizatório, teve seu

início na civilização helênica, sendo conhecido com o Código de Hamurabi, tendo os

juristas franceses o divulgado no mundo moderno. Ressalta-se que o Código

concedeu ações particulares visando impedir que uma pessoa conserve o adquiriu,

de maneira injusta, às custas de outra.

40 Nelson Borges, ob. cit., p. 631.

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A injuridicidade como requisito de responsabilidade caracteriza-se quando se

estabelecer contrariedade entre uma norma, o Direito, a Justiça e os atos humanos,

ou seja, todos os sujeitos do direito devem observar as regras existentes (com

exceção das exclusões legais). Dessa maneira, quando eles não fizerem isso a

injuridicidade aparecerá.

A culpa é resultado de um erro humano onde ocorre uma avaliação errada de

uma pessoa de quem se esperava ações baseadas nas regras da moral. Todavia, os

fatos diários provaram que esse conceito não era suficiente, sendo necessário um

conceito mais amplo. O direito brasileiro adota a culpa para fundamentar a

responsabilidade, tendo como exceção a responsabilidade sem culpa (o dever de

indenizar não depende da existência da culpa). O fato lesivo deve se sobrepor à

determinação da culpa.

A sentença que concede a revisão ou a resolução é constitutiva uma vez que

cria um novo direito, independente de se referir à revisão ou à resolução, podendo

existir a obrigação de indenizar ou não. É necessário lembrar que as sentenças

constitutivas são aquelas que criam, modificam ou extinguem uma relação jurídica,

produzindo efeito após o trânsito em julgado, cabendo exceção.

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13. A IMPREVISÃO NO CAMPO OBRIGACIONAL

A Teoria da Imprevisão é aplicável a todo contrato, tendo como condição que

seja um contrato de execução diferida e ainda que os pressupostos de

admissibilidade estejam presentes. Alguns tipos de contrato serão analisados como

os bilaterais, os unilaterais e os aleatórios.

Os contratos bilaterais são aqueles que fazem surgir obrigações para ambas

as partes. Sendo assim, a grande característica desse tipo de contratos é a

reciprocidade das obrigações, uma vez que as partes são simultaneamente credor e

devedor. As obrigações resultantes da prestação devem surgir e permanecer ligadas,

sem independência até o fim. Nesse tipo de contrato qualquer um dos contratantes

pode solicitar o uso da Teoria da Imprevisão, tendo como condição o respeito aos

pressupostos de admissibilidade.

Os contratos unilaterais, que produzem obrigações apenas para um dos

contratantes, sofreram inúmeras restrições sobre a aplicação da Teoria da

Imprevisão. Todavia, esses juristas fazem parte da corrente minoritária.

O princípio rebus sic stantibus, quando criado, explicitava que os contratos

deveriam ter a sua execução condicionada ao futuro para que a sua aplicação fosse

possível. Dessa maneira, não é correto impedir o uso da aplicação da Teoria da

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Imprevisão nos contratos unilaterais, uma vez que até mesmo Neratius há vários

anos atrás já os incluía nessa situação.

O contrato aleatório é, segundo Silvio Rodrigues:

“aquele contrato bilateral e oneroso em que pelo menos uma das partes

não pode antecipar o montante da prestação que receberá, em troca da

que fornece”.41

Eles podem ter como objeto: a coisa certa, porém, duvidosa; a coisa futura

sujeita a desaparecimento ou frustração e a coisa existente mas exposta a risco. Em

todos os casos existem imprecisão e dúvida relacionados ao fato e a sua ocorrência,

a probabilidade de ocorrer a frustração e a decisão judicial contrária que acabe com

as expectativas do adquirente do objeto.

Os contratos aleatórios possuem três áleas. Uma normal:

“de previsão de riscos, conhecida como terreno natural de ocorrências

possíveis e prováveis, sobre os quais não pairam dúvidas nem há

incertezas e para os quais a lei prevê alternativas e soluções”.42

Uma outra onde ocorrem acontecimentos anormais, em um plano extra

contratual, onde se admite a Teoria da Imprevisão e, ainda, uma última que se

41 Silvio Rodrigues. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p.122.

42 Ibidem, p. 123.

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caracteriza pela chance de ocorrer um evento assentado no futuro, não sendo

confundida com a álea normal. Ou seja, uma é natural existente em todos os

contratos, com riscos previsíveis cujas soluções estão previstas na lei, outra para os

casos em que ocorrem eventos anormais, numa esfera extracontratual cujo emprego

da teoria é aceito e uma outra marcada pela dúvida da contraprestação, que também

terá solução com base na legislação. Sendo assim, explica Nelson Borges:

“a teoria da imprevisão sempre será aplicável aos pactos aleatórios desde

que o evento alterador da base contratual não se relacione com sua álea

específica de incertezas. Se àquela álea estiver ligado, seu emprego estará

afastado”.43

É necessário ressaltar que existe diferença entre a dúvida existente em

relação a um fato determinado e com possível identificação e à chance de um

contrato ser atingido por um evento anormal e imprevisível. Os contratos aleatórios

são passíveis de dúvidas e incertezas quanto ao fato e sua ocorrência e dessa

maneira, a pessoa que decide fazer parte de um contrato aleatório já sabe que ele

vem marcado por um risco calculado.

Conclui-se que se a alteração do contrato estiver fundada em evento anormal,

na aura contratual, criando a lesão virtual para um dos contratantes, caberá a

aplicação da Teoria da Imprevisão para revisar o pacto e, se não possível, extinguí-lo

através da resolução.

43 Nelson Borges, ob. cit., p. 716.

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14. CONTRATO DE LOCAÇÃO

O contrato de locação é dividido em três espécies: o de locação de serviços, o

de locação de empreitada e o de locação de coisas em geral. Trata-se de um

contrato bilateral (prestações de ambas as partes), oneroso (devido ao seu

propósito), consensual (independe da entrega da coisa para se aperfeiçoar),

comutativo (as partes podem antever a prestação que será fornecida) e não solene

(não tem imposição da lei para o seu aperfeiçoamento).

O primeiro tipo é definido como o contrato em que uma das partes se obriga a

fornecer a outra a prestação de uma atividade mediante remuneração. É necessário

ressaltar que o atual Código Civil considera prestação de serviço aquele que não é

subordinado, podendo haver continuidade ou não, uma vez que parte desse tipo de

contrato é tratado pela Consolidação das Leis do Trabalho.

O segundo é uma espécie do gênero prestação de serviços. É o contrato pelo

qual o empreiteiro se compromete a executar uma obra pessoalmente ou por meio

de terceiros em troca de certa remuneração que será paga pelo dono da obra

(comitente). Nesse tipo de contrato se tem em vista o resultado final.

O contrato de locação de coisas é o contrato pelo qual o locador cede ao

locatário, por tempo determinado ou não o uso de coisa infungível mediante certa

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retribuição. Nesse caso, o locador conserva a propriedade do bem e a posse é

transferida ao locatário.

Nessa monografia merece destaque o terceiro tipo de locação acima citado.

O Código Civil atual cuida da locação das coisas em geral, enquanto a Lei n°

8.245/91 (Lei do Inquilinato) trata da locação de imóveis urbanos, sejam eles

comerciais ou industriais. Ainda, a Lei do Inquilinato trata da locação do imóvel

urbano, sendo cabível a aplicação do Código Civil somente nos pontos em que a lei

especial for omissa. Essa lei revogou a Lei das Luvas (Decreto n° 24.150/34) e é

dividida em três pontos: “da locação”, “dos procedimentos” e as disposições

transitórias. O primeiro ponto também é dividido em capítulos, tais como as

disposições gerais sobre locação, disposições especiais sobre a locação residencial,

a locação para temporada e a locação não residencial etc..

São elementos essenciais desse tipo de contrato: o consentimento válido, a

capacidade dos contraentes, a cessão da posse do objeto, a remuneração, o lapso

de tempo determinado ou não e a forma livre.

a) Consentimento válido: esse elemento é necessário para todo e qualquer contrato

uma vez que contrato é o acordo de vontades das partes. É necessário que esse

consentimento seja válido, não podendo haver, por exemplo, vícios de

consentimento como o dolo, a coação etc.. Ressalta-se que as pessoas

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relativamente e absolutamente incapazes devem manifestar o seu consentimento

através dos seus representantes legais.

b) Capacidade dos contraentes: é exigida a capacidade civil do locador e do

locatário. A mesma situação ocorre com os absolutamente e os relativamente

incapazes, devendo os primeiros ser representados e os segundos assistidos.

c) Cessão da posse do objeto locado: o locador cede a posse de um bem ao

locatário. O objeto pode ser locado no todo ou em parte, devendo ser um bem

infungível.

d) Remuneração: é denominada de aluguel e corresponde a contraprestação devida

pelo locatário. Por ser convencionada pelos contratantes, a remuneração pode ser

certa e determinada ou determinável. É oportuno lembrar que o contrato de locação

é de trato sucessivo, devendo o aluguel ser pago periodicamente. Diante disso, nota-

se que um dos requisitos da Teoria da Imprevisão (execução diferida) está presente.

e) Lapso de tempo determinado ou não: as partes podem convencionar o prazo, seja

ele determinado ou indeterminado. Se for determinado o locador não pode retomar o

imóvel antes do término do prazo e da mesma maneira não pode o locatário devolvê-

lo antes do prazo convencionado, exceto sob o pagamento de multa.

f) Forma livre: o contrato pode ser celebrado de forma escrita ou verbal, não havendo

obrigatoriedade na forma dos contratos de locação, salvo os casos excepcionais

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previstos no artigo 13 da Lei do Inquilinato (cessão da locação, sublocação ou

empréstimo do imóvel). Nesses casos é necessário a autorização por escrito do

locador.

Tanto o locador como o locatário têm direitos e deveres.

São direitos do locador:

a) receber o aluguel;

b) cobrar antecipadamente o aluguel desde que a locação não seja garantida ou nos

casos dos artigos 20, 42 e 49 da Lei do Inquilinato;

c) exigir do locatário as garantias previstas no artigo 37 da Lei do Inquilinato (caução,

fiança e seguro de fiança locatícia);

d) mover ação de despejo;

e) reaver o imóvel após o término do prazo contratual;

f) autorizar por escrito a cessão da locação, a sublocação e o empréstimo do prédio

e;

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g) solicitar a revisão judicial do aluguel após três anos de vigência do contrato ou do

acordo anteriormente realizado.

São obrigações do locador:

a) entregar ao locatário a coisa em estado de servir ao uso a que se destina;

b) manter o bem em estado de servir ao uso a que se destina;

c) responder por vícios ocultos anteriores a entrega do bem;

d) garantir o uso pacífico do bem;

e) pagar os impostos e taxas, bem como despesas de administração imobiliária e

intermediação, salvo disposição expressa em contrário;

f) pagar as despesas extraordinárias de condomínio;

g) fornecer o recibo do aluguel e dos encargos;

h) indenizar as benfeitorias úteis e necessárias feitas pelo locatário e;

i) dar preferência ao locatário para adquirir o imóvel.

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São direitos do locatário:

a) de exigir a entrega da coisa, o recibo do aluguel e a manutenção do estado do

bem durante a locação;

b) garantia do uso pacífico da coisa;

c) responsabilizar o locador por vícios ocultos;

d) exigir do locador, quando da entrega do imóvel, relação escrita do estado em que

se encontra o bem;

e) de reter o imóvel até ser indenizado pelas benfeitorias úteis e necessárias;

f) direito de preferência em caso de alienação do imóvel;

g) purgar a mora para evitar a rescisão da locação e;

h) o direito de sublocar, ceder ou emprestar o imóvel desde que haja consentimento

prévio e por escrito do locador.

São deveres do locatário:

a) utilizar o bem para a finalidade convencionada ou presumida;

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b) usar o imóvel como se fosse seu;

c) restituir o imóvel no estado em que o recebeu salvo as deteriorações decorrentes

do uso normal da coisa ao término da locação;

d) pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação;

e) levar ao conhecimento do locador os danos que à ele incumbe reparar, bem como

eventuais turbações de terceiros;

f) pagar as despesas de água, luz, telefone e as despesas ordinárias de condomínio

relacionadas ao uso do bem;

g) permitir a realização de reparos urgentes do imóvel e;

h) se exigido pelo locador, dar caução em dinheiro ou em bens móveis ou imóveis,

dar garantia fidejussória ou firmar seguro de fiança locatícia.

Cabe lembrar, também, que é possível a transferência da locação aos

herdeiros do locador, caso ele venha a falecer. No caso de falecimento do locatário,

a locação será transmitida aos seus herdeiros, descendentes ou cônjuges se eles

residirem no imóvel, senão haverá a extinção do vínculo contratual. O contrato de

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locação pode ser transmitido a terceiros, ainda, por ato intervivos, seja através de

empréstimo, cessão de locação e sublocação.

Merece destaque também a locação para temporada. Esse tipo de locação é

definida no artigo 48 da Lei do Inquilinato, sendo aquela destinada à residência

temporária do locatário, seja para estudos, lazer, tratamento de saúde, realização de

obras no imóvel do locatário dentre outros fatos. Ela é contratada por prazo não

superior a noventa dias. Tal contrato apresenta regras especiais, tais como:

a) o locador tem a possibilidade de receber de uma só vez e antecipadamente os

aluguéis e encargos;

b) tem a possibilidade de exigir qualquer das modalidades de garantia previstas na

Lei do Inquilinato;

c) se, ao término do prazo convencionado o locatário permanecer no imóvel sem

oposição do locador, a locação considera-se prorrogada por prazo indeterminado.

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15. A TEORIA DA IMPREVISÃO E OS CONTRATOS DE

LOCAÇÃO DE COISAS

Para muitos autores não é correto se afirmar que é possível a aplicação da

teoria da Imprevisão nos contratos de locação, uma vez que para eles existem

mecanismos revisionistas previstos desde a Lei de Luvas. Todavia, é importante se

ter uma visão mais amplo da situação pois a mera possibilidade da revisão não basta

por si só para a aplicação da Teoria da Imprevisão.

Ocorreu, desde o início da discussão da imprevisibilidade, a divisão das

opiniões dos autores formando duas correntes: a dos revisionistas e a dos anti-

revisionistas. A teoria minoritária (anti-revisionistas) negava a possibilidade de

revisão nos contratos de locação, defendendo a regra pacta sunt servanda por

entender possível que ela ocorresse se houvesse a autorização de lei. Desde que

surgiu, a teoria da excepcionalidade estava ligada a revisão e ao mesmo tempo a

regra do princípio pacta sunt servanda. Os revisionistas (corrente majoritária) se

dividem nos que acreditam só ser possível a revisão em casos de procedimento

ordinário de reajuste do contrato de locação e outros que acreditam que além do

procedimento ordinário, a pretensão só seria aceita se acumulasse a ação revisional

ou a renovatória, onde a Lei de Luvas era aplicada.

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A Lei n° 8.178/91 alterou a Lei do Inquilinato no que se refere ao uso da ação

de revisão de aluguéis. Com o tempo, tornou-se possível o uso de apenas um

procedimento de revisão para todos os tipos de locação, lembrando-se que se não

houver modificações nas bases da contratação deverá prevalecer a regra pacta sunt

servanda e não a sua exceção rebus sic stantibus.

Com a Lei do Inquilinato é possível tanto ao sublocador como ao sublocatário

propor ação de revisão de aluguel. Todavia, não se analisa a revisão e a Teoria da

Imprevisão na sua forma pura. A exceção rebus sic stantibus tem como base os

desequilíbrios que ocorrem nos contratos causados por eventos anormais e não

pelos presentes nos dispositivos legais referentes à locação. Complementa Nelson

Borges que:

“a chancela legislativa apenas de revisão de cláusula contratual não

autoriza a conclusão de que ali se consagrou o emprego da teoria da

imprevisão. Esta sempre encontrará espaço em qualquer contrato de

execução diferida – como os de locação – desde que presentes outros

pressupostos de sua admissibilidade”.44

Portanto, a Teoria da Imprevisão só terá guarida quando ocorrerem eventos

imprevisíveis, ao contrário dos casos em que ocorrerem variações inerentes ao

mercado de locação, do dia-a-dia, onde será utilizada a revisão trienal autorizada por

lei.

44 Nelson Borges, ob. cit., ps. 366 e 367.

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Em resumo, a ação revisional de locação é conseqüência de um evento

normal com base nos contratos de locação. Porém, quando o evento for anormal ou

imprevisível será utilizada a Teoria da Imprevisão, desde que preenchidos os outros

requisitos necessários. Assim, ao se tratar da Lei do Inquilinato sabe-se que o evento

é normal. Isso ocorre porque quando o evento for anormal, o campo será o

supracontratual, tendo a aplicação da Teoria da Imprevisão.

Conclui-se que independente das disposições já existentes, como as da Lei de

Luvas e as da Lei do Inquilinato, a Teoria da Imprevisão poderá ser aplicada aos

contratos de locação desde o evento que cause mudanças no pacto seja

imprevisível, extraordinário. Isso ocorre, porque se há previsão legal de algumas

situações que possam atingir os contratos, não existe a imprevisibilidade, mas sim o

oposto. Sendo assim, quando os eventos não estiverem disciplinados na Lei do

Inquilinato e as suas possibilidades de revisão, será cabível a Teoria da Imprevisão.

Ela será determinada pela causa (evento imprevisível), junto com outros

pressupostos necessários.

Ressalta-se que se tiver ocorrido uma revisão no contrato que trouxe

modificações através de decisões judiciais e, após um período, ocorrer um evento

anormal capaz de alterar o pacto, será possível a aplicação da imprevisão, mesmo

que tenha ocorrido a revisão com base na lei.

Complementa Nelson Borges:

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“Em conclusão, na revisão contratual prevista na Lei de Luvas ou na Lei do

Inquilinato a possibilidade jurídica do pedido se achava – e se acha –

condicionada a ocorrência de fatos previstos nas disposições normativas;

na que se processa com base na doutrina da imprevisibilidade os

acontecimentos que a determinam independem do contrato (relembre-se:

sua ocorrência se dá na aura contratual) ou da lei, sendo indispensável que

o fato alterador da base econômica da contratação se inscreva como

extraordinário”.45

É errado afirmar que a revisão locatícia encontra recepção da teoria da

exceção uma vez que a Lei do Inquilinato e a Teoria da Imprevisão têm como

semelhanças a possibilidade de ser feita a revisão e o contrato de execução diferida.

Todavia, a Teoria da Imprevisão exige que outros requisitos estejam presentes. Em

suma:

“como em qualquer contrato de execução diferida, os pactos locatícios

admitem o emprego da teoria da imprevisão desde que o evento

imprevisível – responsável pela profunda alteração da base negocial – dê

origem a uma lesão virtual para qualquer das partes, não incursa em

estado moratório ao tempo do fato não provocado por uma delas, lesão que

certamente se transformará em objetiva se, na execução, o contrato

atingido e modificado pelo acontecimento anormal for cumprido, a despeito

de representar – em decorrência da mutação – obrigação extremamente

difícil”. 46

45 Nelson Borges, ob cit., p. 371.

46 Ibidem, p. 372.

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16. A IMPREVISÃO E O DIREITO BRASILEIRO

Em 1858, no esboço do Código Civil brasileiro, Teixeira de Freitas chegou a

aceitar a Teoria da Imprevisão em um certo ponto, não sendo totalmente indiferente

a ela. Hoje, essa teoria está inclusa em diversos códigos civis do mundo inteiro.

Na Europa ela atingiu o seu auge depois da Primeira Guerra. Já no Brasil isso

aconteceu somente após a Revolução de 1930. Após 1930 várias leis surgiram em

caráter emergencial recepcionando a Teoria da Imprevisão. O Código Civil brasileiro

de 1916 não a rejeitou, mas também, não a recepcionou.

Após a Primeira Guerra Mundial, a Teoria da Imprevisão, que provocou as

idéias do grupo dos revisionistas, foi colhida pela doutrina brasileira. Imagina-se que

o mais antigo registro baseado em lei que traz a Teoria da Imprevisão foi a Lei

4.403/21 que tratava de locações de prédios urbanos. Tal lei foi revogada em 1928 e

revigorada em 1931.

Algumas das leis mais importantes sobre esse assunto são: o Decreto

19.573/31 (chance de revisão e resolução dos contratos de locação para militares e

funcionários públicos civis, em casos de transferência), Decreto 20.626/33 (tratou

dos juros e das cláusulas penais referentes aos contratos, concedendo moratória),

Decreto 23.501/33 e Decreto 22.626/33 (considerou nula estipulações contratuais de

pagamento com ouro ou moeda não vigente no país), Decreto 24.150/34, ou melhor,

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Lei de Luvas (estabeleceu condições para a revisão contratual nos casos de contrato

de locação não-residencial, devendo ocorrer uma grande variação ou desvalorização

da moeda), Decreto-lei 6.739/44 (trata das prorrogações nos contratos de locação),

Decreto 869/38 e Lei n° 1.521/51 (trata dos crimes contra a economia popular e a

lesão inicial, como vício contratual, visando a revisão), Lei n° 6.899/81

regulamentada pelo Decreto 86.649/81 (resultado das teorias revisionistas, trouxe a

possibilidade de que nos débitos resultantes de decisões judiciais, mesmo sem

pedido da parte, incidisse correção monetária).

Existem, também, artigos referentes à imprevisibilidade, seja de forma direta

ou indireta. Os artigos previstos pelo Código Civil de 1916 são os seguintes: artigos

85; 401; 762, incisos I e II; 879; 954, inciso III; 1059; 1060; 1091; 1092, segunda

parte; 1131; 1181; 1190; 1214; 1246; 1250; 1456; 1499. Tais artigos têm como

referência no Novo Código Civil os artigos 111; 1711; 1424, incisos I e II; 247; 332,

inciso III; 402; 105; 476; 494; 554; 566; 618 e 580. Todavia, os não-revisionistas

também se basearam em artigos dos mesmos diplomas legais para defender a sua

opinião, como os artigos 1091; 1214; 1238; 1246 e 1453 do Código Civil de 1916,

referentes aos artigos 105; 610 e 618 do Novo Código Civil.

Mesmo que de maneira errada, o legislador adotou a Teoria da Imprevisão de

maneira implícita ao se referir ao caso fortuito e a força maior, ambos muito

confundidos com a imprevisibilidade antigamente. Em 1963, Caio Mário da Silva

Pereira, na Exposição de Motivos, item n° 77, afirmou que diante da onerosidade

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excessiva o Anteprojeto aceitava a cláusula rebus sic stantibus, que mais tarde

passou a ser chamada de Teoria da Imprevisão.

Acrescenta Nelson Borges:

“favoráveis ou desfavoráveis as alterações para qualquer das partes,

afastado fica o princípio pacta sunt servanda, para dar lugar ao emprego da

imprevisibilidade. A saliência no raciocínio está em se considerar a

aplicação do princípio de forma unilateral. Quando o evento imprevisível

provocar vantagem para uma das partes e desvantagem para a outra,

presentes os pressupostos de admissão, sempre será possível invocar a

doutrina”.47

Como já dito anteriormente, a cláusula rebus sic stantibus é atualmente

denominada Teoria da Imprevisão. Faz-se necessário esclarecer que o Código Civil

de 1916 não acolheu e nem rejeitou a Teoria da Imprevisão de maneira expressa ou

implícita. Todavia, o NCC em seus artigos 478 a 480 a disciplinaram, sendo esses

artigos os responsáveis pela integração do princípio no nosso Direito. Ainda, a Lei do

Inquilinato (Lei n° 8.245/91) trata, nos artigos 68 a 70 o processo judicial de revisão.

Hoje, entende-se que a lei não é total e aceita exceções em situações de caráter

imprevisível.

A primeira decisão a aceitar a Teoria da Imprevisão no Brasil foi a do então

Juiz da Primeira Instância do Rio de Janeiro, Nelson Hungria, em 1930, baseada na

eqüidade e nos princípios gerais do Direito. Essa decisão foi reformada pelo Tribunal

47 Nelson Borges, ob cit., p. 530.

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de Justiça em 1932. Em outros casos posteriores a Teoria da Imprevisão também foi

rejeitada. Por sua vez, Emmanuel de Almeida Sodré a acolheu integralmente,

também tendo a sua sentença reformada.

Em 1938 o Supremo Tribunal Federal defendeu a imprevisão, posicionamento

que continua a ser acolhido.

É importante esclarecer que, em muitos casos, o Tribunal não foi contra a

Teoria da Imprevisão, mas sim contra formulações mal feitas ou falta de

pressupostos necessários ao acolhimento da mesma. Modernamente, como regra

geral, os Tribunais não tem acolhido a Teoria da Imprevisão quando faltarem o

preenchimento dos pressupostos de admissibilidade, quando for contra plano

econômico do Governo, contra a elevação de prestações como conseqüência da

inflação, contra a recessão econômica, quando visar a exclusão da correção

monetária e para a revisão de contratos com base em moeda estrangeira.

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17. O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A TEORIA

DA IMPREVISÃO

Após diversos anos, a Teoria da Imprevisão recebeu espaço no direito positivo

brasileiro, sendo preceituada nos artigos 478, 479 e 480 do Novo Código Civil, ou

seja, o Código Civil de 2002.

Em 1984 o Projeto do nosso, então atual, Código Civil, foi aprovado pela

Câmara Federal, em Brasília. Os trinta e quatro deputados presentes aprovaram o

Projeto n° 118/84, por votos de liderança (concordância dos líderes dos partidos).

No atual Código Civil a Teoria da Imprevisão é fundada na excessiva

onerosidade. Segundo Miguel Reale, o princípio “pacta sunt servanda” não encontra

no novo Código Civil a mesma severidade com que era vista antes, uma vez que

sofre as exceções dos artigos 478, 479 e 480. É muito importante que a Teoria da

Imprevisão esteja sendo apreciada no nosso Código Civil, entretanto, a forma da

redação poderia ter sido melhor, sendo passível de várias mudanças, tais como o

que serão examinados abaixo:

1- Linguagem sem apuro técnico: o artigo 478 é redundante ao se referir a

acontecimentos extraordinários e imprevisíveis uma vez que são palavras sinônimas.

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Ou seja, imprevisível é o acontecimento que está fora dos eventos normais e,

extraordinário é tudo aquilo que não é ordinário, conseqüentemente imprevisível.

2- Inversão de raciocínio lógico: o artigo 478 inverte a ordem dos princípios lógicos

porque parte do efeito para a causa e não o contrário, que, por sua vez, seria o

correto. Dessa maneira, deve-se seguir a seqüência da causa (eventos anormais)

para os efeitos (onerosidade excessiva). Ressalta-se que, apesar do artigo 478 não

afirmar expressamente, é necessário que estejam presentes a onerosidade

exacerbada e a extrema vantagem ao mesmo tempo.

3- Expressão contraditória: outra crítica existente refere-se ao fato do artigo 478

afirmar “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa”. Tal

fato ocorre porque só o devedor pode ter a sua prestação excessivamente onerosa.

Ainda, ao afirmar “prestação excessivamente onerosa” exclui o credor, ou melhor,

negá-lhe a chance de se beneficiar com o dispositivo.

4- Negação do valor bilateral da justiça: fica nítida a existência de uma incoerência

quando o artigo 478 preceitua “se a prestação de uma das partes se tornar

excessivamente onerosa”. Isso ocorre porque o termo “partes” abrange credor e

devedor. Todavia, a expressão “prestação excessivamente onerosa” exclui o credor

(como já citado anteriormente), retirando-lhe o direito de ação. Por sua vez os

contratos devem ter valor bilateral, não sendo correto defender só o credor ou o

devedor para que não ocorra o desequilíbrio.

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5- Caput do artigo 478 – resolução sem revisão: o caput desse artigo trata apenas da

resolução, enquanto o artigo 479 do mesmo diploma legal trata da revisão. Dessa

maneira, se o credor não conseguir ter a sua pretensão de resolução do contrato

atendida, não poderá, também, pleitear a revisão, salvo se fosse a juízo para chamar

o devedor ao processo, visando discutir as condições do processo e as suas

mudanças.

6- Fusão da lesão subjetiva com a objetiva: comete mais um erro o artigo 478 ao

afirmar que “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa,

com extrema vantagem para a outra”, uma vez que existe para o devedor uma

ameaça causada pela onerosidade excessiva (objetiva) enquanto para o credor

existe apenas uma possibilidade de ocorrer a vantagem exacerbada (situação

subjetiva). Dessa maneira misturam-se as lesões configurada e a outra que está em

vias de se configurar.

7- Efeitos da sentença: o Código Civil atual adotou o efeito ex nunc fazendo com que

os efeitos da sentença retroajam à data da citação válida depois de concedida a

adequação ao novo estado. A conduta está correta, entretanto, o problema é

configurado na forma como está disciplinada.

8- Sistema misto: aqui ocorre o mesmo caso citado anteriormente. É correto usar a

revisão e a resolução, mas não com a redação existente. Isso ocorre porque deve-se

tentar primeiro a revisão, e, quando frustrada, a resolução.

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Ainda, o novo Código Civil fere o princípio da imprevisibilidade pois só admitiu

a revisão após a tentativa da resolução. Como já mencionado o ideal seria a tentativa

da revisão, para depois, no caso de ocorrer a frustração ocorrer a resolução.

Mencionado artigo só oferece ao credor a possibilidade de tentar a revisão do

contrato.

Complementa Nelson Borges:

“havendo primeiro a resolução, a preservação da vontade primitiva seria

impossível, por duas razões elementares: a) suprimiria qualquer

possibilidade de adaptação da prestação ao novo estado, uma vez que

extinguiria o pacto e, com ele, a vontade manifestada; b) extinguindo o

pacto, não só uma das partes teria suprimida a possibilidade de

manutenção do contratado, sentindo-lhe os efeitos, como também terceiros

ligados jurídica ou economicamente à convenção estariam impedidos de

opor qualquer medida com vistas à manutenção da contratação”.48

O artigo 480 disciplina os contratos unilaterais, protegendo apenas o devedor.

Esse artigo defendeu de forma nítida a revisão, afastando a aplicação da resolução

nesse caso e, ainda, restringindo o direito do credor.

Por fim, dois pontos merecem destaque. Um deles é a existência expressa da

Teoria da Imprevisão no nosso novo Código Civil. Já o outro ponto é uma crítica ao

modelo utilizado pelo Brasil para adotar a teoria da Imprevisão, uma vez que ele

surge com pouca técnica e forma.

48 Nelson Borges, ob. cit., p. 694 .

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18. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A regra pacta sunt servanda estabelece que os pactos devem ser cumpridos,

devendo as partes se submeter às regras do mesmo. Essa regra tem como exceção

o princípio rebus sic stantibus, atualmente denominado de Teoria da Imprevisão, que

somente ocorrerá diante de um evento anormal e imprevisível.

Esses princípios apesar de parecerem antagônicos, são harmônicos entre si

uma vez que um visa o respeito ao convencionado nos contratos enquanto o outro é

uma exceção à regra diante da impossibilidade de se cumprir o antes

convencionado.

A Teoria da Imprevisão surgiu na Idade Média, entretanto, a primeira

manifestação existente foi a do Código de Hamurabi. É necessário esclarecer que

esse Código tratava do princípio da exceção como uma situação de caso fortuito ou

de força maior, o que não é correto. A Teoria da Imprevisão visa a manutenção da

vontade em primeiro instante, pelos contratantes, merecendo o apoio da doutrina e

da jurisprudência.

Para ser considerada imprevisão, o fenômeno deve atingir a toda a sociedade

ou grande parte dela, decorrente de uma circunstância global. Essa teoria exige que

vários requisitos estejam presentes, tais como: a execução diferida, a

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imprevisibilidade, a ausência do estado moratório, a lesão virtual, a essencialidade, a

inimputabilidade, a excessiva onerosidade e a extrema vantagem. Ressalta-se que a

via a ser usada é a judicial, com exceção dos casos onde os contratantes busquem

solucionar os problemas e se compor na fase do conflito de interesses. A sentença

que concede a revisão ou a resolução é constitutiva uma vez que cria um novo

direito.

No Brasil o primeiro julgado que aceitou a Teoria da Imprevisão ocorreu em

1930 com a decisão de primeiro grau de Nélson Hungria. Tal decisão foi reformada

pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal em 1932. A Corte de Apelação aceitou a

Teoria e também teve a sentença reformada em 1934 pelo Tribunal e, restabelecida

pelas Câmaras de Apelações Cíveis. O acórdão das Câmaras Conjuntas foi levado

ao Supremo Tribunal Federal que não o conheceu e manteve a Teoria da

Imprevisão.

O contrato de locação é dividido em três espécies: o de locação de serviços, o

de locação de empreitada e o de locação de coisas em geral. Nos contratos de

locação há a possibilidade de ocorrer a revisão, entretanto, em situações que o

evento seja normal. Nos casos em que o evento cause mudanças no contrato

imprevisíveis será adotada a Teoria da Imprevisão.

É necessário esclarecer que, mesmo de maneira errada, o legislador adotou a

Teoria da Imprevisão de forma implícita ao se referir ao caso fortuito e a força maior,

institutos muito confundidos com a imprevisibilidade. Por sua vez, o Código Civil de

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1916 não acolheu e nem rejeitou a Teoria da Imprevisão de maneira expressa ou

implícita. Já o Novo Código Civil a disciplinou nos artigos 478, 479 e 480, sendo

aceita exceções em situações de caráter imprevisível. É de grande importância que a

Teoria da Imprevisão esteja sendo apreciada no nosso Código Civil, entretanto, a

forma da redação poderia ter sido melhor.

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19. BIBLIOGRAFIA

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20. ANEXOS – JURISPRUDÊNCIA

1. Acórdão pioneiro do Supremo Tribunal Federal acolhendo a cláusula rebis sic

stantibus.

2. Acórdão de decisão concessiva do Supremo Tribunal Federal.