Tecnologias Do Cuidado - Acolhimento

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ARTIGO ARTICLE 3051 1 Programa de Pós- Graduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual do Ceará. Av. Paranjana, 1700, Itaperi. 60740-000 Fortaleza CE. [email protected] 2 Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual do Ceará. 3 Universidade Regional do Cariri. Promoção da Saúde Mental – Tecnologias do Cuidado: vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia Promotion of Mental Health – Technologies for Care: emotional involvement, rteception, co-responsibility and autonomy Resumo As relações de cuidado funcionam como dispositivos eficazes para a promoção da saúde mental e para o desenvolvimento de práticas in- tegrais. Objetiva-se analisar os dispositivos que possibilitam o cuidado em saúde mental no coti- diano do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Trata-se de uma pesquisa qualitativa de aborda- gem crítica e reflexiva realizada no CAPS do Mu- nicípio de Sobral-CE. O estudo foi submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa adequan- do-se às normas da pesquisa envolvendo seres humanos. Para a coleta de dados, realizada no período de maio a julho de 2008, foram utilizadas as técnicas da entrevista semi-estruturada e ob- servação sistemática. Os sujeitos da pesquisa fo- ram 20 pessoas, distribuídas em três grupos: gru- po I (trabalhadores de saúde mental–8); grupo II (usuários–7) e grupo III (familiares dos usuári- os–5). Após coletado, o material foi organizado e analisado pelos pressupostos da hermenêutica crí- tica. Conforme os resultados evidenciam, no coti- diano do CAPS, as relações de cuidado e seus dis- positivos (acolhimento, vínculo, co-responsabi- lização e autonomia) possibilitam a transversali- zação da prática psicossocial, (re) construindo espaços de diálogo no encontro dos trabalhadores de saúde mental, usuários e familiares na busca da resolubilidade da atenção à saúde. Palavras-chave Saúde mental, Promoção da saú- de, Cuidado Abstract Healthcare relations serve as efficient devices for the promotion of mental health and the development of comprehensive practices. This study seeks to analyze the measures that make mental healthcare possible in the daily operations of a Psychosocial Healthcare Center (CAPS). It is qualitative research adopting a critical and re- flexive approach conducted in CAPS in the mu- nicipality of Sobral in the State of Ceará. Com- plying with regulations, the study was submitted for analysis by the Committee for Ethics in Re- search adhering to norms for research involving human beings. For data gathering, conducted between May and July 2008, semi-structured and systematic observation interview techniques were used. The research subjects involved 20 people, distributed into three groups: group I (mental health workers-8); group II (users-7) and group III (relatives of users-5). The material was orga- nized and analyzed using principles of critical hermeneutics. According to the results, in the daily operations of CAPS, the relations of care and its devices (reception, emotional involvement, co- responsibility and autonomy) make the trans- versal adaptation of psychosocial practices possi- ble. The dialogues were derived from meetings of mental health workers, users and relatives in their quest for healthcare solutions. Key words Mental health, Promotion of health, Care Maria Salete Bessa Jorge 1 Diego Muniz Pinto 2 Paulo Henrique Dias Quinderé 2 Antonio Germane Alves Pinto 3 Fernando Sérgio Pereira de Sousa 2 Cinthia Mendonça Cavalcante 2

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1 Programa de Pós-

Graduação em Saúde

Coletiva, Centro de Ciências

da Saúde, Universidade

Estadual do Ceará. Av.

Paranjana, 1700, Itaperi.

60740-000 Fortaleza CE.

[email protected] Departamento de

Enfermagem, Universidade

Estadual do Ceará.3 Universidade Regional do

Cariri.

Promoção da Saúde Mental – Tecnologias do Cuidado:vínculo, acolhimento, co-responsabilização e autonomia

Promotion of Mental Health – Technologies for Care:emotional involvement, rteception, co-responsibilityand autonomy

Resumo As relações de cuidado funcionam comodispositivos eficazes para a promoção da saúdemental e para o desenvolvimento de práticas in-tegrais. Objetiva-se analisar os dispositivos quepossibilitam o cuidado em saúde mental no coti-diano do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).Trata-se de uma pesquisa qualitativa de aborda-gem crítica e reflexiva realizada no CAPS do Mu-nicípio de Sobral-CE. O estudo foi submetido àanálise do Comitê de Ética em Pesquisa adequan-do-se às normas da pesquisa envolvendo sereshumanos. Para a coleta de dados, realizada noperíodo de maio a julho de 2008, foram utilizadasas técnicas da entrevista semi-estruturada e ob-servação sistemática. Os sujeitos da pesquisa fo-ram 20 pessoas, distribuídas em três grupos: gru-po I (trabalhadores de saúde mental–8); grupo II(usuários–7) e grupo III (familiares dos usuári-os–5). Após coletado, o material foi organizado eanalisado pelos pressupostos da hermenêutica crí-tica. Conforme os resultados evidenciam, no coti-diano do CAPS, as relações de cuidado e seus dis-positivos (acolhimento, vínculo, co-responsabi-lização e autonomia) possibilitam a transversali-zação da prática psicossocial, (re) construindoespaços de diálogo no encontro dos trabalhadoresde saúde mental, usuários e familiares na buscada resolubilidade da atenção à saúde. Palavras-chave Saúde mental, Promoção da saú-de, Cuidado

Abstract Healthcare relations serve as efficientdevices for the promotion of mental health andthe development of comprehensive practices. Thisstudy seeks to analyze the measures that makemental healthcare possible in the daily operationsof a Psychosocial Healthcare Center (CAPS). It isqualitative research adopting a critical and re-flexive approach conducted in CAPS in the mu-nicipality of Sobral in the State of Ceará. Com-plying with regulations, the study was submittedfor analysis by the Committee for Ethics in Re-search adhering to norms for research involvinghuman beings. For data gathering, conductedbetween May and July 2008, semi-structured andsystematic observation interview techniques wereused. The research subjects involved 20 people,distributed into three groups: group I (mentalhealth workers-8); group II (users-7) and groupIII (relatives of users-5). The material was orga-nized and analyzed using principles of criticalhermeneutics. According to the results, in the dailyoperations of CAPS, the relations of care and itsdevices (reception, emotional involvement, co-responsibility and autonomy) make the trans-versal adaptation of psychosocial practices possi-ble. The dialogues were derived from meetings ofmental health workers, users and relatives in theirquest for healthcare solutions.Key words Mental health, Promotion of health,Care

Maria Salete Bessa Jorge 1

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Antonio Germane Alves Pinto 3

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Introdução

Por décadas, o atendimento ao doente mental noBrasil esteve ligado ao modelo centrado no hos-pital, cujo tratamento oferecido limitava-se a in-ternações prolongadas, mantendo o doente afas-tado do seu âmbito familiar e social. Nos anos1970, a modificação do modelo asilar foi discuti-da e implementada por meio de lutas e conquis-tas da reforma psiquiátrica, a qual dia-a-dia vemse consolidando nas políticas de saúde mental.Historicamente, a desinstitucionalização permeiao campo da saúde mental entre os trabalhado-res, os familiares e a comunidade em geral1.

Com o advento do paradigma psiquiátrico ea evidenciação da subjetividade no processo te-rapêutico, foi possível delinear a superação doshospícios para compor uma assistência integrale resolutiva. Tenta-se evitar, desse modo, o aban-dono das pessoas nas ruas ou por seus familia-res com vistas a propiciar um efetivo acompa-nhamento do sujeito em sua existência e em rela-ção às suas condições de vida2.

Durante muito tempo, a saúde mental cons-tituiu um campo de exclusão. Entretanto discus-sões sobre a cronificação dos pacientes, o siste-ma asilar, o modelo biomédico, a não reinserçãosocial, a violação dos direitos humanos e de ci-dadania fizeram surgir iniciativas políticas, cien-tíficas, sociais, administrativas e jurídicas. Taisiniciativas trouxeram à tona novas estratégiasvoltadas à reabilitação e à recuperação desses in-divíduos com transtorno mental, propondo avalorização do cuidar e uma nova forma de pen-sar no processo saúde-doença2.

As estratégias formuladas intentam uma res-significação das práticas e dos serviços de saúde,ainda norteados por um modelo positivista deatenção à saúde. Neste, os sujeitos que partici-pam dos encontros efetivados nos espaços dasaúde tendem a se reduzir à unidimensionalida-de conformada por uma leitura tecnocientífica,construtora de objetos, na qual um é o própriosubstrato dos recortes objetivos (o paciente) e ooutro aquele que produz e maneja esses recortes(o profissional)3.

Como propõe a literatura, o trabalho em saú-de deve ser permeado pelos encontros diversos epelas múltiplas visões na relação entre o trabalha-dor e o usuário. Mas, lembrando, a relação tera-pêutica também é constituída pela dor, sofrimen-to, vivências e percepções de vida em que os sabe-res e práticas no campo da saúde mental precisamestabelecer mecanismos para tornar evidente oselementos assistenciais, subjetivos e sociais4.

Ainda como mostra a literatura, a organiza-ção das práticas de saúde e das relações terapêu-ticas na produção do cuidado com ênfase nastecnologias leves possibilita a forma efetiva e cri-ativa de manifestação da subjetividade do outro,a partir dos dispositivos de acolhimento, víncu-lo, autonomia e responsabilização contidos nes-sa organização da assistência à saúde5.

Desse modo, exige-se a valorização das tec-nologias leves ou relacionais pelos sujeitos com-ponentes da prática nos serviços de saúde men-tal, aliada à perspectiva emancipatória de operaro cuidado conforme os pressupostos da refor-ma psiquiátrica e da atenção psicossocial.

Por suas especificidades, o trabalho em saúdenão pode ser globalmente capturado pela lógicado trabalho morto, expresso nos equipamentose nos saberes tecnológicos estruturados, pois seuobjeto não é plenamente estruturado e suas tec-nologias de ação mais estratégicas se configuramem processos de intervenção em ato. Ele operaem tecnologias de relações, de encontros de sub-jetividade, para além dos saberes tecnológicosestruturados6.

De acordo com o estabelecido, as tecnologiasem saúde são divididas em leves, leve-duras eduras. As leves compreendem as relações inter-pessoais, como a produção de vínculos, autono-mização e acolhimento; as leve-duras dizem res-peito aos saberes bem estruturados, como a clí-nica médica, a epidemiologia e a clínica psicana-lítica; e as duras são compostas por equipamen-tos tecnológicos do tipo máquina, normas e es-truturas organizacionais7.

Na prática cotidiana dos serviços de saúdedeve-se priorizar a tecnologia leve como instru-mento para atingir a integralidade e a humaniza-ção do cuidado. Essa prática pode ser fundamen-tada no acolhimento, no diálogo, no vínculo, naco-responsabilidade e na escuta ativa entre pro-fissional e usuário dos serviços de saúde. Isto por-que a integralidade está presente no encontro, naconversa, na atitude do profissional que buscaprudentemente reconhecer, para além das deman-das explícitas, as necessidades dos cidadãos noconcernente à sua saúde. A integralidade está pre-sente também na preocupação desse profissionalcom o uso das técnicas de prevenção, tentandonão expandir o consumo de bens e serviços desaúde, nem dirigir a regulação dos corpos8.

Na busca dessa totalidade do cuidado apro-fundam-se as relações subjetivas entre trabalha-dor/usuário/serviço de saúde. Com base nessaperspectiva, os onipresentes e substantivos diálo-gos que entretecem todo o trabalho em saúde não

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conformam apenas a matéria por meio da qualoperam as tecnologias, mas também a conversa-ção; ela própria, na forma como se realiza, cons-titui um campo de conformação de tecnologias5.

Esses dispositivos relacionais (acolhimento/vínculo/co-responsabilização/autonomia) repre-sentam possibilidades de se construir uma novaprática em saúde. Passa-se, então, a compreen-dê-la como ações comunicacionais, atos de rece-ber e ouvir a população que procura os serviçosde saúde, dando respostas adequadas a cada de-manda em todo o percurso da busca, desde arecepção e o atendimento individual ou coletivo,até o encaminhamento externo, retorno, remar-cação e alta9.

Uma das possibilidades para edificar novasformas de se fazer saúde seria a potencializaçãodo dispositivo acolhimento, articulado ao esta-belecimento de vínculo entre usuários, trabalha-dores de saúde e gestores do sistema de saúde,em busca da humanização do atendimento10.Portanto, o acolhimento permeia toda terapêu-tica e, desse modo, propicia um cuidado integralao usuário de saúde.

Etimologicamente, vínculo é um vocábulo deorigem latina, e significa algo que ata ou liga pes-soas, indica interdependência, relações com linhasde duplo sentido, compromissos dos profissio-nais com os pacientes e vice-versa. A constituiçãodo vínculo depende de movimentos tanto dosusuários quanto da equipe10.

O vínculo pode ser uma ferramenta que agen-cia as trocas de saberes entre o técnico e o popu-lar, o científico e o empírico, o objetivo e o subje-tivo, convergindo-os para a realização de atosterapêuticos conformados a partir das sutilezasde cada coletivo e de cada indivíduo. Ele favoreceoutros sentidos para a integralidade da atençãoà saúde11.

Acolhimento e vínculo são decisivos na relaçãode cuidado entre o trabalhador de saúde mental eo usuário. Nesta relação, o acolhimento e o vínculofacilitam a construção da autonomia mediante res-ponsabilização compartilhada e pactuada entre ossujeitos envolvidos nesta terapêutica.

A construção da autonomia ocorre na medi-da em que ambos conseguem lidar com suas pró-prias redes de dependências, co-produção de simesmo e do contexto. Nesse caso, a formação daatitude co-responsabilizada requisita o compro-misso e o contrato mútuo, evitando dissonânciascotidianas na possibilidade de se conviver e de setrabalhar em prol de algum propósito12.

Ante a importância da utilização das tecnolo-gias leves em saúde na procura da integralidade

do cuidado, deve-se ter sempre em vista o senti-do final do trabalho em saúde, qual seja, defen-der a vida dos usuários, individuais e ou coleti-vos, por meio da produção do cuidado. Assim, ameta é reduzir o sofrimento, melhorar a quali-dade de vida e desenvolver a autonomia nas pes-soas para viverem a vida13. Nesse prisma, o arti-go em elaboração tem por objetivo analisar osdispositivos que possibilitam o cuidado em saú-de mental no cotidiano do Centro de AtençãoPsicossocial (CAPS).

Metodologia

Pesquisa qualitativa, dentro de uma perspectivacrítica e reflexiva. Tal metodologia é adequadapara a análise do fenômeno social investigado esua interface com o campo da saúde mental.Nesta abordagem teórico-metodológica, pode-se dimensionar a compreensão dos significados,dos sentidos, das intencionalidades e das ques-tões subjetivas inerentes aos atos, às atitudes, àsrelações e às estruturas sociais14.

Como local da pesquisa decidiu-se pelo Cen-tro de Atenção Psicossocial do Município de So-bral, Estado do Ceará, Brasil, um dos serviços subs-titutivos da Rede de Atenção Integral à Saúde Men-tal da cidade escolhida como campo empírico.

Para a coleta de dados foram utilizadas astécnicas de entrevista semi-estruturada e obser-vação sistemática. Os sujeitos da pesquisa foram20 pessoas, conforme coleta no período de maioa julho de 2008, distribuídas em três grupos: gru-po I - trabalhadores de saúde mental (2 Terapeu-tas ocupacionais; 1 Enfermeiro; 1 Assistente so-cial; 2 Psicólogos; 1 Recepcionista; 1 Porteiro);grupo II – usuários (7) e grupo III - familiaresdos usuários (5).

Quanto à escolaridade dos participantes dapesquisa, eram trabalhadores de saúde de nívelsuperior e médio. Segundo a definição de traba-lhadores de saúde conceitua, estes são “todos aque-les que se inserem direta ou indiretamente na pres-tação de serviços de saúde no interior dos estabe-lecimentos de saúde ou em atividades de saúde,podendo deter ou não formação específica paradesempenho de funções atinentes ao setor”15.

Como critério de inclusão, os usuários e osfamiliares que participaram do estudo deveriamestar há pelo menos seis meses no CAPS e aceitarparticipar da pesquisa após apresentação e assina-tura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Adotou-se, então, a amostragem intencionaldefinida pela saturação teórica, a qual, ao esta-

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belecer o tamanho final da amostra em estudo,interrompeu a captação de novos participantes,fundamentada na redundância e convergência desentido e significado obtido durante a coleta eanálise dos dados16.

Conforme definido, as 20 entrevistas e asobservações foram orientadas por roteiros pre-estabelecidos sobre os seguintes pontos: 1) fluxode atendimento do usuário no serviço de saúde;2) relação comunicacional e afetiva entre traba-lhador/usuário/família (fala – escuta – confian-ça – respeito – co-responsabilização); 3) cons-trução do projeto terapêutico; 4) vínculo e aco-lhimento como instrumentos de organização daspráticas de saúde.

Como mencionado, a pesquisa é um recortedo Projeto Organização das Práticas de SaúdeMental no Ceará na Produção do Cuidado Inte-gral: dilemas e desafios, aprovado pelo Comitêde Ética em Pesquisa da Universidade Estadualdo Ceará.

Para o melhor entendimento do objeto deestudo, a análise do material empírico baseou-sena hermenêutica crítica, na qual o fundamentode análise é a práxis social na perspectiva crítico-analítica. Os passos operacionais foram: orde-nação dos dados; classificação dos dados; e, porfim, a análise final dos dados14.

Os resultados se conformam na configura-ção analítica da compreensão do objeto de estu-do, dispostos em discursos e observações, cons-tituindo o entendimento temático da categoriaRelações de cuidado como ferramentas da práti-ca em saúde mental: acolhimento, vínculo, co-responsabilização e autonomia.

Resultados e discussão

Relações de cuidado como ferramentas da práti-ca em saúde mental: acolhimento, vínculo, co-responsabilização e autonomia.

Mediante suas novas estratégias, a saúdemental visa atingir um cuidado integral. Para tal,utiliza as relações de cuidado como ferramentasde sua prática. Neste estudo, o espaço contextualé o CAPS Geral. Trata-se de um serviço destina-do à população com transtornos mentais domunicípio, que se articula com todos os níveis decomplexidade assistencial (atenção básica, hos-pitalar e de especialidades) e ainda com os ou-tros setores sociais.

Neste espaço, os sujeitos interpenetram suasatividades pela composição multidisciplinar, poisconta-se com quatro médicos psiquiatras, trêspsicólogos, dois enfermeiros, dois assistentes

sociais, dois terapeutas ocupacionais, dois auxi-liares de enfermagem, uma psicopedagoga e umadministrador, além da equipe de apoio, forma-da por cinco auxiliares de escritório, três auxilia-res de serviços gerais, três zeladores de patrimô-nio público e um motorista. Num total de trintatrabalhadores.

Mensalmente o serviço atende uma média de470 pessoas, entre procedimentos intensivo,semi-intensivo e não-intensivo. Mencionadosprocedimentos são determinados pelo tempo depermanência diário no CAPS, desde momentossemanais, intercalados ou não, até aqueles compermanência de continuidade diária. A demandados transtornos evidencia os casos moderados egraves de psicose, transtornos do humor e aesquizofrenia.

Como previsto, a dinâmica de funcionamen-to prioriza o trabalho em rede, ou seja, concebe aatenção integral em saúde mental, por meio deuma gestão participativa. Esta é efetivada em reu-niões para discussão do processo de trabalho,comunicação ampla dos trabalhadores entre si etambém a inserção do usuário com suas singu-laridades na construção do projeto terapêutico.

A organização do serviço está transversaliza-da pelo acesso referenciado e o acolhimento.Consoante visto em todo o processo assisten-cial, os dispositivos potencializadores da práticaintegral em saúde configuram-se no cotidianodiverso e múltiplo do serviço CAPS e na lógica defuncionamento, no fluxo e no cuidado prestadoaos usuários.

Consideram-se como tecnologias leves emsaúde aquelas implicadas no ato de estabelecimen-to das interações intersubjetivas na efetuação doscuidados em saúde. Por espaço das tecnologiasleves compreende-se aquele no qual nós, profissi-onais de saúde, estamos mais imediatamente co-locados perante o outro da relação terapêutica5.

Conforme exposto, os discursos convergemna seguinte perspectiva: o acolhimento é estabele-cido por meio de um atendimento de qualidade,de um tratamento pautado no respeito, no diálo-go, na escuta qualificada, no estabelecimento deum elo de confiança e de amizade entre ambos(trabalhadores de saúde e usuários/família).

Muitas vezes, a gente nem conversava sobremim paciente, a gente conversava sobre trabalho,sobre televisão, sobre o meu curso, sobre a minhafaculdade. (Grupo II)

É bom! Eu não tenho o que dizer. Eles me aten-dem bem aqui, desde o auxiliar de serviço até omédico. (Grupo III)

Então, assim, a questão do respeito é algo fun-damental, principalmente a escuta. Hoje em dia, os

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CAPS e todos os serviços que buscam trabalhar naperspectiva da atenção psicossocial, trazem dentroda sua política a questão da valorização do saber, avalorização da experiência, da fala tanto do usuá-rio como do familiar. (Grupo I)

Ao potencializar a relação entre sujeitos, aênfase no processo relacional incorpora estraté-gias de aproximação e efetivação de uma práticaresolutiva e voltada para o modo de vida de cadausuário. No processo de escuta e acolhimento, oque se desvela é um ato de interpretação mútuaentre o que o serviço pode oferecer e o que usuá-rio deseja em sua vida cotidiana. A ação integralainda é fortalecida pela multiplicidade de visõessobre cada situação no CAPS, já que cada traba-lhador absorve e dispõe de saberes e práticas di-ferenciadas para o trabalho em saúde mental.

Deste modo, é possível reproduzir socialmen-te a relação assistencial no campo psicossocial,ou seja, redireciona-se a forma de atendimentobaseada na intervenção direta na patologia e pas-sa-se a conceber os sujeitos. Visto assim, coloca-se a doença em parênteses ao deslocar o olharpara o “doente” (sujeito), tornando-o objetivode todo o trabalho, não apenas a ação técnica. Aênfase é dada pelo processo de “invenção da saú-de” e de “reprodução social do paciente”. Contu-do, “colocar em parênteses” não pode ser pensa-do como a negação da existência da doença17.

Acrescenta-se, ainda, o acolhimento é um dis-positivo transversal na conduta terapêutica, poisnão é tido apenas como uma parte do processode cuidado (triagem). Ele perpassa todo o traje-to terapêutico do CAPS.

Inicialmente, a maioria dos CAPS faz triageme acolhimento no próprio serviço, o CAPS de So-bral, no início, era assim [...] Hoje, o CAPS deSobral não faz mais triagem, é feita na atençãoprimária, que é, justamente, um ganho que a gentetá tendo aqui [...] Triar é ver se o paciente que vocêtá observando, realmente, tem indicação pra ficarno CAPS, naquele serviço, ou se ele é indicação deficar em outro serviço. Acolhimento é você pegar opaciente que tem indicação daquele serviço e vocêacolher, fazer a escuta e dali você já construir comele e a equipe o seu projeto terapêutico. (Grupo I)

É visto que no CAPS de Sobral-CE o acolhi-mento não é confundido como uma etapa do pro-cesso de cuidar (triagem), e sim como um dispositi-vo que permeia todo o projeto terapêutico do indi-víduo desde a sua construção. Sendo um processocompartilhado entre usuário e equipe de saúdemental, perpassa toda a singularidade do indiví-duo. (Observação)

O dispositivo acolhimento funciona comouma possibilidade de construir uma nova práti-

ca em saúde. Pode ser compreendido como açõescomunicacionais, atos de receber e ouvir a popu-lação que procura os serviços de saúde, ao darrespostas adequadas a cada demanda em todo opercurso da busca: desde a recepção e o atendi-mento individual ou coletivo, até o encaminha-mento externo, retorno, remarcação e alta9.

Especificamente, os dispositivos das tecnolo-gias relacionais transversalizados na prática emsaúde mental são o acolhimento, o vínculo, a co-responsabilização e a autonomia. Mas a ênfaseocorre no acolhimento por disponibilizar umprocesso de escuta, diálogo e valorização do sa-ber do outro. Perpassa toda a terapêutica e o cui-dado em saúde, e intensifica o conjunto de dis-positivos já mencionados.

Nas relações de cuidado do cotidiano investi-gado, segundo se nota, o vínculo pauta-se naconstrução de laços afetivos entre trabalhadorese usuários, na qualidade do atendimento, ou seja,no receber bem aquele usuário, na confiança e nafacilidade de comunicação entre esses atores. Alémdisso, a busca de resolutividade para seus pro-blemas (usuários) com o seu trabalhador de re-ferência é uma forma de percepção do vínculoestabelecido entre eles.

O vínculo no sentido da amizade, no tratamentoque você recebe, o jeito que nós se expressamos umcom o outro, acho que é o suficiente pra dizer quesomos realmente amigos. (Grupo II)

O Doutor que me acompanha, a relação é óti-ma! A relação é como amigo, né, não é como médi-co. Ele me dá conselho, me orienta, me ajuda de-mais! (Grupo II)

Sempre quando querem resolver alguma coisafalam “eu vim falar com você, o que você pode fa-zer”. Então, eu percebo que há uma reciprocidade,eles me têm muitas vezes como referência, pra táesclarecendo algo, pra tá agilizando algo com o PSFou aqui mesmo dentro do serviço, dando algumesclarecimento quanto à conduta medicamentosa,pra mim tá fazendo o contato com o psiquiatra.(Grupo I)

O usuário que frequenta o CAPS tem essa neces-sidade desse vínculo. Eu percebo muito claro isso,que o vínculo, de certa forma, é uma necessidadeterapêutica que se tem, se a gente não conseguirmanter esse vínculo que é a aproximação, o respeito,a confiança, o tratamento pode não funcionar [...]A principal coisa que eu vejo necessário pra esse vín-culo é a confiança. Esse usuário ter confiança emvocê como profissional e você responder pra ele nes-ses momentos que ele precisa do seu apoio [...] Opaciente com transtorno mental tem uma carênciaafetiva muito grande. Desse olhar, dessa atenção quevocê como profissional oferece e que, muitas vezes,

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ele não tem isso lá fora. Ele é discriminado pela soci-edade, pela escola e pela própria família. Então, aquiquando eles chegam, eles buscam isso no profissio-nal, esse vínculo afetivo, ligado ao respeito, ao cui-dado, ao olhar, na escuta. Então, eu faço isso e tentofazer esse vínculo tendo em pauta esses quesitos. (Gru-po I)

Já formei um laço, porque ele já sabe da históriada minha família, do meu filho doente. Se eu mu-dasse de profissional, eu acharia ruim porque euteria que contar tudo de novo! (Grupo III)

Conforme é possível observar, os discursosconfiguram uma direcionalidade de significadodos encontros realizados em cada ato terapêuti-co. Desse modo, caracterizam determinadosconstrutos relacionais entre os sujeitos na pró-pria relação de cuidado. A necessidade oriundada vida de cada sujeito e das demandas apresen-tadas transpõe a dinâmica social, política e ge-rencial do serviço e refaz-se na conformação prá-tica e operacional pela utilização e evidenciaçãode tecnologias e ferramentas subjetivas.

Nesse sentido corrobora-se a concepção teó-rica da ferramenta relacional do vínculo resultan-te da disposição de acolher uns e da decisão debuscar apoio em outros. Portanto, o vínculo seexpressa pela circulação e por afetos entre as pes-soas10. No trabalho em saúde, a vinculação é umaferramenta eficaz na horizontalização e democra-tização das práticas em saúde mental, pois favore-ce a negociação entre os sujeitos envolvidos nesseprocesso, isto é, usuários e profissional ou equipe.

A equipe ou profissional de referência sãoaqueles que têm a responsabilidade técnica pelacondução de um caso individual, familiar ou co-munitário. Cabe-lhes, de modo integral, ampliaras possibilidades de construção de vínculo entreeles e os usuários18.

Mas a construção do vínculo no cuidado emsaúde mental depende ainda do modo como ostrabalhadores de saúde se responsabilizam pelasaúde dos usuários e suas singularidades do pro-cesso de cuidar.

Tal constatação na determinação para o es-tabelecimento do vínculo advém de uma exigên-cia, qual seja, é preciso existir negociações parci-alizadas na construção mútua de um consensoao dar resolubilidade de cada necessidade e/ouproblema. Contudo, o ato terapêutico não deveestar centrado no trabalhador; tampouco deveser realizado puramente pela manifestação dedesejo do usuário. O vínculo pode, pois, intera-gir com ambas as possibilidades na busca daconduta cuidadora resolutiva e humanizada12.

Inegavelmente, as necessidades de saúde es-tão contextualizadas no modo de vida de cada

sujeito. A condição de vida, o direito à singulari-dade, o direito às tecnologias de melhoria da vida,o acolhimento e o vínculo na construção da au-tonomia são características, muitas vezes, maisamplas do que os espaços de intervenção das re-des de cuidado em saúde. Cabe, assim, concebero ato de saúde como intersetorial, porquanto nabusca pela resolubilidade, o encontro de vida sedá, às vezes, no mundo vivido.

No trabalho ora elaborado houve divergên-cias quanto ao efeito positivo do vínculo, poispara determinados sujeitos da pesquisa este éprejudicial ao tratamento por causar dependên-cia do usuário em relação ao trabalhador de saú-de e vice-versa:

Eu acho que esse vínculo causa muita dependên-cia minha em relação a ela, pode até prejudicar otrabalho e até me prejudicar também, quando umapessoa fica muito dependente da outra. (Grupo II)

Eu tô bem melhor agora, mas se a minha psicó-loga tivesse no passado esse afastamento, eu teriasentido mais, porque eu tava mais vulnerável. Eutinha mais abertura com ela, foi a pessoa que meatendeu na minha crise, no dia que eu vim pra cá.(Grupo II)

Ela já entende tão bem o meu caso, que se eufosse pra outra pessoa, que eu teria que explicartudo de novo, aí, talvez, ele não me entenderia tãobem como ela. Me compreenderia como ela, iriame orientar como ela, aí eu ia ficar confusa e nãoia gostar muito não! (Grupo II)

Acho que o vínculo é ruim, porque meu painão quer ser atendido por outro profissional a nãoser a doutora [...] (Grupo III)

Então, se for estabelecer um vínculo muito for-te, de confiança e aquilo ali pode ser prejudicial, atémesmo porque é algo forte [...] Então, a gente fazuma escuta acolhedora, mas não é aquele vínculoforte estabelecido no contato inicial. (Grupo I)

Ao se vincular a alguém ou a alguma institui-ção (uma equipe, um centro de saúde) costuma-se transferir afetos para essas pessoas ou institui-ções. Afetos são sentimentos imaginários, apos-tas que se faz com base na história pessoal decada um e na imagem produzida pelo serviço oupelo profissional. Esses afetos podem contribuirou não para a eficácia da conduta terapêutica epara a manutenção da vida em cada pessoa afeta-da, seja o trabalhador, ou o próprio usuário10.

Por isso, o vínculo pode ganhar variados sen-tidos (confiança - respeito - amizade - depen-dência - antipatia), de acordo com os laços deafetividades construídos ao longo da terapêuticaentre trabalhador de saúde mental e usuários.

Quanto à co-responsabilização, é uma par-ceria entre os sujeitos envolvidos no processo de

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cuidar em saúde para a melhoria da qualidadede vida do portador de transtorno mental. Se-gundo os discursos revelam, essa parceria acon-tece de forma multilateral, levando em conside-ração as opiniões e as possibilidades dos traba-lhadores/usuários/família na composição doprojeto terapêutico. Seguem os discursos:

A gente tem aquela parceria, que eu quero di-zer, que eles dão atenção à gente! Eles me atendembem, me perguntam como é que eu vou. Eles sepreocupam! (Grupo II)

Dou opinião no meu tratamento. Assim, vocêfala o que está sentindo, o que a gente passa e falapra eles. Aí eles tomam uma atitude. (Grupo II)

A psicóloga não diz exatamente o que eu tenhoque fazer, ela deixa que eu me expresse, dê as mi-nhas opiniões, aí ela diz o que eu tô pensando deerrado, o que eu tenho que mudar, ela nunca dizque eu tô errada, ela sempre tem a forma dela dedizer que eu tô fazendo não é bem assim. Não é queela manipule, entendeu? Ela tem a maneira dela defazer a gente pensar diferente. (Grupo II)

O doutor sempre pergunta se o meu filho táprecisando de alguma coisa [...] Ele leva em contao que eu falo. (Grupo III)

Realmente, qualquer acompanhamento e o pro-jeto terapêutico nunca podem ser propostos de for-ma solitária pelo médico. A construção é com ocliente e com o familiar, porque eles têm que estarbem comprometidos. (Grupo I)

Outra coisa que é importante é escutar a opi-nião familiar. (Grupo I)

Ao se considerar o contexto onde esses sujei-tos estão inseridos, a vida vivida de cada um e aprópria oferta terapêutica no serviço favorecem atranscendência de valores, práticas e sentimentosacumulados ao longo do tempo. A incorporaçãodos saberes de cada sujeito no modo de operar amanutenção da vida tem sentido duplo em virtu-de de ocorrer a transfiguração da relação diretatrabalhador de saúde-usuário para também usu-ário-trabalhador de saúde. Deste modo, a práticacoincide com a concepção segundo a qual cuidarnão é só projetar, é um projetar responsabilizan-do-se; um projetar porque se responsabiliza5.

Ao mesmo tempo, a responsabilização deveser mútua, ou seja, uma co-responsabilizaçãoentre terapeuta/usuário/serviço/família na ten-tativa de minimizar os efeitos deletérios da doen-ça mental e estimular a capacidade do usuáriopara o enfrentamento de seus problemas. Isto,porém, com base nas suas condições sociais, eco-nômicas, culturais e resgatando a sua cidadania,para a própria reinserção na sociedade.

Converge, ainda, o entendimento sobre o de-senvolvimento da autonomia dos portadores de

transtornos mentais a ocorrer mediante constru-ção do projeto terapêutico que tenta trabalhar asnecessidades, as incapacidades, os desejos, os an-seios e os sonhos desses usuários. Esse pensa-mento está sintetizado nos seguintes discursos:

Eu avalio o paciente, aí, através do que ele memostra na avaliação, é que eu vou construir juntocom ele quais são os interesses dele, o que ele gosta,o que ele não gosta, o que ele quer aprender, ondeestão as dificuldades dele, é um trabalho feito jun-to. (Grupo I)

Tentar construir nesse projeto terapêutico algoque também se enquadre como projeto de vida, darpara essas pessoas a capacidade de prover os so-nhos, as possibilidades que ela teria. Está “empode-rando”, por isso a importância de estar discutindocom as pessoas o tratamento, quais são seus so-nhos, suas possibilidades e isso seria a questão dereabilitação psicossocial. (Grupo I)

Eu não tenho tempo de fazer atividades aquino CAPS, só o tratamento com o médico, porquetrabalho no interior. Todo dia vou pra Meruoca demanhã e só chego à tarde. (Grupo II)

Eu não faço nenhuma atividade aqui, porquepara quem faz tratamento à tarde as atividades sãode manhã, e de manhã eu estudo e faço curso Euestudo pra ser alguém na vida. (Grupo II)

Ele nunca fez nada obrigado, aqui não! (Gru-po III)

Na perspectiva da reabilitação psicossocialpode-se apresentá-la como um conjunto de ativi-dades capazes de oferecer condições amplas derecuperação dos indivíduos por meio da utiliza-ção de recursos individuais, familiares e comuni-tários com vistas a neutralizar os efeitos iatrogê-nicos e cronificadores da doença e do interna-mento. Reabilitar significa, pois, ajudar os porta-dores a sobrepujar suas limitações e incapacida-des e promover o autocuidado, no intuito de ele-var-lhes a auto-estima, ensejando-lhes a restitui-ção da autonomia, a identidade pessoal e social19.

Por fim, ressalta-se a importância de elevar aautonomia dos usuários, ou seja, ampliar a ca-pacidade de compreenderem e atuarem sobre simesmos e sobre o mundo da vida. O grau deautonomia mede-se pela capacidade de autocui-dado, de compreensão sobre o processo saúde-doença, de usar o poder e de estabelecer com-promisso e contrato com outros19.

Portanto, para atingir o objetivo terapêuticodeve-se voltar os trabalhos para as incapacida-des, para as necessidades do paciente, tendo emvista o desenvolvimento de condições cada vezmelhores e que lhes permita gerenciar sua vida eaumentar suas possibilidades de fazer escolhas20.

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Considerações finais

De modo geral, o estudo propiciou um aprofun-damento sobre as relações na produção do cui-dado em saúde mental na ênfase analítica dosseus dispositivos na efetivação da integralidadeda atenção resolutiva. Evidentemente existem oslimites, decorrentes, sobretudo, da própria de-terminação do cotidiano múltiplo, diverso e di-nâmico presente no CAPS.

Considera-se que as ferramentas relacionaisenvolvidas no processo de trabalho se dinami-zam e se articulam na prática cotidiana e determi-nam-se pelas próprias relações, demandas, ne-cessidades e ofertas envolvidas no cuidado. To-mam sentidos e significados de acordo com apotência afetiva de cada sujeito para com o outro.

Na operacionalização diária e contínua dotrabalho no CAPS segue-se uma compreensãosegundo a qual os mecanismos subjetivos detransversalização das ferramentas relacionais di-recionam o cuidado em saúde para uma resolu-tividade emanada das evocações reais da subjeti-vidade. Este cuidado pode ser dimensionado nosatos de escuta e acolhimento, no diálogo próxi-mo de cada singularidade e ainda na confiançaconstituída de cada sentimento, vínculo e com-promisso para com o outro.

Como se depreende, a concepção teórica dosdispositivos cartografados no cotidiano dos ser-viços de saúde mental possibilita entender o real,o vivido no espaço micropolítico de cada encon-tro. Transpor o imaginário e efetivar a prática éapropriar-se dos conceitos como ferramentas eassim potencializar sua utilização na construçãode ações mais próximas do cotidiano e de cadasubjetividade.

O acolhimento funcionando como um dis-positivo capaz de (re)estruturar o cuidado inte-gral em saúde mental, transpondo os conceitosde patologia e de diagnóstico da doença mental,ressaltando a subjetividade e a singularidade decada indivíduo que é atendido no CAPS. Esse dis-positivo de base relacional é compreendido no

diálogo entre trabalhador de saúde e usuário/família, na escuta, no atendimento e na resolubi-lidade da problemática de saúde desses sujeitos,transversalizando toda a terapêutica.

O vínculo, então, favorece o cuidado integralpor democratizar e horizontalizar as práticas emsaúde, na medida em que constrói laços afetivos,confiança, respeito e a valorização dos saberesdos usuários/família/trabalhadores de saúde.Desse modo, propicia o desenvolvimento da co-responsabilização, da parceria desses sujeitos paraa melhoria da qualidade de vida do portador detranstorno mental.

A autonomia como dispositivo do cuidadointegral é o resgate da cidadania dessas pessoas,buscando a auto-estima, o poder contratual e oautocuidado, tendo como pilar o projeto de vidade cada usuário do CAPS. É preciso trabalhar asincapacidades, as necessidades, os medos, as an-gústias e os sonhos desses indivíduos para quepossam, um dia, voltar a gerenciar suas vidas.

Dessa forma, os dispositivos do cuidado in-tegral se transversalizam no cotidiano do CAPSprincipalmente no ato de acolher e no vínculoconstruído nas relações terapêuticas. A autono-mia e a co-responsabilização ainda requisitamdos sujeitos envolvidos uma maior capacidadede articulação com as próprias demandas imagi-nárias que se conformam no contexto subjetivode cada trabalhador e usuário.

A partir da análise, conforme se observa, aresolubilidade somente tornar-se-á real na me-dida em que todos estes dispositivos suprirem asnecessidades de saúde da população em cada atocuidador.

Embora o cotidiano do CAPS seja tenso, étambém harmônico; a significação se faz no tra-jeto terapêutico. Enquanto a estática parece visu-alizar-se em espaços rígidos, a dinâmica confi-gura-se como um constante processo de trans-formação e conformação social. Nesse trilhar épossível o surgimento de novos sujeitos e novaspráticas que ressignifiquem continuamente ocuidado em saúde mental no SUS.

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e Co

letiva, 16(7):3051-3060, 2011

Colaboradores

MSB Jorge, DM Pinto, PHD Quinderé, AGA Pin-to, FSP Sousa e CM Cavalcante participaramigualmente de todas as etapas da elaboração doprojeto.

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Artigo apresentado em 24/05/2009

Aprovado em 30/06/2009

Versão final apresentada em 27/07/2009

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