TCC Giulia - PUBLICACAO2

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    A RELAO ENTRE HOMICDIO E TRFICO DE DROGAS NAS

    DENNCIAS OFERECIDAS NA 1 VARA DO TRIBUNAL DO JRI DE

    PORTO ALEGRE/RS.1

    Giulia Galant Furtado2

    SUMRIO: Introduo - 1 Os Homicdios Ocorridos na Cidade De Porto Alegre em

    2013 - 1.1 Dados Fornecidos pelos rgos de Segurana Pblica - 1.2 Os

    Nmeros da 1 Vara do Tribunal do Jri - 1.2.1 As Denncias Oferecidas e Os

    Pedidos de Arquivamento - 1.2.2 As Prises Preventivas Decretadas - 2 As

    Consequncias da Guerra do Trfico de Drogas no Brasil - 2.1 A Torpeza como

    Qualificadora - 2.2 A Dificuldade de Indiciar e Denunciar e Os Motivos que

    Levam Impunidade - 3 Concluso - Referncias

    RESUMO: O presente trabalho tem como estudo a influncia que o trfico de drogas possui sobre

    a incidncia de homicdios na cidade de Porto Alegre/RS, bem como o modo pelo qual as faces

    criminosas atuam na cidade. Se abordar, portanto, as desavenas entre grupos rivais e, por

    consequncia, as mortes que so motivadas pelos seus consectrios comerciais, incluindo, dentre

    essas, todas as justificativas relacionadas ao trfico de drogas. Sero avaliadas todas as denncias

    oferecidas no ano de 2013 na 1 Vara do Tribunal do Jri de Porto Alegre, em seus dois Juizados,

    observando a aplicao da qualificadora da torpeza ou a descrio do fato (desde que,

    expressamente, apontem o trfico de drogas como motivao para os delitos que compem a

    exordial acusatria). Ainda, sero observados os dados fornecidos pela Secretaria de Segurana

    Pblica do Estado do Rio Grande do Sul e o nmero de arquivamentos e seus fundamentos

    requeridos pelo Ministrio Pblico aos Magistrados dos juizados da referida Vara do Jri.

    Palavras-chave : Direito Processual Penal. Direito Penal. Tribunal do Jri. Trfico de drogas. 1 Artigo extrado do Trabalho de Concluso de Curso intitulado A relao entre homicdio e trfico de drogas nas denncias oferecidas na 1 Vara do Tribunal do Jri da Capital, apresentado como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, aprovado pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Me. Felipe Cardoso Moreira de Oliveira, Prof. Me. Alexandre Wunderlich e Prof. Me. Vitor Antonio Guazzelli Peruchin, em 26 de junho de 2014. 2 Acadmica do Curso de Cincias Jurdicas e Sociais Faculdade de Direito PUCRS.

    Contato: [email protected]

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    RESMEN: El presente trabajo tiene como estudio la influencia que lo trfico de drogas ejerce sobre

    la ciudad de Porto Alegre, vin an el modo por la cual las fracciones atun en la ciudad. Se

    abordarn, portanto, las desaventas entre grupos rivales, e, consecuentemente, las muertes que son

    motivadas por los consectarios comerciales, incluso, dentre estas, todas las justificativas relacionadas

    con el trfico de drogas. Se avaliarn todas las denuncias ofertadas en el 2013 en la primera corte del

    tribunal de jurados de porto alegre, en sus dos sectores de juzgamiento, mirando a la aplicacin de la

    calificadora de la torpeza o la descripcin del fato (desde que, de modo expreso, se aponte el trafico

    de drogas como motivacin para los delitos que componen la inicial acusatoria). Tambin se mirarn

    los dados fornecidos por la Secretaria de la Seguranza Publica del Rio Grande do Sul e el numero de

    archivamientos requeridos por el Ministerio Pblico a los jueces de los sectores judiciales de la

    referida corte de Jurados.

    Palabras clave: Derecho Procesal Penal. Derecho Penal. Corte de Jurados. El trfico de drogas..

    INTRODUO

    A partir do constante crescimento da violncia no pas e, principalmente, em

    Porto Alegre, buscou-se entender as causas que originam tal situao.

    Com uma breve anlise das denncias oferecidas na 1 Vara do Tribunal do

    Jri de Porto Alegre, denota-se a incidncia do trfico de drogas em quase metade

    das peas acusatrias, o que condiz com as informaes que se obtm

    diariamente nos noticirios do pas. Tal situao, conhecida por todos, mas

    efetivamente presenciada pelos moradores das comunidades, torna as regies

    dominadas pelos traficantes em cenrios de guerra, com imposies de regras

    prprias e ausncia de leis estatais.

    Sero apresentados dados de ocorrncias policiais obtidas de diferentes

    fontes pertencentes a Segurana Pblica, assim como a divergncia em relao ao

    que vai a julgamento, pela cultura da impunidade que norteia o nosso pas e os

    motivos que levam a essa impunidade.

    Demonstraremos a questo processual relativa aos homicdios ocorridos em

    Porto Alegre, com anlise detalhada de todas as denncias oferecidas no ano de

    2013, com o nmero de arquivamentos, com as prises preventivas decretadas e

    seus fundamentos, bem como a incidncia do motivo torpe nos homicdios

    motivados pelo trfico de drogas e seus consectrios comerciais, em sentido

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    amplo, com demonstrao de alguns exemplos.

    No se pretende, com esse trabalho, estudar teorias criminolgicas de

    diferentes opinies, principalmente relativas legalizao da venda ou

    criminalizao do uso de drogas, ou motivaes sociais para o fenmeno do trfico

    de entorpecentes. O que se busca, ento, a pesquisa emprica com base em

    dados objetivos fornecidos pelas autoridades de Segurana Pblica do Estado do

    Rio Grande do Sul, bem como relatrios e pesquisas de diversas instituies de

    renome internacional, buscando entender o quanto o trfico de drogas influencia

    diretamente na criminalidade do Brasil e de Porto Alegre, com enfoque,

    principalmente, nos crimes dolosos contra a vida.

    1 OS HOMICDIOS OCORRIDOS NA CIDADE DE PORTO ALEGRE EM 2013

    Neste captulo sero abordados todos os dados fornecidos pela Secretaria

    de Segurana Pblica do Estado do Rio Grande do Sul. Tambm ser abordada a

    questo processual envolvendo os homicdios relacionados ao trfico de drogas,

    incluindo as denuncias oferecidas pelo Ministrio Pblico do Estado do Rio Grande

    do Sul no ano de 2013.

    Ser demonstrada a efetiva ligao com os crimes de homicdio e

    narcotrfico em Porto Alegre, com base na anlise de todas as denncias oferecidas

    na 1 Vara do Tribunal do Jri no decorrer do ano de 2013 e o nmero (superior ao

    de denncias) de arquivamentos requeridos pelo Ministrio Pblico.

    Passaremos, tambm, pelas prises preventivas decretadas na Vara, bem

    como suas justificativas e preenchimento dos requisitos legais para sustentar a

    constrio cautelar.

    1.1 DADOS FORNECIDOS PELOS RGOS DE SEGURANA PBLICA

    Consoante dados fornecidos pela Secretaria de Segurana Pblica do

    Estado do Rio Grande do Sul3, verificou-se que 73% (setenta e trs por cento) das

    3 RIO GRANDE DO SUL. Estudo Tcnico sobre Homicdios Formulado pela Secr etaria de Segurana Pblica do Rio Grande do Sul, com Dados d e Janeiro a Dezembro de 2011 no Rio Grande do Sul . Disponvel em:

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    pessoas assassinadas possuam algum tipo de ocorrncia policial como autor; que

    aproximadamente 90% (noventa por cento) das vtimas so do sexo masculino;

    que os homicdios, na maioria das vezes, decorrem de envolvimentos (tanto da

    vtima como do autor) em atividades ilcitas, as quais so principalmente

    relacionadas a entorpecentes, ou atividades violentas; que 47% (quarenta e sete

    por cento) dos casos estariam ligados a execues sumrias e entorpecentes (seja

    por dvidas relacionadas ao consumo, seja pela disputa dos pontos de trfico) e

    37% (trinta e sete por cento) das ocorrncias com relatos de brigas e desavenas

    pretritas, embora muitos relatos deixem transparecer que os desentendimentos

    tambm tenham como causa anterior questes relacionadas a entorpecentes,

    devido s caractersticas dos assassinatos e os locais em que ocorreram. A

    desavena entre as partes aparece momentos antes do assassinato e em locais

    aparentemente escolhidos para os crimes (locais com pouco movimento) ou de

    notrio comrcio de drogas.

    O Delegado de Polcia Cristiano De Castro Reschke, Diretor do Departamento

    de Homicdios e Proteo Pessoa DH/DPTRAN/DHPP, ainda forneceu dados

    mais esclarecedores sobre o ano de 2013 na Capital: foram 494 homicdios

    consumados e 647 tentados, totalizando o nmero de 1.141 homicdios. Conforme

    verificadores criminais referentes a Porto Alegre, observa-se que no ano de 2012

    ocorreram 457 homicdios consumados, 395 em 2011, 366 em 2010, 363 em 2009,

    426 em 2008, 446 em 2007, 283 em 2006, 342 em 2005, 324 em 2004, 309 em

    2003. Desta forma, desenvolveu-se o grfico abaixo para melhor ilustrar os

    dados:

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 20130

    100

    200

    300

    400

    500

    600

    0

    100

    200

    300

    400

    500

    600

    . Acesso em: 22 abr. 2014.

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    Em relao ao narcotrfico, o Delegado de Polcia Marcio Moreno, Diretor da

    Diviso de Investigaes do Narcotrfico DIC/DENARC encaminhou dados

    referentes a prises e apreenses pelo seu departamento no ano de 2013 no

    Estado: 409 homens e 93 mulheres foram presos; foram apreendidas 1,04 toneladas

    de maconha, 81,34 quilos de cocana, 34,57 quilos de crack, 1,00 grama de haxixe,

    1.785 comprimidos de ecstasy, 424 micro pontos de LSD e 184 lanas perfume, bem

    como, 163 armas de fogo.

    Tais dados integram a estatstica obtida pela Secretaria de Segurana Pblica

    do Estado do Rio Grande do Sul 4, a qual inclui, alm desses nmeros, as

    apreenses realizadas pela Brigada Militar e pelos demais rgos da Polcia Civil em

    todo o Estado do Rio Grande do Sul do ano de 2007 a 2013. Para melhor

    compreenso dos dados, elaborou-se os grficos abaixo, separando-se a maconha,

    pela quantidade expressivamente maior do que as demais drogas (valores em

    gramas):

    4 RIO GRANDE DO SUL. Acompanhamento dos Indicadores de Eficincia das Instituies

    Vinculadas. Diviso de Estatstica Criminal. Indicadores de Eficincia da Brigada Militar 2007. Disponvel em:

    . Acesso em: 13 maio 2014.

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    No que diz respeito s armas apreendidas, os nmeros mostram uma curva

    crescente:

    Importante ressaltar que a partir do ano de 2010, o nmero de homicdios na

    Capital cresceu acintosamente. Verifica-se que esse aumento coincide com as

    prises de dois dos grandes chefes do trfico de drogas gachos, Juraci Oliveira

    da Silva, o Jura, e Paulo Ricardo Santos da Silva, tambm conhecido como

    Paulo da Conceio.

    Em razo deste ltimo, o Paulo da Conceio, conforme reportagem do

    Jornal Dirio Gacho5 e levantamento realizado pela Promotora de Justia do

    Tribunal do Jri Lcia Helena Callegari6, diversos homicdios a partir de 2012

    passaram a ocorrer em sua regio motivados pela disputa do poder do ponto de

    trfico de drogas daquela localidade, inclusive com a morte dos principais

    funcionrios de Paulo, que em nome deste ali atuavam.

    Em relao aos nmeros de apreenses de drogas, h um aumento

    significativo nos anos de 2011 e 2012, voltando mdia no ano de 2013. Ainda,

    5 TORRES, Eduardo. A Histria do Tiro que Derrubou um Imprio em Porto Alegre. Dirio

    Gacho , 29 ago. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2014.

    6 Anexo A.

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    quanto ao nmero de apreenso de armas, este s aumentou, o que pode ser

    interpretado de duas maneiras: por uma maior atuao estatal no combate

    criminalidade, ou por um aumento da criminalidade em si.

    Sobre o nmero de mortes em decorrncia de armas de fogo, foi realizado

    um recente estudo7, que descreve sob outro ngulo a gravidade da situao. Tal

    estudo estabelece uma comparao com o vrus da AIDS e as mortes por arma de

    fogo. Enquanto, no ano de 2010 a AIDS matou 12.151 pessoas no Brasil, o que

    gerou inmeras campanhas de preveno e proteo. Por sua vez, as armas de

    fogo mataram, nesse mesmo perodo, trs vezes mais brasileiros um total de

    38.892. E esse nmero ainda mais relevante se analisarmos as mortes de

    jovens: so 1.643 bitos por AIDS e 22.694 por armas de fogo (quatorze vezes

    mais). Com base nesses dados, verifica-se que ocorrem 108 mortes por arma de

    fogo por dia no Brasil, um pas que no apresenta conflitos religiosos ou tnicos e

    sem disputas territoriais ou de fronteiras.

    1.2 OS NMEROS DA 1 VARA DO TRIBUNAL DO JRI

    1.2.1 As Denncias Oferecidas e os Pedidos de Arquivamento

    Analisando as 212 denncias oferecidas no ano de 20138, compostas por

    7 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violncia 2013. Mortes Matadas por Armas de Fogo.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2014.

    8 Denncias em anexo. Foram oferecidas nos processos distribudos sob n 2.06.0075229-2;2.08.0043551-7;2.09.0093078-1; 2.09.0102448-2;2.09.0079894-8;2.09.0043264-1;2.09.0116811-5;2.09.0078314-2;2.09.0063063-0; 2.10.0135222-8;2.11.0138030-4;2.11.0113571-7;2.11.0138252-8;2.11.0105457-1;2.11.0074449-3; 2.12.0123687-6;2.12.0116552-9;2.12.0114398-3;2.12.0114959-0;2.12.0090001-2;2.12.0093130-9; 2.12.0113403-8;2.12.0094253-0;2.12.0125247-2;2.12.0113035-0;2.12.0096609-9;2.12.0125353-3; 2.12.0117134-0;2.12.0116130-2;2.12.0106588-5;2.12.0122028-7;2.12.0106732-2;2.12.0075115-7; 2.12.0124248-5;2.12.0098809-2;2.12.0090363-1;2.13.0029117-4;2.13.0000383-7;2.13.0005736-8; 2.13.0001637-8;2.13.0005476-8;2.13.0005111-4;2.13.0007132-8;2.13.0011096-0;2.13.0021278-9; 2.13.0026837-7;2.13.0008609-0;2.13.0027149-1;2.13.0034583-5;2.13.0018579-0;2.13.0038001-0; 2.13.0035370-6;2.13.0049106-8;2.13.0051722-9;2.13.0037076-7;2.13.0055847-2;2.13.0058347-7; 2.13.0060723-6;2.13.0064538-3;2.13.0064554-5;2.13.0067973-3;2.13.0022333-0;2.13.0068822-8; 2.13.0060072-0;2.13.0077169-9;2.13.0071964-6;2.13.0079022-7;2.13.0064720-3, 2.13.0081121-6, 2.13.0078997-0;2.13.0080868-1;2.13.0054441-2;2.13.0086137-0;2.13.0086143-4;2.13.0071423-7; 2.13.0086182-5;2.13.0085645-7;2.13.0094610-3;2.13.0005779-1;2.13.0004860-1;2.13.0008121-8; 2.13.0008325-3;2.13.0005247-1;2.13.0012356-5;2.13.0010227-4;2.13.0012269-0;2.13.0012836-2; 2.13.0015450-9;2.13.0011133-8;2.13.0024074-

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    276 homicdios (consumados e tentados), observa-se que, dentro deste nmero,

    113 tem como motivao, direta e explcita, o trfico de drogas.

    Portanto, 41% dos fatos denunciados na 1 Vara do Jri so homicdios

    qualificados pela torpeza, relacionados ao trfico de drogas.

    Verifica-se tambm que 95 dos processos com denncias oferecidas no ano

    passado possuem pelo menos um ru preso preventivamente, sendo 45% do total

    dos processos. Ainda, 57% das denncias relacionadas diretamente com o trfico

    de drogas apresentam presos preventivamente.

    Enquanto foram oferecidas 212 denncias, no mesmo ano, foram requeridos

    298 arquivamentos, dentre os quais se incluem os seguintes fundamentos: suicdio

    (admitindo-se a possibilidade de tentativa); falta de autoria; morte natural (podendo

    ser acidental); outros (prescrio, morte do agente, legtima defesa ou qualquer

    outra causa que torne impossvel a punio do autor). A proporo da motivao

    dos arquivamentos :

    0;2.13.0024034-0;2.13.0025265-9;2.13.0025273-0; 2.13.0026587-4;2.13.0029331-2;2.13.0032758-6;2.13.0027163-7;2.13.0028396-1;2.13.0037020-1; 2.13.0037826-1;2.13.0039188-8;2.13.0037817-2;2.13.0003725-1;2.13.0005522-5;2.13.0006663-4; 2.13.0007132-8;2.13.0056107-4;2.13.0002782-5;2.13.0009950-8;2.13.0009270-8;2.13.0017808-4; 2.13.0017906-4;2.13.0019911-1;2.13.0019926-0;2.13.0021900-7;2.13.0021560-5;2.13.0024055-3; 2.13.0024078-2;2.13.0025273-0;2.13.0028018-0;2.13.0028393-7;2.13.0033438-8;2.13.0062071-2; 2.13.0036391-4;2.13.0037071-6;2.13.0038298-6;2.13.0037818-0;2.13.0038689-2;2.13.0039183-7; 2.13.0040161-1;2.13.0042775-0;2.13.0045147-3;2.13.0046675-6;2.13.0046997-6;2.13.0048011-2; 2.13.0041138-2;2.13.0049183-1;2.13.0049100-9;2.13.0049296-0;2.13.0046165-7;2.13.0052957-0; 2.13.0055301-2;2.13.0055858-8;2.13.0057356-0;2.13.0056186-4;2.13.0056053-1;2.13.0056107-4; 2.13.0065077-8;2.13.0063376-8;2.13.0065486-2;2.13.0067397-2;2.13.0067945-8;2.13.0069309-4; 2.13.0070351-0;2.13.0075746-7;2.13.0005045-2;2.13.0064599-5;2.13.0081816-4;2.13.0083213-2; 2.13.0051636-2;2.13.0082939-5;2.13.0075731-9;2.13.0080664-6;2.13.0031581-2;2.13.0086657-7; 2.13.0090688-8;2.13.0075820-0;2.13.0093530-6;2.13.0093970-0;2.13.0095635-4;2.13.0095448-3; 2.13.0047248-9;2.13.0048014-7;2.13.0049805-4;2.13.0050347-3;2.13.0051447-5;2.13.0054060-3; 2.13.0058444-9;2.13.0058231-4;2.13.0060946-8;2.13.0063117-0;2.13.0056060-4;2.13.0064546-4; 2.13.0067967-9;2.13.0069097-4;2.13.0058578-0;2.13.0077828-6;2.13.0081816-4;2.13.0082991-3; 2.13.0080793-6;2.13.0085161-7;2.13.0082925-5;2.13.0057029-4;2.13.0085841-7;2.13.0086551-0; 2.13.0087299-1;2.13.0088695-0;2.13.0091682-4;2.13.0085967-7;2.13.0095666-4;2.13.0098963-5; 2.13.0001248-8;2.13.0005674-4;2.13.0005421-0;2.13.0011092-7;2.13.0026875-0;2.13.0027153-0; 2.13.0029336-3;2.13.0035370-6;2.13.0033998-3;2.12.0002642-8;2.12.0003072-7.

  • 9

    O jornal Zero Hora fez um levantamento9 no qual se apurou que 70% dos

    casos de homicdios cometidos no incio do ano de 2012 no haviam sido

    denunciados at o final do mesmo ano. As drogas so apontadas como a principal

    causa, opinio compartilhada pelo Socilogo Dr. Rodrigo Azevedo que diz que a

    maioria dos homicdios envolve disputas entre traficantes, o que dificulta a

    identificao dos autores, enfatizando a necessidade de melhores resultados nas

    apuraes.

    1.2.2 As Prises Preventivas Decretadas

    Em alguns casos, com base nos requisitos descritos no artigo 312 do Cdigo

    de Processo Penal, se faz necessria a decretao da priso preventiva do

    denunciado.

    9 STURM, Heloisa; COSTA, Jos Luis. Levantamento de ZH mostra que 70% dos casos de

    homicdio cometidos em janeiro no chegaram aos tribunais. Zero Hora , 26 out. 2013. Disponvel em: . Acesso em 13 abr. 2014.

  • 10

    Nesses crimes, h a necessidade de proteger a instruo criminal,

    porquanto a conhecida lei do silncio impe que ningum dever testemunhar

    contra traficantes, apesar de todos saberem quem so os responsveis pelos

    delitos. Observando os processos dos maiores traficantes da cidade, verifica-se

    sempre uma carncia probatria, geralmente decorrente do medo que as

    testemunhas tm elas viram os traficantes agirem e sabem do que so capazes.

    Quanto a esse requisito, ressalta-se que aquele que visa impedir que o

    agente, em liberdade, alicie testemunhas, forje provas, destrua ou oculte

    elementos que possam servir de base futura condenao. Na prtica, a maior

    parte das ocorrncias relacionadas decretao da custdia para garantia da

    instruo criminal objetiva evitar intimidao de ofendidos ou testemunhas10.

    Portanto, quando as testemunhas e vtimas tm coragem de depor, devero ser

    protegidas, como pediu o Ministrio Pblico nesta promoo:

    A vtima foi ouvida em sua casa pelos policiais, te ndo em vista que teme por sua vida e no sai mais de casa desde que tentaram lhe matar. Identificou G. e disse ter ouvido falar que o motorista da moto seria Lo (depoimento filmado e juntado fl. 28 do IP). Ressalta-se que a vtima prima de D. R. da S., vulgo Tet, participante da gangue dos Eskina, faco com a qual os rus possuem rixa de trfico. Tal disputa entre os Eskina e os Primeira conhecida pelo Poder Judicirio, onde praticam uma verdadeira guerra na Restinga. Ao agirem assim, os ofensores mostraram a total impunidade a que se sentem includos, com direito a mandar e desmandar na regio, mostrando a profunda periculosidade dos representados, bem como a necessria interveno estatal. Salienta-se, ainda, que a vtima no possui NENHUMA ocorrncia criminal, tendo sido alvejada somente por estar em um local onde os rivais dos P rimeira costumeiramente ficam. Ademais, percebe-se que a personalidade dos denunciados voltada a prtica delitiva, em vista da vasta lista de ocorrncias em que os denunciados se envolveram, notadamente delitos relacionados a homicdios, formao de bando armado, porte ilegal de arma de fogo, leso corporal entre outros, situao que, conturbaria o devido trmite processual, pois o ofendido e seus familiares so conhecidos dos denunciados. Salientando a necessidade de proteo vtima, que no sai mais de casa por medo de morrer , e as testemunhas visando garantir o

    10 AVENA, Norberto Cludio Pncaro. Processo Penal: esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro:

    Forense; So Paulo: Mtodo, 2014. p. 974-975.

  • 11

    curso do processo e a garantia da ordem pblica, face ao desrespeito dos denunciados as leis, no restando dvidas de que em liberdade os mesmos certamente seguiriam na prtica delitiva. Nas investigaes sobre a quadrilha (denunciada no processo n 2.13.0069097-4), as testemunhas so muito receosas e preferem no dizerem o que sabem por medo dos denunciados. Referente a este outro fato, foi questionado para moradores como o fato se deu, um deles respondeu Quer que eu morra? e nada mais disse, comprovando a imposio de medo e da famosa Lei do Silncio. (Os grifos foram reproduzidos do documento original. Os nomes completos foram abreviados para evitar a exposio desnecessria dos envolvidos.)11

    Em relao aplicao da lei penal, uma forma de assegurar a futura

    aplicao da aplicao da pena, que ser fatalmente frustrada caso, desde logo,

    no se prenda o agente, tendo cabimento quando o agente no possui residncia

    fixa ou ocupao lcita ou em que foge ou prepara sua fuga no curso do

    processo.12 Foi assim requerido pela agente ministerial:

    No bastasse a tendncia prtica delitiva, o denunciado pode se evadir da aplicao da lei penal, visto a posio que detm numa das maiores quadrilhas armadas desta Capital, possuindo recursos que certamente o ajudaro a fugir, visando escapar de uma condenao criminal. Desta forma, no pode o Poder Pblico facilitar ou at mesmo permitir a impunidade frente aos diversos delitos j cometidos pelo denunciado. Por ltimo, ressalta-se, que o denunciado, quando de sua priso, estava escondido num stio no interior do estado, com armas, munies, cmeras de monitoramento e veculos, local onde funcionava um campo de treinamento da quadrilha dos Balas na Cara, fato que demonstra a inteno do denunciado em se esconder da aplicao da justia e continuar a exercer suas atividades criminosas junto ao bando, bem como o poder exercido pelo mesmo junto ao grupo criminoso.13

    Ainda, h a garantia da ordem pblica como fundamento para a aplicao da

    segregao, que visa, entre outras coisas, evitar a reiterao delitiva, assim

    resguardando a sociedade de maiores danos14, alm de se concretizar pelo perigo

    que o agente representa para a sociedade como fundamento apto manuteno da

    11 Pedido de Priso Preventiva formulado no processo n 001/2.13.0082939-5. 12 GOMES, Luiz Flvio; MARQUES, Ivan Lus. Priso e Medidas Cautelares: comentrios Lei

    12.403, de 4 de maio de 2011. 3. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 160-161. 13 Pedido de priso preventiva formulado no processo n 001/2.13.0093970-0. 14 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 84.658/PE, Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Disponvel

    em: . Acesso em: 25 abr. 2014.

  • 12

    segregao15.

    Importante salientar que os denunciados Drey e Paulo j se encontram recolhidos pela prtica de outros delitos, mas, ainda assim, continuam a ordenar execues, o que evidencia a sua alta periculosidade, a tendncia prtica delitiva e sua reiterao, o que demanda a interveno do Judicirio a fim de acautelar a ordem pblica e a paz social. () Outrossim, o fato de os denunciados estarem segregados no momento no impeditivo para que sejam colocados em regime menos gravoso de cumprimento de pena, ou tenham suas prises revogadas, tendo como consequncia o retorno ao convvio social, o que evidencia a necessidade de priso, mesmo que j se encontrem recolhidos por outros processos.16

    Verifica-se que, consoante exordiais analisadas no tpico anterior, 95 dos

    processos com denncias oferecidas no ano passado possuem pelo menos um ru

    preso preventivamente, sendo 45% do total dos processos. Ainda, 57% das

    denncias relacionadas diretamente com o trfico de drogas apresentam presos

    preventivamente em algum momento do processo.

    O nmero de presos preventivamente muito baixo se levarmos em

    considerao que, dentre todos os bens jurdicos de que o indivduo titular, a vida

    , incontestavelmente, o mais valioso. A conservao da pessoa humana, a base de

    tudo, tem como primeira condio a vida, que, mais que um direito, a condio

    bsica de todo direito individual, porque sem ela no h personalidade, e sem esta

    no h que se cogitar de direito individual17.

    2 AS CONSEQUNCIAS DA GUERRA DO TRFICO DE DROGAS N O BRASIL

    Neste captulo ser abordada a qualificadora incidente nas denncias

    oferecidas pelo Ministrio Pblico nos homicdios relacionados ao trfico, com base

    doutrinria e jurisprudencial.

    15 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 90.398/SP, relator: Ministro Ricardo Lewandowski.

    Disponvel em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=482030>. Acesso em: 25 abr. 2014.

    16 Pedido de priso preventiva formulado no processo n 001/2.09.0021427-1. 17 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 2: parte especial: dos crimes contra a

    pessoa. 12. ed. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 88.

  • 13

    A partir de entrevistas com os Delegados de Polcia Cristiano De Castro

    Reschke e Marcio Moreno, bem como com a Promotora de Justia Lcia Helena de

    Lima Callegari, ser demonstrada a dificuldade que os membros estatais tm para

    indiciar e denunciar fatos dessa natureza, pela precariedade de provas testemunhais

    para sustentar uma futura condenao.

    2.1 A TORPEZA COMO QUALIFICADORA

    Observa-se, a partir da anlise das denncias de homicdios perpetrados em

    decorrncia do trfico de drogas, que incide a qualificadora do motivo torpe,

    descrita no artigo 121, 2, inciso I, do Cdigo Penal:

    Art. 121. Matar algum: Pena - recluso, de seis a vinte anos. Caso de diminuio de pena 1 Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domnio de violenta emoo, logo em seguida a injusta provocao da vtima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um tero. Homicdio qualificado 2 Se o homicdio cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo ftil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - traio, de emboscada, ou mediante dissimulao ou outro recurso que dificulte ou torne impossvel a defesa do ofendido; V - para assegurar a execuo, a ocultao, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - recluso, de doze a trinta anos.

    Torpe, conforme definio de Guilherme de Souza Nucci18, o motivo

    repugnante, abjeto, vil, que causa repulsa excessiva sociedade, sendo que,

    apesar de todo delito causar repulsa social, o praticado por motivo torpe faz com

    que a sociedade fique particularmente indignada, tal como ocorre com o delito

    mercenrio.

    18 NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo Penal Comentado. So Paulo: Revista dos Tribunais,

    2013. p. 645.

  • 14

    Nelson Hungria19 indica que o motivo torpe contemplado pela cupidez, pelo

    prazer do mal, pelo desenfreio da lascvia, pela vaidade criminal, pelo despeito da

    imoralidade contrariada.

    Jos Henrique Pierangeli afirma:

    Torpe o motivo vil, ignbil e abjeto, que atinge profundamente o sentimento tico comum da sociedade e outorga ao delito um carter de extrema vileza ou imoralidade. O dio, a vingana, a inveja, a cupidez, a atrocidade se enfileiram nesta categoria (Costa e Silva), e ao lado destes podemos alinhar o desenfreio da lascvia, a vaidade criminal, o prazer do mal20

    Cleber Masson21, em uma anlise mais contextualizada com a atualidade,

    complementa dizendo que torpe o ato de um traficante consistente em matar

    outro vendedor de drogas que havia, no passado, dominado o controle do trfico

    na favela ento controlada pelo assassino, devendo-se fundamentar a maior

    quantidade de pena pela violao do sentimento comum de tica e de justia.

    Deste modo, a qualificadora do motivo torpe nos homicdios motivados pelo

    trfico de drogas descrita nas denncias oferecidas na 1 Vara do Jri de Porto

    Alegre da seguinte forma:

    Torpe o motivo do crime, tendo em vista que cometido em decorrncia do trfico de drogas e seus consectrios comerciais, em extremo desvalor vida humana.22

    A torpeza como qualificadora nesses delitos pacfica nos rgos

    julgadores, como ilustra o recente julgado do Superior Tribunal de Justia:

    RECURSO ORDINRIO EM HABEAS CORPUS. AO PENAL. TRIBUNAL DO JRI. PRIMEIRA FASE DO PROCESSO. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAO DA CULPA. INSTRUO CRIMINAL ENCERRADA. APRESENTAO DE ALEGAES FINAIS PELAS PARTES. SMULA 52 DESTE STJ. SENTENA DE PRONNCIA EM VIAS DE SER PROFERIDA. EVENTUAL

    19 HUNGRIA, Nelson. Comentrios ao Cdigo Penal volume 5. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

    p. 163. 20 PIERANGELI. Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro : Parte Especial. So Paulo:

    Revista dos Tribunais, 2005. p. 68. 21 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte especial volume 2. So Paulo:

    Mtodo, 2014. p. 30. 22 PORTO ALEGRE. Denncia Oferecida por Lcia Helena de Lima Callega ri . 3 Promotora de

    Justia do Tribunal do Jri de Porto Alegre no Processo distribudo sob n 001/ 2.13.0063376-8.

  • 15

    DELONGA SUPERADA. 1. Com o encerramento da instruo criminal relativa primeira etapa do processo, j que os autos encontram-se na fase de apresentao das alegaes finais pelas partes, resta superado o aventado constrangimento ilegal por excesso de prazo na formao da culpa, consoante o enunciado na Smula 52 desta Corte Superior, estando a sentena de pronncia est em vias de ser proferida. DOIS HOMICDIOS QUALIFICADOS CONSUMADOS E UM TENTADO. MOTIVO TORPE. EMPREGO DE MEIO CRUEL E DE RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPEDIU A DEFESA DAS VTIMAS. DELITO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRISO PREVENTIVA. SEGREGAO FUNDADA NO ART. 312 DO CPP. CIRCUNSTNCIAS DOS CRIMES. VIOLNCIA DESMEDIDA. VINGANA. DISPUTA ENTRE FACES CRIMINOSAS PELO DOMNIO DE PONTOS DE VENDA DE DROGAS . GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. REITERAO DELITIVA. RISCO EFETIVO. GARANTIA DA ORDEM PBLICA. CUSTDIA FUNDAMENTADA E NECESSRIA. MEDIDAS CAUTELARES. INSUFICINCIA. COAO ILEGAL NO DEMONSTRADA. RECLAMO IMPROVIDO. 1. No h falar em constrangimento ilegal quando a custdia cautelar est devidamente justificada na garantia da ordem pblica, em razo da gravidade efetiva dos delitos em tese praticados e da periculosidade social do agente, bem demonstradas pelas violentas circunstncias em que ocorridos os fatos criminosos e pelos motivos que em tese os determinaram. 2. Caso em que o recorrente acusado da prtica do crime de constrangimento ilegal, por duas vezes, e de trs homicdios qualificados, sendo um deles tentado, cometidos em concurso de seis agentes, em que a vtima, no obstante tenha sobrevivido sesso de tortura a que foi submetida e tentativa de homicdio por parte dos envolvidos, foi localizada e alvejada no hospital onde se encontrava convalescendo, assim como seu irmo, que a acompanhava na internao, e tudo, ao que parece, em razo de vingana pela morte de alguns integrantes da faco criminosa a que pertenceriam os acusados, atribudas ao ofendido, em decorrncia de disputas por pontos de trfico de drogas na regio. 3. A priso encontra-se justificada tambm em razo do histrico criminal do ru, revelando a propenso prtica delitiva e demonstrando a sua periculosidade social efetiva e a real possibilidade de que, solto, volte a cometer infraes penais. 4. Indevida a aplicao de medidas cautelares diversas da priso quando a segregao encontra-se justificada na gravidade dos delitos cometidos e na periculosidade do agente, a demonstrar a sua insuficincia para acautelar a ordem pblica e social. 5. Recurso improvido.23 Grifei.

    23 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. RHC: 39238 MG 2013/0224866-0, Relator: Ministro

    JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 08/04/2014, T5 quinta turma, Data de Publicao: DJe 15/04/2014.

  • 16

    O Supremo Tribunal Federal tambm mantm o posicionamento:

    Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pblica da Unio em favor de Douglas Alberguine contra acrdo do Superior Tribunal de Justia, que negou provimento ao RHC 33.292/PR. Em 06.7.2010, o paciente foi preso preventivamente e denunciado pela suposta prtica do crime de homicdio triplamente qualificado, tipificado no art. 121, 2, I, III e IV, do Cdigo Penal. Em 17.8.2011, o Juzo de Direito da 1 Vara Criminal da Comarca de Londrina/PR, ao pronunciar o paciente, indeferiu o pleito de revogao da custdia cautelar. Inconformada, a Defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justia do Estado do Paran, que denegou a ordem. A questo foi submetida apreciao do Superior Tribunal de Justia, que, nos autos do RHC 33.292/PR, negou provimento ao recurso ordinrio. Neste writ, a Impetrante, alega, em suma, a falta de fundamentao idnea da deciso de pronncia que manteve a priso preventiva, reputando a ausncia de pressupostos autorizadores da custdia cautelar, em afronta ao art. 413, 3, do Cdigo de Processo Penal. () Convm transcrever os excertos da sentena de pronncia para melhor elucidao dos fatos: Em data at o momento no apurada, mas certo que no ano de 2010, antes das 14h do dia 09 de abril, em horrios e local at o momento desconhecidos, o denunciado DOUGLAS ALBERGUINI, vulgo 'Dudu', ordenou ao denunciado GABRIEL LIMA BONUTTI a morte da vtima SIDNEI MENDONA FELICIANO, por motivo torpe, ou seja, por desacertos advindos do trfico de drogas, tendo o denunciado GABRIEL ac eitado cometer o homicdio vez que era usurio de drogas (principalmente crack), 'cliente' e devedor do denu nciado DOUGLAS, traficante, tendo pleno conhecimento da mo tivao do delito . () Transcrevo, no que sobrelevam excertos do voto condutor do acrdo recorrido: Observa-se que h, na sentena de pronncia e no acrdo impugnado, fundamentos idneos, referentes a indcios de reiterao criminosa, a respaldar a manuteno da custdia, para garantia da ordem pblica, bem como em face da gravidade concreta do delito, evidenciada pelo seu modus operandi e pela periculosidade do paciente, por se tratar de reconhecimento de homicdio qualificado, eis que cometido por motivo torpe desacertos advindos do trfico de drogas , utilizando-se dissimulao, que dificultou a defesa da vtima. Alis, o paciente, ouvido em Juzo, esclareceu que, dias aps a prtic a do delito objeto da denncia, foi ele preso, por trfico de d rogas. Na avaliao dos pressupostos da constrio cautelar, constato que foram observados indcios suficientes de autoria e de materialidade delitivas. No se pode ignorar a gravidade concreta do crime e m questo homicdio triplamente qualificado, cometi do por desacertos advindos do trfico de drogas, utilizando-se dissimulao, dificultando a defesa da vtima, a indicar a periculosidade do agente e a recomendar a manuteno da priso preventiva. Se as circunstncias concretas da prtica do crime

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    indicam a periculosidade do agente, est justificada a decretao ou a manuteno da priso cautelar para resguardar a ordem pblica, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria (v.g. HC 105.585/SP, HC 112.763/MG e HC 112.364 AgR/DF, precedentes da minha lavra). Dentre eles, destaco o seguinte: "Quando da maneira de execuo do delito sobressair a extrema periculosidade do agente, abre-se ao decreto de priso a possibilidade de estabelecer um vnculo funcional entre o modus operandi do suposto crime e a garantia da ordem pblica"(HC 97.688, 1. Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 27.11.2009). () Portanto, no vislumbro ilegalidade ou abuso de direito na manuteno da priso preventiva, conforme fundamentado pelas instncias anteriores no art. 312 do Cdigo de Processo Penal. Nessa linha, invivel a substituio da constrio cautelar pelas medidas previstas no art. 319 do mesmo diploma legal. Ante o exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (art. 21, 1, RISTF).24 Grifei.

    Desta forma, o homicdio perpetrado por qualquer tipo de desavena

    decorrente do comrcio de drogas, seja por disputa de ponto de venda, seja por

    cobranas de dvidas ou sob qualquer outra justificativa de imposio de poder,

    processualmente considerado torpe, repugnante, vil, atroz e imoral.

    2.2 A DIFICULDADE DE INDICIAR E DENUNCIAR E OS MOTIVOS QUE LEVAM

    IMPUNIDADE

    Questiona-se, a partir da comparao dos dados, o altssimo ndice de

    impunidade e os motivos que induzem a ela. Verifica-se, com base na disparidade

    entre o nmero de fatos e o nmero de denncias oferecidas, que so efetuados

    mais arquivamentos do que denncias, sendo essa uma situao impulsionadora

    de mais violncia e criminalidade.

    Com base nisso, a fim de descobrir efetivamente as reais dificuldades de

    efetuar indiciamentos nos Inquritos Policiais gerados em decorrncia de crimes

    dolosos contra a vida, bem como entender a posio da polcia no combate ao

    trfico de drogas e ao crime organizado, foi realizada uma entrevista com o

    24 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC: 118949 PR, Relatora: Ministra ROSA WEBER, Data de

    Julgamento: 08/11/2013, Data de Publicao: DJe-231 divulgado em 22/11/2013, publicado em 25/11/2013.

  • 18

    Delegado de Polcia Cristiano de Castro Reschke, da qual se extrai:

    P: Quais so as maiores dificuldades de indiciar? R: Os homicdios relacionados ao trfico de drogas ou a outros crimes so os que, frequentemente, nos deparamos com moradores com medo e que preferem no colaborar com a polcia por medo de represlias, pela lei do silncio que os traficantes costumam impor. O cidado honesto, que no comete crimes prefere que a polcia nem entre nas vilas onde residem, pois associam a polcia com a violncia imposta pelos traficantes, sabendo que, se colaborarem com qualquer investigao, podero sofrer as consequncias. P: Qual a ligao entre trfico de drogas e os homi cdios ocorridos em Porto Alegre? R: Teus dados dizem que, formalmente, 41% das mortes tm ligao com trfico de drogas, s que, informalmente, a gente sabe que so mais. Talvez 80, 90% de relao com trfico. Nos territrios de paz, onde se tem a presena da Brigada Militar, por que so reas onde tem trfico de drogas mais conflagrado, a grande maioria dos homicdios tem essa relao, que a manuteno do ponto, ou os acertos de contas internos. P: Quais so as semelhanas com o trfico de drogas do rio de janeiro? R: O trfico de drogas sempre tem suas caractersticas definidas, portanto sempre vai existir semelhana entre os lugares. As influncias tm razes que transcendem a vila, como corrupo de servidores pblicos. Quanto s semelhanas com o Rio de Janeiro, todas as regies tm as suas particularidades. Inclusive em Porto Alegre, cada regio da cidade tem as suas especificidades e caractersticas. O que mais existe, nos lugares onde existe o trfico de drogas, um resultado extremamente danoso. Na maioria das vezes, o homicdio acaba sendo resultado do trfico. E justamente quando acontece o que ns chamamos de enxugar gelo, ou seja, ns prendermos em alguma rea e s vezes aquelas pessoas so lideranas nas faces e o Estado no ocupa aquele espao (no somente o Estado Polcia, mas o Estado social, educao, por ser um processo mais lento), em questo de semanas j vai aparecer uma quadrilha querendo ocupar aquele espao. E assim que comeam os confrontos, dos sobreviventes ou de dois interessados, continuando as mortes. Ento bem pontual. Por exemplo, efetuamos prises na Vila Conceio e mortes acabaram acontecendo l dentro, assim como aconteceu na Restinga e em outros diversos lugares, do jeito que se observa nas outras cidades do Brasil onde h incidncia de trfico de drogas. P: Quais so as dificuldades enfrentadas pela polc ia para diminuir as incidncias de homicdios ligados ao tr fico de drogas? R: O que ocorre que por mais que aumente o nmero de prises por homicdios ou em razo de homicdios, muitas das ordens para execues partem de dentro do presdio. Ento, se faz necessrio um controle efetivo dentro do sistema carcerrio para impossibilitar a

  • 19

    entrada de celulares. Assim, por mais que se prenda os gerentes, os diretores, os que tm a autoria intelectual dos crimes, eles continuam mandando algum cometer de dentro dos presdios. E se prendemos o executor, sempre vai ter algum para substituir essa pessoa. Ento se tem que desestabilizar a faco como um todo. Atualmente, estamos trabalhando com inquritos mais trabalhosos, fazendo um trabalho voltado a combater tambm a lavagem de dinheiro, para desestabilizar financeiramente essas quadrilhas, com um mapeamento detalhado da faco e de suas ligaes, pois muitas acabam se interligando, tendo braos em vrios bairros e acordos de cavalheiros que existem entre essas organizaes para cada um se manter com o seu poder. Ento temos que, sempre, desestabilizar financeiramente e tirando os executores de circulao, pois no todo mundo que serve como executor, eles tm as funes bem definidas e delimitadas. Para ser um executor, o criminoso tem que ter certas qualidades e caractersticas, ento necessrio identificar quem so essas pessoas e tir-las de circulao, com o respaldo da organizao dos presdios, para que impeam que as ordens saiam l de dentro.25

    A questo do uso de celulares j foi objeto de notcia do jornal Zero Hora,

    que divulgou que os telefones celulares so fundamentais para o sucesso das

    organizaes criminosas dentro dos presdios, sendo que os aparelhos circulam

    em abundncia pelas mos dos detentos no Presdio Central, onde, no ano de

    2013, foram recolhidos 2.408 aparelhos (quase sete por dia). O aumento em

    relao ao ano de 2012 de 131%.26

    A partir da tica do criminoso, percebe-se o grande problema que se tornam

    os moradores que no cometem crimes, e que, por morarem nas vilas, acabam

    virando testemunhas oculares de muitos fatos, tendo a opo de acobertar o

    delinquente ou expor ao risco sua vida e a de sua famlia:

    Celso Athayde: Voc acha que o que voc faz certo? Cara: No, errado. errado, mas a vida que eu quero, assim mesmo. P, escolhi essa vida pra mim, assim mesmo que eu quero. Trabalhar, eu vou trabalhar, mas no vou conseguir emprego. P, irmo, fogo... Celso: Sua irm trabalha? Cara: Trabalha. Celso: Ento? Por que no faz o mesmo?

    25 Entrevista com o Delegado realizada no dia 30 de maro de 2014, no Palcio da Polcia em

    Porto Alegre. 26 TONETTO, Mauricio. Presdio Central recolhe seis celulares a cada dia dentro das celas. Zero

    Hora , 15 jan 2014. Disponvel em: < http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/01/presidio-central-recolhe-seis-celulares-a-cada-dia-dentro-das-celas-4390173.html>. Acesso em 13 abr. 2014.

  • 20

    Cara: Ela conseguiu porque ela teve estudo. Eu no gostei de estudar, eu no gosto de estudar. Celso: E como a relao de vocs com os moradores? Cara: Se tiver faltando gs em casa, pedem dinheiro pra comprar gs, a gente vai fortalecer pra comprar gs. Se tiver faltando alguma coisa de comida, a gente fortalece. Se tiver algum doente, a gente vai dar tambm remdio. Celso: Qual a troca? Cara: A troca? Respeitar a comunidade. Celso: Mas o que vocs pedem em troca? Cara: S respeito. S isso. Celso: O que X9? Cara: X9 tipo um cara que liga para a polcia e denuncia a gente, entendeu? Tipo assim, porra, safado, tem que matar ele, entendeu? Tipo a gente t dormindo, ele vai e liga pra polcia, a vai onde a gente t, pega ns e ele recebe um dinheiro em troca, em cima da gente, entendeu? Celso: E se voc descobrir quem foi? Cara: A gente mata, pica ele, taca fogo, faz tudo. () Celso: Como voc entrou nessa? Cara: Eu estudava, s estudava mesmo, a depois comecei a fumar maconha, a deu na minha cabea pra mim parar de estudar, parei de estudar. A depois fui traficando e, tipo assim, man, uma iluso, entendeu? Arruma dinheiro, arruma mulher, mas p, eu t dando um exemplo, pra quem t fora no entrar. Tipo assim, eu era estudante, parei de estudar, passei a fumar. A maconha j muda a pessoa, entendeu? Tipo coisa do diabo mesmo, j muda a pessoa. A parei de estudar, e quando parei de estudar, vi nego traficando, j queria traficar tambem, comecei a traficar, entendeu? No quis mais parar, fiquei nessa mesmo. () Celso: Voc se esconde onde? Cara: Dentro das casas do morador. Qualquer porta que tiver aberta a gente entra. Celso: Eles gostam disso? Cara: Tem alguns que no abrem a porta pra gente no. esses que cagetam a gente pros polcia, entendeu? Tem uns moradores que conhece a gente desde pequeno, que no quer isso pra gente, mas vai fazer o qu? Vai ter que abrir a porta pra gente entrar. Celso: Os que no abrem, vocs fazem alguma coisa com eles? Cara: S d um papo neles, entendeu? Se eles t na comunidade aqui, eles vai ter que abrir a porta pra gente sim, entendeu? Se no abrir a porta pra gente, vai ter que se mudar pra outra comunidade melhor, entendeu?27 (Os erros de ortografia fazem parte do contedo do livro, para manter, o mximo possvel, a realidade do entrevistado)

    27 ATHAYDE, Celso; BILL, MV. Falco Meninos do Trfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. p. 70-

    75.

  • 21

    O Delegado Marcio Moreno tambm foi entrevistado, dando mais enfoque na

    questo do trfico de drogas:

    P: O trfico de drogas de Porto Alegre tem semelhan as com o trfico do RJ? R: Algumas semelhanas... Na verdade, o trfico do RJ dominado por grupos.. comeou com o CV, depois vieram grupos ligados a regio do RJ, que propicia a concentrao de alguns grupos de trfico por causa dos morros. Mas assim, aqui no RS ns no temos, ao contrrio do rio de janeiro que tem todo um histrico de CV, Fernandinho Beira Mar e tantos outros, um grande grupo focado somente no narcotrfico. Normalmente o que acontece uma concentrao, como hoje temos os Bala na Cara, Os Manos, grupos que comearam a se formar no presdio, que tem uma vinculao com vrios crimes: furto e roubo de veculos, roubo a banco e acabam migrando para o trfico, ou pessoas que acabam sendo presas por crimes contra o patrimnio e, dentro do sistema carcerrio, acabam formando novas alianas e, a sim, formam quadrilhas e associaes de narcotrfico. Mas diferente do Rio, que se formaram cones, com megatraficantes. Aqui ns no temos nenhum... A diferena que h uma descentralizao do trfico e, no Rio, ele centralizado. O Paulo da Conceio uma das maiores lideranas do trfico de drogas na regio de Porto Alegre, no sendo to influente no resto do estado. Em razo da priso dele e da disputa que se formou pelo controle do trfico de drogas na conceio e tambm em algumas outras regies da cidade, que tinha tentculos desse grupo, tem um aumento de homicdios e de disputa por pontos de vendas. Mas o Paulo seria, sem dvida, na ltima dcada, a grande referncia em relao ao narcotrfico aqui. Mas no se compara a logstica do trfico de drogas no Rio com a logstica do trfico de drogas aqui. P: A prova testemunhal obtida facilmente? R: A prova testemunhal um problema no trfico e em todos os outros crimes... Eu acho que a gente tem sempre que preservar as pessoas de acordo com as suas realidades, no se pode exigir o que tu sabes que vai acabar prejudicando a pessoa. Mas tem como se fazer construes, s vezes as pessoas te do informaes annimas que acabam fechando com toda a investigao. Se trabalha muito com inteligncia na investigao, fazendo com que a prova testemunhal no seja to necessria. P: Como o trfico de drogas influencia na vida de q uem no comete crimes? R: Na vila? Diretamente. Se fosse legalizado o consumo das drogas, seria o segundo maior mercado mundial, ento gira muito dinheiro em torno disso... e como mercado ilcito, a represso s pessoas nas comunidades muito mais forte. A Colmbia o maior exemplo disso. Nos anos 80, 90, o pas teve um morticnio social, com polticos, juzes, policiais assassinados, sem contar os cidados torturados e mortos pelo narcotrfico, que formou um poder paralelo, sendo um quarto poder da repblica. No Brasil, principalmente RS,

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    tm comunidades que aceitam o narcotrfico, sendo a Conceio um exemplo delas. Qualquer operao policial que feita na Conceio se pode notar que as pessoas vo contra a polcia, tentando ao mximo dificultar as investigaes, sendo a polcia muito hostilizada no local pela comunidade. E tem outros lugares que claramente se percebe que no h uma aceitao da atividade do narcotrfico, s havendo a lei do silncio, onde ningum fala e todo mundo tem medo, so comunidades que sofrem muito, so vitimizadas. Quem sofre com o narcotrfico no so as pessoas de classe mdia ou alta que vo comprar a maconha ou a cocana no ponto de trfico, o que vai ser hostilizado vai ser o viciado em crack na vila, que comeou a usar e se viciou, comeando a traficar para sustentar o vcio e que comea a dever pro traficante, que, pra no perder o controle, manda matar ou torturar, cobra a dvida dos parentes, aquela grande histria. Mas no se pode vitimizar todas as comunidades, pois existem muitas que apoiam o narcotrfico, por que o traficante acaba bancando coisas a favor da comunidade, pagando remdios, construindo praas, atuando a partir da ausncia do estado. Mas tm tambm as que resistem ao narcotrfico mas, para evitar a violncia e as mortes de inocentes, acabam se submetendo s leis impostas pelos criminosos. P: Quais so os bairros com maior incidncia de tr fico? R: Santa Tereza, Restinga... Alis, semana passada tiveram trs homicdios na Restinga, sendo todos motivados por trfico. Rubem Berta, Bom Jesus... Todos esses bairros tm maior incidncia de homicdios, vinculados tambm, com o aumento de prises referentes ao trfico.28

    A partir dos depoimentos, resta muito clara a dificuldade que se enfrenta

    para conseguir indiciar no inqurito policial, com a precariedade de provas

    testemunhais que embasem investigaes. Ainda, se observa que existem

    diferenas entre as comunidades que aceitam o narcotrfico pois se beneficiam

    dele como se fosse um para-Estado, o qual supre as necessidades ignoradas pelos

    governantes. Assim, mesmo as pessoas no envolvidas com nenhuma atividade

    ilcita se envolvem indiretamente com a criminalidade, retribuindo do modo que

    podem. Impedem e dificultam aes da polcia, no prestam depoimentos

    esclarecendo os homicdios, abrigam criminosos em suas casas e obedecem a

    todas as leis impostas pelos criminosos:

    Via de regra, uma comunidade filia-se falange que a domina. No por vontade prpria, bem entendido; tampouco no sentido de que a populao local seja cmplice das aes criminosas do comando que lhe d o nome, ou melhor, o sobrenome: favela de tal, comando

    28 Entrevista realizada no dia 05/05/2014, na sede do DENARC em Porto Alegre.

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    qual, quem mora ali do comando, na medida em que, estando sob seu poder, deve-lhe o mnimo de lealdade. Em outras palavras: por desleal, lhe vetada a liberdade de denunciar. Portanto, ser do comando X ou Y no significa necessariamente pertencer a tal ou qual exrcito nem participar de suas atividades ilegais e seus negcios esprios. O vnculo anlogo, em certa medida, ao lao que liga o membro de um grupo totmito ao totem e, por seu intermdio, aos que compartilham a mesma filiao. () A relao entre a comunidade e o trfico complexa, alm de diversificada. De um modo geral, o que impera o medo e a vontade de livrar-se do jugo dos meninos em armas. So inmeros os relatos sobre a revolta e o sentimento de humilhao vividos pelos adultos trabalhadores, obrigados a pedir licena, demonstrar respeito e obedecer determinaes dos adolescentes armados.29

    Existem, tambm, as comunidades que no aceitam o narcotrfico e no se

    beneficiam com ele, com moradores que acabam tendo, muitas vezes, que pagar

    pedgio para circular dentro da vila e que acabam tendo que se esconder dentro

    das prprias casas, para ter o mnimo conhecimento possvel das atividades

    criminosas de seus vizinhos. E quando ocorre alguma injustia, colocam a vida em

    risco para procurar a punio aos agentes, denunciando e relatando o que sabem

    para as autoridades competentes. Cria-se, nesses casos, a necessidade de

    proteo testemunha, que se faz vivel a partir da utilizao do sistema

    PROTEGE, que oferece proteo a vtimas ou testemunhas de crimes que recebem

    ameaas em razo de colaborarem com a investigao ou processo criminal, bem

    como busca a reinsero social das vtimas e testemunhas30.

    Tal sistema de proteo a testemunhas muito criticado pela entrevistada

    Promotora de Justia Dra. Lcia Helena de Lima Callegari, Coordenadora da

    Promotoria do Tribunal do Jri de Porto Alegre e conselheira do PROTEGE, que

    diz:

    R: O PROTEGE importa em uma mudana muito radical de vida, e, s vezes, as pessoas no querem se submeter a isso, que causa distanciamento dos familiares e amigos, sendo que nem todo mundo se dispe a entrar em um programa desse tipo. O protege tem uma

    29 ATHAYDE, Celso; BILL, MV; SOARES, Eduardo. Cabea de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva,

    2005. p. 262-263. 30 RIO GRANDE DO SUL. Programa de Proteo e Assistncia a Testemunhas Am eaadas de

    Morte (Protege). Disponvel em: . Acesso em: 06 maio 2014.

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    grande questo, considerando que depende de investimentos pblicos do nosso Estado, que nem sempre aportam de forma clere. S h uma equipe multi disciplinar para a triagem de todos os casos, sendo necessrio maior investimento na segurana dos protegidos. So em torno de 30 casos, nmero nfimo perto da necessidade de proteo as pessoas, sendo uma necessidade infinita com recursos extremamente limitados.

    Em relao dificuldade de denunciar com base nos inquritos policiais, a

    Promotora relatou:

    P: A senhora considera o trfico de drogas o maior responsvel pelos homicdios na cidade? P: Sim. Com certeza. O trfico o grande motor de criminalidade nos grandes centros e em porto alegre no diferente. Quando da assuno desta agente em 2004, no Tribunal do Jri na Capital, tendo vindo da comarca de Caxias do sul (tambm do Tribunal do Jri), houve uma impresso de espanto com a quantidade de homicdios que j estavam instalados nessa comarca decorrentes da violncia do trfico, situao que no verificava em uma comarca de grande porte como Caxias do sul, na poca. As mortes ocorrem por disputas de pontos, por falta de pagamento das drogas, pela ocorrncia de chinelagem dos drogaditos (quando os usurios dependentes, para sustentar o crime cometem crimes contra o patrimnio acabam a atrair a polcia para a localidade) e para se impor nas comunidades estabelecendo sua fora e poder. P: Quais so as maiores dificuldades para denunciar ? R: A lei do silencio muito forte, pois as testemunhas realmente so mortas, as gangues tm vrios integrantes, sendo que, mesmo que alguns estejam presos, outros esto soltos e as ordens continuam sendo dadas de dentro do presdio, com a populao se vendo refm da violncia. P: Como o trfico de drogas influencia na vida de q uem no comete crimes? R: As comunidades se veem assoladas pela criminalidade. Os tiroteios acabam atingindo outras pessoas que no tem relao com os fatos, alm disso, muitas vezes h a cobrana de pedgio e toque de recolher.31

    O problema enfrentado pelas testemunhas ainda pode ser mostrado pela

    escuta telefnica divulgada pelo site ClicRbs32, onde h uma conversa entre dois

    31 Entrevista concedida pela Promotora de Justia no dia 05/05/2014, no Ministrio Pblico do

    Estado em Porto Alegre. 32 MARTINS, Cid; PULITA, Guilherme; FARINA, Jocimar. Quadrilha desarticulada na Capital

    intimidava testemunhas e agia com violncia durante roubos. Gacha , Caso de Polcia, 22 out. 2013. Disponvel em:

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    criminosos onde o interlocutor diz para a outra pessoa na ligao que a mesma no

    tem que se preocupar, pois no existem cmeras no local onde foi cometido o

    homicdio, bem como que trs mulheres teriam visto o fato, sendo que j haviam

    falado com elas para que nada mais dissessem. Depois, ainda riem do pavor da

    vtima momentos antes de ser assassinada:

    1: Oh, meu, vamo l comer uma coisa pra ti ver como que , meu. (...) 2: t sereno, meu. No tem cmera, meu. Eu que conheo essas coisas, meu, no tem por que se preocupar, t sereno (...) As trs gurias te deram. 1: T ento eu vou te falar quem me deu foi a Tamires, a Suele e a Taiane. T ento , os guri (inaudvel) ligaram pras duas, que no vo falar mais. Agora s tem que ver com a Tamires, que eu vou mandar o "Neguinho falar com ela ali. O "Neguinho" tava no enterro? 2: No, vai comear agora, s oito horas. Eu no vou ir, vou ir pra que? 1: E os "rombo" na cara, pai? 2: Bah, tava feio o negcio. 1: Eu vi todas as fotos., tava muito feio, eu vi... Eu te falei que eu ia fazer estrago. E tu sabe o que ele falou pra mim? 2: ? 1: "O meu, me ajuda, no me mata...." Ah vai te fud, rapaz. (transcrio com erros de ortografia para manter fielmente o que dito pelos criminosos)

    Depreende-se que as dificuldades enfrentadas pelos entes estatais de

    diferentes atribuies se repetem, com situaes muito semelhantes no caso de

    homicdio com trfico de drogas. Nos crimes passionais, os autores muitas vezes

    no possuem antecedentes e, raramente, ameaam testemunhas ou prejudicam a

    instruo criminal, sendo processos com abundncia de depoimentos e verses,

    com provas que tornam praticamente inequvoca a autoria do fato. O que no ocorre

    nos homicdios ligados ao trfico onde, frequentemente se tem dificuldades at para

    identificar a vtima, sendo muito mais difcil achar algum que saiba algo a respeito

    dos fatos e os relate sem medo de represlias, empobrecendo os inquritos policiais

    e tornando escassas as possibilidades de indiciar, denunciar e, por fim, condenar.

    na-capital-intimidava-testemunhas-e-agia-com-violencia-durante-roubos/?topo=52,1,1,,171,e171>. Acesso em: 22 abr. 2014.

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    CONCLUSO

    A intensidade dos conflitos armados no Brasil se d com tal brutalidade, que

    s possvel defini-los como um estado de guerra. Mais de 50 mil pessoas so

    assassinadas em cada ano, em decorrncia do uso de armas de fogo, facas, ou

    outros meios violentos. Buscando responsabilidades, o escritor Carlos Amorim

    refere:

    Os bandidos de alto bordo, caro leitor, no moram nas favelas. Se fssemos desenhar a pirmide do crime organizado, teramos o seguinte quadro, da menor para a maior importncia: na base, em quinto lugar, estariam as quadrilhas do roubo armado e da distribuio de drogas no varejo; em quarto, as organizaes criminosas que conhecemos, como o CV e o PCC; em terceiro, a interface que negocia com grupos internacionais, na qual desponta o nosso Fernandinho Beira-Mar; em segundo, os produtores de drogas, os cartis e as mfias, os vendedores de armas de guerra; em primeiro, no alto da pirmide, o que ficou conhecido como a face oculta do crime, os financistas e investidores, os operadores da lavagem de dinheiro, gente ligada aos mercados financeiros e de troca de capitais, homens que esto no poder em seus pases, muitos deles usando fardas ou faixas presidenciais.33

    A criminalidade um assunto extremamente presente nas discusses

    atuais. Provavelmente pelo estado de saturao que atinge a todos, pela ausncia

    de pacincia, na mesma proporo da ausncia de medidas que solucionem os

    problemas. E o que mais se v so tentativas de resolver tudo com solues

    fceis, sob argumentos completamente superficiais e infundados.

    H quem considere que a legalizao das drogas seria a soluo para o

    fenmeno do trfico de entorpecentes, mas ignora as consequncias

    avassaladoras que podem ser ocasionadas em decorrncia da fragilidade do

    sistema de sade pblica, tentando resolver um problema causando um novo

    problema. Nada referente legalizao ou no de entorpecentes deve ser

    considerado de forma imediata, sem o devido estudo e planejamento que tal

    medida requer. Muito j se meteu os ps pelas mos nesse pas.

    O que, unanimemente, devemos questionar a impunidade assustadora que

    rege os homicdios ocorridos no Brasil. O objeto desse estudo no qualquer

    33 Ibid., p. 434.

  • 27

    crime. Estamos falando do pior crime possvel, da violao do direito mais

    essencial de todos os seres humanos. A banalizao da vida , sem dvida, a

    questo mais preocupante abordada nesse trabalho. Interrompem-se, diariamente,

    centenas de vidas de jovens que entram no crime, e, ainda pior, interrompem-se

    vidas de jovens que apenas so vizinhos de pessoas que entraram no crime e

    morrem por simplesmente morarem em um local onde a criminalidade

    deflagrada. A injustia sempre lamentvel.

    O ponto positivo deste estudo foi vislumbrar a evoluo da polcia e dos

    demais rgos de Segurana Pblica no combate ao crime, visando impedir a

    lavagem do dinheiro sujo gerado pelo trfico de drogas. Parece lgico que a

    soluo mais inteligente seja retirar os (imensos) lucros obtidos pelos traficantes,

    apesar de ser, tal medida, algo que somente gere frutos em longo prazo. Em curto

    prazo, difcil vislumbrar a possibilidade de se tomar uma medida to enrgica que

    efetivamente melhore a situao da criminalidade relacionada s drogas.

  • 28

    REFERNCIAS

    ATHAYDE, Celso; BILL, MV. Falco Meninos do Trfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. _________; SOARES, Eduardo. Cabea de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. AVENA, Norberto Cludio Pncaro. Processo Penal: esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; So Paulo: Mtodo, 2014. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 12. ed. So Paulo: Saraiva, 2012. GOMES, Luiz Flvio; MARQUES, Ivan Lus. Priso e Medidas Cautelares: comentrios Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. 3. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. HUNGRIA, Nelson. Comentrios ao Cdigo Penal volume 5. Rio de Janeiro: Forense, 1967. MARTINS, Cid; PULITA, Guilherme; FARINA, Jocimar. Quadrilha desarticulada na Capital intimidava testemunhas e agia com violncia durante roubos. Gacha , Caso de Polcia, 22 out. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 22 abr. 2014. MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado: parte especial volume 2. So Paulo: Mtodo, 2014. NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo Penal Comentado. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 84.658/PE, Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Disponvel em: . Acesso em: 25 abr. 2014. PIERANGELI. Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Especial. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. PORTO ALEGRE. Denncia Oferecida por Lcia Helena de Lima Callega ri. 3 Promotora de Justia do Tribunal do Jri de Porto Alegre no Processo distribudo sob n 001/ 2.13.0063376-8. RIO GRANDE DO SUL. Acompanhamento dos Indicadores de Eficincia das Instituies Vinculadas. Diviso de Estatstica Criminal. Indicadores de Eficincia

  • 29

    da Brigada Militar 2007 . Disponvel em: . Acesso em: 13 maio 2014. ________. Estudo Tcnico sobre Homicdios Formulado pela Secr etaria de Segurana Pblica do Rio Grande do Sul, com Dados d e Janeiro a Dezembro de 2011 no Rio Grande do Sul . Disponvel em: . Acesso em: 22 abr. 2014. ________. Programa de Proteo e Assistncia a Testemunhas Am eaadas de Morte (Protege). Disponvel em: . Acesso em: 06 maio 2014. SO PAULO. HC 90.398/SP, relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Disponvel em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=482030>. Acesso em: 25 abr. 2014. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. RHC: 39238 MG 2013/0224866-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 08/04/2014, T5 quinta turma, Data de Publicao: DJe 15/04/2014. STURM, Heloisa; COSTA, Jos Luis. Levantamento de ZH mostra que 70% dos casos de homicdio cometidos em janeiro no chegaram aos tribunais. Zero Hora , 26 out. 2013. Disponvel em: . Acesso em 13 abr. 2014. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC: 118949 PR, Relatora: Ministra ROSA WEBER, Data de Julgamento: 08/11/2013, Data de Publicao: DJe-231 divulgado em 22/11/2013, publicado em 25/11/2013. TONETTO, Mauricio. Presdio Central recolhe seis celulares a cada dia dentro das celas. Zero Hora , 15 jan 2014. Disponvel em: < http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/01/presidio-central-recolhe-seis-celulares-a-cada-dia-dentro-das-celas-4390173.html>. Acesso em 13 abr. 2014. TORRES, Eduardo. A Histria do Tiro que Derrubou um Imprio em Porto Alegre. Dirio Gacho, 29 ago. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2014. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violncia 2013. Mortes Matadas por Armas de Fogo. Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2014.

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    ANEXO A Cronologia do Crime na Conceio