TCC- Uma Análise Contextualizada Do Balanço Energético Agrícola - Versão Final ASSINADA

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIACENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS

    CURSO DE GRADUAÇÃO EM AGRONOMIA 

    UMA ANÁLISE CONTEXTUALIZADA DO BALANÇOENERGÉTICO AGRÍCOLA

    TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

    Vitor Hugo Balest Piovesan

    Santa Maria, RS, Brasil

    2015

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    UMA ANÁLISE CONTEXTUALIZADA DO BALANÇO

    ENERGÉTICO AGRÍCOLA 

    por

    Vitor Hugo Balest Piovesan

    Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduaçãoem Agronomia, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS),como requisito parcial para obtenção do grau de Engenheiro

    Agrônomo.

    Orientador: José Geraldo Wizniewsky

    Santa Maria, RS, Brasil

    2015

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    RESUMO

    Trabalho de Conclusão de CursoCurso de Graduação em AgronomiaUniversidade Federal de Santa Maria

    UMA ANÁLISE CONTEXTUALIZADA DO BALANÇO ENERGÉTICO AGRÍCOLA AUTOR: VITOR HUGO BALEST PIOVESAN

    ORIENTADOR: JOSÉ GERALDO WIZNIEWSKYData e Local da Defesa: Santa Maria, 20 de novembro de 2015.

    Este trabalho é um estudo a respeito dos fluxos energéticos relacionados aos

    agroecossistemas. Objetivou-se, nesta análise, compreender a ferramenta do

    balanço energético, através da composição do cenário em que se insere. Partindo

    de uma abordagem dialógica, no primeiro momento definem-se duas grandes

    correntes de pensamento, a otimista e a pessimista. Num segundo momento,

    aborda-se a intersecção dos campos social e econômico com os fluxos de energia e

    materiais no contexto dos ecossistemas. Por fim, se analisa a ferramenta do balanço

    energético aplicada aos agroecossistemas, ressaltando-o como uma métrica de

    avaliação de eficiência relativa à sustentabilidade energética. Constata-se que ametodologia do balanço energético é um proeminente critério de avaliação de

    sustentabilidade dos processos de produção agrícola, porém, necessita ser mais

    difundido e de uma melhor delimitação metodológica.

    Palavras-chave: Energia. Balanço energético. Agroecossistema.

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    ABSTRACT

    Course Conclusion WorkGraduation Course of AgronomyFederal University of Santa Maria

    A CONTEXTUALIZED ANALYSIS OF THE AGRICULTURAL ENERGETICBALANCE

     AUTHOR: VITOR HUGO BALEST PIOVESAN ADVISOR: JOSÉ GERALDO WIZNIEWSKY

    Date: Santa Maria, november 20TH, 2015. 

    The present essay is a study about the energetic flow concerned to the

    “agroecosystems”. The analysis goal is to understand the energetic balance tools

    trough the scene composition in that they are inserted. In the first moment there are

    defined two main thought chains, the optimistic and the pessimistic. In the second

    moment is talked about the social and economic fields with the energetic and

    material flow in the ecosystems context. For last, the energetic balance tool applied

    to the “agroecosystem” is analyzed, emphasizing it as an evaluation method of the

    energetic eco friendly balance. It is concluded that the energetic balance method is a

    good evaluation tool of the sustainability in the agriculture production processes,

    although it is necessary for it to be more advertised and also a better methodological

    delimitation.

    Key words: Energy. Agroecosystem. Energetic balance. 

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    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1  –  Representação dos fluxos energéticos (abertos) e monetários

    (fechados) nos sistemas de sustentação dos seres humanos ...................................... 21

    FIGURA 2  –  Transformação da energia luminosa em biomassa e calor,

    ilustrando as duas leis da termodinâmica...................................................................... 26

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ....................................................................................... 7REVISÃO DE LITERATURA ................................................................. 9

    1. UMA ABORDAGEM ONTOLÓGICA AO OBJETO DE ESTUDO ... 9

    2. ENERGIA, DINHEIRO E CIVILIZAÇÃO ........................................... 15

    2.1. Crise energética: o problema genérico e sua importância ........................ 15

    2.2. Energia e segurança alimentar..................................................................... 18

    2.3. Dinheiro e energia ......................................................................................... 20

    3. O BALANÇO ENERGÉTICO: CONCEITOS E APLICAÇÕES ........ 243.1. Fundamentos físicos e biológicos a uma análise energética ................... 24

    3.2. Agroecossistemas......................................................................................... 27 

    3.2.1. Repartição e otimização de energia: seleção r e seleção K ......................... 32

    3.3. Métodos e aplicações do balanço energético............................................. 35 

    3.3.1. Produção de grãos e verduras ..................................................................... 37

    3.3.2. Produção animal........................................................................................... 39

    3.3.3. Biocombustíveis ........................................................................................... 42

    CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 44

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 46

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    INTRODUÇÃO

    Desde o surgimento da agricultura, o homem vem lidando com o ambiente

    energético do agroecossistema, porém, é de meados do século XX para cá que

    surge uma consciência a respeito da forma como se dão os fluxos de energia e

    materiais, e de onde vêm a fundamentação do processo de produção das matérias

    primas alimentares. A estratégia predominante, desde os tempos ancestrais, é

    basicamente a de criar um ambiente artificializado para que os cultivos agrícolas e

    os animais domésticos possam converter ao máximo a energia neles investida em

    biomassa alimentar. Se até pouco tempo (século XIX) a principal fonte de energia

    era o sol e as produções agrícolas tímidas, hoje batemos recordes produtivos,

    subsidiados pela energia proveniente do petróleo. Porém, projeções vêm chamando

    a atenção para a acelerada “entropização planetária”, pondo em cheque não só uma

    estratégia agrícola, mas um sistema econômico inteiro que a sustenta.

    O presente trabalho se assenta numa construção de ideias, conhecimentos e

    observações que eu, Vitor Hugo Balest Piovesan, construí ao longo de minha

    trajetória acadêmica, e que vêm a ser, em suma, a proposta de um trabalho deconclusão de curso. Como acadêmico, sempre me chamou a atenção as diferentes

    visões a respeito da agricultura e da sustentabilidade: de um lado, o avanço de uma

    agricultura cada vez mais intensiva, e de outro, críticas à insustentabilidade deste

    modelo. Tão cedo, quanto passei a entender que permeada a toda esta discussão

    estão os fluxos energéticos nos agroecossistemas, vislumbrei no balanço energético

    um dos mais proeminentes e sensatos métodos de compreensão da causa que

    separa as diferentes visões, estratégias e sistemas de produções agropecuárias.Dada a extensão do tema, nos limitaremos neste trabalho a fazer um recorte

    superficial da literatura, porém, sem abrir mão de uma noção do todo que a envolve,

    ou como será conceituado, uma noção de “complexidade”. Adotaremos um

    posicionamento equidistante, dando voz as diferentes áreas de conhecimento que

    por ventura vierem a tocá-la. Esperamos assim, alcançar nosso objetivo de se

    aproximar do cenário no qual se insere a ferramenta do balanço energético.

    O trabalho está estruturado em três partes. A primeira parte insere ao leitor aatmosfera que envolve as diferentes visões do problema, mostrando que aspectos

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    subjetivos implicam no comportamento da sociedade. A segunda parte aborda

    aspectos do sistema social, definindo o problema genérico (a crise energética), e a

    influência dos sistemas econômico e alimentar. Na terceira parte, faremos uma

    breve abordagem das questões técnicas relativas ao balanço energético,

    direcionado ao agroecossistema, incluindo aí, alguns conceitos da ciência da

    Ecologia. Ao final desta parte, discutiremos alguns trabalhos relevantes para a

    temática.

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    REVISÃO DE LITERATURA

    1. UMA ABORDAGEM ONTOLÓGICA AO OBJETO DE ESTUDO

    Para o melhor entendimento do tema em questão, julgamos útil e necessário

    introduzir o assunto de uma forma pouco usual no meio das ciências agrárias. Este

    tema diz respeito ao que Silva Neto (2009) já apontava como a necessidade da

     Agronomia, em superar o paradigma do positivismo detido na dimensão do

    observável e do experimentável. Ao invés disso, tentaremos mostrar que os

    problemas do mundo contemporâneo, entre os quais se situa a crise energética,

    devem ser tratados dentro, ou pelo menos sem o esquecimento, de uma noção de

    complexidade e subjetividade de suas causas.

     A Teoria da Complexidade de Edgar Morin corrobora essa premissa

    demonstrando que resultados inesperados podem surgir de elementos impossíveis

    de serem previstos pelo modelo tradicional da ciência, baseada no paradigma

    cartesiano. A noção da não previsibilidade, do caos matemático faz com quepossamos problematizar a linearidade adotada pela ciência normal1. Podemos dar

    como exemplo, às mudanças climáticas, onde todos os modelos preditivos baseiam-

    se em previsões, e probabilidades calculadas por modelos lineares, e assim ignoram

    uma série de outros possíveis cenários comandados por variáveis aleatórias e

    comportamentos caóticos dos sistemas  –  a ideia do acaso. Este fenômeno foi

    denominado “Efeito Borboleta” por  Edward Lorenz, em 1963 (SAVI, 2002).

    Conforme Pedrozzo (2007), uma perspectiva de complexidade é necessária,até mesmo, para entender o conceito de sustentabilidade, fundamentado na

    interdependência das dimensões sociais, ambientais e econômicas. Na falta deste

    entendimento, o termo sustentabilidade tem sido usado arbitrariamente para

    “legitimar desde o crescimento econômico desenfreado, a expansão industrial, a

    1  Ciência Normal: termo usado por Kunh (1982 apud SILVA NETO, 2009, p. 52) referindo-se aoparadigma hegemônico da ciência em interessar-se pelos fatos observáveis, negligenciando ainfluência da subjetividade.

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    globalização, até a proteção da biodiversidade e do ecossistema, a justiça social, a

    paz, e a eliminação da pobreza.” (PEDROZZO, 2007) 

     A necessidade da inserção da perspectiva ontológica, ou metafísica, foi

    observada por filósofos existencialistas como Martin Heidegger, na sua obra “Que é

    a Metafísica”, de 1969, seguida por Jean Paul Sartre e disseminada por outros

    tantos filósofos contemporâneos. Segundo Heidegger, faz-se necessário que o

    homem reintroduza a discussão do Ser, que ficou “soterrada”  pela discussão do

    Ente (BARROS FILHO, [201-]b). Ou seja, segundo esta visão, é necessário que

    pensemos qual “o sentido”, “para quê”, “por que”, fazemos o que fazemos, num

    sentido filosófico, perguntas para as quais a religião outrora usada para explicar o

    Ser já não mais pode dar conta, mas sim, uma nova abordagem metafísica, atravésda filosofia e da psicologia. Em outras palavras, a ideia de resgatar a discussão do

    Ser, sem passar pelo Ente (objeto da ciência) e sem passar pela religião (objeto de

    uma metafísica “defasada”).

    Digamos de outra forma. A reflexão sobre a relação ética entre o homem e o

    meio ambiente, por exemplo, é uma reflexão com inúmeros desdobramentos. Barros

    Filho ([201-]a) afirma, ao referir-se à nossa relação com os animais , que “toda a

    tentativa de normatização pode ser problematizada. [...] Qualquer coisa que sedisser a favor ou contra os animais terá inúmeros argumentos a favor, ou contra”. E

    aqui, pretendemos estender esta ideia para a nossa relação com o meio ambiente

    como um todo. Ainda segundo o mesmo autor, o argumento típico de ecologistas é o

    de que devemos nos “privar” de algo hoje, em prol de haver algo para as gerações

    futuras. E sempre haverá alguém para contra-argumentar o porquê é que um “eu” 

    que existe, deve privar-se de algo hoje para prover a “alguém” que não se sabe se

    existirá? Ou seja, “submeter o Ser ao não-Ser”. Dif ícil de responder. Assim comotambém é difícil dizer que se possa utilizar da natureza tudo o que esteja a nossa

    disposição, sem qualquer preocupação com as futuras gerações. É neste dilema

    ético de extrema pertinência que estamos envolvidos.

     A filosofia poderia nos levar ainda muito além numa análise ontológica, mas

    vamos nos deter um pouco mais neste que parece ser a “chave” do problema que

    tratamos neste trabalho. Ou seja, segundo esta ideia, a discussão sobre os

    problemas ambientais transcende do mundo da técnica para o mundo das ideias,

    onde a origem do problema ambiental parece estar na discussão ética sobre a

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    relação homem e meio ambiente, mas também da relação ética entre atuais e

    futuras gerações. E como mencionado, estas duas relações têm inúmeros possíveis

    desdobramentos.

    Com relação a estes diferentes pontos de vista, Veiga (1994), e

    posteriormente Sachs (2002), sugerem duas correntes dominantes: uma minoria

    “pessimista”, questionando os fundamentos da ciência econômica frente aos

    problemas ambientais, e a maioria “otimista”, que entende que os problemas

    ambientais poderiam ser resolvidos dentro da lógica econômica desenvolvimentista.

    Correndo o risco de sermos simplistas demais, aceitaremos aqui esta definição.

    Em primeiro lugar, reiteramos que ambas as correntes de pensamento são

    heterogêneas, ou seja, abrangem uma diversidade de ideias, opiniões e percepçõessobre o mesmo tema. O fato de haverem mais pessoas na corrente otimista pode

    ser inferido pela razão de que a lógica do sistema econômico é esta, absorvendo

    assim, as pessoas que não tem uma certa clareza sobre estes assuntos.

    O argumento típico da corrente otimista, como dito, segue uma lógica

    desenvolvimentista, onde se aceita que somente com avanços no modelo

    tecnológico vigente poderemos dar conta de lidar com estes problemas (VEIGA,

    1994), uma ideia de “mais do mesmo”. Segundo esta ideia, o desenvolvimentotecnológico dará conta de encontrar novas soluções para qualquer tipo de problema,

    que não haveremos de ter dificuldades em suprir uma futura demanda energética, e

    que para isso, a única preocupação que devemos ter por hora, é garantir o

    crescimento e desenvolvimento econômico.

     A proposta do presente trabalho é a de realizar uma descrição imparcial ante

    estas duas perspectivas, analisando-as sob um olhar externo, e confrontá-las.

    Porém, dado que para a perspectiva otimista não há de fato um problema a sertratado, pelo menos não tal como enunciado pela perspectiva pessimista,

    acabaremos por concentrarmos muito mais nesta última visão. Dito de outra forma,

    para a visão otimista o “progresso” encontrará um meio de resolver os problemas,

    dando fim a essa discussão, enquanto na visão pessimista ela encontra sua

    significância, já que admite-se que há um problema em relação ao crescimento

    econômico e a sustentabilidade em termos planetários.

    O economista e matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen,

    representante da minoria pessimista, tratou deste tema no seu livro intitulado “La

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    Decroissance”, em 19712. O posicionamento deste autor alinha-se na defesa dos

    interesses das futuras gerações, sem, no entanto, negar que exista sim, por parte

    das gerações atuais, uma relativa dependência do consumo de bens da natureza,

    incluindo os não renováveis.

    Essa dependência é tratada de uma forma inédita quando o autor introduz o

    conceito de “bioeconomia”. Para melhor explicar, segundo Georgescu-Roegen

    (2012), todos os animais, exceto o homem, utilizam-se para sobreviver de elementos

    endossomáticos (asas, bicos, garras, dentes, etc.). O homem, porém, transcendeu

    os limites biológicos de seu corpo e incorporou no seu processo evolucionário

    elementos exossomáticos, ou seja, ferramentas, máquinas, objetos, construções,

    etc. Estes elementos exossomáticos evoluíram com o homem ao passo que, elehoje, depende deles para sobreviver, ou seja, já não pode mais viver no mundo

    única e exclusivamente pela sua própria natureza endossomática. E nos

    relacionamos com os elementos exossomáticos de duas maneiras: uma de natureza

    biológica, ou seja, para saciamento das nossas necessidades físicas, biológicas e

    fisiológicas; outra de natureza econômica, na forma de obtenção, posse, acúmulo

    destes elementos, cujas diferenças são nítidas quando observadas as distintas

    classes sociais. Portanto, afirma Georgescu-Roegen (2012), “não é apenas biológiconem apenas econômico. É bioeconômico.”.

    Etimologicamente, a palavra “economia” deriva do grego “oikos”  com sentido

    de “casa”, e o sufixo “nomia” significa administração. Portanto, economia equivale a

    “administração da casa”. A palavra ecologia  vem da mesma origem, diferindo de

    sufixo, onde “logia”  significa estudo. Logo, temos que ecologia significa “estudo da

    casa”. Assim, fica claro que estes dois conceitos possuem elementos de conexão na

    sua origem etimológica. Estas duas ciências atualmente tem sido objeto de disputaspolíticas, cada qual com suas bandeiras, lógicas e necessidades diferentes, quase

    sempre antagônicas entre si. Uma necessária aproximação de ambas requereria

    uma abordagem interdisciplinar, e para isto exigiria, de acordo com Pedrozzo et al.

    (2007), passar de uma visão reducionista, linear e determinista, para uma visão

    complexa, não linear, com inúmeros possíveis caminhos.

    2 Traduzido e republicado como O Decrescimento, em 2012 (GEORGESCU-ROEGEN, 2012).

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     Alguns autores mais radicais da corrente pessimista chegaram a suscitar a

    ideia de que a economia fosse absorvida pela ecologia, dada o domínio desta última

    ser mais abrangente que a primeira, afinal, “a atividade econômica de qualquer

    geração não é desprovida de influência na das gerações futuras” (GEORGESCU-

    ROEGEN, 2012).

     A ideia de considerar as futuras gerações, um dos elementos centrais da

    corrente pessimista, é de elevado conteúdo filosófico e pode ser definido na seguinte

    analogia:

    Há um princípio econômico elementar segundo o qual o único meio deatribuir um preço adequado a um objeto não reprodutível, por exemplo, a

    Mona Lisa de Leonardo da Vinci, consiste em fazer com que absolutamentetoda a gente licite cada vez mais alto para adquiri-lo. De outro modo, se sóo senhor ou eu fizéssemos uma oferta, um de nós poderia obtê-lo apenaspor um punhado de dólares. Esse leilão, ou melhor, esse preço, serialimitado, bem entendido. Ora é exatamente o que se passa com os recursosnão reprodutíveis. Cada geração pode utilizar tantos recursos terrestres eproduzir tanta poluição quanta a que o seu leilão decidir, sem outrasconsiderações. As gerações vindouras estão excluídas do mercado atualpela simples razão de não poderem estar presentes (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p.108).

    Portanto, na visão deste autor há uma espécie de “ditadura” das gerações

    atuais sobre as gerações futuras (GEORGESCU-ROEGEN, 2012). Dito desta forma,

    fica mais claro entender que não se trata de uma crítica a uma atitude deliberada

    individualmente por cada pessoa, mas, sim, uma atitude determinada pelas

    instituições, e que foge ao domínio da racionalidade. Atitude esta, orquestrada pelo

    sistema econômico, e que se coaduna com nossas necessidades e, ou, desejos de

    consumo.

    Schumacher (1973, p. 39) concorda com esta tese ao afirmar que:

    O mercado, portanto, representa apenas a superfície da sociedade e suasignificância relaciona-se com a situação momentânea existente no aqui eagora. Não há pesquisa sobre o que existe no fundo das coisas, nos fatosnaturais e sociais que jazem por trás delas. Em certo sentido, o mercado é ainstitucionalização do individualismo e da não responsabilidade. Nem ocomprador nem o vendedor são responsáveis por qualquer coisa a não serpor si próprios.

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    Por falar em responsabilidade, um representante do pensamento ecologista

    do século XX e XXI, o filósofo Hans Jonas (1903-1993), em sua mais importante

    obra chamada “O princípio da responsabilidade” 3, propõem uma nova abordagem

    da ética que abranja a dimensão ambiental, obscurecida pela utopia tecnológica que

    se perseverou na maior parte do século XX (JONAS, 2006). Em substituição ao

    imperativo kantiano “age de tal maneira que o princípio de tua ação se transforme

    numa lei universal”, fundamentado apenas nos limites do ser humano, Jonas propõe

    um novo imperativo ético: “age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam

    compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica” que formulado

    negativamente seria “não ponhas em perigo a continuidade inde finida da

    humanidade na Terra” (JONAS, 2006). O professor Clóvis de Barros Filho (BARROS FILHO, [2012], [201-]c), citando

    Hans Jonas nos coloca que “uma ostra não pode pôr em risco o universo, mas o

    homem, sim”. Isso quer dizer, que todas as coisas cumprem   com seu papel no

    universo, a exemplo da ostra, que vive refém de sua natureza e alinhada com o

    mundo ao seu redor. Porém não o homem, já que este pode deliberar sobre suas

    ações, vivendo em desalinhamento com a natureza. Viver harmoniosamente com o

    universo é apenas uma opção entre infinitas possibilidades. Assim, odesalinhamento não só é provável, como também, uma quase obviedade. E é por

    isso, ou seja, pelo fato de sabermos que não há uma “natureza humana”, que

    devemos nos conscientizar do potencial que temos para interferirmos no meio

    ambiente em que vivemos, assumindo assim, todos os riscos inerentes a essas

    escolhas.

    Esta visão pessimista até aqui exposta é comumente defendida pelos adeptos

    do Decrescimento, de ecologistas entre outros grupos engajados com a causaambiental. Porém, como pode ser notado, e se aproximando de Veiga (1994), são

    grupos minoritários e mais facilmente destacados na sociedade, por algumas razões

     já mencionadas.

    Esta análise é um pequeno recorte da dimensão subjetiva das atuais

    preocupações da civilização, no qual se insere a crise energética que será discutida

    3 O livro “O princípio responsabilidade” foi publicado em 1979 em alemão, língua materna de HansJonas, e em 1984 em inglês. Hoje já se encontra traduzido para diversas línguas, inclusive oportuguês.

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    na próxima seção. Dito de outra forma, a crise energética atravessa por todas estas

    perspectivas para configurar-se no que vemos hoje sendo praticado na sociedade. E

    não podemos ignorar estes aspectos ao abordarmos eles na academia.

    2. ENERGIA, DINHEIRO E CIVILIZAÇÃO4 

    2.1. Crise energética: o problema genérico e sua importância

    Conforme tratado na seção anterior, parte-se do pressuposto que há uma

    crise energética que afeta a civilização. Convém agora tentarmos definir o que se

    entende por “crise energética”, trazendo-a da dimensão da civilização para um

    contexto mais restrito que é o da agricultura.

    Com frequência assistimos a discussões a respeito da questão da escassez

    crescente de recursos energéticos de utilização humana, sobretudo daqueles de

    menor custo de produção/exploração, cujo exemplo clássico é o petróleo. Acompanhada desta preocupação, há uma constante busca por novas fontes de

    energia capazes de substituir as atuais, com a mesma ou superior excelência em

    rendimento e custo. Também se discute o fato de estas fontes serem ou não

    renováveis, e o impacto ambiental sobre a ecologia do planeta.

    Guimarães (2002) levanta duas questões básicas a respeito da crise

    energética: “o que fazer frente a elas?” e “quais as causas que a levaram?”. Como

    foi discutido na primeira seção, existe uma ampla variação de pontos de vista quepoderiam ensejar a primeira questão, porém, não há uma resposta definitiva, para a

    qual as autoridades quando muito se limitam a conscientizar a população da

    importância de conservar energia.

     As causas que levaram a chamada crise são mais facilmente tratáveis, já que

    podem ser historicamente analisadas. E é a análise histórica, trazida para o contexto

    4 O título desta secção, não por acaso, foi inspirado em parte na obra de Odum (2012, p. 118), de

    maneira a destacar a tentativa de estabelecer a relação entre estas três grandes variáveis: os fluxosenergéticos, os fluxos econômicos (dinheiro foi o termo adotado pelo autor), e a “matriz social” queinterage com estes fluxos.

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    do presente, seguida de uma projeção para o futuro, que dá a percepção de que há

    uma crise energética em curso.

    Considerando a história da evolução humana, observamos que o homem

    progressivamente alcançou melhorias significativas na sua qualidade de vida, seja

    na comunicação, saúde, entretenimento, alimentação, saneamento básico, entre

    outras tantas. Mas todas estas “melhorias” não vieram sem que houvesse um custo

    implícito. Este custo se expressa em energia. Ou seja, para que possamos manter e

    continuar desenvolvendo a civilização atual, demonstra-se ser necessário um

    consumo contínuo e crescente de energia.

    Um trabalho que ficou mundialmente conhecido por demonstrar de maneira

    inédita a evolução na demanda energética humana, foi publicado em 1971 por EarlCock. O quadro 1 ilustra o principal resultado deste trabalho:

    Tipo dedemanda

    energética

    Tipo de sociedade

    Primitiva(1.000.000

    de anosatrás)

    Caçadora(100.000

    anos atrás)

     Agrícolaprimitiva

    (5.000 anosatrás)

     Agrícolaavançada

    (1.000 anosatrás)

    Industrial(100 anos

    atrás)

    Tecnológica(idade atual*)

    Transporte 1 14 63

    Indústria eagricultura 4 7 24 91

    Uso domésticoe comercial

    1 4 12 32 66

     Alimentação ** 2 2 4 6 7 10

    Total 2 3 12 26 77 230

    Quadro 1  – Estimativa da energia consumida  per capita durante um dia, expressaem 10³ kcal, para diversos períodos da civilização humana.* Com base no ano de publicação do artigo, 1971.** Incluí alimentos de origem animal.Fonte: COOK, 1971 apud TOOSSI, 2010.

     Ao analisarmos o significado dos resultados do quadro 1, verificaremos que o

    homem primitivo consumia uma fração mínima de energia diária (2.000 kcal), apenas

    o necessário para sua sobrevivência. Por outro lado o homem tecnológico,

    principalmente aquele que vive nas grandes cidades, demanda um consumo de

    energia diário muito maior (230.000 kcal). Apesar de este número estar defasado

    (subestimado) em relação aos dias atuais, nos mostram que o aumento de consumo

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    de energia em nível mundial obedece a uma escala exponencial, especialmente

    verificado nas últimas décadas.

    Para que o “progresso” possa continuar a acontecer, é pressuposto que

    venha a ocorrer um dispêndio ainda maior de energia do que se verifica, até porque,

    muitos povos estão buscando atingir o mesmo patamar de desenvolvimento dos

    países denominados desenvolvidos, altamente consumidores de energia. Ocorre,

    por outro lado, que se verifica que a produção de energia pelos meios à nossa

    disposição já não serão mais capazes de suprir essa demanda, daí configurando-se

    a tão propalada “crise energética”. Podemos estar diante de uma nova revolução, a

    revolução energética do século XXI (SACHS, 2007).

    Georgescu-Roegen (2012) identifica, quanto às fontes de energia, o que elechamou de “assimetrias”. Nesta perspectiva, a energia solar, das marés e a eólica,

    por exemplo, são fontes de energia do tipo fluxo. O petróleo, o gás e o carvão são

    energias do tipo stock.  Essa é uma característica fundamental, que merece ser

    destacada. O petróleo é uma energia do tipo stock , pois somos livres para utilizá-la

    integralmente hoje, ou à medida que pudermos extraí-la. Mas, no caso da energia

    solar, apesar de chegar-nos de maneira constante, de forma alguma podemos

    utilizar parte do fluxo futuro da radiação. Resulta daí, que do ponto de vistaindustrial, a energia solar encontra uma imensa desvantagem em relação às

    energias de origem terrestre, já que a exploração destas últimas acabam sendo mais

    rentáveis.

    Uma interessante analogia pode ser feita:

    [...] o fluxo de energia solar só chega até nós com muito fraca intensidade,como uma chuva fina, quase um nevoeiro microscópico. Difere contudo

    sensivelmente da verdadeira chuva, na medida em que essa chuva deradiação não forma regatos, ribeiras e rios que, por fim, se lançam aoslagos de onde a pudéssemos utilizar sob uma forma concentrada, comofazemos com as quedas de água. Imagine-se a dificuldade que seencontraria se tentasse utilizar diretamente  a energia cinética aquando daqueda de minúsculas gotas de chuva. Ora essa é justamente a dificuldadecom que nos deparamos quando utilizamos a energia solar diretamente (istoé, sem passar pela energia química das plantas verdes nem pela energiacinética do vento e das quedas de água). Mas como se disse acima, maiordificuldade não significa impossibilidade. (GEORGESCU-ROEGEN, 2012,p.103).

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    Odum (2012) complementa Georgescu-Roegen (2012) afirmando que os

    combustíveis fósseis apresentam uma qualidade, ou potencial de trabalho, cerca de

    2000 vezes maior do que a energia solar. Em outras palavras, a energia solar

    precisaria ser concentrada em 2000 vezes para que se pudesse realizar o trabalho

    da energia fóssil. É por isso, segundo o autor, que a humanidade não poderá mudar

    de energia fóssil para energia solar para mover automóveis e máquinas que

    necessitam de uma forma concentrada de energia, a menos que se desenvolva uma

    tecnologia viável capaz de concentrar a energia solar. Por enquanto, podemos usar

    a energia solar, sem melhorias, para funções de baixa qualidade, como aquecimento

    predial, etc.

    Por outro lado, a energia solar tem a vantagem única e incomensurável de serisenta de qualquer tipo de poluição, já que, usada ou não, seu destino é o mesmo:

    entropia, mais especificamente, calor ambiente. Ao contrário das energias terrestres,

     já que todas elas geram algum tipo de poluição, mesmo que seja poluição térmica

    (GEORGESCU-ROEGEN, 2012).

     Assim, pode-se constatar que ainda estamos muito longe de encontrar uma

    solução energética baseada na energia solar. O mesmo vale para as energias das

    marés e geotérmicas, que aparentemente só podem ser exploradas em condiçõesestritamente limitadas. Tampouco o “sonho” da energia nuclear se concretizará

    enquanto o ciclo inteiro, desde a matéria prima até o descarte do lixo atômico, não

    for seguro.

    2.2. Energia e segurança alimentar

    Na segunda metade do século XIX, o economista inglês Thomas Malthus

    propôs a tese de que, enquanto a produção de alimentos cresce em proporções

    aritméticas, a população cresce em proporções geométricas. Neste presságio, a

    humanidade teria sua sobrevivência ameaçada pela explosão demográfica, sem o

    devido acompanhamento na oferta de alimentos (PAULUS, 1999).

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    Embora não podemos retirar de seu contexto histórico de uma época pré-

    industrial5, ainda hoje as ideias malthusianas se fazem presentes nos meios

    acadêmicos. Embora a tese malthusiana não tenha se confirmado, pela superação

    do patamar produtivo da era pré-industrial, com o aumento no rendimento bruto da

    produção agrícola, decorrente das inovações tecnológicas e do aumento das áreas

    agricultadas, alegam os neo-malthusianos de que estamos diante de um novo

    patamar que deveremos superar para garantir o suprimento alimentar para o

    aumento populacional previsto6.

    Neste sentido, o estudo do balanço energético poderia auxiliar na criação de

    sistemas agrícolas mais eficientes na obtenção de energia líquida utilizável, e assim,

    obter subsídios para estabelecer quais os sistemas de produção seriam os maisindicados para maximizar o fornecimento de alimentos (seja quantitativamente ou

    qualitativamente) em cada local. No entanto, poucos trabalhos com este enfoque

    têm sido realizados, pois na maioria das vezes é para o rendimento bruto que se

    voltam às atenções, enquanto o rendimento líquido é apenas economicamente

    avaliado.

    O fato de o rendimento energético líquido não ser considerado chama a

    atenção, e nos remete a analisar outro ponto de vista a respeito do balançoenergético. Na corrente pessimista, encontramos críticas contundentes ao atual

    modelo de agricultura tecnificada. Justamente porque, este modelo ignora, que sua

    própria matriz produtiva baseia-se na alocação de uma grande quantidade de

    energia, principalmente de origem fóssil, para um cada vez mais baixo incremento

    em rentabilidade líquida (energética) 7. O balanço energético, assim, proporciona

    subsídios para o entendimento do que está por trás do rendimento físico das

    culturas. É importante ressaltar, antes de tudo, que ao fazer estas considerações não

    se está negando o problema do crescimento populacional relacionado à segurança

    alimentar, tampouco a capacidade de a tecnologia gerar respostas às necessidades

    5  Thomas Malthus escreveu seu primeiro ensaio sobre a questão demográfica em 1798 (PAULUS,1999).6 De acordo com a FAO (2015), estima-se que em 2050 a população mundial seja de 9 bilhões depessoas, e considerando suas mudanças alimentares, será necessário um acréscimo nofornecimento de alimentos na ordem de 60%.7  A denúncia deste fenômeno, foi feita através do clássico artigo “Food prodution and the energycrises”, publicado na revista Science, por Pimentel et al (1973), e realizado com a cultura do milhonos EUA.

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    humanas. O que se está tentando problematizar é a essência destas preocupações

    e seu encaminhamento. Pois, parafraseando CASTRO (1970 apud PAULUS, 1999),

    “a fome é a expressão biológica de males sociológicos”. 

    Segundo a FAO (2015), estima-se que cerca de 796 milhões de pessoas

    sofrerão fome crônica no mundo entre 2014 e 2016. A mesma fonte também afirma

    que existe uma clara relação entre o crescimento da agricultura e a erradicação da

    pobreza. Não obstante, admite que a atual trajetória da agricultura seja

    insustentável.

    2.3. Dinheiro e energia

    Para Sachs (2002), na Conferência de Estocolmo, em 1972, “uma alternativa

    média emergiu entre o economicismo arrogante e o fundamentalismo ecológico”,

    quando aceitou-se que o crescimento econômico era necessário, mas deveria ser

    socialmente receptivo e implementado por métodos favoráveis ao meio ambiente, ao

    invés de apenas favorecer a incorporação predatória do capital da natureza ao PIB.O dinheiro possui um papel central na civilização. Odum (2012) coloca o

    dinheiro no contexto energético da seguinte forma: “O dinheiro representa um fluxo

    em sentido oposto ao fluxo energético, pois sai das cidades e fazendas em troca da

    energia e dos recursos que entram. Ao contrário da energia o dinheiro circula.”. Ou

    seja, de certa forma a moeda acompanha as trocas energéticas, mas difere pois

    circula em um sistema fechado, enquanto a energia perpassa sistemas abertos.

     Além disso, segundo Odum (2012), o sistema econômico não considera o “trabalho”da natureza, somente quando um recurso é convertido em bens fabricados ou

    serviços humanos (figura 1). Howard Odum (1924-2002) é um dos pioneiros na

    tentativa de alinhar fluxos econômicos aos energéticos (ODUM, 2012; ORTEGA,

    2003).

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    Figura 1 – Representação dos fluxos energéticos (abertos) e monetários (fechados)nos sistemas de sustentação dos seres humanos.Fonte: ODUM, 2012, p. 121.

     Ademais, uma das limitações do sistema econômico atual está no fato de que

    a economia avalia os bens de acordo com seu valor de mercado e não com o seu

    valor intrínseco. Ou seja, valorizam-se bens e serviços produzidos pelo homem,

    deixando subvalorizados importantes recursos supridos da natureza. Poderíamos

    nos perguntar: sabendo da especificidade de sua gênese, utilidade e escassez, qual

    valor deveríamos atribuir para uma dada unidade de petróleo? Assim, tentativasestão sendo feitas a fim de reduzir as diferenças entre valores que são do mercado

    e valores que não são do mercado. A título de exemplo temos as compensações por

    serviços ambientais, taxas de carbono, algumas políticas locais de incentivo a

    preservação de nascentes, entre outras.

    Caporal et al. (2009) sugerem uma mudança de enfoque da economia, devido

    aos custos (econômicos e energéticos) das externalidades negativas. Segundo eles:

    [...] é possível afirmar que a agricultura industrial, além de ser dependente eresponsável por alto grau de deterioração ambiental no entorno (longe ouperto), ou em ecossistemas distantes, é economicamente insustentável se

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    forem internalizados os “custos” das externalidades negativas que gera.Observe-se que não aparece na contabilidade do empresário agrícola, esequer do conjunto das cadeias do agronegócio, os custos deexternalidades evidentes deste tipo de agricultura, tais como a exportaçãode micronutrientes, a contaminação da água superficial e subterrânea, a

    perda de biodiversidade, o assoreamento de reservatórios de hidrelétricasresultante do manejo ambientalmente irresponsável, ou mesmo otratamento de pacientes que foram contaminados pelo uso de agrotóxicosou que desenvolveram câncer ou problemas hormonais devido àcontaminação sofrida por pesticidas. Nada disso aparece na contabilidadedo agronegócio, ainda que alguém tenha que pagar por estasexternalidades. Em algumas vezes, quem paga a conta é a sociedade comoum todo, nas atuais gerações. Noutras vezes, estes custos recairão sobreas futuras gerações. Na maior parte dos casos que dizem respeito ao meioambiente, pagarão ambas  – as atuais e as futuras gerações -, cabendo aodono do negócio uma pequeníssima parcela, o que não lhe impede de ficarcom a totalidade do lucro. (CAPORAL et al., 2009)

    Por sua vez, Arthur C. Pigou no ano de 1920, foi um dos primeiros

    economistas a contestar a capacidade do mercado livre como alocador eficiente de

    recursos, apontando falhas no mercado que ocorrem quando as empresas

    perseguem seus próprios interesses independentes do interesse público. Ele sugeriu

    a utilização de impostos e subsídios como um meio de se igualarem os custos

    particulares e sociais, que segundo ele, só poderia se dar pelo estabelecimento de

    regras pelo Estado (PIGOUT, 1920 apud ODUM, 2012).

    Porém, de lá para cá, uma ação assim do Estado torna-se cada vez mais

    difícil dada a pressão do mercado sobre a utilização da terra, e a complexidade da

    sociedade moderna que acaba por compartimentarizar os campos científicos da

    ecologia, da economia, e da política, que por vezes se confrontam, ao invés de

    buscar a aproximação.

    Schumacher (1973), com seu best-seller “ Small is Beautiful”, por sua vez,

    critica às limitações da ciência econômica na sociedade tecnológica, defendo que

    nem sempre o que é economicamente viável para um grupo, é necessariamente,

    algo que renda lucros para a sociedade. O autor propõe um maior investimento em

    tecnologias de pequena escala, entendidas como mais harmoniosas com os valores

    humanos e ambientais, uma tecnologia com “fisionomia humana” como definição.

    Bernstein (1981 apud ODUM, 2012), um antropólogo, concordando com esta

    perspectiva, observou que em algumas culturas isoladas que dependem de recursos

    locais têm por hábito evitar ações que percebam serem prejudiciais às futurasgerações. Porém, essa capacidade é perdida nas grandes e complexas sociedades

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    industriais, sugerindo que a ideia da pequena escala deveria ser incorporada pela

    ciência econômica.

    Uma nova abordagem tem sido a de tentar estabelecer vínculos entre os

    fluxos de energia e de dinheiro, de forma circular.

    Os economistas e ecologistas, embora difiram frequentemente na suapercepção da urgência das falhas do mercado e dos meios de corrigi-la, demodo geral, concordam que a teoria econômica, ligada a teoria energética,corretamente compreendida, fornece o potencial para se incluir a obra danatureza como um valor econômico, não como um bem “gratuito”, elevando-se, assim, o sistema econômico até o nível de ecossistema. (ODUM, 2012,p.122).

    Porém, nem todos pensam desta forma. Seixas et al. (1982), autores

    otimistas, afirmam que “seria utópico partir da hipótese de que, em nossa economia

    de mercado, as considerações de ordem energética global se sobreponham às

    considerações de ordem econômica.”. Sachs (2002) classifica como “inverosímel” a

    “tentativa de atribuir valor aos serviços do ecossistema mundial e ao capital da

    natureza”, criticando um possível efeito de privatização dos bens da natureza. Já

    Nicholas Georgescu-Roegen, citado neste texto, é um dos pioneiros na interface

    entre a economia e a ecologia e faz uma crítica contundente a tentativa de

    estabelecer um vínculo entre os fluxos de energia e monetários.

    Contudo, a mais absurda excrescência desta paixão por tudo o que respeitaa energia é a ideia de uma nova doutrina do valor econômico. Essadoutrina, que se pode apelidar de “economia política energética”, sustentaque todo o valor econômico é proporcional à quantidade de energia“incorporada” no bem em questão, sendo esse “valor energético”determinado pela análise energética de que acabamos de falar. Por outraspalavras, seja qual for a maneira como gastamos o nosso dinheiro, seja

    caviar, batatas ou um lugar na ópera, por cada franco obtemos o mesmonúmero de calorias incorporadas. Para dizer a verdade, toda a tentativa deenveredar por essa via deveria ter sido morta à nascença pelo veredicto deFriedrich Engels (1968) contido numa nota de 1875 inserida na Dialética danatureza:  “transforme-se, pois, qualquer trabalho qualificado emquilogrâmetros e tente-se determinar o salário com essa base!”.(GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 155).

     Assim podemos chegar ao menos a duas perspectivas: a primeira é a de que

    não há tecnologia para substituir, em escala global, os bens e serviços ambientais; e

    a segunda é a de que há um determinismo econômico delimitando as decisões dos

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    agentes sociais. Resta-nos melhor entender, e a reflexão deste trabalho tem a ver

    com isto, qual o grau de compatibilidade que há, ou pode haver, entre o

    determinismo econômico e o delineamento energético dos sistemas humanos.

    3. O BALANÇO ENERGÉTICO: CONCEITOS E APLICAÇÕES

    3.1. Fundamentos físicos e biológicos a uma análise energética

    Segundo Gliessman (2001), a energia é componente básica da biosfera como

    um todo, nas quais os ecossistemas desempenham um papel de captar e

    transformar esta energia.

     As áreas da física que se encarregam de fundamentar as transformações de

    energia são a mecânica clássica e, principalmente, a termodinâmica. Segundo a

    termodinâmica, energia é definida como a capacidade de realizar trabalho8. Quando

    a energia está realizando trabalho, ela é chamada de energia cinética, como porexemplo, um objeto movendo-se, ou as ondas luminosas do sol. A outra forma de

    energia é chamada energia potencial, dada como a energia em repouso capaz de

    realizar trabalho. É o caso dos combustíveis e da biomassa vegetal, por exemplo

    (GLIESSMAN, 2001).

    Existem várias fontes de energia (mecânica, elétrica, química, térmica,

    luminosa, sonora, nuclear, etc.), sendo intercambiáveis entre si, isto é, podem ser

    transformadas de um tipo a outro, tanto por meios naturais como artificiais(CARRON et al., 2002). Daí, em 1850, estabeleceu-se um dos princípios

    fundamentais da física que é a  primeira lei da termodinâmica: o princípio da

    8  Trabalho, para a física, é a medida das transformações de energia. Pode estar associado, por

    exemplo, a atuação de uma força ao longo de um determinado deslocamento, ou em transformaçõesisobáricas, como sendo o produto da pressão por uma variação de volume. A unidade de medidaadotada pelo SI é o Joule (J). (CARRON et al., 2002).

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    conservação da energia9. Ou seja, de acordo com este princípio, a energia não pode

    ser criada nem destruída, somente pode ser transformada.

     A segunda lei da termodinâmica, ou lei da entropia,  define que nenhuma

    transformação de energia pode ser 100% eficiente. Ou seja, sempre haverá uma

    perda de energia útil em uma forma dispersa que não se poderá aproveitar (calor,

    atrito, etc.), reduzindo, a cada transformação, a capacidade da energia útil restante

    em realizar trabalho (CARRON, 2002; ODUM, 2012; PEREIRA FILHO, 1991).

    Portanto, a entropia (de en, em; trope, transformação) é uma medida de energia não

    disponível que resulta das transformações. O termo também é usado como um

    índice da desordem associada à degradação da energia (ODUM, 2012).

    Os conceitos enunciados nos parágrafos anteriores são considerados as maisimportantes entre as “leis” naturais que se aplicam a tudo o quanto existe. Qualquer

    sistema natural ou artificial, vivo ou não vivo, está submetido a elas, caso contrário,

    estará condenado ao fracasso (ODUM, 2012). Por isso, vale a pena avaliarmos

    melhor estes princípios, e como eles estão envolvidos no contexto dos sistemas

    agrícolas.

    Os sistemas agrícolas, assim como os organismos, os ecossistemas e a

    biosfera inteira apresentam uma característica termodinâmica essencial: conseguemcriar e manter um alto grau de ordem interna, fora do equilíbrio termodinâmico. Essa

    condição de baixa entropia só é possível de ser mantida através de uma frequente

    entrada de energia de alta utilidade (tratos culturais, insumos, etc.), associada a uma

    contínua dissipação de energia de baixa utilidade (calor, atrito, respiração da

    biomassa, poluição, etc.). Este fenômeno foi chamado de Teoria das Estruturas

    Dissipativas10.

    Segundo Gliessman (2001), a energia flui numa mesma direção nosecossistemas. A entrada é feita na forma de energia solar e é convertida por

    organismos fotossintetizadores em energia potencial, a qual é armazenada em

    ligações químicas de moléculas orgânicas (biomassa). Toda a sequência da cadeia

    trófica aproveitará esta energia acumulada, porém dissipando parte dela a cada

    degrau da cadeia. Um herbívoro, por exemplo, ao se alimentar desta biomassa,

    9 Dentre os principais estudiosos criadores da primeira lei destacam-se Julius R. Mayer (1814-1878) e

    James P. Joule (1881-1889). (CARRON et al., 2002).10 A Teoria dos Sistemas Dissipativos é resultado dos estudos de Ilya Prigogine em termodinâmica deprocessos irreversíveis, que culminaram com o Prêmio Nobel de Química de 1977.

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    estaria aproveitando parte dela para realizar trabalho (crescer, mover-se, reproduzir-

    se), enquanto parte dela estaria sendo dissipada na forma de calor (entropia). O

    mesmo passa a valer para um carnívoro que se alimenta do referido herbívoro,

    seguindo a sequência, passando pelos organismos decompositores e até que toda a

    energia seja dissipada na forma de entropia11. Acrescenta-se que a cada “degrau”

    acima da cadeia trófica, há uma diminuição da energia disponível, porém a

    qualidade restante pode ser consideravelmente melhorada12.

     A eficiência na captação da energia e conversão em biomassa pelas plantas é

    variável. Estas variações decorrem das diferenças fisiológicas e morfológicas entre

    elas, e das variáveis ambientais. Segundo Gliessman (2001), as plantas agrícolas

    são mais eficientes, mesmo assim, a eficiência de conversão da luz solar embiomassa raramente excede a 1%, ou seja, raramente mais do que 1% da energia

    solar que chega a superfície é transformada em biomassa, o restante se torna

    entropia (figura 2).

    FIGURA 2 – Transformação da energia luminosa em biomassa e calor, ilustrando asduas leis da termodinâmica.Fonte: ODUM, 2012, p.62.

    11 A energia acumulada pelas plantas pelo processo de fotossíntese é a primeira e mais básica formade energia em um ecossistema, sendo chamada de  produção primária. A energia restante após o

    processo de respiração, necessário para manter o metabolismo das plantas, é chamada de produçãoprimária líquida, e é a biomassa acumulada, propriamente dita (GLIESSMAN, 2001).12 Mais detalhes sobre qualidade de energia podem ser conferidos em Odum (2012), página 102.

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     Assim, a energia é considerada a função motriz de todos os tipos de

    ecossistemas, sejam naturais ou artificiais. Dentro desta função, Odum (2012)

    distingue quatro classes básicas de ecossistemas:

    a) naturais que dependem da energia solar;

    b) naturais dependentes de energia solar, com subsídios de outras fontes

    naturais;

    c) dependentes de energia solar, com subsídios antropogênicos;

    d) sistemas urbanoindustriais, movidos a combustível (fósseis, orgânicos,

    nucleares, entre outros).

    Os agroecossistemas são identificados nos dois últimos itens, e serão objetosde análise da próxima secção.

    3.2. Agroecossistemas

    Segundo Gliessman (2001), “a agricultura, em essência, é a manipulaçãohumana da captação e fluxo de energia em ecossistemas”. E os agroecossistemas

    são os ecossistemas convertidos para captar a energia solar em formas particulares

    de biomassa que podem ser usadas como alimentos, ração, fibra, combustíveis,

    entre outros.

    Para Odum (2012), os agroecossistemas diferem dos ecossistemas naturais

    de três maneiras principais:

    a) há uma entrada de energia auxiliar subsidiando ou aumentando a entradade energia solar, sob controle do homem, através de trabalho humano ou animal,

    fertilizantes, agrotóxicos, água para irrigação, combustíveis, etc.;

    b) a diversidade de organismos é reduzida pela interferência humana, visando

    maximizar a produção de um determinado tipo de produto, seja ele alimentar ou não;

    c) plantas e animais sofrem a seleção artificial e não a seleção natural.

    Dito de outra forma, os agroecossistemas são ecossistemas arranjados para

    canalizar a energia solar e os outros tipos de energia na conversão de uma dada

    matéria prima agrícola preterida (grãos, carne, forragem, etc.). Para isso, é utilizada

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    energia auxiliar que execute o trabalho de manutenção, deslocando e mantendo o

    sistema fora do equilíbrio termodinâmico, permitindo assim, que mais energia seja

    convertida na matéria prima agrícola preterida (ODUM, 2012; GLIESSMAN, 2001).

    Da mesma forma, realiza-se a seleção genética das plantas comestíveis e

    animais domesticados, adaptando-os a otimizar a produção nesse ambiente

    especializado e subsidiado com energia. Nota-se aí, que a própria palavra

    “melhoramento” utilizada convencionalmente em sinônimo de “seleção” genética,

    deve ser relativizada dentro de um desenho de agroecossistema em que o

    organismo se insere.

    De acordo com Gliessman (2001), embora toda a energia contida no alimento

    venha originalmente do sol, precisa-se de energia adicional para produzi-lo nocontexto de um agroecossistema. Essa energia adicional é dada pela mão de obra

    humana, pelo trabalho de máquinas, assim como, para a produção dessas

    máquinas, dos insumos, fertilizantes, para prover irrigação, o transporte até o

    mercado e tudo o mais que faz parte da produção. Para o referido autor, é

    necessário examinar todos estes recursos energéticos para entender os custos de

    energia necessários à produção agrícola, e com base nisso, desenvolver uma

    estratégia para seu uso de forma mais sustentável na agricultura, seguindo com aseguinte consideração:

    Do ponto de vista da sustentabilidade, o aspecto chave do fluxo de energiaem agroecossistemas é a forma como a energia cultural é usada paradirecionar a conversão de energia ecológica em biomassa. Quanto maior oesforço sobre o meio ambiente para modificar os processos naturais para aprodução de alimentos, maior a quantidade de energia cultural[13] exigida. Aenergia é necessária para manter um sistema com baixa diversidade, paralimitar a interferência e para modificar as condições físicas e químicas dosistema, a fim de manter o crescimento e desenvolvimento ótimos dos

    organismos cultivados. (GLIESSMAN, 2001).

    Na literatura sobre a história da agricultura, em geral é possível notar a

    evolução que os agroecossistemas passaram desde que o homem começou a

    cultivar plantas alimentícias, a estimados cerca de dez mil anos atrás (OLIVEIRA

    JUNIOR, 1989). No entanto, no que tange especificamente ao balanço energético, a

    13  Energia cultural: refere-se ao subsídio energético em geral que o homem fornece aoagroecossistema.

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    mais importante modificação foi, sem dúvidas, aquela que ficou conhecida como

    Segunda Revolução Agrícola: a industrialização da agricultura.

     A industrialização da agricultura proporcionou uma divisão nos

    agroecossistemas em dois tipos básicos, como sugere Odum (2012):

    a) agricultura pré-industrial – caracterizada pela autossuficiência energética e

    com o emprego intenso de mão de obra humana e animal fornecendo o auxílio

    energético. Voltava-se a subsistência;

    b) agricultura intensiva (industrializada)  –  caracterizada pela mecanização,

    aonde o principal subsídio energético vem dos combustíveis (para máquinas,

    substâncias químicas, etc.), produzindo excedentes para a comercialização e

    transformando as matérias primas agrícolas em mercadorias.Cabe aqui fazermos duas pequenas ressalvas: a primeira é que o uso de

    máquinas e instrumentos na agricultura já existia desde muito tempo, porém, antes

    associados a uma fonte de energia biológica oriunda do próprio sistema, seja ela

    animal ou humana. A industrialização forneceu o aporte energético extra que

    possibilitou um salto para o aperfeiçoamento destas ferramentas e máquinas, assim

    como novas descobertas tecnológicas e mudanças culturais.

     A segunda ressalva é que a tecnologia industrial, na verdade, édesigualmente utilizada pelos países. Segundo Odum (2012), cerca de 60% das

    áreas cultivadas no mundo adotam tecnologias da época pré-industrial, estando

    localizadas, principalmente, em países populosos e menos desenvolvidos da Ásia,

     África e América do Sul. Os outros 40% das áreas cultivadas, adotam sistemas

    industriais, e estão predominantemente localizados em países desenvolvidos ou em

    desenvolvimento, como por exemplo, EUA e Brasil, respectivamente.

     Ainda caberia uma terceira ressalva: mesmo em países onde predomina aagricultura industrializada, como EUA ou Brasil, ainda pode-se notar arranjos

    produtivos típicos da era pré-industrial. Algumas vezes, por opção do agricultor, e

    em outras vezes, devido à exigência capital-intensiva para manter uma agricultura

    tecnificada, onde os produtores dependem de um contexto maior para sua

    organização produtiva, e de um modo de produção industrial.

    É inegável que o advento da Revolução Verde proporcionou um acréscimo

    considerável na produtividade das culturas agrícolas, alavancando o

    desenvolvimento industrial, e permitindo que uma maior fração populacional

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    pudesse dedicar-se a atividades de ócio14. Seu impacto foi tão grande que é difícil

    imaginar nossas vidas hoje sem sua influência. Porém, trouxe consigo diversas

    consequências negativas pelas quais a humanidade não estava preparada para

    enfrentar, como hoje percebemos com as mudanças climáticas, por exemplo,

    embora não seja um problema advindo apenas da agricultura. Além disso, acabou

    ocasionando outras consequências sociais mais diretas, como o êxodo rural e

    disputas fundiárias.

    No que tange ao balanço energético, algumas críticas a este modelo de

    desenvolvimento estão expressas no parágrafo:

    [...] a agricultura industrial, para viabilizar os níveis de produtividade quevem obtendo, foi desenhada como um sistema dependente do seu entornode modo que ela só funciona mediante a introdução massiva de insumosexternos. Seu funcionamento é altamente dependente de energias emateriais “de fora” do seu agroecossistema, e esta dependência é tantomaior quanto mais simplificado for o desenho do sistema produtivo, como éo caso dos grandes monocultivos de grãos ou de laranja, mamona,beterraba e cana-de-açúcar, por exemplo. Para viabilizar a agriculturaindustrial são necessárias quantidades crescentes de combustíveis fósseis,fertilizantes químicos de síntese, agrotóxicos e outros inputs cuja mobilidadeou fabricação geram desordem ou entropia a partir da sua dispersão, aomesmo tempo em que causam impactos no entorno ou em ecossistemasdistantes, que passam a subsidiar a necessária tentativa de ordem do

    agroecossistema artificial da agricultura industrial. (CAPORAL et al., 2009)

    Para muitos autores, sobretudo da corrente pessimista, a “modernização” da

    agricultura das últimas décadas tem sido baseada num aporte cada vez maior de

    energia, quase sempre diretamente ou indiretamente, através de combustíveis

    fósseis. A crítica é de que este subsídio, além de se apoiar em uma fonte nobre de

    energia não renovável, não é viável do ponto de vista da conversão energética,

    sendo que alguns cultivos podem necessitar mais energia como subsídio do que

    aquela que pode ser colhida. Parte daí um dos principais, se não o principal

    argumento que afirma que a agricultura intensiva não pode se sustentar.

    14 Ócio está sendo empregado, neste caso, no sentido de “tempo livre de escolha”, não devendo serconfundido com o uso popular em sinônimo de “vagabundagem”, conforme definido por Cortella([2013]).

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     Ademais, de acordo com a lei dos retornos decrescentes15, os aumentos de

    produção através dos subsídios energéticos para condicionar o ambiente das

    plantas cultivadas, não acontecem indefinidamente, ao passo que para cada

    unidade de energia inserida, cabe um aumento não proporcional de rendimento da

    cultura em questão, até o que se convencionou chamar de “teto produtivo”. 

     A corrente otimista critica esta visão, argumentando a impossibilidade do

    retorno a uma agricultura baseada na potência muscular, que convenhamos é um

    argumento bastante convincente. Acreditam os otimistas, que o futuro deve reservar

    alternativas baseadas nas energias consideradas limpas (eólica, solar,

    biocombustíveis, etc.), ou até mesmo nucleares. Assim como, há aqueles que

    desconsideram a escassez de petróleo.Porém, o que mais chama a atenção é que dada a história da agricultura com

    seus cerca de dez mil anos, a industrialização da agricultura só veio a ocorrer a

    partir do início do século XX (OLIVEIRA JUNIOR, 1989), e apesar de recente foi

    capaz de causar mais impacto do que, relativamente, toda a história anterior da

    agricultura. Assim, aceita-se que devido a precoce idade, ainda é difícil mensurar as

    consequências e reais impactos deste modelo agrícola.

    Quanto ao melhoramento, a estratégia agrícola atual se baseia na seleção deplantas, ou animais, que apresentem um crescimento rápido e comestibilidade. Esta

    estratégia acaba necessariamente tornando as plantas suscetíveis ao ataque de

    pragas e doenças. Por consequência, quanto mais selecionamos os genótipos

    baseados na produtividade, maior o esforço necessário no controle destas pragas e

    doenças. Odum (2012) sugere a hipótese de praticarmos a ordem inversa, isto é,

    selecionar plantas adaptadas ao ambiente, especialmente impalatáveis ou que

    produzem seus próprios inseticidas sistêmicos, e após convertermos a produçãolíquida em produtos comestíveis através da tecnologia de alimentos. Certamente é

    uma opção interessante, mas convém avaliar quais as situações reais de aplicação.

    O autor cita como exemplo, a produção de silagem pela fermentação da forragem de

    baixa qualidade, o cultivo de peixes que se alimentam de detritos, e a agricultura

    orgânica.

    15  A lei dos rendimentos decrescentes foi postulado inicialmente pelo economista inglês David

    Ricardo, e tornou-se uma das leis centrais da microeconomia. Em 1909, respostas decrescentes anutrientes foram observadas por Mitscherlich, que adaptou a lei dos retornos decrescentes às plantas(LANA, et al., 2011).

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    3.2.1. Repartição e otimização de energia: seleção r e seleção K

    Uma questão que permeia o balanço energético dos organismos individuais e

    das populações, são suas estratégias de repartição e otimização da energia. Esta é

    uma das hipóteses que consideramos mais interessantes no entendimento das

    estratégias evolutivas das espécies, curiosamente, observado por apenas alguns

    poucos pesquisadores da ciência ecológica, e raramente explorada pelas ciências

    agrárias. Tomaremos por base a discussão feita por Odum (2012).Qualquer organismo depende, para crescer ou se reproduzir, de que a

    energia disponível seja maior do que a energia necessária para manutenção de sua

    taxa basal mais um múltiplo dela para cobrir sua atividade mínima de sobrevivência

    sob condições naturais. Esta energia mínima de existência varia grandemente

    dependendo do organismo e do ambiente, e do fato de a espécie ser do tipo ativa ou

    sedentária. A energia adicional ou líquida, portanto, é toda aquela dedicada a

    reprodução e sobrevivência das gerações futuras, o que inclui o desenvolvimento deestruturas reprodutivas, atividades de acasalamento, geração da prole (sementes,

    ovos, filhotes), cuidados dos pais, etc.

    Mediante o mecanismo de seleção natural os organismos evoluem através de

    uma otimização da energia disponível. A otimização está numa proporcionalidade

    entre benefícios e custos em relação à energia líquida (a energia utilizável menos o

    custo energético para obtê-la) e o tempo. Para os autótrofos, a eficiência envolve luz

    utilizável menos a energia necessária para as estruturas de manutenção e captaçãodessa energia (folhas, por exemplo), tudo isso em função do tempo e quantidade em

    que a energia luminosa está disponível. Para os heterotróficos (herbívoros ou

    carnívoros), a eficiência se dá pela razão entre a energia utilizável no alimento,

    menos o custo energético de consegui-la (pelo pastejo ou caça, por exemplo).

    Com base nisso, a otimização pode ser conseguida de duas formas:

    minimizando o tempo (dedicado à procura ou conversão), maximizando a energia

    líquida (selecionando itens de maior valor energético, por exemplo), ou de ambas as

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    um alimento específico, mas acabam ficando suscetíveis as variações ambientais

    que reduzam esta oferta. São típicos de ambientes estáveis, de estágios clímax. Os

    organismos generalistas são aqueles capazes de, por exemplo, se utilizar de uma

    grande diversidade de opções alimentares, porém sem a mesma eficiência de

    obtenção do que teria um especialista. São típicos de ambientes perturbados, ou

    estágios iniciais da sucessão. Também neste caso, há a estratégia intermediária,

    que se adaptaria as sucessões intermediárias (ODUM, 2012; VIVAN, 1995).17 

    Podemos agora fazer algumas inferências ao que foi dito até aqui. Plantas

    perenes são aquelas que evoluíram sob uma seleção em K. Por outro lado, as

    plantas anuais em geral, evoluíram sob uma seleção em r. Dito de outra forma, as

    árvores são, em geral estrategistas em K, enquanto as plantas herbáceas anuais, namaioria, estrategistas em r.

     Aplicando esta hipótese aos agroecossistemas, percebemos que a base da

    alimentação humana e animal hoje advêm dos cereais, que por sua vez são plantas

    de seleção r. Isto se constata pelo fato de que os cereais são, em geral, plantas

    anuais, que investem pouca energia em estruturas permanentes, mas em

    compensação, são capazes de gerar muitas sementes, ou seja, investem nas suas

    estruturas reprodutivas. A própria história da agricultura, ao que tudo indica, iniciou ese desenvolveu com espécies de seleção r, como é o caso, por exemplo, do trigo e

    outros cereais (VAVILOV, 1931, [19--]). Apesar de se tratar de uma hipótese, pode-

    se notar uma forte relação entre estes dois fatos (a seleção r e a seleção do

    homem), que encontra nos princípios das estratégias em r e K uma base sólida de

    sustentação argumentativa, mesmo considerando que há outras variáveis

    importantes a considerar, como sociais, culturais, geográficos e etc.

    Por sua vez, as plantas de estratégia em K, parecem ter um papel muito maisdiscreto. As grandes árvores, por exemplo, não exercem papel importante na

    alimentação humana. A não ser aquelas utilizadas para a produção de matérias

    primas, como a madeira, por exemplo. Porém nem isso é garantido, pois quando são

    17 Aqui poderia ser traçado um paradoxo com a economia, através das ditas estratégias genéricas decompetitividade. No ambiente empresarial há uma relação entre a parcela de mercado e o retornosobre o investimento. As empresas podem optar por duas estratégia básicas: a dita de liderança decusto, que mescla baixo rendimento unitário e um ampla fatia do mercado; ou por uma estratégia de

    diferenciação ou de enfoque, em que obtenha um alto retorno por unidade, com uma menor fatia demercado. Ambas são estratégias para se sobreviver no ambiente concorrencial, porém o meio-termo,neste caso, é a pior opção (PORTER, 1986).

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    introduzidas nos agroecossistemas, as plantas estrategistas em K aparentemente

    acabam sendo geneticamente selecionadas de forma a praticamente converterem-

    se em plantas de estratégia em r, pois o melhoramento substitui suas bases

    genéticas de resistência por bases “produtivas”. As verdadeiras árvores de seleção

    em K seriam sob esta ótica, aquelas não “melhoradas”, menos “produtivas” quase

    sempre utilizadas de forma exploratória, já que pertenciam a ecossistemas

    altamente evoluídos e específicos, bem sucedidas aos estágios clímax da

    vegetação.

    O mesmo vale também para os animais, como por exemplo:

    O tamanho da ninhada (o número de ovos ou de prole por períodoreprodutivo) em aves parece não apenas refletir a mortalidade e asobrevivência, como também refletir a seleção r e K [...]. Aves oportunistasapresentam um tamanho de ninhada maior do que as espécies deequilíbrio, à semelhança de aves temperadas [de clima temperado] emcomparação com aves tropicais [de clima tropical]. (ODUM, 2012).

    Estas questões que foram comentadas, não são verdades consolidadas e são

    pouco difundidas mesmo no meio das ciências ecológicas. Porém, dada a sua

    pertinência e sua provável influência para os sistemas do homem, conforme foidemonstrado, acreditamos que estudos mais aprofundados e aplicados forneceriam

    uma importante contribuição para uma análise mais lúcida dos agroecossistemas.

    3.3. Métodos e aplicações do balanço energético

    Desde a década de 1960, procura-se dar um caráter mais prático aos

    conhecimentos ecológicos. Em meados de 1988, foi concebida a ideia de

    “engenharia ecológica” 18, a qual analisa os fluxos de energia e matéria nos sistemas

    criados pelo homem. Esta nova ciência encampou a metodologia emergética, a qual

    18  A engenharia ecológica foi concebida por Howard T. Odum (1924-2002), da Universidade daFlórida (EUA), que desenvolveu trabalhos de grande relevância no tema, ao lado de colaboradorescomo seu irmão E. C. Odum, M. T. Brow, S. Ulgiati, W. Mitsch entre outros.

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    permite considerar todos os fluxos que ocorrem nos ecossistemas em uma mesma

    base, a energia solar equivalente (sej) 19 (ORTEGA, 2003).

    Em geral, o termo “análise emergética” e “balanço energético” têm

    concepções muito próximas, frequentemente sendo usados como sinônimos.

    Entretanto, identificamos neles algumas diferenças. A primeira é a de que a “análise

    emergética”, pertence à escola americana, e normalmente traz uma visão mais geral

    do ambiente em análise, no qual se contabilizam também as externalidades geradas

    pelos sistemas produtivos avaliados, como a poluição, degradação ambiental, custos

    de recuperação de áreas, entre outros. A ferramenta do balanço energético, não

    parece pertencer propriamente a uma escola, mas sim ter derivado da primeira,

    traduzindo-se para aplicações mais pontuais e simplificadoras, como por exemplo, arelação produto/insumo na agricultura.

    Pereira Filho (1991) define o balanço energético, ou rendimento energético,

    aplicado à agricultura como a “relação entre as saídas (outputs) de energia

    diretamente utilizável pelo homem e as entradas (inputs) de energia não gratuita

    incorporada ao processo produtivo”. O rendimento energético (RE), também pode

    ser expresso conforme a seguinte equação (1):

    Segundo Costabeber (1989), a razão para que se utilize como saídas

    (outputs) apenas a energia diretamente utilizada pelo homem (a colheita, por

    exemplo), se deve a dificuldade da quantificação do total da biomassa produzida. Damesma forma, consideram-se como entradas (inputs) apenas aquelas formas de

    energias adicionadas pelo homem. Por isso, a energia solar é desconsiderada nesta

    metodologia. A mão de obra humana também é desconsiderada na maioria dos

    19 Sej, ou energia solar equivalente, também chamada de emergia, é uma unidade criada para tratarvariáveis de métricas diferentes ($, kg, J, bites), através de um fator de conversão chamado de

    transformidade. Ou seja, emergia é a métrica usada para somar a energia assoviada a variáveisdiferentes seja materiais, energéticas, monetárias, trabalho, entre outras (ORTEGA, 2003; AGUSTINI,2013).

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    trabalhos20, porém considera-se a mão de obra animal, quando há, o trabalho

    realizado pelas máquinas (combustível, fabricação e manutenção). Porém,

    salientamos que são questões metodológicas, devendo ser observadas conforme a

    proposta de cada trabalho.

    Para Tilley et al. (2007), o método da análise emergética avalia e compara a

    sustentabilidade dos sistemas baseado no input total de energia necessários para

    produzir outputs, como alimentos e madeira. Maior sustentabilidade é alcançada

    quando o sistema: (1) requer menos inputs para produzir um mesmo produto, e (2)

    utiliza mais recursos renováveis e menos não renováveis. Essa comparação,

    segundo o autor, pode ser aplicada a sistemas de produção de alimentos,

    biocombustíveis, aquicultura e florestas comerciais.

    3.3.1 Produção de grãos e verduras

    Conforme já foi dito, um dos trabalhos que abriu os horizontes da perspectiva

    energética nos sistemas agrícolas foi realizado por Pimentel (1973). Neste trabalho,o autor demonstrou que, com a difusão das modernas tecnologias de produção, o

    rendimento do milho nos EUA aumentou 2,4 vezes, enquanto a média dos insumos

    energéticos aumentou 3,1 vezes. Isso significou um decréscimo na relação

    saídas/entradas de energia de 3,7, em 1945, para 2,8, em 1970. Assim, mostrou-se

    que apesar de a produtividade ter se elevado a eficiência energética declinou (lei

    dos rendimentos decrescentes), desmistificando de certa forma, o otimismo

    produtivista.Costabeber (1989) avaliou a eficiência energética da agricultura vinculada aos

    processos de diversificação, integração, tecnificação e racionalização da produção,

    de pequenas propriedades rurais familiares de Agudo/RS. As maiores eficiências

    foram observadas nas propriedades diversificadas e nas integradas. Observou

    20  Recomenda-se a não contabilização da mão de obra humana por tratar-se de uma energia dequalidade diferente (LA ROVERE, 1988 apud COSTA BEBER, 1989). Subentende-se que pelo fato

    de que o homem utilizaria aquela energia de qualquer forma, mesmo fora do sistema, ela não podeser tratada como um input. Ao contrário das máquinas, por exemplo, que têm sua existência atreladaa necessidade do sistema.

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    também que o nitrogênio, o óleo diesel e a lenha foram os principais componentes

    de redução de eficiência nas propriedades analisadas. O fumo de estufa e os

    hortigranjeiros foram considerados “energeticamente nocivos”, já que consumiam

    mais energia do que produziam.

    Souza et al. (2008) aplicaram o balanço energético na produção orgânica de

    hortaliças, tendo como comparativo a produção convencional das mesmas através

    de coeficientes técnicos da região. Foi constatada uma maior eficiência energética

    em favor do cultivo orgânico para abóbora, alho, repolho e tomate. Apenas o cultivo

    convencional de cenoura apresentou-se mais eficiente que o cultivo orgânico. As

    demais culturas avaliadas como batata, batata-baroa, batata-doce, couve-flor e taro,

    não diferiram estatisticamente21. Também não houve diferença estatística entre aseficiências médias do sistema orgânico e convencional, de 2,78 e 1,93,

    respectivamente. As embalagens plásticas foram o maior dispêndio energético no

    sistema orgânico (35%), enquanto no sistema convencional foram os adubos N-P-K

    (45,8%).

    Santos (2006) realizou um estudo com a cultura do milho em sistema plantio

    direto. Para compor a eficiência energética, utilizou como entradas de energia 

    (inputs): mão de obra, sementes, óleo diesel, lubrificantes e graxas, máquinas,implementos, corretivos de solo, fertilizantes químicos e agrotóxicos; e como saídas

    de energia (outputs): grãos de milho colhidos. Os resultados “demonstraram a

    dependência do sistema de fontes de energia industrial, provindas de fertilizantes

    (44,42%) e agrotóxicos (18,71%), e de energia fóssil do óleo diesel (28,06%).”

    (SANTOS, 2006). Em concordância a outros autores, atribuiu-se ao nitrogênio

    grande parcela do dispêndio energético. O balanço energético resultante foi de

    14,39, ou seja, para cada 1 unidade de energia (cultural) investida obtiveram-se14,39 unidades de energia líquida.

    Melo (2007) utilizou da mesma metodologia para avaliar os cultivos de milho e

    soja em duas safras (2001-2002 e 2002-2003). A eficiência energética para a cultura

    do milho foi de 5,47 e 5,41 para o primeiro e segundo ano, respectivamente. Para a

    cultura da soja os resultados forma de 4,42 e 4,86. Os maiores percentuais de

    entrada energética de origem cultural para milho foram pela operação de colheita

    21 Teste ‘t’, ao nível de 5% de probabilidade. (SOUZA et al., 2008).

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    (36,47%) e pela adubação nitrogenada (23,44%). Para a soja, as maiores entradas

    foram a operação de colheita (35,17%), e os herbicidas (19,09%).

    3.3.2. Produção animal

    Uma vez que boa parte dos alimentos consumidos, principalmente por países

    industrializados, não é de origem vegetal, mas de origem animal 22, devemos fazer

    uma especial consideração a esta fonte de energia de biomassa. A proteína animal

    faz parte da dieta e desempenha um papel biologicamente importante ao corpohumano, assim como subprodutos como ovos, leite, etc. No entanto, é muito comum

    observarmos críticas em relação à produção animal como alternativa de alimentação

    humana, sobretudo quando se considera o problema da fome no mundo. O que

    ainda se discute por trás desta crítica se relaciona à eficiência energética na

    produção de proteína animal. Todavia, tentaremos analisar brevemente aqui o

    componente animal no agroecossistema como um todo.

    Trabalhos de Pimentel (1980 apud GLIESSMAN, 2001) demonstraram quesistemas de produção de carne bovina dos EUA, possuem uma relação de eficiência

    energética aproximada de 5:1. Ou seja, seria necessário um input de cinco unidades

    para a obtenção de uma unidade de energia alimentar.

    Santos et al. (2004), calcularam o balanço energético em galpão comercial de

    frangos de corte para oito lotes de criação. Determinaram-se como entradas: o

    consumo de ração, água, gás liquefeito de petróleo (GLP), energia elétrica,

    combustíveis, mão de obra, máquinas e implementos e instalações e equipamentos;e como saídas: produção de frango vivo, cama de frango, aves mortas/descartadas.

    O resultado indicou que a atividade possui um alto consumo energético,

    apresentando eficiência energética de 28%, ou seja, para cada 100 unidades de

    energia importada, produzem-se 28 unidades de saída, cujos frangos representam

    52,5%. Considerando apenas o produto principal, frangos para consumo, pode-se se

    dizer que a razão é de 6,6:1 (entradas:saídas). O maior componente de entrada foi a

    22 De acordo com Pimentel et al. (2003), 2 bilhões de pessoas no mundo tem a dieta baseada emcarnes, enquanto 4 bilhões em alimentos de origem vegetal.

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    ração (86,5%). Porém, os autores citam que o índice poderia melhorar com a

    biodigestão anaeróbia da cama, produzindo energia substituta a entrada do GLP.

    Pimentel et al. (2003), ao estudarem o sistema alimentar americano, em dois

    grupos de dietas, uma lacto-ovo-vegetariana23 e outra a base de carnes, constatou

    que, do ponto de vista energético, ambas eram extremamente dependentes de

    energias fósseis. Porém, a dieta lacto-vegetariana demonstrou um menor impacto, e

    por isso, foi considerada “menos insustentável”.

    Em outro trabalho, Pimentel (2004) analisando os sistemas de produção de

    gado americano, observa que eles se baseiam em dietas de grãos são grandes

    consumidores de energias fósseis, ao passo que sistemas de pastejo natural são

    mais eficientes. Quando alimentados com grãos, 25 kcal de energia fóssil sãorequeridas para produzir 1 kcal de proteína animal, o que significa 10 vezes a

    energia expedida para produzir 1 kcal de proteína vegetal. No entanto, o autor

    acrescenta que a proteína animal é cerca de 1,4 vezes mais nutritiva do que a

    proteína vegetal.

    O fator qualidade de energia é fundamental para avaliar a conversão de

    energia. Neste caso em especial, temos uma transformação de naturezas de matéria

    diferentes, já que se trata de biomassa vegetal, convertida em biomassa animal.Como mostra Odum (2012), apesar de que há uma perda energética elevada na

    passagem de energia vegetal para animal, sua qualidade se eleva. Essa qualidade

    se demonstra numa maior disponibilidade para o próximo nível trófico, pelas

    características da matéria e por suas ligações bioquímicas24.

     Andrea (2013) avaliou os fluxos de energia em sistemas de produção de

    forragens. Em termos de eficiência energética (saídas/entradas), a cultura que

    apresentou o melhor valor foi o Panicum maximum  (14,2), seguido do Tifton 85(13,7), milho (10,1), sorgo (8,9), milheto (7,2), azevém (5,0), cevada (4,6) e aveia

    (3,8). Porém, a autora indica como mais eficientes energeticamente a cultura do

    milho, Panicum maximum, Tifton 85, e sorgo respectivamente, por disponibilizarem

    maior quantidade de energia líquida (produtividade líquida). Estes dados nos

    23 Inclui alimentos vegetais (legumes, grãos, frutas), lácteos, ovos, entre outros, exceto carnes.24 Este assunto poderia ser explorado ainda muito mais a fundo quando estudadas as cadeia tróficas,