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TEMPO E CONHECIMENTO: NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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O texto foi tecido basicamente com três fios: tempo, conhecimento e narrativa e organizado em quatro momentos: a temporalidade, o tempo e o conhecimento, tempo, conhecimento e narrativa cinematográfica.
O ato de tecer seguiu os seguintes passos: no primeiro, um fio referente ao tempo, foi selecionado entre tantos do mesmo nome e a escolha recaiu sobre aquele que contém a obra de Minkowski, que é um marco nos estudos sobre esse tema. Aspectos da temporalidade foram revisitados e selecionados por serem fundamentais à compreensão desse elemento essencial na tecitura do texto.
O segundo passo foi dado pela incorporação de um novo fio, o conhecimento, que aparece muitas vezes sozinho e em outros, entrelaçado ao primeiro fio. Os fios referentes ao tempo e ao conhecimento, que foram entrelaçados para compor o texto, forneceram os primeiros elementos resultantes da articulação entre eles.
O terceiro passo trata da integração de um novo fio aos anteriores ⎯ o cinema, especialmente no que se refere à narrativa cinematográfica. Cada fio foi objeto de muita atenção em relação, especialmente, à sua especificidade, quanto ao conhecimento que contém, para que no momento de juntar‐se aos outros componha um desenho novo, harmônico e articulado.
As considerações finais ao encerrarem o artigo apresentam uma forma de compreensão preliminar da influência da narrativa cinematográfica sobre o tempo e o conhecimento. Ao ser integrado ao devir o texto será exposto aos leitores, e embora não se tenha como saber sua repercussão fica a certeza que comporá com os demais, juntamente com aqueles que estão guardados nas dobras do passado e com aqueles outros que virão do futuro, a força que faz girar eternamente a roda do conhecimento.
A TEMPORALIDADE
Os fundamentos que serviram de base para nortear a busca de respostas sobre as inquietações relacionadas ao tempo vivido e ao conhecimento foram encontrados na obra de Eugène Minkowski.
Minkowski afirma que entre o devir e o ser, entre o tempo e o espaço se escalonam em nossa vida, fenômenos de ordem espaço‐temporal que nos indicam porquê e como, o pensamento chega a assimilar o tempo ao espaço. Esses fenômenos formam dois escalões: a duração e a sucessão vividas de um lado e a continuidade vivida de outro. O laço que une estes dois escalões representa um princípio especial denominado princípio de desdobramento, cujo sentido é o passar do tempo.
Quando refletimos sobre o passar do tempo, o presente, o passado e futuro são evocados. Minkowski refere‐se a Pierre Janet para enriquecer essa reflexão, pois,
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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este, apresenta também dois escalões do tempo, mas sobre outro aspecto. Descreve o tempo em dois níveis: a forma inconsistente e a forma consistente e utiliza‐se da memória para explicá‐los por considerá‐la como algo próprio do homem e que consiste em uma conduta particular intimamente ligada à função da linguagem, ou seja, do discurso.
Para Janet, a memória não é a faculdade de conservar, reproduzir e reconhecer; de nenhum modo consiste nesta repetição trivial e automática que preside a formação de tendências e hábitos na série animal. É própria somente do homem e consiste em uma conduta particular intimamente ligada à função da linguagem. (Mimkowski, 1973, p. 3334)
Assim sendo, a origem da memória está relacionada a uma conduta social que se desenvolve a partir do momento que o ser humano descobre a vantagem de colocar sentinelas não diretamente no campo, como fazem os animais que vivem em grupo, mas fora do campo, comportamento que se utiliza da faculdade de avisar verbalmente a uma pessoa ausente ou de transmitir‐lhe uma ordem.
Dessa forma, compreende‐se o relato como o intermediário elemental da memória. Mas, a evolução vai aumentando a complexidade desse relato, dando origem primeiramente à descrição, cujo papel é transmitir ao ausente, não mais uma simples ordem, mas, toda uma situação.
O relato e a descrição relacionam‐se com objetos que persistem, pertencendo, então, à memória elemental. Isso mostra que as primeiras manifestações da memória não contêm a noção de desaparecimento do passado. A desenvolvimento da memória deu origem à narração que se apóia no passado ausente, desaparecido e tem como objetivo fazer com que os presentes experimentem sentimentos que vivenciariam se tivessem participado do fato narrado. Para atingir esse objetivo foi preciso aprender a colocar, na narração, os acontecimentos em sua ordem histórica, o que trouxe consigo um fator primordial: a relação antes e depois que gerou um novo e importante desenvolvimento da memória e do tempo. A inclusão das relações de antes e depois, assim como a justaposição ordenada e cronológica dos acontecimentos foi tão estimulante, que tornou prazeroso fazer relatos unicamente pelo prazer de narrar, dando origem à fabulação.
E assim a memória, primitivamente mesclada com a ação, se converteu pouco a pouco ⎯ porque o relato nem sempre era fácil ⎯ em um jogo, se fez inconsistente e nessa inconsistência se tem aperfeiçoado. A fabulação é, pois, o estádio da memória desenvolvida por ela mesma. (p.34)
Para a memória foi preciso sair dessa inconsistência encontrando um ponto absoluto que tornasse possível ordenar de uma maneira unívoca o passado e o futuro. Surge assim a noção de presente, que é um relato de uma ação, que fazemos enquanto estamos executando, que reúne a narração e a ação.
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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Minkowski define o agora como sinônimo de existência, pois existe apenas o agora, porque o que não é agora não existe. Não conseguimos fixar o agora, pois ele foge do nosso olhar, permitindo‐nos ver somente como se desdobra na nossa frente, dando lugar a outro fenômeno ⎯ o presente.
O presente não é um nãoagora, pois conserva em si algo dele ⎯ é um agora que se desdobrou. A característica peculiar desse fenômeno é quanto a sua duração e sua extensão, cujos limites são fluidos, flexíveis, sendo tanto o agora, como o hoje ou a época e fazendo que todas essas formas pareçam incrustarem‐se umas nas outras, mas continuando subordinadas à noção de tempo vivido.
O presente é referência para a existência do passado e do futuro.
O passado não é aquilo que desapareceu para sempre, mas é o que existe no passado ou o que já foi presente.
A forma como vivemos o passado está associada à memória, porém, quando recordamos o passado este não se desdobra diante de nós sob forma de etapas sucessivas, ele se dobra sobre si mesmo, condensando‐se ao máximo, sem, entretanto, perder a sua força. Temos, diante de nós, um passado concentrado, recolhido, do qual brota de novo o nosso impulso para o futuro. Eis aí o papel do passado: abri‐nos o futuro. É o impulso vital que contém de uma maneira primitiva, a noção de direção no tempo, que orienta nossa vida em direção ao futuro.
A atividade e a espera, o desejo e a esperança, a prece e a busca da ação ética, são os fenômenos vitais suscetíveis de dar resposta ao futuro, na medida em que constituem o fundamento e a contextura deste.
O TEMPO E O CONHECIMENTO
As sucessivas e rápidas mudanças que vêm ocorrendo nos modos de produção de bens materiais no mundo globalizado refletem‐se em todos os setores da cultura e da subjetividade. Assim, o conhecimento e a experiência humana com a temporalidade modificam‐se mutuamente, tanto nas formas de produzir conhecimento como no sentido do tempo.
No tempo da oralidade primária, a linguagem e a memória eram dois aspectos do mesmo fenômeno, e a organização temporal da narrativa representava o tempo como circular. As histórias eram contadas e recontadas, mantendo a circularidade das lembranças.
A invenção da escrita rompe com essa circularidade. Inaugura‐se um novo tempo, o tempo da escrita, tempo cronológico e linear. O conhecimento sofre uma grande mudança, pois é separado do sujeito que o produz.
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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A invenção do cinema trouxe uma grande mudança na perspectiva do tempo. O cinema (imagem e som) modifica os processos de transmissão de conhecimento dessa matriz, tradicionalmente apoiados na leitura e na escrita, a narrativa torna‐se menos racional e mais sensorial e a organização menos precisa e mais intuitiva.
O modelo de linguagem, narrativo clássico, marcou a história do cinema, pela estrutura linear e naturalista. Mas a evolução em busca de recursos que permitissem a expressão de várias possibilidades de linguagem, traçou um caminho que partiu de produções com estruturas narrativas mais simples até o uso de tecnologia de ponta, criando efeitos especiais de imagem e novas experiências de linguagem.
O cinema, baseado na simples ação, ao transformar‐se em cinema de idéias cria uma outra organização temporal, pois, sendo uma representação indireta depende da organização de imagens e sons para a expressão da temporalidade, pano de fundo para o desenvolvimento da narrativa.
As novas tecnologias ofereceram os recursos necessários para que o tempo cinematográfico rompesse definitivamente suas amarras com a noção da continuidade temporal.
Assim, como a nossa mente é capaz de registrar simultaneamente milhares de imagens e sons e somos capazes de priorizar aquilo que nossa atenção seleciona, as novas tecnologias permitem que o cinema proceda de maneira semelhante, chegando (...) à materialização do pensamento em movimento.( Mourão, 2007, p. 4)
As transformações sociais modificaram as relações do ser humano com o mundo e consigo mesmo, o que gerou a necessidade de estabelecimento de novos padrões para a compreensão do conhecimento, das relações do homem com seu próprio mundo e, conseqüentemente, consigo mesmo.
TEMPO, CONHECIMENTO E NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA
A escolha da narrativa cinematográfica como objeto de reflexão sobre sua relação com o tempo e conhecimento foi motivada pela importância do cinema como forma de criação artística, expressão da memória individual, coletiva e histórica e “antecipação” do futuro. A estrutura inicial do texto buscou explicitar os fundamentos que estão na base dessa reflexão.
O cinema (...) ritualiza em imagens, visuais e sonoras, os eventos locais que o espectador fiel deve recordar ao debruçarse sobre o passado, o presente e o futuro de sua vida. (Teixeira & Lopes, 2003, p. 10)
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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Com as gravações de filmes em DVD que podem ser alugados em lojas especializadas ou adquiridos, o cinema ganhou um grande espaço nas residências, acrescido ainda pelas “sessões de cinema” veiculadas pela TV, especialmente a cabo, com canais especializados em exibição por categorias: infantil, nacional, drama, cult, comédia, suspense, ação, arte, documentário, história e ficção, entre outras. Os filmes de longa‐metragem foram objeto deste estudo porque são narrativas, eles contam histórias, sejam elas baseadas em fatos reais ou apenas ficção.
Traçamos alguns caminhos possíveis de interrogação e análise dos impasses contemporâneos na temporalidade humana especificamente, pelo conhecimento produzido pelas imagens e sons na narrativa cinematográfica.
Vive‐se em uma sociedade audiovisual, em que o ser humano, na construção do seu currículo “cultural”, conta com a grande influência da narrativa imagem‐som para, ao longo do tempo agregar cotidianamente, de forma mais ou menos organizada, informações, valores e saberes, propiciados pela exposição freqüente a esse tipo de narrativa.
Como o discurso presente na narrativa cinematográfica faz parte da experiência temporal de milhões de pessoas, este influência na forma do ser humano aprender, sentir, julgar, pensar, conhecer e na sua relação com o tempo: presente, passado e futuro.
É importante destacar a diferença entre assistir um filme na tela grande e o mesmo na televisão. Ir ao cinema pode ser considerado um “evento”, pois é preciso sair de casa, ou do trabalho para adentrar no espaço organizado e preparado para a projeção do filme. Na maioria das vezes trata‐se de uma atividade compartilhada por uma ou mais pessoas, pois é bem menor o número de pessoas que vão ao cinema sozinhas em relação ao número das que vão acompanhadas. Pode‐se perguntar, mas, o que este dado tão banal tem a ver com tempo e conhecimento?
A resposta aparentemente simples é bastante complexa, portanto, neste artigo apresentamos sinteticamente alguns aspectos importantes para a compreensão das relações envolvidas na presente questão.
A decisão de ir ao cinema implica na organização de um tempo anterior ao evento que é preenchido por inúmeras atividades, a partir da decisão de ir ao cinema para assistir determinado filme, tais como, escolha da roupa, considerando o espaço de tempo entre a decisão e o horário da projeção do filme, definição de meio de transporte para chegar ao local, contatos com a(s) companhia(s) para combinarem o encontro, providências necessárias para que essa ruptura na organização cotidiana do tempo não traga problemas de ordem pessoal e/ou profissional.
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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Esse tempo é preenchido por atividades que fazem parte do antes, selecionadas e organizadas para que um depois possa acontecer, assim, embora estejam aparentemente dentro do presente constituem parte integrante de futuro vivido, na concepção de tempo de Minkowski. Compreender isto fica mais claro quando entendemos que nosso impulso vital pessoal contém de uma maneira primitiva, a noção de direção no tempo, que orienta a nossa vida em direção ao futuro.
A atividade é um fenômeno essencial à vida, porque tudo que vive é ativo e o que é ativo vive, faz parte do devir e não do ser, portanto trata‐se de um fenômeno de natureza temporal. A atividade na medida que não se deixa parar, fixar, limita‐se ao nosso futuro imediato.
Tão somente com minha atividade chego a criar algo, ainda que a criação não esteja ligada de uma maneira imediata com a atividade. Por outro lado, unicamente a obra parece poder separarse da atividade, sem ser absorvida por ela. (Minkowski, 1973,p.80)
A afirmação anterior ajuda a compreender que o conhecimento se dá pela atividade, até porque conhecer significa ir para frente, para além do ponto em que se encontrava, na sua compreensão, para continuar seguindo
Entre a preparação para ir ao cinema e assistir o filme existe em maior ou menor abrangência, o tempo da espera.
A espera é o fenômeno vital que se opõe à atividade A diferença entre esses dois fenômenos é que na atividade tendemos para o futuro e na espera acontece o inverso: vemos o futuro chegando té nós e esperamos que esse futuro se faça presente.
A espera contém, em si mesma, um fator de brutal detenção que torna o indivíduo ansioso, como se o devir concentrado fora do indivíduo viesse caindo sobre ele aniquilandoo, enchendoo de terror, frente a essa massa desconhecida e inesperada, prestes a engolilo. (Queluz, 2005,p.91)
Independentemente do tipo de espera, e da forma como se espera, trata‐se sempre de deixar passar certo lapso de tempo até que o esperado aconteça.
O desejo de assistir um filme, fato gerador da ida ao cinema, constitui uma das dimensões temporais do futuro vivido, na zona do futuro mediato.
No desejo a atividade é ultrapassada, porque olho mais longe em todos os sentidos. Quando o ser humano lança‐se no futuro movido pelo desejo, este se abre com maior amplitude. Como se deseja o que não se tem, deseja‐se mais do que se tem, e este é o sentido da vida.
Brinco livremente na água; por isso traço ao meu redor uma espécie de esfera de minha atividade, com limites, que são excessivamente móveis e
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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fluidos (para nosso pensamento espacial); ao mesmo tempo apropriome desta esfera, ao encontrarme em contato imediato com ela. Mas percebo ao longe um objeto que me seduz, agora sei o que está ao meu alcance e o que não está, e meu desejo, ultrapassando a esfera de minha atividade, orienta minhas forças para além dela. E a simples atividade, descuidada e alegre, se faz agora mais séria, mais grave, porque é dirigida pelo desejo. Minkowski, 1973, p.92)
O desejo de compreender, de aprender, de escrever está presente no conhecimento. A obra cinematográfica projetada sobre a tela integra um complexo muito maior e mais poderoso do que ela, diferente daquele do qual ela se originou, enquanto obra pessoal. O complexo no qual a obra se integra, ao ser oferecida ao público é o devir, que por sua vez não estático, nem morto. A obra passa a integrar algo que é infinitamente vivo e em movimento: o mundo em sua marcha. O mundo segue seu caminho com ou sem a obra, entretanto esta obra consegue marca‐lo.
Este livro em que trabalho já há alguns anos e que, como eu o sinto, contém uma parte de meu ser, uma vez terminado escapará de mim, por assim dizer, se converterá em um volume assinado por Minkowski e, se tem algum valor, exercerá influência que ignoro e que provavelmente de maneira alguma terão estado entre os motivos profundos que me levaram a escrevelo. (p.58)
Assim como foi do “escape” do livro citado que tirei os motivos para produzir esse artigo, que com certeza não estavam entre aqueles que geraram o livro em questão, o espectador será influenciado na sua maneira de estar no mundo pelos conhecimentos que absorveu do filme, da forma como os absorveu e os utilizará livremente como desejar, pois ao tomá‐los da obra os organizou dentro das categorias de tempo, que conduzem o seu caminhar rumo ao futuro.
O impacto da narrativa cinematográfica atinge o espectador de múltiplas formas e em múltiplas direções. O aspecto emocional é constantemente acionado durante a exibição, causando reações de riso, choro, entre outras, em resposta aos sentimentos que foram gerados no tempo vivido em que o espectador a experimentou medo, alegria, amor, ódio, como se estivesse dentro do filme. O aspecto cognitivo é mobilizado tanto durante a projeção como posterior a ela, pois pode levar o espectador a procurar mais informações, a compartilhar com os outros o apreendido e a construir argumentos a partir da sua experiência com o filme. Este conjunto de informações, emoções, conhecimentos e aprendizagens, aliado à experiência estética vivenciada passa e integrar o repertório humano e a ser utilizado pela memória, que por ser seletiva desdobrará seu rico conteúdo de acordo com os motivos e a busca daquele que a acessou.
Há uma dimensão temporal importante para compreender a relação tempo, conhecimento e narrativa cinematográfica, trata‐se da esperança.
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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A esperança tem um encanto especial porque ela abre amplamente o futuro diante de nós. Na esperança não espero nada nem para o instante presente, nem para o que o sucede imediatamente, mas sim para o futuro que se desdobra por detrás. Liberado das ataduras do futuro imediato, olho, na esperança, um futuro mais distante, mais amplo, cheio de promessas. A riqueza do futuro se abre agora ante meus olhos. (Minkowski, 1973, p.95)
Voltando ao nosso espectador frente á tela, assistindo um filme. Ele é, durante o tempo de projeção, o ser em cuja mente milhares de imagens e sons são registradas simultaneamente enquanto sua emoção e seus sentimentos o colocam nas diferentes dimensões do tempo vivido. Assim, diante de situações de desespero, presentes na narrativa cinematográfica, o espectador acompanha o desenrolar da ação, preenchido de esperança que aquilo que parece impossível encontre uma solução.
Esta experiência trouxe‐lhe conhecimento especialmente sobre si mesmo, porque reagiu diante de algo que lhe pareceu angustiante e que queria ver resolvido. Aprenderia isto com a vida, mas a força da imagem o colocou em situação de poder ter sobre si mesmo pistas indicativas de suas formas de reação como também do juízo de valor que teceu a partir das situações apresentadas no filme.
A prece é a dimensão tempo associada a uma profissão de fé. Caracteriza‐se como um mecanismo de defesa de nosso ser contra a ameaça suspensa tanto sobre nossa vida quanto sobre a vida em geral, e essa ameaça é tão grande que não consegue fugir da vida senão de uma forma que pareça que se a pode conservar para o futuro.
A prece tem sua afirmação na vida, e é por isso que quando esta parece estar ameaçada diante da morte, de calamidades, ou outras razões que colocam em perigo o nosso eu, e a esperança parece demasiadamente débil, oramos. (Queluz, 2005, p. 93)
O cinema de catástrofe ou a dor inerente ao cotidiano age sobre o espectador muitas vezes como anúncio do que está por vir, criando a necessidade imperiosa de proteger‐se daquilo que pode acontecer. O tempo da prece, não é aquele em que se recita uma oração decorada. Trata‐se da interiorização total vivida porque na prece me afasto do devir, recolho‐me, penetro em mim, enfim, a prece se eleva do mais profundo do meu ser.
O conhecimento advindo desse tempo, antecipado em imagens, possibilita a entrada na dimensão sagrada da existência.
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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Se tentarmos vincular a prece a um fenômeno intelectual, encontraremos apenas um que tem afinidade com ela, por menor que seja: o problema. Na prece não afirmamos nada, não fazemos nenhuma pergunta.
A busca da ação ética é o coroamento do futuro vivido, porque nela afastamos os interesses que constituem a materialidade da vida, penetramos ato o fundo do nosso ser, apagamos os nossos próprios limites, para nos apoderarmos do melhor de nós mesmos. Essa tendência para a ação ética escancara o futuro diante de nós, sendo a ação ética um fenômeno que se impõe por grandeza e não por sua freqüência.
Os fenômenos ⎯ existo, tenho, pertenço a ⎯ referem‐se, na mesma ordem às dimensões do tempo: atividade, desejo e busca da ação ética.
A atividade, o desejo, a busca da ação ética parecem determinar em torno do eu vivo três esferas ⎯ concêntricas, sendo a segunda delas mais distante que a primeira e englobando a terceira às duas primeiras, traçando em torno a elas um horizonte luminoso. (Minkowski, 1973,p.115)
Na vida, a perspectiva de nos integramos, por etapas sucessivas a formas de vida cada vez mais vastas e maiores, sem que por isso percamos nossa independência e nossa autonomia, constitui o verdadeiro elemento para o desenvolvimento de nossa atividade e de nosso esforço.
A vida vasta e ampla estendese agora frente aos nossos olhos. Vastos e amplos são também os problemas que ela nos coloca. Mas, também vasto e amplo é igualmente nosso ímpeto dirigido para eles. E com isto sentimos que nos engrandecemos. (p.122)
Na vida caminhamos para o futuro e para a morte, que são dois movimentos diferentes: o primeiro é o grande, o infinito e o segundo, o fechado, o limitado.
Entre esses dois fenômenos existe uma diferença de nível; as duas forças não se encontram no mesmo plano. Na realidade, ao invés de dizer: vou para o futuro e vou para a morte, seria mais exato dizer: a vida em mim vai para o futuro e eu vou para a morte. Esta forma é mais apropriada porque mostra como nos afirmamos em relação ao devir e o que a morte significa para nós. (Queluz, 2005,p.94)
A busca da ação ética permeia as narrativas cinematográficas, sendo alvo de reconhecimento, de gratidão e/ou de algo que incomoda aqueles que se sentem prejudicados por ela.
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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A existência humana retratada pelo cinema expõe os conflitos entre esses elementos no caminho traçado entre o nascimento e a morte, cenário de um tempo vivido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tempo de duração de um filme é muito pequeno se comparado ao seu efeito sobre as pessoas. Esse curto espaço de tempo em que um filme é visto está duplamente contaminado, por um lado pelas condições sociais do momento e do outro pela visão de mundo do espectador. Cada experiência originada pelo ato de ver um filme afetará a maneira como o espectador verá o (s) próximo(s). O conhecimento resultante da experiência com a narrativa cinematográfica vai sendo enriquecido, vai definindo escolhas, cria um novo arquivo que guardará as preferências do espectador por astros e estrelas, gêneros, diretores, entre outras, assim como as suas resistências em relação aos mesmos aspectos. A riqueza de mistura de sentimentos, emoções, informações, sons, luzes, cores, músicas, efeitos especiais, pode, dependendo do significado que teve para a pessoa, acompanhá‐la por toda a vida como um marco relacionado a algum aspecto importante da sua existência. O conhecimento gerado pela narrativa cinematográfica não pode ser reduzido ao entretenimento, pois mobiliza toda uma gama de elementos que compõem o pano de fundo sobre o qual se desenha a vida. O resultado desse conhecimento não pode ser generalizado, pois ele se dá na soma de experiências, que influência de forma positiva ou negativa o espectador.
O filme é um discurso sobre o mundo, conseqüentemente ele fala para um interlocutor.
Por lançar mão de vivências de pessoas como conteúdo desse discurso, o mundo aí retratado e do qual ele fala sinaliza estar se tratando de homens e coisas situados no tempo e no espaço, no passado e no futuro, em um lugar concreto ou em um lugar presumível. E ao mesmo tempo, essa comunicação que o filme propõe ⎯ qualquer que ele seja ⎯ oferece ao interlocutor um testemunho de algo passado ou um desafio para o futuro. De qualquer modo, sempre nos insere numa realidade que até então estava ausente da vivência do interlocutor. (Rodrigues, 2003, p.44)
A possibilidade comunicativa de um filme é enorme na medida em que não conta com apenas uma forma de linguagem, mas, com várias possibilidades comunicativas uma vez que os objetos óticos e acústicos podem ser transformados em signos, logo portadores de significação.
As linguagens, tanto orais quanto a dos objetos e das ausências se entrelaçam de modo significativo, unindo os discursos, as imagens, a música e o silêncio. No cinema o silêncio é prenhe de significação. Ele não indica ausência de sinais, não representas falta. Pelo contrário, no cinema o silêncio fala, assim como a música com o qual compõe um ambiente
GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
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discursivo fazendo parte da gramática da linguagem cinematográfica. (46)
Tal qual a música o cinema também é uma arte do tempo, ou da beleza em movimento. Diferente das artes do espaço ou da beleza imóvel, quando assistimos um filme, após o final da exibição, continuamos ligados àquela vivência da qual participamos, pois para compreendê‐la desencadeamos uma série de atos de memória coordenados, comparações instintivas e contínuas e sucessivos estados de consciência.
O filme provoca reações no espectador que podem ser classificadas em quatro, por serem mais freqüentes: sensorial que se explica pelos efeitos psicológicos e fisiológicos intimamente relacionados às imagens‐som, havendo associação entre estas e as reações corporais; emocional quando a pessoa projeta seus sentimentos no filme, que pode então associar com características humanas particulares, como por exemplo, alegria, tristeza, raiva, medo, entre outras; imagináriaassociativa quando o filme leva a uma associação de imagens visuais; objetiva quando o espectador reage de forma intelectual, fazendo comentários técnicos ou teóricos sobre o filme.
O conhecimento propiciado pela narrativa cinematográfica pode ser explicado por um processo que percorre um provável caminho. A pessoa ao assistir um filme já possui um repertório de experiências em mutação contínua, que constitui o seu mundo privado, do qual ele é o centro.
Este mundo privado é denominado por Rogers de “campo fenomênico” ou “campo experiencial”, e inclui tudo o que é experienciado pelo organismo, sejam estas experiências percebida conscientemente ou não. (Queluz, A. G., 1984, p.11)
A pessoa reage ao estímulo da forma como o vivencia e o percebe, assim, o impacto da narrativa cinematográfico é pessoal e está relacionado às características do indivíduo.
O ato de conhecer pode ser explicado pelo processo que ocorre quando a narrativa cinematográfica traz para a pessoa um conjunto de imagens‐ação inicialmente sem significado para ela e que no transcorrer da projeção vai tornando‐se familiar e finalmente adquire significado. A narrativa cinematográfica ao produzir textos que representam o pensamento e o tempo que se tornaram visíveis e sonoros, materializados em imagens‐ação, constitui‐se em uma força externa ao sujeito que torna significativos conhecimentos até então não percebidos.
As imagens sobre o futuro veiculadas pelo cinema já fazem parte do nosso repertório do presente e embora realmente não possamos ter acesso a ele, já penetramos nele, nas suas múltiplas dimensões, conhecemos os andróides e seu
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comportamento, os anjos em suas passagens pela terra, os seres de outros planetas, o planeta destruído pelas próxima guerra, vivemos o último dia do mundo e também do day after, enfim a magia do cinema que nos seduz e nos tira da mesmice do cotidiano, nos coloca em contato com todo tipo de gente, comportamento e situação. Fica tudo exposto á nossa escolha e independentemente de quem somos traremos para o self aquilo que responde aos nossos impulsos, tendências e formas de estar no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Minkowski, E. (1973). El Tiempo Vivido. México: Fondo de Cultura Economica.
Mourão, M. (2007). O Tempo no Cinema e as Novas Tecnologias.
http:/www.ciênciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v54n2/14810.pdf. Acesso em:
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Queluz, A. (2007). A Questão da Temporalidade na Educação. In Fazenda, I. A
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Papirus.
___________ (1984) A Pré Escola Centrada na Criança – Uma Influência de Carl R.
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