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Resumo Estuda os conceitos dos termos tecnologia, in- formação e tecnologia da informação e socie- dade da informação. Discute os espaços que estes conceitos ocuparam em distintos momen- tos do desenvolvimento humano, como na oralidade, escrita, imprensa e era eletrônica. Finalmente, aborda os impactos que o acele- rado desenvolvimento e uso das novas tecnologias da informação estão provocando na sociedade contemporânea Palavras-chave Tecnologia da informação; Sociedade da infor- mação; Transmissão do conhecimento. _____________________________________________________________ 1 INTRODUÇÃO: AS DIFERENTES FASES DA TRANSMISSÃO DE INFORMAÇÕES NA SOCIEDADE Descrever cronologicamente as dife- rentes fases da comunicação da informa- ção faz-nos reportar inicialmente à tradição oral, na qual a comunicação baseava-se nas lembranças das pessoas, em especial, em sua memória auditiva. Reporta-nos tam- bém à escrita, quando se tornou possível registrar o conhecimento de fatos ocorridos; à imprensa, que agilizou a transmissão da comunicação, fazendo com que mais leito- res tivessem acesso ao conhecimento; e fi- nalmente à era eletrônica, que potencializou o armazenamento e a disseminação da in- formação. As sociedades, mesmo as mais primi- tivas, sempre utilizaram alguma forma de transmissão da informação. Num primeiro momento, esta se dava em encontros presenciais nos quais o interlocutor passa- TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO: IMPACTOS NA SOCIEDADE Gercina Ângela Borém de O. Lima Líliam Pacheco Pinto Marconi Martins de Laia _____________________________________________________________________________________________ Inf.Inf., Londrina, v. 7, n. 2, p. 75- 94, jul./dez. 2002 75 PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com

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ResumoEstuda os conceitos dos termos tecnologia, in-formação e tecnologia da informação e socie-dade da informação. Discute os espaços queestes conceitos ocuparam em distintos momen-tos do desenvolvimento humano, como naoralidade, escrita, imprensa e era eletrônica.Finalmente, aborda os impactos que o acele-rado desenvolvimento e uso das novastecnologias da informação estão provocandona sociedade contemporânea

Palavras-chaveTecnologia da informação; Sociedade da infor-mação; Transmissão do conhecimento.

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1 INTRODUÇÃO: AS DIFERENTESFASES DA TRANSMISSÃO DEINFORMAÇÕES NA SOCIEDADE

Descrever cronologicamente as dife-rentes fases da comunicação da informa-ção faz-nos reportar inicialmente à tradiçãooral, na qual a comunicação baseava-senas lembranças das pessoas, em especial,em sua memória auditiva. Reporta-nos tam-bém à escrita, quando se tornou possível

registrar o conhecimento de fatos ocorridos;à imprensa, que agilizou a transmissão dacomunicação, fazendo com que mais leito-res tivessem acesso ao conhecimento; e fi-nalmente à era eletrônica, que potencializouo armazenamento e a disseminação da in-formação.

As sociedades, mesmo as mais primi-tivas, sempre utilizaram alguma forma detransmissão da informação. Num primeiromomento, esta se dava em encontrospresenciais nos quais o interlocutor passa-

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Gercina Ângela Borém de O. LimaLíliam Pacheco Pinto

Marconi Martins de Laia

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va para o receptor a informação que deti-nha, seja acerca de si mesmo ou de algumassunto relacionado à comunidade comoum todo, caracterizando as sociedadesorais. O paradigma presente era a experi-ência: conhecia-se e registrava-se na me-mória o mundo em que se vivia e as experi-ências que se vivenciava. Lévy (1993) ca-racteriza o tempo da oralidade primáriacomo aquele no qual não existe forma deregistrar o conhecimento. A oralidade pri-mária utiliza como tecnologia a fala, que temcomo função básica a gestão da memóriasocial que se apóia nas lembranças de in-divíduos. Nesse caso, a fala é o que liganossa mente a outras mentes, possibilitan-do a transmissão do pensamento. Se hojeem dia a palavra tem o poder de criar no-vas realidades sociais, pode-se imaginarsua influência nas sociedades orais, ondenão havia nenhum outro meio de comuni-cação. Nessas culturas, não existia nenhummodo registrado de armazenar as represen-tações para futura reutilização. A transmis-são do conhecimento exigia a idéia contí-nua de recomeço e de renovação que ocor-re de geração para geração. Conclui-se quea história se fazia, na época, por meio dacapacidade de memorização dos membrosdo grupo social e suas preferências. Há,portanto, o registro “incerto” – baseado eminterpretações individuais - da realidade fil-trada pelo sujeito da ação. A mediação des-te é de fundamental importância para a con-tinuidade histórica do conhecimento.

Num segundo momento, a transmis-são foi agilizada pela invenção da escrita,tendo o alfabeto como ferramenta funda-mental. Com a escrita, o conhecimento defatos presenciados ou relatos feitos porpessoas que viveram em outras épocaspassou a ser possível (DIAS, 1999). Comela, o discurso pode ser separado da situa-ção particular em que foi produzido, nãomais precisando da presença do sujeitosocial para a reprodução de experiência

particular. O seu registro escrito expressa porsi mesmo e sofre interferência de quem o“consulta”. O tempo e o espaço tornam-senoções diferenciadas das existentes no tem-po da oralidade. Há autonomia do texto, emrelação à tradição oral. O tempo não é maiso tempo da circularidade, mas o dalinearidade, linearidade que desencadeia ahistória. Qualquer discurso pode ser apre-endido, analisado e interpretado fora de seucontexto de produção. A escrita nos faz lei-tores e a realidade nos é colocada com umfiltro mais fino do que ocorria no tempo daoralidade.

Em seguida, assistimos à invenção daimprensa, por Johann Gutenberg naMongúcia em cerca de 1450, o que facilitaa reprodução das informações e permiteacesso ao conhecimento para um númerocada vez maior de pessoas. Os encontrospresenciais tornaram-se a partir daí menosfreqüentes e necessários. A imprensa foidefinida como “o mecanismo de juntar ti-pos móveis de metal, cada um possuindona extremidade superior um caractere alfa-bético em relevo, que, ao ser entintado epressionado sobre o material adequado,deixa uma marca ou impressão”. Com a in-venção de Gutenberg passamos do manus-crito ao papel impresso1.

A utilização do papel permitiu um au-mento considerável na produção e repro-dução de livros e documentos, influencian-do assim a maneira de pensar e agir dahumanidade. Surge a categoria dos edito-res e a dos leitores, quando a leitura e ainterpretação adquirem um caráter mais in-dividualizado. As obras começam a incluirrepresentações gráficas mais precisascomo tabelas e desenhos e a incorporarmecanismos de leitura anteriores à tipogra-

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1 O papel foi introduzido no mundo ocidental emmeados do Século XII e difundiu-se na Europa en-tre os séculos XIII e XV.

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fia, com interfaces padronizadas entre osconteúdos do livro de forma não linear. Asnotas de rodapé, por exemplo, remetiam oleitor a outras obras que tratavam do mes-mo assunto. O poder de preservação e dis-seminação do pensamento registrado cres-ceu enormemente.

Com o surgimento da era eletrônica,o homem desenvolveu nova noção de tem-po e espaço: o primeiro torna-se tempo reale o segundo torna-se cada vez menor en-tre as pessoas. Surge a assim chamada so-ciedade da informação, que prioriza a in-formação e a tecnologia, influenciando es-tilos de vida, padrões de comportamento(lazer, trabalho, consumo), sistema educa-cional e mercados de trabalho. O impactode uma velocidade na vida cotidiana nuncaantes experimentada pela sociedade ao lon-go da história é observada na transmissãoda informação. As novas tecnologiasinformacionais, associadas às telecomuni-cações, desempenham papel fundamentalnesse processo. Essa ênfase causa mudan-ças na construção da estrutura social e naconcepção do conhecimento. O ambienteem que vivemos torna-se permanentemen-te mutável, exigindo uma atualização e umalto grau de complexidade por parte dossujeitos sociais e das organizações. As no-vas tecnologias da informação, visto quepotencializam o processo de difusão, dis-seminação e transferência de informações,tornam-se ferramentas fundamentais nes-se processo.

Os períodos da oralidade, escrita, im-prensa e era eletrônica apresentamtecnologias distintas na transmissão da in-formação. O impacto destas formas de co-municação na geração do conhecimentotambém é distinto. Antes, entretanto, deabordarmos os impactos dessastecnologias na sociedade contemporânea– foco de nosso trabalho – faz-se neces-sário a conceituação dos termos tecnologia,

informação, tecnologias da informação e so-ciedade da informação.

2 CONCEITUAÇÃO DE TECNOLOGIA,INFORMAÇÃO, TECNOLOGIAS DAINFORMAÇÃO E SOCIEDADE DAINFORMAÇÃO

Uma síntese do caminho percorridopor diferentes autores na tentativa de defi-nição dos termos tecnologia e informaçãonos ajudará no desenvolvimento do nossoponto de vista. Para definirmos o termotecnologia, recorremos à ilustração deJoseph Armand Bombardier (apud PACEY1983), que testava veículos para trafegarna neve desde 1920. A partir de uma má-quina inventada em 1936, com capacidadepara carregar até sete passageiros, ele in-venta, em 1959, os snowmobiles – umaespécie de trenó motorizado. Esta máqui-na revoluciona o estilo de vida de naçõescomo Canadá e Estados Unidos. Em umprimeiro momento, ela tinha um empregorestrito ao turismo, como meio de transpor-te e entretenimento em estações de inver-no ou veículo para novas modalidades es-portivas. Em função de seu sucesso epraticidade, os snowmobiles foram popula-rizados em países que apresentavam con-dições climáticas semelhantes às do Ca-nadá e norte dos EUA, como Suécia eGroelândia. Entretanto, os snowmobilesdeixaram de ser simples equipamentos tu-rísticos ou esportivos para servir como equi-pamentos dos quais diversas comunidadesdependiam para sua subsistência. Pacey(1983, p.4, tradução dos autores) comentaque

o exemplo do uso dado aossnowmobiles em diferentes cul-turas serve para ilustrar um pon-to comum nas discussões sobretecnologia. A tecnologia, (...) écultural, moral e politicamenteneutra. Ou seja, produz instru-

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mentos independentemente dosistema de valores de uma lo-calidade e pode ser usada, mes-mo imparcialmente, para diferen-tes tipos de estilo de vida. As-sim sendo, tecnologia é algoamoral, que pode ser usado parao bem ou mal. Conquanto a des-truição nuclear ou a poluiçãosejam problemas reais, não es-tão associados à essência datecnologia, mas ao uso que édado à mesma por empresas,governos etc.

Algo importante a ser observado nes-se caso é o processo que uma novatecnologia deflagra na demanda e desen-volvimento de novas habilidades. Para osesquimós que se beneficiaram com o ad-vento dos snowmobiles, surgiu também umanova realidade: a da necessidade de reser-va de combustível e manutenção dos equi-pamentos, elementos novos na sua culturae que não eram exigidos quando se utiliza-vam apenas cachorros como força motrizno seu transporte.

Dentro deste exemplo pode-se apre-ciar uma corrente de pensamento na quala tecnologia, na sua essência, é neutra.Dias (1999, p.274) propõe que “a tecnologiaem si mesma não é digna de condenaçãoou exaltação. O uso que se faz dela é quepode ser vil ou nobre”. A respeito dessadualidade, cabe aqui também um outroexemplo: o desenvolvimento da fissão nu-clear do urânio que, inicialmente, teve comoobjetivo a produção de luz e calor mas que,posteriormente, foi utilizada para a cons-trução da bomba atômica, cujo poder dedestruição tornou-se mais conhecido pormeio da destruição em massa de parte dahumanidade.

Então, cabe a pergunta: a tecnologiaé realmente neutra? Considerando-se aconstrução da máquina em seus processos

básicos, a resposta será afirmativa. Entre-tanto, se olhamos de forma mais ampla asatividades ao redor da máquina, que inclu-em seu uso prático, o status de sua utiliza-ção, as habilidades desenvolvidas pelosproprietários, a resposta seria negativa, poisa tecnologia influencia e altera o cotidianodas pessoas – o exemplo dos esquimós éilustrativo desse fato – e, ao mesmo tempo,os novos desenvolvimentos tecnológicosestão sempre associados e ajustados àsculturas nos quais foram gerados ou absor-vidos. Existe sempre intenção na ação hu-mana e é esta que muda o valor atribuído àtecnologia. Ou seja, de acordo com essasegunda corrente de pensamento, atecnologia não é algo neutro.

Os exemplos enfatizados aqui - ossnowmobiles e a fissão nuclear - servemde pretexto para situarmos a definição dotermo tecnologia dentro da confusa profu-são terminológica em que o termo estáimerso. Não é rara a visualização do termotecnologia como sinônimo de inovação.Outrossim, é comum a utilização do termopara designar “ferramentas” utilizadas nosprocessos de trabalho humano. Cabe, por-tanto, a recuperação do correto uso da pa-lavra, considerando-se as diferenças entreseus diversos níveis de significância.

A definição do termo tecnologia é com-plexa e encontra dificuldades de uniformi-zação, por ter um escopo variável entre osdiversos autores. Trazer todos os concei-tos para o estudo da simples definição detecnologia parece desnecessário. Entretan-to, o que se pode estabelecer de forma cla-ra é que a tecnologia e, consequentemente,a prática tecnológica englobam elementosorganizacionais, técnicos e éticos. Paramuitas pessoas, o aspecto organizacionalseria o mais importante. É representadopelos diversos segmentos da administraçãoe políticas públicas. Refere-se às ativida-des dos designers, engenheiros, técnicos,

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operários e também dos usuários ou consu-midores daquilo que é produzido. Para ou-tros indivíduos, entretanto, a tecnologia as-socia-se aos seus aspectos técnicos, pois érealizada com máquinas, técnicas e conhe-cimentos. É a atividade essencial de fazeras coisas funcionarem. Além disso, há as-pectos éticos que influenciam a criatividadede inventores e designers. Seus valores, jun-tamente com as crenças e maneiras de pen-sar das comunidades científicas, podem serindicados como a faceta ideológica ou cul-tural da prática tecnológica.

A FIG. 1 (acima) ilustra esse conceitoe serve para mostrar seu uso tanto em sen-tido restrito como também geral. Quando atecnologia é identificada de forma restrita,valores culturais e organizacionais sãodesconsiderados. Nesse caso, a tecnologiapode ser simplificada em uma palavra: téc-nica. Seu conceito mais amplo, entretanto,

não pode ser entendido enquanto termo li-vre de valores ou politicamente neutro. ParaGalbraith (1972), a tecnologia seria defini-da como aplicação sistemática da ciênciaou de outro tipo organizado de conhecimen-to para realização de tarefas. Essa defini-ção soa um pouco rasa, mas se nos deti-vermos mais cuidadosamente na sua aná-lise, podemos verificar que o autor define atecnologia enquanto atividade que envolveorganizações complexas e um claro siste-ma de valores.

Mas Pacey (1983, p.6) defende que oconceito de Galbraith exclui algumas enti-dades vivas, enquanto salienta pessoas emáquinas. Segundo ele, a tecnologia podeser entendida como “a aplicação de conhe-cimento científico ou outro tipo de conheci-mento organizado para realização de tare-fas práticas através de sistemas ordenadosque envolvem pessoas e organizações, coi-

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ASPECTOSCULTURAIS

Objetivos, valores e“códigos éticos”, crençano progresso ecriatividade

ASPECTOSORGANIZACIONAIS

Atividade econômica e industrial,atividade profissional, usuários econsumidores.

ASPECTOSTÉCNICOS

Conhecimentos, habilidades e técnica;ferramentas, máquinas, substânciasquímicas; produtos, recursos e sobras.

Conceito restritode tecnologia

Conceito amplode tecnologia

PRÁTICATECNOLÓGICA

FIGURA.1 Definições diagramáticas de “tecnologia” e “práticas da tecnologia”Fonte: PACEY, Arnold. The culture of technology, 1983, p.6.

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sas vivas e máquinas”. Portanto, neste caso,podemos entender tecnologia enquantoprocesso de transformação de matérias pri-mas (humana, simbólica ou material) emprodutos, vendáveis ou não. Neste enfoquede tecnologia, as máquinas e equipamen-tos (aspectos técnicos da FIG. 1) são ape-nas instrumentos, e não a tecnologia emsua totalidade

Definir o termo informação é tarefa tãodifícil quanto definir tecnologia. Buckland(1991) ressalta que “informação” guardaambigüidades e, de fato, é utilizado de di-versas maneiras. Ressalte-se também quea definição de informação está de algumaforma relacionada ao conceito de “dado”.O que significa “dado” e “informação” equais seriam as diferenças entre os doisconceitos? Wiggins (1990, p.185) arrisca:

“As respostas” a esta questãovariam, dependendo muito dafunção desempenhada por cadapessoa. Para o analista de da-dos, por exemplo, dado é consi-derado como matéria-prima quecompõe a informação. Não temsignificado a menos que estejainserido em um contexto.Essa definição incluiria textos ouliteratura publicada? Poderia sig-nificar que um texto também nãopode ser considerado informa-ção a menos que esteja inseri-do num contexto. Por outro lado,não é comum referir-se ao textocomo dado, embora seja possí-vel referir-se à informação conti-da num manual de engenhariacomo um dado útil. Tudo seman-ticamente um tanto confuso.

Mcgarry (1999, p.2) refere-se aoInformation Science Abstracts – publicaçãoque resume inúmeros artigos de periódicose relatórios de pesquisa no campo da ciên-cia da informação – para ilustrar essa con-fusão conceitual:

[...] um exame de relance doscabeçalhos de assuntos ali em-pregados dará idéia dos váriosusos e contextos do termo ‘in-formação’. Uma pequena amos-tra mostrará o que quero dizer.Os catálogos das universidadesadoram utilizar os termos a se-guir. Pense no que significampara você: informática, gerênciada informação, informatologia,processamento da informação,recuperação da informação, te-oria da informação, transferên-cia de informação, uso da infor-mação e vários outros vocábu-los similares.

Esse autor busca na etimologia umapista para a compreensão do termo infor-mação. O termo torna-se popular logo apósa invenção da imprensa no Século XV. Suaraiz encontra-se nas palavras latinasformatio e forma, que transmitem a idéia deformar um molde ou moldar algo. Tambémestava associada ao termo “notícia”.

Partindo do significado “dar forma”,Davenport (1998) argumenta que a infor-mação traria uma diferenciação na perspec-tiva ou insight, através do modelamento porparte da pessoa que a recebe. No entendi-mento do autor, a informação correspondea dados que permitem uma diferença, e osseus significados são expressos pelo recep-tor e não pelo emissor. Quem decide sedeterminada mensagem de fato informa éo receptor e não o emissor. Ele reforça essaidéia ao afirmar que:

Diferentemente do dado, a infor-mação tem o significado – ‘a re-levância e propósito’ - da defini-ção de DRUCKER. Ela não só‘dá forma’ ao receptor como elaprópria tem uma forma: ela estáorganizada para alguma finalida-de. Dados tornam-se informação

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quando o seu criador lhes acres-centa significado (DAVEN-PORT,1998, p.5).

Buckland (1991), por sua vez, desta-ca que podemos identificar algumas apro-ximações para o uso do termo informação.Considerando-se que na aproximação nãohá como estabelecer um conceito únicopara o termo, algum progresso pode serfeito. Segundo o autor podemos identificartrês usos principais para a palavra informa-ção:

1) Informação enquanto processo: quando serecebe alguma informação, aquilo que sesabia de antemão é mudado pela presen-ça da informação atual. Enquanto proces-so, ela é ato de informar; comunicar o co-nhecimento ou notícias de algum fato ouocorrência; a ação de dizer ou fato de estarsendo dito algo;

2) Informação enquanto conhecimento: é adecodificação daquilo que foi percebido nainformação como processo. Seria o conhe-cimento comunicado a respeito de um fatoparticular, assunto, ou evento;

3) Informação enquanto coisa: é aquilo quepode ser manipulado como objetos, dadoou documentos, que são definidos como ‘in-formação’ porque possuem a propriedadede ser informativos, porque possuem a qua-lidade de comunicar informações.

Para Buckland (1991) uma caracterís-tica clara da informação enquanto conheci-mento é sua intangibilidade, ou seja, nãopode ser tocada ou mensurada de nenhu-ma forma. Conhecimento, opiniões e valo-res são pessoais, subjetivos e conceituais.Daí a necessidade de um meio físico parasua expressão, como texto, sinal ou comu-nicação. A informação, enquanto conheci-mento, é portanto representada pela infor-mação enquanto coisa.

Neste sentido, Nonaka & Takeuchi(1997) afirmam que a informação é um meiomaterial necessário para extrair e construir

conhecimento. Na perspectiva dos autores,o conhecimento apresenta importância cen-tral, sendo a informação um elemento fun-damental para seu desenvolvimento. Aconstrução do conhecimento está essenci-almente ligada à ação humana. A informa-ção constitui um fluxo de mensagens, en-quanto o conhecimento é criado pelo fluxodessa informação, ancorado nas crenças ecompromissos de seus detentores. É impor-tante ressaltar que tanto a informação comoo conhecimento só possuem significânciaem relação ao contexto, sendo específicosao mesmo tempo e criados de forma dinâ-mica na interação social entre as pessoas.

Podemos perceber, portanto, umaenorme profusão de conceitos, apresentan-do distinções terminológicas, mas sem umconsenso claro. Wiener (1960, p.25) asse-vera que

[...] informação é o termo que de-signa o conteúdo daquilo quepermutamos com o mundo ex-terior ao ajustar-nos a ele, e quefaz com que nosso ajustamentoseja nele percebido. Viver defato é viver com informação.

Essa definição para o termo informa-ção leva-nos a refletir que talvez o aspectomais importante a ser salientado seja a im-portância da informação enquanto recurso,que está sendo cada vez mais acentuada-mente fundamental para a própria existên-cia humana.

Vale ressaltar que quando dizemosque a informação é um recurso não estamosquerendo restringir a definição a uma vi-são econômica. Conquanto os impactos dasnovas tecnologias da informação deixemclaro que a informação desempenha novopapel nas decisões econômicas, quer se-jam públicas ou privadas, estamos interes-sados na importância e na relevância dainformação. A informação pode ser vista

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enquanto recurso, pois possui os requisitospara ser considerada como tal, como dizCronin (1990):

É uma necessidade. Os custosassociados à sua coleta, disse-minação, armazenamento, aná-lise, descarte são elevados, oque é contrabalançado pelo fatode [...] possuir valor significativo[...].

Mais importante que definir o termo, ésalientar que a informação é sempre um re-curso básico para a efetivação dos proces-sos de comunicação humana.

De acordo com as definições detecnologia e de informação expostas aci-ma, podemos nos aproximar de uma defini-ção de tecnologia da informação como sen-do a utilização de conhecimentos científi-cos ou outro tipo de conhecimento organi-zado para tratar a informação e viabilizar osprocessos de decisão humana. A busca deinformação surge da necessidade, o quenos faz deparar com escolhas. A tecnologiada informação lida com mecanismos atra-vés dos quais os indivíduos fazem suasescolhas com um maior ou menor grau decomplexidade, o que influencia diretamen-te o volume de informação recuperado.

Dessa forma, podemos concluir que aoralidade (dramatizações, ritos, músicas,entonação de voz), a escrita (fundamental-mente o alfabeto) e a imprensa constituemtecnologias da informação, poiscorrespondem à utilização de alguma for-ma de conhecimento organizado (gerado edisseminado via informação) para estimu-lar e desenvolver o próprio processo deconstrução da história da humanidade. Éimportante ressaltar, que nesse processode construção e evolução as tecnologias dainformação não são excludentes, mas com-plementares.

Abordemos agora a chamada socie-dade da informação. Sua definição passapelo progresso da tecnologia e da comuni-cação:

A sociedade da informação édeterminada pela integração dastecnologias de informação (par-ticularmente microeletrônica) ede comunicação à vida social,profissional e privada, junto coma percepção da informaçãocomo fator estruturante da soci-edade e insumo básico de pro-dução (intelectual, cultural e eco-nômica) (LUCENA, 1998).

De fato, como destaca Kumar (1999),entramos em novo paradigma de acumula-ção flexível no qual produzimos informaçãoem massa, da mesma maneira que se pro-duz carros em massa. Os teóricos da soci-edade de informação asseveram sobre aexistência de um novo quadro no qual asmudanças ocorrem no nível mais fundamen-tal da sociedade, ou seja, a substituição detrabalho e capital, as variáveis básicas dasociedade industrial, por informação e co-nhecimento.

Gostaríamos de ressaltar que, diantedo exposto anteriormente, seja na oralidade,na escrita, na imprensa ou na revoluçãoeletrônica, o homem sempre se colocoufrente à tarefa de lidar com a informação.Portanto, a sociedade sempre foi “socieda-de da informação”. O que vemos ocorreragora é o aumento na velocidade e nos re-cursos disponíveis para lidar com a mes-ma, o que ocorre de forma proporcional aodesenvolvimento da idéia de progresso vi-vido pela humanidade ao longo da história.Gostaríamos de propor a denominação des-sa nova etapa de desenvolvimento da soci-edade humana não de “sociedade da infor-mação”, mas de “sociedade da informaçãoeletrônica”.

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3 OS EFEITOS DAS TECNOLOGIAS DAINFORMAÇÃO NA SOCIEDADE:CONTEXTOS, MUDANÇA E IMPACTO

Abordaremos nesta seção os possí-veis impactos da evolução das tecnologiasda informação na sociedade, que passou ase denominar sociedade da informação.Nosso enfoque será na sociedade contem-porânea que está passando de forma maisrápida e instável por criação e expansãode novas e reestruturantes tecnologiasinformacionais associadas às telecomuni-cações, sendo que estas levam àreestruturação até mesmo da definição eentendimento do próprio homem.

Lévy (1993) mostra-se cético quandose fala em impacto das tecnologias. Suaargumentação se apóia no fato de que astecnologias não apresentam vida própria(não são atores autônomos da sociedade),mas são desenvolvidas, utilizadas e des-cartadas pelo ser humano, que é o ator prin-cipal da sociedade da informação eletrôni-ca. Ele é quem centraliza todo o processointerativo da tecnologia da informação, en-quanto agente das atividades humanas, quevive, pensa, constitui entidades materiais,naturais e artificiais com idéias e represen-tações.

Trataremos as tecnologias enquantoprocesso e produto de determinada socie-dade e uma cultura, como visto anteriormen-te. Enquanto produto cultural, há umaintencionalidade no desenvolvimento e prá-tica da mesma. Por isso, considera-se asmudanças que a sociedade e suaestruturação sofrem em função da utiliza-ção das novas tecnologias informacionaise seu impacto.

A Internet, junto às telecomunicações,é tida como a responsável pela interligaçãodo mundo, formando o que hoje se denomi-na “aldeia global”. Essa interligação tem

pontos positivos e negativos que serão abor-dados adiante. Mas, queremos voltar nossaatenção para o “abismo tecnológico” apon-tado pela ONU em relatório recente citadona Folha de São Paulo (FARAH,2000,p.A13). O referido relatório diz que nem 5%do mundo usa a Internet. Seu uso encontra-se concentrado na Alemanha, Reino Unido,Itália, França, Holanda, Espanha, Canadá eEUA que, juntos, somam 89% dos usuários.Esse quadro é descrito pela ONU como uma“exclusão digital” da maioria dos países.Essa lacuna, dramática entre países do pri-meiro e terceiro mundos, tornou-se uma ame-aça global:

“Quem não pegar o ´expressoInternet´ será cada vez maismarginalizado. Países em de-senvolvimento só poderão com-petir no mercado global casoparticipem dessa revolução”(FOLHA DE SÃO PAULO, 23jun. 2000).

A solução proposta pela ONU paracombater o “abismo tecnológico” é a ampli-ação de centros comunitários de acesso aouso da Internet em escolas e bibliotecas,ao lado de incentivos para países pobrescomo o perdão de parte da dívida externa(1%) e associações dos governos com osetor privado. Para os autores do relatório,os avanços tecnológicos trariam benefíci-os para a população como um todo não sóna área cultural ou educacional, mas tam-bém a outras áreas essenciais: “a Internetbeneficia a exportação, melhora a admi-nistração do setor público e leva informa-ções sobre educação e saúde a muitas pes-soas”. A pergunta que se tem feito é se háum empenho real dos governos para aca-barem com o “abismo digital” já instaladoentre os poucos países desenvolvidos e orestante do mundo. Vista como uma pana-céia que trará soluções para problemasantigos, a Internet pode tornar-se uma fer-ramenta de mão única na chamada “aldeia

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global”.

É importante salientar, portanto, queconquanto a Internet represente um salto eum avanço na formação de uma aldeia glo-bal com impactos marcantes na economia,política e relações sociais mundiais, a for-mação desse espaço de interação mundialainda é extremamente restrita. De fato, cabequestionar se existe essa tão falada aldeiaglobal. A sociedade da informação eletrô-nica, ao invés de representar uma tendên-cia mundial, não refletiria apenas um as-pecto dos países desenvolvidos? Obvia-mente, existe a projeção de uma difusãocada vez maior da Internet, mesmo entreos países pobres. Contudo, se observarmosa tecnologia dentro do conceito de que éneutra, essa expansão não se constituiriaem elemento de dominação de países de-senvolvidos sobre países de terceiro mun-do?

A Internet possibilita a circulação edisponibilização de informações governa-mentais, organizacionais e pessoais comuma infra-estrutura (como, por exemplo,antenas, satélites) desenvolvida para ga-rantir segurança e proteção à privacidadedos dados que nela circulam. Bravo (1999)argumenta sobre a necessidade de regula-mentação sobre o compartilhamento ou nãode informações sobre o cidadão pelo go-verno, pelo setor privado ou outras organi-zações. Ele se refere a uma forma de pro-teger o cidadão de possíveis abusos quepoderia sofrer por parte desses órgãos. Poroutro lado, a Internet pode ser associada aum anarquismo, no qual os assuntos circu-lam na rede ao mesmo tempo, legalmenteou ilegalmente, às vezes, com muita repe-tição e em quantidade e qualidade variá-veis, o que dificulta o controle sobre a mes-ma. As novas tecnologias da informaçãoampliam sua discussão, portanto, para anecessidade de reformular outros camposou disciplinas do conhecimento como, neste

caso, o direito. Lucena (1998, p. 37) comen-ta sobre este aspecto:

A interconexão entre redes na-cionais através de redes interna-cionais engloba, além dehardware, software e trabalhotécnico necessário para a insta-lação, operação e manutençãode uma infra-estrutura global, osaspectos de padronização, legal,comercial e diplomático.

Por outro lado, o próprio cidadão podeter hoje acesso a informações que não es-tariam disponíveis em meios públicos, noperíodo anterior à Internet. Por exemplo,pode-se ter acesso a toda a movimentaçãofinanceira de uma empresa a partir de umterminal de auto-atendimento, onde tambémassistimos ao virtual desaparecimento decheques e dinheiro na maioria das transa-ções monetárias. Operações como esta,que envolvem protocolos e linguagens deexibição, eram impensáveis antes do de-senvolvimento das novas tecnologiasinformacionais.

As novas tecnologias também têm sidoutilizadas criminosamente, como é o casodo acesso não autorizado pelos hackings,que agem sobre programas e bancos dedados, cometendo fraudes e disseminandovírus (LUCENA, 1998). Em contrapartida,esses problemas estimulam desenvolvi-mento de novas tecnologias como acriptografia2 que possibilita imprimir um altonível de segurança na utilização da rede.

A globalização poderia ser vista comouma possibilidade de melhoria das condi-ções de vida de todos, mas o que se vê,cada vez mais, é um processo de exclusãocrescente daqueles que não conseguem

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2 Criptografia pode ser definida com “a ciência demisturar dados de maneira que os olhos errados nãovejam”. (IBICT, CNPQ, 1998, p.33).

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acompanhar o “expresso Internet”. Lucena(1998) afirma que a entrada do Brasil na redeglobal deveria ocorrer de forma a assegurara preservação e ampliação de sua diversi-dade cultural, e sua segurança deveria sertratada como item de interesse nacional nosintercâmbios de toda e qualquer natureza.Tentaremos adiante apontar alguns dos efei-tos dessa corrida rumo ao “expresso”.

Do ponto de vista das relações depoder, as interações entre os sujeitos ten-dem a ser mais e mais polarizadas - carac-terizando os dominadores e os dominados- pela presença da tecnologia. Há uma pre-ocupação por parte de órgãos nacionais,como o IBICT e o CNPq, do Brasil, evitar apassividade típica dos países do terceiromundo que não assumem uma posição deagentes efetivos na reorganização dosmodos de produção e negócios em temposde globalização. A aceleração desse pro-cesso no Brasil se dá pela incorporação dastecnologias da informação, comunicação ecomputação, o que significa entrar no mun-do virtual assegurado pela Internet e redemenores. Essa inserção exige investimen-tos tanto humanos quanto financeiros, de-vendo-se observar que aqueles que deti-verem maiores recursos nessa área, terãomaior chance de ditar as regras de cons-trução, utilização, disponibilização e aces-so às informações. Os países menos favo-recidos surgem nesse cenário como con-sumidores passivos das informações quesão disponibilizadas na rede. Devemosatentar-nos para o fato de que nem todasas informações relevantes estão circulan-do livremente ou com acesso ilimitado naInternet. Há uma censura operando em as-suntos tratados como interesses particula-res, mesmo que os mesmos afetem parce-la significativa da humanidade. Como exem-plo de monopólio e poder nessa área, te-mos empresas multinacionais conhecidascomo a IBM (computadores), AT&T (teleco-municações), Xerox e Olivetti (equipamentos

de escritório), Philips e Siemens (eletrônica).

Podemos mais uma vez argumentarque somente poucos se encontram envol-vidos diretamente na produção, dissemina-ção e utilização destas tecnologias (cercade 5% da população mundial, segundo re-latório da ONU). Alguns as recebem comoalgo externo (o que é exacerbado pela ra-pidez com que ocorre sua expansão), quechega e muda tanto a rotina pessoal quan-to a profissional. Quem não se adapta cor-re o risco ser excluído das relações inter-pessoais ou de trabalho e quem se atuali-za, constantemente, tem mais chances decompor os recursos humanos da era da in-formação:

Os recursos humanos qualifica-dos serão de importância funda-mental para a era da informação:cientistas, engenheiros, educa-dores e técnicos; uma força detrabalho treinada para o uso des-tas tecnologias e sistemas capazde produzir com qualidade ecompetitividade dentro de ambi-entes baseados em conheci-mento e uma população prepa-rada para, em escala generali-zada, utilizar sistemas e serviçosassociados a redes de comuni-cação e informação, bem comoeducada para produzir e consu-mir informação e conhecimentocompetentemente (LUCENA,1998, p.37-38).

Por ocasião do surgimento da escrita,algumas línguas e, mesmo sociedades,desapareceram por não terem se adapta-do, em tempo hábil, às novas tecnologias.Com a globalização, vimos surgir ahegemonia da língua inglesa nos contatossejam financeiros, políticos ou culturais. Odomínio desse idioma começa a serdeterminante para um trânsito confortável emum mercado profissional cada vez mais com-p e t i t i v o .

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O mesmo relatório da ONU que de-nuncia que o controle da informação estánas mãos de uma pequena minoria, atentapara a necessidade de tradução de sitesdo inglês para outras línguas, como o ára-be, chinês e persa a fim de contribuir nasocialização da Internet (FARAH, 2000, p.A13). Essa hegemonia está estritamente li-gada ao capitalismo dos países do primei-ro mundo. Hoje, assistimos a reações con-tra a hegemonia do inglês como, por exem-plo, a exigência dos franceses de que oscardápios da rede Mcdonald´s venham es-critos em francês. Mas, estas reações sãopoucas e predominam os valores norte-americanos ditando hábitos, modas e cul-tura para grande parte da população mun-dial. Por isso, uma reflexão sobre a era dainformação e, em última análise, a constru-ção de um mundo informacional mais de-mocrático, requer necessariamente umapostura crítica sobre essa realidade em quetodos vivemos.

Com relação à construção da inteli-gência, fala-se na inteligência coletiva pos-sibilitada pelo ciberespaço (dispositivo decomunicação interativo e comunitário). Oshipertextos (escrita não seqüencial quepermite ao leitor fazer uma leitura individu-alizada) são possibilidades da construçãocoletiva e eliminação da autoria individual,como afirma Lévy (1993).

É verdade que há um autor para aestrutura, mas há o fato de que a manipula-ção do hipertexto é limitada pela estruturasobre a qual seu autor o constrói. Há umcaminho pré-determinado a ser seguido. Anão ser que ele nos dê uma estrutura aber-ta, com a possibilidade de criar links, nãopodemos traçar nosso próprio caminho.Lévy afirma que o ciberespaço é apenasum ambiente para o desenvolvimento da in-teligência coletiva, o que não garante o seudesenvolvimento.

O desenvolvimento do conhecimentoe a criação da inteligência coletiva não sedão somente do ponto de vista quantitati-vo, mas também qualitativo. Não mais seatingem platéias uniformes via mensagenspadronizadas. A estrutura hipertextual dociberespaço permite ao leitor expandir seuconhecimento além das notas de rodapé esumários. Tornou-se possível transitar notexto conforme se deseje. Apesar devisualizarmos claramente, no hipertexto, umcaminho a ser seguido, com umaestruturação finita dentro da proposta doseu autor, o leitor poder transitar aí livre-mente, sem modificar essa estrutura.

A formação da inteligência coletivapermite que a informação seja processada,selecionada e recuperada por qualquer umque tenha acesso à rede que se formou.Se esse conhecimento é modificável emuma velocidade nunca antes vivida na his-tória da informação, será que isto não seriauma barreira para a sedimentação do co-nhecimento produzido na rede? Não nosfaltaria uma consistência de conteúdo ouconhecimento para utilização posterior, quefosse útil na construção da história, namelhoria das condições de vida da socie-dade como um todo? Será que as pessoasdisporiam de meios para lidar com essa faltade estabilidade dentro da virtualidade dociberespaço? Suscitamos essas questõespor causa da volatilidade a que estão sujei-tos os produtos da inteligência coletiva. Nãotemos a pretensão de responder a estasquestões, mas consideramos que essa re-flexão seja importante, para que se previnao que Breen (1997) aponta como o esvazi-amento do conhecimento racional e históri-co.

Associadas ao desenvolvimento datecnologia e da criação da inteligência cole-tiva, surgem formas de comportamento pou-co saudáveis, como o isolamento e a sobre-

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carga cognitivos (diminuição da interaçãopresencial e, com ela, perda de referênciasreais); a dependência (vício na navegaçãoou jogos em mundos virtuais); a dominação(reforço dos centros de decisão e de contro-le, domínio quase monopolista de algumaspotências econômicas sobre funções impor-tantes da rede etc.); a exploração (em algunscasos de teletrabalho vigiado ou dedeslocalização de atividades no terceiromundo) e, mesmo, as “bobagens” ou “per-versões” coletivas (LUCENA, 1998).

As tecnologias informacionais podemaumentar a autonomia dos indivíduos emultiplicar suas capacidades cognitivas,como por exemplo, a extensão da memóriaem longo prazo e a leitura individualizadade hipertextos. Essa mudança apresentaum impacto na forma como os sujeitos seposicionam frente ao mundo, podendo levá-los a uma busca, uma reformulação destea partir do mundo virtual, o que é bastanteplausível dentro de um mundo caracteriza-do por uma grande ausência de estabilida-de e um foco muito grande na virtualidadeda Internet. Como a inteligência coletiva iráajudar-nos a lidar com o mundo “real” nãoé revelado nas discussões dos autores quetratam do assunto. Não se sabe mesmo sehá uma preocupação nesse sentido, mashá que se considerar o potencial de impac-tos negativos na construção de uma inteli-gência coletiva.

O computador permite uma grandevelocidade na comunicação, uma simula-ção (através da demonstração visual) e anão linearidade do texto (possível peloslinks de conexões do hipertexto). A trans-formação não se dá apenas na transmis-são da mensagem, mas também na recep-ção e interpretação que cada um dará àmesma, através da mobilidade das relaçõesde sentido. Transferindo-nos para a realida-de das nossas relações interpessoais e paraa realidade das relações homem/máquina,

podemos constatar que as mensagens atra-vés do meio eletrônico estão cada vez maisimediatas e que o hipertexto permite-nos ul-trapassar o formato uniforme de uma pági-na. Os textos informatizados variam muito ese adaptam de acordo com o leitor. As ima-gens simuladas funcionam como uma exten-são da imaginação.

A informática representa muito maisque uma revolução nas formas e métodosde geração, armazenamento, processa-mento e transmissão da informação. A pos-sibilidade de se explorar o texto de manei-ra interativa introduziu o conhecimento porsimulação. O hipertexto também desterrito-rializa o texto, tornando-o sem fronteiras.

Parece que a inteligência coletiva des-crita por Lévy (1993) se limita à interaçãono ciberespaço de construção de textos,hipertextos coletivos, de relações virtuais,não sendo extrapolada para a realidade.Entendemos essa extrapolação enquantouma construção do mundo real de formacoletiva e interativa. Entretanto, no mundoreal, muitas vezes alguns poucos tomam asdecisões e a maioria apenas sofre os efei-tos dessas decisões. Portanto, a inteligên-cia coletiva não garante uma melhoria nasrelações entre as pessoas ou umareformulação da sociedade no sentido dobem comum.

As tecnologias da informação estãodescortinando novas oportunidades de pes-quisa. Através dos computadores, dizMeadws (1999), pode-se decidir quais te-mas de pesquisa atraem maior interesse.Para esse autor, a maioria das grandes ins-tituições de pesquisa adotam políticas decomunicação em rede. Os pesquisadores,para se encaixarem neste perfil, passam adepender de habilidades em informática.Contudo, esse conhecimento deve ser equi-librado para não haver um desvio do focode pesquisa em direção às funções técni-

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cas. Outro risco que se corre é que os pro-blemas a serem pesquisados se concen-trem em torno daqueles que interessamsomente aos países desenvolvidos, que sãoaqueles que detêm as tecnologias maisavançadas e maior capital financeiro ou in-telectual.

Uma modificação no perfil dos pesqui-sadores também pode ocorrer na medidaem que, não havendo um encontropresencial, se sentem mais livres para ques-tionar. Esta comunicação facilitada no es-paço virtual os permitiria agirem em pé deigualdade. O semi-anomimato na comuni-cação mediada pelo computador pode per-mitir uma maior igualdade, o que parecefacilitar as interações entre os cientistas epossibilitar o desenvolvimento mais críticoda pesquisa (LUCENA, 1998).

Volta aqui a questão do acesso à in-formação, onde só quem o tiver poderá fa-zer parte do diálogo e ser ouvido. É claroque a discussão virtual também permite aomissão ou o não comprometimento, masa formação de grupos virtuais de discus-são científica é uma importante contribui-ção para o desenvolvimento da pesquisa,pois pode estimular o trabalho em grupo ea formação de novas equipes de pesquisa.

Um outro lado da tecnologiainformacional na área de pesquisa refere-se ao aspecto ético. Hoje, o Projeto Genomaé bastante questionado sobre até que pon-to o desenvolvimento da manipulação ge-nética visa uma melhoria da vida humanaou mais uma forma de acentuar a polariza-ção econômico-social mundial?

Se nas sociedades orais, a economiarestringia-se à subsistência, nas socieda-des posteriores já havia uma preocupaçãocom o controle da produção, o que viria apossibilitar as trocas de valores e a instau-ração de mercados. Já no presente perío-

do da globalização, assistimos um desloca-mento econômico da indústria para o setorde serviços, da força física para o conheci-mento. A economia circula em torno de capi-tais virtuais, envolvendo a maioria das tran-sações comerciais em todo o mundo. Osacontecimentos políticos, econômicos e cul-turais não são mais eventos isolados. Fatosacontecidos em um país, como a troca dedeterminada moeda ou aprovação de leis,passam a afetar a cotação de ações e índi-ces em bolsas de valores em todo o mundo.

Informacional, global, interdependen-te, politizada, regionalizada, variável,assimétrica, seletiva, excludente, e focadana competitividade são algumas das prin-cipais características da economia na soci-edade contemporânea. Essas característi-cas se inter-relacionam de forma dinâmica.A informação, rapidamente incorporada aosprocessos de trabalho pela rede global,permite às empresas operar em tempo real,transcendendo fronteiras políticas e geográ-ficas. As empresas necessitam, por isso, seadaptar às finalidades e aos mercados es-pecíficos na nova ordem de produção ecomercialização. Deve-se buscar umaflexibilização interna, refletida na capacida-de de admitir e demitir conforme flutuaçõesde mercado e na horizontalização da hie-rarquia organizacional; e uma flexibilizaçãoexterna, refletida na capacidade de adequaros produtos às demandas do mercado eseus segmentos. A acentuação da concor-rência nos mercados internacionais tambémfaz surgir a necessidade de um controlemais acurado das transações.

A característica da regionalização, vis-ta acima, encontra-se estreitamente relaci-onada às características de assimetria eexclusão. Assistimos, na história recente, àformação de três regiões de grande cresci-mento tecnológico: América do Norte, UniãoEuropéia e região do Pacífico Asiático. Poroutro lado, o Terceiro Mundo, que contém a

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maior parte da população mundial, não apre-senta um crescimento significativo que façafrente a esse quadro. A característica da va-riabilidade da economia associa-se direta-mente à evolução das tecnologiasinformacionais que possibilitam mudançaseconômicas com impactos em regiões dis-tantes geograficamente, como por exemplo,o impacto da crise dos chamados tigres asi-áticos nas bolsas de todo o mundo:

Os principais mercados deações do mundo, eletronicamen-te ligados, fazem ajustes instan-tâneos nos preços das ações,em resposta a informaçõestransmitidas minuto a minuto portelas de computador. A comprae venda de ações durante as 24horas do dia tornam-se, pela pri-meira vez, uma possibilidade e,cada vez mais, a prática(KUMAR, 1997, p.28).

A economia capitalista apresenta,como objetivo último, o lucro e a acumula-ção de capital, com repercussões diretassobre o mundo globalizado e interligado,com nítidos efeitos sociais para uma gran-de parcela de países, que já começam aser desconsiderados. Boa parte dos paísesdo continente africano, apesar de detento-res de importantes matérias-primas, comoo garimpo de diamantes em Angola, aindatêm populações vivendo em condições sub-humanas. A maior parcela do lucro da eco-nomia mundial concentra-se nas mãos dasgrandes potências, como os EUA, que seposicionam frente ao resto do mundo comum discurso ambíguo de investimento e in-centivo para economias locais. Alguns au-tores, como Kurz (1996), prevê a chegadade um momento em que os povos excluídosda rede mundial de informação sequer cons-tarão das estatísticas econômicas mundiais.

Na área educacional, o ensinopresencial foi reestruturado com a introdu-

ção das novas tecnologias informacionais esuas associações com a comunicação emultimídia, que possibilitaram, entre outrascoisas, do desenvolvimento da educação àdistância. O ensino tornou-se maisinterativo e mais atraente para o aluno, cujoprocesso de aprendizagem passou a sertratado de forma mais individualizada. En-tre os novos recursos, há o acesso às bibli-otecas virtuais e o acesso on line, que aten-dem desde programas de treinamento deempresas a programas que buscam a solu-ção de problemas específicos. Entretanto,há um outro lado em que o acesso facilita-do a essas novidades torna-se problemáti-co, principalmente entre os adolescentes,que passam a utilizar menos a elaboraçãointelectual, valendo-se de informações jáprocessadas. Na produção de textos origi-nais, por exemplo, a prática disseminadados comandos “recortar/colar” dosprocessadores de texto dificulta a elabora-ção criativa e a visão geral do que se es-creve.

A questão do poder perpassa a ques-tão da educação, especialmente nos paí-ses em desenvolvimento, com sua típicacarência de recursos para investir em im-plantação e atualização das tecnologiasinformacionais. Essa carência deságua emdesigualdades em que esses países podemcair, com implicações técnicas, sociais, po-líticas e econômicas que podem ser cumu-lativas e irreversíveis. Na sociedade da in-formação eletrônica, investimentos cadavez maiores em educação fazem-se neces-sários pois, como afirma Lucena (1998,p.37-38):

mais do que em qualquer outraera da história da humanidade,recursos humanos qualificadosserão de fundamental importân-cia para a era da informação:

. cientistas, engenheiros, educa-dores e técnicos em todas asáreas associadas às tecnologias

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da informação, especialmenteem sistemas de informação, decomunicação e computação,mas também em administraçãoe aplicação de informação e co-nhecimento;

· uma força de trabalho treinadapara o uso destas tecnologias esistemas capaz de produzir comqualidade e competitividadedentro de ambientes baseadosem conhecimentos;

· uma população preparada para,em escala generalizada, utilizarsistemas e serviços associadosa redes de comunicação e infor-mação, bem como educada paraproduzir e consumir informaçãoe conhecimento competente-mente.

Segundo relatório da ONU publicadona Folha de São Paulo em junho de 2000,desde 1995, o Brasil apresenta a maioriade suas universidades e centros de pes-quisa interconectados, oferecendo serviçospara apenas 150 mil usuários o que, se-gundo nossa perspectiva, não representacondição suficiente para se atingir a quali-dade dos recursos humanos que a socie-dade da informação eletrônica exige.

Hoje, assistimos o delineamento deum novo perfil profissional que deve pas-sar por um processo de contínua atualiza-ção, onde as novas tecnologias informacio-nais tornam-se imprescindíveis. A flexibili-dade torna-se condição de sobrevivência,mas a exigência de uma constante mudan-ça do conhecimento do profissional gerauma sobrecarga excessiva para o trabalha-dor, cujas estruturas psíquica, cognitiva e fí-sica não se alteram no mesmo ritmo dasnovas tecnologias informacionais.

As novas tecnologias informacionaisalimentam, em alguns profissionais comoarquitetos, desenhistas industriais e traba-lhadores de escritório, uma “dinâmica de

desqualificação”, ao mesmo tempo em quecriam e expandem novos tipos de trabalhono setor do conhecimento. Não há, entreos autores que estudam o assunto, consen-so se essas tecnologias reduzem ou aumen-tam postos de trabalho. Mas,

na medida em que o taylorismocontinua a ser o princípio domi-nante, a tecnologia da informa-ção possui maior potencial deproletarizar do que deprofissionalizar o trabalhador(KUMAR, 1997, p.37).

Segundo o mesmo autor, o crescimen-to do número de empregos tem ocorrido nãono setor do conhecimento, mas no setor deserviços, ou seja, nos níveis mais baixosda economia, no qual o grau de habilida-des e conhecimento não é alto. Em outraspalavras, essa “desqualificação” esconde-se sob novas formas de utilização da forçade trabalho. Acrescenta-se aí impactos psi-cológicos como depressão e neurose detrabalho (síndrome do trabalho vazio embancários, neuroses das telefonistas etc.).

As empresas modernas sofreram umprocesso de horizontalização no qual o con-trole dos trabalhadores considera um novoparâmetro que encontra-se embutido nospróprios equipamentos e nas formas cole-tivas que asseguram a participação regula-da. Surgem também grupos de trabalhosemi-autônomos, aparentemente segundoum modelo organizacional descentralizado,em que é possível planejar, decidir e orga-nizar o próprio trabalho nos diferentes ní-veis organizacionais. Como são semi-au-tônomos, há diminuição da diferença entretrabalho prescrito e real (SALERNO, 1994).Apesar disso, observa-se a emergência denovas fontes de sofrimento no trabalho. Osofrimento psíquico aparece quando todasas margens de liberdade na transformação,na gestão e no aperfeiçoamento da organi-zação do seu trabalho já foram eliminadas.

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O medo ou temor surgem como uma reaçãoà possibilidade de perda do emprego decor-rente da substituição do homem pela máqui-na ou da possibilidade de cometer erros(DEJOURS, 1994). Nas linhas de produção,o trabalho do homem pode ser substituídopor robôs ou máquinas de controle numéri-co para assegurar uma estratégiaconcorrencial forte, que busque a qualida-de e a diferenciação dos produtos e servi-ços no mercado.

A utilização de tecnologias informacio-nais permite a integração e a aproximaçãodas relações entre as empresas, seja pelainterligação de tarefas e pessoas, seja pelaarticulação interempresarial com o objetivode reunir esforços cooperativos de desen-volvimento tecnológico (joint ventures). Sur-ge o discurso de valorização do potencialhumano, tornando-se o ser humano o prin-cipal valor ativo no qual deve-se investir,discurso que acreditamos ser muito maisintelectualizado do que praticado.

A conectividade, possibilitada pelaInternet, ao mesmo tempo em que atinge oprocesso de trabalho do sujeito, interfereem sua vida privada. Uma pesquisa reali-zada no vale do Silício por Richard, cita ofato de filhos adolescentes atuarem comoconsultores para seus pais na compreen-são e aprendizagem de novos software. Citatambém o caso de casais trabalharem cemhoras por semana, praticamente sem sedesconectar, chegando a levar laptops paraa cama (FARAH, 2000,p.A13). Esse proces-so é nomeado pela psicopatologia do tra-balho como “contaminação do tempo forado trabalho” e tem sido objeto de muitos es-tudos na área da psicologia do trabalho so-bre os chamados workaholics.

As novas tecnologias afetam tambémas formas de entretenimento e socialização.Hoje, há várias formas de entretenimentovirtual possibilitadas pela interação das

tecnologias informacionais (Internet, CD-Rom etc.). Pode-se formar, por exemplo,grupos de amigos on line com hora marcadapara se encontrarem virtualmente em de-terminado local (os chamados chats). A dis-tância parece oferecer aos “amigos virtu-ais” uma segurança que um encontro pes-soal não permitiria. São comuns relatos emque a relação virtual torna-se impossívelquando tornada real. Assistimos também àemergência de temas existenciais como otédio, o vazio e a solidão na sociedade pós-moderna, que podem estar relacionadoscom a convivência na realidade virtual, coma “cultura do simulacro” (TAYLOR, 1994).Lasch (1979, p. 339) argumenta que “seriaa um desprendimento emocional que os in-divíduos cada vez mais aspirariam, em ra-zão dos riscos de instabilidade que as rela-ções pessoais conhecem em nossos dias.Ter relações interindividuais sem ligaçãoprofunda, não se sentir vulnerável, desen-volver sua independência afetiva, viver so-zinho, tal seria o perfil do narciso”. Na mes-ma linha de pensamento, Lipovetsky (1983,p.73) afirma que quanto mais se desenvol-ve a possibilidade de encontros virtuaisentre as pessoas, via tecnologias informa-cionais, mais solitárias elas se sentem: “Portoda a parte encontramos a solidão, o va-zio, a dificuldade de sentir, de ser transpor-tado para fora se si”. O autor define a “era”pós-moderna como a “era do vazio”, na qualas pessoas se envolvem em encontros ediscursos virtuais, construídos sobre umarealidade esvaziada de sentido. Ele definea sociedade como uma sociedade do es-petáculo, em que os EUA representam seupivô de construção.

A facilidade de se obter entretenimen-to em grande quantidade e no horário em quese deseja não parece ser uma solução paraque o homem sinta-se integrado socialmen-te. Impera a necessidade de se buscar sen-tido naquilo a que nos dedicamos. Ajudar oser humano a encontrar-se não parece tare-fa fácil, especialmente num mundo orienta-

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do pela acumulação virtual do capital, ondeo ser humano é catalogado apenas como umnúmero dentro da rede.

4 CONCLUSÃO

Durante a história da humanidade fo-ram utilizadas diversas tecnologias na co-municação e desenvolvimento das socie-dades. Entretanto, no último quartel do Sé-culo XX, o desenvolvimento da computa-ção e das telecomunicações permitiu umavanço significativo na troca de informaçõese na geração do conhecimento. A chama-da sociedade da informação tem trazido,desde então, impactos significativos no diaa dia das pessoas.

Ressaltamos neste trabalho algunsdesses impactos sob um viés essencialmen-te crítico. Não se trata de neoludismo danossa parte e certamente não desvaloriza-mos as tecnologias da informação.Alertamos contra distorções que possamhaver na utilização das novas tecnologias.Afinal, os autores estudados relataram vá-rias possibilidades, muitas vezes contradi-tórias. Mas, antes de finalizar a discussão,não podemos ignorar as perspectivas som-brias da globalização, como o agravamen-to da exclusão e da marginalização de po-vos e a perda de identidades e diversida-des culturais.

As tecnologias, por si só, não geramdesenvolvimento ou possibil itam umamelhoria nas condições de vida para os in-divíduos da “aldeia global”. É necessáriauma interação efetiva entre os setores priva-do, governamental e ONGs para a formula-ção de políticas de desenvolvimento que con-templem os aspectos posi tivos dastecnologias da informação e minimizem osefeitos negativos da aplicação das mesmas.Aí sim poderemos encarar o futuro com oti-mismo.

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Gercina Ângela Borém de O. LimaProfessora da Escola de Ciência da Infor-mação da UFMG. Doutoranda do Progra-ma de Pós-Graduação da Escola de Ciên-cia da Informação da UFMG. E-mail:

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[email protected] Site:www.eb.ufmg.br/glima

Líliam Pacheco PintoMestranda do Programa de Pós-Graduaçãoda Escola de Ciência da Informação daUFMG.E-mail: [email protected]

Marconi Martins de LaiaMestrando do Programa de Pós-Graduaçãoda Escola de Ciência da Informação daUFMG. E-mail: [email protected]

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TitleInformation technology: impacts on society

AbstractThis article deals with the terminology andconcepts of technology, information, informationtechnology and information society. Discussesthe role these concepts played in differentphases of mankind's development such as inoral society, written society, printed era andelectronic age. It is also focused the impact ofthe new technologies and their applicaton in thecontemporary world.

KeywordsInformation Technology; Information Society;Knowledge Transfer.

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TituloTecnologia de la información: impactos en lasociedade

ResumenEstudia los conceptos de los termos tecnología,información y tecnología de la información ysociedad de la información. Discute losespacios que estos conceptos ocuparon en dis-tintos momentos del desenvolvimiento huma-no, como en la oralidad, escrita, prensa, y laera electrónica. Finalmente, aborda los impac-tos que el acelerado desarrollo y uso de las

nuevas tecnologías de la información están pro-vocando en la sociedad contemporánea.

Palabras-claveTecnología de la Información; Sociedad de laInformación, Transmisión del Conocimiento

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Artigo recebido em: 31/10/2001

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