Tensões e conflitos entre a Sociedade Civil e o Estado - Projeto de Pesquisa 2015.1 (Leandro Maia)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS 1º SEMESTRE DE 2015 (7º PERÍODO) LAB. PESQ. PROJETO DE PESQUISA PROF. FLAVIO CARVALHAES LEANDRO MAIA GONÇALVES – DRE: 112084003 SEGUNDA AVALIAÇÃO – PROJETO DE PESQUISA 1. O Tema e Sua Justificativa Tensões e conflitos entre a Sociedade Civil e o Estado Resumo: Este projeto de pesquisa parte de experiências pessoais, como alguém que registrava os problemas do bairro em fotografia, para serem publicadas, no intuito de cobrar melhorias por parte da prefeitura e dos órgãos/empresas responsáveis, assim como da população. As fotos acabaram sendo recicladas para a produção de um trabalho do 3º período da Licenciatura em Ciências Sociais, para a disciplina de Questões Sociológicas Contemporâneas, mas sua validade vai muito além. Tudo isso provocou uma reflexão, e agora, encontrando referência em Pierre Clastres, em “A Sociedade Contra o Estado”, e em outros autores, tentarei incitar alguma reflexão sobre algumas questões. Palavras-chave: Urbanismo, Sociedade, Antropologia Urbana, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Diante das mudanças ocorridas na Sociedade e no Estado ao longo dos anos, o presente estudo pretende analisar além de qualquer conceito que procure uma boa definição para as palavras Sociedade e Estado, pois, atualmente, observa-se uma crescente necessidade de responder às tantas indagações relativas aos conflitos entre os indivíduos em uma Sociedade. Nesse caso, temos, de um lado os membros da Sociedade Civil organizada e, do outro, aqueles que representam esta mesma Sociedade, só que na forma de Estado constituído. Várias definições e conceitos foram publicados a respeito dessa temática, nos 1

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Este projeto de pesquisa parte de experiências pessoais, como alguém que registravaos problemas do bairro em fotografia, para serem publicadas, no intuito de cobrar melhoriaspor parte da prefeitura e dos órgãos/empresas responsáveis, assim como da população.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

1º SEMESTRE DE 2015 (7º PERÍODO)

LAB. PESQ. PROJETO DE PESQUISA

PROF. FLAVIO CARVALHAES

LEANDRO MAIA GONÇALVES – DRE: 112084003

SEGUNDA AVALIAÇÃO – PROJETO DE PESQUISA

1. O Tema e Sua Justificativa

Tensões e conflitos entre a Sociedade Civil e o Estado

Resumo: Este projeto de pesquisa parte de experiências pessoais, como alguém que registrava

os problemas do bairro em fotografia, para serem publicadas, no intuito de cobrar melhorias

por parte da prefeitura e dos órgãos/empresas responsáveis, assim como da população. As

fotos acabaram sendo recicladas para a produção de um trabalho do 3º período da

Licenciatura em Ciências Sociais, para a disciplina de Questões Sociológicas

Contemporâneas, mas sua validade vai muito além. Tudo isso provocou uma reflexão, e

agora, encontrando referência em Pierre Clastres, em “A Sociedade Contra o Estado”, e em

outros autores, tentarei incitar alguma reflexão sobre algumas questões.

Palavras-chave: Urbanismo, Sociedade, Antropologia Urbana, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro.

Diante das mudanças ocorridas na Sociedade e no Estado ao longo dos anos, o presente

estudo pretende analisar além de qualquer conceito que procure uma boa definição para as

palavras Sociedade e Estado, pois, atualmente, observa-se uma crescente necessidade de

responder às tantas indagações relativas aos conflitos entre os indivíduos em uma Sociedade.

Nesse caso, temos, de um lado os membros da Sociedade Civil organizada e, do outro,

aqueles que representam esta mesma Sociedade, só que na forma de Estado constituído.

Várias definições e conceitos foram publicados a respeito dessa temática, nos

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apresentando essenciais reflexões a partir de pontos de vista e percepções distintas, porém

fundamentais, alcançadas por autores que, antes de qualquer coisa, eram questionadores,

pensadores e críticos de seu tempo, apresentando reflexões sobre a Política, a Igreja, o Estado,

a Sociedade, a vida; enfim, sobre tudo, sobre o mundo, tais como Maquiavel (1515), Hobbes

(1651), Locke (1690/1694/1698/1714/1764), Rousseau (1762), Weber (1917/1919), Clastres

(1974), Foucault (1976).

Para a realização deste Projeto de Pesquisa, parti, principalmente, da referência

encontrada em Hobbes, pois eu sua obra “Leviatã”, em razão de sua amplitude de abordagem

e de análise, provavelmente tenha encontrado minha principal fonte de inspiração e de

reflexão a respeito de nossa Sociedade atual, em função dos conceitos que, praticamente não

sofreram alterações significativas, e se enquadram bem na proposta deste presente trabalho.

O inglês Thomas Hobbes escreveu sobre o estado de natureza, condição social na qual

não há um Estado político instituído, representando uma constante ameaça à vida dos

indivíduos que, nessa condição oferecem perigo uns aos outros. Esse estado de constante

ameaça leva, inevitavelmente, a um estado de guerra onde todos estão contra todos. No estado

de natureza a atitude esperada para assegurar a autopreservação é a eliminação sumária da

ameaça, ou seja, a aniquilação do outro.

De acordo com Hobbes, somente a partir da instauração do Estado é que os homens

abandonam o estado de natureza e passam a viver em sociedade.

O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e odomínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemosviver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita.Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequêncianecessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um podervisível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento deseus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza que foram expostas nos capítulos décimoquarto e décimo quinto. (Pp. 136) HOBBES, T. Parte II, Do Estado, Capítulo XVII, Dascausas, geração e definição de um Estado, IN: Leviatã, ou Matéria, forma e poder de umEstado eclesiástico e civil, 2ª ed., São Paulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-primade cada autor. Série ouro; 1)

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dosestrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficientepara que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viversatisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens,que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (…) Istoé mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa sóe mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modoque é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-

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me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição detransferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feitoisto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. (Pp. 139-140)HOBBES, T. Parte II, Do Estado, Capítulo XVII, Das causas, geração e definição de umEstado, IN: Leviatã, ou Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, 2ª ed., SãoPaulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-prima de cada autor. Série ouro; 1)

Diversas pesquisas foram realizadas, e considerável material foi publicado até hoje, por

autores que se dedicaram a tratar desse tema. Embora tenham conduzido à conclusões,

descobertas e constatações as quais foram alcançadas com reconhecido esforço em se buscar

imparcialidade, por meio de métodos e critérios científicos e confiáveis, ainda assim, tais

resultados são, em certa medida baseados na subjetividade da análise de cada pesquisador.

características estas que são peculiaridades comuns a cada um que se propõe a analisar algo

que está além de seu amplo e total domínio.

Por conta disso, é possível observarmos a permanente necessidade, assim como a

considerável contribuição que uma nova pesquisa pode apresentar.

Sendo assim, surge a possibilidade de se chegar a novos esclarecimentos ou hipóteses

sobre algumas questões que envolvem a tensa relação entre Sociedade e Estado, simplesmente

por se tratar de uma relação complexa e instável, e que por natureza é acompanhada de

processos que costumam apresentar dificuldades, dependendo do contexto em que estão

inseridos, pois, a dinâmica da convivência humana permanece em transformação.

2. Delimitação do Problema da Investigação

A Sociedade contra o Estado e o Estado contra a Sociedade: conflitos que permeiam a

atual relação entre o Estado e a Sociedade Civil, a partir da amostra de Austin, Distrito

de Nova Iguaçu, RJ, Brasil.

Com este trabalho, pretendo levantar algumas questões, propondo uma reflexão sobre os

papéis do cidadão enquanto indivíduo que possui direitos e deveres, o da sociedade como uma

organização de indivíduos que compartilham normas e regras de convívio e o do Estado como

regulador e fiscalizador do indivíduo e da sociedade como um todo, tendo em vista que, o

Estado tem o papel de provedor do equilíbrio social, promovendo a igualdade de direitos e de

deveres, promovendo e incentivando a ordem e a paz social. Porém, às vezes o Estado

também exerce a função de opressor, repressor e cerceador de direitos, colaborando para o

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surgimento de tensões e conflitos que em muitos casos parecem levar ao caos social, onde

predominam a desordem e a anarquia.

O trabalho foi desenvolvido a partir de experiências pessoais de alguém que registrava

alguns problemas do bairro em fotografia, no intuito de que fossem publicadas em páginas de

jornais na internet, como uma maneira de cobrar melhorias por parte dos governos municipal,

estadual e federal, e também dos órgãos ou empresas responsáveis, assim como da própria

população local que, no lugar de maior interessada em tais melhorias, também deve cumprir

seu papel, seja fiscalizando as ações públicas e privadas, seja como atuante para que as

melhorias fossem realizadas, assim como para a manutenção das mesmas.

A princípio, as fotos de caráter jornalístico foram úteis para produzir um trabalho do 3º

período da faculdade, solicitado pela Prof.ª Renata Proença, para a disciplina de Questões

Sociológicas Contemporâneas, que tinha o seguinte tema: Cidade e vida cotidiana:

“Mapeamentos Subjetivos”. Posteriormente, fui solicitado a apresentar um artigo para o

Laboratório de Pesquisa – Redação Monográfica (uma disciplina do 6º período), sob a

orientação da Prof.ª Daniela Manica, com a possibilidade de utilizar o trabalho anterior,

adaptando-o para o formato adequado a um artigo, cujo título foi Cidade e Vida Cotidiana:

“Problemas Locais”. Austin, um Bairro Dividido.

E agora, como se fossem inesgotáveis as possibilidades sobre essa temática, venho na

tentativa de elaborar um projeto de pesquisa referente ao 7º período, para o Laboratório de

Projeto de Pesquisa, sob orientação do Prof. Flavio Carvalhaes.

Ao pensar em alguma referência que me servisse de embasamento teórico para analisar

e refletir sobre algumas questões e inquietações as quais julguei de considerável relevância,

foi quase que instantâneo recordar de um texto aplicado no 5º período da minha graduação, na

disciplina de Antropologia Política, sob orientação da Prof.ª Carmen Andriolli, que me pediu

uma resenha dele. O texto em questão é A Sociedade contra o Estado, do livro de mesmo

nome, cujo seu autor, Pierre Clastres, se propõe a analisar as investigações do autor no âmbito

da Antropologia Política, sendo bem profundo em suas reflexões e questionamentos.

3. Objeto e Hipóteses

Minha proposta é fazer alguma associação possível no que se refere a alguns aspectos

que me chamaram a atenção quando recordei de alguns pontos do livro que me possibilitaram

uma identificação entre algumas situações descritas por Clastres e alguns eventos

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semelhantes, os quais pude localizar ao refletir sobre o que ocorre e nossa sociedade, em

especial no meu bairro.

Durante algum tempo fui bem mais ativo no bairro, mais envolvido em exigir políticas

públicas e cobrar ações da prefeitura, mas a burocracia me frustrava. Por falta de tempo, fui

abandonando o lado jornalístico, me dedicando mais a questões sociais e de natureza religiosa

e espiritual das pessoas, e tenho visto que sou mais feliz e me sinto mais útil assim.

Talvez questões de ordem cultural possam explicar as causas dessa permanente

turbulência social entre os cidadãos e o governo. Existem lugares onde há certa ordem, onda

as demandas são atendidas, e onde encontramos um povo educado de forma diferente,

intolerante com relação à má gestão pública, intolerante contra a corrupção, e que por isso não

se contenta em apenas ter sossego, mas que procura estar sempre acompanhando o que seus

representantes estão fazendo.

Há uma falta de informação e de consciência política e social, que impede as pessoas de

atribuírem corretamente as obrigações a quem de fato é responsável. Há uma confusão que se

mistura com uma falta de ética, que assim como é encontrada nas mais altas esferas do poder,

da mesma forma é parte da cultura social, independente da classe, do lugar.

Não se pode sonhar com um lugar perfeito, de plena sociabilidade, participação política

e igualdade de oportunidades, com respeito aos direitos básicos da pessoa. Talvez haja falta de

conscientização e mobilização social, que independe de classe ou grupo. São necessárias

ações que ultrapassem fronteiras territoriais, que invadam a mente de cada um, fazendo com

que tomemos atitudes além do egocentrismo, alcançando a compreensão que faça com que

possamos ver o potencial do local onde crescemos e criamos nossas raízes, em vez de

supervalorizarmos os cartões postais, e desvalorizarmos nossa comunidade e bairro. É

verdade que, quanto mais conhecemos, percebemos os defeitos, mais acabamos enfatizando

os problemas do nosso lugar, do nosso bairro. O bairro faz parte da construção da nossa

identidade, da nossa personalidade e essência.

Afinal, as pessoas constroem a história do lugar, ou o lugar, geograficamente falando, é

que determina o curso natural das coisas, a maneira pela qual as pessoas viverão, se serão

ricas ou pobres, educadas, informadas, conscientes e atuantes. Poderia a realidade de um

bairro ser transformada a partir da construção de um viaduto, da retirada de uma passagem de

nível que corta o bairro ao meio, que divide uma região em duas, uma mais desenvolvida que

a outra, uma melhor que a outra? Será que isso, com todas as mudanças que se seguirão, como

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o fim da espera pela travessia do sinal, o fim dos congestionamentos de veículos em horário

de pico, o fim de acidentes evitáveis, seria isso suficiente para amenizar o sofrimento, dar

mais vida ao lugar, possibilitar o crescimento, uma melhor qualidade de vida da população e

minimizar conflitos entre o cidadão, os grupos sociais, o governo e as concessionárias de

serviços públicos? Bom, essas perguntas talvez sejam respondidas, talvez não.

Defendo o pensamento de que no Brasil não falta educação, de modo geral. Faltam

orientações que deveriam vir de casa, mas que não são repassadas por pura negligência,

cabendo depois colocar a culpa no sistema. Falta uma cultura de bons hábitos e de consciência

com aquilo que é público e coletivo.

Entretanto não posso deixar de considerar como de extrema importância para uma boa

relação entre a Sociedade e o Estado, o papel que este mesmo estado deve exercer. Não

apenas exercendo a autoridade que lhe é delegada, mas também atendendo à demanda da

própria sociedade, como na execução de serviços e na manutenção da lei e da ordem, visando

o pleno exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres no que diz respeito ao papel de

cada cidadão diante dos seus semelhantes e do Estado, bem como nas ações do Estado diante

de cada cidadão e da Sociedade como um todo.

É claro que pode-se pensar que de modo geral o que mais se vê é a falência do Estado

nas questões de suas obrigações para com a Sociedade. Contudo, penso que é de fundamental

valor a reflexão a que podemos chegar se considerarmos o quanto a Sociedade, seja de modo

amplo e total, seja a partir do comportamento de cada um de nós enquanto partes que formam

e que dão portanto as características que encontramos em cada Sociedade, independente do

modelo político que rege e que orienta as mudanças as quais a própria Sociedade tem o poder

de participar.

Apesar de viver em uma comunidade que faz parte de uma Sociedade civilizada, em

vários aspectos e momentos posso perceber semelhanças com aquelas Sociedades analisadas

por Clastres, como quando ele fala sobre a economia de subsistência, ou sobre o primitivo ser

preguiçoso, entres tantos outros aspectos. Ainda que uma Sociedade seja civilizada, não sendo

mais considerada como primitiva, ainda assim podemos encontrar personagens que continuam

a manter um comportamento primitivo, seja por ignorância ou por escolher uma conduta anti

social ou anarquista, desobedecendo as normas estabelecidas pela lei ou pelo contrato social

configurado de modo a contemplar ainda que parcialmente os interesses comuns a todos.

Muitos querem depender apenas das ações sociais do Estado, abrindo mão de sua

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própria busca por melhores condições de vida. Enquanto isso, outros tantos parecem

desconsiderar ou negar qualquer ação positiva oriunda das instituições ou órgãos públicos.

Encontramos tanto características civilizadas em Sociedades tidas como primitivas,

quanto percebemos o contrário. Em alguns casos a proporção de civilidade ou de barbárie é

que diferencia uma sociedade da outra, e isso não estaria necessariamente limitado a questões

econômicas, políticas ou geográficas, mas também não podemos dizer o oposto a isso.

Meu bairro apresenta vários problemas, muitos deles devido ao descaso governamental,

mas outros persistem em razão do que chamo de cultura do “fazer segundo minha própria lei”,

que leva algumas pessoas a não cuidarem do que é público e comum, assim como a não

seguirem o caminho muitas vezes burocrático para a resolução de muitas questões de interesse

comum.

Procurei trazer à tona, algumas características e aspectos que me instigaram a provocar

uma possível reflexão – com uma dose de ousadia e de imaginação –, considerando as

limitações existentes a partir dos recortes que fiz e das questões e inquietações que levantei e

dos pontos os quais eu procurei destacar, na tentativa de associar a realidade que me chama a

atenção no meu bairro com a análise reflexiva do livro de Clastres, mais especificamente no

capítulo que fala sobre a Sociedade contra o Estado Em alguns momentos ficou evidente

minha intenção de comparar o comportamento de parte da população da comunidade local

com aquele descrito por Clastres como sendo característico de uma Sociedade sem Estado, em

um lugar onde se busca não estar sob o domínio de um poder centralizador. Apesar disso, para

tentar equilibrar a balança da justiça, procuro enfatizar que trato de uma região onde existe de

fato a ação proveniente do Estado, que deixa a desejar sim, em muitos aspectos, mas que

também conta com a colaboração local, no sentido de atitudes que não caracterizam em sua

amplitude máxima um movimento rumo à ordem social.

E para concordar com o último parágrafo, volto a recorrer ao texto de Clastres:

O Estado, diz-se, é o instrumento que permite à classe dominante exercer o seu domínio

violento sobre as classes dominadas. Seja. Para que haja aparecimento do Estado é necessário

portanto que, antes dele, haja divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, ligadas

entre si por relações de exploração. (CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado

(Capítulo XI) In: A Sociedade Contra o Estado. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 197)

Em alguns trechos comparei a população local com um grupo de bárbaros, falando

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sobre a falta de consciência sobre o cuidado com o patrimônio público e com tudo aquilo que

deveria servir à população, pois se trata de bens comuns, pagos com os impostos do próprio

cidadão. Ao mesmo tempo trouxe insatisfações com relação ao papel do Estado.

Encerro afirmando que apesar de tudo o Estado se faz presente sim, ainda que de modo

precário em muitos aspectos. E ainda, reconheço que não existem apenas os maus exemplos,

pois ainda encontramos pessoas que buscam fazer sua parte, individualmente e coletivamente,

no intuito de tornar melhor não apenas sua própria condição de vida, mas o convívio social e a

própria Sociedade de modo geral.

Quando o trabalho fala sobre um bairro dividido, isso não faz apenas alusão à questão

geográfica a respeito da divisão imposta pela linha férrea que corta o bairro, que por si só

seria razão suficiente para gerar inúmeros casos de desigualdade, pelo fato de que

normalmente encontramos um lado mais desenvolvido que o outro, seja a divisão por uma

linha de trem, seja por um rio, montanha ou muro. E por falar em muro, o que torna essa

divisão do bairro mais acentuada é o fato da localidade não possuir passarelas ao longo da via

férrea, pois a concessionária que administra a malha ferroviária não executou as obras para a

construção das passarelas e do viaduto.

Sendo assim, parte da população se vê privada de plena liberdade de circulação, com

segurança, pois não fosse a abertura de passagens clandestinas no bairro, ao longo da via

férrea, esta separação entre os dois lados da comunidade seria ainda mais prejudicial. Existe

uma passagem de nível, onde é possível a travessia de pedestres e de veículos, mas

considerando a extensão geográfica do lugar, uma única passagem não é suficiente, pois quem

mora distante do centro se vê obrigado a andar quilômetros a pé, de bicicleta, ou a pagar pela

passagem de ônibus, pelo mototáxi ou táxi, no caso de quem não tem carro.

Esta divisão do bairro não produz somente diferenças locais ou pontuais, pois um lado

da comunidade é mais desenvolvido que o outro. Em um dos lados se concentra o comércio

mais atrativo, os supermercados, as maiores drogarias, a loteria esportiva, além de outros tipos

de comércio, enquanto do outro lado encontra-se uma predominância residencial, apesar de

que muitas pessoas abrem seu próprio negócio, sua loja ou alugam em seu próprio terreno, em

busca de maior autonomia e de uma possível ascensão econômica.

Além disso, uma divisão como essa provoca uma relação de comparação entre ambos os

lados, e em razão das diferenças que surgem e se evidenciam, aparecem as diferenças mais

significativas. Junto a diferenças geográficas, é comum que existam aquelas de ordem

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econômica, política e social, culminando com uma segregação e um distanciamento, um

estranhamento que faz com que aquilo que antes era familiar, acabe se tornando exótico, me

fazendo lembrar de Roberto Damatta em seu “Relativizando”.

4. Metodologia e Procedimentos da Pesquisa

O Estado, fundado a partir do contrato precisa, na visão de Hobbes, gozar de absoluta

soberania, ser inquestionável e ter liberdade para arbitrar sobre a vida ou morte dos cidadãos.

Não pode haver espaço para o questionamento do Estado, por um motivo claro: questionar o

Estado significa questionar sua soberania. Por conseguinte, esta soberania deixaria de ser

absoluta, resultando no retorno do estado de natureza, ou seja, um estado de guerra constante.

Nesse estado, os indivíduos não mais reconheceriam autoridade absoluta por parte do Estado.

A única e real possibilidade, não de questionamento do Estado, mas de rebelião

individual, ocorre quando o Estado não cumpre sua função principal, que é preservar a vida

dos cidadãos. Apenas nessa ocasião o indivíduo que se sente prejudicado pode reservar-se da

obediência ao soberano. Esta possibilidade é dada somente de modo individual, não sendo

tolerada a união de cidadãos no sentido de qualquer reivindicação. Sendo assim, o indivíduo

lesado recuperaria sua liberdade natural.

A essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grandemultidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um comoautora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerarconveniente, para assegurara paz e a defesa comum.Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui podersoberano. Todos os restantes são súditos.Este poder soberano pode ser adquirido de duas maneiras. Uma delas é (…) quando oshomens concordam entre si em submeterem-se a um homem, ou a uma assembleia de homens,voluntariamente, com a esperança de serem protegidos por ele contra todos os outros. (Pp.140-141) HOBBES, T. Parte II, Do Estado, Capítulo XVII, Das causas, geração e definiçãode um Estado, IN: Leviatã, ou Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, 2ªed., São Paulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-prima de cada autor. Série ouro; 1)

O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cadahomem possui de usai seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de suaprópria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que seupróprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim.Por liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência deimpedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada umtem de fazer o que quer, mas não podem obstar a que use o poder que lhe resta, conforme oque seu julgamento e razão lhe ditarem. (Pp. 107) HOBBES, T. Parte II, Do Estado, CapítuloXIV, Da primeira e Segunda leis naturais, e dos contratos, IN: Leviatã, ou Matéria, forma epoder de um Estado eclesiástico e civil, 2ª ed., São Paulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a

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obra-prima de cada autor. Série ouro; 1)

Os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros (e sim, pelo contrário, umenorme desprazer), quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito. (…)Na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, acompetição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; ea terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas,mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defendê-los; e os terceirospor ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinalde desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes,seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome.Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um podercomum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que sechama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. (Pp. 104)HOBBES, T. Parte II, Do Estado, Capítulo XIV, Da primeira e Segunda leis naturais, e doscontratos, IN: Leviatã, ou Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, 2ª ed.,São Paulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-prima de cada autor. Série ouro; 1)

Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo detodo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem semoutra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e sua própriainvenção. Numa tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto; (...) não hásociedade; (Pp. 105) HOBBES, T. Parte II, Do Estado, Capítulo XIV, Da primeira e Segundaleis naturais, e dos contratos, IN: Leviatã, ou Matéria, forma e poder de um Estadoeclesiástico e civil, 2ª ed., São Paulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-prima de cadaautor. Série ouro; 1)

Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é consequência: quenada pode ser injusto. As noções de bem e de mal, de justiça e injustiça, não podem aí terlugar. Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. (…) Sãoqualidades que pertencem aos homens em sociedade, não na solidão. Outra consequência damesma condição é que não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu;só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz deconservá-lo. (Pp. 106-107) HOBBES, T. Parte II, Do Estado, Capítulo XIV, Da primeira eSegunda leis naturais, e dos contratos, IN: Leviatã, ou Matéria, forma e poder de um Estadoeclesiástico e civil, 2ª ed., São Paulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-prima de cadaautor. Série ouro; 1)

Limpeza urbana: pra que conservar, se tem quem limpe?

Deveria haver uma caçamba de lixo[a] ali. Ou não? A área é privada, pois faz parte do

terreno administrado pela SuperVia, que é a concessionária responsável pelos trens urbanos

no Rio de Janeiro. Mas, como não há uma caçamba de lixo em nenhum outro local próximo…

Alguns moradores argumentam que jogam seu lixo às margens da linha do trem porque

o caminhão de lixo não passa.

Chego a pensar que há uma cultura de fazer as coisas de modo mais conveniente. As

mesmas pessoas que fazem isso talvez sejam as mesmas que sofrem pelas consequências de

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suas próprias atitudes enquanto cidadãos, como quando esse mesmo lixo jogado ao relento é

trazido pela chuva, e a ação preventiva é substituída pela medida emergencial.

Pode o cidadão exigir melhor representação, se o mesmo dá mau exemplo? Ou será que,

independente disso, o poder público deve cumprir seu papel e dar conta da demanda? Talvez

seja algum fator cultural ou socialmente estabelecido.

O gesto de jogar lixo na rua significa um imenso desprezo com o “outro”, de acordo

com uma postagem da fundadora e editora da revista Página22, especializada em

sustentabilidade, a Jornalista Amália Safatle. Ela diz em seu blog:

Jogar lixo na rua é estar nem aí com absolutamente ninguém que não si próprio, é não dar a

mínima para o vizinho, para o coletivo, para as gerações que vêm depois – parece exagero,

mas até diria que é um dos símbolos mais banais do egoísmo humano. E um dos mais

frequentes, independente de classe social. Dizer que estava distraído piora a situação. Atesta

que a pessoa, em sua essência, age assim mesmo, a não ser que esteja vigilante ou sendo

vigiada. O seu estado '‘natural’' é o de jogar o lixo na rua. (Blog da Amália Safatle, em

http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamaliasafatle/blog/)

Valão ou canal? Mesmo com a urbanização, ainda falta a consciência de cada um

Antes da obra de canalização[b] feita há alguns anos havia um valão que por muito

tempo foi motivo de reclamações e transtornos, pela quantidade de mosquitos, que exigia

constante visita do carro “fumacê”, e pela incidência de ratos. E não era só isso. Pela falta de

dragagem, o valão era cheio de mato, o que facilitava o transbordamento.

Parte da população ainda joga seu lixo ali, em lugar de deixar no portão para o lixeiro

pegar. Mesmo quando a obra pública acontece, a cultura da má educação, aquela que vem de

casa, essa permanece.

A parte nostálgica da qual me lembro, é que na época do valão, crescia muito capim e os

carroceiros vinham cortar para seus cavalos, além do que, eu também gostava de ver a draga e

os caminhões no dia da dragagem, que acontecia de tempos em tempos. A rua ficava suja e

malcheirosa com o que vazava da caçamba dos caminhões, e as retroescavadeiras retiravam

tanto lixo e terra quanto aquela água suja, que em parte era derramada na rua.

Voltando ao problema do descaso com rios e canais, tanto por parte do poder público

quanto pela ação do homem enquanto cidadão, no caso do meu bairro, assim como nas

grandes cidades, todos estão sofrendo as consequências disso, pois a cada dia é despejado

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mais lixo, e os rios acabam se tornando esgotos a céu aberto. Em muitos casos os rios são

tratados como subprodutos da sociedade urbana, utilizados como depósito de lixo.

Cancela de Austin: A passagem de nível estaria com os dias contados

Popularmente chamada de cancela a passagem de nível1 de Austin não tem uma cancela,

possui apenas o sinal sonoro e luminoso. Na foto[c], o funcionário da concessionária apareceu

somente depois do acidente acontecido, e acompanha o dono do carro, que tenta retirar do

local o veículo abalroado pela composição, e o policial do destacamento, que registra a

ocorrência.

Enquanto é latente a necessidade de medidas urgentes, a concessionária (SuperVia)

promove em seu site uma campanha de conscientização e informação sobre a segurança nas

passagens de nível2. Será que isso bastará, ou será suficiente, para reduzir o número de

acidentes?

Passagem de nível: Uma situação de risco

Poderia ser apenas uma exposição ao ar livre, supondo que atualmente não ocorressem

mais acidentes desse tipo, mas como acidentes entre trem e automóvel ainda são uma

realidade, poderiam utilizar o trem e o carro para fazer um protesto, uma intervenção urbana

contra o sucateamento das ferrovias, em especial no caso da SuperVia, que presta um serviço

de má qualidade.

Cena como esta[d] seria vista em áreas como a Zona Sul do Rio de Janeiro? Dificilmente.

Isso acontece porque os lugares são vistos ou tratados de maneiras diferentes, dependendo se

quem olha é do subúrbio ou interior, ou se o olhar vem das áreas nobres, do governo ou da

classe mais elevada, economicamente falando. É difícil imaginar um dia em que não existirão

mais queixas, reclamações e insatisfação com relação ao Estado, quando este cumprir seu

papel e a sociedade não estiver em constantes conflitos por razões políticas ou sociais.

O fato é que as grandes cidades estão cada vez mais congestionadas por carros de todos

os tipos e tamanhos, que mal cabem nas vias “terrestres”, e em razão disso são construídos

viadutos e elevados para absorverem o tráfego que cresce a cada dia. Difícil imaginar um

grande centro urbano sendo atravessado por uma linha férrea.

1 Chama-se passagem de nível (português europeu) ou passagem em nível (português brasileiro) aum cruzamento ao mesmo nível entre uma ferrovia e um caminho ou estrada.

2 2ª edição da Campanha de Segurança nas Passagens em Nível, publicada em 16/12/2013.

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Ainda sobre a segurança nos trilhos: Enquanto não tem passarela, um muro não

pode servir de fronteira

Ainda existem regiões onde essa realidade ainda persiste, como no caso de áreas do

subúrbio e da região metropolitana do Rio de Janeiro, como Austin, onde com muita

frequência o trânsito fica parado para a passagem do trem, além do agravante de não existirem

passarelas para pedestres entre todas as estações, fazendo com que as pessoas tomem atitudes

emergenciais e perigosas, como abrir buracos e passagens nos muros que separam os bairros,

que os dividem ao meio, e que acompanham os trilhos ao longo da via férrea, trazendo riscos

e causando a morte e graves ferimentos naqueles que se arriscam a passar de um lado para o

outro da linha, já que não há passarelas suficientes para atender à população que precisa

circular entre os dois lados de um bairro ou comunidade cortada pela linha do trem.

Apesar de admitir um buraco no muro como uma intervenção urbana, que integra dois

lados de um bairro e protesta contra a segregação feita pela omissão do poder público e pela

má gestão por parte da concessionária, que não oferece alternativa de trânsito às pessoas, é

preciso alertar para o perigo de tal intervenção. A foto[e] é de uma matéria no jornal O Globo –

Rio (01/03/2010), e que foi elaborada a partir de um texto em uma de minhas páginas online

(site e blogs), onde faço denúncias ou compartilho problemas do bairro pela internet.3.

Fizeram essa passagem pela falta de uma passarela, ou será que, mesmo com uma

passarela, as pessoas continuariam a se arriscar andando pelos trilhos, correndo perigo de

morte? Como sabemos, acontecem vários atropelamentos em vias que possuem passarela,

pela imprudência de alguns que preferem se arriscar a gastar alguns minutos na travessia de

uma passarela.

Contudo, vejo que na ausência de passarela as pessoas não podem viver isoladas das

que estão do outro lado, como na Berlim Oriental e Ocidental. No caso da linha do trem,

apesar dos riscos, enquanto se aguarda a construção de uma passagem segura, não imagino

um bairro dividido ao meio, como se fossem lugares distantes, como no caso das duas

Alemanhas.

A Sociedade contra o Estado e o Estado contra a Sociedade

Cada uma das partes deveria desempenhar seu papel, longe da perfeição, mas ao menos

na tentativa de encontrar certo grau ou nível de harmonia, onde os interesses e deveres de

3 A repórter encontrou o meu blog em uma busca sobre problemas com a SuperVia, e me telefonoupara agendar uma matéria comigo, mas que por alguma razão acabou não acontecendo.

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cada um não gerassem conflitos tão grandes ao ponto de causar grandes turbulências no

relacionamento entre o indivíduo e seus pares, da mesma maneira que não deveriam

desestabilizar a relação entre o Cidadão, a Sociedade e o Estado. Isto gera demanda por

estudos e pesquisas na tentativa de se alcançar o mínimo de compreensão sobre tal estrutura.

É difícil realizar uma análise ou reflexão imparcial, empírica e com uma essência de

neutralidade. Digo isso com relação a escrever sobre uma realidade que faz parte do nosso

cotidiano, que em razão de nossas experiências nos leva naturalmente a tomar posição diante

dos fatos, dificultando o exercício sistemático da etnografia, a prática da Sociologia e a

atividade de pesquisa e escrita científica.

Entretanto, vejo meu trabalho como uma experiência de introdução efetiva no universo

acadêmico e sociológico. Ousarei me fazer compreensível na tentativa de fazer uma

comparação, uma associação, entre minha realidade local, com seus problemas sociais,

urbanos e de ordem política, com referenciais teóricos escolhidos para esta produção.

Trago um trecho do livro que me serviu de base teórica para uma reflexão sobre o

comportamento da minha comunidade.

Às vezes, parece mesmo que somos ou que estamos contra o Estado, assim como

também existem motivos ou razões para pensarmos que o Estado é contra nós. Digo isso pela

impressão de que não temos o hábito e a prática de nos submetermos às normas sociais

estabelecidas no que se refere ao cumprimento do contrato social, que implicaria na

conservação e na manutenção do patrimônio público e na atitude de reivindicar nossos

direitos e as obrigações que são atribuições do Estado e do Poder Público, na forma da lei:

As sociedades primitivas são sociedades sem Estado: este juízo de facto, em si próprio exacto,

dissimula na verdade uma opinião, um juízo de valor que impede à partida a possibilidade de

construir uma antropologia política como ciência rigorosa. O que de facto é enunciado é que

as sociedades primitivas estão privadas de alguma coisa – o Estado – que lhes é, como para

qualquer outra sociedade – a nossa por exemplo – necessária. Estas sociedades são pois

incompletas. Elas não são completamente verdadeiras sociedades – elas não policiadas –,

subsistem na experiência talvez dolorosa de uma carência – carência do Estado – que elas

tentariam, sempre em vão, preencher. (CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado

(Capítulo XI), IN: A Sociedade Contra o Estado. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 183)

Uma das associações possíveis com esse trecho do livro de Clastres é o fato de minha

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comunidade se encontrar sem a devida atenção das autoridades públicas constituídas.

No caso da polícia, além do efetivo insuficiente para a demanda local, há desconfiança e

falta de credibilidade junto aos moradores, em razão de situações como a conivência com a

criminalidade e o abuso de autoridade. Não bastasse isso, em muitas localidades, de fato não

existe policiamento, deixando a sensação de uma terra sem lei, onde impera a anarquia.

Em alguns casos, existe ordem, sim, mas esta é mantida pelo poder paralelo, que impõe

suas próprias regras e normas, e nesse caso a comunidade se vê obrigada a seguir tais regras,

não por consciência da cidadania, mas simplesmente por uma questão de sobrevivência.

Por natureza, o homem é antipático à ordem que rege uma sociedade civilizada. O que

leva os indivíduos a não se submeterem às regras de manutenção do equilíbrio? O que

possibilita a sobrevivência deste modelo de sociedade, que perdura apesar dos conflitos e

revoluções que ocorrem através dos tempos. Mas às vezes isso também se dá pela dificuldade

de uma sociedade em se relacionar consigo mesma e com o poder, muitas vezes instituído e

constituído a partir das escolhas da própria sociedade, a partir de escolhas individuais.

5. CRONOGRAMA

MêsAtividade

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Preparação do Projeto dePesquisa

Trabalho de campo

Coleta de dados

Tratamento de dados

Pesquisa bibliográfica

Leitura

Análise e reflexão teórica

Interpretação

Redação do relatório

Revisão do relatório

Impressão

Apresentação

6. ORÇAMENTO

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Material utilizado ou consumido

Itens Quantidade Valor por unidade Valor total

Câmera fotográfica 01 R$ 600,00 R$ 600,00

Pilhas recarregáveis 04 R$ 10,00 R$ 40,00

Computador 01 R$ 1.000,00 R$ 1.000,00

Internet 12 (meses) R$ 60,00 R$ 720,00

Impressora 01 R$ 200,00 R$ 200,00

Cartuchos de tinta 02 R$ 50,00 R$ 100,00

Folhas de papel A4 500 R$ 0,04 R$ 20,00

Caneta 02 R$ 1,50 R$ 3,00

Lápis 02 R$ 0,50 R$ 1,00

Borracha 01 R$ 1,00 R$ 1,00

Apontador 01 R$ 1,00 R$ 1,00

Livros 05 R$ 30,00 (média) R$ 150,00

Total R$ 2.836,00

7. BIBLIOGRAFIA

CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado, IN: A Sociedade Contra o Estado (cap. 11,pp. 183-211), São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

FOUCAULT, M. Aula de 4 de Fevereiro de 1976, IN: Em defesa da sociedade: curso noCollège de France (1975-1976), pp. 73-96, 2ª ed., São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,2010. - (Coleção obras de Michel Foucault)

HOBBES, T. Leviatã, ou Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, 2ª ed., SãoPaulo: Martin Claret, 2012. - (Coleção a obra-prima de cada autor. Série ouro; 1)

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Projeto e Relatório de Pesquisa, IN:Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto erelatório, publicações e trabalhos científicos (cap. 4, pp. 98-134), 4ª ed. São Paulo: Atlas,1992.

LOCKE, John. Segundo tratado Sobre O Governo Civil, Petrópolis, RJ: Vozes.

MAQUIAVEL, Nicolau. Do Principado Civil, IN: O Príncipe (cap. 9, pp. 44-47), 5ª ed.Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. - (Vozes de Bolso)

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social: princípios do direito político (cap. 2, livro I –cap. 10, livro II, pp. 13-55), Bauru, SP: EDIPRO, 1ª ed., 1ª reimpressão, 2013. (EDIPRO debolso)

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Roteiro básico sugerido para a constituição do projetode pesquisa. DS – Departamento de Sociologia – PPGS – Programa de Pós-Graduação emSociologia, FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

WEBER, Max. A Política como Vocação, IN: Ciência e Política – Duas Vocações, São Paulo:Martin Claret, 2001. (Coleção: a obra-prima de cada autor)

WEBER, Max. Os tipos de dominação, IN: Economia e Sociedade (vol. 1, cap. 3, pp. 139-188), Brasília: Editora da UNB, 1999.

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Page 18: Tensões e conflitos entre a Sociedade Civil e o Estado - Projeto de Pesquisa 2015.1 (Leandro Maia)

[a]Caçamba de lixo (Foto de Leandro Maia Gonçalves) 17/02/2009

Foto publicada no jornal O Dia (o link não existe mais, por mudança de hospedagem do site)

[b]Ex-valão (Foto de Leandro Maia Gonçalves) 17/02/2009

[c]Cancela (Foto de José Eduardo de Lima) 08-02-2010

Foto publicada em 05/04/2011 em: g1.globo.com( http://g1.globo.com/platb/rio-de-janeiro-parceiro-do-rj/tag/austin/ )

[d]Olha o… trem! – Cancela II (Foto de Alexandre Vieira)

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Foto publicada em O Dia – Rio, em 11/05/2011, e também postada aqui:( http://eusouleandromaia.wordpress.com/2011/05/06/trem-bate-e-arrasta-carro-por-30-metros-

em-passagem-de-nivel/ )

[e]A queda do muro (Foto de Marta Paes)

A matéria de Marta Paes foi publicada em O Globo – Rio, em 1º de março de 2010, mas o link paraa publicação online não existe mais.