A hermenêutica

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A Hermenêutica A Hermenêutica Jurídica é a ciência que tem por objeto de estudo e sistematização dos processos aplicáveis para construção e justificação do sentido dos textos do direito positivo, sendo então a Hermenêutica Jurídica a interpretação: sua definição é a adequação da verdadeira coisa pensada com a coisa existente. A Hermenêutica estabeleceu-se como uma disciplina central a partir do início do século XIX quando se deu a chamada virada hermenêutica no conhecimento: ou seja, o conhecimento passou a ser visto como dependente da interpretação (e, consequentemente, da linguagem). Friedrich Schleiermacher é uma figura chave nesse período. Ele teorizou o chamado círculo hermenêutico do conhecimento nos seus fragmentos de 1805-10 onde podemos ler uma definição desse círculo: "Toda compreensão do individual é condicionada pela compreensão do todo" (Hermeneutik, 2ª ed., org. Heinz Kimmerle, Heidelberg, 1974, p.46). Schleiermacher diferenciou dois tipos de abordagem do texto: a interpretação gramatical e a técnica. A primeira ele subdividiu na análise sintagmática (análise interna do discurso) e paradigmática. Nesta última o hermeneuta deveria analisar a relação do discurso com a tradição, com a cultura. . Há duas séries de forças atuantes: as forças Externas e as forças Internas. - Externa, quando indaga a natureza do documento; correspondem aos objetivos da sociedade. - Interna, quando se efetua pela hermenêutica; correspondem ao desenvolvimento natural da ciência, precisando tomar consciência de que a ciência está cada vez mais integrada num processo social, industrial e político. Desta feita, interpretar não é extrair da frase ou sentença tudo o que ela contém. A significação não está atrelada ao signo (suporte físico) como algo inerente a sua natureza, ela é atribuída pelo intérprete e condicionada a suas tradições culturais. Uma prova disso está na divergência de sentidos interpretados do mesmo texto. Se cada palavra contivesse uma significação própria e o trabalho do intérprete se restringisse e encontrar tal significação, todos os sentidos seriam unívocos,

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A Hermenêutica

A Hermenêutica Jurídica é a ciência que tem por objeto de estudo e sistematização dos processos aplicáveis para construção e justificação do sentido dos textos do direito positivo, sendo então a Hermenêutica Jurídica a interpretação: sua definição é a adequação da verdadeira coisa pensada com a coisa existente. A Hermenêutica estabeleceu-se como uma disciplina central a partir do início do século XIX quando se deu a chamada virada hermenêutica no conhecimento: ou seja, o conhecimento passou a ser visto como dependente da interpretação (e, consequentemente, da linguagem). Friedrich Schleiermacher é uma figura chave nesse período. Ele teorizou o chamado círculo hermenêutico do conhecimento nos seus fragmentos de 1805-10 onde podemos ler uma definição desse círculo: "Toda compreensão do individual é condicionada pela compreensão do todo" (Hermeneutik, 2ª ed., org. Heinz Kimmerle, Heidelberg, 1974, p.46). Schleiermacher diferenciou dois tipos de abordagem do texto: a interpretação gramatical e a técnica. A primeira ele subdividiu na análise sintagmática (análise interna do discurso) e paradigmática. Nesta última o hermeneuta deveria analisar a relação do discurso com a tradição, com a cultura.

. Há duas séries de forças atuantes: as forças Externas e as forças Internas.  

- Externa, quando indaga a natureza do documento; correspondem aos objetivos da sociedade.

- Interna, quando se efetua pela hermenêutica; correspondem ao desenvolvimento natural da ciência, precisando tomar consciência de que a ciência está cada vez mais integrada num processo social, industrial e político.

Desta feita, interpretar não é extrair da frase ou sentença tudo o que ela contém. A significação não está atrelada ao signo (suporte físico) como algo inerente a sua natureza, ela é atribuída pelo intérprete e condicionada a suas tradições culturais. Uma prova disso está na divergência de sentidos interpretados do mesmo texto. Se cada palavra contivesse uma significação própria e o trabalho do intérprete se restringisse e encontrar tal significação, todos os sentidos seriam unívocos, ou pelo menos tenderiam à unicidade. Isto não ocorre justamente porque o sentido não está no texto, está no interprete e, desta forma condiciona-se aos seus referencias linguísticos.

Considerando-se que deve o Direito ser interpretado inteligentemente porque ele nasce da sociedade e para a sociedade, preocupa-se a Hermenêutica com o resultado provável de cada interpretação, de forma a buscar aquela que conduza a melhor consequência para a coletividade.

O fenômeno jurídico; considerado em seus três elementos: fato, valor e norma; é complexo. Por isso pretende-se no presente ensaio analisar a hermenêutica jurídica diante do aspecto normativo do Direito. Sendo assim, o desenvolvimento do estudo sedará no tocante à interpretação da norma jurídica. A relação estabelecida entre o intérprete, concebido como o sujeito, e a norma jurídica, concebida como objeto funda o presente estudo. Nessa relação dialética entre sujeito e objeto, temos o conflito entre a subjetividade do intérprete e a objetividade da norma jurídica, o que implica dois questionamentos: um sobre a existência da objetividade na interpretação do Direito, outro, saber se o sentido extraído e fixado do ordenamento jurídico fica, ou não, ao arbítrio do intérprete.

A epistemologia crítica, pois, tem por objetivo essencial interrogar-se sobre a responsabilidade social dos cientistas e dos técnicos. Essa interrogação torna-se hoje uma das questões cruciais de

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nossa cultura. Há algumas décadas atrás, nem mesmo os intelectuais mais extremistas, ousavam criticar a ciência. Diante desta situação, que é nova, os cientistas começam a reagir. E é a esta interrogação sobre a significação real da ciência que podemos chamar de “epistemologia crítica”. "Na hermenêutica jurídica temos a compreensão, a interpretação estrito senso e a crítica como os três processos necessários para a interpretação” (Regina Toledo Damião).

O trabalho do aplicador do Direito – do juiz, especialmente – pode ser dividido em duas partes: descobrir a solução legal adequada para o caso e convencer um determinado auditório de que a solução escolhida pelo intérprete-aplicador é mesmo adequada. É neste momento que a Hermenêutica Jurídica entra, pois, é com ela a compreensão de que se dá o sentido à norma. A hermenêutica jurídica, como arte da interpretação jurídica, é um processo de construção e reconstrução.

A Hermenêutica consiste em determinar o sentido e alcance da expressão jurídica.

- Em seu conceito técnico, categoremático, é um Ser.

- Em seu conceito sociológico, sincategoremático, é um Estar.

Carlos Maximiliano define hermenêutica da seguinte forma: “Consiste em enquadrar um caso concreto na norma jurídica adequada”.

- “A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos que devem ser aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito”.

- “Interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta”.

Clóvis Bevilacqua define hermenêutica da seguinte forma: “É revelar o pensamento que anima suas palavras”. Algumas regras elaboradas por Alexandre Alvares, constantes nas lições de Clóvis B.:

“1º. Quanto aos institutos inalterados, deve o interprete aplicar as regras jurídicas tais quais o legislador as ditou, e seguir o processo tradicional da interpretação, mas, respeitando o texto legal, deve dar-lhe o sentido mais conforme ás exigências atuais.

2º. Quanto aos institutos parcialmente modificados, a interpretação deve seguir a nova tendência que neles se manifesta e que se revela, claramente, nos fatos.

3º. Se o instituto se transformou inteiramente, as relações jurídicas devem ser interpretadas segundo sua feição atual.

4º. Se o instituto foi criado após o aparecimento de uma determinada lei ou de um código, não deve ser explicado á luz de uma ou de outro, mas sim á luz dos princípios contemporâneos.”

Para Hans Kelsen, a interpretação da lei gerada pela a Ciência Jurídica possui apenas o condão de regular as várias interpretações que poderá se dada à norma jurídica em suas diversas aplicações, “[...] pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas” (KELSEN, 2009, p. 395). Neste sentido, depreende-se que as interpretações advindas da Ciência Jurídica tem um papel secundário com vista aquela realizada pelos operadores do Direito, isto porque o intérprete autêntico da norma jurídica é quem vai determinar qual a interpretação adotada entre

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as fornecidas pela Ciência Jurídica, tendo em vista que esta ação é um mero ato de vontade. A interpretação jurídico-científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica. Como conhecimento do seu objeto, ela não pode tomar qualquer decisão entre as possibilidades por si mesma reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito.

E ainda, a interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria direito. Na verdade, só se fala de interpretação autêntica quando esta interpretação assuma a forma de uma lei ou de um tratado de Direito Internacional e tem caráter geral, quer dizer, cria Direito não apenas para um caso concreto mas para todos os casos iguais, ou seja, quando o ato designado como interpretação autêntica represente a produção de uma norma geral. Mas autêntica, isto é, criadora do Direito é a interpretação feita através de um órgão aplicador do Direito ainda quando cria direito para um caso concreto, quer dizer, quando esse órgão apenas crie uma norma individual ou execute uma sanção. (KELSEN, 2009, p. 394).

Desta forma, a teoria de interpretação criada por Kelsen busca eliminar a relativa indeterminação existente na interpretação do Direito a partir da vinculação da escolha de uma entre muitas interpretações possíveis determinadas pela Ciência Jurídica, visto que esta interpretação é um ato de vontade do órgão aplicador do Direito. Entretanto, o autor não determina um método de interpretação que possibilite ao interprete autêntico chegar a uma única interpretação certa. Este fato decorre, segundo Kelsen, da indeterminação não intencional, não observada pelo órgão legislativo, mas objeto da descrição minuciosa da norma jurídica das possíveis situações fáticas no cotidiano da vida privada. Kelsen chega à conclusão de que determinar qual a interpretação será a mais correta não é papel da Teoria do Direito, mas da Política do Direito, uma vez que o juiz é livre para escolher, entre as várias opções de interpretação que a Ciência Jurídica determina para a melhor adequação da interpretação.

Características da Hermenêutica

É a busca do significado e alcance das normas jurídicas. Permite ao intérprete encontrar a solução mais adequada para aplicação do Direito e fornecer-lhe argumentos “válidos” para sustentar sua decisão; É o argumento gramatical.

A análise deve envolver todos os princípios contidos na norma, e não apenas um isoladamente. Quase sempre a doutrina fala em métodos, processos, elementos ou formas de interpretação, para referir-se às ferramentas hermenêuticas;

Todo Fato e Lei são passíveis de interpretação, considerando tratar-se de fenômenos sociais e jurídicos. A compreensão dos sistemas de ideias a respeito da interpretação do Direito pressupõe alguma noção sobre a evolução da história do Direito;

Na análise do texto legal, busca-se conhecer o sentido que ele expressa. Tenta-se encontrar para o texto, um sentido que faça sentido, de acordo com o argumento lógico;

Manifesta-se pela linguagem, e com ela constrói um mundo de interpretação.

Deste modo, ao interpretar uma norma jurídica, o jurista (sujeito) terá a compreensão desse objeto, desse fenômeno jurídico, mediante um instrumento que irá proporcionar essa compreensão. Tal instrumento é a linguagem. Note-se, entretanto, que a linguagem, como instrumento para a compreensão e interpretação não é um terceiro elemento, um ente à parte nessa relação sujeito-objeto, mas condição de possibilidade de interpretação da norma jurídica.

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 Métodos de Interpretação Jurídica

Consoante Sílvio Rodrigues, a classificação é um procedimento lógico, por meio do qual, estabelecido um ângulo de observação, o analista encara um fenômeno determinado, grupando suas várias espécies conforme se aproximem ou se afastem umas das outras. Sua finalidade é acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre as múltiplas espécies, de maneira a facilitar a inteligência do problema em estudo.

Os processos de interpretação são também chamados elementos de interpretação, métodos ou modos de interpretação, fases ou momentos da interpretação ou critérios hermenêuticos. Constituem os recursos de que se vale a atividade interpretativa para atingir seus objetivos; são regras técnicas que visam à obtenção de um resultado as quais convergem para solucionar os problemas de decidibilidade dos conflitos.

Método literal, gramatical ou filológico

Para João Baptista Herkenhoff, esse momento ou processo estabelece o sentido objetivo da lei com base em sua letra, no valor das palavras, no exame da linguagem dos textos, na consideração do significado técnico dos termos. Este processo de interpretação deve perseguir o conteúdo ideológico dos vocábulos, descobrir o que de subjacente existe neles, com vistas a uma compreensão semântica das palavras usadas na lei posto que nem sempre a palavra é fiel ao pensamento, afora as impropriedades de redação, frequentes nas leis.

Entretanto, apesar de indubitavelmente, ser o primeiro passo a dar na interpretação de um texto é necessário colocar seus resultados em confronto com os elementos das outras espécies de interpretação uma vez que por si só é um critério insuficiente porque não considera a unidade que constitui o ordenamento jurídico e sua adequação à realidade social.

Hermes Lima aduz, em sua designação de método literal, que as palavras são um limite à interpretação, que, por sua vez, não pode substituí-las embora haja, muitas vezes, a necessidade de esclarecê-las pela riqueza ou volubilidade semântica que apresentam.

Método lógico ou racional

Tal critério baseia-se na investigação da ratio legis, que busca descobrir o sentido e o alcance da lei sem o auxílio de qualquer elemento exterior, aplicando ao dispositivo um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à lógica geral. Funda-se no brocardo – Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou seja, ali onde está o racional está a correta disposição legislativa.

Procura a ideia legal que se encontra sub litteris, partindo do pressuposto de que a razão da lei pode fornecer elementos para a compreensão de seu conteúdo, sentido e finalidade haja vista que numa lei, o que interessa não é o seu texto, mas o alvo fixado pelo legislador. A ratio legis consagra, necessariamente, os valores jurídicos dominantes e deve prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando em oposição a este.

Também Carlos Maximiliano censura o processo afirmando que, da preocupação de reduzir toda a Hermenêutica a brocardos, a consequência é multiplicarem-se as regras de interpretação, gerando a sutileza, incompatível com a segurança jurídica pretendida.

Método sistemático ou orgânico

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A interpretação sistemática é responsável pela unidade e coerência do ordenamento jurídico porque interpreta a norma à luz de outras normas e do espírito do ordenamento jurídico, o qual não é a soma de suas partes, mas uma síntese delas, procurando por isto, compatibilizar as partes entre si e as partes com o todo.

Esse método considera o caráter estrutural do Direito, pelo que não se interpreta isoladamente as normas. Recorre-se ao Direito Comparado, ou seja, confronta-se o texto sujeito a exegese, com leis congêneres de outros países, especialmente daqueles que exerceram influência na construção do instituto jurídico que se investiga.

Método histórico ou histórico-evolutivo

A interpretação histórica, proposta como método primeiramente por Savigny, é a que se faz à luz da occasio legis – circunstância histórica da regra interpretanda – e da origo legis – origem da lei, remontando às primeiras manifestações da instituição regulada, sendo feita pelo exame da evolução temporal de determinada instituição ou instituto, até que se chegue à compreensão da norma que o regule na atualidade.

Baseia-se este processo na investigação dos antecedentes da norma; pode referir-se ao histórico do processo legislativo ou aos antecedentes históricos e condições que a precederam e nessa interpretação entra também o estudo da legislação comparada para determinar se as legislações estrangeiras tiveram influência direta ou indireta sobre a legislação que se deve interpretar.

Esclarece Herkenhoff que aqui se leva em conta as ideias, os sentimentos e os interesses dominantes ao tempo da elaboração da lei porque a lei representa uma realidade cultural que se situa na progressão do tempo: uma lei nasce obedecendo determinadas aspirações da sociedade ou da classe dominante da sociedade, traduzidas pelos que a elaboraram, mas o seu significado não é imutável, por isso é necessário verificar como a lei disporia se, no tempo de sua feitura, houvesse os fenômenos que se encontram presentes no momento em que se interpreta ou aplica a lei.

O processo histórico-evolutivo considera que a lei não tem conteúdo fixo, invariável, não pode viver para sempre imobilizada dentro de sua fórmula verbal, de todo impermeável às ações do meio, às mutações da vida. Tem de ceder às imposições do progresso, de entregar-se ao fluxo existencial, de ir evoluindo paralela à sociedade e adquirindo significação nova, à base das novas valorações.

O intérprete busca descobrir a vontade atual da lei e não a vontade pretérita do legislador, vontade que deve sempre corresponder às necessidades e condições sociais.

Método teleológico

Esse processo funda-se na interpretação da norma a partir do fim social a que ela se destina. Por isso também a denominação por alguns autores como interpretação finalística uma vez que visa a descoberta dos valores a que a lei tenciona servir.

A lei não explicita os interesses que defende, nem as valorações que a fundamentam. Cabe ao hermeneuta pesquisá-los com vistas a descobrir a finalidade da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática, assegurando a tutela do interesse, para a qual foi estabelecida, ou de outro que deva substituí-lo.

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Na concepção do mestre Miguel Reale, toda interpretação jurídica é teleológica: funda-se na consistência axiológica do Direito. Nessa perspectiva oferecida pela teoria do valor e da cultura, com brilhantismo ele diz que:

“Fim da lei é sempre um valor, cuja preservação ou atualização o legislador teve em vista garantir, armando-o de sanções, assim como também pode ser fim da lei impedir que ocorra um desvalor. Ora, os valores não se explicam segundo nexos de causalidade, mas só podem ser objeto de um processo compreensivo que se realiza através do confronto das partes com o todo e vice-versa, iluminando-se e esclarecendo-se reciprocamente, como é próprio do estudo de qualquer estrutura social.”

Método sociológico

Para Glauco Barreira Magalhães Filho, a interpretação sociológica abre o ordenamento jurídico para a realidade social através de três objetivos: eficacial, atualizador e transformador, sendo que por intermédio do seu primeiro objetivo, a interpretação sociológica confere aplicabilidade à norma em relação aos fatos sociais por ela previstos, dando-lhe eficácia.

O segundo objetivo é aquele ligado à atualização da interpretação o que seria uma interpretação histórico-evolutiva dotando de elasticidade a norma, permitindo que ela abranja situações novas que não puderam ser previstas pelo legislador.

Por fim, o objetivo transformador da interpretação sociológica refere-se às reformas sociais, à satisfação dos anseios de justiça, ao atendimento das exigências do bem comum.

Na opinião de C. H. Porto Carreiro, para que a interpretação sociológica alcance seus resultados deve indagar os motivos primários que ditaram a feitura da lei, os interesses protegidos pela norma, a forma que se deu a essa proteção e a maneira pela qual deve ela funcionar. Tal processo visa perscrutar a lei como um produto orgânico que tem capacidade de evoluir por si mesma, segundo a possibilidade de evolução da própria sociedade e precisa ser reformulado em termos de uma Sociologia integral e completa, à base de uma realidade dialética.

Resultados da Interpretação Jurídica

Interpretação declarativa

Hermes Lima postula que a interpretação declarativa é resultado das interpretações lógica e gramatical e que nela se procura fixar o sentido da lei e ainda, que ela pode ser restrita ou lata, conforme se entender o sentido das expressões, mas na dúvida deve-se preferir a que menos se desvie do direito regular.

Enquanto que para Glauco Barreira Magalhães Filho é aquela na qual há uma identificação entre o espírito da lei e a letra da lei. O sentido gramatical primário da lei coincide com o sentido condicionado por outros fatores. Nesta, o legislador prescreveu textualmente, com exatidão, aquilo que tencionava.

Interpretação extensiva

A interpretação é extensiva quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais amplo do que indicam os seus termos e então diz-se que o legislador escreveu menos do que queria dizer, por isso o intérprete terá que ampliar o sentido da norma.

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Esta se distingue da analogia em razão de ela ser uma espécie de interpretação e a analogia ser meio de integração do ordenamento jurídico. A interpretação extensiva parte de norma existente enquanto a analogia parte da inexistência de norma. A primeira resolve um problema de insuficiência verbal e a última, um problema de lacuna do ordenamento jurídico.

Interpretação restritiva

Aqui o intérprete vê-se forçado a restringir o sentido da lei a fim de dar-lhe aplicação razoável e justa posto que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia.

A interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal.

A Teoria dos Valores

Torna-se cada vez mais perceptível, entre os estudiosos do direito, uma preocupação em apresentar os conceitos e conhecimentos teóricos abordando sempre a realidade prática, aliando, desse modo, o saber prático e o saber teórico. Tal preocupação surge, justamente, porque o conhecimento jurídico não é estático, muito pelo contrário: o direito é um fenômeno que se encontra inserido dentro de um determinado contexto histórico, político, cultural e econômico. Assim, o direito sofre diretamente a influência de sua época, que elege suas principais preocupações, selecionando interesses e valores de sua sociedade que, dentro desse contexto, merecem maior proteção. Considerando, desse modo, a inegável complexidade da estrutura social moderna, não é errado afirmar que muitos questionamentos jurídicos apresentados atualmente exigem soluções inovadoras, o que torna cada vez mais necessária uma abordagem interdisciplinar e uma compreensão mais profunda da realidade, o que obriga o estudioso a concentrar seus estudos teóricos levando em conta, sempre, a complexidade da realidade posta. Nesse sentido, a mera apresentação da teoria, destituída de qualquer preocupação prática, torna o discurso vazio e demagógico; a mera análise da realidade sem qualquer preocupação teórica destitui de fundamentos as possíveis conclusões. Para que se torne possível, portanto, uma abordagem completa de cada tema proposto, indispensável situar os conceitos, as teses e estudos dentro da nossa realidade prática, dentro de nosso contexto atual, através da análise dos fatos e, mediante tal análise, a formulação da teoria. E, para isso, torna-se necessária uma inicial compreensão do papel dos valores, de uma teoria dos valores que possibilite essa ponte entre a teoria e a realidade, consolidando o conhecimento jurídico dentro do mundo fático.

O direito possui caráter instável (na medida em que reflete o contexto no qual se encontra inserido), sendo necessário repensar a efetividade do discurso de matriz meramente positivista. Se pensarmos na complexidade da sociedade atual, resta evidente que o Direito posto, normativo, positivado, é insuficiente para responder aos novos (e sempre passíveis de renovação) anseios dessa sociedade dinâmica, que está sempre produzindo novas situações que simplesmente não puderam ainda ser normatizadas (quer em razão de uma incompreensão momentânea acerca de determinado tema ainda não debatido em sociedade, quer em razão, simplesmente, da impossibilidade de se prever e regular todas as condutas dessa sociedade complexa).

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Como aponta Miguel Reale: “O que mais impressiona no processo criativo do Direito é a aderência ao concreto, a vivência do justo, não em abstrato, mas inserido no processo histórico-social (...)”.

Desse modo, a simples compreensão da norma, destituída da compreensão dos valores, não nos permitiria ter uma visão completa dos fatos o que, de certo modo, inviabilizaria a efetiva concretização e realização dos direitos previstos. Resta evidente a importância de uma abordagem que leve em consideração toda a bagagem histórica, possibilitando o pensamento a respeito das escolhas valorísticas realizadas em cada período.

Esta “incompletude” de compreensão não é constatada apenas quando tratamos de fatos novos (tais como questões envolvendo bioética e biodireito) mas ocorre também quando buscamos análises a respeito de matérias tais como função social do contrato e do direito de propriedade (temas que encontram tutela legal no nosso ordenamento desde os primeiros códigos e ordenamentos) apresentando-nos uma série de questionamentos que não são resolvidos com a simples consulta à norma posta. Para responder a tais perguntas entendemos ser imprescindível uma abordagem valorística dos fatos e situações trazidos, que deverão ser analisados desde que situados dentro da realidade posta e considerando o caso concreto, feitas as necessárias ponderações de valores. Não se busca, todavia, simplesmente rejeitar toda e qualquer normatividade positivada. Trata-se apenas de ajustar um novo enfoque a respeito da realidade buscando, através de uma retomada a respeito da compreensão da teoria dos valores, trazer novas soluções para os problemas jurídicos modernos.

A Teoria dos Valores caracteriza uma forma de se entenderem os conceitos de incidência e interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras e princípios, além de conceitos como igualdade, liberdade e justiça. Esta corrente é amplamente citada em inúmeras fontes, de diversas origens.

Uma das dificuldades da teoria dos valores está em que suas diversas escolas não estão ainda de acordo, e não empreenderam um trabalho de equipe, visando a uma síntese construtiva. Em segundo lugar, a dificuldade da conceituação está também em que tal síntese deve abranger todos os valores e estes apresentam uma imensa dispersão: a honra, o dinheiro, o belo, o dever, o direito etc.

Diante disto, conceitua-se valor, primeiramente, como a ‘não diferença’ de alguma coisa para um sujeito ou uma consciência motivada ou incentivada; em segundo lugar, como uma relação, um produto entre o sujeito dotado de uma necessidade qualquer e um objeto ou algo que possua uma qualidade ou possibilidade real de satisfazê-lo.

Há dois sentidos principais na Teoria dos Valores:

No sentido Econômico, o valor é medido pelo preço. Ele decorre na relação entre a utilidade e a quantidade disponível do bem, do qual resulta que, quanto mais escasso o bem mais ele tem valor. O valor neste sentido se reflete no preço e é o que predomina no mercado, em que nos deparamos cotidianamente.

No sentido de Atribuições, o valor é dito como preferência. Como ensina a Axiologia, a aceitação ou não, a apreciação ou, em suma, a avaliação de qualquer objeto, toma o valor como critério subjetivo, intersubjetivo ou objetivo de avaliação. Desta forma, o valor como critério de avaliação de um objeto vai refletindo, do ponto de vista ideal, a convergência das tendências

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históricas, sendo esta a razão pela que os valores ou, pelo menos, a escala de suas aplicações preferenciais, mudam com tempo e no espaço, de conformidade com a constituição cultural. Outro aspecto, do ponto de vista cultural, é que os valores têm apresentado uma forma de manifestação bipolar e, assim, comportam necessariamente, na percepção de cada sociedade, componentes positivos e negativos: éticos / antiéticos, justos / injustos, honestos / desonestos.

Valores são os atributos conferidos e concedidos pelo Ser Humano. Consistem em qualidades subjetivas que se encontram na realidade cultural e que são atribuídas aos objetos dessa mesma qualidade. São características são as seguintes:

O Valer, no campo Ontológico, é o Ser; no campo axiológico, é o Valer. Os objetos naturais são; os objetos culturais, valem;

Subjetividade significa que depende das preferências individuais. Valor é algo subjetivo, é interesse;

A Dependência ocorre porque existe necessariamente a aderência de um valor a uma coisa. Os valores fazem referência a um ser, ou seja, constituem predicações;

Polaridade, porque é dotado de 2 pólos: um só Juízo de valor pode levar a 2 conclusões diferentes;

Intersubjetividade, porque só acontece entre pessoas.

Para o Direito, a conduta não somente é, sentido de existência, mas também vale, a conduta jurídica já consagra determinados valores; o ordenamento jurídico, formal, já representa a realização desses valores.

O autor Miguel Reale em sua obra “Filosofia do Direito” 39 trata, em seu título III, das noções de ontologia e de axiologia, traçando um histórico introdutório da Teoria dos Objetos, localizando o Direito como objeto cultural (diferente, portanto, dos objetos naturais físicos, psíquicos ou ideais pois o Direito seria próprio da atitude humana, não sendo mera expressão física ou psíquica). O autor apresenta, ainda, os valores e o mundo do dever ser, retratando as características do valor (historicidade, bipolaridade, implicação recíproca, preferibilidade, referibilidade e realizabilidade) bem como a relação fundamental existente entre valor e direito. Analisa, ainda, as teorias existentes acerca do valor (considerando as explicações psicológicas, a interpretação sociológica dos valores, o ontologismo axiológico e a teoria histórico-cultural dos valores), para, após, estudar a cultura e o valor da pessoa humana sob o viés da objetividade e historicidade dos valores, observando-se a pessoa como valor fonte.

Ao abordar, no titulo VII, a realidade jurídica e o problema ontognoseológico, o autor conclui pela existência do inevitável conteúdo axiológico do direito, formulando uma crítica ao apriorismo jurídico (a priori como algo não empírico, na medida em que seria necessário impor-se “uma reelaboração dos problemas por ele postos com tanta acuidade, mas sem preocupação deliberada de encontrar no plano da consciência pura ou da subjetividade a explicação transcendental dos fenômenos jurídicos”)40 bem como objetivando uma visão além do empirismo (esclarecendo que “o espírito humano não faz mera cópia passiva daquilo que existe” conforme lições de Kant).41 Segundo Miguel Reale o Direito, a experiência jurídica, corresponderia a três elementos ou aspectos básicos que deveriam interagir de forma dialética e dinâmica: fato (em sua efetividade histórica e social), valor (aspecto axiológico – valor de justiça a ser considerado) e norma (inserido no ordenamento):

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“1) O Direito como valor do justo, estudado pela Filosofia do Direito na parte denominada Deontologia Jurídica, ou, no plano empírico e pragmático, pela Política do Direito;

2) O Direito como norma ordenadora da conduta, objeto da Ciência do Direito ou Jurisprudência; e da Filosofia do Direito no plano epistemológico;

3) O Direito como fato social e histórico, objeto da História, da Sociologia e da Filosofia do Direito na parte da Culturologia Jurídica.”

Considerando, desse modo, a teoria tridimensional do Direito proposta por Reale, aliada ao fato de que compete a cada sociedade, dentro de determinado período histórico, eleger sua “tábua de valores”, temos que a validade do Direito tem como base (e, porque não como pilar) a extração da realidade considerando o fato, a norma e o valor em sua totalidade. Apenas através desse trinômio seria possível a efetivação dos direitos e a realização concreta da justiça.

Diversas são as discussões e teorias objetivando explicar a natureza do valor. Esclarecemos anteriormente que o Direito estaria inserido na categoria de objeto cultural (objeto feito, transformado, que sofreu a ação do homem), sendo, portanto, passível de ser verificado (ou posto) como objeto de conhecimento na medida em que como objeto cultural, as valorações sobre ele realizadas (considerando os questionamentos jurídicos oriundos da vida real) teriam direta influência sobre a sociedade. A diferenciação que podemos verificar entre o objeto cultural e os demais objetos surge no sentido de que o objeto cultural possui uma estrutura dúplice formada de substrato e sentido. Assim, é possível valorar o objeto cultural, na medida em que o mesmo, a partir da interferência humana, passa a ter uma finalidade, um objetivo, pois toda conduta humana tem como pressuposto um determinado fim, a realização de certo valor.

Nesse sentido, quando um homem produz uma determinada obra de arte, ele busca valorá-la esteticamente, considerando o conceito valorístico de belo de sua própria época (já que o valor belo, a compreensão de beleza, assim como as demais concepções valorísticas, são adequadas a cada período histórico-cultural); transpondo tal conceituação para a área do Direito, o magistrado, ao produzir uma determinada sentença – objeto cultural – elege entre os valores de sua época, aqueles valores que entende primordiais, buscando, desse modo, alcançar a justiça - finalidade básica do direito. O magistrado deverá, ao analisar o fato, preencher seu discurso agregando conteúdo de valor à norma posta, pois uma decisão jurídica (de forma bastante simplista) nada mais é que a realização de uma escolha, de uma opção (ainda que fundamentada) dentre as diversas opções possíveis.

Não seria equivocado afirmar, portanto, que todo objeto cultural possui determinada finalidade (conforme um rol de valores eleitos à época) e, possuindo essa finalidade, torna-se passível de verificação valorativa. Tal verificação valorativa, todavia, não é um procedimento simples, pois o valor é uma entidade complexa na medida em que será preenchido de conteúdo considerando sempre o contexto no qual encontra-se inserido, como explicitado acima, o que explicaria, de certo modo, a alterabilidade dos padrões de valores em cada época. Cabe indagar, ainda, dentre tantas possibilidades, dois questionamentos que entendemos primordiais para o trabalho em questão: o valor seria um objeto metafísico, presente apenas no mundo de dever ser, representando um ideal imaginado ou o valor seria um objeto do mundo, nele inserido? E ainda: é possível eleger um valor fundamental, basilar, ou todos os valores, dependendo da situação fática, podem ser valorados? Muito embora certos autores tenham defendido a tese de que determinados valores poderiam ser caracterizados como valores fundamentais (o valor à vida é frequentemente citado como valor basilar) resta certo que os valores não possuem validade

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universal porque elementos de uma ordem social e histórica reconhecidamente mutável. Diante de determinadas situações, até mesmo o valor à vida é posto em questionamento (quando tratamos, por exemplo, de questões penais envolvendo legítima defesa, ou, ainda, quando temos dois valores à vida em questão, no caso de uma gravidez com risco de vida à mãe).

No que se refere à localização dos valores no plano do ser ou do dever ser, temos que existem teorias que defendem que os valores pertenceriam ao plano dos objetos ideais, sendo possível vislumbrá-los apenas numa perspectiva metafísica, pois o homem visaria, através dos valores, reconstruir sua identidade ideal perdida. Em que pese a argumentação apresentada, entendemos que os valores, além de serem temporais (passíveis de ponderação de acordo com o fato concreto e o contexto descrito) não se encontram apenas no mundo do dever ser, como algo a ser apenas contemplado, almejado em sonhos, ou cantado em verso e prosa. Os valores encontram-se no mundo real e possuem como finalidade uma necessidade efetiva de concretização.

Reale defende a tese de que os valores não podem ser considerados mera projeção de preferências individuais, pois quando chegamos ao mundo já encontramos estabelecida uma tábua de valores, pelo que, não criamos nossos valores, mas sim assimilamos os valores estabelecidos por um sujeito histórico mutável (situado no tempo e no espaço, entretanto jamais se subordinando a estes).

Esta necessidade de concretização valorística torna-se ainda mais evidente quando pensamos a respeito das possibilidades dentro da área do direito. A compreensão do sentido do justo ou do injusto exige do intérprete uma compreensão que vai além da mera compreensão da norma posta, sendo necessário observar, considerando sempre o caso concreto, as opções possíveis para determinado fato. A vivência e a experiência do intérprete dentro daquela comunidade serão fundamentais para que o mesmo possa realizar sua análise de um modo mais completo. É certo que o conhecimento da norma é fundamental, assim, como o conhecimento do fato; todavia, aliando o saber da norma e do fato, aos valores eleitos pela comunidade (através dessa experiência de vida) as chances de alcance do justo serão muito maiores.

Feitas tais ponderações, passaremos à análise das características dos valores para uma melhor compreensão de sua importância para a análise de situações jurídicas. 3.2 Características dos valores por Miguel Reale O valor, segundo Miguel Reale, teria características próprias e fundamentais que o diferenciariam do fato e da norma, por exemplo. Tais características seriam historicidade, bipolaridade, implicação recíproca, preferibilidade, referibilidade e realizabilidade. Como exposto em outros momentos, o valor pode sofrer alterações de acordo com o contexto histórico no qual se encontra enquadrado. Tal possibilidade confere ao valor a característica de historicidade, o que permite explicar porque, por exemplo, o conceito de belo (padrão estético feminino, por exemplo) do período medieval não corresponde ao conceito atual.

Do mesmo modo o conceito de justiça sofreu alterações significativas: se tínhamos punições mais severas (tortura, banimento, pena de morte) tais punições aos poucos foram modificadas. A sociedade passou a eleger outros valores, tais como a ressocialização do réu, a prestação de serviços ou ainda as chamadas penas alternativas, objetivando novamente inserir o infrator dentro da comunidade. Tais valores são frutos evidentes de cada período histórico e variam ainda, no mesmo período histórico, dependendo da comunidade (observe-se, por exemplo, as diferenças ainda existentes entre as sociedades orientais e ocidentais; e, mesmo se

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considerarmos as sociedades ocidentais, ainda persistem países que autorizam a pena de morte, como os Estados Unidos). Tais opções refletem aquela “tábua de valores” à qual já nos referimos, que representa o elenco valorístico culturalmente formado. Outra característica dos valores é que eles são sempre bipolares “porque a um valor se contrapõe um desvalor; ao bom se contrapõe o mau; ao belo, o feio; ao nobre o vil; e o sentido de um exige o do outro”.

Assim, só se torna possível compreender a idéia de lícito se a confrontamos à idéia de ilícito; o justo se verifica na compreensão da injustiça realizada. A própria dinâmica do direito resultaria diretamente dessa bipolaridade valorística à medida que a vida jurídica se desenvolve basicamente dessas tentativas de resolução de conflitos e desavenças entre autor e réu. Os veredictos apontam inocentes ou culpados que são penalizados ou absolvidos.

A bipolaridade leva à outra característica dos valores: possuindo uma dupla polaridade, os valores se implicam reciprocamente, “no sentido de que nenhum deles se realiza sem influir, direta ou indiretamente, na realização dos demais”. 50 Considerando, por exemplo, determinada decisão a respeito da função social de um contrato, muitos questionamentos irão surgir: deve prevalecer a cláusula contratual que prevê estritamente o cumprimento do pactuado ou outros fatores deverão ser observados? Prevalece, nesse caso, o valor econômico, ou valor ambiental, por exemplo? Resta certo, desse modo, que qualquer opção por um dos valores irá influenciar no outro valor não acolhido. Apresentamos tais exemplos, mas inúmeras são as possibilidades de conflitos entre valores, inexistindo uma única resposta solucionadora para todas as hipóteses. Caberá ao intérprete da lei, considerando todos os fatos e valores envolvidos, realizar uma ponderação buscando a melhor solução possível para aquele caso, pois “a interpretação é relação e processo inseridos na realidade histórica. A construção dos fundamentos teóricos da interpretação depende, portanto, dos valores reconhecidos relevantes no contexto histórico para determinar o sentido justo da norma”.

Esta possibilidade de optar demonstra que os valores são passíveis de preferibilidade, pois implicam sempre uma tomada de posição do homem (sendo, portanto, determinantes de condutas). A preferibilidade torna possível a preferência, a opção de escolha entre valores denotando ainda a referibilidade dos mesmos: os valores demonstram um objetivo que conduz determinada ação humana, apontando a finalidade, o sentido de cada atitude realizada. Sendo possível preferir valores em sua realização, também se torna possível a hierarquização destes valores. Ressaltamos, todavia, que tal hierarquização não será estática, inexistindo um único valor supremo e fundamental. Cada situação concreta (dentro de cada realidade com seus elementos próprios e diferenciais determinantes) exigirá nova hierarquização e nova opção de preferência o que fornecerá, para aquele caso (individualmente considerado) a resposta necessária. O intérprete da norma será conduzido a realizar, portanto, uma pesquisa em torno dos valores e finalidades capazes de traduzir a justiça naquele determinado caso.

Temos, portanto, que os valores estão inseridos num conceito de historicidade, possuem bipolaridade, implicação recíproca, preferibilidade, referibilidade, sendo, ainda, passíveis de serem realizados, concretizados dentro de seu contexto. Se toda conduta humana tem um objetivo axiológico (seja tal objetivo a realização do belo, do bom ou do justo, por exemplo), este objetivo só se tornará pleno se puder ser efetivado dentro da realidade. 53 Do mesmo modo a realização do objetivo do intérprete da lei ao buscar a efetivação do direito: “A partir do texto legal inicia-se o processo de elaboração racional que constitui o ato de interpretação e que tem por objetivo alcançar o sentido da norma que somente é determinável no processo de concretização do direito”.

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A norma jurídica (considerada objeto cultural) pressupõe uma série de escolhas valorativas que traduzirão o justo, o adequado e o correto, considerando determinada problemática proposta. Torna-se fundamental para operador do direito, portanto, o estudo do valor. Os valores eleitos possuem importância primordial no sistema de interpretação e compreensão das normas, seja para realizar o preenchimento de lacunas, seja na aplicação da analogia, da equidade, subsunção ou silogismo (técnicas interpretativas que auxiliam o operador do direito). Através da utilização do rol de valores selecionados pela sociedade é que se possibilita a efetiva concretização dos direitos previstos nas normas. E, muito além da possibilidade de prestar auxílio a técnicas interpretativas, o conteúdo valorístico realiza verdadeira ponte entre o saber prático e o saber teórico.

Justamente por tais motivos, há a necessidade de uma compreensão adequada dos valores (enquanto fundamento último da realidade humana), porque são eles que, em última instância, seriam responsáveis pela orientação das nossas conduta, atuações e opções. Ademais, a natureza sistêmica do direito permite perfeitamente essa consideração dos valores enquanto elementos (em conjunto com as normas, regras, princípios e fins) para a busca pela decisão justa. Muito embora o objetivo deste trabalho não seja apresentar uma crítica à estrutura positivista da lei, torna-se necessário destacar, como exposto anteriormente, que a norma não se resume à observância da lei. A complexidade social da modernidade exige um esforço de compreensão para além do posto, do escrito: os fatos sociais exigem uma vivência fática e valorativa do operador de direito, na medida em que o fenômeno jurídico, assim como a sociedade, é dinâmico e instável.

Como pontuado em diversas oportunidades nesse trabalho, as condições da modernidade não se igualam às condições anteriormente estabelecidas. Sendo comumente citada como uma das características da sociedade moderna o seu caráter global, resta evidente que as expectativas da sociedade passam também a ser globais. Anthony Giddens, sobre o tema, alerta o surgimento de “interdependências globalizadas” que exigem soluções muito mais complexas do operador do direito, que precisará aprender a conviver com diferentes perspectivas e visões de mundo, restando inegável a necessidade de compreensão dos valores envolvidos nos diversos cenários globais.

Passa-se assim a exigir uma nova racionalidade que torne possível não apenas responder às novas inquietudes sociais, que não puderam ser respondidas dentro de uma lógica estritamente positivista, como também efetivamente apresentar soluções possíveis para problemas tão característicos dessa nova realidade, tais como a desigualdade na distribuição de riquezas, os bolsões de miséria, o aumento da violência, as discussões econômicas globais. Parece-me muito evidente que, para análise de tais questões, inexiste simples resposta em código ou norma positivada.

Dentro dessa visão, os valores assumem então um importante papel, posto que estabelecidos em conformidade com as necessidades do próprio homem traduzindo, assim, as reais expectativas de cada comunidade (e além dela, observando os anseios globais) dentro de cada contexto considerado.

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REFERÊNCIAS

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LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito – 33. ed. – Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito – 19. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

REALE, Miguel. O Direito como Experiência: Introdução à Epistemologia Jurídica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1992. 294 p

RODRIGUES, Silvio apud MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Ob.cit.