Surtos de Febre Amarela no Estado de São Paulo, 2000 a 2010

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LEILA DEL CASTILLO SAAD Surtos de Febre Amarela no Estado de São Paulo, 2000 a 2010 Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. São Paulo 2015

Transcript of Surtos de Febre Amarela no Estado de São Paulo, 2000 a 2010

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    LEILA DEL CASTILLO SAAD

    Surtos de Febre Amarela no Estado de So Paulo, 2000

    a 2010

    Dissertao apresentada ao Curso de

    Ps-graduao da Faculdade de

    Cincias Mdicas da Santa Casa de

    So Paulo para obteno do ttulo de

    Mestre em Sade Coletiva.

    So Paulo

    2015

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    LEILA DEL CASTILLO SAAD

    Surtos de Febre Amarela no Estado de So Paulo, 2000 a

    2010

    Dissertao apresentada ao Curso de

    Ps-graduao da Faculdade de

    Cincias Mdicas da Santa Casa de

    So Paulo para obteno do ttulo de

    Mestre em Sade Coletiva.

    rea de concentrao: Programas e

    servios no mbito da poltica de sade

    Orientadora: Prof. Dr. Rita Barradas

    Barata

    So Paulo

    2015

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    FICHA CATALOGRFICA

    Preparada pela Biblioteca Central da Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo

    Saad, Leila del Castillo Surtos de febre amarela ano estado de So Paulo, 2000 a 2010./ Leila del Castillo Saad. So Paulo, 2015.

    Dissertao de Mestrado. Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo Curso de Ps-Graduao em Sade Coletiva.

    rea de Concentrao: Programas e Servios no mbito da Poltica de Sade

    Orientadora: Rita de Cssia Barradas Barata 1. Febre amarela 2. Epidemiologia 3. Zoonoses 4. Surto de

    doenas/veterinria 5. Epidemias 6. Vigilncia epidemiolgica BC-FCMSCSP/40-15

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    Agradecimentos

    Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo e a Irmandade da Santa

    Casa de Misericrdia de So Paulo.

    minha orientadora, Prof. Dra. Rita Barradas Barata, por me ensinar, orientar,

    estimular a aprender e principalmente por servir de exemplo e inspirao.

    Ao Centro de Vigilncia Epidemiolgica Prof. Alexandre Vranjac da Coordenadoria

    de Controle de Doenas / Secretaria de Estado de Sade de So Paulo, em especial aos

    tcnicos da Diviso de Doenas Transmitidas por Vetores e Zoonoses, pela oportunidade de

    realizao deste projeto.

    Aos meus colegas e principalmente amigos, Jadher, Stiro e Renata, da stima turma do

    Episus-SP pela amizade e parceria, sem vocs eu no teria conseguido.

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    Saad. LDC. Surtos de Febre Amarela no Estado de So Paulo, 2000-2010. [dissertao].

    So Paulo: Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo; 2015.

    Resumo

    Introduo: A partir do ano 2000, a febre amarela, que tinha sua circulao restrita s regies

    Norte e Centro-Oeste, passou a ser detectada fora da rea considerada endmica do pas. Foi

    possvel observar uma expanso da circulao do vrus, no sentido leste-sul, e sua presena

    foi detectada em reas silenciosas h dcadas. O estado de So Paulo, que havia registrado o

    ltimo caso de febre amarela silvestre em 1953, detectou em 2000, dois casos autctones da

    doena. Desde ento, o vrus foi isolado em vetores, macacos e humanos. A doena continuou

    a expandir sua rea de abrangncia, sendo registrada em reas onde a vacinao no era

    recomendada, evidenciando a reintroduo do vrus no estado. Objetivos: Descrever e

    caracterizar segundo tempo, lugar e pessoa, os surtos de febre amarela no estado de So

    Paulo, de 2000 a 2010, bem como caracterizar os municpios com comprovada circulao

    viral, segundo variveis demogrficas, socioeconmicas e ecolgicas, a fim de analisar a

    tendncia da expanso da circulao do vrus, assim como determinar fatores que propiciam o

    surgimento de casos humanos em reas consideradas indenes. Mtodos: Para descrever os

    surtos de febre amarela, foram utilizados dados das investigaes realizadas pela Diviso de

    Zoonoses e Imunizao do Centro de Vigilncia Epidemiolgica Professor Alexandre

    Vranjac, da Secretaria de Estado da Sade, So Paulo, SP (CVE/SES-SP). Os dados foram

    analisados utilizando-se o Microsoft Office Excel e o pacote estatstico Epi Info verso

    3.5.3. Para comparar os municpios, foram selecionados trs grupos de comparao:

    municpios com circulao viral, municpios adjacentes aos com circulao viral e municpios

    do GVE de Bauru. Para cada municpio dos grupos de estudo foi construda uma srie

    histrica das variveis analisadas, antes e aps a circulao do vrus. Os resultados foram

    analisados utilizando o programa STATA 13.2 Resultados: Ocorreram trs surtos de febre

    amarela autctone no estado com 32 casos e letalidade de 46,8%. Apenas duas variveis das

    estudadas foram estatisticamente significantes diferenciando os trs grupos de comparao.

    Nos trs surtos registrados no estado, de 2000 a 2010, a maioria dos casos era do sexo

    masculino, com mediana de idade de 32 anos. Todos os casos eram no vacinados e tiveram

    como local provvel de infeco a zona rural, sendo resultado da exposio ao ciclo silvestre

    da doena. Ao comparar os municpios, no foi possvel, com o estudo proposto, identificar

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    fatores que indicassem o porque da circulao do vrus em uma regio e no em outra, a no

    ser a cobertura vacinal, a taxa de evapotranspirao e a direo dos ventos.Concluso: De

    2000 a 2010 foram registrados trs surtos de febre amarela no estado de So Paulo, com trinta

    e dois casos. A quase totalidade dos casos confirmados ocorreram em indivduos no

    vacinados e nenhum caso foi observado em indivduo comprovadamente vacinado. As

    condies scio demogrficas e ecolgicas no parecem ser suficientemente diferentes entre

    os municpios com e sem circulao viral, para ter utilidade no monitoramento da

    reintroduo da transmisso da febre amarela no estado de So Paulo. Apenas as taxas de

    cobertura vacinal demonstraram ser importantes na probabilidade de ocorrncia de casos

    espordicos ou surtos com circulao viral mais importante. Embora casos de reao adversa

    possam ser associados a vacina, esta ainda se mostra como a melhor forma de prevenir a

    doena e a circulao viral.

    Descritores: Febre Amarela, epidemiologia, Surtos de febre amarela, Zoonoses, Epizootias,

    Vigilncia Epidemiolgica.

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    Saad. LDC. Surtos de Febre Amarela no Estado de So Paulo, 2000-2010. [dissertao].

    So Paulo: Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo; 2015.

    Abstract

    Introduction: Since 2000, yellow fever, which had a limited circulation to the North and

    Midwest, came to be detected outside the endemic area in the country. It was possible to

    observe a virus circulation expansion in the east-south direction, and its presence was detected

    in areas that have been silent for decades. The State of So Paulo, where the last case of

    yellow fever was detected in 1953, identified, in 2000, two autochthonous cases of the

    disease. Since then, the virus was isolated in vectors, monkeys and humans. The disease

    continued to expand its circulation area, being recorded in areas where vaccination was not

    recommended, showing the reintroduction of the virus in the state. Objectives: To describe

    and characterize the yellow fever outbreaks in the State of So Paulo, from 2000 to 2010, and

    to characterize the municipalities with proven viral circulation, according to demographic,

    socio-economic and ecological variables in order to analyze the trend of virus circulation, as

    well as determining factors that favor the emergence of human cases in areas considered

    harmless. Methods: To describe the yellow fever outbreaks, the research data were performed

    by Division of Zoonoses and Immunization of the Epidemiological Surveillance Center

    "Professor Alexandre Vranjac," the State Department of Health, So Paulo, SP (DVZOO /

    CVE / SES SP). Data were analyzed using Microsoft Office Excel and the statistical package

    EpiInfo version 3.5.3. To compare cities, we selected three comparison groups:

    municipalities with viral circulation, adjacent municipalities without viral circulation and

    municipalities of Baurus GVE. For each municipality of the study groups, was built a time

    series of variables before and after the circulation of the virus. The results were analyzed

    using the program STATA 13.2. Results: There were three indigenous yellow fever outbreaks

    in the state with 32 cases and fatality of 46.8%. Only two variables studied were statistically

    significant, differentiating the three comparison groups. In the three outbreaks registered in

    the State, from 2000 to 2010, most of the cases were male, with a median age of 32 years. All

    cases were not vaccinated and have been exposed in rural area to the wild cycle of the disease.

    Comparing the cities, it was not possible to identify factors that would indicate why the virus

    circulation occurred in a region and not in another. Conclusion: From 2000 to 2010 were

    recorded three outbreaks of yellow fever in the State of So Paulo, with thirty-two cases.

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    Almost all confirmed cases occurred in unvaccinated individuals and no cases were observed

    in individual proven vaccinated. Socio demographic and ecological conditions do not appear

    to be sufficiently different between municipalities with and without virus circulation, to be

    useful in monitoring the reintroduction of yellow fever transmission in the state of So Paulo.

    Only vaccination coverage rates were important in the probability of occurrence of sporadic

    cases or outbreaks more important viral circulation. Although adverse reaction cases can be

    associated with the vaccine, this still shows how the best way to prevent disease and viral

    circulation.

    Descriptors: Yellow Fever, epidemiology, outbreaks of yellow fever, Zoonoses, Epizooties,

    Epidemiological Surveillance.

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    SUMRIO

    1. Introduo ......................................................................................................................11

    1.1 A febre amarela no mundo.........................................................................11

    1.2 A febre amarela no Brasil...........................................................................15

    1.3 Histria no Brasil e no estado de So Paulo...............................................17

    1.4 Sistema de Vigilncia da febre amarela ....................................................19

    1.5 Vacina ........................................................................................................24

    1.6 Eventos adversos relacionados a vacina.....................................................35

    1.7 Surtos recentes no Brasil e estado de So Paulo........................................29

    2. Justificativa ..................................................................................................................31

    3. Objetivo .......................................................................................................................32

    3.1 Geral .....................................................................................................32

    3.2 Especfico .............................................................................................32

    4. Material e mtodos ......................................................................................................33

    4.1 Tipo de estudo ...........................................................................................33

    4.2 Local do estudo .........................................................................................33

    4.3 Caracterizao dos surtos ..........................................................................33

    4.4 Grupos de Estudo ......................................................................................34

    4.5Caractersticas socioeconmicas e demogrficas dos

    municpios........................................................................................................36

    4.6 Caractersticas ecolgicas dos municpios.................................................36

    4.7Aspectos ticos............................................................................................40

    5. Resultados.....................................................................................................................41

    5.1 Artigo 1. Surtos de febre amarela no estado de So Paulo, 2000 a

    2010.................................................................................................................42

    5.2 Artigo 2: Comparao de variveis sociais, demogrficas e ecolgicas de

    municpios com e sem circulao de Febra Amarela no Estado de So Paulo,

    2000 a 2010 ...................................................................................................59

    6. Concluso..................................................................................................................85

    Referncias....................................................................................................................87

  • 10

    Anexo1.............................................................................................................................90

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1. Pases com risco de transmisso da febre amarela...................................................15

    Figura 2. Ciclos de transmisso da febre amarela...................................................................16

    Figura 3. Fluxograma da vigilncia de febre amarela no estado de So Paulo.......................20

    Figura 4. Expanso das reas de Recomendao da Vacina da febre amarela no Brasil.....22

    Figura 5. reas de Recomendao da Vacina da febre amarela no Brasil........................23

    Figura 6. Expanso das reas de Recomendao da Vacina da febre amarela no estado de So

    Paulo..........................................................................................................................................30

    Figura 7. Municpios escolhidos para compor o grupo de estudo........................................35

    Figura 8.Metodologia de classificao de angulao do vento...........................................37

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1.Eventos adversos ps-vacinao contra febre amarela............................................28

    Quadro2.Critrios para classificao do vento, segundo ngulo.............................................38

  • 11

    1. INTRODUO

    A febre amarela (FA) uma doena infecciosa aguda, febril e hemorrgica no

    contagiosa que desde o sculo XVII responsvel por dizimar populaes na Amrica

    do Sul e frica. Segundo estimativas da Organizao Mundial da Sade (OMS),

    acomete aproximadamente 200.000 pessoas no mundo por ano e causa em torno de

    30.000 mortes, mantendo-se endmica nestes dois continentes, causando surtos ou

    epidemias de impacto em sade pblica (MONATHI, 2001; REITER, 2010; OMS,

    2008).

    Embora seja uma doena imunoprevenvel, possuindo sua vacina alta eficcia, a

    febre amarela ainda ocorre em regies de 33 pases da frica (23 destes com alto risco

    de epidemia) e na Amrica do Sul (PAHO, 2002; PAHO, 2004; TAIUL, 2005).

    Apesar das macias campanhas de vacinao (desde 1940) nestes dois

    continentes, o cenrio epidemiolgico que vem se apresentando nos ltimos 20 anos

    indica que a doena vem ressurgindo e se espalhando por locais no mundo, de onde

    havia desaparecido. (MASCHERETTI, 2013; BRIAND, et. al., 2009; JOHANSSON, et.

    al., 2012).

    Compreender as diferentes manifestaes espaciais da febre amarela inclui ter

    conhecimento das caractersticas do vrus, dos reservatrios, dos vetores, do hospedeiro

    e do meio ambiente, no podendo ser descartada a importncia da ao humana na

    produo e na dinmica da disperso complexa da doena (SIMPSON, 1996;

    MONATH, 2006).

    O vrus da febre amarela o prottipo da famlia Flaviviridae, famlia de outros

    vrus responsveis por causar doenas no homem, de impacto em sade pblica, como o

    vrus da Dengue, Vrus do Nilo Ocidental, Rocio e a Encefalite de Saint Louis

    (BRIANT, HOLMES, BARRETT, 2007; VASCONCELOS, 2003, 2010; MONATH,

    1996). A famlia Flaviviridae atualmente contm cerca de 70 vrus, a maior parte deles

    transmitidos por artrpodes (VASCONCELOS, 2003; REITER, 2010).

  • 12

    Seu genoma constitudo de RNA de fita simples no segmentado, de polaridade

    positiva e com aproximadamente 11 kb de comprimento. O genoma completo possui

    10.862 nucleotdeos que codificam 3.411 aminocidos (RICE et. al 1985;

    VASCONCELOS 2003; WANG et. al 1996; CHAMBERS et. al 1990; ZANOTTO et.

    al 1996).

    O vrion mede cerca de 25-40nm de dimetro e envolvido pelo envoltrio

    bilaminar de natureza lipoprotica, conhecido como envelope e que originrio da

    clula hospedeira (VASCONCELOS 2003). A partcula ntegra mede cerca de 40-

    50nm (CHAMBERS et al 1990; RICE et al 1985). A regio ORF do RNA viral

    expressa a sntese de trs protenas estruturais (prM, E e C) e sete no estruturais (NS1,

    NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5) (VASCONCELOS 2003). As protenas

    estruturais codificam a formao da estrutura bsica da partcula viral; a protena prM

    codifica o precursor da protena da membrana (M), a protena E d origem ao envelope,

    enquanto a protena C codifica a formao do capsdeo viral. So a essas protenas que o

    organismo humano responde durante uma infeco, com a produo dos anticorpos

    inibidores da hemaglutinao (IH) contra as glicoprotenas do envelope e neutralizantes

    (N) contra a protena C do capsdeo (ZANOTTO et. al 1996). Por outro lado, as

    protenas no estruturais so responsveis pelas atividades reguladoras e de expresso

    do vrus, incluindo replicao, virulncia e patogenicidade (CHAMBERS et. al 1990;

    VASCONCELOS 2003).

    Embora apenas um sorotipo do vrus amarlico seja reconhecido, estudos de

    epidemiologia molecular revelaram que cepas do vrus da febre amarela isoladas na

    frica e Amrica do Sul so geneticamente distintas e esto associadas a diferentes

    regies geogrficas. Na frica, cinco gentipos foram identificados: Oeste da frica I,

    Oeste da frica II, Leste da frica, Centro e Leste da frica, Angola (CHANG et al.,

    1995; WANG et al., 1996; MUTEBI et al., 2001). Na Amrica do Sul dois gentipos

    foram encontrados: Amrica do Sul I, que compreende cepas recuperadas do Brasil,

    Panam, Colmbia, Equador, Venezuela e Trinidade e Amrica do Sul II, encontrado

    em vrus isolados no Peru (WANG et al., 1996; BRYANT & BARRET, 2003).

    As pequenas alteraes genticas entre as cepas da Amrica e da frica permitem

    caracterizar dois e cinco gentipos, respectivamente, no se sabendo se um mais

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    patognico que o outro (BRIANT, HOLMES, BARRETT, 2007; VASCONCELOS,

    2003, 2010; MONATH, 1996).

    A infeco pelo vrus da febre amarela pode produzir formas clnicas variando

    entre formas leves, com sintomas inespecficos ou at mesmo inaparentes, e formas

    graves caracterizadas por infeco sistmica, com comprometimento e leses em rgos

    alvos (fgado e encfalo). Nas formas graves a letalidade da doena pode chegar a 46%

    (VERONEZI 1996).

    No homem, aps a introduo na circulao pela picada do vetor, o vrus atinge os

    linfonodos regionais em poucas horas e desaparece da circulao nas 24 horas

    seguintes. Nos linfonodos, o vrus amarlico infecta preferencialmente clulas linfoides

    e macrfagos, realizando o ciclo replicativo (VERONEZI 1996). Posteriormente, as

    partculas virais liberadas pelas clulas linfides so levadas pelos vasos linfticos

    corrente sangunea, iniciando o perodo de viremia, e por essa mesma via atinge o

    fgado.

    A leso nos hepatcitos caracterizada principalmente por necrose de coagulao

    hialina, com pouco processo inflamatrio (VERONEZI 1996). Algumas vezes no se

    encontram clulas inflamatrias, especialmente nas reas onde a apoptose mostra-se

    mais evidente (MONATH 2001). O quadro heptico tpico, com corpsculos de

    Councilman-Rocha Lima e necrose mdio-zonal, constitui-se em evento tardio,

    tornando-se evidente nas 24 a 48 h que antecedem o bito. (VASCONCELOS 2003).

    A apresentao clnica varia de acordo com a viremia, esta pode ser de algumas

    horas at dois dias nas formas frustras e leves, e de cinco a sete dias nas formas mais

    graves (VERONEZI 1996). A durao da viremia coincide com o incio do perodo

    prodrmico da enfermidade, quando ocorre principalmente a febre, e constitui a fase em

    que o sangue humano torna-se infectante para os vetores (MONATH 2001;

    VASCONCELOS 2001, VERONEZI 1996).

    O quadro clnico tpico caracterizado por manifestaes de insuficincia

    heptica e renal, tendo em geral apresentao bifsica, com um perodo inicial

    prodrmico (infeco) e um toxmico que surge aps uma aparente remisso e, em

    muitos casos, evolui para bito em aproximadamente uma semana (VERONEZI 1996;

    MONATH 2001, MINISTRIO DA SADE 2005).

  • 14

    O perodo de infeco dura cerca de trs dias, tem incio sbito e sintomas gerais

    como febre, calafrios, cefaleia, lombalgia, mialgias generalizadas, prostrao, nuseas e

    vmitos. Aps os primeiros sintomas, a doena pode ter um perodo de remisso, que

    caracteriza-se pelo restabelecimento da temperatura normal e diminuio dos sintomas,

    provocando uma sensao de melhora no paciente. Dura poucas horas ou no mximo

    um a dois dias (FIGUEIREDO 2006, VERONEZI 1996).

    Aps a aparente melhora do paciente, ocorre o perodo toxmico da doena, onde

    reaparecem a febre, a diarreia e os vmitos com aspecto de borra de caf. nessa fase

    onde ocorre a insuficincia hepato-renal, caracterizada pela ictercia, oligria, anria e

    albuminria, acompanhada de manifestaes hemorrgicas (gengivorragias, epistaxes,

    otorragias, hematmese, melena, hematria, sangramentos em locais de puno venosa)

    e prostrao intensa, alm de comprometimento do sistema nervoso central, com

    obnubilao mental e torpor, evoluindo para o coma e morte. O pulso torna-se mais

    lento, apesar da temperatura elevada. Essa dissociao pulso-temperatura conhecida

    como sinal de Faget, sinal clssico da doena (MONATH 2001; VASCONCELOS

    2003; BARRET & HIGGS 2007; FIGUEIREDO 2006, VERONEZI 1996).

    1.1 A febre amarela no mundo

    A forma silvestre endmica em regies tropicais da frica e das Amricas.

    Casos da enfermidade tem sido reportados entre os paralelos 12N e 12S

    (VASCONCELOS,2003; BRIAND, 2010). Mais de 46 pases localizados nestes dois

    continentes possuem reas de risco de transmisso da doena (VASCONCELOS et. al.,

    1999; BRASIL, 2010).

    no continente africano onde se localizam mais de 90% dos casos notificados

    anualmente a OMS (MONATH, 2001, 2006). Nas Amricas, entre os anos de 1970 e

    2001, foram notificados 4.543 casos de febre amarela, na Amrica do Sul, todos da

    forma silvestre. O Peru, com 2.341 casos (51,5%) e a Bolvia com 912 casos (20,1%)

  • 15

    so os dois pases que mais reportaram casos. O Brasil ocupa o terceiro lugar com 849

    casos (18,7%) notificados no perodo (PAHO, 2002, 2004; CDC 2000; BRASIL, 2010)

    Fonte: OMS, 2008.

    Figura1. Pases com risco de transmisso da febre amarela no mundo, OMS 2008.

    1.2 A febre amarela no Brasil

    So descritos dois padres epidemiolgicos distintos de transmisso da febre

    amarela no Brasil: o padro silvestre ou da mata e o ciclo de transmisso urbana pelo

    Aedes aegypti (SIMPSON, 1996; VASCONCELLOS, 2010).

    O Brasil possui uma extensa rea enzotica para febre amarela silvestre, onde

    anualmente ocorrem casos da doena em indivduos no vacinados que entram em

    contato com o ciclo natural de transmisso da doena (VASCONCELOS, 2003;

    BRASIL, 2010).

    Muitas epidemias so precedidas de epizootias em macacos, fato que

    frequentemente ocorre de maneira despercebida. Assim, a infeco do ser humano no-

    imunizado ocorre de forma acidental, ao entrar em contato com este ciclo natural nas

  • 16

    reas endmicas com circulao viral (VASCONCELLOS, 2010; SARAIVA, et al.,

    2013).

    O ciclo silvestre se caracteriza pelos primatas no humanos (PNH) (macacos)

    atuando como fontes de infeco e hospedeiros habituais e o homem como hospedeiro

    acidental (MONATH, 1988; BRASIL, 2010).

    O ciclo silvestre se mantm entre primatas no humanos e mosquitos silvestres

    principalmente os pertencentes aos gneros Haemagogus e Sabethes (BRASIL; 2014),

    que habitam as copas das rvores. J no ciclo urbano o principal transmissor do vrus

    so os mosquitos do gnero Aedes e o homem atua como nica fonte de infeco para

    estes vetores (TAUIL, 2005).

    Fonte: SVS, 2009.

    Figura 2. Ciclos de transmisso da febre amarela.

    Em intervalos cclicos de cinco a sete anos, a febre amarela silvestre pode

    aparecer em surtos, consequentes a epizootias em macacos. Nestes animais, a doena

    distribui-se periodicamente em intervalos suficientes para o surgimento de novas

    populaes suscetveis (BRASIL, 1999, 2014; VASCONCELOS, 2003).

  • 17

    Embora ainda no se tenha clareza sobre a importncia epidemiolgica, existem

    evidncias de que outros animais, como marsupiais arboreais, possam agir como

    hospedeiros durante ou aps grandes epizootias que esgotem a populao smia

    suscetvel (BRASIL, 2014; VAN ROOSMALEN, 2002).

    No Brasil, a doena atinge mais frequentemente os indivduos do sexo

    masculino, principalmente os maiores de 15 anos, sendo este o grupo de maior

    exposio profissional relacionada penetrao em ambientes silvestres das reas

    endmicas e de transio. Assim, a doena observada com maior frequncia nos meses

    de janeiro a abril, quando se observam elevados ndices pluviomtricos e de densidade

    vetorial, coincidindo com a poca de maior atividade agrcola do pas

    (VASCONCELOS, 2003; BRASIL, 2005).

    1.3 Histrico no Brasil e no estado de So Paulo

    Entre as ltimas dcadas do sculo XIX e os primeiros anos do sculo XX, a

    febre amarela foi o agravo de maior importncia e impacto para a sade pblica do pas

    (LWY, 2006).

    , em 1685, no Recife, de onde provm os primeiros relatos confiveis de uma

    doena que causava febre e o enfermo botava ferrugem pela boca. Nesta poca, houve

    epidemias em Recife e outras cidades do Pernambuco, e a hiptese mais plausvel a de

    que um barco procedente de So Tom, na frica, com escala em So Domingos, nas

    Antilhas, onde grassava a enfermidade, tenha introduzido a doena no Brasil

    (BENCHIMOL, 1999; FRANCO, 1976).

    No ano seguinte foram relatados casos da doena na Bahia. No existem mais

    evidncias de ocorrncia de epidemias no perodo colonial. Em 1849 a doena voltou a

    assolar a Bahia, onde casos foram registrados em diversas regies litorneas,

    transformando-se em enorme preocupao para as autoridades porturias

    (BENCHIMOL, 1999; FRANCO, 1976).

  • 18

    No Brasil, nos anos de 1849 a 1861 a doena se propagou de norte a sul do Pas,

    eclodindo em quase todas as provncias do Imprio. A primeira grande a epidemia a

    atingir o sudeste do pas foi registrada em 1849 no Rio de janeiro (BENCHIMOL, 1999;

    FRANCO, 1976).

    No estado de So Paulo o primeiro relato de surto da doena foi na cidade de

    Santos, provavelmente introduzida pelo porto da cidade. Ento, a partir de 1850, a

    cidade foi constantemente atingida por surtos. Em todos os veres, a cidade sofria com

    a reintroduo da doena trazida pelos tripulantes dos navios recm chegados"

    (TEIXEIRA, 2001; FRANCO, 1976).

    No ano de 1889, uma grande epidemia se instalou na cidade, seguindo em

    direo ao oeste do Estado, alcanando a cidade de Campinas, que sofreu com

    sucessivas epidemias em 1889, 1890, 1892, 1896 e 1897 (RIBEIRO, 1993). A partir dai

    a doena avanou sobre o interior do Estado, sendo registrados surtos em Araraquara

    (1895-1898) e em diversas cidades do oeste paulista (1898-1904) (TEIXEIRA, 2001;

    RIBEIRO, 1993).

    Em janeiro de 1901 Emlio Ribas deu incio em Sorocaba, a primeira campanha

    contra o mosquito transmissor. Tinha como objetivo evitar a volta da doena que havia

    causado uma epidemia de dezembro de 1899 a junho de 1900 (FRANCO, 1976;

    LWY, 2006).

    Em 1942 foi registrado o ltimo caso de febre amarela urbana no Brasil, no

    municpio de Sena Madureira no Acre (MONATH, 1988; LWY, 2006).

    Desde ento a febre amarela silvestre permaneceu endmica na Regio Norte do

    pas, registrando epidemias/epizootias em intervalos cclicos de cinco a sete anos, e,

    esporadicamente na regio centro-oeste e mais raramente na regio Sudeste (BRASIL,

    2005). Porm, desde 1998a doena voltou a ser registrada fora da rea endmica

    (RIBEIRO, 2009; BRASIL, 2009). Foi possvel observar um aumento progressivo da

    rea de circulao do vrus, com expanso da rea de ocorrncia de casos alm da rea

    enzotica, de fronteira, de circulao viral. Assim, regies no tradicionais de

    ocorrncia da doena, confirmaram a ocorrncia de casos, como os estados do Rio

    Grande do Sul, Paran (BRASIL, 2005) e Minas Gerais (FILIPPIS et. al., 2002).

  • 19

    Aps aproximadamente cinquenta anos sem registrar casos autctones da doena

    (em 1953 havia sido relatado o ltimo caso de febre amarela silvestre no Estado), no

    ano 2000 foram detectados dois casos autctones de febre amarela silvestre na regio de

    fronteira com o Mato Grosso do Sul, nos municpios de Santa Albertina e Ouroeste. Em

    2003 foi registrada suspeita de epizootia por febre amarela em Miguelpolis, porm,

    esta no teve seu diagnostico esclarecido, pois quando as carcaas de primatas foram

    encontradas, j estavam em avanado estado de decomposio, impossibilitando o

    diagnstico etiolgico (TEIXEIRA, 2001; BRASIL, 2008; BRASIL, 2009;

    MASCHERETTI, 2013; ROCCO, 2003).

    1.4 Sistema de vigilncia da febre amarela no Brasil e no estado de So Paulo

    At 1999 a vigilncia da febre amarela era baseada exclusivamente na ocorrncia

    de casos humanos. A partir daquele ano, com a observao da ocorrncia de epizootias

    em vrios municpios de Tocantins e Gois e com o subsequente aparecimento da

    doena nas populaes humanas, tais eventos passaram a ser considerados como

    sinalizadores de um potencial risco (evento sentinela) de febre amarela silvestre

    (BRASIL, 2005).

    Com o intuito de ampliar a eficincia da vigilncia dos casos de febre amarela

    bem como das epizootias, foi implantado o sistema de notificao e investigao das

    epizootias de primatas no humanos, visando deteco precoce da circulao do vrus

    e possibilitando uma eficiente resposta dos rgos de sade pblica (BRASIL, 2014;

    BRASIL, 2005).

    Este sistema tem se mostrado eficiente, detectando a circulao do vrus

    amarilico antes mesmo da ocorrncia de casos humanos. Todos os anos so notificadas

    epizootias (notificadas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Sade),

    possibilitando assim adoo de medidas que vem evitando a ocorrncia de surtos da

    doena na populao humana (BRASIL, 2008; BRASIL, 2014).

  • 20

    Figura 3. Fluxograma da vigilncia de febre amarela no estado de So Paulo, 2014.

    *Quando a cobertura vacinal da populao do municpio for menor do que 100%

    (1 Instituto Adolfo Lutz (IAL); 2 Diviso de Zoonoses / Centro de Vigilncia

    Epidemiolgica Prof. Alexandre Vranjac(CVE), Vigilncia Epidemiolgica Macro-

    regional e Municipal; 3 Superintendncia de Controle de Endemias SUCEN; 4

    Diviso de Imunizaes (CVE).)

    Caso de PNH

    suspeito

    Caso humano

    suspeito

    Vigilncia Epidemiolgica Vigilncia laboratorial

    Caso confirmado

    Avaliao Eco-

    epidemiolgica,,

    Inqurito

    Entomolgico

    Definio do Local Provvel de Infeco

    Controle de

    Vetores Urbanos

    Definio dos municpios com

    Recomendao de vacinao contra

    FA ,,,4

    Bloqueio

    Vacinal casa-casa4

    Campanha de

    vacinao4 *

  • 21

    A partir da notificao de um caso suspeito (humano ou em PNH) so ativadas:

    a vigilncia laboratorial para diagnstico laboratorial e confirmao do caso;

    investigao epidemiolgica, para definio de local provvel de infeco e

    comprovao da autoctonia do mesmo (BRASIL, 2011).

    Com a confirmao laboratorial do caso, so desencadeadas: a avaliao

    ecoepidemiolgica e o inqurito entomolgico para caracterizao do potencial

    epidemiolgico dos locais provveis de infeco e delimitao da rea de risco para

    transmisso da febre amarela silvestre (BRASIL, 2011).

    Assim que confirmado um caso (humano ou em primatas no humanos),

    recomendada uma avaliao da cobertura vacinal da rea, alm de bloqueio vacinal,

    casa a casa, em zona rural situada at 30 km do local provvel de infeco. So

    realizadas tambm intensificao da vacinao em zonas urbanas localizadas dentro

    deste raio. A delimitao da rea de recomendao de vacinao pode ser expandida de

    acordo com vulnerabilidade de populaes residentes prximas mesmo que localizadas

    fora deste raio predefinido (BRASIL, 2011).

    A cobertura vacinal das reas com recomendao de vacina amarlica preconizada

    pelo ministrio da sade - Programa Nacional de Imunizao (PNI)- de 100% da

    populao.

    At 2008, eram admitidas trs reas epidemiolgicas de risco da febre amarela:

    rea endmica, rea de transio (tambm conhecida como epizotica ou de

    emergncia) e rea indene (COSTA et al., 2002; BRASIL, 2001; BRASIL, 2005).

    A rea endmica inclua as regies Norte, Centro Oeste e o Estado do Maranho.

    Essa rea correspondia a mais de 2/3 do territrio nacional, onde vivia uma populao

    aproximada de 30 milhes de habitantes (BRASIL, 2008; VASCONCELOS, 2003). Na

    rea endmica estima-se que cerca de 95% da populao j tenha sido vacinada contra a

    febre amarela (VASCONCELOS, 2003). Estimativas similares de cobertura vacinal so

    observadas na rea de transio. J na rea indene, a cobertura vacinal se mantm baixa

    ou praticamente nula (COSTA et. al., 2002; BRASIL, 2014).

    Com o significativo aumento na ocorrncia e circulao do vrus da febre amarela,

    a rea epizotica aumentou, passando a incluir alm da parte ocidental de Minas Gerais,

    So Paulo e Paran, classicamente consideradas reas de risco, as partes ocidentais dos

  • 22

    Estados do Piau e Bahia no Nordeste, Santa Catarina e Rio Grande do Sul na regio Sul

    (BRASIL, 2008; BRASIL 2005).

    Figura 4. Expanso das reas de recomendao da vacina de febre amarela.

    Brasil, 2000 a 2009.

    O carter dinmico da doena vem exigindo anlises peridicas. No final de 2008,

    a ocorrncia da doena em locais onde a vacina no era recomendada fez com que o

    Ministrio da Sade realizasse uma nova avaliao, onde as reas denominadas

    endmicas, de transio e indene foram reclassificadas a partir desde ano em apenas

    duas reas epidemiologicamente distintas: rea com recomendao da vacina (ACRV),

    (com comprovada circulao do vrus) e rea sem recomendao da vacina (ASRV)

    (BRASIL, 2009; BRASIL 2014; MASCHERTI et al., 2013).

    Fonte: SVS, 2009

  • 23

    Fonte : SVS, 2009

    Figura 5. Distribuio das reas com e sem recomendao da vacina de febre amarela.

    Brasil, 2009.

    Ao monitorar intensamente as reas suspeitas o sistema visa a deteco precoce

    dos casos, possibilitando medidas rpidas e eficientes no controle da doena, alm de

    ampliar o alerta de vacinao das populaes sob risco (BRASIL, 2009b; BRASIL;

    2014)

  • 24

    1.5 Vacina

    Os estudos para viabilizao da vacina contra febre amarela s avanaram a partir

    do isolamento do seu agente etiolgico, em 1927, por pesquisadores do Pasteur

    Institute, no Senegal e Rockefeller Comission Laboratory, na Nigria (MONATH,

    2004; LWY, 2006). A proteo atravs da vacina s se tornou possvel a partir de

    1930 e constitui at hoje, o mtodo mais importante para controlar a doena

    (CAMACHO et al., 2004).

    A vacinao contra a febre amarela no continente africano foi iniciada nos anos

    40, com a cepa viral da linhagem francesa. No Brasil, a vacinao foi instituda no

    mesmo perodo, porm, a cepa 17D foi a eleita para utilizao(MONATH, 2004;

    BENCHIMOL, 1999). Durante as dcadas de 1950 e 1960, dvidas sobre a segurana

    da vacina produzida com a cepa francesa surgiram, pois foi detectada alta incidncia de

    doena neurotrpicaps-vacinal em crianas imunizadas com esta variante. A produo

    e uso desta vacina cessaram em 1982 (MONATH, 2004).

    Todas as vacinas contra febre amarela utilizadas atualmente derivam da cepa do

    vrus da febre amarela 17D. Durante a fase inicial de sua produo nos Estados Unidos

    e no Brasil, duas grandes linhagens da cepa foram criadas e utilizadas para a produo

    da vacina (cepas 17D-204 e 17D respectivamente) (BARRETT, 2009; MONATH,

    2004;BENCHIMOL, 2001).

    A Organizao Mundial de Sade recomenda atualmente a utilizao das

    subcepas 17D e 17DD, que possuem pequenas variao nos controles de sequncias dos

    nucleotdeos virais, e nos nveis de passagens em sries,atravs do sistema de lote de

    sementes. Este sistema foi adotado a partir da dcada de 1940, e buscava minimizar

    alteraes indesejadas nas propriedades biolgicas da vacina. Os anticorpos protetores

    induzidos pela vacina so correlacionados com resistncia a infeco, e tm longa

    durao, possivelmente persistindo durante toda a vida (CAMACHO et al, 2004;

    MONATH 2004).

    A vacina 17D passou a ser utilizada na rotina para viajantes e residentes de zonas

    endmicas, assim, mais de 540 milhes de pessoas j receberam doses do

  • 25

    imunobiolgico, que foi considerado durante muitos anos como uma das vacinas mais

    efetivas j produzidas ( MONATH, 2004; BARRETT, 2009).

    Produzida no Brasil desde 1937, primeiramente pelo Instituto Oswaldo Cruz e,

    posteriormente, pelo instituto de Tecnologia em Imunobiolgicos Bio-Manguinhos, a

    vacina de linhagem 17D cultivada em ovos embrionados Specific Pathogen Free de

    galinha, constituda por vrus vivos atenuados, derivados de uma amostra africana do

    vrus selvagem, denominada Asibi (BENCHIMOL, 1994; BRASIL, 2008).

    A vacina 17D efetiva contra todos os gentipos do vrus da febre amarela, sendo

    eficaz nos dois continentes onde a doena endmica. Existem sete fabricantes da

    vacina em todo o mundo, porm, somente trs pases, Brasil, Frana e Senegal

    produzem quantidades suficientes para serem utilizadas no Programa de Imunizao

    Estendido (Expand Program Immunization- EPI), ou em vacinaes de emergncia

    (MONATH, 2008, OMS, 2008).

    1.6 Eventos adversos relacionados a vacina de febre amarela

    Como bem sucedido controle, em vrios pases, de algumas doenas

    transmissveis, principalmente as imunoprevenveis, baseados em exitosos programas

    de vacinao, uma situao delicada surge: a ocorrncia de eventos adversos ps-

    vacinao (EAPV). Complicaes associadas administrao dos imunobiolgicos se

    tornam mais evidentes, j que a percepo do risco de adoecer se torna menor

    (WALDMAN et al., 2011; WHO, 1997).

    No Brasil, o sistema de notificao de eventos adversos ps vacinao foi

    implantado no ano 2000, com o propsito de avaliar sistematicamente os riscos

    advindos da vacinao, e, sendo este sistema passivo, o nmero de notificaes pode

    subestimar a incidncia, principalmente para as formas no graves (BRASIL, 2008;

    WALDMAN et al., 2011).

  • 26

    Embora anteriormente considerada como uma das vacinas de vrus vivo atenuado

    mais segura a 17DD pode induzir efeitos adversos aps sua administrao, classificados

    em leve, moderado ou grave (MONATH, 2008; BRASIL 2008).

    Os sintomas leves, incluem dor local, inflamao, cefaleia de fraca intensidade,

    mialgia, dor lombar e elevao transitria de transaminases, que costumam ocorrer entre

    2 e 11 dias aps a vacinao. A anafilaxia secundria vacina contra febre amarela

    outro aspecto relevante, sendo usualmente atribuda alergia ao ovo ou gelatina

    utilizada em sua produo (CAMACHO ET AL, 2004; BRASIL, 2008).

    So descritos basicamente dois eventos adversos graves relacionados vacina, a

    doena neurotrpica e a doena viscerotrpica. A primeira descrita como a

    neuroinvaso do vrus atenuado, causando um quadro de encefalite grave. J o quadro

    viscerotrpico causa uma infeco sistmica, e tem curso semelhante ao da doena

    silvestre na sua forma grave, com taxas de 60% de letalidade (BARRET e TEWEN,

    2009; BRASIL, 2008).

    O quadro viscerotrpico vem sendo mais estudado desde 2001, quando relatrios

    publicados indicaram que a vacina pode causar uma doena multissistmica grave

    (YEL- AVD), muitas vezes fatal, que se assemelha doena que a vacina deveria

    impedir (STEPHEN; 2014; MARTINS, 2014; ENGEL et al, 2014).

    O sequenciamento gentico dos vrus recuperados de pessoas com YEL-AVD

    idntico ao das cepas vacinais correspondentes. Isso sugere que a YEL-AVD parece

    estar mais relacionada s condies do hospedeiro, que no capaz de controlar a

    replicao do vrus vacinal, do que s mutaes do vrus vacinal (HAYES, 2010).

    Grupos de risco potenciais para YEL- AVD incluem homens idosos, mulheres

    entre as idades de 19 e 34 anos, pessoas com uma variedade de doenas autoimunes,

    indivduos que foram timectomizados por causa de timoma, lactentes e crianas 11

    anos (BRASIL, 2008; HAYES, 2010).

    Cerca de 77% (49/64) dos casos conhecidos e 76% (32/42) das mortes so

    observados nos grupos de risco conhecidos. A taxa de letalidade global de 66%

    (42/64) com uma taxa de 80% (12/15) em mulheres jovens, em contraste com 50%

  • 27

    (13/26) em homens 56 anos de idade (STEPHEN; 2014; MARTINS; 2014; HAYES,

    2010).

    De acordo com os dados do sistema de notificaes de eventos adversos houve

    1.994 efeitos adversos vacina contra febre amarela reportados no perodo de 2000-

    2008, quando 101.564.083 doses da 17DD foram aplicadas (BRASIL, 2008). Os

    eventos adversos vacina ocorrem com maior frequncia aps a administrao da

    primeira dose. Houve 0,023 casos de choque anafiltico, 9 casos de hipersensibilidade e

    0,84 episdios de YEL-AND a cada 1.000.000 de doses aplicadas. Foram identificados

    26 casos de doena viscerotrpica (BRASIL 2008; OLIVEIRA et al, 2013).

    Em campanhas de imunizao em massa, a frequncia de notificaes de eventos

    adversos ps vacinao, associadas vacina contra febre amarela, tem sido maior do

    que na rotina, particularmente em reas onde a vacina no era aplicada anteriormente.

    Inmeros relatos ao Programa Nacional de Imunizao e ao produtor da vacina contra

    febre amarela tm revelado que eventos adversos podem ser decorrentes de problemas

    tcnicos e vacinao de indivduos com contra indicao para a vacina, que podem

    expor os vacinados a um risco maior de eventos adversos (BRASIL, 2008).

  • 28

    Evento adverso

    ps vacinao

    (EAPV)

    Descrio

    Tempo entra a

    vacinao e o

    EAPV

    Frequncia Conduta Observao

    Manifestaes

    locais

    Dor, eritema e

    endurao por 1

    a 2 dias

    1-2 dias ~4%

    Notificar

    abscessos, leses

    extensas ou com

    limitao de

    movimentos e

    casos no graves

    nocontraindica

    revacinao

    Manifestaes

    gerais

    Febre, mialgia e

    cefalia.

    Sintomas leves

    por 1-2 dias

    A partir do 3

    dia

  • 29

    1.7 Surtos recentes no Brasil e estado de So Paulo

    A partir 1998 a doena voltou a eclodir pelo pas. Foram detectados focos da

    doena em reas at ento consideradas indenes e a ocorrncia de surtos nos estados do

    Par, Tocantins e no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Gois, em 2000.

    Desde ento, h relatos de transmisso nos estados do Acre, Amazonas, Bahia, Gois,

    Minas Gerais, Mato Grosso, Par, Tocantins e no Distrito Federal (RIBEIRO, 2009;

    BRASIL, 2009).

    A ocorrncia da febre amarela silvestre se expande entre 2008 e 2009 a vrios

    estados e reas do pas consideradas indenes, alarmando os rgos de sade. Essa

    situao passou a ser caracterizada como uma emergncia de sade pblica nacional

    (ESPIN), baseado no Regulamento Sanitrio Internacional 2005 (RSI-2005) (BRASIL,

    2009b).

    Na mesma poca em que ocorriam epizootias em So Paulo, estes eventos

    tambm estavam ocorrendo no Rio Grande do Sul. Embora o alerta inicial para uma

    possvel reemergncia da febre amarela tenha sido dado em outubro de 2008, quando

    foram comunicadas e diagnosticadas as primeiras epizootias, casos humanos s

    aconteceram em dezembro de 2008, se estendendo at a semana epidemiolgica 16 (25

    de Abril), sendo os ltimos casos registrados nas reas agora consideradas de transio

    em So Paulo e Rio Grande do Sul (BRASIL 2008b; BRASIL 2009a).

    Ainda haveria mais casos confirmados, porm em regies consideradas

    endmicas, em Minas Gerais e Mato Grosso, nas semanas epidemiolgicas 21(18 a

    24/05/2008), 34(17 a 23/08/2008) e 37 (07 a 13/09/2008) respectivamente (BRASIL

    2008a; BRASIL2009a,b; RIBEIRO, 2009).

    Os casos humanos autctones de febre amarela silvestre em territrio paulista

    ocorreram preponderantemente at os primeiros anos da dcada de 1950. Aps um

    longo perodo sem registro de casos no estado, dois casos autctones ocorreram no ano

    de 2000, tendo os municpios de Santa Albertina e Ouroeste, localizados na regio de

    Jales (Noroeste do estado), como locais provveis de infeco (BRASIL, 2009b;

    ROCCO et al., 2003; MORENO et al., 2009).

  • 30

    Nas regies noroeste e sudoeste do estado de So Paulo, a vacinao contra a

    febre amarela era recomendada na rotina desde 1986, j que a regio faz fronteira com

    outros estados de comprovada circulao viral. Entretanto, a febre amarela silvestre

    expandiu seu territrio progressivamente; podendo-se observar um aumento gradual de

    casos prximos das fronteiras tradicionais da zona endmica (BRASIL, 2014; ROCCO,

    2003; COIMBRA T.L. 2003; MORENO E.S, 2008; MASCHERETI, 2013).

    Em 2003 foi implantada a vigilncia passiva de bitos de primatas no humanos

    no estado, em parceria com os Centros de Controle de Zoonoses municipais, Secretarias

    Municipais de Sade, Superintendncia de Controle de Endemias (SUCEN), policia

    ambiental e faculdades de medicina veterinria. Entre 2004 e 2007, no foi registrada a

    ocorrncia de morte de primatas no humanos em So Paulo (BRASIL, 2014;

    MORENO et al., 2009).

    Fonte: Secretaria de Estado da Sade de So Paulo. Centro de Vigilncia

    Epidemiolgica Professor Alexandre Vranjac Diviso de doenas transmitidas por

    artrpodes e zoonoses/Imunizao, 2009.

    Figura 6. Expanso da rea de recomendao de vacina de febre amarela no estado de

    So Paulo. So Paulo, 2010.

  • 31

    2. JUSTIFICATIVA

    Aps aproximadamente meio sculo de silncio epidemiolgico, o Estado de So

    Paulo voltou a detectar casos autctones da enfermidade. Apesar dos esforos para

    vacinar as populaes em reas consideradas de risco no estado, o vrus continuou a

    ampliar sua rea de circulao. Assim, as reas consideradas de risco, e

    consequentemente com recomendao da vacina, foram ampliadas na medida em que

    uma nova localidade era detectada com a presena do vrus da febre amarela. Nesta

    perspectiva, casos graves de reao vacina, (que j fora considerada como uma das

    vacinas mais seguras de vrus vivo atenuado j formulada) (MONATH, 2008), surgiram,

    colocando em pauta a discusso do risco de adoecer por febre amarela X riscos

    atribudos vacinao.

    Tendo em vista a clara expanso da circulao do vrus da febre amarela no estado

    de So Paulo este estudo pretende descrever o comportamento da doena desde a sua

    reintroduo no estado, no ano 2000, assim como discutir formas de monitoramento da

    disseminao de infeco que permitam ao Sistema de Vigilncia Epidemiolgica uma

    atuao mais oportuna, sem necessariamente ampliar a rea recomendada de vacinao

    no estado.

  • 32

    3. OBJETIVOS

    3.1 Geral

    Estudar as condies que possibilitaram a ocorrncia de novos surtos de febre

    amarela silvestre no estado de So Paulo no perodo de 2000 a 2010.

    3.2 Especfico

    Descrever e caracterizar os surtos humanos de febre amarela no estado de So

    Paulo no perodo de 2000 a 2010.

    Analisar a tendncia das variveis socioeconmicas e demogrficas de interesse

    para a ocorrncia de febre amarela nos municpios com circulao viral comprovada.

    Analisar a tendncia das variveis ecolgicas relacionadas ao risco de circulao

    viral.

    Comparar as tendncias observadas para as variveis socioeconmicas,

    demogrficas e ecolgicas entre municpios com e sem circulao viral.

  • 33

    4. MATERIAL E MTODOS

    4.1 Tipo de estudo

    Estudo descritivo utilizando dados secundrios.

    4.2 Local do estudo

    O estado de So Paulo possui 645 municpios distribudos em uma rea territorial

    de 248.209,3 km, o que representa 2,91% do territrio brasileiro. Detm a maior

    populao do pas, estimada em 44.035.304 habitantes (2014), dos quais 95,94% vivem

    em reas urbanas. A densidade demogrfica de 166,23 habitantes por km (IBGE

    2014).

    4.3 Caracterizao dos surtos

    Fonte de Dados: As informaes para o estudo foram obtidas por meio dos dados

    existentes referentes s investigaes epidemiolgicas dos casos e epizootias

    confirmados de febre amarela no estado de So Paulo, que esto disponveis na Diviso

    de Zoonoses e Imunizao do Centro de Vigilncia Epidemiolgica Prof. Alexandre

    Vranjac, dados do Programa Nacional de Controle de Febre Amarela do Ministrio da

    Sade, dados de Vigilncia Entomolgica da Superintendncia de Controle de

    Endemias do Estado de So Paulo (SUCEN).

    Os surtos foram descritos conforme ano de ocorrncia, nmero de casos

    autctones, letalidade, distribuio dos casos por sexo, faixa etria, condies da

    exposio ao vrus, critrio de confirmao diagnstica, local provvel de infeco,

    situao vacinal, hospitalizao, presena de epizootias de primatas no humanos e

    isolamento do vrus em vetores.

  • 34

    4.4 Grupos de estudo

    Para analisar as caractersticas demogrficas, socioeconmicas e ambientais que

    poderiam estar associadas circulao viral foram constitudos trs grupos de

    municpios:

    Grupo 1-Municpios com comprovada circulao viral no Estado de So Paulo

    entre 2000 e 2010:Avar, Bady Bassitt, Buri, Itapetininga, Itatinga, LusAntnio,

    Mendona, Nova Aliana, Ouroeste, Piraju, Santa Albertina, Sarutai, So Carlos,

    Tejup e Urups.

    Grupo 2-Municpios adjacentes aos municpios com comprovada circulao do

    vrus da febre amarela e que no apresentaram evidncia de circulao viral:

    Angatuba, Arandu, Campina do Monte Alegre, Cerqueira Csar, Cravinhos, Fartura,

    Guatapar, Ibir, Irapu, Ita, Jos Bonifcio, Mespolis, Novo Horizonte,

    Paranapanema, Populina, Potirendaba, Sales, Santa Rita do Passa Quatro e Timburi. A

    seleo desses municpios seguiu metodologia adotada por Moreno e Barata (12) em

    estudo anterior.

    Grupo 3-Municpios localizados em rea de recomendao da vacina, porm sem

    circulao do vrus da febra amarela na mesma regio do Estado:Foram

    selecionados para fazer parte deste estudo municpios localizados no Grupo de

    Vigilncia Epidemiolgica (GVE) XV- Bauru, pois esse se encontra entre quatro

    GVES com comprovada circulao viral (Ribeiro Preto e Araraquara em 2008,

    Botucatu e Itapeva em 2009), rea de recomendao de vacina, porm a cobertura

    vacinal nestas reas manteve-se baixa a partir de 2000, e, apesar destas caractersticas, a

    rea no possui registro de circulao do vrus:Arealva, Bocaina, Duartina, Guaiara,

    Getulina, Itapu, Iacanga, Ja, Mineiros do Tiet, Piratininga e Torrinha.

  • 35

    Figura 7. Composio dos trs grupos de estudo

  • 36

    4.5. Caractersticas socioeconmicas e demogrficas dos municpios

    Fonte: Os dados scio demogrficos foram obtidos de fontes oficiais, como o

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e Fundao SEADE.

    Variveis:

    - Populao Masculina Rural economicamente ativa

    - ndice de desenvolvimento humano municipal (idhm)

    - Taxa de urbanizao

    Anlise: anlise de varincia ANOVA oneway segundo os grupos de municpios

    e os anos para as quais as informaes eram disponveis, com a correo de Bonferroni.

    As anlises foram realizadas no programa STATA 13.2

    4.6 Caractersticas ambientais dos municpios

    Escolha das Variveis

    As variveis foram selecionadas a partir dos resultados do estudo realizado por

    Moreno e Barata (2012) adaptadas a este estudo. Foram consideradas apenas as

    variveis que nesse estudo anterior apresentaram significncia estatstica na comparao

    entre municpios com e sem circulao viral: distncia para unidade de conservao,

    direo dos ventos dominantes, proporo de mata ciliar, distncia para rota de trfico

    de animais silvestres e umidade.

    Distncia para Unidade de Conservao:

    Para cada municpio dos grupos de anlise foi calculada, em quilmetros,

    distncia para a Unidade de Conservao da Biodiversidade do estado de So Paulo

    mais prxima. A medio de distancias foi realizada utilizando o software livre

    Terraview.

    Fonte de dados: Instituto Florestal de So Paulo Base de dados georreferenciada do

    estado de So Paulo. Disponvel na internet atravs do site: http://iflorestal.sp.gov.br

    http://iflorestal.sp.gov.br/

  • 37

    Direo dos ventos dominantes:

    Esta caracterizao foi baseada na classificao dos ventos predominantes da

    regio como oriunda ou no de local com registro de circulao do vrus da febre

    amarela. Estes dados foram categorizados em relao a sua direo. Assim, os

    municpios foram classificados em trs nveis de acordo com angulao de seu ponto

    centride em relao aos ventos predominantes oriundos dos trs municpios mais

    prximos com comprovada circulao do vrus da febre amarela. Para cada angulao

    foi atribuda uma pontuao de 0 a 2que foi somada ao final e constituiu o escore final

    para classificao da varivel. A figura ilustra a metodologia de classificao por

    angulao e o quadro 2 apresenta a pontuao:

    Figura 8. Metodologia de classificao de angulao do vento

  • 38

    Angulao Pontuao

    60-120 2

    0-60/121-180 1

    >180 0

    Pontuao Classificao

    1-2

    Pouca

    influncia dos

    ventos

    3-4

    Mdia

    influncia dos

    ventos

    5-6 Alta influncia

    dos ventos

    Quadro 2.Critrios para classificao do vento, segundo ngulo:

    Fonte de dados: Atlas do Potencial Elico Brasileiro produzido pelo Centro de

    Referencia para Energia Solar e Elico Srgio de Salvo Brito (CRESESB) disponvel

    atravs do site:

    http://www.cresesb.cepel.br/index.php?link=/atlas_eolico_brasil/atlas.htm

    Altitude:

    Para cada municpio dos grupos de anlise foi pesquisada, em metros, a altitude

    mxima.

    Fonte de dados: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Disponvel na internet

    atravs do site: http://www.cidades.ibge.gov.br/

    Proporo de mata preservada no municpio:

    Para cada municpio dos grupos de anlise foi calculada, em hectares, a proporo

    de mata preservada no municpio. Foram utilizados os dados dos censos agropecurios

    de 1996 e 2006. Para poder realizar a comparao entre os dois censos, foi necessrio

    padronizar algumas variveis. No ano de 1996 a nica varivel existente era: Mata

    Nativa e Plantada, assim, foi necessrio agrupar no censo de 2006 as seguintes

    variveis: Matas e/ou florestas naturais destinadas preservao permanente ou

    http://www.cresesb.cepel.br/index.php?link=/atlas_eolico_brasil/atlas.htmhttp://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=350450&idtema=16&search=||s%EDntese-das-informa%E7%F5es

  • 39

    reserva legal, Matas e/ou florestas naturais (inclusive rea de preservao permanente

    e as em sistemas agroflorestais) e Florestas plantadas com essncias florestais.

    Fonte de dados: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Censos agropecurios

    1996- 2006.

    Site: http://www.ibge.gov.br

    Distncia para rota de trfico de animais silvestres

    Para cada municpio dos grupos de anlises foi calculada, em quilmetros,

    distncia para as rotas de trfico de animais silvestres do estado de So Paulo. A

    medio de distancias foi realizada utilizando o software livre Terraview.

    Fonte de dados: foram utilizados dados referentes s principais rotas de trafego de

    animais de acordo com dados disponibilizados pela Rede Nacional de Combate ao

    Trfico de Animais Silvestres (RENCTAS).

    Site: http://www.renctas.org.br/

    Umidade

    Foi criado indicador de umidade baseado na precipitao

    pluviomtrica/evapotranspiraoreal (ETR). Foi construda uma srie histrica da mdia

    da evapotranspiraoreal, entre os meses de novembro e maio (perodo de sazonalidade

    da doena) para cada municpio, referente a um perodo de 10 anos anteriores ao

    primeiro registro de circulao do vrus da febre amarela ou incluso do mesmo em rea

    com recomendao de vacinao contra febre amarela. A mdia referente a estes 10anos

    foi dividida pela media de precipitao pluviomtrica.

    Fonte de Dados: Centro Integrado de Informaes Meteorolgicas do estado de So

    Paulo (CIIAGRO-SP).

    Site: http://www.ciiagro.sp.gov.br/sr_agromet.html.

    Anlise estatstica: a comparao entre os grupos foi feita atravs da anlise de

    varincia ANOVA oneway segundo os anos para as quais as informaes eram

    disponveis, com a correo de Bonferroni. As anlises foram realizadas no programa

    STATA 13.2

    http://www.ibge.gov.br/http://www.renctas.org.br/http://www.ciiagro.sp.gov.br/sr_agromet.html

  • 40

    4.7 Aspectos ticos

    O projeto foi analisado e obteve parecer positivo da comisso cientfica da

    Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa de So Paulo, no tendo sido submetido

    ao comit de tica, considerando que sero utilizados apenas dados secundrios e sem

    identificao dos indivduos afetados.

  • 41

    5. RESULTADOS

    Artigo 1 : Surtos de febre amarela do Estado de So Paulo, 2000 a 2010

    Artigo 2: Comparao de variveis sociais, demogrficas e ecolgicas de

    municpios com e sem circulao comprovada de febra amarela no

    estado de So Paulo, 2000 a 2010.

  • 42

    Surtos de febre amarela no Estado de So Paulo, 2000 a 2010

    Leila del CastilloSaad1,2

    e Rita Barradas Barata2

    1 Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos servios do Sistema

    nico de Sade do estado de So Paulo (EPISUS-SP) / Mestrado Profissional em Sade

    Coletiva Faculdade de Cincias Medicas da Santa Casa de So Paulo (FCMSCSP).

    2 Departamento de Medicina Social - Faculdade de Cincias Medicas da Santa

    Casa de So Paulo (FCMSCSP).

    Resumo

    Introduo: Aps aproximadamente cinquenta anos de silncio epidemiolgico o vrus

    da febre amarela foi novamente detectado e reemergiu no estado de So Paulo no ano

    2000. Mtodos: Estudo descritivo dos surtos de casos humanos, epizootias de primatas

    no humanos e isolamento de vrus em vetor de febre amarela no estado de So Paulo

    de 2000 a 2010. Resultados: Foram registrados trs surtos de febre amarela silvestre no

    estado de So Paulo com 32 casos humanos e 15 bitos. Todos os casos ocorreram em

    indivduos no vacinados e que se expuseram a forma silvestre de transmisso da

    doena. Uma epizootia foi confirmada antes da circulao do vrus em humanos na

    Regio de So Jos do Rio Preto e foi possvel isolar o vrus duas vezes em vetores nos

    surtos registrados. Concluses: Ocorreram trs surtos de febre amarela silvestre no

    estado de So Paulo de 2000 a 2010, dois deles em rea de transio e outro em rea

    considerada indene. A vacinao e a manuteno de altas coberturas vacinais ainda

    parecem ser a forma mais eficaz de se prevenir a doena e a circulao viral.

    Descritores: Febre Amarela, epidemiologia, Surtos de Febre Amarela, Zoonoses,

    Epizootias, Vigilncia Epidemiolgica.

    Introduction: After about fifty years of epidemiological silence the yellow fever virus

    was detected again and re-emerged in So Paulo on the year 2000. Methods: A

    descriptive study of human cases, epidemics of non-human primates and isolation of

    yellow fever virus in some vectors in the State of So Paulo from 2000 to 2010.

    Results: We recorded three yellow fever outbreaks in the state of So Paulo with 32

    human cases and 15 deaths. All cases occurred in unvaccinated individuals and that

  • 43

    exposed the wild form of disease transmission. An outbreak was confirmed before the

    circulation of the virus in humans in the region of So Jos do Rio Preto and it was

    possible to isolate the virus twice on the vectors in recorded outbreaks. Conclusions:

    There were three yellow fever outbreaks in the State of So Paulo from 2000 to 2010,

    two of them in the transition area and the other in an area considered harmless.

    Vaccination and maintaining high vaccination coverage still seem to be the most

    effective way to prevent disease and viral circulation.

    Descriptors: Yellow Fever, epidemiology, outbreaks of Yellow Fever, Zoonoses,

    Epizooties, Epidemiological Surveillance

    Introduo

    A Febre Amarela (FA) uma doena infecciosa aguda, febril e hemorrgica no

    contagiosa que desde o sculo XVII responsvel por dizimar populaes na Amrica

    do Sul e frica1,2

    . So descritos dois padres epidemiolgicos distintos de transmisso:

    o padro silvestre ou da mata e o ciclo de transmisso urbana pelo Aedes aegypti2.

    O Brasil possui uma extensa rea enzotica para febre amarela silvestre, onde

    anualmente ocorrem casos da doena em indivduos no vacinados que entram em

    contato com vetores e fontes de infeco do ciclo silvestre da doena3.

    O ciclo silvestre se mantm entre primatas no humanos e mosquitos silvestres,

    principalmente os pertencentes aos gneros Haemagogus e Sabethes que habitam as

    copas das rvores3,4

    . J no ciclo urbano o principal transmissor do vrus so os

    mosquitos do gnero Aedes e o homem atua como nica fonte de infeco para estes

    vetores5.

    Atualmente, estima-se que em intervalos cclicos de trs a sete anos, a febre

    amarela silvestre pode aparecer em surtos, consequentes a epizootias em macacos.

    Nestes animais, a doena distribui-se periodicamente em intervalos suficientes para o

    surgimento de novas populaes suscetveis3.

    Aps aproximadamente meio sculo de silncio epidemiolgico, o estado de So

    Paulo voltou a detectar casos autctones da enfermidade6. Apesar dos esforos para

    vacinar as populaes em reas consideradas de risco no estado, o vrus continuou a

  • 44

    ampliar sua rea de circulao7. Assim, as reas consideradas de risco, e

    consequentemente com recomendao da vacina, foram ampliadas na medida em que

    uma nova localidade era detectada com a presena do vrus da febre amarela.

    Tendo em vista a clara expanso da circulao do vrus da febre amarela no estado

    de So Paulo este estudo pretende descrever o comportamento da doena desde a sua

    reintroduo e deteco no estado de So Paulo, no ano 2000.

    Mtodos

    Estudo descritivo com dados secundrios realizados no estado de So Paulo. O

    estado de So Paulo possui 645 municpios distribudos em uma rea territorial de

    248.209,3 km, o que representa 2,91% do territrio brasileiro. Para as aes de

    vigilncia, o territrio do estado de So Paulo est dividido em 27 Grupos de Vigilncia

    Epidemiolgica.

    Para efeito da vigilncia epidemiolgica da febre amarela no estado, a ocorrncia de

    um nico caso autctone da doena j caracterizada como surto, desencadeando as

    medidas de conteno preconizadas, isto , avaliao ecoepidemiolgica e avaliao

    entomolgica.

    As informaes para o estudo foram obtidas por meio dos dados existentes

    referentes s investigaes epidemiolgicas, realizadas pelos tcnicos das vigilncias

    estaduais e municipais, dos casos humanos e epizootias confirmados de febre amarela

    no estado de So Paulo, que esto disponveis na Diviso de Zoonoses e Imunizao do

    Centro de Vigilncia Epidemiolgica Prof. Alexandre Vranjac.

    Resultados:

    De 2000 a 2010 o estado de So Paulo registrou trs surtos de febre amarela

    silvestre autctone. Foram registrados 32 casos, com letalidade global de 46,6 % (tabela

    1 e 2). A doena acometeu preponderantemente homens com idade entre 15 a 59 anos,

  • 45

    todos os casos ocorreram em no vacinados e que se expuseram forma silvestre de

    transmisso da doena (tabela 1 e 2).

    Tabela 1. Distribuio dos Surtos de febre amarela, segundo ano de ocorrncia, nmero

    de casos, bitos e letalidade. Estado de So Paulo, 2000 a 2010.

    Ano de ocorrncia

    dos surtos

    Casos bitos Letalidade

    n(%) n (%) (%)

    2000 2 (6,2) 2 (13,3) 100,0

    2008 2 (6,2) 2 (13,3) 100,0

    2009 28 (87,5) 11 (73,3) 39,3

    Total 32 (100) 15 (100) 46,8

    Em maro do ano 2000 a Secretaria Estadual de Sade recebeu notificaes de

    febre amarela de transmisso silvestre na regio noroeste do Estado nos municpios de

    Santa Albertina e Ouroeste, localizados s margens do Rio Grande, duas destas, com

    provvel transmisso autctone.

    Os pacientes, com idades de 43 e 44 anos eram do sexo masculino e residiam em

    Dolcinpolis e Ribeiro Preto respectivamente. Os dois indivduos eram no vacinados

    e desenvolveram a forma grave da doena, evoluindo ao bito 10 e 5 dias

    respectivamente aps o incio dos sintomas. O critrio de confirmao da doena foi o

    laboratorial, com positividade na avaliao pelo exame imunohistoqumico realizados

    pelo laboratrio de referncia do estado, o Instituto Adolfo Lutz (IAL) (tabela 2). Uma

    investigao epidemiolgica foi realizada nos locais provveis de infeco, e foi

    observado que nos dois casos existiam relatos de pescaria s margens do Rio Grande, na

    divisa com os estados de Minas Gerais e Gois.

    Foi realizado inqurito sorolgico das populaes ribeirinhas em 13 municpios

    localizados s margens do Rio Grande. A avaliao entomolgica foi realizada atravs

    da captura de mosquitos, no municpio de Santa Albertina. No foram encontrados

  • 46

    primatas no humanos mortos ou doentes na regio. Seis amostras tiverem resposta

    monotpica para o vrus da febre amarela e no foi possvel isolar o vrus a partir de

    vetores7 (tabela 2 e mapa 1).

    Mapa 1. Deteco de circulao do vrus da febre amarela no estado de So Paulo,

    2000 a 2010.

    O estado ampliou as reas de recomendao da vacina aps a reintroduo do

    vrus nesses dois municpios. A partir de 2001, 277 municpios entraram na rea de

    recomendao, abrangendo 9GVEs (mapa 2).

    Em 2003 foi implantada em parceria com os Centros de Controle de Zoonoses

    Municipais, Secretarias Municipais de Sade, Superintendncia de Controle de

    Endemias, Polcia Ambiental e Faculdades de Medicina Veterinria, a vigilncia passiva

    de bitos de primatas no-humanos (PNH) na rea considerada de transio para risco

    de transmisso de febre amarela no estado.

  • 47

    Entre 2004 e 2007, no foi registrada a ocorrncia de morte de primatas no-

    humanos no estado. Em 2008, no perodo de janeiro a junho, foi registrada, em rea de

    transio para febre amarela, a morte de 140 macacos, e foi possvel realizar

    investigao laboratorial em 96 (68,6%) amostras no IAL. A positividade nas amostras

    de macacos provenientes dos municpios de Mendona, Nova Aliana e Urups

    (14/01/2008; 18/02/2008e 18/02/2008 respectivamente), confirmou por critrio

    laboratorial, a ocorrncia de epizootia pelo vrus da febre amarela na regio de So Jos

    do Rio Preto8,9

    . Alm destas epizootias, foi confirmado, por critrio clinico-

    epidemiolgico, caso de morte de primata no humano, por febre amarela, em Bady

    Bassitt, outro municpio localizado na mesma regio8,9,10.

    Aps a confirmao do diagnstico etiolgico, foram delimitados, a partir de um

    raio de 30 quilmetros de onde foram encontradas as carcaas dos primatas, 13

    municpios prioritrios para as aes de preveno e controle da doena. Alm da

    intensificao da vacinao, j que os municpios que registraram as epizootias estavam

    dentro da rea de recomendao da vacina desde 2001, (aps a reintroduo do vrus no

    Estado), foram desenvolvidas aes em trs fases: vacinao e busca de sintomticos

    casa a casa, em reas rurais e urbanas, ampliao da rea de recomendao da vacina

    para 16 municpios, com incluso de So Jos do Rio Preto e avaliao da cobertura

    vacinal dos demais municpios do Grupo de Vigilncia Epidemiolgica8,9,10

    . Essas aes

    aparentemente foram capazes de evitar a ocorrncia de casos humanos neste perodo

    mostrando a importncia da vigilncia de epizootias.

    Em abril e maio de 2008 dois casos humanos autctones da doena foram

    notificados na regio de Ribeiro Preto. Residentes em Cravinhos e Lus Antnio, os

    dois casos eram do sexo masculino, tinham 39 anos, no vacinados e haviam se exposto

    a atividades de risco (pescaria). Os dois pacientes apresentaram a forma grave da

    doena, evoluindo ao bito 5 e 4 dias respectivamente aps o incio dos sintomas9.

    O primeiro a apresentar sintomas foi o residente em Cravinhos, que teve como

    local provvel de infeco a estao ecolgica de Jata, no municpio de Lus Antnio.

    Iniciou os sintomas em 22/04/2008 e foi a bito em 26/04/2008. Residente no

    municpio de So Carlos, o segundo caso iniciou os sintomas em 23/05/2008 e evoluiu a

    bito em 26/05/2008. Assim como o primeiro caso, este tambm esteve na rea rural de

    So Carlos, divisa com o municpio de Rinco, prximo ao rio Mogi-Guau e Reserva

  • 48

    Ecolgica Estadual de Jata. O critrio de confirmao da doena foi o laboratorial,

    sendo os dois casos positivos no exame imunohistoqumico realizado pelo laboratrio

    de referncia do Estado, o Instituto Adolfo Lutz (tabela 2).

    A positividade das amostras laboratoriais confirmou a circulao do vrus, e

    desencadeou uma investigao epidemiolgica, onde foram coletadas amostras de

    humanos, macacos e vetores (Tabela 3).

    Durante as investigaes, um inqurito sorolgico foi realizado com 128

    amostras humanas, provenientes dos municpios de So Carlos, Rinco e Ribeiro

    Preto, (prximas aos locais provveis de infeco) e mais 10 amostras de comunicantes

    dos pacientes. Trs amostras foram positivas para pesquisa de anticorpos para o vrus da

    febre amarela, quatro macacos testados tiveram diagnstico positivo e foi possvel isolar

    o vrus de mosquitos provenientes de Urups. (tabela 3 e mapa 1)8,9,10

    .

    Essa expanso da circulao viral resultou na ampliao das reas com

    recomendao de vacinao para residentes e viajantes. Em 2008, o Estado incluiu mais

    62 municpios na rea de recomendao da vacina, nos GVES de Araraquara e

    Bauru9,11,12

    (mapa 2).

    No ano de 2009 a doena apresentou carter epidmico, de fevereiro a abril foram

    notificados 138 casos humanos suspeitos na regio de Botucatu, este evento foi

    considerado com uma Emergncia de Sade Pblica de importncia Internacional

    (ESPIN), de acordo com o Regulamento Sanitrio Internacional 2005 (RSI2005). Dos

    casos investigados, 110 foram descartados e 28 confirmados em cinco municpios da

    regio (Sarutai, Piraju, Avar, Buri e Tejup), todos localizados fora da rea de

    recomendao de vacina11,13,14

    .

    Dos casos registrados, 11 evoluram para bito, com mediana de 7 dias entre a

    data de incio de sintomas e o bito (letalidade 39,3%). Os locais provveis de infeco

    dos casos confirmados foram reas rurais dos municpios de Sarutai, Piraju, Tejup,

    Avar e Buri. Dez casos ocorreram em trabalhadores rurais que desempenhavam

    atividades em mata e 18 em indivduos que realizaram atividades de lazer. Entre os 28

    casos confirmados, 18 (64,3%) eram do sexo masculino. A idade variou entre trs dias

    de vida e 52 anos 11,13

    .

  • 49

    O critrio de confirmao dos 28 casos est descrito na tabela 2. Em apenas um

    caso no foi possvel realizar os exames, sendo confirmado por critrio clnico-

    epidemiolgico11

    .

    Os casos confirmados apresentaram sintomatologia leve, moderada ou grave; dos

    casos confirmados, 50,0% preenchiam o critrio de febre, ictercia e/ou hemorragia, e

    71% foram hospitalizados. A epidemia foi acompanhada pela identificao de 90

    eventos envolvendo morte de primatas no humanos no perodo, totalizando 147

    animais. Amostras de dois animais, provenientes dos municpios de Buri e Itapetininga,

    foram confirmadas laboratorialmente para febre amarela. Alm dos animais, foi possvel

    isolar o vrus em vetores provenientes do municpio de Buri11, 13,14,15,16

    .

    A comprovao da circulao do vrus da febre amarela em Avar, Buri,

    Itapetiniga, Piraju, Sarutai e Tejup no estado de So Paulo resultou, mais uma vez, na

    ampliao da rea de recomendao de vacinao no Estado. A partir deste ano foram

    includos mais 49 municpios com recomendao da vacina, englobando mais 5GVEs

    (mapa 2)11,12,14,16

    .

    As aes de vacinao tiveram incio imediatamente aps a confirmao do

    primeiro caso em Sarutai e foram ampliadas para reas de provvel circulao viral.

    Um total de 1.018.705 doses de vacina foi aplicado, atingindo cobertura vacinal de

    86,8% de maro a abril. Durante esta campanha de vacinao, foram confirmados trs

    casos de doena neurotrpica aguda, um caso de hipersensibilidade imediata, todos com

    evoluo para cura, e cinco casos de doena viscerotrpica aguda que evoluram para

    bito, aproximadamente 1 bito para cada 200 mil doses e 1 caso para cada 113 mil

    doses aplicadas11

    .

  • 50

    Tabela 2. Distribuio dos casos de febre amarela segundo sexo, faixa etria, critrio de

    confirmao, situao vacinal, hospitalizao, nmero de bitos. estado de So Paulo,

    2000 a 2010.

    Variveis

    Masculino Feminino Total

    n % n % n %

    Faixa Etria

  • 51

    Tabela 3. Distribuio dos surtos de febre amarela segundo ano de ocorrncia e

    resultados das investigaes ecoepidemiolgicas realizadas. Estado de So Paulo, 2000

    a 2010.

    Surtos

    Amostras de humanos Amostras de Primatas

    no humanos Amostras de vetores

    Coletado Positivo Coletado Positivo Coletado Positivo

    2000 630 6(0,95%) 1100

    2008 577 3(0,52%) 108 4(3,70%) 3049 1(0,03%)

    2009 86 56 2(3,57%) 1782 1(0,05%)

    Total 1293 9(0,70%) 164 6(3,66%) 5931 2(0,03%)

    Mapa 2. Expanso das reas de recomendao da vacina de febre amarela. Estado de

    So Paulo, 2000 a 2010.

  • 52

    Discusso

    Embora o vrus tenha reemergido no estado de So Paulo aps dcadas sem sua

    ocorrncia, a doena continua a atingir em sua maioria homens, na faixa

    economicamente ativa da populao, trabalhadores rurais e pessoas que se expem a

    atividades consideradas de risco (pesca, caa, ecoturismo entre outros) nos meses mais

    quentes do ano, com elevados ndices de pluviosidade e consequentemente, com maior

    densidade vetorial. Anteriormente considerada doena ocupacional, atualmente

    identificada essa nova classe de risco, pessoas que se expem, no imunizadas, a

    atividades de ecoturismo em beira de rios ou em reas com fragmentos de mata

    preservada4.

    Historicamente, os surtos e epizootias tm sido relatados no Brasil (e em outros

    pases endmicos) de tempos em tempos. Semelhante ao o que ocorre no Brasil, aps

    vrias dcadas de relativa calma, surtos de febre amarela ressurgiram na frica, o que

    representa um risco imediato para as populaes afetadas em todo o continente17

    . O

    aumento da migrao, acelerando a urbanizao e melhoria da infraestrutura de viagens

    so as tendncias globais que aumentam o risco da doena circular em partes do mundo

    onde havia desaparecido17,18

    .

    Alguns especialistas tm teorizado que as epidemias se repetem no leste da frica,

    porque a sua savana relativamente seca, por isso, a densidade populacional de

    mosquitos menor do que nas savanas mais midas da frica Central. Assim, a

    populao humana pode ser exposta ao vrus menos regularmente do que a populao

    da frica Central, e um grande nmero de jovens suscetveis, suficientes para manter

    um surto, pode acumular-se durante os anos entre as epidemias. Estudos

    epidemiolgicos, ao contrrio, sugerem que a persistente "transmisso silenciosa" (sem

    surtos de doenas detectveis) pode ocorrer entre os habitantes das savanas mais midas

    da frica Central, gerando um tipo de imunidade de rebanho 17, 18, 19

    .

    Em 1940, o vrus da febre amarela passou a ser registrado fora do Centro-Oeste do

    Brasil (Mato Grosso) e expandiu sua rea de ocorrncia em direo ao litoral 20

    . A

    doena passou a ser relatada no Nordeste (Estado da Bahia), Sudeste (estados de Minas

    Gerais, Esprito Santo e So Paulo), e no Sul do pas. Na regio amaznica e em outras

  • 53

    reas endmicas do Brasil, os surtos e epizootias foram relatados a cada 5-7 anos. Esta

    periodicidade provavelmente devida renovao das populaes de primatas no

    humanos, essenciais para a amplificao viral, o que no ocorre com a populao de

    vetores, mesmo considerando a possibilidade de transmisso transovariana ou

    vertical4,5,20

    .

    Assim como nos surtos recentes registrados em diferentes regies do pas, Minas

    Gerais21

    e Rio Grande do Sul22

    , os homens continuam a representar o sexo mais

    acometido pela doena. No estado de So Paulo a incidncia da doena para os homens

    foi duas vezes maior do que para as mulheres. Tal evento pode ser explicado pela maior

    exposio a atividades de risco. Alm destas razes, as mulheres esto mais habituadas

    a frequentar salas de vacina e, portanto, tem maior acesso a informao e a imunizao,

    ainda que em alguns municpios com comprovada circulao viral a vacinao no fosse

    recomendada. A faixa etria mais atingida foi a economicamente ativa da populao,

    semelhante ao padro j descrito no Brasil4. No maior surto registrado, ocorrido em

    2009, a faixa etria atingida variou, foram registrados 3 casos em menores de 14 anos, e

    uma situao inusitada ocorreu: um caso de transmisso perinatal foi diagnosticado23

    .

    A letalidade pode ser considerada como um indicador de sensibilidade da

    vigilncia em detectar novos casos bem como da gravidade da doena. A letalidade

    esperada na doena em todas as suas formas de 5 a 10%, e valores acima deste

    indicam baixa capacidade da vigilncia em detectar casos leves24

    . Nos trs surtos aqui

    explicitados, a vigilncia realizou a busca ativa de oligoassintomticos e assintomticos.

    Nos nove casos detectados nas pesquisas sorolgicas, no foi possvel concluir pela

    autoctonia dos mesmos.

    Embora a letalidade registrada neste estudo tenha sido menor (46,%) do que a

    mdia registrada no Brasil de 1980 a 2003 (51, 1%)25

    , a alta letalidade pode indicar

    falhas em detectar formas leves ou mesmo em comprovar a autoctonia dos casos. No

    surto ocorrido em 2009, a vigilncia utilizou uma definio de caso mais sensvel, sendo

    possvel detectar algumas formas leves da doena, assim a letalidade apresentada foi

    menor.

    Apesar de vigilncia de epizootias de primatas no humanos ter sido implantada

    no Estado em 2003, a ocorrncia destes eventos j era vista como sentinela de surtos de

  • 54

    febre amarela no pas. Entre os anos de 1999 e 2000, aps perodo de elevada

    transmisso de febre amarela silvestre no Centro-oeste brasileiro, envolvendo o registro

    de casos humanos e morte de macacos em perodo concomitante, o Brasil passou a

    registrar a mortandade de primatas como alerta para o risco de febre amarela e,

    consequente, para a adoo rpida das medidas de preveno de casos humanos e

    controle de transmisso1.

    certo que apenas nas epizootias ocorridas em 2008, na regio de So Jos do

    Rio Preto, esse instrumento foi eficiente, talvez, pela rea j ser considerada de risco

    para transmisso da virose,a vigilncia destes eventos estar fortalecida e os profissionais

    sensibilizados, alm da populao humana estar vacinada. Assim, foi possvel adotar

    medidas de preveno e controle antes que o vrus circulasse na populao humana, ou

    mesmo atingisse reas urbanas, com elevada densidade populacional e infestadas pelo

    Aedes aegypti, e com risco de reurbanizao da doena, como aconteceu em 2008 na

    regio metropolitana de Assuno, Paraguai26

    . O surto foi rapidamente controlado,

    atravs de vacinao de aproximadamente um milho de pessoas e atividades de

    controle vetorial19,26,27

    . Este foi o primeiro surto de febre amarela urbana documentada

    na Amrica do Sul desde 1942 e levantou preocupaes acerca do potencial de

    propagao do vrus para reas no endmicas, sem cobertura vacinal e com vetores

    capazes de transmisso do vrus, como o Caribe, Amrica Central e Amrica do

    Norte19,27

    .

    Embora tenham sido confirmados trs surtos no perodo estudado, apenas quando o

    vrus deparou-se com uma populao sem imunidade prvia, foi capaz de infectar um

    grande nmero de pessoas. So descritos cinco fatores fundamentais para a

    epidemiologia das doenas transmitidas por vetores: a ecologia e comportamento do

    hospedeiro, a ecologia e comportamento dos vetores, e o grau de imunidade da

    populao28

    . Nos dois primeiros surtos foram registrados apenas dois casos,

    provavelmente introduzidos pela presena de fontes de infeco humanas ou no

    humanas e vetores nos locais provveis de infeco. A cobertura vacinal alta deve ter

    atuado atravs da imunidade de rebanho para limitar o risco para o restante da

    populao. No ltimo surto ocorrido em 2009, mesmo com o incio precoce da

    vacinao aps a identificao do primeiro caso autctone, o fato da populao no

    estar previamente imunizada propiciou o surgimento de 28 casos. Fica claro, que a

  • 55

    barreira imposta pela vacina, e contnuas e altas taxas de cobertura vacinal, constituem

    at hoje, o mtodo mais importante para prevenir e controlar a doena em reas nas

    quais as condies ecolgicas so favorveis ao estabelecimento do ciclo de

    transmisso.

    No continente africano, duas situaes distintas so relatadas: as campanhas de

    vacinao em massa, que foram realizadas em vrios pases do Oeste Africano,

    resultaram no desaparecimento rpido da doena ao longo dos 40 anos seguintes. Pases

    como a Nigria, que no implementaram a vacina de rotina sofreram com grandes surtos

    da doena na dcada de 1980, enquanto os pases que haviam realizado a vacinao

    notificaram casos espordicos em comunidades rurais e isoladas que no haviam

    recebido a vacina. Esses dados parecem confirmar a importncia da vacina no controle

    da endemia29,30

    .

    A reintroduo do vrus no estado de So Paulo, fez com que a rea de

    recomendao da vacina fosse ampliada a cada nova identificao dos indcios de

    circulao viral. O estado passou de 277 municpios, abrangendo nove GVEs em 2001,

    para429 municpios e 15 GVEs com recomendao de vacina em 2010.

    Embora anteriormente considerada como uma das vacinas de vrus vivo atenuado

    mais segura, a vacina de febre amarela pode induzir efeitos adversos aps sua

    administrao, classificados entre leve, moderado ou grave1, 31

    . O registro cada vez mais

    frequente desses eventos tem levado as autoridades sanitrias a analisarem com maior

    cuidado as propostas de extenso da cobertura vacinal, tentando estabelecer um

    equilbrio favorvel entre o risco de adquirir a infeco natural e o risco de desenvolver

    quadros clnicos graves aps a exposio ao vrus vacinal.

    Campanhas de vacinao em massa tem sido associadas ao aumento da deteco

    de eventos adversos ps imunizao31,32

    . Durante as campanhas de vacinao em massa,

    o histrico das pessoas pode no ser bem investigado, alm disto, a vacinao de

    adultos sem imunidade prvia pode aumentar as taxas de eventos graves, uma vez que o

    risco maior na primeira imunizao e parece aumentar com a idade31,32,33,34

    . Nesse

    sentido, realizar campanhas aps a deteco de casos pode representar uma opo que

    comporta maior risco do que a ampliao prvia da rea de cobertura vacinal.

  • 56

    Os surtos ocorridos no Brasil entre 2008 e 2009 foram os primeiros no Brasil a

    identificar taxas de doena neurotrpica associada vacina semelhantes aos relatados

    nos Estados Unidos (0,8 por 100.000 doses administradas), sugerindo que o aumento da

    vigilncia e testes de laboratrio mais sensveis (especificamente, PCR em tempo real

    para a deteco de RNA do vrus da febre amarela no fluido cerebrospinal) colaboraram

    para a deteco destes eventos31,33,34

    .

    Concluso

    De 2000 a 2010 foram registrados trs surtos de febre amarela no Estado de So

    Paulo, com trinta e dois casos. A quase totalidade dos casos confirmados ocorreram em

    indivduos no vacinados e nenhum caso foi observado em indivduo comprovadamente

    vacinado. Embora casos de reao adversa possam ser associados a vacina, esta ainda se

    mostra como a melhor forma de prevenir a doena e a circulao viral.

    Referncias

    1. Monath, TP. Yellow Fever: an update. Lancet InfectDisease2001; 1: 11-20. 2. Reiter P. Yellow Fever and Dengue: a threat to Europe? Euro Surveill. 2010;

    15(10):pii=19509.

    3. SimpsonDH.Arboviruses.In: Cook G, ed. Mansons Tropical Diseases. London:

    Saunders 1996 p. 55-63.

    4.Vasconcelos PFC. Febre amarela. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina

    Tropical 2003; 36(2):275-293.

    5. Vasconcelos PFC. Yellow Fever in Brazil:thoughts and hypotheses on the emergence

    in previously free areas. Rev. Sade Pblica. 2010; 44 (6): 1144-1149.

    6. TauilPL.Aspectos crticos do controle da