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  • Universidade Federal de Santa CatarinaCentro de Comunicao e ExpressoDepartamento de Expresso Gr ca

    Curso de Design

    Eduardo Vicente Gonalves

    Florianpolis2005

    PROPSITOS DO DESIGN

  • EDUARDO VICENTE GONALVESEstudante da graduao em Design daUniversidade Federal de Santa Catarina

    Florianpolis2005

    Trabalho de Concluso de Curso necessrio para obteno de grau de bacharel. Trabalho orientado pelo Professor Eduardo Jorge Felix Castells na disciplina Trabalho de Concluso de Curso (EGR5010).

    PROPSITOS DO DESIGN

  • Gonalves, Eduardo VicentePropsitos do design / Eduardo Vicente Gonalves / Florianpolis, 2005.90 f.Trabalho de Concluso de Curso Centro de Comunicao e Expresso,

    Universidade Federal de Santa Catarina.

    1. Design. 2. Desenho Industrial. 3. Design Histria.4. Universidade Federal de Santa Catarina Bibliotecas. I. Ttulo.

  • TERMO DE APROVAO

    EDUARDO VICENTE GONALVES

    PROPSITOS DO DESIGN

    Trabalho de Concluso de Curso aprovado como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Design, Centro de Comunicao e Expresso da

    Universidade Federal de Santa Catarina.

    Prof. Milton Luiz Horn VieiraCoordenador do Curso

    Prof. Eduardo Jorge Felix CastellsOrientador

    Departamento de Expresso Gr ca

    Prof. Amrico IshidaDepartamento de Arquitetura e Urbanismo

    Prof. Augusto Fornari VeirasDepartamento de Expresso Gr ca

    Prof. Haenz Gutierrez Quintana Departamento de Expresso Gr ca

    Florianpolis, Agosto de 2005

  • Dedico Cecilia e ao Ded, apoiadores irres-tritos tambm nesses anos de graduao.

  • AGRADECIMENTOS

    No posso comear agradecendo outra pessoa seno o Professor Eduardo Jorge Felix Castells, orientador do trabalho; nas inmeras conversas e encontros as idias iam se assentando. Se o trabalho pde sair de forma coerente e objetiva, graas a esse intelectual de qualidades raras. No esqueo tambm que os encontros de orientao sempre eram coletivos, de forma que as participaes de Cristian Xis Baechtold, Jonatha Jnge, Marcelo Maring Wasem e Tiago Romagnani, grandes amigos durante o curso, foram to notveis como a de nosso orientador.

    Em segundo lugar, agradeo as pessoas responsveis pelo amadurecimento do tema ao longo dos anos de curso. Posso dizer que a participao em do Purungo - Felicidade (encontro municipal de estudantes de design de Curitiba) e no NDesign - Design por neces-sidade (encontro nacional de estudantes de design) me permitiu contato com um sem nmero de pessoas e idias que seria impossvel listar aqui. Em outros dois eventos foram marcan-tes no amadurecimento de minhas idias e, alm de outro sem nmero de pessoas, agradeo especialmente Comisso Organizadora do NDesign (Cleiton Barcelos, Tereza Betinardi e companhia) pela oportunidade de estar participando, entre outras coisas, como debatedor na mesa Quem desenha nosso futuro? O papel social do design; agradeo especialmente tambm Comisso Organizadora (Gilmar Rodrigues, Felipe Canova e companhia) do RDesign (encontro regional de estudantes de design) da Regional Norte/Nordeste, por ter me dado a oportunidade de elaborar e conduzir o grupo de ao/discusso Design, consumo e necessida-de. Todas essas atividades, encontros e idias com as quais tive contato durante esses eventos foram muito orientadoras para mim.

    Alguns intelectuais com os quais tive contatos pessoalmente (e tambm virtualmente) durante a graduao contribuiram, de forma incomparvel, para dar linhas mais experientes s minhas idias: foram principalmente Andr Villas-Boas, Carlos Righi, Marcio Dupont e Mrio Csar Coelho. Da mesma forma, alguns amigos, colegas de curso que ainda no citei, tiveram um papel fundamental: nas inmeras conversas e discusses com Andres Mercy, Augusto Forna-ri Veiras, Diogo Henrique Guga Ropelato, Eduardo Magro Porfrio, Fbio Daniel Sagaz Ribeiro do Nascimento, Gabriel Hartung Lovato e Gisele Coutinho Pungan, fui amadurecendo a partir de suas idias. Assim tambm cito Gustavo Brum, Henrique Nardi, Iraldo Matias, Mar-cio Rocha, Rachel Lima e Juliana Hollerbach, amigos que conheci durante os eventos e que se mostraram igualmente importantes.

    Por ltimo, uma pessoa por quem tenho um carinho especial e que me aguentou durante essa jornada, tendo pacincia quando eu no tinha: Mirela Gonalves.

    Agradeo muito a todos vocs!

  • Os avanos no sculo xxi sero conquistados pela luta humanitria

    contra os valores que justi cam as divises sociais e contra a oposio

    que essa luta ter de enfrentar por parte de interesses econmicos e po-

    lticos estabelecidos.

    Relatrio de Desenvolvimento Humano da ONU, 2000

  • SUMRIO

    Resumo...............................................................................................................................................

    1 Introduo.....................................................................................................................................

    1.1 Causas nais .......................................................................................................................

    1.2 Causa nal, propsitos e propostas no design...............................................................

    2 Era dos manifestos..................................................................................................................

    2.1 Da ausncia das artes unio das artes e ofcios...........................................................

    2.2 Decadncia dos manifestos..............................................................................................

    3 Modelos consumistas.............................................................................................................

    3.1 Novas con guraes sociais.............................................................................................

    3.2 Re exos no design.............................................................................................................

    3.3 Novos comportamentos....................................................................................................

    4 Design no Brasil.........................................................................................................................

    4.1 Como o design chega (ou se forma) no Brasil................................................................

    4.2 Abordagens padro e marginalizadas..............................................................................

    5 Pesquisa: propostas atuais do design no Brasil......................................................

    6 Consideraes nais...............................................................................................................

    Referncias Bibliogr cas........................................................................................................

    Anexos................................................................................................................................................

    Anexo A: Entrevistas com formadores de opinio em design.............................................

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  • RESUMO

    GONALVES, Eduardo Vicente. Propsitos do design. 2005. Trabalho de Concluso de Curso (Bacharelado em Design) - Departamento de Expresso Gr ca, Centro de Comunicao e Expresso, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2005.

    O presente trabalho constitui-se inicialmente de dois blocos. O primeiro um levantamento

    histrico que busca, na fase da gnese e da efetivao do design enquanto disciplina e categoria

    pro ssional, as propostas que ele oferecia ao contexto histrico-social da poca. O segundo

    bloco uma anlise de como a sociedade se transformou desde ento e como as propostas do

    design foram afetadas pelo novo cenrio. Comparando os blocos chega-se situao crtica

    atual, na qual o design passa a ser regido pelo mercado, perdendo, ao menos em parte, sua

    autonomia.

    Palavras-chave: design, histria do design.

  • ABSTRACT

    GONALVES, Eduardo Vicente. Propsitos do design. 2005. Trabalho de Concluso de Curso (Bacharelado em Design) - Departamento de Expresso Gr ca, Centro de Comunica-o e Expresso, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2005.

    Th e present graduation thesis is divided in two blocks. Th e rst one is a historical review that

    aims, in the historic and social contexts, the proposals that made possible the design as a class

    to exist. Th e second analysis how the society changed over time and how the design propos-

    als has been a ected by this new social scenery. Comparing these two blocks, it considers the

    critical situation where besides the needing of change, the society stablished itself in a way to

    avoid it.

    Key-words: industrial design, design history.

  • 1 Introduo

    Este trabalho trata fundamentalmente de objetivos, isto , trata dos ns ltimos que orien-

    tam qualquer produo da cultura humana. Indagar sobre objetivos uma maneira de emergir

    as motivaes que levam as pessoas a agir de uma determinada maneira, ou seja, a dar um deter-

    minado sentido a suas vidas. Como coloca a antroploga Claudia Fonseca:

    A nica coisa que inerente ao ser humano e que todos os povos tm em comum a fa-bricao de um universo simblico, um sistema cultural que atribui signi cados aos elementos da existiencia, e que dota a vida de um sentido. Mas o contedo destes signi cados assume um nmero quase in nito de formas (1995, p.22).

    Esse universo simblico construdo a partir do ser humano, ou seja, a partir de suas esco-

    lhas e de seus objetivos. Desde a antiguidade, esses objetivos aparecem como questo prioritria

    frente a outros aspectos da atividade humana, prioridade esta que se re ete com clareza no pen-

    samento los co, como podemos veri car j desde o pensamento dos lsofos gregos. Dessa

    forma necessrio, antes de iniciar o trabalho propriamente dito, esclarecer brevemente os con-

    ceitos que de nem estes objetivos dos quais falaremos. Ento, a partir disso, tambm necessrio,

    brevemente, explicitar como tais conceitos sero aplicados na discusso pertinente ao design.

    1.1 Causas nais

    Herdamos da loso a grega a teoria das quatro causas1, que buscava a explicao do movi-

    mento2 atravs de quatro causas: uma material, uma formal, uma motriz (ou e ciente) e uma

    nal, sendo esta ltima a mais valiosa o motivo ou nalidade da existncia de alguma coisa .

    Aristteles formulou essa teoria, que s foi assim batizada a partir da loso a medieval (chaui,

    , p.-), pois considerava que conhecemos cada coisa somente quando acreditamos conhe-

    cer sua causa primeira, querendo assim voltar o entendimento do ser s causas dele mesmo (fa-

    ria, , p.). Como coloca Chaui (, p.), a teoria das quatro causas, entre outras leituras,

    pode ser vista como uma concepo metafsica que serve para explicar de modo coerente os

    fenmenos naturais (fsica) e os fenmenos humanos (tica, poltica e tcnica).

    1. Segundo a teoria das quatro causas, as diferentes relaes entre essas quatro causas explicam tudo que existe, o modo como existe e se altera, e o m ou motivo para o qual existe (CHAUI, 1986, P.8).2. Movimento signi ca para um grego toda e qualquer alterao de uma realidade, seja ela qual for (CHAUI, 1986, P.8).

  • Aplicando a teoria a um objeto, por exemplo uma caneta, teramos como sua causa material

    na matria do qual o mesmo feito (plstico, tinta e metal, no caso da caneta); como causa for-

    mal, a forma que o objeto tem (a forma fsica que a caneta tem); como causa motriz, a ao de

    transformao que a matria sofre para adquirir tal forma (o processo de fabricao da caneta

    a partir de suas matrias-primas); e como causa nal o motivo que faz determinado material

    adquirir determinada forma (a necessidade de um objeto que escreva com tinta no papel elimi-

    nando as desvantagens do bico de pena, por exemplo).

    A teoria ca bem clara quando se trata de objetos palpveis. Mas a proposta ser aplic-la em

    um objeto no-palpvel: o design. Partindo-se da importncia maior atribuda causa nal, por

    ela ser base para se pensar nas questes materiais, formais e de transformao, por ela que se

    estendero os primeiros passos desse exerccio. E so esses primeiros passos o escopo do presente

    trabalho: pesquisar sobre as causas nais do design. Em outras palavras, a partir de estudos his-

    toricamente localizados, identi car quais so as propostas de nalidade que o design apresenta

    para a sociedade como justi cativa de sua existncia.

    1.2 Causa nal, propsitos e propostas no design

    Em , Wollner (, p.) adverte, falando da pro sso no Brasil, sobre a necessidade

    da reviso dos conceitos de design, compatibilizando-os realidade brasileira, independente de

    modelos externos e guardando as nossas devidas propores. A partir de tais consideraes

    oportuno estruturar o presente trabalho em dois momentos: o primeiro seria referente aos mo-

    delos originais no sentido de serem a origem, e no de serem mais ou menos autnticos que

    os decorrentes e o segundo seria referente aos modelos atuais de design, que surgiram com o

    passar do tempo; para essa amostra ser enfocado mais especi camente o cenrio atual brasileiro.

    Assim recorre-se s causas nais da origem do design para depois identi car as causas nais da

    rea nos dias atuais.

    Com tal comparao espera-se chegar em duas situaes que supes-se distintas e discorrer

    sobre este quadro sob a gide de uma viso social, mais especi camente no que tange a insero

    social e contextualizao histrica do design.

    Whiteley (, p.) prope uma nova forma de design, que seria o design valorizado. Essa

  • inovao proposta se daria medida que se considerasse o design no como uma nalidade

    cujos valores so evidentes ou naturais, mas como uma parte integrante e integrada de uma de-

    terminada sociedade. Entretanto, apoiando-se na causa da nalidade, pode-se chegar conclu-

    so (como veremos ao longo do trabalho) que o design surgiu como uma pea justi cada dentro

    de seu contexto social e histrico. Como coloca Maldonado (, p.), em artigo datado de

    , o design no um fenmeno de natureza meterica, algo inslito e quase inexplicvel na

    histria, ao contrrio disso, um fenmeno que deriva dos melhores e mais frutferos caminhos

    da cultura do passado e aponta sem hesitao rumo a objetivos claros e bem de nidos. Ou seja,

    ao design conferida uma historicidade, que no pode ser desvinculada de nosso campo pro s-

    sional, como retomado por Gustavo Brum: o design no pode ser compreendido sem se levar

    em conta o contexto histrico, econmico e cultural em que surgiu (, p.).

    A reviso histrica que inicia esse trabalho tem incio nas discusses do distanciamento social

    da arte, percorrendo algumas mudanas sociais e seus re exos no design at chegar nos dias atu-

    ais. Nessa linha, o foco dado ser na nalidade das propostas do design. Dessa forma, no se tra-

    tar do design em seus aspectos formais (discutindo exaustiva e exclusivamente a nalidade das

    propostas formais do design, por exemplo). Quando Scott (, p.) fala da teoria das quatro

    causas ele diz que sem um motivo, no h design fazendo referencia causa primera o autor

    exempli ca que para fazer uma cadeira, o primeiro requisito um motivo que nos impulsione

    a isso (querer propor o uso diferente de um material ou ter sido contratado por um fabricante

    para produzir um tipo novo e barato de cadeira). Entretanto, a viso de Scott tende mais causa

    e ciente do que qualquer outra. A causa nal em questo no presente trabalho no qualquer

    motivo que impulsione o designer a agir; a abordagem se d no mbito das propostas sociais, em

    outras palavras, nas propostas que justi cam o design em seu entorno (a sociedade), permitindo

    que ele seja digno da historicide sugerida, entre outros, por Maldonado.

    Sem a perspectiva histrica, apreende-se as questes e os valores apenas pela metade: quan-

    do no se entende o contexto histrico e intelectual que os gerou, tende-se a entender errado todo

    o resto (whiteley, , p.). com esses pressupostos que a anlise se desenrola, visando

    o dilogo do design com a socieade e com seu contetxo histrico. E tambm por esses pressu-

    postos, seria incoerente fazer o resgate histrico do design visando unicamente suas propostas

    formais elas no so relevantes sem a gide da contextualizao histrica.

    Dessa forma, ao resgatar as origens da arts and crafts, das werkbunds, da Bauhaus, do styling e

    da Ulm, pretende-se destacar as razes que forti caram a base para o surgimento e solidi cao

  • do design; ou seja, constatar quais eram as propostas da categoria para a realidade que a gerou.

    importante destacar ento que o presente trabalho no pretende ser uma referncia da histria

    do design, pois se restringe a um recorte dela. A anlise dos modelos de design existentes hoje

    segue esse mesmo princpio: atravs dos discursos da categoria, embasados nos discursos das

    associaes representativas dessa classe, das publicaes mais recentes (de em diante) e da

    voz dos formadores de opinio do design no Brasil pretende-se sintetizar quais as propostas que

    a categoria oferece realidade atual.

    Com esses dois grupos de propostas claros, a comparao ser feita levando em considerao

    possveis fatos que justi quem as diferenas que ento emergirem. Os compromissos sociais e

    polticos do design, os paradigamas da modernidade e da ps-modernidade e ainda fatores da

    implementao do design no Brasil sero apenas possibilidades que podem ser elencadas como

    in uentes das mudanas (e portanto, de tais diferenas). Entretanto no pretende-se ir muito

    alm da comparao dos dois grupos de propostas, pelo presente trabalho se determinar na esca-

    la de um trabalho de concluso de curso. O objetivo principal deste trabalho no outro seno

    trazer tona as diferenas que existem entre o design em sua origem e o design que temos hoje,

    analisando os propsitos de sua existncia ao longo do tempo, ou seja, as suas causas nais em

    seus distintos momentos.

    Finalmente, antes de prosseguir, vale notar que as citaes de bibliogra as em lngua es-

    trangeira foram traduzidas pelo autor do presente trabalho (incluindo algumas j feitas nesta

    introduo); ainda algumas citaes de bibliogra as em lngua portuguesa corrente de Portugal

    sofreram algumas adaptaes para se adequarem ao idioma corrente no Brasil.

  • 2 Era dos manifestos

    corrente nas bibliogra as que tratam da histria do design inici-la pelos con itos entre

    arte e tcnica: tanto autores brasileiros, entre eles Pedro Luiz Pereira de Souza () e Rafael

    Cardoso Denis (), como autores estrangeiros, entre eles Nikolaus Pevsner () e Reyner

    Bamhan (), iniciam o que tida como a historiogra a o cial do design em meados do scu-

    lo xix. Por essa viso admite-se que, como coloca Souza (, p.), trs revolues tiveram

    particular in uncia na criao dos discursos adotados pelos design ao longo de sua histria: a

    Revoluo Americana (), a Revoluo Francesa () e a Revoluo Industrial (por volta de

    ). O mesmo autor ainda considera que a Revoluo Industrial inglesa formou a economia

    do mundo no sculo xix; a Revoluo Francesa formulou seus conceitos polticos e ideolgicos

    (p.). Decorre disso que o design fruto (pelo fato de seu discurso o ser) de uma sociedade ilu-

    minista e industrial, portanto, fruto de um contexto que s passa a existir a partir de meados

    do sculo xix, quando a Revoluo Industrial se consolida e o movimento modernista d seus

    primeiros sinais de vida. Apesar de estarmos tratando aqui de design num sentido amplo (sem

    considerar as segregaes em reas distintas, como design gr co e design de produto, por exem-

    plo) vale ressaltar as consideraes de Villas-Boas (, p.): o design gr co tem sua gnese

    na prpria experincia modernista e ele no existe antes dela.

    Cabe, antes de prosseguir, uma breve conceituao do que se entende por modernidade e por

    modernismo:

    Entende-se por modernidade o perodo histrico que se estende do nal do sculo XVIII at o nal do sculo XX, ocasionando transformaes fundamentais primeiramente na Europa e posteriormente em todo o mundo em funo das rupturas tecnolgicas, polticas e socioeco-nmicas acarretadas pela industrializao e pelo pensamento iluminista. (...) Em contrapartida, entende-se por modernismo o engajamento na validao cultural de doutrinas estticas espe-c cas que dominou o meio artstico ocidental entre as dcadas de 1910 e 1960, especialmente com relao s ditas vanguardas histricas e sua seqncia no autodenominado movimento moderno na arte e na arquitetura. A importncia dessa distino salta aos olhos ao constatar-mos que o ingresso individual ou coletivo na modernidade no era facultativo, por se tratar de um fenmeno histrico amplo e impessoal, enquanto a participao no modernismo era uma opo de cada agente histrico (DENIS, 2005, p.339).

    Sobre o modernismo em si, deve-se ressaltar as caractersticas consideradas aqui (e que do o

    ttulo ao captulo). Para exempli c-las podemos partir do urbanismo:

    Na modernidade, a cidade pensada como um projeto global capaz de abrigar cidados. sujeitos emancipados, rompendo com as antigas estruturas. O planejamento no leva em conta apenas um prdio espec co, mas sua insero dentro de um lugar espec co, em que a concep-o geomtrica domina e disciplina a natureza. A urbanizao pressupe um conjunto ordenado capaz de abrigar todos os cidados (GRUSZYNSKI, 2000, p.66).

  • A partir dessas colocaes vemos que o discurso modernista partia de uma base de igualdade

    em detrimento da liberdade, emancipao do homem por meio do uso da razo, satisfao das

    necessidades bsicas, o progresso social e, por m, o detrimento da relatividade em prol de uma

    verdade absoluta (brseke, , p.). Com isso o discurso moderno caracterizado pela

    sua face de manifesto: rompe com as culturas anteriores (por vezes, at com outros manifestos

    modernistas) e props um conjunto de solues que eram tidas como o nico caminho acertado

    para o progresso, para uma sociedade moderna. Esses discursos so grandes narrativas que eram

    proferidas como capazes de absorver um sem nmero de enunciados, interpretando o mundo

    a partir de uma histria universal (gruszynski, , p.).

    Assim, este captulo parte da formao do design design moderno como sugerem alguns, en-

    tre eles Pedro Luiz Pereira de Souza (), design industrial como sugerem outros, como Toms

    Maldonado (), ou simplesmente design, como tratado daqui em diante a partir das bases

    modernas (e modernistas tambm) e percorre o caminho at que essa Era dos manifestos (e da

    crena nos mesmos) entre em decadncia: como sugere Gruszynski, citando Bauman e Lyotard,

    com o fracasso nazista na 2 Guerra Mundial:

    Auschwitz o marco da dissoluo da expectiativa moderna de que o porgresso da cincia levaria a um mundo melhor. A totalidade destri o sujeito, transformando-o apenas em uma abs-trao de um princpio dominante pseudo-universal. A eliminao do outro em nome da pureza ariana revela o retorno ao mito em sua caracterstica desptica em que a identidade una, revelada pelo modelo original e exclui aqueles que dela diferem. O sonho de pureza, em que cada coisa ocupa seu devido lugar, exclui tudo o que ameaa a ordem estabelecida. Assim, em Auschwitz, v-se como de dentro da razo iluminista o mito retorna a sua face mais terrvel. (...) O imperativo moral no se alcana pelo progresso cient co, mas, ao contrrio, esse ltimo levou barbrie, ao analfabetismo, ao empobrecimento dos povos... (GRUSZYNSKI, 2000, p.67).

    2.1 Da ausncia das artes unio das artes e ofcios

    Alm de iniciar, como j dito, a histria do design a partir do embate entre arte e tcnica, um

    marco citado por vrios autores, como coloca Maldonado (, p.), a Grande Exposio dos

    Trabalhos da Indstria de Todas as Naes em Londres no ano de . Denis (, p.) consi-

    dera o evento como o de maior repercurso de todo o sculo xix. Ainda segundo o autor, esse

    destaque se deve, entre outros motivos, ao fato do grande pblico que visitou a exposio ( mi-

    lhes de pessoas, o dobro da populao londrina da poca), quebra de um isolamento comercial

    iniciando um sistema comercial mais internacional, e ao fato de o modelo da exposio ser adota-

    do e reproduzido em diversos outros eventos similares em naes diferentes. interessante notar

  • a unio conceitual que eventos desse tipo inferem: ao mesmo tempo que fazem alarde uma

    era industrial que dava seus primeiros passos (Grande Exposio dos Trabalhos da Indstria...), se

    molda com conceitos modernistas de universalidade (Grande Exposio ... de Todas as Naes).

    Apesar de a exposio ter sido uma oportunidade de um amplo pblico (leigo e especializa-

    do) ter um contato com a produo industrial e uma oportunidade de os fabricantes exibirem

    todo o potencial que a Revoluo Industrial proporcionava (denis, , p.-), o evento foi

    importante na medida em que contribuu para nos tornar conscientes da degradao esttica dos

    objetos, naquele preciso momento histrico (maldonado, , p.), ou seja, ter despertado

    em determinados crculos de pensamento a conscincia dos perigos da industrializao e massi -

    cao (souza, , p.). Essa situao corrente em meados do sculo xix tambm levantada

    por Gropius (, p.), que declara que desde a juventude tinha conscincia da feiura catica

    do nosso moderno meio-ambiente arti cial. A partir de ento, o normal naquela poca no era

    cantar a beleza arrogante ou humilde das mquinas, mas denunciar sua feira provocativa,

    e uma srie de personagens como William Blake, Edgar Poe, Herman Melville, John Ruskin e

    William Morris tomam a frente nessa movimentao que alegava que as mquinas eram con-

    sideradas monstros que somente eram capazes de gerar outros monstros (maldonado, ,

    p.).

    Essa condio do ambiente material tambm tem outro aspecto que no poder ser ignorado:

    a situao em que se encontrava a arte naquele momento. Uma loso a notvel em tal momento

    colocava o artista como o sumo sacerdote de uma sociedade secularizada produzindo a unio

    mais completa que possvel entre a vida e a forma (schiller apud pevsner, , p.). Segun-

    do Pevsner (, p.-), aps o renascimento, em um processo gradual, a arte foi se elevando

    dentro de seu prprio campo, conferindo aos artistas a posio de seres superiores, portadores de

    uma mensagem sublime. Assim, as inevitveis consqncias desta adulao foram-se tornando

    cada vez mais patentes medida que o sculo xix avanava e o artista comeou a desprezar a

    utilidade e o pblico, isolando-se deliberadamente da vida de sua poca, fechando-se no inte-

    rior do seu crculo sagrado e dedicando-se criao da arte pela arte e da arte pelo artista. Com

    isso a maneira pessoal e aparentemente invulgar do artista se exprimir passou a car, cada vez

    mais, distante do pblico, passando a ser incompreendida por este ltimo.

    Pevsner (, p.) tambm sugere que John Ruskin foi o primeiro pensador a unir as duas

    situaes propostas (estado tosco da produo industrial e isolamento da arte) em uma doutrina

    que propunha a superao de ambos problemas. Pouco depois, dando continuidade s idias de

  • Ruskin, William Morris foi o primeiro artista, ainda segundo Pevsner, a compreender at que

    ponto os fundamentos sociais da arte tinham se tornado frgeis e decadentes desde a poca do

    Renascimento e, sobretudo, desde a revoluo industrial. Nesse ponto, atravs de Morris, come-

    am as consideraes sociais dos probelmas propostos: enquanto a arte se fechava em si mesma,

    a produo industrial se ampliava acriticamente em nenhum momento o povo estava sendo

    contemplado, nem pela arte, nem pela indstria. Morris (apud pevsner, , p.) a rmava que

    no desejava arte s para alguns e que tambm no desejava educao ou liberdade s para al-

    guns. Ele ainda completava suas idias com a pergunta que, segundo Pevsner, viria a a decidir o

    destino da arte no sculo xx: que interesse pode ter a arte se no puder ser acessvel a todos?

    Com sua doutrina e suas aes, Morris atingiu mbitos internacionais e deu um novo rumo

    para a produo material com a impulso de um movimento que viria a ser conhecido como arts

    n crafts ou, em portugus, artes e ofcios (denis, , p.). Como coloca Pevsner (, p.),

    Morris passou a vida lutando contra a ausncia de sentido da unidade essencial da arquitetura,

    o que possibilitava o uso de estilos em funo de gostos, sem ter um sentido nestas escolhas.

    Dessa forma defendeu um estilo e o justi cou de acordo com seu ponto de vista sobre os pro-

    blemas daquele momento e independente desse estilo a Morris devemos que a residncia de

    um homem qualquer tenha voltado a ser uma criao valiosa do pensamento do arquiteto, e que

    uma cadeira, um papel de parede ou um vaso sejam de novo criaes valiosas da imaginao do

    artista (pevsner, , p.).

    A expresso independente desse estilo no pargrafo anterior se faz necessria pois o estilo

    de Morris chegava a contradizer a sua prpria doutrina (como veremos a frente) e acabou sendo

    rejeitado anos mais tarde; ou seja, plenamente justi cvel criticar as alternativas estilsticas

    adotadas pelo artes e ofcios, como o fez Souza (, p.):

    As inspiraes neogticas e tardo-romanas, de fato, em nada contriburam para a evoluo do design moderno. (...) Morris, Ruskin e outros no representam em nenhum momento qual-quer ruptura; logo contradizem de imediato o esprito do Movimento Moderno. Assim, torna-se no mnimo problemtica a sua incluso entre os pioneiros do design moderno, como quis, por exemplo, Pevsner.

    Entretanto seria uma leitura parcial colocar as pessoas de Morris e Ruskin (e o movimento

    desencadeado a partir deles) fora do grupo de pioneiros do design, como quis, por exemplo,

    Souza, Gloag e Read (ambos apud denis, , p.). Como lembra Denis, para uns a atuao

    de William Morris teria atrasado o orescimento de um design moderno e para outros a exis-

    tncia desse mesmo design moderno seria impensvel sem Morris (, p.).

  • Nesse ponto, a leitura de Souza parece apenas julgar os personagens pelos estilos adotados e

    defendidos por eles (j que os argumentos tomam base nas inspiraes neogticas e tardo-ro-

    manas), negligenciando os demais aspectos da doutrina; enquanto a leitura de Pevsner se coloca

    menos como uma histria do design, e mais como um manifesto modernista buscando a rma-

    o ao mesmo tempo que enfrentava ameaas s suas bases ideolgicas (denis, , p.). Dessa

    forma, uns argumentam sobre estilo (Souza, Gloag e Read, por exemplo) e outros (Pevsner, por

    exemplo) argumentam sobre ideologia. Separando a grosso modo estilo e ideologia, pode-se

    a rmar que a grande revoluo dos precursores do artes e ofcios de vis ideolgico, representa a

    ruptura de um sistema socio-econmico de produo que rodeava a populao com arquiteturas

    e produtos toscos, vulgares e sobrecarregados (morris apud pevsner, , p.-) e incluia

    a mo-de-obra desse sistema em moldes que impediam a melhora da qualidade dos produtos

    (denis, , p.).

    Em outras palavras, partindo de duas colocaes de Bom m (, p,-), uma de que o

    design, do mesmo modo que qualquer outra atividade do processo extremamente complexo

    e dinmico do trabalho social, orientado por um conjunto de objetivos de natureza poltica,

    ideolgica, social, econmica, etc. e outra que a construo de uma teoria cient ca depende

    do estabelecimento do objeto sobre o qual se pretende formar conhecimento e do mtodo empre-

    gado para esta tarefa, pode-se dizer que a contribuio de William Morris seria a de con gurar

    tais orientaes (da primeira colocao) resultando no objeto (da segunda colocao). Apenas o

    mtodo proposto no artes e ofcios que no serviu de base para o design moderno. Grande foi

    o avano na emerso e na consolidao do que viria a ser conhecido como design de nindo suas

    orientaes e seu objeto: fazer com que o entorno material-arti cial de toda a populao passe a

    ser pensada por uma classe pro ssional que se dedique isso.

    Sobre as doutrinas de Ruskin e Morris em si, vale notar dois valores fundamentais, como

    eles mesmos a rmavam: a verdadeira arte deve ser feita pelo povo e para o povo, como uma

    bno para quem faz e para quem a desfruta; e o que realmente importa o trabalho manual

    (morris apud pevsner, , p.). Na primeira premissa est a ruptura contemplada no par-

    grafo anterior; na segunda premissa est a contradio existente na doutrina. Pevsner (, p.)

    mostra que Morris se recusava a empregar nas suas o cinas quaisquer mtodos de trabalho ps-

    medievais, resulta da que todo seu trabalho era caro. Ento os produtos do artista-arteso s

    podem ser comprados por um reduzido crculo de pessoas, contradizendo assim seu discurso de

    arte pelo povo e para o povo. Se tornava necessrio assumir que era impossvel uma arte barata

    (no sentido de para o povo) dentro de sua doutrina de negao da mquina, de valorizao dos

  • estilos medievais e do trabalho manual e da unio entre artista e arteso.

    Apesar de a historiogra a de Pevsner ver Morris de modo demasiadamente romntico, o

    pioneiro do desenho moderno chegou a fazer uso da mquina em sua fbrica; ainda sua dou-

    trina, apesar da contradio, no foi totalmente utpica: Morris se tornou um empresrio bem

    sucedido mesmo sem sacri car suas idias socialistas (denis, , p.).

    Pouco depois, Ashbee, que teve contato com Morris e at seguiu sua (ou parte de sua) dou-

    trina, tratou a mquina de forma diferente. Em a rma (apud pevsner, , p.) que no

    repudiava a mquina e que desejava apenas domin-la; mais tarde, em , considera que a ci-

    vilizao moderna depende da mquina, e no possvel a qualquer sistema que pretenda encora-

    jar ou favorecer o ensino das artes deixar de reconhecer este fato. Pevsner (, p.-) ressalta

    que ao anunciar este axioma, Ashbee abandona a doutrina do artes e ofcios e adota uma das

    premissas bsicas do Movimento Moderno, mesmo considerando que os autnticos pioneiros

    do Movimento Moderno foram aqueles que logo desde o incio se declararam partidrios da arte

    mecnica. Entretanto, ainda segundo Pevsner, Ashbee no foi o primeiro a admitir a mquina

    como parte do desa o artstico daquela virada do sculo; antecede a ele, por exemplo, Frank

    Lloyd Wright, que j em 1894 a rmava que a mquina tinha vindo pra car e que os desig-

    ners deveriam usar essa ferramenta normal da civilizao pra aprimoramento (papanek, ,

    p.). Ashbee foi importante, como ressalta Pevsner, por ser oriundo das doutrinas de Morris e,

    dentro delas, perceber suas incompatibilidades e aceitar essa quebra de paradigma.

    Assim, depois de uma onda de pensadores de diversas reas admitirem a mquina como parte

    da sociedade moderna (pevsner, , p.-) estavam quebrados os paradigmas fundamentais

    e, a partir de suas quebras, delimita-se mais destacadamente uma sociedade moderna com tra-

    os modernistas, sendo que essa delimitao condiz com o trio revolucionrio que deu origem

    ao discurso do design (ver p.): adimitiam-se as imposies da revoluo industrial dentro de

    uma ideologia baseada nos conceitos polticos e ideolgicos oriundos do iluminismo. Em outras

    palavras: ideologicamente o movimento moderno, que estava nascendo, partia das mudanas dos

    ltimos anos trazidas pela Revoluo Industrial (produo em massa e diviso do trabalho)

    e pelas Revolues Americanas e Francesa (ideais igualitrios oriundos do iluminismo) para

    propor novos moldes sociais, econmicos e polticos.

    Dessa forma, entre o nal do sculo xix e incio do xx, a atitude em relao mquina se

    modi ca. Como coloca Maldonado,

  • Sem dvida continuam condenando a feira e a vulgaridade dos objetos tcnicos, porm no da mesma maneira, em nome de um paraso perdido. J no se faziam referncias ao passa-do. J no se glori cava uma suposta era idlica, ou uma natureza no maculada pela mquina. J no se proclamava o retorno do artesanato. (...) Lentamente inicia seus passos uma concepo mais realista ou (...) menos nostlgica; a idia de que os monstros podiam ser domesticados. Domesticados atravs da arte (MALDONADO, 1977, p.135).

    Assim, o mesmo autor ainda coloca que

    dentre as distintas tendncias que pouco a pouco iam se de nindo, uma atingiu in uncia notvel (...).

    Foi a dos que sustentavam que levar a arte a indstria no podia signi car outra coisa se-no aplicar arte aos produtos industriais. Eram os partidrios das artes aplicadas. Segundo eles, o produto industrial somente uma estrutura com funo de suporte. (...) Este ponto de vista no era novo (j se encontram nos sculos XVIII e XIX alguns objetos tcnicos sobrecarregados de motivos ornamentais); a novidade estava na inteno de demonstrar que a indiscutvel deprava-o artstica daqueles objetos no se devia ao fato de aplicar a arte aos produtos industriais, mas sim arbitrariedade dos elementos e dos motivos artsticos aplicados. Os representantes dessa tendncia estavam convencidos que para criar um novo estilo o estilo da era industrial bastava substituir os ornamentos naturalistas procedentes de um repertrio formal barroco e neoclssico ornamentos imorais por outros ornamentos procedentes das o cinas da Wie-ner Sezessione do Art Noveau ornamentos morais (MALDONADO, 1977, p.136).

    A partir de ento tem-se incio uma nova diretriz formal que visava combater as mesmas

    inquietaes dos precursores do artes e ofcios. Dando continuidade s tais tendncias, um ale-

    mo passa a ser notvel: Hermann Muthesius une vrios conceitos como funo, material e

    tcnica, alm de aspectos da produo como qualidade de materiais e de mtodos, sob a gide

    de um conceito espiritual que atribui Forma (com F maisculo). Esses trs apectos podem

    ser manipulados impecavelmente, porm se a Forma no o fosse, ainda estaramos vivendo em

    um mundo meramente animalesco (apud banham, , p.). Dessa forma concentrar-se-ia

    todo o esforo do design nos aspectos formais da produo industrial; entretanto, esse persona-

    gem alemo foi alm. O grande mrito de Muthesius o de ter ultrapassado uma interpretao

    sociocultural destes objetos, isto , de ter examinado tambm suas implicaes econmicas-pro-

    dutivas (maldonado, , p.); assim, alm de sublimar a forma, faz consideraes como a

    matria prima no utilizada como deveria ser, e, portanto, acima de tudo, desperdia-se um

    colossal patrimnio nacional em matria-prima, e ainda se tem um trabalho acrescido intil

    (muthesius apud maldonado, , p.).

    Muthesius um dos homens que esteve frente, agindo inclusive na fundao, da Deutscher

    Werkbund, que era uma espcie de associao pro ssional criada na Alemanha congregando

    artistas, arteses, arquitetos e designers. Essa entidade teve forte in uncia na cultura industrial

    alem, sendo que o Estado alemo chegou, em reconhecimento importncia dela, a reorientar

    sua poltica econmica para estar coerente com a Werkbund, para o desenvolvimento de uma

    industrializao voltada para o fortalecimento do mercado interno (souza, , p.). Mesmo

    com essa interveno, Muthesius rmava seu compromisso com os ideais do movimento moder-

  • no: Embora nossos grandes trustes econmicos possam apreciar as tendncias arquitetnicas de

    nossa poca, as circunstncias foram-nos a perguntar se podemos ainda depender diretamente

    apenas de rmas e associaes desse tipo para sustentar o progresso da arquitetura (muthesius

    apud banham, , p.). En m, o homem que serviu de trao de unio entre o estilo ingls

    dos anos e a Alemanha foi Hermann Muthesius, que trouxe para a Alemanha os ideais de

    pura e perfeita utilidade e de que somente os objetos feitos mquina so produzidos de acor-

    do com a natureza econmica da poca (pevsner, , p.-).

    A soluo esttica e formal resolvida a partir de padres era o que regia a Deutscher Werk-

    bund (souza, , p.); dessa forma o problema que motiva a associao no tanto rejeitar

    o ornamento, quanto substituir o imoral dos estilos tradicionais pelo moral do estilo moderno,

    entretanto essa idia era levantada desde por Henry van de Velde (maldonado, , p.).

    Mesmo assim haviam diferenas entre estas concepes.

    Em 1907, Muthesius pronunciou um discurso na Escola Tcnica de Comrcio de Berlim pre-gando novas concepes formais para os produtos industriais alemes. Props formas simples e racionais, a padronizao e a estandardizao (tipi cao) como parmetros de projeto para os designers. Muitos vem no Werkbund a raiz da razo e do progresso no design. Esses mesmos identi cam em van de Velde, que se ops a Muthesius, a permanncia do individualismo, a raiz de um tipo de pensamento descomprometido com o grande pblico, defensor de prerrogativas artsticas dentro do design moderno (SOUZA, 2001, p.17-18).

    Antes de prosseguir, vale reforar que Pevsner (, p.-) a rma que van de Velde (entre

    outros como Adolf Loss e Frank Lloyd Wright) teve suas bases no movimento de Ruskin e Mor-

    ris. A rma tambm que de todas as personalidades identi cadas pelos preceitos da Art Noveau

    apenas Louis Sullivan parece no ter sofrido in uncias inglesas. Em conformidade com essas

    colocaes, van de Velde (apud pevsner, , p.) chega a a rmar que as sementes que fertili-

    zam o nosso esprito, que zeram surgir as nossas atividades e que deram origem a uma revoluo

    total da ornamentao e da forma nas artes decorativas foram sem dvida a obra e a in uncia

    de John Ruskin e William Morris.

    Van de Velde, ento diretor da Escola de Artes e Ofcios de Weimar, que mais tarde se fun-

    diria com a Academia de Arte, criando a Bauhaus (souza, , p.), se opunha a Werkbund

    inconformado com a as posies de Muthesius a favor da padronizao estilstica e da subordi-

    nao da arte aos interesses industriais (denis, , p.). Muthesius defendia a estandar-

    dizazo (Typisierung), e van de Velde o individualismo (pevsner, , p.). Esse con ito foi

    interditado pela Primeira Guerra Mundial, que forou o afastamento de van de Velde por ele ser

    cidado de uma nao inimiga Alemanha (denis, , p.).

  • Outro personagem notvel nesse meio era Peter Behrens; sua obra para a aeg signi cou a

    adoo, pela iniciativa privada, dos princpios polticos, ticos e formais enunciados pelo Werk-

    bund (souza, , p.). Behrens (apud maldonado, , p.) a rma que seu trabalho

    tratava de estabelecer tipos para cada um dos produtos, construdos de uma forma limpa, res-

    peitando o material utilizado e sem a pretenso de querer criar estupendas formas novas. Mal-

    donado completa que isso no impede Behrens, pouco depois, de voltar a propor ornamentao,

    at nos aparelhos tcnicos, na condio de que sejam ornamentos geomtricos, impessoais, e ainda

    classi ca a atuao na aeg como fordismo alemo ou europeu. Rathenau, ento presidente da em-

    presa e ministro da Repblica de Weimar, exempli ca melhor do que qualquer outro a forma

    ambgua com que se apresenta na Europa a ideologia da produtividade, forma essa que, segun-

    do Maldonado trata-se de um fordismo que, no fundo, no deseja s-lo, que avana com uma

    proposta e imediatamente a retira, que simultaneamente glori ca e denunicia o produtivismo,

    em resumo, um fordismo com m conscincia (maldonado, , p.-). O mesmo autor,

    em outra oportunidade, a rma que os primeiros esforos para estabelecer as bases tericas das

    tendncias que permeavam as discusss da Werkbund se devem a Muthesius, Behrens e a Walter

    Gropius (maldonado, , p.). Este ltimo a rmava que Ruskin e Morris na Inglaterra,

    van de Velde na Blgica, Olbrich, Behrens e outros na Alemanha, e nalmente a Deutscher Werk-

    bund, todos procuraram e por m encontraram a base para uma reunio entre artistas criativos

    e o mundo industrial (apud banham, , p.).

    Quando, no sculo passado [sculo XIX], a produo industrial inundou paulatinamente o mundo, deixando artesos e artistas em m situao, comeou pouco a pouco uma reao natural contra a ausncia da boa forma e da qualidade. Ruskin e Morris foram os primeiros que se colocaram contra a corrente, mas sua oposio mquina em si no podia estancar a enchente. S bem mais tarde, algumas personalidades, que almejavam o desenvolvimento da forma, reconheceram nesta confuso que arte e produo s voltariam a harmonizar-se de novo quando tambm a mquina fosse aceita e posta a servio do designer. Escolas de artes e ofcios para artes aplicadas desenvolveram-se principalmente na Alemanha mas a maioria s pode desincumbir-se de seus propsitos pela metade, j que a formao era muito super cial e, do ponto de vista tcnico, demasiado diletante, para lograr processos reais. A indstria continuou a lanar no mercado um sem-nmero de produtos mal enformados, enquanto que os artistas lutavam em vo para se aplicar projetos platnicos. A de cincia consistia em que nenhum dos dois conseguia penetrar su cientemente no campo do outro, para atingir uma fuso efetiva dos esforos mtuos (GROPIUS, 1977, p.33)

    Aps a Primeira Guerra Mundial, apesar da Werkbund ter se mantido at (denis, ,

    p.), a Alemanha se encontrava desorganizada, principalmente dentro de seu projeto nacional/

    burgus/industrial (que levou ao estopim de tal guerra). Desorganizados estavam tambm os

    projetos educacionais, incluindo-se o projeto da Werkbund portanto as escolas de arquitetura,

    artes e artes e ofcios e se opondo esse cenrio que surge um marco na histria do design

    (souza, , p.). Assim, no foi antes de Walter Gropius fundar a Bauhaus alem em

    que uma complicada unio entre a arte a mquina foi atingida. (papanek, , p.).

  • Em seu manifesto, Gropius defendia, em linhas gerais, a reaproximao entre arte e arte-sanato; a unio de arquitetos, escultores, pintores e artesos; todos em busca de um objetivo comum: unir vida e esttica para a construo de um mundo melhor; mais igualitrio e com mais conforto e humanismo (VEIRAS, 2003, p.54).

    Tomas Maldonado observa que o manifesto de fundao da escola, assinado por Gropius, poderia tranqilamente ser de autoria de William Morris ou John Ruskin - tipicamente arts & crafts, situado ideologicamente 30 ou 40 anos antes. O manifesto de Gropius apelava para uma nova viso das artes, para a necessidade de uma interpretao integrada, sem no entanto explici-tar ainda a arquitetura como elemento catalisador dessa idia. Ainda que sensivelmente expres-sionista, a nova escola indicava o caminho para as futuras inovaes (SOUZA, 2001, p.35-36).

    Dessa forma a experincia bauhausiana tem incio, marcada pelo expressionismo e pela luta

    por um mundo melhor, sendo a primeira escola a considerar o design como parte vital do pro-

    cesso de produo, sendo assim mais profunda que artes aplicadas ou artes industriais (papanek,

    , p.). Vale notar ainda que foi a Bauhaus junto com a de Stijl (vista logo a frente) que

    zeram conhecer na Europa a novidade da vanguarda sovitica, que, pelo momento histrico

    europeu, so lidas no como revolucionrias (como eram na Rssia), mas como reformistas; mais

    como um ideal social-democrata do que marxista; dessa forma as idias da Bauhaus viriam a se-

    rem interpretadas como burguesas na Unio Sovitica e como bolchevistas pelo nazismo e pelo

    fascismo (argan, , p.)4. Nos vanguardistas russos, como em Maiakovski por exemplo,

    existe um aspecto que ia alm das vanguardas europias:

    a revoluo cultural (a modi cao global do cotidiano, dos futuristas italianos) no acontece substituindo a uma mimese naturalista uma mimese tcnica, mas sim fazendo con uir a criatividade artstica na produo socialista. Em ltima anlise, isto signi ca uma diluio da arte como ato autnomo, puro. E ainda, a volatilizao da idia burguresa de obra de arte, ou seja, daqueles pequenos e grandes monumentos consagradores da hegemonia cultural de uma classe (MALDONADO, 1999, p.33).

    Em seu perodo inicial a Bauhaus exaltava o artesanato e o expressionismo irracional (mal-

    donado, , p.), tendo Johannes Itten como a personalidade dominante desse perodo e

    dessas caractersticas (souza, , p.). Foi Gropius quem o convidou para a Bauhaus em

    : ambos estavam convencidos que a libertao dos recursos expressivos do indivduo po-

    deria ajudar, de per si, a transcender a desordem contigente no mundo. Outras caractersticas

    que, aliadas esse per l, zeram de Itten uma personalidade extremamente polmica so o in-

    4. Com base em Maldonado (1999, p.33-35 e 41), pode-se dizer que, nesse momento histrico, principalmente na Alemanha, mas tambm na Europa como um todo, a produo capitalisma comeava avanar errante, oscilante, pendular, entre uma alter-nativa e outra. Essa caracterstica resulta em uma situao na qual nenhuma das alternativas tratada objetivamente, sendo sempre inseridas em um discurso vagamente cultural. Por m, decorre disso que alternativas distintas (e, por vezes, radical-mente divergentes) puderam parecer prximas, j que suas diferenas eram suavizadas pelo zigue-zaguear descrito anterior-mente. Assim foi possvel incluir a dinmica da revoluo cultural e material (nascida na vanguarda russa, visando um embate ao modelo de produo capitalisata vigente) nas loso as produtivas da Werkbund e, mais tarde, tambm da Bauhaus , que, de certa forma, estava em sincronia com os interesses de expanso da Repblica (capitalista) de Weimar. Vale notar tambm que tanto nas Europa, quanto em seus ninhos russos, os ideais da revoluo cultural no obtiveram xito.

  • dividualismo, suas crenas religiosas (mazdesmo persa), suas inclinaes msticas e orientalismo

    (maldonado, , p.).

    Em 1923, ocorreram melhorias gerais na economia alem (...). Aparentemente, a Repblica

    de Weimar poderia comear a ser encarada com algum otimisto. Gropius percebeu isso, assim

    como a inadequao do ensino da Bauhaus a este iderio reformista. Uma concepo acentua-

    damente expressionista no era a mais indicada para o contexto daquela situao. Para manter a

    escola condizente com o momento que a Repblica de Weimar vivia seria necessria a remoo

    de todo o contedo expressionista existente e remanescente na Bauhaus, ideologicamente centra-

    do em Itten (souza, , p.). Ter ido to longe contra os precedentes rmados sem avanar

    em uma cultura mecanizada signi cava que Itten tinha de sair completamente do corpo geral do

    pensamento racional, ocidental (banham, , p.).

    Paralelo aos acontecimentos da Bauhaus, o de Stijl surgia e evoluia. Os integrantes desse

    movimento holands foram pioneiros a conceber a mquina como um instrumento, e no como

    um objetivo da existncia, e parece que so eles os detentores dos maiores direitos de serem con-

    siderados os verdadeiros fundadores da esttica da mquina esclarecida que inspirou as melhores

    obras da dcada de (banham, , p.). O de Stijl, atravs de seu mais signi cativo mem-

    bro, Th eo van Doesburg, holands que viria a estabelecer-se em Weimar, se posicionava contrrio

    ao expressionismo que existia na Bauhaus.

    Van Doesburg denuncia o anacronismo da ideologia expressionista, dominante na Bauhaus, ataca asperamente o curso preliminar (Vorkurs) de Itten, faz severas crticas tambm em re-lao a Gropius: de ne como absurdo e inconcebvel - as palavras so suas - que o arquiteto de uma das primeiras obras da arquitetura racionalista (o Fagus Werke, 1911) esteja frente de uma corporao expressionista, como a Bauhaus (MALDONADO, 1999,p.63).

    Desenvolveu, no entanto, um tipo de ensino livre e paralelo ao da Bauhaus e, dessa forma, o construtivismo comeou a entrar na ideologia da escola. Consta mesmo que Gropius teria proibido a freqncia de alunos aos cursos de van Doesburg, sob ameaa de excluso. Mas Gropius no era insensvel de todo s mudanas gerais e, diante da expectativa de sucesso da Repblica de Weimar, aceitou a adoo da nova esttica. (...) Buscou uma formulao prpria, no necessariamente intermediria, eventualmente adequada ao programa social democrtico de Weimar. Por isso mesmo, integrou Moholy-Nagy, um moderado assimilvel do Internacional Construtivista, fechando a porta ao radicalismo da van Doesburg. No assimilou de todo o plasticismo formalista de Le Corbusier, mas aceitou parte das teses de sua esttica mecnica, sem os desvios do Art Dco. No assimilou o radicalismo poltico dos suos, mas convidou Han-nes Meyer, do grupo ABC, para integrar o corpo docente da escola e reformar os programas de ensino de arquitetura (SOUZA, 2001, p.43).

    Maldonado (, p.) ressalta que esse processo, principalmente para Gropius, foi longo

    e cheio de recuos, mas acabou assimilando a esttica mecnica dos holandeses. Desta forma,

    um novo critrio de composio da forma, inspirado na tcnica, vinha substituir o precedente,

  • inspirado no artesanato. O mesmo autor ainda assinala que muitos dos arqutipos do estilo

    Bauhaus so feitos no perodo marcado pela forte in uncia do de Stijl. En m, dessa forma

    deu-se a atualizao pedaggica da escola (...) devidamente moderada, a ponto de garantir sua

    sobrevivncia, j que era subvencionada pelo governo providencial socio-democrata de Dessau,

    nova sede da Bauhaus (souza, , p.-).

    A nova linha esttico-formal da escola admite ento, a partir de van Doesburg, uma mudan-

    a fundamental. O novo professor

    Anuncia um repertrio de formas puras, que brotaram de um drstico reducionismo: um limitado nmero de guras (s quadrados e retngulos), de slidos geomtricos (s paralelep-pedos) e de cores (s as fundamentais). (...) De repente, no interior da Bauhaus, a morfologia Stijl torna-se tema constante. Por muitos. o cialmente rejeitada, mas por muitos tambm - s vezes, os mesmos - secretamente admirada. esta a atitude de Gropius. (...) A morfologia de Stijl acabaria por se transformar numa morfologia Bauhaus (MALDONADO, 1999, p.63).

    Esse radicalismo formal rejeitado, entre outros, pelo suio Hannes Meyer, um intelectual

    marxista (carmel-arthur, , p.), que viria a dirigir a escola em ; ele considerava as

    solues da Bauhaus mero formalismo e alegava que elas se distanciavam do produtivismo; em

    suma, o novo diretor criticava que o produtivismo fosse apenas uma estratgia de produo e o

    propunha como uma estratgia de mudana radical na vida cotidiana, ou seja, como estratgia

    da revoluo cultural (maldonado, , p.). Alm disso o movimento [de Stijl] jamais

    havia sido uma unidade de combate muito cerrada, sendo que muitos de seus membros jamais

    se encontraram com outros, e parece que tudo que tinham em comum era o fato de conhecerem

    van Doesburg e, na maioria dos casos, terem um profundo respeito pelo pintor Piet Mondrian

    (banham, , p.).

    A Bauhaus, como criticava Meyer, permanecia no debate da racionalidade em si do produto. limitada muitas vezes s discusses sobre as formas geomtricas bsicas (o cubo, a esfera e o tetraedro) e suas relaes com as trs cores fundamentais (vermelho, amarelo e azul).

    Isso signi ca dizer que a prpria adeso de Gropius socio-democracia apresentou ntidos contornos de conservadores (...). Esse estado de coisas permaneceu at constatao, feita pelo prprio Gropius, de que o sucesso da economia alem j no era to seguro. (...) Dois anos antes [de 1930], o pragmatismo poltico de Gropius indicou-lhe no ser ele a pessoa adequada viabi-lizao de um ltimo esforo que assegurasse a sobrevivncia da Repblica e da prpria escola. Indicou Hannes Meyer como seu sucessor, coerente inclusive com as idias, j moribundas, da Internacional Construtivista, de que na unidade das artes se encontrava o caminho para uma colaborao com a estruturao de uma democracia social estvel (SOUZA, 2001, p.44-45).

    Meyer substituiu Gropius como um porta-voz das idias tcnico-produtivistas que contras-

    tavam com o funcionalismo tcnico-formalista de (souza, , p.). Entretanto Meyer

    no duraria muito em seu novo cargo, se desligando em (carmel-arthur, , p.).

    No h dvidas de que o afastamento de Meyer foi resultado de uma intriga da direita, ten-dente a neutralizar a presumvel politizao de esquerda da Bauhaus, por obra de seu diretor. Mas a explicao poltica no su ciente. (...) Referimo-nos ao ziguezagueante percurso do

  • capitalismo, sobretudo europeu, face s exigncias de racionalizao e tipi cao do programa produtivista de Ford. verdade que o estilo Bauhaus foi uma das mais srias tentativas de dar uma resposta criativa a estas exigncias. O mal, porm, foi que esta resposta vinha atrasada. (...) Quando o estilo Bauhaus assume as suas caractersticas de nitivas, por volta de 1927, o progra-ma produtivstico j tinha comeado a mostrar a sua vulnerabilidade e o capitalismo alemo j estava orientado para uma nova estratgia (MALDONADO, 1999, p.69).

    2.2 Decadncia dos manifestos

    A partir das in uncias formalistas de van Doesburg e funcionalistas de Meyer a Bauhaus

    tem, como vimos, suas diretrizes modi cadas, deixando de lado o expressionismo de Itten que

    havia marcado os anos inicias da escola. Vimos tambm que o que se conhece como estilo Bauhaus

    , em suma, a produo localizada entre a chegada do formalismo holands e o afastamento de

    Gropius, ou seja, a chegada do funcionalismo atravs de Meyer. Sobre a migrao de conceitos

    mais espirituais para um novo direcionamento, Banham (, p.) nota que

    Essa insistncia no espiritual enfatiza, se que a nfase necessria, o fato de Gropius, ao tempo em que estava introduzindo a segunda ordem de ensinamentos da Bauhaus, a ordem de anlise e geometria estrita, estava longe de ser o materialista ou funcionalista que comumente se pensa ter ele sido - com efeito, a Bauhaus no teve fase funcionalista at que Hannes Meyer assumiu, ao retirar-se Gropius.

    O prprio ex-diretor a rmaria que suas idias foram amide interpretadas como se cassem

    apenas na racionalizao e mecanizao (gropius, , p.). Mesmo assim, a miti cao da

    Bauhaus se concentra na era Gropius e, como alega Maldonado (, p.) a respeito das histo-

    riogra as sobre a escola, o resto no existe, ou quase. O perodo vitalista-expressionista de Itten

    apresentado no meio da mais densa nvoa; o perodo de funcionalismo-produtivista de Meyer

    totalmente cancelado.

    Entretanto, toda essa viso da Bauhaus enquanto estilos falha: Gropius recorda que a

    inteno da Bauhaus no foi nunca difundir um estilo (apud maldonado, , p.) e chega

    a permitir novos rumos estilsticos durante sua direo deixando que o formalismo penetre gra-

    dualmente e indicando o funcionalista Meyer para substitu-lo.

    No seria justo, todavia, explicar a vontade de mudana de Gropius apenas do ponto de vista da dialtica das idias, interior ou exterior Bauhaus. Referimo-nos ao fato de que, em Gropius, a vontade de mudar era reforada pela sua sagaz percepo de um eventual desen-volvimento futuro da economia alem. (...) [Era o Plano Dawes, que oferece grande indstria alem] a possibilidade de voltar a propor o produtivismo, isto , de realar uma gesto nacional da produo capitalista (MALDONADO, 1999, p.61).

  • No por acaso que a Repblica de Weimar e a Bauhaus tm a mesma data (e o mesmo lugar) de nascimento e a mesma data de desaparecimento (1933). Tambm a sua periodizao revela um paralelismo surpreendetnte (...). Mas a Bauhaus no se limitou a re etir os altos e bai-xos da realidade: procurou tambm modi c-la. Quando se queria eternizar o caos, a Bauhaus, com Gropius, reivindicou a ordem. Quando, mais tarde, se procurou eternizar a ordem vacilante e opressiva da racionalizao industrial, a Bauhaus, com Meyer, empenhou-se em dar a esta racionalizao um contedo social (MALDONADO, 1999, p.52-53).

    Dessa forma a maestra com que Gropius tentava conduzir a escola de acordo com a situao

    da Repblica ia traando caminhos tortuosos visando o ideal de construir um mundo melhor,

    no importando atravs de qual soluo formal (desde que fossem as morais, validadas pelos

    modernistas). Essa moralidade das propostas era tamanha que o estilo resultante delas no era

    considerado (pelos modernistas) um estilo em si, acreditava-se ter atingido a pureza da forma,

    privando-a assim de um (ou qualquer) estilo aplicado ela. Resulta dai o no-estilismo.

    Na realidade, o no-estilismo quis estabelecer um estilo de nitivo do mundo moderno. Mas o mundo moderno conhecia e nem estava apoiando esta possibilidade, j que perseguidos por suas contradies, se debate entre a vontade de eternizar em um estilo a ordem social existente e a necessidade de dissolver e de dispersar as formas nas quais a prpria ordem social acreditava (MALDONADO, 1977, p.67).

    A Bauhaus, vista como bolchevista pelo governo nazista, fechada em (carmel-ar-

    thur, , p.). A esse acontecimento se segue a Segunda Guerra Mundial, que traz o marco

    do incio da decadncia da Era dos manifestos (ver p.). Hobsbawm (, p.) coloca que a

    guerra, em certo sentido, no trouxe crescimento econmico, considerando que as perdas de

    recursos produtivos foram pesadas, sem contar a queda no contingente da populao ativa.

    Entretanto a rma tambm que provvel que o efeito econmico mais duradouro das duas

    guerras tenha sido dar economia dos eua uma preponderncia global sobre todo o Breve Sculo

    xx, j que, ao contrrio dos efeitos para a Europa, as guerras foram visivelmente boas para a

    economia dos eua.

    Depois da Segunda Guerra Mundial, a atividade projetista deveria ter-se dado como na-lidade a reconstruo de uma Europa devastada. Por essa razo, procurou-se dar vida a uma segunda Bauhaus, com a Hochschle fr Gestaltung de Ulm. O malogro da tentativa deveu-se, em parte, relutncia da grande indstria em funcionar de acordo com nalidades sociais em vez de buscar o lucro imediato; deveu-se tambm ao fato de ter-se proposto a mxima padroni-zao do objeto, quando, no contexto geral da cultura, o conceito de objeto (e, simetricamente, de sujeito) j no podia ser mais propor (ARGAN, 1993, p.254).

    Dessa forma, Souza (, p.) ainda considera que a maior parte das indstrias e dos ne-

    gcios voltaram s mos dos antigos donos, inclusive os que haviam patrocinado o nazismo - em

    tempo de Guerra Fria, mais con veis para os interesses americanos que eventuais desvios de

    rota socio-democrticos. E nesse contexto que surge a Hochschle fr Gestaltung, em Ulm.

  • Maldonado (, p.) coloca que o modelo escolhido para Ulm, a Bauhaus, no era um

    modelo com validade con rmada e, depois de atritos internos, a escola se de ne, distinta de sua

    referncia, por um conceito fortemente embasado na metodologia da criatividade se opondo aos

    elementos de ativismo, intuicionismo e formalismo (vindos da Bauhaus). Em outra oportunida-

    de (, p.), o mesmo autor considera que a Ulm, na medida em que, como a Bauhaus, cr

    na funo social da atividade projetual, uma continuidade dela; porm a supera ao passo que,

    na medida em que, el a esta mesma atitude, quer enfrentar situaes radicalmente diferentes.

    Assim as idias de Ulm vo tomando forma, seguindo a Bauhaus e tentando super-la. A

    funo do mtodo consiste em regular a fantasia, em direcion-la para caminhos determina-

    dos, para obter assim um melhor resultado; isso sem deixar de considerar que em nenhuma

    circunstncia suas obrigaes para com a indstria poderiam anteceder a suas obrigaes com a

    sociedade (maldonado, , p. e ).

    Em Ulm a orientao tcnico-formal da Bauhaus era considerada (no por todos, mas por

    um grupo que acabou se sobressaindo) demasiadamente vulnervel para constituir, de per si, a

    fora motivadora do novo instituto. Entretanto, mesmo esse atrito sendo resolvido promovendo

    uma superao da Bauhaus ao menos em questes ideolgicas (como j dito antes), o mesmo

    no aconteceu no que diz respeito aos produtos que os docentes da Hoschshle fr Gestaltung

    (...) projetaram para a indstria, que correspondiam com delidade a uma concepo tcnico-

    formalista bauhausiana (maldonado, , p. e ). A proposta modernista se mantinha em

    um contexto distinto daquele no qual foi criada, contexto esse que questionava alguns aspectos

    da Era dos manifestos e que tinha uma in uncia poltica e econmica dos eua, atravs do Plano

    Marshall; em outras palavras, ao racionalismo clssico (...) ope-se o neoliberalismo (souza,

    , p. e ).

    Maldonado (, p.-), fortemente ligado Ulm, a rma em que desde a

    verdade que (...) temos perdido uma a uma nossas reais possibilidades de exercer uma in uncia

    qualquer sobre a marcha dos acontecimentos. Considera ainda que muitas das idias que hav-

    amos herdado dos precursores do movimento moderno de arquitetura e design tem-se mostrado

    nos ltimos anos de difcil ou impossvel aplicao; e encerra colocando que no campo do

    design, a busca de uma idia universal de funo nos levou, ao contrrio do que pretendamos,

    criao de produtos de um formalismo to estril quanto re nado. Assim, como marca Souza

    (, p.), a Escola de Ulm votou sua auto-extino em , depois de intensos choques com

    a ideologia do neocapitalismo alemo.

  • Essas geraes levantaram algumas bandeiras de luta, muitas delas calcadas em antigos ideais das vanguardas histricas e dos anarquistas. Na base delas, est a constatao de que as proposies tecnolgicas racionalistas, formuladas ao longo da primeira metade do sculo XX, a quase nada haviam conduzido, exceto maior acumulao de capital sem uma distribuio correspondente (...). Acima de tudo, 1968 marcou um tempo em que comeou-se a duvidar da possibilidade de real projeto da modernidade, da ideologia do progresso e da prpria democracia como soluo para um desenvolvimento social harmnico, baseado no avano do conhecimento cient co (SOUZA, 2001, p.72-73).

    Para combater a degradao da cidade devido ao industrialismo, especulao, ao cresci-mento demogr co descontrolado, os grandes arquitetos do racionalismo conceberam esquemas de cidade em que a ordem e a distribuio dos espaos correspondiam ordem e distribuio das funes. Mas os modelos de Le Corbusier, Gropius e Wright s tiveram raras e incompletas realizaes experimentais: depois, foram postos de lado como utpicos. No eram: partiam da esperana de que a sociedade burguesa, desenvolvendo-se em conformidade com suas premis-sas iluministas, teria progredido no caminho da democracia at a eliminao da hierarquia das classes, at uma distribuio eqitativa da riqueza, at a cooperao pac ca numa obra comum da civilizao. Se, hoje, o que eram hipteses assentadas em bases slidas parecem utopias abs-tratas porque a sociedade burguesa, em vez de desenvolver-se de acordo com suas prprias premissas iluministas, rejeitou-as com violncia, instaurando regimes duramente reacionrios que s podiam conduzir, como conduziram, guerra. E, como os regimes reacionrios, pela lgica das coisas, so inimigos da cultura, a cidade como entidade cultural foi sobrepujada pela cidade como instrumento poltico (ARGAN, 1993, p.259).

  • 3 Modelos consumistas

    A partir do discurso da forma, adotado principalmente a partir de Muthesius, e mesmo com

    a negao estlistica de Gropius, o racionalismo avanou at meados do sculo xx. Entretanto,

    com a decadncia dos manifestos, ele passa a ser visto de outra tica que no a das vanguardas. As

    contradies do estilo no-estilstico (uma negao de si mesmo) o tornaram uma quimera:

    O mais grave que aquele pretendido estilo no-estilstico, de evidente inspirao racio-nalista e, a seu modo, a servio de uma vontade de coerncia, posto em contato com a grande indstria, deu origem (...) a um estilismo que se aprofunda em seu prprio conceito de estilo, a um estilismo (e isto o pior) a servio dos objetivos menos escrupulosos da poltica de mercado. Em uma palavra, a um modernismo de aparncias (MALDONADO, 1977, p.66).

    Assim, Maldonado considera esse novo modernismo uma quimera ainda maior que o estilo

    no-estilstico por se ater somente forma, sem interesse em qualquer outra responsabilidade

    (maldonado, , p.). Um dos problemas dessa questo colocar a forma frente outros as-

    pectos do projeto, ou seja, desconsiderar que as formas que vo surgindo so o resultado de uma

    soluo tima de cada elemento que concorre para formar o objeto (munari, , p.-).

    Assim exclua-se da forma todo o contedo social que a originou, fazendo com que o modernis-

    mo de aparncias fosse rejeitado pelos designers da Era dos manifestos (que de niram sua forma),

    mas assimilado satisfatoriamente por outras elites (maldonado, , p.), sendo normal que

    essas elites optem, nesse processo, por incorporar aquilo que lhes mais conveniente e interessan-

    te; A elite americana no se interessou pelos direcionamentos socialistas da Bauhaus (souza,

    , p.), atribuindo aos designers uma funo distinta da idealizada por eles:

    Um dos resultados evidentes que nossas possibilidades de ascender aos centros de de-ciso do mundo produtivo no nos assegurou a in uncia ben ca que desejvamos para o mundo das mercadorias. No ato, descubramos os vcios ocultos dos produtos com design (...). No ato, constatvamos, no sem exitar, que nossa atividade como projetistas contribua com a devoo irracional pelas mercadorias, quando nosso desgnio originrio havia sido muito distin-to: conferir estruturas e contedos ao entorno humano (MALDONADO, 1977, p.187-188).

    A modernidade agora referia-se uma questo material, o que, sem dvida, signi ca uma

    apropriao indevida e de m-f do velho projeto de modernidade, pois as vanguardas foram

    esvaziadas de seu contedo crtico e o racionalismo, visto como alternativa para o desenvol-

    vimento em conjunto das sociedades, perde seu carter messinico o que poderia ser muito

    bom para todos, se signi casse maior conscincia poltica (souza, , p.-). Em outras

    palavras, o industrialismo, em sua ideologia-utopia original, teria podido transformar a velha

    sociedade vertical, classista, hierrquica, em uma nova sociedade, horizontal, sem classes, fun-

    cional (argan, , p.).

  • Em , uma exposio no MoMA (Museum of Modern Art) em Nova Iorque contemplava

    a Bauhaus, restringindo-a era Gropius. Foi esse recorte que

    produziu um grande impacto em correntes culturais americanas, principalmente novaior-quinas, que buscavam alguma coisa mais consistente que o Art Dco como alternativa ao styling. Dessa forma, abriu-se o caminho para um conceito tipicamente americano que se denominou good design - ou seja, a idia de que certos objetos produzidos pela indstria, por sua particular qualidade formal, deveriam ser considerados como exemplares. H nesse con-ceito uma evidente idia elitizante, na medida em que a prpria apreciao de tais qualidades formais dependeria de um grau de conhecimento e de educao espec cos. (...) Dessa forma, comeou-se tambm a associar a idia de design a um discurso essencialmente formal (SOUZA, 2001, p.52-53).

    Como coloca Maldonado (, p.-), o processo que culmina no styling (que assumiria

    o papel de centro nervoso do capitalismo monopolista) e, mais tarde, no good deisgn tem in-

    cio principalmente na crise de , que subverteu o desenvolvimento do capitalismo. Como

    forma de recuperao da crise econmica proposto pela poltica estadunidense um modelo

    produtivo que primava pelo consumo, que primava pela promoo dos produtos em detrimento

    da reduo de preo. Ento, o mesmo autor a rma que, surge o styling, como uma modalidade

    de design industrial que procura tornar o produto super ciamente atraente, em detrimento, muitas vezes, da sua qualidade e convenincia; que procura o seu envelhecimento arti cial, em vez de prolongar a sua fruio e utilizao. Tudo somado, um programa de desperdcio para uma sociedade que, naquele momento, pouco ou nada tinha para disperdiar. Tudo isto pode parecer paradoxal, e de fato o . Mas serve para demonstrar que o capitalismo capaz de unir, na sua lgica, as atitudes aparentemente mais paradoxais.

    Souza (, p.) coloca que a incorporao de estilos europeus nos eua (desde Art Dco at

    Bauhaus) causou uma situao interessante: depois de fases autctones (de Sullivan e Wright), a

    vinda de culturas europias no era vista com bons olhos pela elite novaiorquina. Assim, frente

    uma a crise, os eua assumem o consumismo e o styling como sua soluo para os problemas

    sociais. por isso que o marco inicial dessa concepo de design tido na crise de (maldo-

    nado, , p. e wollner, , p.). Vale notar ainda que nestas diretrizes a obsolscia, ou

    o desgaste subjetivo, passa a ser uma questo fundamental para manuteno das propostas:

    A mudana de uma srie de produtos sempre determinada pelo desgaste do produto, mas esse desgaste pode ter motivos objetivos ou subjetivos. Se a pesquisa projetista, atravs da crtica de um produto de srie, determina um novo produto prefervel ao primeiro, porque corresponde mais exatamente nalidade, ou tem um espectro mais vasto de aplicaes, ou tem as mesmas caractersticas do precedente, mas custa menos e pode ser mais amplamente difundido, tem-se uma necessidade objetiva ou consegue-se um progresso objetivo. Se, em vez disso, a mudana da srie tem a nalidade de desgastar o tipo na psicologia dos usurios e incentivar o descarte dos produtos antes que tenham esgotado a durao prevista pelo projeto, a mudana ocorre por motivos subjetivos sobre os quais possvel in uir do exterior com vrios meios, o mais freqen-te dos quais a publicidade. Enquanto, no primeiro caso, temos um consumo proporcionado, no segundo temos um consumo desproporcionado necessidade. Nessa desproporo, tem incio a espiral sem m do consumismo (ARGAN, 1993, p.261-262).

  • Ao passo que surgem iniciativas antagnicas de consumo proporcionado e consumo despro-

    porcionado em questes de necessidades, tambm vo se moldando algumas alteraes radicas

    nos sitemas produtivos e culturais que trazem novas con guraes sociais e, assim, promovem

    novos comportamentos nos pro ssionais e re exos no design.

    3.1 Novas con guraes sociais

    As guerras do sculo xx foram guerras de massa, no sentido que usaram, e destruram,

    quantidades at ento inconcebveis de produtos durante a luta (hobsbawm, , p.). As

    citaes mostram que a produo no era somente blica, pois os exrcitos tambm utilizavam

    produtos no-blicos (vestimentas, por exemplo). Assim no admira que os processos das fbri-

    cas de engenharia mecnica fossem revolucionados, pois a guerra em massa exigia produo

    em massa (hobsbawm, , p.). Nesse cenrio todas as naes industriais se saram bem

    na produo crescente de armas e os estadunidenses provaram ser to competentes no macro

    como no microplanejamento. Entretanto a obsolescncia integrada tornou-se caracterstica ine-

    rente economia do Ocidente, o que talvez se deva ao xito na produo de armas, que eram

    em seguida destrudas em combate, possibilitando que esta atitude de fazer e destruir se tenha

    tornado uma idia xa na cultura fabril dos eua (dormer, , p. e ).

    Dando continuidade aos preceitos de consumismo, que antepunha o consumo necessi-

    dade, proporcionando um crescimento comercial notvel, segue-se uma nova fase da produo

    industrial, principalmente a partir do nal da dcada de e incio da dcada de , com a era

    da globalizao. Nicolau Sevcenko (, p., - e ) coloca que com ela tudo se passou

    como se os rgos polticos ou as instncias decisrias existentes nada contassem. Considera

    que esse processo revela que as grandes corporaes ganharam um poder de ao que tende a

    prevalecer sobre os sistemas polticos. A partir de ento as grandes empresas, podendo deslocar

    suas plantas para qualquer lugar onde paguem os menores salrios, os menores impostos e rece-

    bam os maiores incentivos, passam a obrigar o Estado a atuar contra a sociedade, submetendo

    ambos, Estado e sociedade, aos seus interesses e ao seu exclusivo benefcio. Conclui ainda que

    esse cenrio um jogo desigual, cuja dinmica s tende a multiplicar desemprego, destituio,

    desigualdade e injustia. Atingi-se assim a era neoliberal, com o credo de que no h e nem

    nunca houve essa coisa chamada sociedade, o que h e sempre haver so indivduos. Por m o

    autor ainda situa esse individualismo no fato de as pessoas estarem cada vez mais indiferentes ao

  • destino de seus prximos ou a qualquer senso de convvio, de comunidade ou de solidariedade.

    As pessoas vo se fechando num ns cada vez mais exclusivo, tendendo a se restringir, no limite,

    a um eu (sevcenko, , p.).

    Esses novos conceitos comeam a dar m a um embate caracterstico do incio do sculo

    xx. Seria a trade modernizante do sculo, que prope Brseke (, p.), composta pelo

    paradigma comunista, nacional socialista e democrtico, ou seja, pelo modelo russo, alemo e

    americano. O autor ainda considera que hoje estamos caminho de esquecer que esses mode-

    los eram altamente competitivos entre si e que era difcil prever que o modelo americano venceria

    a disputa, como, de fato, aconteceu.

    En m, em meio Guerra Fria os pases ligados aos eua preconizavam gradualmente uma

    abertura caracterstica no neoliberalismo, entretanto, no se con gurava uma globalizao ho-

    rizontal e uni cadora, como reza a mitologia o cial, mas um rearranjo vertical, com as potncias

    econmicas no topo e a massa dos miserveis do Terceiro Mundo na base imensa e esmagada da

    pirmide (sevcenko, , p.).

    Nesses processos, mais uma vez o consumismo aparece protagonizando novas con gura-

    es: juntamente com um crescimento da publicidade, passa a potencializar um pensamento

    no setor empresarial e industrial no qual as corporaes passam a existir exclusivamente para

    o lucro imediato de seus acionistas. Por um lado a fora de seduo das novas tcnicas publi-

    citrias explorou at os limites as tcnicas comunicacionais, por outro isso re etia em presses

    consumistas e ambos os lados favoreciam o imediatismo no planejamento administrativo das

    empresas e indstrias (sevcenko, , p.-). Os produtos e servios so maquiados e essa

    m a cosmtica faz da publicidade o milagre avulso da aparncia pelo visual e vice-versa, assim

    a festa est to animada e proveitosa gerando empregos, royalities etc., que deixa pouco para

    re etir como acontece com os devaneios de uma festa. Valem os aplausos ou o que seja possvel

    no lugar deles em um mundo onde a classe mdia emergente gastando tudo o que ganha com

    quinquilharias no nos oferece promessa de fazer um patrimnio inteligente, conceitual etc.

    (lemos, , p. e ). Vale notar ainda que, ao menos no Brasil, essa classe mdia est longe

    de ser a mdia da sociedade:

    Existe uma viso distorcida. Muita gente se de ne como classe mdia, mas de mdia no tem nada. Est, na verdade, no topo da pirmide. A pesquisa do IBGE (...) e os ltimos dados do Censo Demogr co demonstram que 2,1% da populao brasileira ganha entre cinco e dez salrios mnimos, e apenas 1% ganha mais de dez salrios mnimos. (...) Signi ca que apenas 3% da populao brasileira tem como renda familiar mais de R$ 2.500 por ms. Na verdade, esse povo que ganha mais de R$ 2.500 por ms no se sente rico, e realmente no rico, mas elite do Pas (...), o topo da pirmide. Classe mdia, mdia mesmo, aquela que est no meio da pi-

  • rmide (...). Corresponde a 33% da populao brasileira e possui 29% do potencial de consumo. Essa verdadeira classe mdia est alijada de alguns luxos, como ir ao cinema, cursar faculdades e comprar aparelhos eletrnicos porque o dinheiro que sobra, depois que se paga alimentao, transporte e remdios, muito pouco. (MARINHO, 2004, p.7).

    De uma maneira alarmante, a espiral de consumo comea a parecer um vrtice. De espiral

    ascendente dirigida aos prazeres materiais passou a ser uma espiral decadente em direo po-

    luio, ao desperdcio e crise ambiental (dormer, , p.). Assim Sevcenko (, p.)

    a rma que um dos impactos mais inquietantes das novas tecnologias tem sido o efeito sobre o

    meio ambiente e que o quadro, nesta passagem de sculo, dos mais alarmantes, ou seja, o

    descaso com as necessidades e o apego ao consumismo atinge tambm questes ambientais, ao

    mesmo tempo que constri uma sociedade onde a topogra a do consumo identi cada como

    mapa social (berland apud nelson et al, , p.). A espiral de consumo tem, at o presen-

    te, estado restrita a uma vintena de vrias centenas de pases do Mundo (dormer, , p.),

    numa situao onde o aumento crtico da desigualdade sem dvida o legado mais perverso do

    sculo xx para o xxi (sevcenko, , p.).

    No Brasil, em particular, a situao ainda mais drstica. Dentro do quadro geral de es-tagnao da Amrica Latina, o pas apresenta tambm os mais altos ndices de concentrao de renda. Ou seja, se a Amrica Latina tem as mais altas taxas de concentrao de renda do mundo, o Brasil excede as mais altas taxas de concentrao de riqueza da Amrica Latina (SEVCENKO, 2002, p.54).

    Mundialmente, nos limites que cabiam ao capitalismo neoliberal de in uncia estaduniden-

    se, disseminado a cultura do esprito da concorrncia agressiva favorecendo o individualismo

    e o imediatismo, con gurando uma sociedade onde o problema mais urgente dos tempos atuais

    o da responsabilidade em relao ao futuro, que est sendo con gurado por foras fora de

    qualquer controle institucional, sendo que o maior obstculo formulao de uma cincia res-

    ponsvel , uma vez mais, o modo como no panorama atual as grandes corporaes escaparam

    do controle de rgos reguladores e dos grupos de presso da sociedade civil (sevcenko, ,

    p., e ).

    Uma vez que o contexto que determina as idias de espao e de tempo, estabelecendo uma relao positiva entre indivduo e ambiente, descaracterizar o ambiente destituindo-o das suas presenas artsticas tradicionais uma maneira de favorecer as neuroses coletivas, que se exprimem, mais tarde, em atos de rejeio da civilizao histrica, que vo desde pequeno vandalismo e o banditismo organizado at os fenmenos macroscpios de violncia e de terro-rismo - e todos sabem que este o preo a ser pago pelo no desejado triunfo da sociedade de consumo (ARGAN, 1993, p.87).

  • 3.2 Novos comportamentos

    Nas apropriaes que as novas elites zeram das propostas modernistas, a racionalidade e

    a objetividade cient ca no foram absorvidas integralmente pelas novas polticas econmicas

    oriundas do modelo liberal americano; essas novas hegemonias leram o discurso da classe como

    uma abordagem cujo valor residia na satisfao pessoal, apelo esttico e o sucesso comercial que

    pudesse obter (miller apud fonseca, , p.). Assim, no presente tem-se uma necessidade

    de revisitar as de nies de design (como um papel, um meio de promover mudana) e de

    permitir que as novas geraes de designers sejam formadas para que saibam porque e como

    in uenciar nas questes sociais (icograda e design for the world, , p.).

    As apropriaes de discurso feitas continham um paralelismo com uma srie de paradigmas

    (modernistas) que, com as novas con guraes sociais, foram se erudindo e sendo substitudos por

    um novo posicionamento do indivduo perante a sociedade. A continuidade e a historicidade

    da identidade so questionadas pela imediatez e pela intensidade das confrontaes culturais

    globais (hall, , p.).

    Stuart Hall (, p., -, , , , , ) conceitua trs concepes de identidade que

    se sucederam na sociedade ocidental nos ltimos sculos. A primeira, datada do sculo xvii, seria

    a do sujeito do iluminismo: uma identidade centrada em um eu individualista estvel e contnuo,

    onde o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. A segunda, datada da primeira

    metade do sculo xx, seria a do sujeito sociolgico, que se de ne pela interao com a sociedade,

    costurando o sujeito com a estrutura social, estabilizando ambos. A terceira seria a do sujeito ps-

    moderno, de nitivamente sem um referencial xo, identidades formadas e transformadas con-

    tinuamente em relao s formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas

    culturais que nos rodeiam. Assim, a identidade da Era dos manifestos, contexto no qual surgiu

    o design, era identidade do sujeito sociolgico. Hall coloca que principalmente devido a cinco

    acontecimentos (pensamentos marxistas, descoberta do inconsciente por Freud, trabalhos de

    Saussure, trabalhos de Foucault, e o impacto do feminismo e dos novos movimentos sociais),

    essa identidade entra em colapso: as velhas identidades, que, por tanto tempo estabilizaram o

    mundo social, esto em declnio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivduo

    moderno. Ela passa a ser substituda pela identidade do sujeito ps-moderno.

    Um tipo diferente de mudana estrutural est transformando as sociedades modernas no nal do sculo XX. Isso est fragmentando as paisagens culturais de classe, gnero, sexualidade, etnia, raa e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido slidas localizaes como indivduos sociais. Estas transformaes esto tambm mudando nossas identidades pessoais, abalando a idia que temos de ns prprios como sujeitos integrados. Esta perda de um senti-

  • do de si estvel chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentrao do sujeito. Esse duplo deslocamento - descentrao dos indivduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos - constitui uma crise de identidade para o indivduo (HALL, 2002, p.9).

    Uma estrutura deslocada aquela cujo centro deslocado, no sendo substitudo por outro, mas por uma pluralidade de centros de poder. As sociedades modernas, argumenta Laclau, no tm nenhum centro, nenhum princpio articulador ou organizador nico e no se desenvol-vem de acordo com o desdobramento de uma nica causa ou lei (HALL, 2002, p.16).

    Nesse novo contexto, para a discusso do presente trabalho, duas caractersticas dessa nova

    identidade so relevantes: precisamos contentar-nos com mininarrativas sobre pequenos seg-

    mentos da nossa experincia, sem pretender a sua universalidade (daniel, , p.) e o pas-

    sado transformado em uma grande coleo de imagens, um simulacro fotogr co (machado,

    , p.). A primeira caracterstica se ope ao per l modernista que d ttulo ao captulo Era

    dos manifestos, ou seja, quele per l universalizante das grandes narrativas, do discurso uno que

    construiria um mundo melhor. A ps-modernidade recebe a marca de fogo pela aniquilao de

    seres humanos e pela perda do ideal moderno, que preconizava a unio das instncias cient ca

    e tica em um avano harmnico (gruszynski, , p.). A segunda caracterstica faz com

    que, hoje, qualquer exerccio histrico leia o passado de forma extremamente super cial, elimi-

    nando qualquer historicidade que possa ser construda. A falta de profundidade, a super cia-

    lidade, um achatamento da percepo da histria e uma cultura da imagem e do simulacro so

    constitutivos do ps-moderno (machado, , p.).

    Considerando essa cultura na qual o passado transformado em imagens super ciais e frag-

    mentadas, Jameson (apud machado, , p.) coloca dois focos que vo especi camente

    determinar a forma como o ps-modernismo se depara com as questes histricas, resultando

    na falta de historicidade. O primeiro que a lgica do simulacro, com sua transformao de

    novas re