teologia hermenêutica-analise do texto

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  • 8/7/2019 teologia hermenutica-analise do texto

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    Hermenutica

    Michael Inwood

    A hermenutica, a "arte da interpretao", era originalmente a teoria e o mtodo deinterpretao da Bblia e de outros textos difceis. Wilhelm Dilthey a alargou interpretao de todas as criaes e atos humanos, incluindo a histria e a interpretaoda vida humana. Heidegger, em Ser e Tempo (1927), esboou uma "interpretao" doser humano, o ser que, em si mesmo, compreende e interpreta. Sob sua influncia, ahermenutica se tornou um tema central na filosofia continental, gerando vriascontrovrsias. Ao interpretar algo, desenterramos os pensamentos e as intenes doautor, imaginando-nos em sua posio, ou relacionamo-lo a um todo mais amplo quelhe d significado? Essa ltima perspectiva produz um crculo hermenutico: nopodemos compreender o todo (um texto, por exemplo) sem compreender suas partes, oucompreender as partes sem compreender o todo. Heidegger descobriu outro crculo: jque inevitavelmente trazemos pressupostos para o que interpretamos, significa isso quetoda interpretao arbitrria, ou ao menos infinitamente passvel de reviso?

    1. Os primrdios da hermenutica

    A palavra grega hermeneuein significa expressar, explicar, traduzir ou interpretar;hermeneia interpretao e assim sucessivamente, muitas vezes interpretao de umamensagem sagrada. Plato chamou os poetas de hermenes intrpretes dos deuses.Filsofos interpretaram Homero de forma alegrica. Agostinho interpretou o VelhoTestamento como alegoria, usando conceitos neoplatnicos e atribuindo a ascenso daalma ao seu sentido espiritual acima dos sentidos morais e literais do texto. A

    interpretao alegrica se manteve como padro durante toda a Idade Mdia. Com aReforma, especialmente na Alemanha, a hermeneia se tornou mais explcita esistemtica. A palavra hermeneutica, a "arte da interpretao", apareceu em 1654 nottulo de uma obra de J.C. Dannhauer, Hermeneutica sacrasivemethodusexponendarumsacrarumlitterarum. Protestantes tiveram de interpretardevidamente a Bblia: recorreram a ela contra o Catolicismo Romano. Rejeitaram ainterpretao alegrica e insistiram no sentido exato do texto, esperando resgatar seusignificado de distores introduzidas pela Igreja e pela escolstica. A exegese bblicano continuou isolada da interpretao de outros textos. Espinosa, noTractatustheologico-politicus (1670 cap. VII: 94), afirmou que "o padro da exegesebblica pode apenas ser a luz da razo comum a tudo". Para Espinosa, a exegese bblicase tornou um criticismo bblico, o que envolveu a histria. Posto que os relatos demilagres esto aqum dos padres racionais das crenas, devemos explicar por que osautores da Bblia e seus contemporneos acreditavam em milagres.

    Johann Ernesti afirmou em seu manual de hermenutica (1761: 7) que o "sentido verbalda Escritura deve ser determinado do mesmo modo que apuramos o sentido verbal deoutros livros". Outros textos que precisavam ser interpretados eram os documentoslegais e as obras da antiguidade clssica, e estas disciplinas tambm contriburam para ahermenutica. Avanos significativos foram feitos por dois classicistas: Friedrich Ast eFriedrich August Wolf. Ast, em Grundlinien der Grammatik,

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    HermeneutikundKritik(Elementos de Gramtica, Hermenutica e Criticismo) (1808),discriminou diferentes nveis da compreenso de um texto. O primeiro "histrico", queestabelece o texto autntico comparando diferentes manuscritos e utilizando oconhecimento da histria alm de outros escritos do perodo; a esta compreensocorresponde "hermenutica da letra". O segundo gramatical, e corresponde "hermenutica do sentido": compreendemos o significado das palavras e frases no texto.

    O terceiro espiritual: a partir do sentido literal ascendemos ao esprito (Geist) do autore de sua sociedade ("esprito" significa "perspectiva", "mentalidade" ou "viso demundo"; no precisa ter conotao psicolgica ou teolgica). Em suas palestraspublicadas na "enciclopdia de estudos clssicos" de 1785 a 1807, Wolf definiu ahermenutica como a "cincia das regras pelas quais discernido o significado dossignos" (1831: 290). Seu objetivo "apreender os pensamentos escritos ousimplesmente falados de outrem do mesmo modo como teramos os nossosapreendidos" (1831: 293). Isto envolve no somente o conhecimento da linguagem dotexto, mas tambm conhecimento histrico, da vida do autor, da histria e da geografiade seu pas. Um intrprete deveria conhecer idealmente tudo o que o autor conhecia.Wolf props vrias regras para lidar com problemas de interpretao, mas insistiu queum intrprete precisa uma "leveza da alma" que "rapidamente o harmoniza com

    pensamentos estranhos" (1831: 273). Conhecer regras no suficiente: precisamos deuma habilidade na aplicao de regras que nenhuma regra pode garantir.

    2. Schleiermacher

    Friedrich Schleiermacher reuniu essas teorias parciais em uma nica disciplina,abarcando a interpretao de todos os textos, independente de gnero e de doutrinas (eleinterpretou Herclito e Plato, bem como a Bblia). Em cada nvel de interpretaoestamos envolvidos em um crculo hermenutico. No podemos saber a leitura corretade uma passagem no texto a menos que conheamos, grosso modo, o texto como umtodo; no podemos conhecer o texto como um todo a menos que conheamos

    determinadas passagens. No podemos conhecer o significado de uma palavra a menosque saibamos os significados das palavras que a rodeiam, e do texto como um todo;conhecer o significado do todo requer o conhecimento de palavras individuais. Nopodemos compreender o texto por completo a no ser que conheamos a vida e a obrado autor como um todo, o que requer o conhecimento de textos e outros acontecimentosque constituem sua vida. No podemos compreender um texto por completo a no serque conheamos por completo a cultura que deu origem ao texto, o que pressupe oconhecimento dos textos e acontecimentos que constituem a cultura. No s existe acircularidade em cada nvel de interpretao como tambm entre os nveis. Nopodemos escolher uma leitura correta de uma passagem particular a no ser que jsaibamos alguma coisa sobre o seu significado, e tambm sobre a vida ou cultura doautor. No obstante, como devemos adquirir esse conhecimento, se no a partir de

    textos como esse?

    O crculo hermenutico menos misterioso do que freqentemente parece. Um textono tem de ser invariavelmente problemtico. Um manuscrito irremediavelmenteadulterado (ou um livro com erros de impresso) pode ser indecifrvel. Mas se osmanuscritos so confiveis na parte principal do texto, o intrprete emprega oconhecimento dessa parte nas outras em que os manuscritos esto adulterados. Nemtodas as palavras e frases so obscuras de modo idntico; o relativamente transparentefornece um indcio ao relativamente opaco. Portanto, a compreenso uma questo de

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    graus. No posso compreender um texto por completo a no ser que compreenda porcompleto cada palavra e cada frase, e no posso compreender uma palavra ou uma frasepor completo a menos que compreenda o todo. Se a compreenso completa e aincompreenso vazia fossem as nicas alternativas, eu no poderia compreender umtexto de qualquer tamanho ou complexidade. No entanto, a compreenso no funcionaassim: posso compreender um texto de maneira aproximada sem compreend-lo por

    completo, e a compreenso aproximada me permite decifrar partes especficas.

    Em 1813, Schleiermacher escreveu: "Pensamento e expresso so ntima eessencialmente a mesma coisa" (1959: 21). Isso sugere que o que compreendemos osentido literal de um texto, o que as palavras significam ou significavam. Em 1819,escreveu: "A arte s pode desenvolver suas regras a partir de uma frmula positiva, que esta: a reconstruo histrica e divinatria, objetiva e subjetiva, de um dado discurso"(1959: 87). Isso sugere que existe algo mais a dizer sobre o pensamento de um autor doque o significado de suas palavras, e que o intrprete deve desenterrar o pensamento. Opensamento deve diferir do significado das palavras por diversas razes: a m expressopor parte dos autores, o deslize da caneta ou da lngua, a ausncia de habilidade verbalou o emprego imprudente das palavras. (Quando algum fala "mitigando contra", ou

    escreve "vale novar que...", partimos do princpio de que esse algum queria dizer"militando contra" e "vale notar que...".) Para entender um discurso por completo,muitas vezes vamos alm do significado das palavras e questionamos as intenes doautor: quisera ele dizer isso com seriedade ou como uma piada? Ele quis dizer isso ouaquilo com a palavra? Estava o autor fazendo uma crtica desta ou daquela forma? Demodo oposto, podemos discernir mais nas palavras do autor do que podemos atribuirplausivelmente aos seus pensamentos conscientes, e invocar seus pensamentosinconscientes ou o "esprito" do autor ou sua cultura. Ou podemos apelar audincia. Apergunta "O que esse texto significa?" pode ser desdobrada de duas maneiras: (1) "Oque o autor quer/quis dizer com o texto?", (2) "O que o texto quer/quis expressar para aaudincia". Esses desdobramentos podem, por sua vez, ser interpretados de diferentesmaneiras. O que constitui o autor e seu significado? Devemos restringir isso sintenes e aos pensamentos conscientes do autor, ou devemos incluir suas intenes eseus pensamentos subconscientes, ou ainda o esprito de sua poca, admitindo issocomo parte de sua autoria. Quem a audincia? Pode ser os contemporneos do autor,ou uma audincia posterior, como ns mesmos. improvvel que as respostas s duasquestes coincidam, se o autor e a audincia pertencem a diferentes pocas e culturas. Oque Shakespeare pretendia expressar com Hamletno o que Hamletexpressa parauma audincia moderna, a menos que essa audincia consista em habilidososhermeneutas. mais provvel que as respostas sejam equivalentes se a audincia forcontempornea do autor; ento, a audincia e o autor partilham do mesmo "esprito",mesmo que no tenham a mesma competncia criativa.

    Quando Schleiermarcher quis reconstruir o significado verbal de um texto, na crena deque "o pensamento e sua expresso" so coisas idnticas, respondia pergunta "O que otexto quer dizer para sua audincia contempornea, culta?". Quando tentou reconstruir opensamento do autor, na crena de que o pensamento no necessita ser a mesma coisaque sua expresso, respondia pergunta "O que quer dizer o autor atravs do texto?"Como podemos saber o que Shakespeare quis dizer (isto , o que ele tinha em mente)?Podemos sab-lo da mesma maneira que sabemos o que um contemporneo, com o qualdiscutimos, tem em mente? Nossas mentes no so to diferentes da de Shakespeare;existe uma "afinidade espiritual" entre ns. Se adquirirmos conhecimento suficiente

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    sobre sua vida e obra, podemos imaginativamente por-nos no seu lugar, reproduzindoseu pensamento. possvel por-mo-nos no lugar de outrem; romancistasfreqentemente o fazem. duvidoso se precisamos fazer isso para saber o que algumest pensando: posso saber que um co quer um osso sem imaginativamente reproduzirem mim o seu querer.

    3. Dilthey

    O contacto de WhilhelmDilthey com a hermenutica est relacionada sua preparaoteolgica, embora a tenha utilizado para responder pergunta "Como se diferenciam ascincias humanas ou sociais das cincias naturais?" Enquanto as cincias naturaisexplicam (erklren), as cincias sociais compreendem (verstehen). Compreendem nosomente textos e discursos, mas qualquer "objetivao" significativa ou "expresso" davida humana: gestos, aes, nossa prpria vida ou de outrem, pinturas, instituies,sociedades, eventos passados. Existem dois tipos de compreenso. Primeiro, acompreenso de expresses simples como um discurso, uma ao, um gesto ou o medo.Aqui no h qualquer abismo entre a expresso e a experincia expressada:

    compreendemos imediatamente sem nenhuma inferncia. Tal compreenso pressupeum termo mdio "comum ao Eu e ao Voc", um "esprito objetivo" no qual ocorrem aexpresso e a compreenso: a cultura e a linguagem compartilhadas. Segundo, existem"formas mais elevadas de compreenso", que lidam com todos complexos, como a vidaou um trabalho artstico. Uma parte possui um significado (Bedeutung) apreendido pelacompreenso elementar, o todo possui um sentido (Sinn) resultante da composioordenada de suas partes e apreendido pela compreenso mais elevada. A compreensomais elevada geralmente provocada por uma falha da compreenso elementar. Se noconsigo compreender imediatamente a ao de uma pessoa, investigo sua cultura ou suavida como um todo. Se no consigo compreender uma frase, devo interpretar o livrointeiro.

    Muitas vezes a compreenso elementar insuficiente porque a pessoa o autor de umtexto, um gesto ou uma ao invulgar, e no pode ser compreendida pelos cnonesnormais do esprito objetivo. Para compreendermos o que o autor diz ou faz, precisamoscompreend-lo em sua individualidade. Portanto, a compreenso mais elevadageralmente envolve a compreenso dos indivduos, e no somente a compreenso geralapropriada para a vida diria. Tambm me compreendo a mim mesmo: atravs dacompreenso elementar, sei imediatamente que estou com fome, com cimes e assimpor diante, sem recurso s minhas expresses. Pela compreenso mais elevada dousentido a mim mesmo, minha vida como um todo. Novamente, a compreenso maiselevada pode ser estimulada por uma falha da compreenso imediata: como posso estarcom cimes, me pergunto, ou como posso ter feito isso? Na compreenso mais elevadade mim mesmo, torno-me ciente de minha individualidade, do que me diferencia dos

    outros.

    Na dcada de 1890, Dilthey considerou a psicologia a fundao das cincias sociais.Posteriormente, a hermenutica tomou o lugar da psicologia. O que de interesse paraas cincias sociais no a "alma", o processo psicolgico do indivduo, mas o"esprito", o mundo cultural compartilhado. O significado de uma brincadeira independente da "alma" do autor. Ainda que uma obra expresse alegria ou tristeza, essesso estados no do autor mas da "pessoa ideal" em cuja boca o autor coloca a suaexperincia. A vida psicolgica, mesmo a do prprio sujeito, conhecida atravs da

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    interpretao de suas expresses: "O homem s conhece a si mesmo na histria, nuncapela introspeco" (1981: 348). A interpretao da histria no apreende a essnciahumana numa frmula. Ela nos revela as diversas possibilidades da humanidade,libertando-nos dos confins do presente.

    4. Heidegger

    Dilthey sustentava que os estudos histricos dependem da nossa conscincia da vidahumana como um todo "histrico", coerente, imbricado num contexto histrico. MartinHeidegger tambm fazia a conexo de questes sobre o significado de textos histricoscom questes sobre o sentido da vida. Textos como as cartas de So Paulo no podemser compreendidos tendo como base somente os dicionrios e as gramticas; temos deentender as vivncias e a situao do autor e de sua audincia. Em qualquer texto,especialmente naqueles que apresentam certa dificuldade, como os de Aristteles,precisamos investigar nossa "situao hermenutica", a situao que, modelada pelopassado, impe sobre ns os pressupostos que trazemos para a compreenso do texto.Estariam corretos os termos em que interpretamos Aristteles? Se no, como podemos

    explicar essa degenerescncia aparente em nosso aparato conceitual? Essas so questessobre o presente, e no somente sobre a filosofia contempornea, mas sobre a vidacontempornea e nossa tendncia em interpretar mal o passado. Dessa forma, Heideggerdesloca-se, em sua conferncia de 1923, para uma "hermenutica da facticidade, umainterpretao do ser humano ("Dasein") e da vida cotidiana.

    Ser e Tempo (1927), de Heidegger, uma "hermenutica" em vrios sentidos. Explora aprpria compreenso e interpretao do Dasein: o Dasein compreende e interpreta, noincidentalmente e esporadicamente, mas essencialmente e constantemente. Elecompreende conhece seu modo no mundo como um campo para suas prpriasatividades. Interpreta os entes no mundo v uma mesa como uma mesa, uma cadeiracomo uma cadeira. Tal compreenso e interpretao so anteriores s cincias. Antes de

    interpretar um documento, vejo-o como documento; antes de fazer geologia, vejo rochascomo rochas. A interpretao envolve pressupostos: para interpretar algo como umlivro, devo estar familiarizado com um mundo em que os livros tenham o seu lugar, ummundo de cmodos, moblia, estantes, leitores. O Dasein tambm se interpreta a simesmo. Ele se considera, por exemplo, como um sapateiro ou um marujo. Considerasua prpria vida de certa maneira. Implicitamente na vida cotidiana, maisexplicitamente na filosofia, o Dasein interpreta-se de modo incorreto como umanimal racional, uma substncia pensante, ou uma mquina.

    Heidegger descreve as caractersticas essenciais do Dasein, incluindo a interpretao e ainterpretao de si. Posto que os prprios filsofos so o Dasein, eles manifestam asmesmas tendncias que o Dasein em geral. Por essa razo, no estudo do Dasein, eles o

    compreendem e o interpretam, dando continuidade, num plano conceitual e maiselevado, interpretao de si que uma caracterstica inevitvel de todo o Dasein.Como toda interpretao, a de Heidegger envolve pressupostos: a compreensopreliminar do Dasein que todo o Dasein possui, um certo modo de ver o Dasein (comrelao ao seu "ser", em vez de, digamos, suas caractersticas biolgicas), e conceitospara serem a ele aplicados, como "existncia".

    A interpretao do Dasein e do ser em geral envolve a interpretao de textos. Posto queo Dasein se interpreta de modo incorreto, devemos remover as camadas de interpretao

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    incorreta para que possamos v-lo como . Essas interpretaes incorretas, em suapureza original, ocorrem em filsofos como Kant, Descartes e Aristteles, por exemplo.Estudamo-los para perceber o que fizeram de correto e onde se perderam, para revelar eavaliar sua influncia em nossa situao hermenutica e, quando apropriado, para noslibertar de sua influncia. Heidegger interpreta tais textos principalmente em suasltimas obras, mas Ser e Tempo prefigura esse processo. As palavras no tm

    significados fixos e unvocos independentemente de seu uso e aplicao. Ossignificados acumulam-se nas palavras a partir de inter-relaes que constituem nossomundo. Um "martelo" no simplesmente um "utenslio para bater": o significado dapalavra deriva do contexto de bancada, pregos, madeira, oficina e consumidores queconstituem o "mundo" do arteso. O que significa uma palavra depende do mundo deseu usurio: por "transporte", "liberdade" ou "educao", Aristteles no quer dizer omesmo que ns, dado que vivia num mundo diferente. Para compreender um texto,precisamos ir alm dos dicionrios e gramticas para reconstruir o mundo do autor e as"possibilidades" por ele oferecidas.

    Posteriormente, Heidegger evitou a palavra "hermenutica". No entanto, continuou ainterpretar textos, tanto poticos quanto filosficos, em sua investigao do "sentido do

    ser". Ele tergiversou com relao ao fato de podermos ou no interpretar um textodefinitivamente. Nossas interpretaes do passado esto vinculadas nossa situaohermenutica, e abertas a reviso futura. Ser e Tempo sugere que o significado de umevento (ou de uma vida), se no de um texto, o que ele significa para ns/mim,dependendo da significncia a ele conferida por ns/mim atravs de (e nas)nossas/minhas decises para o futuro. Conversamente, afirma apesar de toda a sua"violncia" perante o texto literal pr a descoberto o significado de Aristteles, porexemplo, sem qualquer aluso ao facto de a sua prpria interpretao poder ser vistamais tarde, com igual justificao, como mais uma interpretao incorreta. De todomodo, o crculo hermenutico agora abarca intrpretes e seus pressupostos, bem como otexto, o autor e sua cultura. A compreenso prvia do todo, que Schleiermacher eDilthey viam como uma exigncia para a interpretao da parte, s pode surgir a partirdos prprios pressupostos do intrprete. Estes, entretanto, devem ser revisadas nodecorrer da interpretao.

    5. Depois de Heidegger

    A hermenutica de Heidegger tem sido explorada por Bultmann, Ricoeur e Derrida, masseu seguidor mais prximo Gadamer. Gadamer tambm afirma que voltamos a captaro contexto em que um autor escreveu tendo em considerao a audincia pretendida e asquestes a que o autor respondia. A interpretao pressupe uma "pr-compreenso"historicamente determinada, um "horizonte"; envolve uma "fuso de horizontes", oshorizontes do passado e do presente. No podemos ter a certeza de que a nossa

    interpretao correta ou melhor do que interpretaes anteriores. A nossainterpretao, e o nosso veredicto sobre interpretaes anteriores, est sujeita a revisofutura. Ao interpretar um texto do passado, investigamos nossa pr-compreenso tantoquanto o texto em si.

    Com Gadamer e outros, a hermenutica retornou s suas razes antigas e medievais. Nomais perguntamos por aquilo que um autor queria dizer com um texto, mas o que otexto nos quer dizer a ns, ou para ns. A justificao medieval disso o fato de queDeus, o autor ltimo do texto, pode inscrev-lo em qualquer sentido que escolher, seja

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    alegrico ou anacrnico. Os modernos justificam isso atravs do apelo no existncia,indeterminao, inacessibilidade ou irrelevncia das intenes do autor, ou do apelo aospressupostos historicamente variveis da interpretao. O alargamento de Dilthey dahermenutica s vivncias e eventos histricos d suporte a essa tendncia. O"significado" da Revoluo Francesa no pode ser o que seu(s) autor(es) quis(eram)dizer com ela, ou ainda o que significou para a audincia que lhe era contempornea.

    o que ela "quer dizer" para as audincias posteriores e sucessivas, ou mesmo o quefazem dela por seus prprios planos e decises. Poucos argumentam, entretanto, que ainterpretao de um texto est inteiramente relacionada com o capricho do intrprete.Isso subverteria a comunicabilidade do ceticismo dos hermeneutas ao permitir que osoponentes interpretem a sua expresso da maneira como bem quiserem