SUMÁRIO Valor Econômico

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SUMÁRIO Valor Econômico Mercado teme polarização e reage mal à decisão sobre Lula Doenças crônicas agora agravam crise na saúde Lava-Jato faz nova denúncia contra Eike Alta no atacado se espalha, IGP-DI sobe 2,71% e acumula 29,95% em 12 meses Parcela de famílias com dívida cresce pelo 3º mês Servidores da Receita anunciam paralisação Reunião com Pfizer mostra novo status de vacina na economia Restrição na Índia e falha de maquinário atrasam obtenção de imunizantes Mitigar impacto econômico sem controlar pandemia não resolve, dizem economistas Média de mortes por covid-19 bate recorde pelo 10º dia Áustria marca oposição e deixa mais distante acordo UE-Mercosul Fundo de aviação civil pode bancar PPP de R$ 380 milhões na Amazônia BNDES acelera projeto de saneamento no Nordeste e prevê R$ 15,5 bilhões Governo espera que Congresso aprecie vetos esta semana Fachin anula condenações contra Lula Lula recupera direitos e Bolsonaro, a chance de ressuscitar o antipetismo Duelo de rejeições deve ser a tônica da disputa no 2º turno de 2022 Decisão abre espaço para anulação em massa da Lava-Jato, dizem advogados Em pronunciamento, Lula deve dar largada à candidatura em 2022 Bolsonaro critica Fachin e ministros se dividem sobre Lula Lira cobra punição a Moro; Maia pede construção de candidatura do centro Espaço para candidaturas de centro se reduz, diz analista da MCM PEC emergencial tem grandes chances de aprovação “Subestimam a força da esquerda e superestimam a rejeição”, diz Garman “Lula pode desestabilizar Bolsonaro” PEC 186 mantém benefícios fiscais por oito anos Bolsonaro aconselha relator a alterar texto da PEC emergencial Crimes eletrônicos são alvo de projeto México e Argentina terão pior recuperação na AL Pacote de Biden busca também combater a desigualdade nos EUA Inglaterra reabre as escolas pela terceira vez Paraguai troca ministros para tentar acalmar protestos por colapso na saúde Vacinados podem se reunir sem máscaras, diz CDC Governo indica seis nomes para compor conselho da Petrobras Sonia Villalobos quer reaproximar estatal e mercado Aegea se diz pronta para a disputa de novos ativos Pesquisa mostra expectativa sobre atuação futura da ANA GE negocia área de leasing de aviões por mais de US$ 30 bi GM vê deterioração crescente no ambiente de negócios no Brasil Para You, Selic não passará de 5% e não faltará crédito Para aliviar aéreas, governo acena com recuo em cobrança de imposto Trajano diz que ano é ‘dificílimo’ de prever Tecnologia reforça ‘hotel de bovinos’ da Coplacana Embrapa e UFMS criam método que acelera análise de sementes Marfrig lucra R$ 3,3 bilhões e volta a distribuir dividendos ‘Risco Lula’ azeda clima no mercado Juro real volta a ficar acima de zero após quase 1 ano em terreno negativo Alta da Selic terá pouco ou nenhum efeito sobre o câmbio, diz Pastore

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SUMÁRIO

Valor Econômico Mercado teme polarização e reage mal à decisão sobre Lula Doenças crônicas agora agravam crise na saúde Lava-Jato faz nova denúncia contra Eike Alta no atacado se espalha, IGP-DI sobe 2,71% e acumula 29,95% em 12 meses Parcela de famílias com dívida cresce pelo 3º mês Servidores da Receita anunciam paralisação Reunião com Pfizer mostra novo status de vacina na economia Restrição na Índia e falha de maquinário atrasam obtenção de imunizantes Mitigar impacto econômico sem controlar pandemia não resolve, dizem economistas Média de mortes por covid-19 bate recorde pelo 10º dia Áustria marca oposição e deixa mais distante acordo UE-Mercosul Fundo de aviação civil pode bancar PPP de R$ 380 milhões na Amazônia BNDES acelera projeto de saneamento no Nordeste e prevê R$ 15,5 bilhões Governo espera que Congresso aprecie vetos esta semana Fachin anula condenações contra Lula Lula recupera direitos e Bolsonaro, a chance de ressuscitar o antipetismo Duelo de rejeições deve ser a tônica da disputa no 2º turno de 2022 Decisão abre espaço para anulação em massa da Lava-Jato, dizem advogados Em pronunciamento, Lula deve dar largada à candidatura em 2022 Bolsonaro critica Fachin e ministros se dividem sobre Lula Lira cobra punição a Moro; Maia pede construção de candidatura do centro Espaço para candidaturas de centro se reduz, diz analista da MCM PEC emergencial tem grandes chances de aprovação “Subestimam a força da esquerda e superestimam a rejeição”, diz Garman “Lula pode desestabilizar Bolsonaro” PEC 186 mantém benefícios fiscais por oito anos Bolsonaro aconselha relator a alterar texto da PEC emergencial Crimes eletrônicos são alvo de projeto México e Argentina terão pior recuperação na AL Pacote de Biden busca também combater a desigualdade nos EUA Inglaterra reabre as escolas pela terceira vez Paraguai troca ministros para tentar acalmar protestos por colapso na saúde Vacinados podem se reunir sem máscaras, diz CDC Governo indica seis nomes para compor conselho da Petrobras Sonia Villalobos quer reaproximar estatal e mercado Aegea se diz pronta para a disputa de novos ativos Pesquisa mostra expectativa sobre atuação futura da ANA GE negocia área de leasing de aviões por mais de US$ 30 bi GM vê deterioração crescente no ambiente de negócios no Brasil Para You, Selic não passará de 5% e não faltará crédito Para aliviar aéreas, governo acena com recuo em cobrança de imposto Trajano diz que ano é ‘dificílimo’ de prever Tecnologia reforça ‘hotel de bovinos’ da Coplacana Embrapa e UFMS criam método que acelera análise de sementes Marfrig lucra R$ 3,3 bilhões e volta a distribuir dividendos ‘Risco Lula’ azeda clima no mercado Juro real volta a ficar acima de zero após quase 1 ano em terreno negativo Alta da Selic terá pouco ou nenhum efeito sobre o câmbio, diz Pastore

Crescem dúvidas sobre mudança no comando do BB Justiça Federal afasta PIS e Cofins sobre valor perdoado de dívida Editorial – Falta de insumos coloca mais barreiras à retomada Opinião – A nova equação de valor no agronegócio Opinião - Os novos falcões da inflação Opinião - Um ano depois e as feridas continuam abertas Opinião - Tributação dos fundos imobiliários Coluna – Pedro Cafardo Coluna - Raphael Di Cunto Coluna - Maria Clara R. M. do Prado

O Estado de S. Paulo Municípios e Estados ignoram lei e dão reajustes Congelamento de gastos garante nova rodada de auxílio, diz Guedes Bolsonaro defende a desidratação da PEC Servidores da Receita Federal vão paralisar atividades hoje e amanhã Economistas já preveem inflação perto de 4,0% ‘Auxílio necessita de contrapartidas’ Planalto indica 6 nomes para a Petrobrás Empresa anuncia sexto reajuste de combustíveis do ano Fachin anula condenações de Lula, que pode voltar a disputar eleições Caso pode ficar com juiz que anulou provas PGR vai recorrer; recurso será julgado pelo plenário do STF Decisão é precedente para mais anulações, avaliam juristas Bolsonaro busca partido para ser ‘dono’ PT recebe com cautela decisão de Fachin Guinada governista gera nova crise no PSL Entrevista - Paulo Chagas Editorial - A macabra proeza de Bolsonaro Editorial - Dólar alto, expectativas baixas Editorial - Um governo de verdade Opinião - O risco da volta de Lula às eleições Opinião - O governo Biden e o Brasil Opinião - Por que retomar o auxílio emergencial Coluna - Estadão Coluna - Broadcast Coluna - Eliane Cantanhêde

O Globo Para destravar auxílio Valores serão de R$ 175, R$ 250 e R$ 375, diz Guedes Dólar fecha na maior cotação desde maio, a R$ 5,77 Com novo reajuste, gasolina sobe 54,3% no ano TCU: governo perde receita com tributação de megacampos Lula de volta ao páreo Gilmar Mendes quer julgar suspeição de Moro Entenda os impactos da decisão de fachin Deltan vê 'reais chances de prescrição' em processos Sorteio definirá se Lula terá juiz 'linha-dura' ou 'garantista' Planalto vê clima de 'Fla-Flu' novamente para eleições de 2022 Petistas acreditam que Lula será candidato à Presidência Entrevista - Silvio Campos Neto Entrevista - Christopher Garman Editorial - Fachin devolve Lula ao jogo eleitoral em 2022 Governo precisa acelerar a compra de outras vacinas imediatamente Opinião - Vacina, altruísmo e cooperação Coluna - Míriam Leitão Coluna - Carlos Andreazza

Coluna - Merval Pereira

Folha de S.Paulo Com Lula no páreo, mercado teme que Bolsonaro radicalize populismo Governo 'falhou miseravelmente' em adquirir vacinas, afirma fundo gerido por Stuhlberger Governo prepara mais prazo para linhas de crédito da pandemia e novo programa Brecha na PEC Emergencial pode deixar incentivos tributários intocados Força Sindical completa 30 anos em cenário de alta do desemprego e queda de filiados Agricultura brasileira dribla todas as expectativas de produção e exportação Brasil perde ao menos um profissional de saúde a cada 19 horas para a Covid Fachin anula condenações de Lula, e petista fica apto a disputar eleição de 2022 Decisão jurídica de Fachin é simples, mas resta saber por que foi tomada agora Lava Jato evita embate após decisão pró-Lula, e defesa de procuradores diz que atos estão preservados Ataques de Bolsonaro a Lula com fala sobre 'bandalheira' reforçam polarização prevista para 2022 No Congresso, centro avalia que decisão sobre Lula enfraquece frente ampla para 2022 Direita faz trégua e promove até panelaço unificado contra decisão do STF pró-Lula Decisão pró-Lula é recebida com indignação por bolsonaristas e frustra críticos da polarização Bolsonaro adota 'Plano Vacina' para tentar estancar perda de popularidade Editorial - Reviravolta Editorial - Vexame em Israel Opinião - Políticas públicas de empoderamento Opinião - Ninguém quer o segundo turno dos pesadelos, mas caminhamos para ele mesmo assim Coluna - Hélio Schwartsman Coluna - Alvaro Costa e Silva Coluna - Painel Coluna - Painel S.A

Correio Braziliense Auxílio será, em média, de R$ 250 Medidas erradas e desapreço pelo Fisco PEC caminha para desidratação Petrobras autoriza 6º reajuste da gasolina Seis indicações para a Petrobras Caminho aberto para disputar as eleições Lula livre para 2022 Bolsonaro dispara contra petista Bolsa despenca; dólar sobe Dallagnol alerta para prescrição "Meu Exército" não obrigará lockdown Entrevista - Flávia Arruda Editorial- Danos da covid-19 a nossas crianças Coluna - Mercado S/A Coluna - Brasília-DF

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Mercado teme polarização e reage mal à decisão sobre Lula

Restauração dos direitos políticos do ex-presidente ocorre num quadro já tenso com venda de ações por estrangeiros, desconfiança quanto à independência das estatais e agravamento da crise e da má gestão da pandemia pelo atual governo

O mercado reagiu mal à decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava-Jato e restaurar seus direitos políticos. Com a eventual candidatura do petista em 2022 no horizonte, o dólar fechou em alta de 1,70%, a R$ 5,7788, e o Ibovespa caiu 3,98%, encerrando o pregão aos 110.612 pontos. A desvalorização foi quase generalizada entre as ações que compõem o índice.

Para analistas, a volta de Lula à disputa eleitoral aumenta as preocupações com o risco de polarização política e dificulta a consolidação de uma “terceira via” para 2022. “O mercado sempre vai reagir mal ao aumento do risco de o PT voltar”, diz Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências.

A repercussão da decisão de Fachin ocorre num quadro já tenso no mercado, com venda de ações por estrangeiros, desconfiança quanto à independência das estatais, além do agravamento da crise e da má gestão da pandemia pelo governo.

Na visão do entorno do presidente, Bolsonaro pode se beneficiar da polarização com Lula, que também tem grande rejeição em boa parte do eleitorado. Gestores, no entanto, temem que esse cenário leve o governo a adotar medidas populistas. “Com Lula voltando, os ataques ao governo vão crescer e, pelo momento delicado que enfrentamos, Bolsonaro pode apelar ainda mais ao populismo. Ou seja, para os mercado, o clima é muito ruim”, disse um gestor.

Para o diretor-executivo para Américas do Eurasia Group, Christopher Garman, a surpresa com a decisão de Fachin aumentou a incerteza. “Aparentemente, no empenho para salvar a Lava-Jato, Fachin não hesitou em salvar Lula. Não era previsível”. De acordo com ele, não há razão para o Brasil destoar do padrão latino-americano. “Se as coisas com a direita andam mal, por que a esquerda não estaria forte na eleição seguinte?”. Segundo Garman, “estão subestimando a força de Lula e superestimando sua rejeição.”

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Gasolina e diesel têm reajustes

É o sexto reajuste da gasolina no ano e o quinto do diesel. Os preços dos derivados acumulam, respectivamente, alta de 53,76% e 40,44% em 2021

Por André Ramalho e Gabriela Ruddy

A Petrobras anunciou nova alta dos preços dos combustíveis nas refinarias, de 8,8% para a gasolina e 5,5% para o diesel. É o sexto reajuste da gasolina no ano e o quinto do diesel. Os preços dos derivados acumulam, respectivamente, alta de 53,76% e 40,44% em 2021. Mas nem os

reajustes nem a indicação pelo governo, ontem, de seis nomes para o conselho da estatal evitaram a queda de 5,76% do valor da ação. Analistas seguem céticos quanto à continuidade da política de paridade com os preços internacionais após o anúncio de mudança na direção da companhia.

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Doenças crônicas agora agravam crise na saúde

O problema cresce em grande velocidade porque muitas pessoas deixaram de buscar atendimento em 2020 e doenças graves progrediram silenciosamente, afirma reumatologista do Hospital das Clínicas

Por Leila Souza Lima

A covid-19 já não é a única preocupação em âmbito hospitalar no curso da pandemia, seja na rede pública ou privada. O agravamento das doenças crônicas tornou-se agora o segundo desafio para os gestores das unidades e equipes médicas.

A reumatologista Eloisa Bonfá, diretora do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirma que o problema cresce em grande velocidade porque muitas pessoas deixaram de buscar atendimento em 2020 e doenças graves progrediram silenciosamente. “São pacientes que não fizeram exames de rotina ou não deram prosseguimento a tratamentos”, diz.

Em função disso, “hoje há quadros clínicos bem mais agravados”, afirma. Os pedidos diários de internação no hospital por pessoas com AVC, infarto, trombose, aneurisma e quadros avançados de câncer, por exemplo, estão em torno de 130, número próximo ao dos pacientes com covid-19, que hoje chega à média de 150 pessoas por dia.

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Amaggi compra operação da El Tejar no MT

Com negócio, a gigante brasileira vai incorporar mais 62 mil hectares e elevar sua capacidade de produção em 34%

Por Rafael Walendorff

A Amaggi, uma das maiores produtoras de grãos e fibras do país, com faturamento de quase US$ 5 bilhões em 2019, fechou acordo para assumir as operações do grupo argentino El Tejar em Mato Grosso. Com isso, incorpora mais 62 mil hectares e eleva sua capacidade de produção em 34%. O valor do negócio, que ainda depende de autorização dos órgãos regulatórios, não foi divulgado.

Esta é a segunda grande transação entre empresas agrícolas no país desde o fim do ano passado. Em novembro, a SLC anunciou a compra dos ativos da Terra Santa por R$ 550 milhões - R$ 65 milhões em dinheiro e o restante em assunção de dívidas -, um negócio que incluiu 130 mil hectares.

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Lava-Jato faz nova denúncia contra Eike

Segundo denúncia, empresário se disfarçou de investidor e, por meio de um banco fantasma, montou posições em empresas que queria comprar ou vender

Por Murillo Camarotto

Às vésperas de ser desmontada, a força-tarefa da Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro apresentou nova denúncia contra Eike Batista, menos de um mês depois de o empresário ser condenado a quase 12 anos de prisão por manipulação do mercado de capitais e uso indevido de informação privilegiada.

Desta vez, segundo a denúncia à qual o Valor teve acesso, Eike se disfarçou de investidor e, por meio de um banco fantasma, montou posições em empresas que queria comprar ou vender. O objetivo era manipular preços e também interferir nas decisões dos acionistas, para que aceitassem suas propostas. As transações eram realizadas por meio da The Adviser Investments, aberta no Panamá por Eduardo Plass, José Osório e Carlos Brandão, ex-sócios do Banco Pactual, que também foram denunciados.

Procurados, os advogados dos denunciados não se manifestaram sobre as acusações.

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Alta no atacado se espalha, IGP-DI sobe 2,71% e acumula 29,95% em 12 meses

Taxa acumulada é a maior desde maio de 2003

Por Alessandra Saraiva

O Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) teve mais uma alta forte em fevereiro, de 2,71%, levando o acumulado em 12 meses a beirar 30%. Em relação aos 2,91% de janeiro, o indicador desacelerou, mas o resultado ficou bem acima da mediana das projeções dos analistas ouvidos pelo Valor Data, de 2,25%.

A taxa acumulada em 12 meses até fevereiro do indicador, de 29,95%, é a maior desde maio de 2003 (30,05%) alertou o economista da fundação, André Braz.

“Logo, logo essa alta em 12 meses do indicador vai ser a mais elevada desde o Plano Real”, acrescentou ele. Na prática, ainda que com taxa menor, na margem, o IGP-DI de fevereiro trouxe más notícias para a inflação, afirmou. “Notamos espalhamento da inflação na cadeia produtiva”, afirmou ele, ressaltando que esse espalhamento “é processo sem volta”.

Braz afirmou que a taxa menor foi possível por desaceleração na variação do Índice de Preços ao Produtor Amplo - Disponibilidade Interna (IPA-DI), de 3,92% para 3,40%. O IPA-DI, 60% do IGP-DI, foi beneficiado por quedas de preços em alimentos importantes, como batata-inglesa (-26,09%); leite in natura (-4,32%) e menor ritmo de inflação de soja (de 6,49% para 1,97%).

No entanto, o economista alertou que mesmo com taxa menor, na média da inflação atacadista, o setor mostra frequência maior de altas de preços, principalmente em insumos industriais. “A inflação de bens intermediários passou de 2,88% para 6,60% e, em 12 meses, tem alta de 33,68%”, afirmou.

Os exemplos de elevação vão desde segmentos com origem agropecuária até de metalurgia, pontuou o técnico. É o caso das acelerações, entre janeiro e fevereiro, de bobinas de aço, de 8,76% para 17,98%, e fertilizantes, de 8% para 18,53%.

O dólar em alta por longo período de tempo, desde o ano passado, contribuiu para intensificação de inflação no atacado, acrescentou Braz.

Caso o espalhamento dos aumentos no atacado prossiga, vai pressionar ainda mais inflação de bens finais no setor atacadista, afirmou ele - que já acelera dentro do IGP-DI (de 0,79% para 1,80% entre janeiro e fevereiro).

“Repassar altas de bens finais no atacado para itens no varejo é um pulo”, completou.

No varejo, o Índice de Preços ao Consumidor - Disponibilidade Interna (IPC-DI) acelerou de 0,27% para 0,54%, impulsionado principalmente por gasolina 6,90% mais cara. Para o técnico as condições, hoje, são de que o IPC-DI possa acelerar ainda mais.

“Não achei o resultado do IPA-DI bom”, frisou ele. “Esse espalhamento [de altas no atacado] significa que pressões inflacionárias estão ficando cada vez mais próximas ao consumidor”, concluiu o economista.

Ao ser questionado se o acumulada do IGP-DI acenderia sinal de alerta para Banco Central para trajetória da taxa básica de juros (Selic), o especialista foi cauteloso. Ele observou que aumento na Selic, por parte do BC, para conter possível aquecimento em atividade - e assim inibir avanço inflacionário -, “dificilmente” teria efeito prático em impedir altas de preços no atacado.

Isso porque são afetadas por fatores que não vão desaparecer de hora para outra, como desconfiança do exterior com o mercado brasileiro, o que estimula desvalorização do real; e aumento de demanda internacional por commodities agropecuárias. No entanto, uma alta na Selic poderia dar recado importante, de alinhamento do BC com expectativas de mercado sobre assunto, afirmou Braz.

A FGV informou ainda que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor - Disponibilidade Interna (INCC-DI) acelerou de 0,89% para 1,89% de janeiro para fevereiro.

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Parcela de famílias com dívida cresce pelo 3º mês

Fatia de endividados foi a 66,7% em fevereiro, segundo CNC

Por Alessandra Saraiva

A parcela de famílias que se declararam endividadas cresceu em fevereiro pelo terceiro mês consecutivo, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

A fatia de endividados no mês passado ficou em 66,7%, sendo superior a de janeiro (66,5%) e de fevereiro do ano passado (65,1%), de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). Em contrapartida, houve melhora nos indicadores de inadimplência em fevereiro, ante janeiro, no mesmo levantamento.

Uma diferença de postura de gastos entre famílias ricas e pobres explica patamar em alta de famílias endividadas com quadro favorável em inadimplência, afirmou Izis Ferreira, economista da CNC. Enquanto os mais ricos voltam a gastar, tendo poupado em meio à pandemia, os mais pobres se tornaram mais cautelosos, comprando menos e quitando mais as dívidas. Entretanto, segundo

ela, a manutenção do atual quadro favorável, de indicadores de inadimplência observado em fevereiro, depende de evolução da pandemia e seu impacto no mercado de trabalho.

Ao detalhar melhora de indicadores de inadimplência, a especialista informou que, na Peic, a parcela de famílias que se declaram endividadas e com obrigações em atraso foi menor em fevereiro, de 24,5%, ante 24,8% em janeiro, mas ainda superior a fevereiro de 2020 (24,1%).

Os endividados sem condição de quitar empréstimos tiveram participação de 10,5% na pesquisa do mês passado, ante 10,9% em janeiro, porém, também acima de igual mês no ano passado (9,7%).

Para a especialista, os próximos resultados de endividamento e de inadimplência dependerão do avanço da covid-19 no país, bem como impacto no emprego. “Temos hoje compasso de espera com mercado de trabalho, aguardando que se recupere” afirmou ela, ressaltando a necessidade de se controlar avanço da covid-19 com vacinação. Isso impulsionaria a economia de serviços, que representa maior parte das vagas em mercado de trabalho, bem como maior parcela do PIB, lembrou ela.

Sem melhora no mercado de trabalho, acrescentou Izis, isso acaba por levar a cenário de menor renda - o que afeta margem de manobra de gastos das famílias mais pobres. Estas então poderiam começar a acessar mais crédito e a descumprir pagamentos, pontuou a especialista. “A questão da vacinação em massa é principal iniciativa econômica para que possamos voltar a ter confiança dos agentes e também para melhora desempenho da economia", afirmou ela.

Na pesquisa, a CNC informou ainda que a proporção de famílias endividadas que utilizam o cartão de crédito como principal modalidade de dívida, em fevereiro, se manteve em 80% do total, após máxima histórica de 80,5%, em janeiro.

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Servidores da Receita anunciam paralisação

Sindicato promete greve até amanhã contra emenda da PEC emergencial

Por Mariana Ribeiro

Servidores da Receita Federal anunciaram que vão paralisar suas atividades entre hoje e amanhã como protesto ao dispositivo da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial que elimina uma fonte de financiamento para o órgão. A afirmação foi feita ontem pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).

De acordo com a entidade, a mobilização não será pontual e todas as atividades serão afetadas. “Na aduana, serão excepcionalizadas cargas vivas, perecíveis, medicamentos, todos os insumos e equipamentos relacionados ao combate à pandemia. Não haverá alteração na ala de passageiros”, pontua em nota.

A PEC Emergencial, aprovada no Senado na semana passada e encaminhada à Câmara, altera trecho da Constituição e retira do texto a autorização para vincular receitas para a realização de atividades da administração tributária. Na visão do sindicato, o “jabuti que desvincula recursos para a administração tributária foi um ato de agressão contra o Estado brasileiro e não ficará sem resposta”.

A avaliação é de que a mudança trazida pela PEC reduzirá à metade a estrutura física da Receita, com efeitos como o fechamento de delegacias e agências, precarização do atendimento, da

fiscalização, do controle do comércio exterior e do combate a crimes como sonegação, corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de drogas. Haverá ainda, afirma o sindicato, efeitos no controle da alfândega nas fronteiras, portos e aeroportos, “com graves e profundos prejuízos ao Estado e à sociedade”.

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Reunião com Pfizer mostra novo status de vacina na economia

Com Guedes presente, Bolsonaro baixa tom em relação a farmacêutica

Por Lu Aiko Otta, Matheus Schuch, Edna Simão e Fabio Murakawa

A importância da vacinação para a economia subiu oficialmente de patamar ontem, com a escolha do ministro da Economia, Paulo Guedes, como o principal porta-voz de uma reunião do presidente Jair Bolsonaro com o CEO da farmacêutica Pfizer, Alberto Boula, em que se acordou a antecipação de 5 milhões de doses nos próximos meses, totalizando 14 milhões até junho. O número aumentará nos meses seguintes, conforme cronograma que já estava estabelecido.

Durante a teleconferência, o presidente adotou um tom diferente em relação à farmacêutica, que durante meses foi alvo de suas críticas. "Reconhecemos a Pfizer como uma grande empresa mundial, com grande espaço no Brasil também. Em havendo possibilidades, nós gostaríamos de fechar contrato com os senhores, até pela agressividade com que o vírus tem se apresentado no Brasil", disse Bolsonaro.

Na sequência, Guedes disse à imprensa que as novas parcelas do auxílio emergencial terão valor médio de R$ 250. A depender da composição da família, os valores irão de R$ 175 a R$ 375.

“A produção da Pfizer está aumentando. Ela estava produzindo 1,5 milhão de vacinas/dia e está produzindo agora 5 milhões de vacinas/dia. A curtíssimo prazo ela não pode mudar muito, então o compromisso dele [CEO da empresa] foi de antecipar algumas vacinas para nós. Estávamos com 9 milhões, ele aumenta mais 5 milhões”, explicou Guedes. “O presidente da Pfizer disse que a solução não é tirar de um e passar para o outro, mas produzir mais. Eles ampliaram a produção, por isso deve ter mais doses para nós.”

A vacinação em massa, que o ministro já defende há meses, foi para o centro da agenda da pasta desde que ficou claro que o recrudescimento da pandemia exigiria a adoção de novas medidas de isolamento social e interromperia a recuperação do nível de atividade. A imunização em massa para abrir o caminho para a recuperação é um dos poucos consensos entre os economistas do mercado, observou um interlocutor do ministro.

Se tudo correr como o planejado, a crise econômica começaria a ser revertida em quatro meses, calcula-se no governo. Até lá, estarão em cena o auxílio e outras medidas que trarão alívio temporário, como a reedição do BEm, a prorrogação das carências do Pronampe, a antecipação de férias e novos diferimentos tributários.

A área econômica conta com a aprovação da PEC Emergencial nesta semana, sem alterações. Para tanto, apoia-se em um detalhe regimental: se houver mudanças na Câmara, o texto precisará retornar ao Senado, onde já foi votado, e isso atrasará o pagamento do auxílio. “Já sabemos como enfrentar a crise: é vacinação em massa, auxílio emergencial, PEC de Guerra”, disse Guedes na entrevista. “O protocolo de crise está sendo levado para o futuro, a PEC de Guerra deu direito de gastar com saúde. Estamos colocando R$ 44 bilhões para o auxílio emergencial e, se precisar de mais, já temos o protocolo.”

Ainda assim, há preocupação nos escalões técnicos quanto ao risco de uma nova “desidratação” da PEC. O dispositivo que suspende as promoções no funcionalismo, por exemplo, é alvo de pressões corporativas na Câmara e isso pode motivar atrasos.

Já a medida provisória retomando o pagamento dos benefícios, com valor médio de R$ 250, já está pronta do ponto de vista dos técnicos. A minuta da MP encontrava-se ontem na Casa Civil.

Resolvida a retomada do auxílio, o próximo passo é viabilizar a aprovação do Orçamento, para definir o alcance das medidas de apoio com impacto fiscal que serão retomadas. Elas precisarão caber no teto de gastos.

Entre elas, a principal é o BEm, que permitiu suspender contratos de trabalho ou reduzir proporcionalmente jornada e salários, com pagamento de uma complementação de renda pelo governo. Há disputa nos bastidores sobre o formato: se será mais restrito do que o de 2020 e se o custo será compartilhado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por meio de antecipação do seguro-desemprego, como aconteceu no ano passado.

O programa, que deve ser renovado por quatro meses, ainda não foi anunciado porque a equipe econômica está ajustando a despesa adicional ao teto e no Orçamento deste ano, que ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. “Não tem nada emperrando, só que é complexa qualquer nova ação que incorra em despesas adicionais, sendo que não temos mais o decreto de calamidade e sem a LOA [Lei Orçamentária Anual], mas está caminhando”, explicou um técnico da área econômica.

A prorrogação do período de carência para pagamento das parcelas do Pronampe está em análise, inclusive sob o ponto de vista jurídico, mas ganha simpatizantes dentro do governo. Em tese, os empréstimos tomados no ano passado precisariam começar a ser pagos em março, passados oito meses de carência. A proposta é prolongar o prazo por mais quatro meses, totalizando um ano, aliviando o caixa das empresas no momento em que surgem novas restrições ao funcionamento.

O prazo extra, porém, deve ficar restrito ao setor de serviços e outros mais atingidos pelas medidas de restrição. Setores que estão com funcionamento normal ou até em crescimento não deverão ser beneficiados com a prorrogação.

Segundo da área econômica está sendo feita uma avaliação da real necessidade desses programas emergenciais de crédito, antes de qualquer anúncio “Agora temos que ser ainda mais certeiros”, explicou a fonte.

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Restrição na Índia e falha de maquinário atrasam obtenção de imunizantes

Brasil terá entre 25 milhões e 28 milhões de doses até o fim do mês; governo usará crítica da OMS para conseguir antecipação de vacinas

Por Gabriel Vasconcelos e Fabio Murakawa

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, revisou para baixo, e pela terceira vez, o número de vacinas contra a covid-19 que o Brasil terá no mês de março. Pazuello disse ontem que o país terá entre 25 milhões e 28 milhões de doses até o fim do mês. A previsão do Ministério da Saúde para o mês já chegou a ser de 46 milhões de unidades.

Um das razões, disse o ministro, são novas dificuldades impostas pelo governo da Índia para a liberação de unidades prontas da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca, mas produzidas pelo Instituto Serum naquele país. Pazuello se reuniu ontem com o governador do Piauí, Wellington Dias (PT) - que representa o Fórum de Governadores -, e com a diretoria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na sede da instituição, no Rio de Janeiro, para discutir o impasse.

Dias ouviu de Pazuello e da diretoria da Fiocruz que, para atenuar o problema, o Ministério da Saúde acertou o recebimento de 9 milhões de doses da mesma vacina, mas produzida na Coreia do Sul. As doses, informou Pazuello, virão por meio do consórcio Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS), e chegarão em dois lotes escalonados: um primeiro com 2,9 milhões de doses em março e outro de 6,1 milhões em abril.

Para conseguir a antecipação no recebimento das vacinas, o governo usará uma crítica da OMS, que disse que a situação da pandemia no Brasil é uma ameaça para a América Latina e o mundo. O argumento será usado hoje em uma reunião entre Pazuello e representantes do Covax Facility. A afirmação de que a situação no Brasil é uma ameaça foi feita na semana passada pelo diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom.

À tarde, em Brasília, Dias disse que na reunião será pedido que as 9,1 milhões de doses programadas para maio sejam antecipadas para entrega em dois lotes de 4,5 milhões de doses em março e abril.

Segundo Pazuello, paralelamente, governo e Fiocruz articulam com a AstraZeneca a importação de um lote com 10 milhões de vacinas estocadas nos Estados Unidos. Atrapalha essa negociação o fato de o governo americano também ter proibido a exportação de vacinas contra covid-19.

Em fevereiro, como compensação ao atraso do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) que deveria ter sido entregue ao Brasil no início do ano, a AstraZeneca tinha se comprometido, em contrato, a fornecer ao Brasil um total de 12 milhões de vacinas prontas vindas da Índia. Mas só 4 milhões chegaram ao país. As 8 milhões de doses restantes teriam sido retidas por decisão do governo indiano.

“A Índia dificultou o processo porque proibiu a exportação. Vamos ter que fazer pressão política, diplomática e até pessoal nossa para que a AstraZeneca cobre do Instituto Serum, para que ele cumpra a entrega dps 8 milhões que faltam. Os países no mundo estão variando com suas posições diplomáticas e posições comerciais porque o ‘troço’, ele realmente é instável”, disse o ministro.

Para o mês, além das novas vacinas prontas, o Ministério da Saúde conta com 23,3 milhões de doses da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, e outras 3,8 milhões de doses também de Oxford, mas produzidas localmente pela Fiocruz com IFA importado. Antes, eram previstas 15 milhões de doses dessa última modalidade no mês de março. Mas, além dos atrasos no recebimento do IFA vindo da China, também houve retardo na linha de produção devido a uma falha técnica.

O problema, revelado pelo jornal “O Globo” e só depois confirmado pela Fiocruz, foi solucionado na semana passada e 1,5 milhão das 3,8 milhões de doses a serem produzidas no Rio já está em estoque. Essas vacinas aguardam validação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a linha de produção ainda precisa receber registro definitivo. O diretor da fábrica de Bio-Manguinhos, Mauricio Zuma, disse que a Fiocruz é capaz de produzir entre 250 mil e 300 mil vacinas por dia, número que deve chegar a 1 milhão até o fim do mês. Mesmo com os atrasos, a Fiocruz mantém o coronograma de entrega de 100 milhões de doses produzidas no Brasil até julho e outras 110 milhões até o fim do ano.

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Mitigar impacto econômico sem controlar pandemia não resolve, dizem economistas

Falhas no combate à covid-19 fazem os problemas retornarem agora, diz economista

Por Ana Conceição e Anaïs Fernandes

Adotar novas medidas para combater o impacto da covid-19 na atividade não será suficiente para salvar a economia, que agora parte de uma situação pior que a do ano passado, se o problema de origem não for resolvido, afirmou ontem a economista Natalie Victal, da Garde Asset, durante Live do Valor. “Essa crise é extraordinária porque foi provocada por algo fora da economia. É uma crise sanitária, humanitária. Mitigar só o impacto econômico não resolve. É fundamental controlar a causa da crise. Temos de controlar o vírus.”

Medidas tomadas em 2020 - auxílio emergencial, programas de manutenção do emprego, reforço ao crédito - ajudaram a amenizar a queda do Produto Interno Bruto (PIB), mas falhas no combate à pandemia fazem os problemas retornarem agora, com o agravante de o país estar mais endividado, com inflação alta e diante de uma conjuntura internacional desafiadora, apontou Natalie.

“Não estamos no mesmo lugar do ano passado, estamos em um lugar pior, com sincronização de contaminação entre interior e capitais que não vimos antes e não permite folga ao sistema de saúde”, disse Paula Magalhães, economista-chefe da A.C.Pastore & Associados e outra convidada da live.

Segundo ela, o descontrole da pandemia acendeu “uma grande luz vermelha” para a atividade. “A questão é até quando teremos medidas restritivas à circulação no segundo trimestre. A indústria até veio bem em janeiro, mas sozinha não sustenta o PIB. Os serviços, 60% do PIB, são a área mais afetada. Então, estamos pessimistas”, disse Paula. Embora ainda esteja calibrando suas projeções, a chance de recessão técnica - dois trimestres seguidos de queda no PIB - não está descartada.

Natalie pondera que a primeira onda pode ter deixado uma “curva de aprendizado” e, levando em conta a experiência internacional, o impacto na atividade tende a ser menor do que no primeiro choque de 2020. A Garde estima estabilidade no PIB do primeiro trimestre, mas há muita incerteza.

Ambas as economistas entendem como necessário um novo auxílio emergencial, mas ressaltam que apenas a aceleração da vacinação vai trazer tranquilidade econômica. “Ninguém acha que não é bom ter o auxílio para as pessoas não morrerem de fome. Vamos ter um baque no emprego novamente com as restrições [à circulação]. E também alguma medida para impedir empresas de quebrar. Mas o melhor gasto fiscal é o gasto em vacina”, afirmou Paula. Sem vacinação em massa, o Brasil poderá, em 2022, estar discutindo os mesmos problemas, alertou Natalie.

Elas aproveitaram a live, que ocorreu no Dia Internacional da Mulher, para reforçar a importância de economistas mulheres ocuparem mais espaços nos ambientes de trabalho e na academia, de modo que futuras economistas se sintam representadas e tenham em quem se espelhar. “Sim, somos minoria, porém descobrimos que não somos tão poucas assim e está melhorando”, disse Natalie Victal. Grupos de apoio têm se formado para dar visibilidade às mulheres economistas e trazem esperança de um futuro ainda melhor, observou Paula Magalhães. “Passar por uma situação ruim ou ter dúvida da sua capacidade porque você não tem em quem se espelhar e se sente sozinha piora muito sua vontade de continuar, então esses grupos são muito importantes.”

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Média de mortes por covid-19 bate recorde pelo 10º dia

País tem 1.114 óbitos em em 24 horase média de 1.540 na semana móvel

O Brasil teve 1.114 mortes por covid-19 em 24 horas, até as 20h de ontem, elevando os óbitos pela doença para 266.614. A média na semana móvel encerrada ontem foi de 1.540 mortes por dia, a maior desde a chegada da pandemia ao país. A alta é de 41% em relação à semana móvel anterior. Os números são do consórcio de veículos de imprensa.

Já são 47 dias seguidos com a média móvel de mortes acima de mil, 11 dias acima de 1,1 mil, e pelo nono dia a marca aparece acima de 1,2 mil. Foram dez recordes consecutivos desde 27 de fevereiro.

Com 36.923 contágios confirmados ontem, já são 11.055.480 os casos registrados no país. A média móvel nos últimos 7 dias foi de 66.553 novos diagnósticos por dia, aumento de 37% em relação ao período anterior.

Dezenove Estados e o Distrito Federal estão com alta nas mortes: PR, RS, SC, SP, DF, GO, MS, MT, AC, AP, RO, TO, AL, BA, CE, MA, PB, PI, RN e SE.

De acordo com o consórcio, só foram vacinados até o momento com a primeira dose 4,01% da população. A segunda dose chegou a somente 1,35% da população brasileira.

O consórcio de veículos de imprensa é formado pelos jornais “O Globo”, “Extra”, “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S. Paulo”, bem como os portais UOL e G1.

Os dados são apurados junto às secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Diariamente o consórcio divulga três boletins, às 8h, 13h e 20h.

Pelo levantamento do Ministério da Saúde, o Brasil contabilizou 987 óbitos por covid-19 em 24 horas, até 17h30 de ontem. O total de mortes pela pandemia no país subiu para 266.398.

Foram computados mais 32.321 casos da doença. Com isso, o total de infectados já atinge 11.051.665, segundo o ministério. Os dados oficiais apontam 9.782.320 pacientes recuperados e 1.002.947 sob acompanhamento.

São Paulo é o Estado com mais mortes (61.584) e casos confirmados (2.117.962) de covid-19. Minas Gerais é o segundo com mais casos (924.572) e o Rio de Janeiro é o segundo com mais óbitos (33.729).

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Áustria marca oposição e deixa mais distante acordo UE-Mercosul

Governo austríaco afirma que vai fazer o máximo para impedir assinatura entre os dois blocos

Por Assis Moreira

A Áustria advertiu Portugal, na presidência rotativa da União Europeia, a não tentar manobra política para obter a ratificação do acordo de livre-comércio entre a EU e o Mercosul, num posicionamento que joga o tratado para um futuro ainda mais distante e mais incerto.

Embora a Áustria não seja dos membros mais influentes da UE, sua declarada oposição ao acordo com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai coloca mais areia numa engrenagem que já não se movia. E o mesmo poderá acontecer neste ano na Alemanha, no caso de o Partido Verde voltar à coalizão no governo.

Em carta ao primeiro-ministro de Portugal, António Costa, o vice-chefe de governo da Áustria, Werner Kogler, diz que seu governo concordou fazer o máximo para se opor à assinatura do acordo com o Mercosul, diante de “grandes preocupações”.

Na carta datada de 4 de março, Kogler argumenta que incêndios na floresta na Amazônia “também conhecida como pulmão da Terra”, em combinação com um aumento da produção agrícola intensiva nos países do Mercosul, “vão exacerbar o aquecimento global”.

“Se vamos impulsionar comércio e crescimento econômico sem levar em conta os impactos sobre a biodiversidade, ecossistemas e recursos naturais, vamos inevitavelmente indo na direção de uma catástrofe climática.”

Kogler afirma que a coalizão no poder, formado pelo Partido Popular, conservador, e pelo Partido Verde, concordou que deve prevenir esse cenário e que a Áustria e a UE “como um todo têm a responsabilidade e o papel fundamental de atuar agora, em nome de gerações futuras”.

O Parlamento da Áustria já tinha aprovado por unanimidade a decisão de o país rejeitar o acordo comercial, no ano passado. Agora, a rejeição pelo governo, diz Kogler, se refere também a “possíveis tentativas” de tentar passar o tratado com a inclusão de uma declaração ou protocolo anexo no qual o Mercosul prometeria mais compromissos ambientais.

A Áustria adverte que tampouco aceitará o “splitting’’ do acordo, pelo qual a parte comercial poderia ser separada para diminuir as dificuldades de aprovação, de forma que as preferências tarifárias entre os dois blocos poderiam beneficiar as empresas mais rapidamente.

“Vamos no opor firmemente a isso também’’, diz o vice-chefe de governo austríaco, insistindo que “não é aceitável’’ que sejam feitas tentativas de contornar qualquer resistência de um “grupo qualificado de Estados-membros”.

Em vez disso, a Áustria sugere que seja usado o “green deal”, o plano verde da EU, para avançar na proteção do clima e dar novo ímpeto ao Acordo de Paris contra mudanças climáticas.

O governo austríaco conclui pedindo para Portugal assegurar que um voto sobre o acordo com o Mercosul possa ocorrer de forma aberta “sem nenhuma manobra política e com total atenção do público”. Para a Áustria, o impacto do acordo sobre a crise climática “é um fator decisivo” e se oporá com todas as forças contra o tratado.

Na verdade, Portugal já nem fala em levar o acordo EU-Mercosul ao Conselho Europeu de líderes até junho, quando acaba sua presidência. Lisboa sabe precisamente o tamanho da oposição em vários Estados-membros, a começar pela França.

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Fundo de aviação civil pode bancar PPP de R$ 380 milhões na Amazônia

Modelo inédito envolve oito aeroportos da região

Por Lu Aiko Otta

Recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) poderão ser utilizados para bancar a parte do governo numa inédita Parceria Público-Privada (PPP) que entregará à iniciativa privada oito aeroportos da Amazônia: Parintins, São Gabriel da Cachoeira, Lábrea, Coari, Eirunepé, Carauari, Barcelos e Maués. Com investimentos inicialmente estimados em R$ 380 milhões, essa será a primeira PPP federal de médio porte.

Os estudos que vão apontar de forma definitiva o valor dos investimentos necessários e a melhor forma de financiar o negócio ainda estão em fase inicial. A decisão sobre o formato final será tomada pelo Ministério da Infraestrutura, com base nos estudos técnicos de viabilidade.

O trabalho vem sendo feito pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Mais conhecida como a “estatal do trem-bala”, hoje trabalha como uma estruturadora de projetos que dão base a concessões. Um exemplo é a concessão da Nova Dutra, que vai a leilão no terceiro trimestre.

A lei que regula as PPPs é de 2004, mas até hoje só existe um negócio desse tipo em operação no governo federal: um data center no qual se associaram a Caixa e o Banco do Brasil. O instrumento não é utilizado com mais frequência pela União porque envolve o pagamento de contraprestações pelo serviço público. A crise fiscal tem sido um empecilho, segundo informou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

No ano passado, o governo deu um passo inicial para fazer PPPs em Unidades Básicas de Saúde (UBS). Em muitos Estados e municípios, PPPs foram estruturadas para construir e operar hospitais. São locais onde o serviço é gratuito e os profissionais são do Sistema Único de Saúde (SUS). O sócio privado cuida da infraestrutura: construção, manutenção e hotelaria, e recebe por isso. A ideia era fazer o mesmo nas UBS, mas a iniciativa foi interpretada como “privatização do SUS” e acabou abortada.

Os aeroportos da Amazônia candidatos a virar PPP geralmente são administrados pelos municípios, que não têm capacidade de investimento. Os aeródromos tampouco conseguem se manter apenas com as taxas cobradas pelo uso da infraestrutura, diz o diretor-presidente da EPL, Arthur Lima. Daí porque haverá uma complementação com recursos públicos.

“A PPP terá grande impacto no desenvolvimento regional”, disse. Com poucas rodovias no Estado, algumas localidades só são acessíveis por barco ou avião.

Além dos aeroportos, o governo federal estuda PPPs para construir nova unidade do hospital Fêmina no Rio Grande do Sul. Também estão em fase de estruturação uma PPP para serviços de comunicação do Comando da Aeronáutica e outra para rádio comunicação de polícias e forças de segurança pública.

Além disso, o governo federal dá apoio técnico e financeiro a Estados e municípios que queiram estruturar PPPs de iluminação pública, presídios e infraestrutura social: saneamento, educação e saúde.

A situação das contas públicas fez com que o governo federal priorizasse as concessões comuns, que não envolvem comprometimento de recursos públicos. “Como é do conhecimento de todos, há um elevado enrijecimento das despesas no Orçamento federal, motivado por vinculações constitucionais que dificultam a assunção de novos compromissos fiscais de médio e longo prazo pela União”, informou o PPI.

No ano passado, apesar da pandemia, foram iniciados 481 projetos de concessão e PPP por União, Estados e municípios, segundo a consultoria Radar PPP. Foi o segundo maior volume em cinco anos, perdendo apenas para os 620 iniciados em 2019. A maior parte dos projetos (342) é de municípios.

O sócio da consultoria Guilherme Naves diz que a estruturação de uma concessão ou uma PPP leva tempo, dada a complexidade dos negócios. Com a crise sanitária, há um agravante: os técnicos precisarão rever seus cálculos, principalmente de projetos como rodovias, diante da queda da atividade econômica.

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BNDES acelera projeto de saneamento no Nordeste e prevê R$ 15,5 bilhões

Estimativa é que quatro blocos na região cheguem ao mercado até o fim do ano que vem

Por Rodrigo Carro

Na esteira do leilão de concessões de água e esgoto da região metropolitana de Maceió (AL), cuja arrecadação somou R$ 2 bilhões, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem mais quatro projetos de saneamento no Nordeste previstos para chegar ao mercado entre o quarto trimestre deste ano e o último de 2022. O cronograma inclui a licitação de concessões na Paraíba e em mais dois blocos de municípios em Alagoas, além de uma Parceria Público-Privada no Ceará. O investimento total estimado é de R$ 15,5 bilhões, e a população beneficiada, de 8,28 milhões de habitantes.

Só os investimentos projetados para a PPP dos serviços de coleta e tratamento de esgoto em 23 municípios cearenses totalizam R$ 8,6 bilhões. A previsão é de que o leilão ocorra ainda este ano, entre outubro e dezembro. Dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) indicam que em 2019 pouco mais de um quarto da população cearense era atendida por rede de esgoto.

A opção por uma PPP em vez de uma licitação das concessões de serviços de coleta e tratamento de esgoto levou em consideração uma análise técnica dos indicadores de saneamento, inclusive o acesso da população à água potável, explica Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas do BNDES.

Em Alagoas, outros dois blocos de municípios - além das 13 cidades da região metropolitana incluídas na licitação de setembro - deverão ter concessões leiloadas no primeiro trimestre de 2022, conforme a programação da BNDES. “O ‘efeito demonstração’ vale muito. Todo mundo olha Alagoas e diz: ‘Quero ter igual’”, resume Abrahão. Juntos, os novos blocos somam 89 municípios. A injeção de recursos é estimada em R$ 2,9 bilhões.

Sócio do escritório Giamundo Neto Advogados, Luiz Felipe Graziano destaca a percepção positiva do mercado a respeito da participação da estatal Sabesp (consorciada à Iguá Saneamento) no leilão de Alagoas. “Foi um indicativo muito interessante. Abriu a perspectiva para novos players [participantes]”, opina o advogado. Fundos de investimento buscam operadores privados de menor porte e até empresas estaduais bem administradas para entrar na disputa por concessões, conta Graziano.

A modelagem do processo de entrada da iniciativa privada nos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário está na fase inicial na Paraíba, com a contratação de consultores. “Estamos fechando a contratação com o BNDES, que vai estruturar um projeto nessa importante área da infraestrutura do Estado”, disse o governador da Paraíba, João Azevêdo (Cidadania).

Em nota, ele esclareceu que o BNDES trabalhará em conjunto com a Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa) para apresentar “a melhor alternativa” de recursos, em parceria com

a iniciativa privada. O alcance inicial estabelecido para o projeto é de 96 municípios. A Cagepa presta serviços na maior parte (81,2%) dessas cidades. Pelas contas do BNDES, serão beneficiados 2,2 milhões de habitantes, o equivalente a 55% da população da Paraíba.

Na região Norte, o banco de fomento conversa com os governos de Rondônia e Roraima. Em Rondônia, está em discussão o modelo de contrato que seria assinado entre o BNDES e o Estado - fase anterior à da modelagem. Também estão em estágio inicial as negociações com Roraima.

Pelo menos até o fim de janeiro havia a expectativa de o governo baiano licitar concessões da Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa). Segundo apurou o Valor, o governo estadual comunicou sua desistência ao BNDES. Por e-mail, a Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) da Bahia informou que estuda “a melhor modalidade de contratação para os estudos das concessões dos serviços de saneamento básico.”

Previsto para o segundo trimestre deste ano, o leilão no Acre foi cancelado porque o Estado desistiu de ofertar a concessão plena de seus serviços de saneamento básico.

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Governo espera que Congresso aprecie vetos esta semana

Ministro Rogério Marinho diz que aguarda decisão dos parlamentares sobre lei do saneamento para atrair investimentos para o setor

Por Letícia Fucuchima

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, disse ontem que o governo federal espera que o Congresso paute nesta semana a apreciação dos vetos do presidente Jair Bolsonaro à nova lei de saneamento.

“Nos foi colocado que nesta semana, quarta ou quinta-feira, há uma possibilidade que tenhamos finalmente a sessão congressual que vai definir a manutenção ou derrubada dos vetos. Estamos trabalhando com a nossa bancada e com aqueles que apoiam a modernização do setor para a manutenção do veto do presidente”, afirmou, durante evento virtual organizado pelo Santander.

O setor aguarda há meses uma definição sobre os vetos à lei, principalmente daquele que define se estatais podem ou não renovar contratos por mais 30 anos. O texto aprovado pelos parlamentares permitia essa prorrogação, mas o trecho foi vetado pelo governo. Segundo Marinho, a partir da apreciação dos vetos, o governo poderá “publicizar” o decreto que define critérios para que as empresas comprovem sua capacidade econômico-financeira para fazer os investimentos necessários, sob risco de perda do contrato.

De acordo com o ministro, o texto já está praticamente pronto e sua elaboração contou com a assessoria de uma consultoria especializada. “A partir daí [avaliação dos vetos], rapidamente, em 15 ou 20 dias depois, teremos condições de publicizar o decreto.” Também participante do evento, o deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), que foi relator do tema na Câmara, avaliou que a apreciação dos vetos é “urgente e fundamental”. “Sou favorável que o Congresso mantenha os vetos do presidente, para que a gente tenha um saneamento básico mais rápido e mais ágil. Principalmente com a chegada da pandemia, no último ano, ficou mais urgente a necessidade de recursos privados para esse setor tão importante.”

A secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, afirmou que um dos grandes desafios do governo será “multiplicar” sua fábrica de projetos de concessão e PPPs em saneamento. Para isso, segundo a secretária, o governo tem buscado apoio de entes

multilaterais e avaliado a reestruturação de fundos de desenvolvimento regionais. “A estruturação [de projetos] não pode ser o gargalo para que esses investimentos [em saneamento] aconteçam.”

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Fachin anula condenações contra Lula

Decisão de transferir processos de Curitiba para Brasília restabelece a elegibilidade de ex-presidente

Por Isadora Peron

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a anulação de todas as decisões tomadas pela Justiça Federal do Paraná nas ações penais abertas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato. Como consequência, foram invalidadas as condenações impostas ao petista, o que faz com que ele não possa mais ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e abre caminho para uma eventual candidatura em 2022.

O entendimento de Fachin foi que a 13ª Vara Federal em Curitiba, da qual o ex-juiz Sergio Moro era titular, não teria competência para julgar o ex-presidente. O ministro ordenou que os casos sejam enviados à Justiça Federal do Distrito Federal.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) já anunciou que vai recorrer. A tendência é que caso seja discutido pelo plenário. Hoje, o sentimento na Corte é que a maioria dos ministros vai referendar a anulação das condenações de Lula. Fachin deve receber apoio até da ala mais “lavajatista”, numa tentativa de preservar o legado da operação.

A decisão de Fachin foi tomada em um habeas corpus formulado pela defesa de Lula em novembro do ano passado e tem impacto em quatro processos: o do triplex no Guarujá, do sítio de Atibaia, além de duas ações envolvendo o Instituto Lula.

Em nota, o gabinete do ministro afirmou que ele tomou a decisão porque o Supremo restringiu o alcance da competência da 13ª Vara Federal. No caso de Lula, verificou-se que os supostos atos ilícitos não diziam respeito exclusivamente à Petrobras, mas também a outros órgãos da administração pública.

Fachin então aponta que, como a Segunda Turma do STF tem decidido enviar os casos de outros agentes políticos à Justiça Federal de Brasília, o mesmo entendimento deveria ser aplicado ao caso do petista.

Em sua decisão, o ministro declarou ainda a “perda do objeto” e extinguiu 14 recursos apresentados pela defesa de Lula, entre eles o que questionava a imparcialidade de Moro nos casos envolvendo o ex-presidente.

No STF, a avaliação é que Fachin tomou essa decisão para proteger a Lava-Jato, já que uma eventual suspeição de Moro colocaria em xeque todas as condenações impostas pelo ex-juiz.

Nos bastidores, a expectativa era que o ministro Gilmar Mendes levasse em mesa hoje, na Segunda Turma, o recurso sobre o caso. A movimentação teria feito com que Fachin antecipasse a sua decisão sobre quem seria competente para julgar Lula.

Durante a manhã, o relator da Lava-Jato comunicou a um ministro próximo que tomaria uma decisão “extrema”, mas não adiantou qual seria.

Em seu despacho, Fachin deixou claro que a anulação era motivada por questões processuais, e não tinha ligação com as provas colhidas pela operação.

Com isso, todo material levantado ao longo dos anos que aponta eventual cometimento de crimes pelo petista deve ser preservado e pode ser levado em consideração pelo juiz que assumir o caso.

Nos últimos tempos, a Lava-Jato vem sofrendo uma série de derrotas no STF, especialmente após a chegada de Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, à Segunda Turma. O novo ministro tem se alinhado a Gilmar e Ricardo Lewandowski. No julgamento sobre Moro, a expectativa era que os três formassem maioria para declarar Moro suspeito.

Caso isso acontecesse, Gilmar poderia vir a ser o relator do acórdão, porque teria dado o voto vencedor sobre o caso. Essa possibilidade abriria uma brecha para que novos recursos sobre a operação fossem direcionadas a ele, e não ao relator original da Lava-Jato, que é Fachin.

Ontem, o ministro Marco Aurélio Mello disse esperar que o caso seja discutido pelo plenário. devido à sua “importância e envergadura”. Para ele, a “leitura que a sociedade faz é péssima, porque se volta à estaca zero”. O ministro também disse não ver com bons olhos as críticas a Moro. “Essa toada para desqualificar uma pessoa que foi um grande juiz... Ele não pode simplesmente ser execrado”, disse.

Já o ministro Luís Roberto Barroso afirmou, durante uma “live”, que a Lava-Jato cometeu erros e que “esses erros se concentraram em uma pessoa”. Ele, então, citou episódios envolvendo Lula, como a decisão de Moro de retirar o sigilo da delação do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas da eleição, em 2018.

O ministro, no entanto, defendeu que a operação é um “símbolo” para o país. “Eu não acho que tenha sido tudo errado e vejo com grande preocupação a destruição de tudo, o que não significa que não se possa reformar uma decisão aqui ou lá.” As declarações ocorreram antes de o despacho de Fachin vir a público.

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Lula recupera direitos e Bolsonaro, a chance de ressuscitar o antipetismo

A contenda entre Bolsonaro, Lula e Moro pode acabar nas urnas, de onde, na verdade, nunca deveria ter saído

Por Maria Cristina Fernandes

O ministro Edson Fachin atirou no que viu e acertou no que não viu. Na tentativa de salvar o ex-juiz Sergio Moro de uma suspeição, devolveu ao presidente da República, num momento em que até Luciano Hang passou a criticá-lo, o mote do antipetismo. É bem verdade que se trata de uma bandeira rota. A julgar pelos crimes acumulados por Jair Bolsonaro na pandemia, os favores impróprios prestados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecem, pela pesquisa Ipec que lhe dá o maior potencial de voto em 2022, pecados menores.

A decisão do procurador-geral da República, Augusto Aras, de recorrer da decisão de Fachin de anular as condenações impostas a Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba sugere contrariedade de Bolsonaro com a decisão. A elegibilidade do Lula, porém, oferece ao presidente, de imediato, uma oportunidade para desviar o foco de sua responsabilidade na pandemia. Agora terá parceria para dividir a queda do Ibovespa.

Fachin entregou os anéis (a anulação dos processos), na tentativa de não perder os dedos (o enterro definitivo do lavajatismo), mas corre o risco de implodir toda a mão. A decisão, além de ter conflagrado a Corte, não levou o ministro Gilmar Mendes a desistir da suspeição de Moro.

O tuíte do presidente da Câmara, Arthur Lira (“Minha maior dúvida é se a decisão monocrática foi para absolver Lula ou Moro. Lula pode até merecer. Moro, jamais!”) e a nota da defesa do presidente (“[a decisão] não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da Lava-Jato ao ex-presidente Lula, ao sistema de justiça e ao estado democrático de direito”) se mostram em sintonia com a decisão de Gilmar de prosseguir com a suspeição.

Se a ideia era dividir os ministros da brigada anti-Moro, a investida de Fachin tampouco parece ter sido bem sucedida. O alinhamento da defesa de Lula na suspeição sugere que a unidade Gilmar Mendes-Dias Toffoli-Ricardo Lewandowski está preservada.

A depender de como a suspeição possa vir a ser acatada, a decisão pode ou não afetar o prosseguimento das ações contra Lula na primeira instância do Distrito Federal. A decisão de Fachin questionou a competência de Curitiba, mas contornou o mérito das acusações. O ex-presidente, porém, será beneficiado não apenas por ter recuperado a elegibilidade como pelos prazos de prescrição.

O último capítulo da novela, a inelegibilidade de Moro, é que não será pule de dez. A retirada do ex-juiz do jogo eleitoral interessa a todos. A Bolsonaro, que não quer a crônica de seus malfeitos exposta por quem a viu de dentro do governo; a Lula, que pode enfrentar um porta-voz do antipetismo mais eficiente que o presidente; e aos ministros do STF, que correm o risco de ter a imagem da Corte exposta ao escrutínio popular.

Esta dificuldade, porém, não pode ser debitada na conta de Fachin, mas dos próprios autores do desmonte em curso da legislação anticorrupção. Paradoxalmente, Moro correria mais risco se o pacote anticrime que enviou ao Congresso em 2019 tivesse sido aprovado na íntegra. Como foi desfigurado, pelos mesmos personagens que hoje o alvejam, o ex-juiz pode vir a ser o beneficiário. A contenda findaria nas urnas, de onde, na verdade, nunca deveria ter saído.

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Duelo de rejeições deve ser a tônica da disputa no 2º turno de 2022

Isolamento aproximará o petista de sua primeira candidatura presidencial

Por César Felício

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na 13ª Vara Federal recoloca o petista na vida pública, deve levá-lo à sexta candidatura presidencial em 2022 e, em tese, poderia ser comemorada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ficaria desde já praticamente definido o segundo turno da eleição. Lula, com alta rejeição, concorrendo virtualmente sem alianças. Bolsonaro, com alta rejeição e a sustentação do Centrão, por conveniência política, e do mercado, por exclusão. Nestas circunstâncias - a da eleição se converter em um duelo de rejeições - Bolsonaro tem mais margem de manobra, por contar com todo o instrumental disponível a um presidente candidato à reeleição.

A carreira política de Lula é tão longa que o ex-presidente já encarnou vários papéis. Ele já foi o artífice do aliancismo, em 2002 e 2006, quando se compôs com setores do empresariado e da

política tradicional.. Já teve uma aliança limitada à esquerda, em 1998, quando Leonel Brizola se rendeu a ser vice em sua chapa. Caprichou na veia messiânica em 1994, em caravanas denunciando a miséria e a fome, antes de ser atropelado pelo Plano Real e por Fernando Henrique como a solução de todos os males do país. E viveu a fase radical em 1989, na sua primeira tentativa.

O Lula de 2022 tende a ser mais parecido com o do início da sua caminhada. Não pelo radicalismo, mas pela tendência ao isolamento. É uma candidatura em primeiro lugar de resgate histórico, de fazer prevalecer a narrativa que o país foi vítima de golpes entre 2016 e 2018 para alijá-lo da cena político.

Dele pode se repetir em parte o que Talleyrand falou a respeito de Luis XVIII, o Bourbon restaurado no trono da França após a queda de Napoleão Bonaparte: nada esqueceu e nada aprendeu. Que nada esqueceu é o que tudo indica. O ex-presidente, pelas suas colocações desde que saiu da prisão, parece mais disposto a promover um ajuste de contas do que promover uma conciliação nacional. Nada aprender, no sentido dado por Tallleyrand, é repetir as mesmas práticas que levaram à sua derrocada. Isso o tempo ainda dirá.

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Decisão abre espaço para anulação em massa da Lava-Jato, dizem advogados

Matéria ainda pode ser avaliada por Turma ou Plenário de Corte

Por André Guilherme Vieira

Delações premiadas e outros processos relacionados à Lava-Jato, além daqueles envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estão sob risco de anulação, conforme entendimento de advogados entrevistados pelo Valor, que acreditam, ainda, que a discussão sobre a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro não se encerrou.

Ontem, o relator da operação no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, tornou nulas as condenações impostas ao ex-presidente pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, - juízo ocupado pelo ex-ministro de Jair Bolsonaro, Sergio Moro, que atuou como juiz até novembro de 2018. Fachin entendeu que as decisões não poderiam ser tomadas pela Vara Criminal de Curitiba, porque, segundo o ministro, não havia conexão direta com a Petrobras.

A decisão do ministro do STF também apontou que não deve ser mais julgado o pedido de suspeição de decisões de Moro nos processos relacionados a Lula.

“A depender do caso, algumas outras condenações que também não tinham relação direta com a Petrobras podem vir a ser anuladas”, diz o criminalista membro do Instituto de Garantias Penais (IGP), Marcelo Bessa.

“É possível que alguém argumente que, como foi celebrado acordo de delação com um juízo agora reconhecido como incompetente, então tal pacto não pode mais ter validade”, afirma Bessa sobre os acordos.

Professor de processo penal e advogado Rodrigo Faucz, enxerga na decisão de Fachin uma brecha que pode afetar em massa procedimentos da Lava-Jato ligados à 13ª Vara Federal de Curitiba.

“Em tese, todos os processos julgados por esse juízo e que não envolvam ilícitos cometidos no âmbito da investigação da Petrobras terão de ser anulados e encaminhados aos respectivos juízos competentes”, afirma.

Segundo Faucz, ainda é cedo para mensurar se haverá impacto da decisão de Fachin sobre acordos de leniência e delação firmados com a Lava-Jato de Curitiba.

“Até mesmo porque as mensagens [de celulares de Moro e de investigadores vazadas por um hacker] mostraram que tais institutos podem ter sido utilizados indevidamente”, afirma.

“No entanto, certamente a defesa do ex-presidente Lula deverá ter assegurado o direito de confrontar em audiência os delatores e demais testemunhas de acusação, sob pena de violação dos princípios da ampla defesa”.

Para o doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo, Conrado Gontijo, o debate sobre a parcialidade de Moro “é grave e essencial” e não deve ser impactado pela decisão do ministro Fachin.

“O Código de Processo Penal prevê que as arguições de suspeição devem ser analisadas antes das questões de incompetência territorial”, pontua Gontijo.

Para o advogado e professor do curso de especialização em direito econômico da Fundação Getulio Vargas, Celso Vilardi, a decisão de Fachin livra Moro e os procuradores da Lava-Jato de explicarem as conversas vazadas e obtidas pela Operação Spoofing.

“O ex-juiz Moro e os procuradores não terão de verificar as mensagens da Spoofing sendo analisadas pelo Supremo, nem terão de verificar a questão da suspeição que, de certa forma, os beneficia”.

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Em pronunciamento, Lula deve dar largada à candidatura em 2022

Direção da sigla adota tom de cautela ao comentar decisão e cobra ação do STF contra Moro

Por Cristiane Agostine, Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Renan Truffi e Cristian Klein

O PT e lideranças de centro-esquerda comemoraram ontem a retomada dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e avaliaram que o petista deve se consolidar como o principal candidato do campo progressista para 2022, com maior viabilidade eleitoral para construir uma frente ampla e disputar contra o presidente Jair Bolsonaro. Petistas analisaram que outras pré-candidaturas dentro do partido e de legendas aliadas, como PCdoB e Psol, se desidratarão e tendem a ser retiradas. A exceção deve ser a pré-candidatura de Ciro Gomes, reforçada ontem pelo PDT e pelo pré-candidato.

Lula fará hoje um pronunciamento sobre a retomada de seus direitos políticos, depois da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente pelo ex-juiz Sergio Moro. O discurso é esperado com grande expectativa por dirigentes do partido, que veem o ato como o primeiro da pré-candidatura de Lula à eleição presidencial.

A decisão de Fachin pegou o PT de surpresa. O partido não havia recebido qualquer sinal de que o magistrado poderia anular todas as decisões tomadas pela 13ª Vara de Federal em Curitiba (PR) nas ações penais abertas contra Lula na Lava-Jato. Como consequência, o ex-presidente não se enquadra mais na Lei da Ficha Limpa, podendo ser elegível para 2022.

Apesar de comemorar a anulação das condenações de Lula, a direção petista adotou um tom de cautela ao se pronunciar oficialmente sobre a decisão de Fachin por temer que a determinação do magistrado seja alterada.

O PT criticou ainda a decisão pelo fim dos processos que tramitam no STF questionando se o ex-juiz Sergio Moro foi parcial na condução das ações contra o ex-presidente. Petistas afirmaram que o curso natural dos processos era que Moro o ex-juiz Sérgio Moro fosse considerado parcial e, com isso, todas suas decisões também acabariam por serem invalidadas. Neste desfecho, entretanto, a sentença serviu mais para “livrar a cara do Moro”.

A presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffman (PR) afirmou que o mais importante da decisão de Fachin é devolver os direitos políticos para o petista, mas cobrou que o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro ainda seja julgada - o processo foi anulado junto com as condenações.

“A defesa está analisando todos os efeitos da sentença e obviamente vai tomar as decisões que achar importante no sentido de recorrer de pontos dela, inclusive sobre essa possibilidade [de pedir a suspeição de Moro], mas não tenho ainda isso definido”, disse Gleisi a jornalistas. A petista afirmou que a decisão “não apagará a dor e a injustiça”, mas que o importante é “reestabelecer os direitos políticos” do ex-presidente.

Gleisi evitou falar sobre a eleição de 2022, mas disse que Lula nunca deixou o cenário político. “A gente só lamenta que isso tenha demorado cinco anos, que o presidente Lula tenha sido submetido a toda sorte de humilhações e perseguição para só agora ter reconhecido isso, o que estava nas alegações iniciais da defesa.”

Ex-ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo (PT) defendeu que os advogados de Lula entrem com um recurso para que o STF avalie a suspeição de Moro em suas decisões. Cardozo, no entanto, elogiou a decisão de Fachin sobre a anulação dos processos contra o petista.

A defesa de Lula afirmou que a decisão do ministro do STF não repara os danos causados pelo ex-juiz Sergio Moro ao petista. Os advogados do ex-presidente afirmaram que houve um “conluio” de Moro e da Lava-Jato contra Lula.

“A despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados. Sempre provamos que todas essas condutas faziam parte de um conluio entre o então juiz Sergio Moro e dos membros da “força tarefa” de Curitiba”, afirmaram os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, em nota.

Ex-juiz, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), avaliou a decisão de Fachin como “tecnicamente perfeita” e, a exemplo de José Eduardo Cardozo, defendeu que os advogados de Lula recorram da decisão que declara o fim dos processos de parcialidade contra Moro. “Finalmente teve o reconhecimento de que não pode ter um ‘super juiz’, um juiz que decide tudo”, afirmou o governador.

Cotado como pré-candidato à Presidência e uma das principais lideranças da centro-esquerda, Dino afirmou que o jogo eleitoral foi alterado e que a decisão de Fachin fortalece Lula. Para o governador, a candidatura do ex-presidente facilita a construção de uma aliança eleitoral e a ajuda a atrair outras forças políticas além da esquerda. “A presença de Lula ajuda a gente a colocar mais forças políticas para isolar Bolsonaro”, disse.

Vice na chapa petista de 2018, Manuela D’Avila destacou que Lula volta a ser elegível. “Essa é uma grande vitória para o nosso país!”

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, disse que a mudança no cenário eleitoral “não muda em nada” a disposição do partido em construir uma ampla frente eleitoral, com forças políticas para além da centro-esquerda. Siqueira evitou falar em candidatos para 2022. “Não vamos falar em nomes. Não precisamos de um salvador da pátria. Mas temos que ver quem agrega mais forças sociais, políticas e econômicas.”

Já o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, reiterou a pré-candidatura do ex-ministro Ciro Gomes. Lupi disse que uma eventual candidatura de Lula é legítima, mas representa o passado e disputará contra o PDT. Horas antes da decisão de Fachin, em entrevista ao Uol, Ciro atacou o petista, a quem comparou a um caudilho e chefe de máfia e quadrilha.

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Bolsonaro critica Fachin e ministros se dividem sobre Lula

Auxiliares mais próximos do presidente veem riscos e vantagens em concorrer com o petista

Por Fabio Murakawa e Matheus Schuch

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que anulou as condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava-Jato era “previsível” por conta de ligações do ministro Edson Fachin com o PT. No entorno de Bolsonaro, enquanto isso, a avaliação é que a devolução dos direitos políticos a Lula traz riscos para as pretensões do presidente de se reeleger em 2022.

Há ainda quem afirme que Bolsonaro está no momento mais preocupado com a escalada de mortes por causa da covid-19, que pode ter um impacto político maior do que a decisão do STF.

“Qualquer decisão dos 11 ministros [do STF] é possível você prever o que eles pensam e o que botam no papel. O ministro Fachin tinha, sempre teve, uma forte ligação com o PT. Então, não nos estranha uma decisão neste sentido”, disse Bolsonaro a jornalistas à porta do Palácio da Alvorada.

O presidente criticou as “bandalheiras” do governo petista e opinou que ela terá que ser revista em colegiado.

“Obviamente, é uma decisão monocrática, mas tem que passar pela turma, não sei, ou pelo plenário para que tenha a devida eficácia”, afirmou. “Agora, todo mundo foi surpreendido com isso daí. Afinal de contas, as bandalheiras que este governo fez estão claras perante toda a sociedade”, afirmou o presidente, que antes havia dito que a decisão era “previsível”.

Na visão de parte de seus auxiliares mais próximos, Bolsonaro pode se beneficiar da polarização com Lula, que tem alta rejeição entre o eleitorado que apertou 17 na última eleição presidencial.

“Bolsonaro sempre achou que o adversário dele vinha do PT. Eu acho uma boa decisão”, disse um ministro ao Valor sob anonimato.

Um outro grupo, no entanto, afirma que Lula representa riscos para o presidente, por conta de sua capacidade de articulação e também pelo grande potencial de votos que carrega no Nordeste.

“Lula limpo pode organizar a oposição ao Bolsonaro. Aí a brincadeira começa a ficar séria”, pondera uma fonte palaciana.

Um ministro próximo do presidente afirma que a principal preocupação de Bolsonaro no momento é com a explosão de mortes na pandemia.

“Se Lula está solto, preso ou pode concorrer à Presidência, isso não altera o número de mortes amanhã”, disse. “É com isso que o presidente está preocupado.”

No Palácio do Planalto, há ainda quem duvide da fidelidade do centrão, que o governo cooptou após se afastar dos bolsonaristas mais radicais. Lula ressurge como presidenciável justamente no momento em que o presidente começa a ser cobrado por conta da falta de vacinas e do agravamento da pandemia no país.

Uma alta autoridade do governo, porém, não acredita em uma debandada dos partidos fisiológicos que hoje compõem a base de sustentação no Congresso. “O Centrão só ficou com quem estava no poder. [Foi assim com] Lula, Dilma, Temer. E agora Bolsonaro. Não vão para a oposição”, previu.

Já ensaiando uma polarização, Bolsonaro ontem partiu para o ataque e disse que a administração do PT foi “catastrófica”.

“Foi uma administração catastrófica do PT no governo. Eu acredito que a população sequer quer ter um candidato como esse em 2022 e muito menos pensar em possível eleição dele”, afirmou o presidente.

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Lira cobra punição a Moro; Maia pede construção de candidatura do centro

Presidente da Câmara, a exemplo de outros integrantes do Centrão, também foi alvo da Lava-Jato

Por Carolina Freitas, Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Vandson Lima, Renan Truffi e Marina Falcão

Lideranças identificadas com partidos ou com o ideário de centro reagiram ontem com cautela diante da notícia da anulação das condenações ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo ex-juiz federal Sergio Moro na Operação Lava-Jato. Com a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), Lula pode novamente disputar eleições, algo que tentou em 2018 mas foi impedido pela Justiça. Uma candidatura de Lula em 2022 polarizaria a disputa entre ele e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Isso pode enfraquecer candidaturas posicionadas mais ao centro.

Expoente do Centrão, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que sua “maior dúvida” sobre a decisão de Fachin é se ela foi tomada para “absolver Lula ou Moro”. “Lula pode até merecer. Moro, jamais!”, escreveu Arthur Lira no Twitter. O presidente da Câmara, a exemplo de outros integrantes do Centrão, também foi alvo da Lava-Jato.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), evitou se posicionar sobre reviravolta no caso Lula. “Não vou comentar decisão judicial do Supremo Tribunal Federal em caso concreto, cujos elementos jurídicos desconheço”, afirmou Pacheco, que é advogado.

O apresentador de televisão Luciano Huck, que estuda a possibilidade de se lançar candidato a presidente nas eleições do ano que vem, comentou: “Uma coisa é fato: figurinha repetida não

completa álbum.” O apresentador ponderou que o STF tem “a última palavra” e que é preciso refletir “com equilíbrio” sobre o momento e sobre o que vem pela frente.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) avaliou como “correta” a posição de Fachin. “Demorou muito. Gera danos para o próprio ex-presidente mas, mesmo atrasada, é uma decisão que todos avaliavam: que Curitiba não podia ser o juiz natural de todos os casos do Brasil. É a decisão correta do ponto de vista jurídico”, afirmou Maia.

“A questão eleitoral não pode ser mais relevante do que um julgamento justo para todos os brasileiros, inclusive para o ex-presidente Lula”, disse o deputado.

“Cabe agora àqueles que se opõem ao PT e ao Bolsonaro que consigam construir um projeto de centro, centro-esquerda ou centro-direita viável”, afirmou Maia.

O ex-ministro da Saúde de Bolsonaro Henrique Mandetta (DEM-MS) afirmou que os “extremos comemoram” a liberação de Lula. Mandetta é cogitado como candidato a presidente em 2022. “Os extremos comemoram, pois se nutrem um do outro. A ruptura da liga social brasileira avança. Mais que nunca o povo de bem terá que apontar o caminho para pacificar esse país”, escreveu, em seu perfil no Twitter, o ex-ministro.

Mandetta vem defendendo a formação de uma “terceira via”, ou seja, uma candidatura que fique distante da polarização entre PT e Jair Bolsonaro.

Os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), não se posicionaram até a noite de ontem sobre a anulação dos processos contra Lula. Ambos têm pretensões presidenciais e já fizeram duras críticas tanto ao petista quando a Bolsonaro.

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Espaço para candidaturas de centro se reduz, diz analista da MCM

Quadro de polarização não é tranquilizador para o mercado, diz Ricardo Ribeiro

Por Sergio Lamucci

O cenário de polarização entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva avançou ontem várias casas, com a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), reintegrando o petista no jogo político nacional, avalia o analista Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. Para ele, “reduziu-se o espaço disponível a candidaturas alternativas de perfil centrista, especialmente para as posicionadas mais à esquerda, como Ciro Gomes”, ressalvando a hipótese de a nova derrota da Lava-Jato estimular o ex-ministro Sergio Moro a ser candidato, hoje uma possibilidade remota. Esse quadro de polarização não é obviamente tranquilizador para o mercado, diz Ribeiro, em nota.

“Quanto ao impacto da presença de Lula na corrida eleitoral, uma avaliação preliminar indica que polarizar com o ex-presidente é o melhor cenário para Bolsonaro”, observa Ribeiro. “Contudo, é também um risco substancial. Uma coisa é enfrentar o PT com Fernando Haddad candidato. Outra é com Lula na cabeça de chapa”, diz o analista da MCM. “É bom lembrar que Lula liderava todos os cenários de intenção de voto em 2018, no primeiro e no segundo turnos, antes de ser substituído por Haddad. Além disso, as pesquisas para 2022 sempre o colocam em melhor posição que Haddad e algumas mais recentes sinalizam condições de que o ex-presidente seja bastante competitivo na próxima eleição presidencial.”

Ribeiro observa ainda que, com Lula na disputa, também será mais difícil para o atual presidente reverter a rejeição que sofre no Nordeste. “Por outro lado, desde que Bolsonaro se comporte de

maneira mais condizente com o cargo que ocupa, o retorno de Lula à condição de presidenciável lhe dará oportunidade de restabelecer alianças perdidas ou enfraquecidas com parcelas da centro-direita, da direita, da elite econômica e do mercado financeiro que se desiludiram com o atual presidente”, pondera o analista da MCM.

Outro risco para Bolsonaro seria Moro sair candidato, diz Ribeiro. Hoje, essa hipótese vista como improvável, mas, se o ex-ministro da Justiça “decidir também entrar na corrida presidencial, concorrerá com Bolsonaro para ser o principal candidato anti-Lula e anti-PT”, avalia o analista da MCM.

Na visão de Ribeiro, Lula certamente fará oposição ferrenha a Bolsonaro, agora que a possibilidade de voltar à Presidência tornou-se viável, embora ainda possa ser revertida pelo plenário do STF. “Quanto a isso não resta dúvida. Surfar a onda antibolsonarista será sua estratégia, para compensar o sentimento antipetista ainda bastante forte no país”, escreve ele.

“A dúvida é a respeito da reaproximação com forças políticas que já foram aliadas, mas que se afastaram de Lula e do PT e que - algumas - apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff. Lula sempre foi muito pragmático em suas ações políticas. Tal característica, à primeira vista, o levaria a ser mais moderado”, diz Ribeiro. “Contudo, o sentimento de sua base neste momento é avesso a pacificações. Talvez exija de Lula, ao menos nesses primeiros momentos, uma atitude mais combativa do que apaziguado.

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PEC emergencial tem grandes chances de aprovação

Aprovado na quinta-feira pelo Senado, texto deve ser votado rapidamente no plenário da Câmara, sem passar pelas comissões

Por Raphael Di Cunto

A Câmara dos Deputados pautou para votação esta semana cinco propostas com relevância econômica que têm alta chance de aprovação nos próximos 180 dias, segundo projeção do Estudos Legislativos e Análise Política do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap/Ello) para o Valor Política.

A proposta de emenda constitucional (PEC) emergencial, que viabiliza o pagamento de uma nova rodada do auxílio emergencial fora das regras fiscais, tem alta probabilidade de aprovação, segundo projeção do Cebrap/Ello. O texto foi aprovado na quinta-feira pelo Senado e deve ser votado rapidamente no plenário da Câmara, sem passar pelas comissões.

Com relação à covid-19, os deputados analisarão, com alta chance de aprovação, a medida provisória (MP) que ampliou a margem de crédito consignado para aposentados e pensionistas até 31 de dezembro de 2020 e a proposta que permite que os pedidos médicos para realização de exames pré-natal sejam válidos enquanto durar a pandemia. A Câmara também deve votar projetos de combate à fraude eletrônica e a Lei do Gás Natural.

Câmara e Senado somam sete projetos previamente pautados em plenário ou de forma conclusiva nas comissões. A probabilidade de aprovação dessas propostas é calculada pelo Cebrap/Ello com base num modelo estatístico sobre o histórico de votações desde 1988.

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“Subestimam a força da esquerda e superestimam a rejeição”, diz Garman

Para diretor da Eurasia, houve um erro de cálculo entre analistas político e pessoas do mercado

Por César Felício

O mercado e analistas não precificaram a força da esquerda no Brasil e a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra que uma candidatura deste campo ideológico em 2022 pode ser competitiva. Para o diretor executivo para Américas do Eurasia Group, Christopher Garman, não há porque o Brasil destoar do padrão latino-americano.

“Quando os governos de centro-direita do México, da Argentina e do Equador entraram em crise de popularidade, quem se beneficiou politicamente foi aquele que estava na posição mais clara de oposição. Se as coisas com a direita andam mal, porque a esquerda não estaria forte na eleição seguinte?”, indaga. Segundo Garman, “estão subestimando há tempos a força de Lula e superestimando a sua rejeição, sem entender que o tempo passa”.

De acordo com Garman, as preocupações do eleitor brasileiro mudaram nos últimos anos. O passivo do PT e de Lula, que é a associação com a corrupção, permanece, mas este não é mais um tema que emociona a sociedade como antigamente. “O eleitor agora quer renda, emprego e saúde, e não combate à corrupção. A agenda mudou e portanto não é possível achar que a rejeição a Lula é intransponível”.

A Eurasia normalmente procura quantificar em porcentagem as chances de um determinado evento acontecer, mas em relação à eleição presidencial de 2022 Garman prefere não arriscar-se nesse exercício por enquanto.

“Ainda há variáveis que não estão dadas”, explica. “É preciso verificar se a recuperação da economia virá no segundo semestre do ano. É preciso ver como se resolverá o drama sanitário do país, que está fazendo um enorme estrago na popularidade do presidente Bolsonaro, com tendência a piorar. O auxílio emergencial virá menor e não terá o mesmo efeito político”, diz. “Os próximos dois meses serão cruciais”, conclui.

Garman concorda que o quadro do Brasil em 2021 está parecido com o dos Estados Unidos no ano passado, onde o tropeço na economia e sobretudo a incompetência do governo em lidar com a pandemia de covid-19 fez com que o então presidente Donald Trump perdesse uma eleição ganha.

“A diferença é que Bolsonaro conta com um tempo que Trump não teve. Ele pode se recuperar em um ano e meio. A eleição não será em abril”, diz.

Garman é cauteloso ao avaliar as chances do centro no Brasil. “O cenário pode mudar caso haja uma articulação que impeça uma fragmentação entre várias candidaturas”, pondera. Mas enfatiza que o centro não ocupa o espaço do antibolsonarismo com a clareza que Lula pode ter. “De um lado temos Bolsonaro. Do outro ex-ministros ou ex-apoiadores dele, com exceção do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Por que não deveríamos achar que Lula não se beneficia da rejeição ao presidente?”

Para o diretor da Eurasia, também não se pode descartar que estratégia política, dificuldades judiciais ou de saúde impeçam a candidatura de Lula. Neste caso, ele vê possibilidades de Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT) herdarem sua competitividade.

Caso a candidatura presidencial de Lula se consolide, Garman acha possível que o ex-presidente, mais adiante, refaça suas pontes com o mercado.

“O discurso dele tornou-se mais radical nos últimos tempos, mas as pessoas sabem o que o PT representa. Percebem a diferença entre o que significou o governo de Lula e o que representou o governo de Dilma Rousseff. A reação inicial é de aumento de risco, mas sempre é possível refazer ligações com o setor privado, sobretudo para ele”.

Garman diz que a surpresa com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin aumentou o grau de incerteza no mercado. “Foi um evento completamente inesperado. Aparentemente, no empenho para salvar a Operação Lava-Jato, Fachin não hesitou em salvar o Lula. Não era previsível”, diz. Até a decisão de Fachin, o cenário tido como mais provável na cena política era que o Supremo Tribunal Federal (STF) colocasse em pauta a ação que pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos processos em que Lula foi condenado, o que poderia abrir portas para a anulação das sentenças, embora isso não fosse absolutamente claro.

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“Lula pode desestabilizar Bolsonaro”

Para cientista político Octavio Amorim, volta de ex-presidente ao jogo eleitoral desorganiza todos os adversários ao Planalto em 2022 e pode provocar debandada do Centrão

Por Cristian Klein

A volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral - com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que anulou ontem as condenações ao petista na Lava-Jato - desequilibra todos os adversários do PT no tabuleiro da disputa à Presidência no próximo ano. Para o cientista político Octavio Amorim (FGV-Rio/Ebape), ao se tornar elegível novamente, Lula desorganiza tanto os concorrentes à esquerda, como o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), à extrema direita, como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), quanto aqueles que articulam candidaturas pelo centro e pela centro-direita, entre eles o governador de São Paulo João Doria (PSDB), o apresentador de TV Luciano Huck (sem partido) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), a quem considera o mais promissor para furar a vislumbrada polarização entre petistas e bolsonaristas. A volta de Lula, aponta, tem também o condão de desarrumar o governo Bolsonaro, que pode dobrar a aposta no populismo e ter abalada a sustentação pelas elites financeiras.

Segundo Amorim, ainda resta espaço para o centro do espectro político se movimentar e lançar um nome competitivo para 2022, dada a alta rejeição a Lula e PT e a Bolsonaro. O problema é a falta de tempo e de lastro partidário, o que favorece os adversários já estabelecidos, afirma. Em sua opinião, Lula e PT agora têm “um bom domínio sobre o jogo”, com muitas cartas na manga. Longe de se anunciar imediatamente como pré-candidato, faz sentido para o ex-presidente e seu partido deixarem o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad circulando pelo país, como já vem fazendo, numa estratégia de atrapalhar os concorrentes. “Se o Haddad sumisse, seria a certeza de que o candidato é só o Lula. Mas para o PT o melhor jogo seria confundir os adversários”, diz.

Amorim afirma ainda que Lula poderia lançar uma “manobra tática brilhante” nos moldes do que ocorreu na Argentina, onde a ex-presidente Cristina Kirchner, com alta rejeição no eleitorado, cedeu a cabeça de chapa ao menos conhecido e discreto correligionário Alberto Fernández, de quem foi vice, pelo Partido Justicialista.

“Lula pode surpreender. Afinal, na sua própria definição, é uma metamorfose ambulante. Tem uma personalidade bastante flexível ainda que em alguns momentos ele radicalize. Lula sempre foi esse animal político, cometeu enormes erros, mas também com grande flexibilidade tática”, afirma Octavio Amorim, que credita a analogia com o país vizinho ao colega e cientista político Christian Lynch (Iesp/Uerj).

Entre as possibilidades de composição estaria o próprio Haddad - derrotado por Bolsonaro no segundo turno em 2018 - e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). “Esta seria uma chapa fortíssima. Dino tem uma personalidade moderada, um discurso muito sensato que pode ser útil numa campanha presidencial em que as forças conservadores continuam sendo dominantes”, diz. Amorim parte do pressuposto de que, apesar da força eleitoral de Lula, o PT precisa fazer um movimento mais centrista, por duas razões.

Primeiro, porque desde 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, apontado como um golpe parlamentar, o PT teria se radicalizado, saindo da centro esquerda em direção à esquerda. Sinal do movimento teria sido a visita da presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffmann, à Venezuela, para a posse do presidente Nicolás Maduro, em janeiro de 2019. Isso teria sido reforçado pela prisão de Lula. “Desde sua prisão, Lula é um sujeito muito amargurado e ressentido”, diz Amorim, para quem uma mudança do partido para reverter o antipetismo deveria incluir uma declaração pública sobre o combate à corrupção.

O segundo ponto que justificaria a necessidade de moderação do PT, aponta o pesquisador, é a virada do eleitorado para a direita, cujo marco foi a ascensão de Bolsonaro e de seus apoiadores. “2022 é caudatário de 2018. O movimento geral de opinião ainda é em direção à direita. Tudo indica que o ciclo continuará”, afirma, lembrando que o fenômeno foi tratado no livro “O Brasil dobrou à direita”, do cientista político Jairo Nicolau (FGV/CPDOC).

Sem esse movimento ao centro, Amorim vê um cenário menos otimista para o PT. No entanto, diz, a tendência é que, dada a experiência política, Lula procure desestabilizar a base de apoio de Bolsonaro no Congresso, calcada no Centrão, bloco de partidos conhecidos pelo fisiologismo e pela procura de quem está com a expectativa de poder. “O que o Lula pode fazer para realmente desequilibrar o Bolsonaro é fazer com que alguns partidos do Centrão comecem a balançar. É eles começarem a ver que as perspectivas do bolsonarismo começam a decair e, em algum tempo, vem um movimento de debandada em massa, como o Centrão faz em todo governo, se ele vai mal”, afirma.

Amorim diz que o próximo movimento de Lula deve ser o de “negociar com aqueles que até recentemente ele costumava chamar de golpistas, o pessoal que votou para derrubar a Dilma”. “Imagine o Lula aparecendo com o Renan Calheiros (MDB), novamente, em Alagoas. Isso vai gerar muita tensão dentro do Centrão e dentro da base do governo. E isso Lula sabe fazer muito bem”, diz.

Por outro lado, pontua Amorim, “o jogo político está muito aberto” já que não existe um padrão de competição político tão fechado como era entre PT versus PSDB. “Isso acabou. E o bolsonarismo, por conta de sua natureza, não se constituiu em algo sólido, muito pelo contrário. O bolsonarismo é de uma volatilidade impressionante. Não tem partido ainda. Acredita radicalmente em mídia social. Mídia social é bom para você fazer oposição; agora, para governar, como se sabe, não é tão fácil assim. Precisa de organização, de quadros e de apoio de uma maioria parlamentar”.

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PEC 186 mantém benefícios fiscais por oito anos

Benefícios às micro e pequenas empresas e à Zona Franca de Manaus, por exemplo, não poderão ser reduzidos

Por Ribamar Oliveira

O texto da Proposta de Emenda Constitucional 186, aprovado na semana passada pelo Senado, torna irredutíveis, por até oito anos, os atuais benefícios concedidos às micro e pequenas empresas, à Zona Franca de Manaus e às áreas livre comércio, às entidades sem fins lucrativos, à cesta básica e bolsas de estudo. “Congelou tudo”, constatou o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em entrevista ao Valor. “Durante esse prazo ou até que o montante da renúncia de receita chegue a 2% do PIB [Produto Interno Bruto], esses benefícios não poderão ser reduzidos”, disse. “Fica tudo do jeito que está”.

Esses benefícios foram excluídos do plano de redução de incentivos que, segundo determinação da PEC 186, o presidente da República terá que encaminhar ao Congresso Nacional no prazo de seis meses depois da promulgação da emenda constitucional. Com o plano, o presidente terá que propor alterações legislativas para diminuir os incentivos e os benefícios a 2% do PIB, no prazo de oito anos.

O problema é que a PEC não prevê punição para o caso de a redução não ser aprovada pelo Congresso. “O presidente terá apenas que enviar o plano ao Congresso”, observou a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane. “A intenção da PEC parece ser a de protelar a diminuição dos benefícios”, advertiu. “Quem vai ganhar no curto prazo é quem terá a exceção constitucionalizada”, disse.

A procuradora considera “muito perigoso” o artigo da PEC 186 que trata da renúncia de receita porque as exceções que estão sendo feitas “podem ser lidas como profunda limitação para que se mude esses benefícios no futuro”. Ela explicou que existe uma tese entre os advogados tributaristas de que qualquer previsão de restrição de tributação configuraria “imunidade tributária”.

Graziane considera que o artigo da PEC representa uma “blindagem” dos benefícios que foram excluídos do plano de redução, o que é uma restrição da capacidade do poder público de tributar. Para ela, as exceções abrem um flanco para que novas exceções sejam inseridas no texto constitucional.

A procuradora disse que o tratamento dado pela PEC à renúncia de receita foi “na contra mão do que vem sendo discutido”. Ao julgar as contas de 2017 do ex-presidente Michel Temer, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou que o governo federal definisse um plano para a redução dos subsídios, de forma que o montante da renúncia de receita voltasse ao patamar de 2% do PIB, lembrou.

O ex-secretário Everardo Maciel, por sua vez, observou que, embora alguns dos benefícios excluídos pela PEC do plano de redução estejam previstos no texto constitucional, suas regras e condições estão definidas em lei complementar, como é o caso do Simples Nacional - o regime simplificado aplicável às micro empresas e às empresas de pequeno porte. Caso a PEC seja aprovada, as regras atuais não poderão ser alteradas, se for para reduzir os benefícios. “Fica tudo congelado”, reforçou.

Everardo disse que a desoneração da cesta básica está sendo colocada no texto constitucional, bem como os benefícios concedidos às bolsas de estudo. Ele advertiu, no entanto, que não há, na legislação, uma definição do que seja cesta básica. “Temos leis que reduzem tributos de uma porção de produtos, que são qualificadas como a cesta básica”, “Nada disso poderá ser alterado pelo prazo de até oito anos ou até que a renúncia de receita chegue a 2% do PIB”, explicou.

O ex-secretário ponderou ainda que o conceito de renúncia de receita ainda não é claramente definido e que a metodologia do PIB pode mudar e o seu valor nominal ser revisto. “Estamos falando de um percentual que se aplica sobre um PIB que não sabemos o que será e de uma renúncia ainda não definida”, afirmou.

O Valor consultou a Secretaria da Receita Federal sobre o artigo da PEC 186. Por meio da assessoria de imprensa, a Receita disse que ainda está avaliando o texto. A proposta inicial da PEC 186, elaborada pelo Ministério da Economia, não previa o plano de redução de tributos e nem as exceções. Estabelecia apenas que nenhum novo benefício poderia ser concedido enquanto a renúncia de receita fosse superior a 2% do PIB.

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Bolsonaro aconselha relator a alterar texto da PEC emergencial

Busca por consenso pode atrasar votação da PEC emergencial

Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto

Freitas: relator irá se reunir com líderes partidários preparar um parecer que não tenha dificuldades de ser aprovado — Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados - 24/6/2020

Pressionado pelo calendário para a retomada do pagamento do auxílio emergencial, o relator da proposta de emenda constitucional emergencial, Daniel Freitas (PSL-SC), foi alertado ontem pelo próprio presidente Jair Bolsonaro que a bancada da segurança pública permanece querendo retirar os profissionais da área das regras de congelamento de salários.

Ontem, o presidente afirmou que a bancada da bala estava insatisfeita com o texto e alertou que a PEC poderia perder apoio importante do grupo.

“A bancada da segurança queria mudanças, ela tem mais ou menos 50 parlamentares. Conversei com relator e com o Arthur Lira e, da minha parte, falei com o relator que ele poderia correr o risco de não aprovar, se não mexesse em três artigos. Eram cinco, reduzimos para três, buscando negociação”.

O principal encontro de hoje de Freitas deve ser com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que disse na semana passada que pretendia concluir a análise da PEC em dois turnos até amanhã. No entanto, a busca de uma versão mais consensual pode atrasar esses planos.

Isso porque apenas após o encontro com os líderes Freitas elaborará o relatório, o que pode acabar adiando a apreciação da admissibilidade da PEC para o dia seguinte. Caso o adiamento se confirme, a apreciação em dois turnos pode ser concluída na quinta-feira. O governo pretende encaminhar a medida provisória (MP) recriando o auxílio emergencial até sexta-feira.

Os líderes do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), e do PP na Casa, Cacá Leão (BA), defendem que o texto avance sem alterações para agilizar sua promulgação, mas ainda não há consenso em torno dessa possibilidade.

O líder do Solidariedade, Lucas Vergílio (GO), afirmou ao Valor que o partido vai propor retirar o limite de R$ 44 bilhões para o pagamento do auxílio emergencial fora das regras fiscais e estender os pagamentos do benefício até o fim do ano.

Já o MDB e o PSD ainda estão avaliando as emendas e farão reunião de bancada apenas hoje. Entre os emedebistas, um dos pontos que chamaram atenção foi o congelamento das verbas para os fundos de desenvolvimento regional.

Além de serem entusiastas da derrubada do limite de R$ 44 bilhões, partidos da oposição tentam retomar outro plano que não prosperou no Senado: o fatiamento da proposta. Eles pedem que apenas a liberação do auxílio emergencial seja apreciada diretamente no plenário, enquanto as contrapartidas fiscais deveriam, em sua avaliação, passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pela comissão especial.

Nos bastidores, eles admitem que a pressão pelo fatiamento é apenas para marcar posição, já que não deve ter adesão suficiente entre as legendas do centro.

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Crimes eletrônicos são alvo de projeto

Bancos e grandes varejistas na internet mobilizaram-se pela aprovação de proposta que pune fraudes digitais

Por Beatriz Olivon e Raphael Di Cunto

O aumento das fraudes eletrônicas e golpes telefônicos durante a pandemia fez os bancos e grandes empresas de comércio na internet se mobilizarem pela aprovação de projeto de lei que cria novos tipos penais para punir essa modalidade de crime e endurece outros já existentes. O texto passou pelo Senado no fim do ano e teve requerimento de urgência aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta-feira.

“Até 2012, invadir um dispositivo não era crime. Hoje é crime, mas vale uma cesta básica. E quem invade encontra tanta coisa valiosa que não tem valor inibitório”, afirmou o advogado e especialista em direito digital Renato Opice Blum.

As tentativas de golpes virtuais no ano passado causariam um prejuízo estimado em R$ 3,6 bilhões, segundo a ClearSale, que atua para grandes bancos e empresas de e-commerce. O número de fraude teve alta de 53,61% em comparação a 2019, ante um crescimento de 73,84% na quantidade de transações digitais.

Segundo Adriano Volpini, diretor da comissão executiva de prevenção a fraudes da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), as tentativas de “pishing bancários”, como e-mails falsos para obter dados, cresceram 80% durante a pandemia, os golpes de falsas centrais de atendimento, 70%, e as tentativas de golpes contra idosos, 60%. “Um crime sem consequência acaba gerando um estímulo muito grande”, disse.

A Lei 12.737, de 2012, incluiu no Código Penal a previsão de que invadir dispositivo informático alheio, como um computador ou celular, para obter, adulterar ou destruir dados é crime com pena de detenção de três meses a um ano. É o que se considera infração “de menor potencial ofensivo” e, para os especialistas, não é o suficiente para coibir esse tipo de conduta.

Pela lei atual, a pena seria cumprida em regime aberto e há ainda a possibilidade de conversão no pagamento de cestas-básicas, por exemplo. O projeto de lei do senador Izalci Lucas (PSDB-DF), já aprovado pelo Senado e na lista de prioridades da Câmara, eleva a pena para de um a quatro anos de reclusão (que, diferentemente da detenção, pode ser cumprida em regime fechado).

O texto cria novos tipos penais para enquadrar essas fraudes e amplia a punição para furtos cometidos por meio eletrônico (como tirar o dinheiro de uma conta bancária após fraudar o aplicativo do banco no celular). A pena mínima hoje desses furtos é de dois anos e passaria a quatro anos, com a criação de agravantes que poderiam até duplicar o período de prisão, no caso de uso de servidor fora do país para dificultar a identificação e se o golpe foi aplicado em idoso. A pena máxima é mantida em oito anos.

Outro ponto positivo, na opinião de Blum, é atrair a competência para investigação e julgamento desse tipo de crime para o local da vítima. “Espero que o PL 4554 seja aprovado tanto com aumento de pena para a invasão quanto com as duas novas figuras, estelionato digital e furto mediante fraude digital”, disse.

O deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), autor do requerimento de urgência e que deve assumir a relatoria da proposta na Câmara, disse que o aumento do comércio eletrônico durante a pandemia levou também ao crescimento no número de fraudes. “Sendo assim, se faz necessário adequar o ordenamento penal ao ‘novo’ tipo”, afirmou. O governo está a favor da proposta, mas sugeriu alterações no prazo mínimo da pena, de quatro anos para três anos, e nos tipos penais que serão criados.

Os partidos de oposição, como o PT, criticaram a proposta dizendo que mudanças no Código Penal devem ser discutidas com mais calma, mas o requerimento foi aprovado com 354 votos favoráveis e só 83 contrários, número suficiente para aprovar também o projeto. Apesar disso, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), autor de proposta semelhante, afirmou que tentará convencer os partidos de esquerda a endossarem a votação.

Volpini, da Febraban, defende que a integração do Brasil no comércio digital internacional exige como requerimento básico uma pena mais rigorosa. “O futuro das transações é de um comércio digital mais intenso. Países que já possuem essa relação digital mais madura têm leis e políticas muito mais duras para as pessoas que cometem crimes nos meios digitais”, disse.

Essa também é a posição do presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), Claudio Felisoni, que acredita que o crescimento nas vendas pela internet continuará mesmo após a pandemia da covid-19. “Teremos uma nova forma de relacionamento e isso requer que as empresas e os consumidores se sintam seguros com o uso desse meio de compras”, afirmou.

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México e Argentina terão pior recuperação na AL

Diferentemente dos outros países da região, cuja alta do PIB terá magnitude similar à contração do ano passado, tanto a economia mexicana quanto a argentina terão expansão moderada. A crise na qual a Argentina está mergulhada desde 2018 e a falta de estímulos fiscais no México são alguns dos principais motivos

Por Marsílea Gombata

O México e a Argentina terão as piores recuperações da América Latina neste ano, com crescimento da economia compensando pouco as perdas de 2020. Diferentemente dos outros países da região, cuja alta do PIB terá magnitude similar à contração do ano passado, tanto a economia mexicana quanto a argentina terão expansão moderada. Segundo economistas, a crise na qual a Argentina está mergulhada desde 2018 e a falta de estímulos fiscais no México são alguns dos principais motivos.

Consultorias estimam que a região como um todo crescerá cerca de 6,8% neste ano, depois de contração de 5% em 2020. A Argentina deve crescer 6,2%, após queda de 10% no ano passado. No caso do México, a expansão por volta de 5,6% em 2021 ficará aquém do tombo de mais de 8% em 2020.

Argentina e México são também os países onde a pobreza mais avançou em 2020, segundo relatório recente da Cepal, o que tem impacto na recuperação econômica.

Em contraste com esses países, o Chile deve crescer 6,1% neste ano, depois de encolher 6,1% em 2020. A Colômbia pode crescer até 6,7%, após queda de 6,8% em 2020.

“Os casos da Argentina e do México refletem a idiossincrasia das políticas locais”, afirma Alberto Ramos, economista do banco Goldman Sachs. “A Argentina continua a ter déficit de orçamento alto, inflação alta, e emissão monetária para cobrir o déficit, além de estar amarrada com todos os tipos de controle - de capital, preços, no comércio”, diz. “Isso acaba se traduzindo em um crescimento medíocre ou abaixo de seus pares.”

Os controles que o governo do presidente argentino, Alberto Fernández, vem impondo à economia tornam o cenário para o investidor difícil e deprime o ambiente de negócios, afirma Andrés Borenstein, da consultoria Econviews. “A Argentina tem problemas que nenhum país da região tem. E está atrasada em uma agenda de reformas, como a trabalhista, na qual o Brasil já está mais avançado.”

No caso do México, Ramos diz que a falta de estímulo fiscal para mitigar os efeitos da covid-19 e a desconfiança do setor privado em relação ao governo do presidente Andrés Manuel López Obrador explicam a recuperação lenta. “O estímulo foi bem menor do que o restante dos países latino-americanos. E também há um ambiente doméstico marcado pela desconfiança em relação ao rumo da economia com López Obrador.”

Segundo o site Policy Responses to Covid-19, do Fundo Monetário Internacional (FMI), a resposta fiscal do México frente à pandemia foi de cerca de 2% do PIB. O pacote da Argentina foi da ordem de 6%, enquanto o do Brasil chegou a 12%. No Chile, o governo anunciou pacote de 4,5% e liberou saque parcial das contas de aposentadoria.

“O governo mexicano quase não deu apoio fiscal para a economia. Isso fez e continuará fazendo com que a demanda doméstica seja fraca”, diz Edward Glossop, da Capital Economics. Ele acrescenta que é improvável que a recuperação dos EUA impulsione o crescimento do México neste ano.

Isso indica que a fraqueza da recuperação do setor doméstico do México continuará a contrastar com um setor externo favorável. No ano passado, as remessas de mexicanos vivendo no exterior atingiram o recorde de US$ 40,6 bilhões, ante US$ 36,4 bilhões em 2019. Segundo relatório do Goldman Sachs, essa alta compensou as perdas com o turismo internacional e ajudou a levar a um superávit em conta corrente (resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior) de 2,4% do PIB - o maior em mais de 30 anos.

O otimismo do setor externo serviu para amortecer a queda do PIB no ano passado, mas economistas não esperam cenário parecido neste ano. “É muito provável que, conforme a atividade se recupere nos próximos meses, as importações voltem a subir e o superávit em conta corrente diminua”, afirma Joan Domene, da consultoria Oxford Economics. Ele diz que as remessas dificilmente crescerão como no ano passado, já que uma parte considerável foi da poupança desses mexicanos no exterior.

Dentre as outras economias na região, o Chile está diante de um cenário externo positivo, com alta do preço de cobre, e uma campanha de vacinação que pode levar à reabertura antes dos outros países. Segundo o Vaccine Tracker, da Bloomberg, 21,4% da população do Chile já recebeu ao menos uma dose da vacina, bem à frente do Brasil (4%), Argentina (2,7%) e México (1,7%). As eleições gerais e da Assembleia Constituinte neste ano, no entanto, trazem incerteza que podem complicar a recuperação.

No caso da Colômbia, Ramos afirma que o nível de otimismo dependerá também da aprovação da reforma tributária neste mês, que deverá indicar o nível de apoio político que tem o presidente Iván Duque. “Se o governo não conseguir tocar essa agenda no Congresso, o risco de rebaixamento pelas agências de classificação de risco será grande.”

No Peru, o crescimento de 8,7% no quarto trimestre de 2020 deve perder força no primeiro trimestre de 2021 diante do aumento de novos casos diários e restrições à mobilidade.

Com a lenta vacinação na maior parte da região, as restrições em outros países também devem ser mantidas nos próximos meses, o que ameaça a retomada.

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Pacote de Biden busca também combater a desigualdade nos EUA

O pacote que deve receber o sinal verde final hoje do Congresso e marca a primeira tentativa da Casa Branca de reduzir a pobreza e a desigualdade - problemas enraizados nos EUA e que foram intensificados pela pandemia de covi-19

Por James Politi

O pacote de estímulo de US$ 1,9 trilhão de Joe Biden, que deve receber hoje o sinal verde final do Congresso, tem como principal objetivo acelerar a recuperação dos EUA após a pandemia da covid-19. Mas também tem um objetivo secundário: tornar a maior economia do mundo mais equitativa.

Apesar das mudanças sofridas no Senado terem limitado benefícios defendidos pela ala esquerdista do partido, líderes democratas acreditam que o pacote será aprovado sem dificuldades na Câmara dos Deputados, onde têm uma estreita maioria.

O pacote prevê uma gigantesca nova injeção de gastos públicos dos EUA, com transferências diretas em grande escala para famílias de baixa e média renda e marca a primeira tentativa da Casa Branca de reduzir a pobreza e a desigualdade - problemas que foram intensificados pela pandemia.

Os esforços para criar não apenas uma economia mais forte, mas também mais equilibrada, estão no cerne da agenda de Biden desde sua campanha em 2020, quando criticou a desigual “recuperação em K” (na qual segmentos da economia se recuperam em ritmos diferentes), que se desenrolava sob o governo de Donald Trump.

Mesmo antes disso, desde a crise financeira global, enfrentar a disparidade econômica era uma meta não cumprida de políticos democratas e economistas de esquerda.

“Este pacote é idealizado para enfrentar os problemas no aqui e agora, para que, enquanto avançamos rumo à recuperação, não tenhamos uma disparidade tão contrastante”, disse Heather Boushey, integrante do conselho de assessores econômicos da Casa Branca. “À medida que a

pandemia foi avançando em nossa economia e nossa sociedade, muitos no topo ficaram bem [...] já para aquelas pessoas na base, o que se vê são necessidades e problemas intensos reais.”

As principais provisões do pacote são voltadas a dar auxílio imediato de amplos segmentos da sociedade americana de renda mais baixa, para que absorvam o choque da crise. A ajuda para empresas e mercados é mais limitada.

Os pagamentos diretos de US$ 1,4 mil por pessoa estão disponíveis para os americanos que ganham menos de US$ 75 mil por ano. Nenhum dinheiro irá para o segmento do 1% mais rico.

Um aumento na dedução tributária por filho deverá reduzir em 50% o número de crianças na pobreza. Um complemento emergencial de US$ 300 por semana ao seguro-desemprego será prorrogado até setembro. Um financiamento adicional para a reabertura de escolas e a aplicação de vacinas deverá ser especialmente benéfico para bairros de baixa renda. Até o senador esquerdista Bernie Sanders, que disputou com Biden a indicação presidencial democrata em 2020, comemorou o pacote.

“[Este] é o projeto de lei mais significativo a beneficiar famílias trabalhadoras na história moderna deste país”, disse Sanders, após votar a favor do pacote no sábado. “O povo americano está sofrendo, e este plano avança muito no enfrentamento às múltiplas crises com as quais nos deparamos.”

Mas o impacto do pacote de estímulos de Biden será temporário, já que seus principais pontos se extinguem gradualmente ao longo do ano e em 2022. Por isso, parlamentares e economistas dizem que será preciso muito mais para realmente tornar a economia dos EUA menos desigual.

Durante sua campanha, Biden prometeu uma série de passos para reduzir a desigualdade econômica, incluindo elevar os impostos sobre as empresas e os mais ricos. Mas não está claro até que ponto a Casa Branca levará isso adiante em seu próximo pacote, que deverá ter foco nos investimentos em infraestrutura. A plataforma de campanha de Biden também prometia investimentos em massa em educação e creches, assim como em comunidades de baixa renda, cujo propósito também é reduzir a desigualdade estrutural, incluindo a disparidade racial.

“[O pacote de estímulo] consiste, em grande medida, em garantir que não acabaremos tendo maior desigualdade em razão da covid”, disse Claudia Sahm, que foi economista do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). “Precisamos voltar para fevereiro de 2020 e, então, poderemos avançar. E, você sabe, construir pontes para um lugar melhor, com menos desigualdade, uma rede de segurança [social] mais sólida e mais oportunidades para todos os americanos, particularmente as crianças. Esse é o próximo pacote”, disse.

Embora as pesquisas indiquem que o plano de estímulo de Biden é popular, os republicanos descartam qualquer sugestão de que possa ter algum impacto positivo.

“O Senado nunca gastou US$ 2 trilhões de forma tão aleatória e pouco rigorosa”, disse o líder da minoria republicana, Mitch McConnell, no sábado, considerando o pacote uma “colossal oportunidade perdida” para o país.

Outros economistas levantam preocupações de que o pacote de Biden seja demasiado grande a esta altura no ciclo econômico e que possa alimentar uma alta desnecessária na inflação.

“Parece que estamos gastando todo esse dinheiro no momento errado, agora. Já estamos em fase de recuperação”, disse Price Fishback, da Universidade do Arizona. “O que os democratas estão tentando fazer é igualar o sistema de bem-estar social da Europa”, disse.

Mas, na Casa Branca, há poucas dúvidas de que o impulso do governo à economia precisa ser grande - e que será em vão se os benefícios não forem compartilhados de forma abrangente.

“Aprendemos muitos nos últimos dez anos - da Grande Recessão - e uma das lições é que se não cortarmos essas recessões pela raiz e nos empenharmos em fazer o que precisa ser feito, as cicatrizes permanecem por alguns meses ou até por toda a vida”, disse Boushey. “Quando a pandemia chegou, vimos como a desigualdade cria fragilidades por toda nossa sociedade e por toda nossa economia. E isso deixa a todos mais vulneráveis”.

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Inglaterra reabre as escolas pela terceira vez

Milhões de alunos do ensino fundamental retornaram às escolas ontem na Inglaterra. Trata-se da primeira etapa do plano de flexibilização do “lockdown” decretado no início de janeiro para conter a disseminação de uma variante mais infecciosa da covid-19. O premiê britânico, Boris Johnson, alertou que será “inevitável” um aumento nas infecções com a reabertura das escolas. “Sabemos que a educação de nossos filhos é tão importante que o maior risco agora é mantê-los fora da escola por mais um dia”, afirmou. Johnson disse que os cientistas estudarão os dados do efeito do retorno às aulas sobre as taxas de transmissão do vírus antes do governo decidir as novas etapas de reabertura. Na foto, alunos de escola em Stockton-on-Tees, na Inglaterra.

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Paraguai troca ministros para tentar acalmar protestos por colapso na saúde

Novo ministro da Saúde prometeu acelerar as negociações para obter vacinas contra a covid-19. Até agora, o Paraguai recebeu doses suficientes para vacinar 12 mil pessoas. O país tem quase 7 milhões de habitantes

O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, promoveu ontem uma reforma ministerial para tentar aplacar a insatisfação de parte da população à sua gestão contra a pandemia de covid-19. Desde sexta-feira manifestantes pedem a renúncia do presidente.

O vice-ministro da Saúde, Julio Borba, foi confirmado como novo titular da pasta no lugar de Julio Mazzoleni, forçado a deixar ao cargo após os protestos contra a falta de vacinas e insumos médicos nos hospitais. O assessor jurídico Hernan Hutterman será o novo chefe de Gabinete do governo.

“Há uma grande escassez de medicamentos. Não se pode negar”, afirmou Borba em entrevista coletiva à imprensa. Ele prometeu acelerar as negociações para obter vacinas contra a covid-19. “Em relação à aquisição de vacinas, estabelecemos os canais de comunicação para obter a maior quantidade de doses no menor tempo possível.”

Até agora, o Paraguai recebeu 24 mil doses de vacinas contra a covid-19, suficiente para imunizar só 12 mil pessoas. O país tem quase 7 milhões de habitantes.

O Paraguai espera receber nesta semana mais de 30 mil doses de vacinas que serão enviadas pela Covax Facility, a iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para garantir um acesso igualitário a vacinas em todo o mundo.

Apesar das mudanças, a expectativa é de continuidade dos protestos nas ruas da capital Assunção contra Abdo Benítez. Na noite de sábado, a violência nos confrontos dos manifestantes com a polícia resultou na morte de uma pessoa.

Inicialmente, o Paraguai viu baixos números de infecções e mortes, graças ao fechamento das fronteiras e a imposição de um “lockdown”. Mas esses números vêm crescendo desde a reabertura em julho. A média de sete dias de mais de mil novos casos por dia é a mais alta desde o começo da pandemia.

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Vacinados podem se reunir sem máscaras, diz CDC

Mas especialistas alertam que pessoas imunizadas devem continuar a usar máscaras e manter distância de outras pessoas em público ou enquanto visitam pessoas não vacinadas para evitar a propagação do coronavírus

Por Agências Internacionais

Pessoas que foram totalmente vacinadas contra a covid-19 podem se reunir com segurança sem máscaras ou distanciamento físico, segundo o Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), que divulgou ontem as orientações de segurança para quem já foi imunizado.

Mas o CDC alertou que as pessoas vacinadas devem continuar a tomar precauções em algumas circunstâncias para evitar a propagação do vírus que causa a covid-19. Pessoas imunizadas devem continuar a usar máscaras e manter distância de outras pessoas em público ou enquanto visitam pessoas não vacinadas com maior risco de casos graves de covid-19.

Especialistas em saúde alertam que ainda não está descartada a possibilidade de pessoas vacinadas serem infectadas pelo vírus e transmiti-lo a outras pessoas.

Os EUA já aplicaram mais de 90 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Mais de 17% dos americanos receberam ao menos uma dose de vacina, segundo dados do CDC, e pouco mais de 9% da população recebeu duas doses. Uma pessoa é considerada totalmente vacinada duas semanas após receber a segunda dose das vacinas Pfizer / BioNTech e Moderna, ou duas semanas após receber a dose única da vacina da Johnson & Johnson.

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Governo indica seis nomes para compor conselho da Petrobras

Colegiado vai ser parcialmente renovado em assembleia de acionistas em abril

Por André Ramalho e Gabriela Ruddy

Indicado para a presidência da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna é um dos seis nomes apresentados pelo governo para eleição do conselho da estatal — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo deu mais um passo para efetivar a troca no comando da Petrobras ao apresentar, ontem, seis dos oito nomes que devem compor a chapa da União para a eleição do conselho de administração da estatal. O colegiado será parcialmente renovado na próxima Assembleia Geral Extraordinária (AGE), que será convocada possivelmente para abril, com o objetivo de eleger o general da reserva, Joaquim Silva e Luna, como conselheiro da petroleira - pré-requisito para que

o diretor-geral de Itaipu Binacional assuma a companhia no lugar de Roberto Castello Branco, como quer Jair Bolsonaro.

O conselho da Petrobras é composto, hoje, por onze membros. Oito dessas cadeiras estarão em jogo na próxima assembleia de acionistas, depois que o governo pediu a troca no comando da empresa. Isso porque Castello Branco foi um dos conselheiros eleitos em 2020, ao lado de outros sete nomes, pelo voto múltiplo - ferramenta prevista na Lei das SA que permite distribuir os votos em assembleia por “cabeça” (candidatos). Pelas regras, a saída de qualquer membro eleito por esse mecanismo implica numa nova eleição para escolha de todos os demais integrantes escolhidos pelo mesmo processo.

Para a AGE, a União deve apresentar uma chapa com oito nomes. A lista inicial, com os seis primeiros indicados, tem três novidades, além do próprio Silva e Luna, em relação ao atual conselho: Márcio Weber (ex-executivo da Petroserv e BOS Navegação) e Murilo Marroquim (ex-presidente da Devon Energy do Brasil), ambos oriundos do setor de óleo e gás e com passagens pela própria Petrobras; e Sonia Villalobos, oriunda do mercado de capitais e que foi conselheira da estatal entre 2018 e 2020. Ruy Schneider e Eduardo Bacellar concorrem à reeleição.

Os nomes foram apresentados pelos ministérios de Minas e Energia e da Economia. O Valor apurou que as duas indicações pendentes ainda vão passar por análise de empresas especializadas em recrutamento de executivos. Segundo fontes, a conselheira Leila Loria chegou a ser sondada para o cargo, mas as tratativas não prosperaram. Outro nome que circula no mercado é o de Guilherme Albuquerque Santos, conselheiro da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin).

Existe, porém, a chance de que a chapa proposta pela União seja desfeita, caso algum acionista que reúna pelo menos 5% do capital da empresa peça eleição por voto múltiplo. Quando esse mecanismo é acionado, novos candidatos podem ser sugeridos em alternativa à chapa apresentada pelo governo. Em 2020, os minoritários conseguiram emplacar Leonardo Antonelli, no lugar de um dos nomes da União, e, com isso, ampliaram de dois para três cadeiras a representatividade no colegiado - os dois demais representantes foram eleitos por voto em separado do controlador. Fontes apostam que, desta vez, há espaço para que os minoritários consigam ocupar duas, e não uma, das oito cadeiras em jogo na próxima AGE.

As indicações da União foram apresentadas após quatro conselheiros terem manifestado a intenção de não serem reconduzidos. João Cox Neto, Nivio Ziviani, Paulo Cesar de Souza e Silva e Omar Carneiro da Cunha Sobrinho - todos indicados pela União no ano passado - não disputarão o pleito em meio ao aumento dos riscos associados à intervenção do governo na empresa. Leonardo Antonelli também informou que não pretende integrar a chapa da União, mas vai disputar novamente pelos minoritários, pelo voto múltiplo. A expectativa é que, com as indicações da União oficializadas, a AGE para eleição dos conselheiros seja convocada nos próximos dias.

A apresentação de seis nomes da União não foi suficiente para eliminar inseguranças sobre as mudanças na gestão da petroleira. “A incerteza pode continuar até que o novo presidente tome posse e anuncie seus planos para a política de preços, venda das refinarias e alocação de capital, entre outros temas”, cita o Goldman Sachs.

De acordo com fontes próximas à Petrobras, o aumento dos riscos associados à interferência do governo na empresa dificulta a atração de “conselheiros mais maduros”. Na avaliação de uma das fontes, à exceção de Sonia, há dúvidas sobre o grau de independência dos novos nomes sugeridos. Não está claro, por exemplo, se os ex-funcionários da estatal agora indicados vão se alinhar a eventuais mudanças no atual plano estratégico da petroleira, focado em venda de ativos e na disciplina de capital.

O analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, diz que os novos nomes têm perfil diferente dos conselheiros que estão de saída. Cunha, Cox e Silva foram presidentes de grandes companhias, respectivamente da Shell Brasil, Claro e Embraer. “[Os novos nomes] São mais técnicos, ligados às questões operacionais [do petróleo] do que mercadológicas, o que talvez trace perfil de algo novo que o governo queira”, disse, em referência a possíveis mudanças na política de preços (Colaborou Juliana Schincariol)

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Sonia Villalobos quer reaproximar estatal e mercado

Sonia foi conselheira da Petrobras de maio de 2018 até julho de 2020, eleita por acionistas detentores de ações preferenciais

Por Ana Paula Ragazzi

Presidente do conselho da Petrobras, Bacellar convidou Sonia a voltar para a petroleira agora como indicada pela União — Foto: Claudio Belli/Valor

Após oito meses, Sonia Villalobos, que tem mais de 30 anos de experiência no mercado de capitais brasileiro, deverá retornar ao conselho de administração da Petrobras com a expectativa de reconstruir as pontes entre a estatal e os investidores. Ela aceitou o convite do Ministério da Economia após conversas com o almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, presidente do conselho da Petrobras.

“No contexto atual, acredito que o governo teria dificuldades em achar pessoas que aceitassem esse desafio. Eu deixei a Petrobras há 8 meses, conheço a empresa, já vivenciei experiências com esse governo. Por isso, avaliando os riscos, entendo que a experiência será válida para mim e para a companhia”, afirma a experiente conselheira.

Na manhã de ontem, a Petrobras divulgou uma lista de seis nomes indicados pelo governo para compor o novo conselho da petroleira, depois que quatro integrantes informaram que não desejavam continuar no colegiado. Eles estavam descontentes com a possibilidade de maior interferência do governo na petroleira. Contrariado com a política de preços da companhia, que adota a paridade internacional, o presidente Jair Bolsonaro indicou um novo presidente para a estatal, o general Joaquim Silva e Luna.

Sonia foi conselheira da Petrobras de maio de 2018 até julho de 2020, eleita por acionistas detentores de ações preferenciais, após indicação da gestora Leblon Equities. Não continuou no cargo porque houve uma disputa entre minoritários pela vaga e saiu vencedor o candidato da gestora Dynamo, o advogado Rodrigo de Mesquita Pereira.

“Espero poder ser uma ponte entre a empresa e o mercado de capitais, que ficou muito machucado com episódios recentes”, diz. Segundo ela, algumas iniciativas do presidente Castello Branco, que está deixando a Petrobras, são importantes e devem ser mantidas, como o plano de desinvestimento e o foco no pré-sal. “Vou poder dar minha contribuição nesse sentido. Concordava com essas iniciativas na época em que estive no conselho e continuo concordando. Vou fazer o meu melhor, pela empresa e pelo país”, afirma Sonia.

O convite para retornar ao colegiado da estatal veio a partir de sondagem do almirante Bacellar. “Tenho grande admiração por ele e isso também ajudou para que eu tivesse essa vontade de ajudar a maior empresa do Brasil e as pessoas que estão lá, conselheiros e gestores, que passaram por uma situação muito difícil nos últimos dias”, afirma.

Num momento como esse, trazer alguém que já conhece o funcionamento da empresa pode ajudar a dar melhor andamento aos trabalhos. “A Petrobras é uma empresa enorme. Seja no conselho, seja na gestão, quando você chega, leva pelo menos três meses para entender o funcionamento da empresa. Eu tenho a vantagem de ter saído há pouco tempo e já poder voltar entendendo tudo”, diz.

Em relação ao momento escolhido para a volta, em que a continuidade da política de paridade de preços vem sendo colocada em dúvida pelos investidores, Sonia avalia que a confiança do mercado na capacidade da empresa estatal manter a paridade internacional “é algo que só pode acontecer com o passar do tempo, não há nada a ser feito neste momento”.

Essa não é a primeira vez que um conselheiro inicialmente indicado por acionistas minoritário volta à Petrobras por indicação do governo - aconteceu com Walter Mendes, ex-Itaú e Petros.

No mercado, a imagem de Sonia é de uma profissional “inteligente, dedicada e detalhista”, segundo fontes ouvidas pelo Valor. Na passagem anterior pela petroleira, ela foi presidente do comitê de auditoria da estatal.

Sonia tem mestrado em administração de empresas com especialização em finanças, ambos na Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP-FGV). Foi a primeira pessoa na América do Sul a receber a credencial CFA (entidade global de profissionais de investimento), em 1994. De 1989 a 1996, foi chefe de análise no Banco Garantia. Trabalhou ainda, de 1996 a 2002 na Bassini, Playfair & Associates como responsável por private equity no Brasil, Chile e Argentina. De 2005 a 2011, trabalhou para Larrain Vial como gestora de fundos. Em 2012 fundou a Lanin Partners, gestora de fundo de ações na América Latina, onde ficou até 2016. Ela é professora do Insper e integra o conselho de administração da Telefônica do Brasil e da Latam Airlines Group.

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Aegea se diz pronta para a disputa de novos ativos

Companhia controlada por Equipav e o fundo GIC, mira Cedae, do Rio de Janeiro, e outras concessões no RS, PE e Amapá

Por Taís Hirata

Mesmo após conquistar três grandes contratos nos últimos meses, a Aegea Saneamento continua se preparando para os próximos leilões de água e esgoto, afirma o presidente da companhia, Radamés Casseb.

A lista de projetos no radar da empresa é extensa: a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae); as novas concessões em estudo no Rio Grande do Sul (na capital e no interior do Estado), o leilão do Amapá; e algumas licitações municipais, como as de Petrolina (PE) e Erechim (RS), que estão atualmente paralisadas.

A companhia, que tem como acionistas o grupo Equipav e o fundo soberano de Cingapura GIC, vem de uma sequência de vitórias em leilões. A primeira veio no fim de 2019, com uma Parceria Público Privada (PPP) de esgoto na região metropolitana de Porto Alegre (RS) - a operação acaba de ser iniciada oficialmente, no fim de 2020, e prevê investimentos de R$ 1,9 bilhão.

Em outubro do ano passado, o grupo também impressionou o mercado ao conquistar, no espaço de apenas uma semana, duas novas PPPs. A primeira, no município de Cariacica (ES), com investimentos de R$ 580 milhões, e a segunda para operar o esgoto em 68 cidades do Mato

Grosso do Sul, um contrato que prevê R$ 1 bilhão em obras e outros R$ 2,8 bilhões em custos operacionais ao longo de 30 anos.

Casseb afirma que a Aegea vinha se preparando para garantir o fôlego financeiro necessário para a expansão. A companhia encerrou 2020 com um saldo de caixa equivalente a R$ 2,7 bilhões, um aumento de R$ 1,7 bilhões em relação ao ano anterior. Ele também avalia que o atual nível de endividamento é confortável, diante da geração de caixa da empresa. A alavancagem, medida pela relação entre a dívida líquida e Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) era de 3,05 vezes em dezembro de 2020.

Pela disciplina interna da companhia, a meta é manter o indicador abaixo de 3,5 vezes, mas, em caso de grandes projetos, ele observa que grupos internacionais do setor podem chegar a um patamar de até 5 vezes. “É o que aconteceu com a aquisição da concessão em Manaus. Passamos três trimestres acima do marcador de 3,5 vezes, mas já com o planejamento de qual seria o avanço da performance do contrato”, diz.

No caso da Cedae, que promete ser o maior leilão de saneamento já feito no país, com investimentos totais de R$ 30 bilhões nos quatro lotes que serão leiloados, o presidente afirma que o projeto está em fase de estudo. “Estamos olhando os quatro lotes, mas ainda falta fazer muita conta, muito estudo, muita visita técnica, muita leitura de cenário. Nosso foco é garantir que haja rentabilidade.”

O executivo descarta uma abertura de capital da companhia neste momento, mas observa um avanço do setor privado de saneamento nesse sentido - hoje, não há nenhuma operadora privada de saneamento com ações negociadas na Bolsa.

“Há um amadurecimento das operadoras muito forte. Aqui na empresa, temos exercitado processos de transparência, diligência. Ainda há passos importantes em indicadores de desempenho, que não estão no patamar que gostaria de oferecer a investidores. E também estamos à espera de um momento em que vai fazer sentido, do ponto de vista de crescimento”, disse.

Em relação à implementação da nova lei do saneamento, publicada em julho de 2020 após anos de negociação no Congresso, o executivo da Aegea avalia que os primeiros sinais são positivos, mas que, para que o “boom” de novos projetos de concretize, faltam algumas premissas.

“A primeira delas é a redução do risco regulatório. A segunda é a multiplicação de agentes estruturadores de editais, como tem sido o BNDES. A terceira é em relação aos órgãos de controle, que precisam fazer uma cobrança para que a nova lei seja cumprida efetivamente”, afirma Casseb.

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Pesquisa mostra expectativa sobre atuação futura da ANA

Os reguladores de saneamento básico veem como muito necessária o papel da Agência Nacional de Águas na regulamentação

Por Taís Hirata

Os reguladores de saneamento básico veem como muito necessária a atuação da Agência Nacional de Águas (ANA) para dar mais autonomia política, administrativa e financeira aos órgãos subnacionais, aponta uma pesquisa feita pelo Instituto Trata Brasil e pela Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar) junto a 66 agências.

Desde a publicação do novo marco legal do setor, em julho de 2020, a ANA passou a ser um órgão regulador federal de saneamento, o que não existia até então. A ideia é que a agência edite normas de referência para dar mais padronização e qualidade à regulação do setor. A atuação direta junto às empresas, porém, continuará sendo feita pelas dezenas de agências subnacionais existentes no país.

Inicialmente, esses órgãos viam a entrada da ANA com muita desconfiança, o que se amenizou desde então, avalia Édison Carlos, presidente-executivo do Trata Brasil. “A relação melhorou muito. Havia receio de que os órgãos ficassem em segundo plano, mas já se entendeu que não é isso. Mas a pesquisa mostra que ainda há muitas dúvidas sobre como será a atuação da ANA no setor”, diz.

Questionados sobre a capacidade da agência federal de assumir as novas funções, 36% dos reguladores ouvidos pela pesquisa não souberam responder; outro grupo de 34% acredita na competência do órgão, e 30% não estão convencidos de que a ANA está preparada.

Apesar disso, os reguladores defenderam a importância das diretrizes da agência federal. Foram consideradas “muito necessárias” as normas de referência voltadas à autonomia financeira (61%), autonomia administrativa (60%) e interferência política (56%) nos órgãos subnacionais.

Nas respostas, chamou a atenção da Abar a divergência de percepção entre o corpo técnico e os dirigentes dos órgãos - cujas indicações são políticas. Entre os diretores ouvidos, apenas 22% classificaram como “muito necessárias” as normas contra interferências do governo. “Os dirigentes ainda não dão a devida importância à questão da autonomia política, diferentemente dos técnicos, que sofrem lá embaixo com isso”, avalia Fernando Franco, presidente da associação.

Ele também destaca que uma parcela relevante (34%) dos próprios reguladores consideram que as agências subnacionais estão pouco ou nada preparadas para o cumprimento da nova lei do saneamento. “Embora seja uma fatia menor, é preciso que todos os órgãos estejam preparados. O marco vai precisar muito de regulação local para ser eficiente”, diz ele.

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GE negocia área de leasing de aviões por mais de US$ 30 bi

Negociação está perto de ser concluída com o grupo irlandês AerCap

Por James Fontanella-Khan e Ortenca Aliaj

A General Electric está perto de fechar um acordo para vender sua unidade de arrendamento de aviões para o grupo irlandês AerCap por mais de US$ 30 bilhões, no que seria mais um passo na reestruturação das operações do conglomerado industrial americano, segundo fontes a par dos planos.

A transação combinaria a GE Capital Aviation Services (Gecas) e a empresa de leasing AerCap e a expectativa era de que o negócio ainda fosse anunciado ontem, segundo várias fontes.

A GE vinha estudando oportunidades para vender as operações da unidade a algum concorrente há anos

A fusão marcaria a mais recente tentativa do executivo-chefe da GE, Larry Culp para recuperar o conglomerado. Desde sua indicação para o cargo em 2018, a empresa de Boston já passou por uma reformulação na equipe executiva, cortes de dividendos e uma investigação contábil

realizada pela Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos).

Muitos dos problemas do grupo americano derivam da divisão GE Capital, a unidade financeira, duramente atingida pela recessão de 2008. A empresa vendeu uma série de grandes ativos nos últimos cinco anos, incluindo a divisão de biotecnologia para a Danaher, por US$ 21 bilhões, e sua participação na empresa de serviços petrolíferos Baker Hughes.

A Gecas está entre as maiores companhias de leasing do mundo. Sua atuação consiste em comprar aeronaves e arrendá-las para as empresas aéreas.

A GE vinha estudando oportunidades para vender as operações da unidade a algum concorrente há anos, uma vez que busca desfazer-se de ativos que não são considerados essenciais em seu modelo de negócios.

Em 2019, a Bloomberg noticiou que o grupo de investimentos em participações Apollo Global Management estudava comprar a Gecas, naquela época o negócio ficaria em US$ 40 bilhões.

A GE vinha sofrendo com seu pesado endividamento após anos de fusões e aquisições agressivas sob o comando Jack Welch, seu antigo executivo-chefe. As ações da empresa são negociadas a uma fração do que valiam em 2001, quando Welch deixou a empresa, uma vez que Jeff Immelt, John Flannery e Culp, seus três sucessores, estiveram encarregados do desafio de desmantelar o império.

A GE não quis se pronunciar sobre o assunto ontem e não foi possível encontrar de imediato representantes da AerCap para comentar as informações.

A produção de diversas vacinas para combater a covid-19 tem melhorado as perspectivas de recuperação do setor aéreo, uma vez que se espera que as pessoas voltem a viajar de avião com mais regularidade. As empresas de arrendamento de aeronaves têm encontrado interesse renovado dos investidores. Desde o início do ano, levantaram um total de US$ 14,9 bilhões em títulos de dívida.

A AerCap vem expandindo suas operações e em 2020 tornou-se uma importante acionista da insolvente Norwegian Air Shuttle, a empresa aérea de controle estatal, com participação de 15,9%. Em 2013, a empresa irlandesa acertou a compra da International Lease Finance Corporation, por US$ 7,6 bilhões.

A notícia sobre o negócio entre a GE e a AerCap foi noticiada primeiro pelo jornal americano “The Wall Street Journal”.

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GM vê deterioração crescente no ambiente de negócios no Brasil

Problemas não têm origem só na pandemia e passam pela estrutura tributária e a questão fiscal

Por Marli Olmos

O presidente da General Motors na América do Sul, Carlos Zarlenga, adicionou, ontem, mais uma análise pessimista em relação ao ambiente de negócios no Brasil. Em referência à decisão da Ford de fechar suas fábricas, destacou que “a saída de jogadores mostra as dificuldades de manter investimentos no país”. Soma-se, a esse cenário, a piora na escassez de componentes, que tem levado a paralisações em diversas fábricas.

A GM havia programado parar a produção na fábrica de Gravataí (RS) em abril e maio, com a suspensão temporária dos contratos de trabalho (“layoff”). Mas, ontem, a empresa previu que o problema poderá se estender até junho. A montadora não informa o número de trabalhadores na unidade.

Em Betim (MG), 10% dos operários da Fiat (aproximadamente 600 pessoas) entrarão em férias coletivas, durante dez dias, a partir de amanhã. A medida envolve os trabalhadores do segundo turno de uma das três linhas de produção da montadora, que recentemente relatou problemas de abastecimento de aço e semicondutores, principalmente.

Também amanhã a Honda encerrará seu segundo período de paralisações na fábrica de Sumaré (SP) por falta de semicondutores, item mais escasso. Segundo a Renault, a produção na fábrica em São José dos Pinhais (PR) também foi temporariamente interrompida, há poucos dias, devido ao atraso na chegada de um navio que trazia componentes da Ásia.

Embora a falta de componentes seja efeito da desorganização da cadeia de suprimentos, provocada pela pandemia, para Zarlenga, não é a covid-19 o maior problema do setor hoje. Segundo o executivo, a indústria enfrenta dificuldades para avançar num país “que continua discutindo problemas do passado”, como tributos e a questão fiscal. “Há quantos anos discutimos isso?”

Para ele, o problema não se limita ao Brasil. “Em toda a América do Sul, a certeza do retorno não é a mesma. Há volatilidade no câmbio, na economia, na política...” Mas é no Brasil que está instalada a principal base de produção de veículos de toda a região.

Era curto o tempo que esse executivo argentino tinha, ontem, para proferir sua palestra, focada, inicialmente em carros elétricos. Mesmo assim, ele conseguiu enumerar uma vasta lista de problemas para a plateia, formada, sobretudo por fornecedores, em seminário da editora “Autodata”.

Zarlenga previu mais aumentos de preços nos carros este ano, principalmente em razão da volatilidade cambial. Em 2020, destacou, os reajustes nos preços variaram de 15% a 20%. Disse, ainda, que a escassez de componentes não se normalizará antes da segunda metade do ano.

Para piorar, segundo o executivo, o setor não vê o Brasil como uma base de investimentos para a eletromobilidade em razão do alto custo dessa tecnologia e a falta de infraestrutura. Isso exigirá que o Brasil se adapte a uma fase transitória, até a chegada dos carros elétricos em massa. Mas, mesmo nessa fase intermediária, destacou o executivo, “as empresas precisam ter certeza de que terão rentabilidade”. “O que fica para as tecnologia anteriores (à eletrificação) é menos capital”, destaca.

Para Zarlenga, ainda que algumas empresas, como a própria GM, tenham mantido planos de investimentos anunciados antes da pandemia, de modo geral, “os ciclos de investimentos na América Latina vão estar impactados”. “A visão de longo prazo mudou.”

Segundo ele, as empresas do setor fizeram uma pausa no início da pandemia, mas a retomada mostrou um novo cenário, que traz efeitos de problemas que já existiam. “Se alguém perguntasse, em outubro ou novembro, se era possível isso [fechamento das fábricas da Ford] acontecer ninguém diria que sim”, destaca o executivo.

O quadro pessimista traçado por Zarlenga se soma a análises igualmente negativas, feitas por outros executivos dessa indústria logo depois de a Ford anunciar, em janeiro, a decisão de interromper a atividade industrial no país. Líderes internacionais do setor, como Luca De Meo e Carlos Tavares, presidentes mundiais da Renault e da Stellantis, respectivamente, também se

queixaram do ambiente de negócios no Brasil, desfavorável à atração de investimentos, segundo eles.

Há poucos dias, a Renault anunciou a decisão de reduzir o horizonte de seus investimentos no país para dois anos em razão do ambiente econômico incerto. A montadora francesa se programou para aplicar R$ 1,1 bilhão em renovação da linha de produtos até a primeira metade de 2022. O desenvolvimento de novos modelos ficou para depois.

A direção da GM já sabe que terá a sua participação no mercado prejudicada em razão da longa paralisação da fábrica de Gravataí. Ali é produzido o modelo Onix, o carro mais vendido no país. Mesmo assim, Zarlenga acredita no potencial de recuperar o tempo perdido no segundo semestre. “Teremos uma produção muito forte na segunda metade do ano”, destaca.

Do lado dos fornecedores da indústria automobilística, há projeções de que a falta de componentes leve ao aumento da nacionalização de peças. “Temos que aproveitar para pegar esse bonde; não podemos nos tornar meros importadores”, destaca o presidente da Bosch, Besaliel Botelho.

Para ele, o Brasil paga, hoje, o preço dos efeitos das restrições aos investimentos em tecnologias digitais na década de 1990. “Os investimentos se voltaram aos países da Ásia”, destaca.

Para Botelho, a falta de semicondutores, um problema mundial, ocorre num momento de crescente uso desse tipo de componente nos automóveis. Segundo o executivo, a eletrônica embarcada representava 20% do custo de um carro em 2000. Foi para 40% em 2020 e a expectativa é atingir em torno de 50% em 2030. (Colaborou Cibelle Bouças, de Belo Horizonte)

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Para You, Selic não passará de 5% e não faltará crédito

Abrão Muszkat, fundador da incorporadora, trabalha com expectativa positiva, de lançar R$ 1,1 bilhão neste ano

Por Chiara Quintão

Com 45 anos de atuação no mercado imobiliário, Abrão Muszkat, fundador da incorporadora You, avalia que as perspectivas para o setor continuam “muito boas” em 2021. As vendas de imóveis da companhia estão “muito próximas” do esperado, nestes primeiros meses, e há projeção de dar início, em abril, à safra de lançamentos de R$ 1,1 bilhão no acumulado do ano.

Na avaliação do empresário, ainda que as taxas de juros possam ter alta, a Selic não chegará ao patamar de 5%, no fim do ano, e a concessão de crédito imobiliário não será prejudicada. Os juros baixos têm favorecido também a migração de investidores de aplicações financeiras para ativos reais. Atualmente, 40% das vendas da You se direcionam a esse perfil de comprador, mais do que o dobro dos 15% de um ano atrás.

De agosto a dezembro de 2020, a incorporadora lançou o VGV de R$ 928 milhoes, superando os R$ 900 milhões de 2019, mas abaixo do R$ 1,2 bilhão previsto inicialmente. A redução do total apresentado ao mercado deveu-se à suspensão de lançamentos nos primeiros meses da pandemia de covid-19.

Com maior parcela de pessoas trabalhando em casa em decorrência do isolamento social, a You, conhecida pelos imóveis compactos desenvolvidos na cidade de São Paulo, reformulou parte de

seus produtos. Antes da pandemia, 75% dos lançamentos eram compactos com metragem máxima de 40 m2. Com as mudanças, metade dos projetos passou a ter até 120 m2.

No ano passado, a companhia passou a atuar também no segmento econômico, além do tradicional médio padrão.

Com lançamentos em apenas cinco meses de 2020, as vendas brutas da You tiveram queda de 4,5%, para 780 milhões. Por outro lado, a redução dos distratos fez com que as vendas líquidas cresceram 1%, para R$ 730 milhões.

Desde o fim de semana, as atividades dos plantões de vendas da incorporadora estão suspensas, devido à fase vermelha do Plano São Paulo, mas a comercialização virtual das unidades prossegue.

Um dos desafios que o setor imobiliário tem enfrentado é a alta de preços dos insumos, como aço e cimento. Segundo Muszkat, há expectativa de estabilidade dos custos a partir do segundo trimestre. Se houver novos aumentos, a You pretende absorvê-los, de acordo com o empresário, mesmo que isso signifique sacrificar parte da margem. “O mercado está forte, mas o comprador não aceita pagar qualquer preço”, diz o fundador.

Muszkat conta que a You tem sido procurada por fundos imobiliários interessados em sociedades em empreendimentos em curso e na oferta de recursos para a compra de terrenos e para construção. Em 2020, a companhia foi uma das incorporadoras que cancelou sua oferta inicial de ações (IPO). “Os múltiplos estavam desfavoráveis. No futuro, poderemos voltar ao mercado de capitais. O setor está vendendo bem, mas não há incorporadoras que os investidores queiram comprar”, diz.

Embora tenha expectativa positiva em relação ao mercado, o empresário pondera que “a economia precisa andar bem para o setor andar bem”. “O mercado continua bom, mas o governo precisa controlar a inflação”, afirma. Em relação à vacinação contra a covid-19, o entendimento de Muszkat é que o andamento do processo, na medida necessária, não tende a ocorrer antes do segundo semestre. “O governo deixou de providenciar as coisas na hora certa”, diz.

A You fechou 2020 com lucro líquido de R$ 137 milhões, o maior de seus 11 anos de história e 350% acima do registrado em 2019. A receita líquida cresceu 15%, para R$ 635 milhões. A companhia obteve margem bruta de 37,5%. No ano passado, a incorporadora gerou caixa de R$ 61 milhões.

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Para aliviar aéreas, governo acena com recuo em cobrança de imposto

Alíquota de 15% sobre leasing de aviões, que custaria até R$ 600 milhões, deve cair

Por Daniel Rittner

Segunda onda da pandemia piorou o cenário para as companhias aéreas, que foram a Brasília pedir a mudança no IR ao ministro da Economia, Paulo Guedes — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Pressionado pelas companhias aéreas, em meio à intensificação da pandemia, o governo concordou em zerar novamente a cobrança de Imposto de Renda sobre o arrendamento mercantil (leasing) de aviões. A isenção vigorava desde os anos 1990 e terminou no ano passado, quando

passou a ser aplicada alíquota de 1,5% sobre o envio de remessas internacionais para os donos das aeronaves. O IR “cheio” - de 15% sobre remessas - acabou de voltar.

Sem nenhuma mudança, as estimativas no setor e no próprio governo são de impacto entre R$ 430 milhões e R$ 600 milhões para o caixa das empresas em 2021. Com essa fatura assustando as aéreas, no momento em que o processo de recuperação da demanda por viagens regrediu vários passos, o governo aceitou recuar na cobrança.

O último apelo das companhias foi feito pelos presidentes da Latam, Gol e Azul ao ministro da Economia, Paulo Guedes, em uma reunião no dia 25 de fevereiro. Diante do cenário exposto pelas aéreas, que voltaram a cortar voos diante da nova onda de covid, Guedes alinhou-se aos ministérios da Infraestrutura e do Turismo, que já vinham atuando nos bastidores a favor da isenção do imposto.

O chefe da equipe econômica concordou, segundo interlocutores, com a preparação de uma medida provisória instituindo alíquota zero novamente. Para evitar complicações na tramitação do projeto de lei orçamentária de 2021, que normalmente é aprovado no Congresso Nacional em dezembro e até hoje não teve sequer relatório apresentado, a MP deverá sair apenas depois da votação.

Por um lado, isso resolveria o problema dos novos contratos de arrendamento das empresas aéreas - o que muitas autoridades em Brasília chamam de “daqui para frente”. Para os contratos já em vigência, “daqui para trás”, haveria uma nova interpretação com base em parecer encomendado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que impediria cobranças para aviões arrendados originalmente antes de 31 de dezembro de 2019 - calcula-se que 98% da frota atual.

Essa engenharia tributária se sustenta na forma como ocorreu a mudança. A isenção do imposto sobre remessas para pagamento do leasing de aeronaves vinha sendo objeto de sucessivas renovações desde 1997. Naquele ano, o Brasil passou a adotar uma prática bastante comum em outros países, que buscava garantir competitividade às empresas aéreas e fomentar a competição no setor.

O jogo ficou diferente a partir de MP 907, medida provisória de 2019 que tratava da Embratur e também aumentava o IR de zero - alíquota vigente nos 22 anos anteriores - para 1,5% em 2020. Depois, a alíquota iria para 3% em 2021 e para 4,5% em 2022.

No meio do caminho, o Congresso Nacional modificou a versão original e derrubou essa alta do imposto. Só que o presidente Jair Bolsonaro, atendendo recomendação da Receita Federal, vetou o artigo que dispunha sobre o tema. Criou-se um vazio jurídico e, na ausência de uma nova lei, voltou-se à cobrança do imposto cobrado antes da primeira isenção - por isso a alíquota “cheia” de 15%.

As empresas conseguiram adiar ou renegociar o pagamento de leasing no ano passado. A recuperação da demanda, que já havia atingido 80% do nível pré-pandemia nos voos domésticos, foi interrompida pela nova onda da pandemia.

O parecer da PGFN, afirmam essas fontes, eximiria as companhias de pagar pelas aeronaves arrendadas antes de 2020. Apesar do respaldo de Guedes, muitos avaliam que os técnicos da procuradoria ainda podem resistir à mudança.

Com esse entendimento garantido para contratos vigentes, ficaria mais fácil editar a MP. Isso porque a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que se apontem receitas para cobrir renúncias

tributárias. Se os aviões pré-2020 estiverem resolvidos, a compensação pela LRF será bem menor e caberá mais facilmente no orçamento de 2021.

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Trajano diz que ano é ‘dificílimo’ de prever

Para presidente do Magazine Luiza, fechamento de lojas por piora na pandemia deve reduzir margem

Por Adriana Mattos

Trajano, do Magazine Luiza, se diz decepcionado com cenário a que o país chegou, com vacinação lenta e avanço da covid — Foto: Claudio Belli/Valor

O presidente do Magazine Luiza, Frederico Trajano, disse ontem que está decepcionado com a situação atual do país, afetado pelo atraso na vacinação e aumento do contágio pela covid-19. “É um ano dificílimo de prever. Temos uma vacinação com cronograma lento e provavelmente turbinada por uma cepa mais transmissível. A empresa vai passar por tudo isso, mas pensando na situação do país, nas outras empresas menores afetadas, eu fico decepcionado com nossa capacidade de lidar com essa situação toda”, afirmou.

São 820 lojas temporariamente fechadas das 1,3 mil - efeito dos recuos nas fases de isolamento social em certos Estados - com expectativa de que permaneçam dessa forma, por, pelo menos, duas semanas, disse ele, com efeito sobre o desempenho do canal em março. Na noite de ontem, o grupo publicou os resultados de 2020.

“Temos preparado vários cenários e a vantagem para o quadro atual é que estamos com um on-line melhor preparado do que um ano atrás, quase 70% das nossas vendas são por meio desse canal”, disse. O efeito negativo é que como o digital tende a crescer na venda total, acaba impactando na margem, por ter rentabilidade menor que a da loja física, acrescentou.

O executivo acredita num crescimento “robusto” em 2021, sem dar números - consequência do fato de a empresa estar numa situação financeira e operacional mais confortável - mas com margem “um pouco menor”. De outubro a dezembro, a margem bruta caiu de 28,6% em 2019 para 24,7% no ano passado. No acumulado de 2020, foi de 25,8%, recuo de 2,1 pontos, efeito já de um aumento do peso do on-line, como a empresa já projetava, e de um ambiente de concorrência mais acirrada.

Perguntado sobre sinais de perda de vigor no varejo neste começo de ano, após a suspensão do auxílio emergencial, Trajano disse que em janeiro e fevereiro a alta nas vendas foi de três dígitos baixos, com “leve desaceleração, muito leve” sobre o fim do ano passado, que não compromete as projeções internas do ano. A empresa planeja investimentos acima de 2020, mas não abriu valores.

O Magazine fechou o quarto trimestre com alta de 66,1% nas vendas totais, para R$ 14,9 bilhões, (inclui lojas e venda on-line de itens próprios e de lojistas). Na rival Via Varejo, a alta foi de 31,4%. Ao se descontar as lojas, a venda digital no Magazine cresceu 120,7%, para R$ 9,5 bilhões. Na Via Varejo, a alta foi de 105,6%, no Mercado Livre, de 84%, e na B2W, de 38,2%. A receita líquida no Magazine subiu 57,6% de outubro a dezembro.

Para esses indicadores de receita líquida e venda on-line, em relação ao desempenho do terceiro trimestre de 2020, a taxa de crescimento no Magazine perdeu força. Segundo Trajano, há efeito das bases de comparação, já que a expansão ocorre em cima de um número forte de 2019. Além

disso, a venda on-line tem uma participação maior no faturamento da empresa que em outros grupos, e como houve manutenção de pontos fechados no terceiro trimestre, o on-line se expandiu e “puxou” mais a venda no trimestre anterior.

Ao se analisar o desempenho das lojas, já com abertura plena dos pontos, a venda subiu 15,7% no quarto trimestre - frente a uma alta de 26% em 2019. Na Via Varejo, o índice avançou 5,6% de outubro a dezembro. Em “mesmas lojas” (pontos em operação há mais de um ano), o Magazine acelerou 10,9% e a Via, 6,1%.

O lucro líquido do Magazine (sem incluir ajustes) voltou a subir, após últimos trimestres com linha mais fraca. A soma cresceu 30,6%, para R$ 219,5 milhões, com margem líquida de 2,2%. A Via Varejo lucrou (sem ajustes) R$ 209 milhões, alta de 168%, com margem também de 2,2%.

No material de resultados publicado, o Magazine menciona a melhora no nível de serviço da operação, uma meta para o ano - apesar do impacto na margem de lucro após despesas - e cita alguns planos centrais para 2021. A menção é feita com base numa análise de potencial de crescimento de certas áreas, para ampliar fatia de mercado nesses segmentos.

O grupo quer avançar especialmente no braço on-line de supermercados, no delivery de restaurantes (com o AiQFome) e em moda e beleza. Ainda menciona o braço de serviços a lojistas e clientes, publicidade no marketplace e em soluções de tecnologia para lojistas. “O que vemos é um potencial enorme nessas áreas no país, mas ainda temos uma fatia pequena nelas”, diz o presidente da empresa.

Trajano disse que a companhia vai lançar um cartão de crédito digital em abril, dentro do braço da LuizaCred, e em março começa a operar o Pix. Também afirmou que a companhia irá lançar a plataforma de venda de espaço de anúncios aos lojistas neste ano. Nas lojas, a empresa disse que passará a ter neste ano espaços de exposição de itens do marketplace.

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Tecnologia reforça ‘hotel de bovinos’ da Coplacana

Monitoramento dos animais melhora resultados

Por Marina Salles

A Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana), de Piracicaba (SP), que tem 13,6 mil associados e faturou R$ 2,1 bilhões em 2020, implementou de forma definitiva o uso de ferramentas digitais em seu “boitel”, ou “hotel de bovinos”, que recebe até 6 mil bovinos por ano. Os pecuaristas recorrem a esse tipo de estrutura normalmente no inverno, quando a oferta de pasto diminui e a dieta do confinamento, baseada em grãos, acelera o ganho de peso dos animais na fase que precede o abate.

Fábio Veloso, diretor de operações da Coplacana, conta que o processo de convencimento dos cooperados sobre a adoção de tecnologias levou cerca de dois anos - e que, enquanto isso, os piquetes do confinamento eram divididos entre áreas com e sem monitoramento. A ferramenta em uso é da @Tech, startup paulista de pecuária de precisão.

“Os produtores, no início, optavam por colocar alguns poucos animais na área monitorada pela startup e a maioria ficava no piquete convencional. Depois, com a comparação dos resultados, foram mudando de ideia”, afirma o executivo. Na temporada passada, a diária dos animais no boitel da Coplacana ficou em torno de R$ 14,50 por animal, já com o serviço da @Tech incluído. A diferença de preço da pesagem analógica para a digital é de 50 centavos de real por cabeça.

O que a startup faz é monitorar cada animal por meio de um brinco que é colocado em sua orelha. Instalam-se câmeras e balanças comuns, de pesagem do gado, próximas aos bebedouros, e, com isso, ela passa a medir, assim, o ganho de peso diário e ajuda a determinar o ponto ótimo de abate por indivíduo. No processo, também descobre o chamado “boi ladrão”, aquele que pode precisar de um ajuste na dieta ou que não ganha peso no confinamento na velocidade esperada e deve voltar para as pastagens.

Com o sistema da @Tech, os animais são pesados de 10 a 12 vezes por dia e os dados podem ser acessados pelo produtor do celular, após análise do software da empresa, o Beef Trader. “Antes, o boi era pesado no dia da entrada, e depois somente na saída do boitel, quando já tinham se passado 90 dias”, conta Veloso.

Além da análise do ganho de peso, o Beef Trader também compila dados de preço da arroba para o auxiliar o produtor na tomada de decisão sobre a hora certa de vender seus animais. Trabalha com preços nominais por regiões, bibliotecas de mercado futuro e preços praticados também nos frigoríficos.

Mariane Natera, analista de inovação do Avance Hub, centro de inovação da Coplacana, conta que a atração de startups que pudessem gerar valor para os cooperados começou em 2017 e que o projeto com a @Tech foi o pioneiro. “Uma vez que os produtores estão cientes dos benefícios da tecnologia, a adoção se torna cada vez mais fácil”, diz.

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Embrapa e UFMS criam método que acelera análise de sementes

Sistema está sendo patenteado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial

Por Marina Salles

A Embrapa Instrumentação (SP) e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) desenvolveram um método de classificação de sementes que pode acelerar os ganhos de produtividade das lavouras de soja no Brasil. Com resultado rápido, viabilidade de análise em larga escala e custo inferior ao de modelos tradicionais, o método está sendo patenteado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Ele deve chegar ao mercado tão logo uma empresa se interesse pela transferência de tecnologia das instituições de pesquisa.

O método baseia-se na aplicação da técnica LIBS (de espectroscopia de emissão óptica com plasma induzido por laser) em pequenas amostras de sementes. A avaliação da qualidade das amostras é feita por meio de algoritmos de aprendizado de máquina.

O sistema LIBS dispara um laser de alta energia, gerando um plasma que emite luz oriunda dos átomos e íons presentes na amostra, explica Débora Milori, pesquisadora da Embrapa. “A emissão de luz de cada elemento é como uma impressão digital que permite identificar o átomo que está no plasma. Dessa forma, é possível quantificar carbono, nutrientes e contaminantes do solo”, afirma.

Os pesquisadores acreditam que a tecnologia será bem mais barata que métodos tradicionais, cuja análise chega a custar mais de R$ 100 por lote de semente. Além disso, o LIBS permite conhecer, em poucos minutos, o vigor das sementes. Com métodos convencionais, o processo pode levar dias.

Segundo Cícero Cena, pesquisador do Instituto de Física da UFMS, com testes eficazes, é possível distinguir o real potencial dos lotes. “Saber, antes mesmo do plantio se as sementes de soja são de alto ou baixo vigor pode ajudar a determinar a produtividade da lavoura”, diz.

O Brasil deverá produzir 133,8 milhões de toneladas de soja na safra 2020/21, de acordo com projeção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O rendimento deve ficar em 58,3 sacas por hectare.

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Marfrig lucra R$ 3,3 bilhões e volta a distribuir dividendos

Remuneração aos sócios, que deve ser de R$ 141 milhões, estava prevista apenas para 2022

Por Luiz Henrique Mendes

A chegada do Ano Novo Chinês foi auspiciosa para a Marfrig. Depois de uma década, a empresa de Marcos Molina voltará a distribuir dividendos aos acionistas, antecipando em um ano o plano de remunerar os sócios.

Se no Brasil o ano do boi se traduz em matéria-prima cada vez mais cara - o que está longe de ser uma boa notícia, mesmo com o voraz apetite da China -, nos Estados Unidos, a empresa está gerando caixa como nunca, o que faz toda a diferença.

Nas operações nos EUA, onde a companhia gera cerca de 80% do Ebitda, a demanda aquecida por carne e a ampla oferta de gado fizeram as margens bater recorde. A Marfrig lucrou R$ 3,3 bilhões no ano passado, com uma geração de R$ 4,9 bilhões de caixa livre.

Após anos na corda bamba, Molina virou o jogo com a compra, em 2018, do National Beef, a quarta maior indústria de carne bovina dos Estados Unidos. De lá para cá, conduziu um bem-sucedido processo de desalavancagem, movimento visto com alguma desconfiança inicialmente - o empresário cresceu fazendo grandes aquisições, e houve quem duvidasse de sua faceta mais espartana.

Em 2020, segundo o balanço divulgado ontem, a Marfrig teve receita líquida de R$ 67 bilhões - o que a consolida como uma das dez maiores companhias privadas não financeiras do país - e conciliou investimentos orgânicos (R$ 1,4 bilhão) com redução do endividamento. O índice de alavancagem atingiu 1,57 vez em dezembro, o menor do segmento.

Ao Valor, Molina reiterou que o foco permanece na redução do endividamento - e que, por isso, não há aquisições no radar. Os investimentos da companhia, como a nova fábrica de hambúrguer que está em construção em Mato Grosso do Sul e um frigorífico planejado no Paraguai, serão apenas orgânicos.

Nessa toada, a Marfrig tende a acelerar os pagamentos de dividendos a partir de 2022. Positivo para os acionistas, incluindo o empresário - no fim de 2019, Molina tomou um empréstimo para acompanhar um follow on que financiou o aumento da participação no National. Atualmente, ele e a esposa têm quase 50% do capital.

Ao todo, a Marfrig deve distribuir R$ 141 milhões em dividendos, um payout de 50%. O pagamento é uma relativa surpresa. A companhia precisava compensar prejuízos acumulados na última década e conseguiu fazer isso com o desempenho do ano passado. “Tínhamos o compromisso de pagar em 2022, mas conseguimos antecipar”, diz o empresário.

Para 2021, o conjuntura segue conspirando a favor. Nos EUA, as margens permanecem acima da média graças ao estoque de 700 mil cabeças de gado que não foram abatidas no ano passado, quando várias indústrias do país reduziram o funcionamento em meio a surtos de covid-19.

“Começamos o primeiro trimestre com margens superiores na comparação anual”, afirma Tim Klein, CEO da National Beef.

O cenário ajuda a compensar as frustrações com o Mercosul. Na América do Sul, e particularmente no Brasil, o boi caro é uma pedra no sapato. Miguel Gularte, CEO da Marfrig, indica que a margem Ebitda das operações brasileiras e argentinas estão em “um dígito baixo”, aquém dos dois dígitos do ano passado.

Na B3, a expectativa positiva já impulsionou a Marfrig nesta segunda-feira: MFRG3 subiu mais de 4%, a maior valorização do Ibovespa no dia. Com os papéis a R$ 15,64, a empresa de Marcos Molina vale R$ 11 bilhões.

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‘Risco Lula’ azeda clima no mercado

Bolsa recua 4% com temor de guinada populista e extremismo eleitoral em 2022

Por Lucas Hirata, Felipe Saturnino, Marcelo Osakabe e Victor Rezende

A anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Lava-Jato, colocando-o de volta ao jogo político, azedou, de vez, o clima no mercado. Em um dia já negativo para os ativos brasileiros, a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), pegou os investidores de surpresa e agravou a busca por proteção diante do risco de polarização política e doses adicionais de medidas populistas do governo de Jair Bolsonaro.

O Ibovespa acelerou as perdas e fechou em queda de 3,98%, aos 110.612 pontos, enquanto o dólar subiu 1,70%, aos R$ 5,7788. A espiral negativa se intensificou no “after market” diante de ressurgimento de preocupações sobre o rumo da dívida pública após declarações de Bolsonaro de que pode haver mudanças na PEC Emergencial. O contrato futuro do Ibovespa recuou 5,42%, aos 109.150 pontos, e o do dólar avançou 3,26%, aos R$ 5,8820, em um claro sinal da pressão que está por vir hoje.

O que assustou o mercado foi a decisão de Fachin de anular todas as decisões contra o ex-presidente julgadas em Curitiba. Com isso, o petista recobra seus direitos políticos e poderia disputar a eleição presidencial de 2022. Nesse cenário, o grande risco temido pelo mercado é o de polarização política, o que diminuiria o espaço de uma candidatura de centro e poderia levar o governo de Bolsonaro a uma guinada populista, enfraquecendo qualquer iniciativa de ajuste fiscal.

“Para o mercado essa notícia pode trazer mais dificuldade para a agenda de reformas, podemos ter uma guinada política na condução da política econômica do governo”, diz Vladimir Vale, estrategista-chefe do Crédit Agricole no Brasil. Ainda segundo ele, há uma percepção de que Lula se “radicalizou” nos últimos anos. “A visão é de que o Lula mudou em relação aos seus outros mandatos, quando o mercado podia conviver com ele.”

Além disso, o estrategista afirma que, da perspectiva eleitoral, a volta de Lula ao páreo diminui as possibilidades de uma alternativa centrista, embora ainda seja “muito cedo para falar qualquer coisa mais concreta sobre o que representa para as eleições e para o sistema político”.

Para Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central, a decisão monocrática de Fachin gera uma “insegurança gigante no país” e o tombo do mercado ontem mostra o tamanho da surpresa. O gestor afirma que não é possível dizer se a desvalorização dos ativos foi exagerada, mas ele acredita que a medida ainda pode ser revertida e que a disputa eleitoral ainda está longe. “Estamos sob a primeira reação e ainda temos de ver o que vai acontecer para frente. É natural o mercado tomar um susto desse com uma decisão monocrática dessa”, diz.

Após a decisão de Fachin, Bolsonaro também demonstrou ter pressa em aprovar a PEC Emergencial na Câmara e sinalizou que a proposta pode passar por mudanças. Sem entrar em detalhes, o presidente disse que há risco de o texto não ser aprovado por causa de três artigos e disse que eles devem ser suprimidos. “A PEC emergencial ideal é aquela que será aprovada”, resumiu. O risco de alterações no texto fez ressurgir a preocupação com uma nova desidratação do lado fiscal e até um fatiamento da proposta.

Todo esse contexto levou os juros futuros a ampliarem ainda mais a alta na sessão estendida. A taxa do contrato do Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 escalou de 7,64% no fechamento anterior para 8,01%.

O susto com a questão política chega em um momento que o mercado brasileiro já vinha lidando com o movimento de venda de ações por estrangeiros e a desconfiança com a independência das estatais, além da piora da pandemia e a má gestão da crise pelo governo. Os investidores estrangeiros retiraram R$ 3,558 bilhões da bolsa em quatro sessões até o último dia 4, de acordo com dados mais recentes divulgados pela B3.

Para Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, a decisão de Fachin pode retirar o foco da agenda de reformas. “No nosso cenário político, sempre tem motivo para não engrenar medidas econômicas, e parece que, com essa notícia sobre o Lula, temos mais uma lombada nessa trajetória”, afirma

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Juro real volta a ficar acima de zero após quase 1 ano em terreno negativo

Aumento vem na esteira da alta dos juros futuros diante do aumento dos riscos fiscais e das expectativas de inflação no Brasil, além do salto dos rendimentos dos Treasuries

Por Victor Rezende

Depois de ter se firmado em terreno negativo por quase um ano, a taxa de juro real voltou a ficar acima de zero de forma consistente. Cálculo do Valor Data a partir do contrato de swap de juro de 360 dias, descontada a projeção de inflação de um ano, extraída do Boletim Focus, aponta para uma taxa real de 0,29%. Na semana passada, inclusive, o juro real chegou a 0,54%, maior nível desde 23 de março de 2020.

O aumento do juro real vem na esteira de um processo de alta dos juros futuros diante do aumento dos riscos fiscais e das expectativas de inflação no Brasil, além do salto dos rendimentos dos Treasuries. Ontem, o juro real americano medido pelas TIPS de dez anos chegou a -0,62%, após ter alcançado o nível de -1,08% no início deste ano.

“Está claro que os fundamentos econômicos domésticos não se mostram suficientemente robustos para absorver possíveis impactos de uma conjuntura global que começa a se desenhar

menos benigna que o imaginado até há pouco tempo. Se a alta da Selic já era inevitável diante das nossas fragilidades internas, o quadro externo agora não apenas requer uma taxa básica mais elevada, como também que esse movimento seja iniciado pelo Copom imediatamente”, diz o economista-chefe da Porto Seguro Investimentos, José Pena, que projeta a taxa Selic em 5,5% no fim deste ano.

Em relatório enviado a clientes, Pena destaca que antes o cenário básico da Porto Seguro envolvia o juro básico em 4,5% no fim do ano. A elevação na projeção da casa para a Selic é “fruto de um câmbio que se mostrará mais persistentemente depreciado ao longo do ano (resultado de nossos problemas domésticos e da força do dólar em escala global), o que, por sua vez, manterá a inflação sob risco de exceder o centro da meta estabelecida para este e para o próximo ano”, diz.

A piora recente do cenário inflacionário e as expectativas de inflação acima do centro da meta em 2021 justificam a expectativa de um processo mais firme de normalização da política monetária, avalia o economista-chefe da Occam, Paulo Val. “Nas últimas semanas, tivemos surpresas inflacionárias consistentes e que justificam a antecipação do processo de alta de juros para março”, afirma. A gestora carioca elevou sua projeção para a Selic no fim deste ano de 5% para 5,5%.

“Existe a necessidade do processo de normalização. O cenário inflacionário já não justifica uma taxa tão estimulativa assim”, diz Val, que espera que o IPCA termine este ano em 4,5%. Assim, o juro real esperado no fim do ano é de 1%, que, na visão da Occam, ainda está em nível estimulativo. “Nossa estimativa de juro real neutro é em torno de 2,5%. Então precisaríamos de juros ainda mais altos para chegar nesse nível. Vamos caminhar para isso aos poucos, até porque, em função da fragilidade da economia, é natural que a autoridade monetária seja um pouco mais cautelosa neste momento.”

Ao projetar o IPCA em 4,5% neste ano, Val nota que a inflação está se aproximando do teto da meta. “Ainda existe uma distância, mas o atual cenário não justifica o grau extraordinariamente estimulativo da política monetária”, diz. O economista observa, ainda, que os segmentos de inflação mais pressionados são pouco sensíveis às medidas de isolamento social que têm sido impostas novamente. Assim, mesmo que haja perda de renda das pessoas, segmentos como alimentos e bens duráveis dão alguns sinais de superaquecimento, afirma.

No momento em que a pandemia deve ter impacto sobre a atividade econômica, diante de medidas de restrição impostas recentemente, há um obstáculo ao processo de normalização da política monetária, o que sugere que o juro real deve continuar abaixo do nível neutro mais à frente. É o que aponta o diretor de pesquisa econômica da Pezco, Helcio Takeda. Ele, contudo, avalia que, apesar da fraqueza da atividade, o Copom deve dar início neste mês às altas de juros para evitar desancorar as expectativas de inflação.

“O fato de a inflação corrente estar pressionada e o risco de as expectativas começarem a se distanciar da meta fazem com que a taxa de juro real precise ficar mais próxima do neutro no curto prazo”, afirma Takeda. Para ele, porém, o nível de juro real que será atingido no fim do ano dependerá muito do início do processo de normalização.

“Na nossa leitura, o BC deveria começar já neste mês para evitar que seja preciso um ajuste mais forte do que o necessário no futuro e, eventualmente, o BC conseguirá manter o juro real ex-ante levemente abaixo do neutro”, diz. Para Takeda, a demora em começar o processo de alta da Selic poderia, eventualmente, manter o nível dos juros abaixo do que seria ideal no curto prazo, o que, portanto, demandaria uma taxa de juro real maior mais à frente.

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Alta da Selic terá pouco ou nenhum efeito sobre o câmbio, diz Pastore

Atualmente, a situação brasileira se assemelha à de Rússia e Turquia

Por Alex Ribeiro

O ciclo de alta de juros que o Banco Central cogita começar em breve “deverá ter pouco ou nenhum efeito sobre o real”, conclui estudo da A.C. Pastore & Associados, do economista Affonso Celso Pastore. Com o rigor de ferramentas quantitativas, ele entra na polêmica sobre o acerto - ou erro - de fazer um forte movimento na Selic para tentar conter a depreciação da taxa de câmbio, como prega uma corrente do mercado financeiro.

“Nas condições atuais da economia brasileira, uma valorização do real somente ocorrerá com uma consolidação fiscal que ainda não está à vista, o que significa que o Brasil deverá continuar convivendo com o real fraco”, diz o estudo.

O dólar perdeu cerca de 10% de seu valor ante outras moedas importantes do mundo a partir do período entre abril e maio do ano passado, de acordo com o chamado “Dollar Index” (DXY), que acompanha o desempenho da moeda americana em relação ao euro, iene, libra, dólar canadense, dólar australiano, coroa sueca e franco suíço.

É o reflexo da forte expansão monetária pelo Federal Reserve (Fed) nos Estados Unidos, com a redução dos juros para abaixo de 0,25% ao ano, compra de mais de US$ 2 trilhões em títulos do Tesouro e relaxamento das metas de inflação e emprego, que criam a perspectiva de um longo tempo de condições estimulativas.

Esse ambiente favorece os fluxos de capitais dos EUA para outros países, levando ao enfraquecimento do dólar em relação às demais moedas. O estudo diz que, em condições normais, o enfraquecimento do dólar deveria contribuir para valorizar também o real ou, pelo menos, atenuar a sua desvalorização.

Foi o que aconteceu no Brasil de 2008 a 2014, quando o país ainda colhia os frutos das políticas macroeconômicas mais sólidas que levaram ao grau de investimento. Até 2012, o país cumpria as suas metas de superávit primário voltadas a reduzir a dívida pública. Nesse período, a atração de capitais ao Brasil superava o déficit em contas correntes e produzia superávits no balanço de pagamentos.

Mas não é o que se observa ultimamente. “A exemplo do ocorrido com as moedas de outros países em crise, como Argentina, Turquia e Rússia, o real não respondeu ao enfraquecimento do dólar”, diz o relatório.

Essa mudança de padrão tem levado setores do mercado financeiro a dizer que a responsabilidade é dos juros historicamente baixos no Brasil, em 2% ao ano, que alimentam a depreciação cambial. Muitos pregam um aperto mais forte de juros para estabilizar a cotação do dólar em relação ao real.

Pastore disse ao Valor, em reportagem publicada ontem, que, dado o quadro inflacionário mais geral, o BC deve iniciar um ciclo de alta de juros “para mostrar que está comprometido com a meta de inflação e em não repetir o erro cometido em 2011, quando desancorou as expectativas [de inflação] e custou caro em termos de produto”.

Mas ele manifestou preocupação com as pressões do mercado para uma alta forte e acelerada. “Se for para subir os juros para baixar o câmbio, acho um erro, vai impor uma desaceleração

adicional à economia”, afirmou Pastore. “Se tem que começar a subir, vai devagar, deixando contingente aos dados.”

A consultoria de Pastore comparou, com ferramentas matemáticas e estatísticas, o comportamento das moedas de 20 países emergentes e desenvolvidos com o Dollar Index. No levantamento, conseguiu identificar quatro grupos de países com padrões diferentes entre si.

Tem um grupo com desempenho mais positivo, com uma breve depreciação com a pandemia, mas que logo voltaram ao padrão anterior, com uma apreciação de suas moedas mantendo a relação histórica com o DXY. Esse grupo inclui dois países que fazem parte do DXY (Canadá e Austrália) e outros seis que não fazem parte (Coreia do Sul, Croácia, Lituânia, Polônia, República Checa e Nova Zelândia).

Um segundo grupo teve uma forte depreciação, seguida de uma apreciação cambial. Mas, embora o enfraquecimento do dólar tenha levado a um fortalecimento dessas moedas, elas ficaram persistentemente depreciadas em relação ao padrão anterior. Ainda assim, após esse deslocamento da taxa de câmbio, as moedas continuam a responder mais ou menos da mesma forma ao Dollar Index. Fazem parte do grupo África do Sul, Chile, Colômbia, Hungria, Índia e México

E há um terceiro grupo (do qual o Brasil faz parte, ao lado de Rússia e Turquia) que tem uma forte depreciação, que não se reverte mais tarde, nem mesmo parcialmente. “Antes da pandemia havia uma correlação positiva entre o real e o Dollar Index, mas depois da pandemia o real passa a oscilar em torno de um valor médio estável, sem nenhuma reação ao enfraquecimento do dólar.”

O quarto grupo são os países que estão nos extremos. Dois, do lado negativo: a Argentina, com a maior crise econômica e maior depreciação; e o Peru, que enfrenta uma crise política e risco eleitoral. Do lado positivo, está a Ucrânia, que geopoliticamente afastou-se da Rússia e se aproximou da União Europeia e fez um profundo programa de reformas, que apreciou sua moeda antes da pandemia e a manteve estável no mesmo nível de 2018 durante a pandemia.

A conclusão é que, atualmente, a situação brasileira se assemelha à de Rússia e Turquia: os fluxos de capitais gerados pela expansão monetária americana preferem ir para outras economias com as contas públicas menos preocupantes. “A menos que haja uma mudança radical na condução da política fiscal, o país continuará convivendo com um real fraco”, conclui o estudo.

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Crescem dúvidas sobre mudança no comando do BB

Segundo fontes, a prioridade da equipe econômica no momento é “cuidar do fiscal e das vacinas”

Por Edna Simão

A demora no anúncio do substituto de André Brandão no comando do Banco do Brasil (BB) tem levantado dúvidas sobre se Eduardo Dacache - nome que se tornou o mais cotado na semana passada -, atual presidente da Caixa Seguridade, realmente vai ser confirmado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo. Além disso, alimenta a defesa por uma solução interna no BB. Segundo fontes, a prioridade da equipe econômica no momento é “cuidar do fiscal e das vacinas”.

Mas enquanto a Câmara dos Deputados não aprova a PEC Emergencial e o ritmo da vacinação da população está aquém do desejável, cresce na área econômica a defesa de uma solução interna

para o banco. Para alguns, a indicação de Dacache poderia ser mal recebida pelos funcionários do banco. “Se tivesse que ser, já teria acontecido”, disse um técnico do governo.

Também há fontes que dizem que não morreu o movimento em prol da permanência de Brandão. O conselho de administração, por exemplo, gostaria muito que o atual presidente do BB continuasse no cargo. Mas a avaliação, segundo fonte da área econômica, é que dificilmente isso aconteceria, pois Bolsonaro quer e não teria desistido de sua substituição. Por enquanto, ainda não há martelo batido sobre quem será o nome do novo presidente do BB, mas a expectativa é que o ministro da Economia, Paulo Guedes, volte a pensar melhor sobre o assunto depois da aprovação da PEC Emergencial.

Após a interferência política na Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que faria outras mudanças. Sem citar nomes colocou novamente Brandão na linha de tiro. “Mudança comigo não é de bagrinho, é de tubarão”, disse o presidente em 20 de fevereiro. Diante do novo processo de desgaste, o próprio presidente do BB, segundo noticiou o Valor, manifestou a interlocutores que pretendia deixar o cargo. A amigos, Brandão já vinha dizendo que deixaria o cargo se não pudesse atuar de forma técnica, mas a crise na Petrobras foi a gota d’água.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a expectativa é que Brandão fique no cargo até que seja nomeado seu substituto, mas admitem que “a capacidade de suportar fritura tem um limite”. “O timing só pode se acelerar com um pedido de demissão”, disse um técnico da área econômica.

Em janeiro, o presidente do Banco do Brasil já foi alvo de Bolsonaro por causa de um plano que contemplava programas de desligamento voluntário e uma reestruturação da rede física que levaria ao fechamento de agências. Na ocasião, Bolsonaro decidiu que iria demiti-lo, mas recuou diante da repercussão negativa.

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Justiça Federal afasta PIS e Cofins sobre valor perdoado de dívida

Decisão beneficia indústria metalúrgica do interior de São Paulo

Por Adriana Aguiar

Uma indústria metalúrgica conseguiu na Justiça afastar a cobrança de PIS e Cofins sobre valor perdoado de dívida, negociado com um banco. A decisão liminar é a primeira que se tem notícia e foi proferida pela 6ª Vara Federal de Campinas (SP).

A tese chegou ao Judiciário com a jurisprudência desfavorável na esfera administrativa. Os poucos julgados sobre o tema adotam o entendimento da Fazenda Nacional de que os valores devem ser considerados receita e, portanto, tributados - alíquota de 9,25% de PIS e Cofins.

A discussão é importante neste momento de pandemia e pode abrir caminho, segundo advogados, não só para descontos dados por bancos em financiamentos, mas também para negociações entre empresas e até mesmo em recuperações judiciais.

No caso, a indústria metalúrgica, localizada em Hortolândia, interior de São Paulo, conseguiu um abatimento de cerca de R$ 640 mil em empréstimo com o Banco Bradesco. E decidiu entrar na Justiça com a tese, com a alegação de que esses valores perdoados não poderiam ser considerados receita, uma vez que não houve novo ingresso de dinheiro no caixa.

De acordo com o advogado que assessora a metalúrgica, Eduardo Galvão, do GBA Advogados Associados, “ainda que numa análise contábil se trate de um resultado escritural positivo, os

valores obtidos com o perdão não podem ser classificados como receita financeira, uma vez que não representa ingresso de novos valores originados de uma atividade operacional ou não operacional desenvolvida pela empresa”.

Se mantida, a decisão da 6ª Vara Federal de Campinas, acrescenta o advogado, pode representar uma economia de cerca de R$ 60 mil, um valor significativo para uma empresa de médio porte em crise financeira (processo nº 5002526-13.2021.4.03.6105).

A tese ganhou força depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, que tratou da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Na ocasião, os ministros reafirmaram que existe diferença entre o conceito de faturamento e receita. Para eles, embora todo faturamento seja receita, nem toda receita é faturamento (RE 574706).

Mas desde 2013, com o julgamento em repercussão geral que afastou a incidência do PIS e Cofins sobre valores auferidos em cessão de créditos acumulados de ICMS (RE 606107), advogados acham a discussão possível. Na ocasião, o STF definiu receita como ingresso financeiro que se integra no patrimônio, na condição de elemento novo e positivo.

A Receita Federal, porém, tem entendimento contrário ao contribuinte. Na Solução de Consulta Cosit nº 176, de 2018, afirma que a remissão de dívida representaria uma receita operacional tributável pelo PIS e a Cofins.

Ao analisar o pedido de liminar da empresa, o juiz Haroldo Nader, da 6ª Vara Federal de Campinas, entendeu, porém, que “ é cediço que o PIS e a Cofins se tratam de tributos que incidem sobre receita, não sobre resultado/lucro. Então, qualquer desconto obtido pelo contribuinte, ainda que negociado, não pode ser considerado receita financeira: trata-se daquilo que ele deixou de gastar, ou seja, um abatimento no custo de sua atividade, não tributável exceto pelas exações sobre o lucro”.

Ariana de Paula Andrade Amorim, do escritório Briganti Advogados, afirma que a liminar é a primeira que conhece e pode dar força para a discussão. Ela aguarda sentença sobre discussão semelhante, que envolve perdão de dívidas entre duas empresas. O caso está para ser julgado em Divinópolis, em Minas Gerais. Para ela, a discussão cresceu em volume depois do julgamento da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins.

A advogada acrescenta que existem decisões semelhantes para descontos obtidos em multas e juros de mora de dívida incluída no Programa Especial de Regularização Tributária (Pert). Em abril de 2018, por exemplo, a Cairu Indústria de Bicicletas obteve na Justiça Federal liminar que afasta a cobrança de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins (processo nº 1000052-91.2018.4.01.4103).

Na decisão, o juiz federal André Dias Irigon, da Vara Federal Cível e Criminal de Vilhena (RO), cita a decisão do Supremo que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e diz que, a partir do precedente, a remissão da dívida não poderia ser tratada como receita para fins de tributação.

Já no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), os poucos julgados sobre o tema são desfavoráveis. Em um caso emblemático, a 3ª Turma da Câmara Superior manteve autuação contra a Silvio Santos Participações de cerca de R$ 900 milhões, em valores atualizados (processo nº 16327.720855/2014-11), que tratou de remissão de dívida.

Para o advogado Leo Lopes, do FAS Advogados, a discussão ainda não ganhou corpo porque não há muitas autuações sobre o tema e nem sempre as companhias querem discutir antecipadamente o assunto no Judiciário. A tese, afirma, abre caminho principalmente para as empresas em recuperação judicial, que conseguem obter às vezes perdão para mais da metade da dívida.

Ele lembra que no projeto da nova Lei de Recuperação e Falências, sancionada em dezembro, havia a previsão para que os valores perdoados não fossem tributados. Contudo, esse ponto foi vetado pela presidência da República.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.

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Editorial – Falta de insumos coloca mais barreiras à retomada

Em vez de buscar soluções, Executivo e o Legislativo discutem temas secundários

A retomada do nível de atividades no fim de 2020 pegou alguns setores da economia com estoques baixos. Desde então, as empresas vêm tentando recompor a produção. Mas nem todos os insumos estão disponíveis, sem falar que alguns preços subiram, na esteira da alta de diversas commodities e da desvalorização do real. A segunda onda da covid-19 vai acentuar a crise de abastecimento. O quadro põe em xeque a expectativa de recuperação da produção e ameaça as vendas ao mercado externo, também colocadas em risco por causa da demora da vacinação da população.

Um dos setores mais afetados é a indústria automobilística, surpreendida com estoques baixos por um inesperado aumento da demanda já no fim do ano passado. Faltam aço, materiais plásticos, pneus e, mais recentemente, componentes eletrônicos. A escassez de chips afeta montadoras no mundo todo e fabricantes de diversos bens como eletroeletrônicos. Em uma visão otimista há quem aposte que o gargalo dos chips vai ser resolvido em seis meses. Mas há quem espere uma melhora apenas no próximo ano. Não só a forte demanda de produtos eletrônicos provocada pela pandemia causa o problema, mas também a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, desencadeada pelo então presidente americano Donald Trump.

Há também entraves de logística como dificuldades de transporte. Muitas montadoras operam com estoques mínimos, pela estratégia “just in time”, e foram surpreendidas pela diminuição das frotas de cargueiros e menor oferta de voos, resultado da restrição aos contatos para desacelerar o contágio pelo coronavírus.

Inicialmente foram feitas paralisações pontuais da produção, depois transformadas em interrupções mais longas que exigiram a negociação entre empresas e sindicatos por uma saída para evitar demissões. Das 12 montadoras, foram obrigadas a parar total ou parcialmente suas fábricas General Motors (GM), Fiat, Honda e Renault.

Em consequência dessas dificuldades, a produção das montadoras caiu 3,5% no mês passado na comparação com fevereiro de 2020. Entre carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus, 197 mil veículos foram montados em fevereiro, o volume mais baixo dos últimos sete meses. Os estoques continuam baixos: são 98 mil unidades entre indústrias e concessionárias, volume suficiente para 18 dias de vendas. As exportações somaram 33,1 mil unidades, o menor volume embarcado no mês de fevereiro desde 2015.

Outros setores que consomem aço e plásticos também relatam gargalos de abastecimento como as indústrias de máquinas, de material de construção e de eletroeletrônicos. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) trabalha com a expectativa de que os atrasos na entrega de aço durem mais quatro meses. Há forte demanda para a recomposição de estoques e as usinas estão trabalhando com 60% a 70% da capacidade instalada tomada.

A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) reclama da falta de resinas plásticas e óleo de palma, usado em cerca de metade dos alimentos industrializados do país. Já a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) se queixa de dificuldades de entregas de polipropileno e da alta dos preços. A Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel) registra demanda em alta desde o início da pandemia dado o forte aumento das atividades de comércio eletrônico. Janeiro foi o sétimo mês seguido de recorde mensal de vendas. Mas os períodos de lockdown em diversas regiões interromperam a coleta de material reciclado que compõe quase 70% da fibra usada na produção de embalagens de papel ondulado, dobrando o preço final em alguns casos.

A falta de insumos aflige a economia em um momento em que termina a carência de linhas especiais de crédito concedidas no ano passado e o pagamento das dívidas precisa ser retomado. Além disso, perderam a vigência os programas de apoio à manutenção dos empregos, sem falar no fim no auxílio emergencial. O gargalo vem se somar à preocupação com a desaceleração do nível de atividades causada pelo recrudescimento da pandemia. Em vez de buscar soluções, o Executivo e o Legislativo desviam o foco para temas secundários como a liberação de armas e a imunidade parlamentar. Ou então divergem em relação ao ajuste fiscal, contribuindo para elevar ainda mais o dólar. A consequência é o enfraquecimento ainda maior da economia.

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Opinião – A nova equação de valor no agronegócio

Consumo de etanol evitou emissão de pelo menos 515 milhões de toneladas de CO2

Por Giovanna Araújo

A desconexão entre a criação de valor corporativo e socioambiental está desaparecendo no mundo dos negócios, em um contexto marcado por mudanças na percepção e na influência dos consumidores, assim como, por crescentes riscos regulatórios. Vem sendo difundida a visão de que o valor de uma empresa transcende os aspectos econômicos, sendo também percebido e atribuído às externalidades sociais e ambientais geradas. Esses fatores são parte integrante da história de criação de valor de uma empresa, constituindo-se em importantes componentes dessa nova equação.

Essa visão que se consolida terá implicações sobre empresas diversas, assim como, sobre a gestão de ativos e decisões de investimento. Empresas de áreas com histórico de forte criação de valor econômico adicionado, medido pela geração de retorno acima do custo de capital, poderão, por exemplo, ser negativamente afetadas pela percepção das partes interessadas sobre impactos sociais e ambientais negativos das atividades, ao passo que empresas com histórico de baixo valor econômico poderão ser reavaliadas à luz dos impactos sociais e ambientais.

Renovabio é um dos maiores e mais bem construídos programas de descarbonização da matriz de transportes

Nessa nova equação, ativos e investimentos antes vistos como pouco estratégicos poderão ser reposicionados e repensados dentro de um portfólio. Produtos inovadores, até então avaliados sob a ótica apenas econômica, poderão ser reavaliados em termos dos impactos sociais e ambientais que produzem e das externalidades positivas ou negativas que geram para a sociedade.

Quando extrapolamos essa visão para um setor como o agronegócio, é evidente a relevância do valor gerado nessas amplas vertentes, assim como as oportunidades e desafios que se colocam à frente. Do ponto de vista econômico, os resultados são robustos. De acordo com o critério

metodológico do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), o PIB do agronegócio medido pela ótica do produto (preços de mercado, incluindo impostos indiretos, menos subsídios relacionados) gerou R$ 1,61 trilhão em 2019, equivalente a 20,9% do PIB Brasil, considerando os quatro segmentos: insumos, agropecuária, agroindústria (de base agrícola ou pecuária) e agrosserviços (transporte, comércio e demais serviços).

Já entre janeiro e junho do ano passado, o PIB da indústria acumulava crescimento de 5,3%, de acordo com levantamento calculado também pelo Cepea, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o que sinaliza um aumento da participação do setor no PIB nacional. Nos últimos 15 anos, o PIB do setor apresentou um crescimento médio real de 4,3%, descontado, portanto, o efeito da inflação.

Do ponto de vista social, o destaque em termos de externalidades positivas fica para o impacto do uso de biocombustíveis líquidos na qualidade do ar. A poluição do ar é uma das vilãs da saúde pública nos centros urbanos e o etanol hidratado praticamente zera a emissão de material particulado emitido pela gasolina e diesel. Na Região Metropolitana de São Paulo - onde a participação do etanol hidratado no consumo dos combustíveis do ciclo Otto é uma das maiores do país - a média de material particulado fino no ar foi de 17 µg/m³ (microgramas por metro cúbico), em 2019, segundo dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, patamar que se enquadra dentro do recomendado pela Organização Mundial de Saúde, que é de 20 µg/m³ (microgramas por metro cúbico) de partículas finas no ar.

Do ponto de vista ambiental, é notória a economia no uso da terra gerada pelos ganhos de produtividade na agricultura e pecuária no Brasil, principalmente ao longo dos últimos 15 anos. Considerando-se apenas a ótica da produção de grãos, os ganhos de produtividade no país, nesse mesmo período, eliminaram a necessidade de plantio adicional de uma área de 35 milhões de hectares.

Merece destaque também o programa de biocombustíveis líquidos no Brasil, etanol e biodiesel que tem um papel fundamental na redução de emissão de gases de efeito estufa emitidos pelos combustíveis fósseis utilizados na matriz de transportes do país. De acordo com estimativas da União da Indústria de Cana de Açúcar (Única), desde o lançamento do carro flex (que utiliza gasolina e etanol como combustível), entre março de 2003 até maio do ano passado, o consumo de etanol no país evitou a emissão de, pelo menos, 515 milhões de toneladas de gás carbônico. Essa redução de toneladas de CO2 emitidas é equivalente a quase quatro bilhões de árvores plantadas.

Ainda na esfera ambiental, impressionam também as estatísticas de logística reversa que impactam diretamente a emissão de gases do efeito estufa. De acordo ainda com levantamento conduzido pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev), cerca de 94% desses componentes plásticos colocados no mercado brasileiro, em 2019, foram reciclados, o que torna o país campeão mundial de logística reversa de embalagens de defensivos agrícolas.

Evidentemente, há muito valor a ser gerado na esfera econômica e muito o que avançar nas questões sociais e ambientais no agronegócio no Brasil. Na esfera ambiental, para atingir os compromissos internacionais assumidos em relação ao clima, o Brasil estabeleceu metas na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) de redução de emissões de carbono em 37%, até 2025, e de 43%, até 2030, comparativamente aos níveis de 2005. O setor agrícola terá um papel fundamental para viabilizar o cumprimento dessas metas.

Dentro desse contexto, tem papel de destaque o Renovabio - considerado como um dos maiores e mais bem construídos programas de descarbonização da matriz de transportes do mundo - que

será fundamental para o aumento da participação da bioenergia na matriz energética brasileira. Também serão relevantes neste contexto frentes como a restauração de hectares de florestas, fortalecimento do cumprimento do Código Florestal e desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira.

Entender essa nova equação de valor pautada não só por aspectos econômicos, mas também por aspectos sociais e ambientais, será crucial, não apenas para a avaliação da resiliência de um negócio ou de um setor, como para a maximização das oportunidades de criação de valor existente. As empresas que identificarem e quantificarem os impactos das externalidades sociais e ambientais dos negócios estarão melhores posicionadas para desenvolver estratégias de respostas que não apenas protejam, mas que também gerem valor para os acionistas e para a sociedade.

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Opinião - Os novos falcões da inflação

Eles não confiam que o Fed aumentará as taxas de juros quando for necessário

Por Bradford DeLong

Em 1992, Lawrence H. Summers, na ocasião economista-chefe do Banco Mundial, e eu advertimos que empurrar a meta da inflação anual do Federal Reserve dos EUA para de menos de 4% para 2% poderia causar grandes problemas. Não apenas a meta de 4% não estava produzindo nenhum descontentamento, mas uma meta de 2% aumentaria o risco de a política de taxa de juros do Fed atingir o limite inferior zero.

Nossas objeções foram ignoradas. O presidente do Fed, Alan Greenspan, reduziu a meta de inflação para 2%, e desde então estamos pagando por isso. Há muito tempo penso que muitos de nossos problemas econômicos desapareceriam se pudéssemos reajustar os mercados de ativos de forma a tornar uma taxa de fundos federais de 5% consistente com o pleno emprego no estágio final de um ciclo de negócios.

Os novos falcões parecem querer manter a taxa de fundos federais no limite inferior de zero, com medo de que em algum momento ela exceda a taxa de mercado. Não faz sentido, especialmente como argumento contra o apoio adicional para famílias americanas

Existem três maneiras de se fazer isso. Uma é aumentar a meta de inflação de volta para a faixa de 4% que prevaleceu durante o mandato do presidente do Fed, Paul Volcker. Outra é impulsionar a demanda de modo que uma taxa de fundos federais de ciclo tardio de 5% ainda seja consistente com fortes investimentos. E uma terceira opção é inundar o mercado com ativos seguros do Tesouro, de modo que o prêmio do preço dos ativos seguros sobre os títulos do Tesouro caia, permitindo assim que a taxa dos fundos federais de ciclo tardio aumente.

Quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, venceu a eleição de 2020 e propôs seu pacote de alívio, resgate, apoio e estímulo de US$ 1,9 trilhão, eu apoiei essa medida. Se for aprovado, uma parte substancial do dinheiro irá para pessoas que realmente poderiam usá-lo, e a economia teria uma chance melhor de retornar rapidamente ao pleno emprego após um ano de pandemia e bloqueios.

Com certeza, seria melhor se uma parte muito maior do Plano de Resgate Americano fosse para investimento público. Mas, a menos que se possa ter certeza de que dez senadores republicanos estariam abertos a um estímulo ao investimento público, não se deve permitir que o perfeito se torne inimigo do bom. Além disso, o pacote se prestaria a buscar a terceira opção - inundar o mercado com ativos seguros - então, como não gostar?

Aparentemente, há o suficiente para não gostar de que muitos comentaristas, que respeito e admiro, se opuseram ao plano de US$ 1,9 trilhão. Não me refiro a economistas republicanos profissionais que sempre colocam considerações partidárias na frente das evidências, mas a vozes amplamente respeitadas, como Summers e o ex-economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard.

Em um recente e amplamente divulgado comentário para The Washington Post, Summers afirma que “... embora haja enorme incerteza, há uma chance de que estímulos macroeconômicos em uma escala mais próxima dos níveis da Segunda Guerra Mundial do que os níveis normais de recessão desencadeiem pressões inflacionárias de um tipo que não vimos em uma geração, com consequências para o valor do dólar e a estabilidade financeira. Isso será administrável se a política monetária e fiscal puder ser ajustada rapidamente para resolver o problema. Mas, devido aos compromissos que o Fed assumiu, a exoneração de funcionários do governo até mesmo da possibilidade de inflação e as dificuldades em mobilizar apoio do Congresso para aumentos de impostos ou cortes de gastos, existe o risco de as expectativas de inflação subirem acentuadamente. As medidas de estímulo da magnitude contemplada são passos rumo ao desconhecido”.

Summers e Blanchard temem que, ao anular as expectativas de inflação de longo prazo, o volume proposto de estímulo possa criar pressões inflacionárias que o Fed não seria capaz de conter sem causar uma recessão. Eles não estão sozinhos. Harold James e Markus Brunnermeier, da Universidade de Princeton, e Jean-Pierre Landau, da Sciences Po, observam que um “novo e perigoso consenso inflacionário mundial” está emergindo.

Além disso, Michael R. Strain, do American Enterprise Institute, argumenta que os aumentos das taxas de juros do Fed deveriam ser evitados porque “a confiança na capacidade do Fed de ajustar a economia está equivocada. Quando a taxa de desemprego sobe um pouco, ela tende a subir muito”.

O que devemos fazer com essas advertências? Pelo que posso ver, todas refletem o medo de que o Fed possa ter de aumentar a taxa de fundos federais e retorná-las à faixa que costumávamos considerar normal. Digo “pode” porque, como os críticos mencionados reconhecem, quaisquer pressões inflacionárias geradas pelo pacote de US$ 1,9 trilhão continuam sendo apenas uma possibilidade, não uma certeza. É igualmente provável que os novos gastos acabem preenchendo lacunas na demanda agregada.

De qualquer modo, se os últimos 15 anos de debates sobre “estagnação secular” e “excesso de poupança global” nos ensinaram alguma coisa, é que devemos querer criar condições nas quais se justifique uma taxa de fundos federais mais alta. A única explicação que posso ver para a oposição dos novos falcões da inflação ao tamanho do Plano de Resgate Americano é que eles não confiam que o Fed aumentará as taxas de juros quando for necessário.

Como tal, eles parecem querer manter a taxa de fundos federais garantida no limite inferior de zero indefinidamente, com medo de que em algum momento ela exceda a taxa de mercado. Mas isso não faz sentido, especialmente como argumento contra o apoio adicional para famílias americanas em dificuldades. (Tradução de Anna Maria Dalle Luche).

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Opinião - Um ano depois e as feridas continuam abertas

Impactos econômicos são sentidos especialmente por mulheres que geralmente ganham menos, economizam menos e foram mais afetadas pela sobrecarga de trabalho dentro de casa, perda de emprego e violência doméstica

Por Betina Roxo

O mês que ficou conhecido como o pior da história, em que tivemos a queda mais rápida dos mercados, se reinicia sob outra perspectiva, mas talvez não tão positiva quanto gostaríamos. Um ano atrás, voltávamos do Carnaval com a maior ressaca de todas e mal sabíamos o que estava por vir: mais de um terço da população mundial em “lockdown” no mês seguinte, em abril, gerando o maior choque econômico dos últimos cem anos.

Consequentemente, as bolsas de valores do mundo inteiro despencaram, e o movimento de corrida a ativos seguros (“flight to safety”) se intensificou, enquanto o VIX, conhecido como “índice do medo”, atingiu seu nível mais alto desde 2018.

Nesse mesmo período, mas agora em 2021, vemos alguns movimentos positivos, com a esperança da vacina e normalização da atividade - mas no Brasil a situação é ainda desafiadora.

Paralelamente, a recuperação do crescimento global tem ganhado força, ainda que gradual, em meio à alta liquidez no mundo, com estímulos fiscais e política de juros superbaixos (ou negativos), mas as potenciais consequências disso estão no radar dos investidores e tem aumentado a preocupação do mercado.

Por fim, não menos importante, não nos esquecemos. Ainda há cicatrizes deixadas, cujas feridas já existentes foram expostas. Segundo a ONU, os impactos econômicos combinados são sentidos especialmente por mulheres e meninas que geralmente ganham menos, economizam menos e foram mais afetadas pela sobrecarga de trabalho dentro de casa, perda de emprego e violência doméstica, principalmente nos períodos de lockdown.

No mercado de trabalho brasileiro, o percentual de mulheres que estava trabalhando ficou em 45,8% no terceiro trimestre de 2020, frente a 53,3% no mesmo período do ano anterior, segundo os dados mais recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Estamos no nível mais baixo desde 1990, quando a taxa ficou em 44,2%.

Por isso, além de todos os esforços políticos e econômicos para sairmos dessa crise, é fundamental que todas as respostas (vindas de homens também) levem em consideração mulheres e meninas - sua inclusão, representação, direitos, igualdade e proteção.

Afinal, as mulheres foram as mais atingidas por esta pandemia, mas também serão a chave da recuperação. Daí a necessidade cada vez maior de inspirar e fortalecer o público feminino na busca da equidade de gênero em territórios ocupados majoritariamente por homens, como no caso do mercado financeiro.

Além disso, reconhecer e premiar verdadeiras heroínas e empreendedoras que encararam esse grande desafio de vestirem a camisa e se tornarem mulheres que transformam, nas suas buscas incessantes por mudar esse cenário não apenas em âmbito econômico, mas também social, cultural, na inovação, educação, entre outros.

Que seja mais um março para recordar, só que de um jeito bem diferente de 2020.

Betina Roxo é estrategista-chefe da Rico Investimentos

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Opinião - Tributação dos fundos imobiliários

O entendimento da Receita Federal gera uma dupla tributação na cadeia de investimento financeiro imobiliário

Por Ricardo Lacaz Martins

Neste momento em que se discute a reforma constitucional do sistema tributário de uma maneira mais ampla, com o redesenho dos vários tributos visando racionalizar as incidências que hoje temos, algumas questões, facilmente solucionáveis por atos normativos ou mesmo leis ordinárias, que refletiriam positivamente para racionalidade do sistema evitando demandas e custos de conformidade aos contribuintes, estão sendo relegadas e deixadas em compasso de espera.

É o caso da ilegal e antissistêmica tributação do ganho de capital nos fundos de investimentos imobiliários (FIIs) que investem em cotas de outros FIIs. A ilegalidade da sua tributação decorre de equívoco na determinação do dispositivo legal aplicável feita pela Receita Federal na Solução de Consulta Cosit nº 181, de 2014, que entendeu incidir o artigo 18 em vez da norma especial que atende ao objetivo do sistema, o artigo 16, ambos da Lei nº 8.668, de 1993.

O entendimento da Receita Federal gera uma dupla tributação na cadeia de investimento financeiro imobiliário

A análise da evolução das regras de tributação dos fundos imobiliários parece não deixar dúvidas quanto ao objetivo do legislador e qual o dispositivo que deve ser corretamente invocado. Tanto a Lei nº 8.668, de 1993, na sua redação original, como as suas posteriores modificações sempre buscaram preservar a não tributação das rendas auferidas diretamente pelo FII, adaptando o instrumento à evolução do mercado e evitando, por outro lado, a sua utilização indevida.

Foi assim que em 1993 os FIIs nasceram, isentos de qualquer tributação na renda por eles auferida, sendo somente tributada a renda gerada aos investidores, a exemplo de todos os demais fundos de investimento financeiros. Seis anos após, em 1999, os FIIs que investissem em aplicações de renda fixa não imobiliária passaram a sofrer a retenção do IR Fonte, a fim de evitar a sua utilização para investimentos em outros mercados que não o imobiliário. Posteriormente, já em 2004, com a evolução do mercado financeiro imobiliário foi permitido aos FIIs investirem em ativos financeiros de base imobiliária, tais como os CRIs, LCIs, SPEs e as cotas de FIIs. Evidentemente a norma fiscal teve que ser adaptada a essa nova realidade. Foi, assim, editado o artigo 16-A, parágrafo 1º, que, tratando das rendas auferidas pelos próprios FIIs nas negociações desses ativos, isentou do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) a sua tributação, mantendo-se desta forma a lógica do instrumento criado em 1993, qual seja a não tributação das rendas operacionais - de caráter imobiliário - auferidas pelo veículo de investimento. Note-se que a isenção do IRRF foi necessária, pois o caput do artigo 16 previa somente a isenção do IR ordinário, o que, evidentemente, não pode ser esquecido, como tem feito a Receita.

Para a compreensão da discussão trazida pela Solução Cosit acima mencionada e o consequente equívoco gerado é importante visualizar e distinguir as duas receitas relacionados aos fundos imobiliários: a receita gerada pelo FII nas suas operações, mediante a compra e venda de ativos imobiliários ou financeiros imobiliários e a percepção de rendimentos desses ativos; e a renda auferida pelo beneficiário investidor, que por sua vez pode advir da venda das quotas do FII investido (ganho ou perda de capital) ou dos rendimentos distribuídos pelo FII. Há assim renda em dois “níveis” diversos, um no próprio fundo e outra no beneficiário.

Há, consequentemente, dois tratamentos tributários distintos previstos pela Lei nº 8.668, de 1993, a depender da origem da renda auferida. A isenção das rendas geradas no FII está prevista no artigo 16, artigo 16-A e seu parágrafo primeiro, e o regramento para as receitas auferidas pelos beneficiários investidores está previsto no artigo 18.

No entanto, em uma equivocada interpretação, a Receita entendeu aplicável ao ganho de capital decorrente da venda de cotas de FII pelo FII investidor a norma do artigo 18 que trata, não das rendas auferidas pelo FII, como a norma especial e posterior regula, mas sim daquelas auferidas por meio de FIIs, ou seja por “qualquer beneficiário, inclusive pessoa jurídica isenta”, dispositivo esse existente desde a edição original de 1993 e aplicável somente às receitas dos beneficiários finais dos FIIs (renda dos investidores).

O equívoco traz evidente desnaturação do veículo de investimento, pois os FIIs passam a sofrer tributação na sua renda operacional decorrente do ganho de capital nas cotas de FII onde nenhuma outra renda é tributada, induzindo negativamente a destinação de investimentos financeiros no mercado de FII, pois gera uma dupla tributação na cadeia de investimento financeiro imobiliário.

A questão pode ser assim resumida: qual dispositivo normativo que deve ser aplicado ao ganho de capital decorrente da venda de cotas de FII por FII investidor, a norma do artigo 18, que trás regramento da época onde não existia essa possibilidade de investimento e é contrária à sistemática de tributação dos fundos de investimento, ou a regra do artigo 16 (isenção geral), 16-A, parágrafo primeiro (isenção do IRRF), editada justamente para regulamentar as operações de venda de ativos financeiros imobiliários pelos próprios fundos, sendo ainda posterior à norma do artigo 18, especial, pois trata de questão específica e, por fim, atende e dá coerência à sistemática aos fundos imobiliários?

Exemplos como esse de decisões antissistêmicas da Receita (nesse caso também ilegal) poderiam ser facilmente solucionadas por meio de edição de norma infralegal trazendo maior racionalidade e coerência à tributação, redução do contencioso e economia de custos aos contribuintes, enquanto esperamos ansiosos por uma reforma ampla do sistema tributário.

Ricardo Lacaz Martins mestre e doutor em Direito Tributário pela USP, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados

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Coluna – Pedro Cafardo

Os riscos reais de um capitalismo antissocial

Em plena crise econômica, a maior em um século, o capitalismo antissocial, que já reformou as leis trabalhistas e da Previdência, tem larga avenida pela frente

Vai aí um teste para quem gosta de economia. Nos cinco parágrafos abaixo estão, entre aspas, declarações de um grande economista brasileiro. Tente descobrir quem é, mas sem olhar para baixo no texto, onde aparece o nome dele.

“Inflação é modificar a distribuição de renda. A gente pensa que é modificar os preços. Pode-se ter inflação com os preços estáveis e a renda se modifica. Numa economia de mercado, os preços estão se modificando a todo o instante. Mas se alguém tem a possibilidade de comandar essa modificação de preços a seu favor já criou a pressão inflacionária. Se outros agentes aceitam a perda de renda de braços cruzados, a economia absorveu. Se resistem com pressão sindical ou mecanismos de correção monetária, o negócio vai adiante.”

Sob risco de acirrar tensões, capitalismo antissocial avança

“Atualmente, na economia brasileira, a iniciativa de investimento está na mão de grupos privados e essencialmente estrangeiros. Os investimentos de vanguarda, que representam a introdução de

produtos novos, os mais rentáveis, aqueles que colocam a economia brasileira em dia com as economias em expansão lá fora, estão todos na mão de grandes grupos privados. Estes, se buscam os seus próprios interesses, terão que insistir nesse modelo. É muito melhor para uma empresa que está lançando um produto novo em 30 ou 50 países introduzir seus ‘blue prints’ imediatamente no Brasil do que consultar as necessidades reais da população brasileira. Isso é óbvio e qualquer industrial estaria totalmente de acordo comigo, porque isso reduz seus custos. Num plano puramente abstrato, o problema teria solução desde que houvesse uma vontade política no Brasil para provocar uma reciclagem progressiva do sistema de produção e uma certa disciplina nos padrões de consumo.”

“Não se pode imaginar uma sociedade realmente aberta, no quadro de um ‘laissez-faire’ econômico [no Brasil] hoje em dia porque a renda irá se concentrar muito mais e as tensões sociais vão renascer, por um lado, e as pressões inflacionárias, por outro. Ou seja, o verdadeiro debate está em torno do modelo econômico. Se não houver um modelo econômico visível, tanto nas fases de conjuntura favorável como nas desfavoráveis, os antagonismos sociais tendem a agudizar-se numa sociedade aberta e o sistema entra numa espécie de desgaste em que o consenso político é praticamente impossível. O que é fundamental no sistema econômico brasileiro é que ele, pelo fato de estar submetido a uma lógica que corresponde ao nível de acumulação alcançado por países muito mais ricos, tende a ser antissocial. A principal crítica que se faz ao capitalismo no Brasil é fundamentalmente essa: ele é muito mais antissocial do que o capitalismo tem sido em outros países.”

“Eu conheço sistemas capitalistas muito diferentes. Chego do Japão agora, por exemplo, onde o diferencial de salários é mínimo. Não existe o supérfluo como estímulo e nenhum sistema é internacionalmente mais competitivo que o deles, os japoneses. Há também o sistema sueco, para citar um muito distante do nosso, porque tem um grau de acumulação muito grande, um grau de avanço político muito grande, que não está baseado no supérfluo para criar estímulos.”

“Não acredito que as forças sociais criem alguma coisa por geração espontânea. A sociedade dos homens é em grande parte feita pelas ideias de indivíduos ou pelos intérpretes que ela consegue em determinado momento. Eu nunca diria, por exemplo, que foi indiferente aos Estados Unidos ter ou não ter um tipo como Jefferson. Por outro lado, não se explica a industrialização precoce dos Estados Unidos sem Hamilton [1755-1804]. Quando se lê hoje em dia o que ele escrevia já naquela época e como ele conseguiu se libertar do pensamento liberal tal qual existia na Inglaterra, mesmo sendo discípulo de Andam Smith, chega-se à conclusão de que realmente essas coisas pesam. Não foi totalmente indiferente a Esparta e Atenas que a primeira tivesse um Licurgo, e a segunda, um Sólon.”

S; e você chegou até aqui e costuma ler sobre economia, provavelmente já adivinhou: as declarações são de Celso Furtado, grande economista e intelectual brasileiro do século XX, morto em novembro de 2004. Os trechos não estão em livros de Furtado - o mais famoso deles é “Formação Econômica do Brasil”. São de uma histórica entrevista que ele concedeu à “Folha de S.Paulo”, em agosto de 1976, da qual este jornalista teve a sorte de participar, junto com Luiz Carlos Bresser-Pereira e Eduardo Suplicy.

O curioso é que, passados 45 anos, declarações feitas durante a ditadura militar possam parecer atuais. No caso da inflação, ocorre hoje uma intensa modificação de preços e, claramente, com aumentos de até três dígitos, alguns setores têm conseguido usar a pandemia para comandar essa modificação a seu favor.

Há 45 anos, na opinião de Furtado, a principal crítica que se fazia ao capitalismo no Brasil era sobre sua característica antissocial, muito maior que em outros países. Nada muito diferente de

hoje. O diferencial de salários continua sendo bem menor em economias capitalistas como Japão, Alemanha, Suécia e muitas outras.

A adoção de uma política econômica radicalmente liberal promove ainda maior concentração de renda. Isso pode fazer crescer tensões sociais e pressões inflacionárias que tornem o consenso político impossível. Ao mesmo tempo, há escassez e descrédito de lideranças, tanto na política quanto na economia, o que trava os avanços porque, acreditava Furtado, as forças sociais não criam nada por “geração espontânea”.

Celso Furtado foi diretor do BNDES, na época BNDE, criou a Sudene a pedido de Juscelino Kubitschek e foi o primeiro ministro do Planejamento do país, em 1962. O BNDES está sendo desmontado desde 2016 e sofreu recente ataque que lhe tiraria mais recursos por meio de um “jabuti” incluído na PEC Emergencial. A Sudene, extinta no governo Fernando Henrique e recriada no governo Lula, murchou. O Ministério do Planejamento não existe mais. Em plena pandemia que provoca a maior crise econômica em um século, o capitalismo antissocial, que já reformou as leis trabalhistas e da Previdência, tem uma larga avenida pela frente. E avança sob risco de acirrar tensões sociais e ameaçar a democracia.

Pedro Cafardo é jornalista da equipe que criou o Valor Econômico

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Coluna - Raphael Di Cunto

O alerta para os sonhos de Guedes

Presidente da Câmara encontrou-se com o ministro oito vezes em um mês

Animado com a perspectiva de ver seus projetos avançarem com a vitória de Arthur Lira (PP-AL) sobre Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez planos ambiciosos num almoço no começo de fevereiro com deputados. O cardápio era a autonomia do Banco Central, mas um entusiasmado Guedes já projetava, entre uma garfada e outra, a aprovação de marcos legais, privatizações e reformas que ainda nem tinham chegado ao Congresso. Líder do PL e principal aliado de Lira, o deputado Wellington Roberto (PB) foi o responsável por estragar a sobremesa: “Não pensa que agora está tudo resolvido não, viu?”

Se o alerta naquele dia não foi suficiente, assim como parece não ter sido a demissão do presidente da Petrobras e a intervenção no Banco do Brasil, o balde de água fria pode ter chegado em outra votação tão importante quanto, a proposta de emenda constitucional (PEC) emergencial. Guedes queria desvincular tudo, ficou sem o fim dos pisos para educação e saúde, sua principal bandeira nesse projeto, e ainda acabou engolindo verbas carimbadas para os militares.

Lira encontrou-se com o ministro oito vezes em um mês

De um projeto duro para diminuir os gastos obrigatórios e abrir espaço para uma nova rodada do auxílio emergencial dentro das regras fiscais vigentes, o texto virou uma série de paliativos opcionais para governadores e prefeitos e criou uma regra que, apesar do alto engessamento das contas da União existente hoje, só será aplicada em 2024, caso os gastos obrigatórios continuem crescendo. Isso se o teto de gastos se manter até lá.

A PEC abriu uma fissura no teto com a permissão para que o auxílio ignore as regras fiscais em até R$ 44 bilhões - valor maior que um ano inteiro de Bolsa Família. Era mais fácil o governo ter esperado uma semana e editado uma medida provisória (MP) com créditos extraordinários para

pagar uma nova rodada do benefício, fingindo que o “lockdown” decretado por governadores exigiu esse gasto adicional, do que todo o esforço para votar uma PEC com pouco efeito no curto prazo e medidas duvidosas no longo prazo.

O plano para redução dos incentivos tributários e benefícios fiscais, por exemplo, pode ficar nisso, só um plano, já que as exceções incluídas de largada dão pouquíssima margem para manobra e as punições para caso os cortes não ocorram foram excluídas do parecer antes da aprovação. Quando chegar a hora de votar esse plano, nova pressão surgirá dos atingidos e inclusive dentro do próprio governo. Ou alguém acha que o presidente Jair Bolsonaro vai propor, a um ano da eleição, acabar de vez com as deduções com ensino e saúde privados no Imposto de Renda?

O almoço em que aliados de Lira “deram a real” para o ministro serviria para que Guedes explicasse a proposta de estabelecer mandatos para o presidente e os diretores da autoridade monetária e tirasse as últimas dúvidas dos deputados. Com a presença de representantes de partidos que, dias antes, sustentavam a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) à presidência da Câmara, ali ficou sacramentada a maioria que, no dia seguinte, deu 339 votos a favor da proposta, margem suficiente para aprovar uma PEC.

Um placar tão expressivo foi visto como prova do sucesso vindouro da agenda econômica, mas esse texto teve peculiaridades. A autonomia do Banco Central vinha sendo debatida há quase três décadas, mas, na visão dos deputados, é um projeto mais simples porque quem estava abrindo mão de poder era o próprio presidente da República. Não haveria desgaste imediato para eles e, por outro lado, seria uma boa sinalização de que estavam empenhados em adotar medidas para a economia.

Significaria, também, o pontapé inicial da nova relação entre Executivo e Legislativo. Os deputados fizeram seu gesto, o governo fez o dele e o deputado João Roma (Republicanos-BA) foi nomeado dois dias depois ministro da Cidadania. Demais trocas na equipe ministerial ficaram suspensas, mas ainda são aguardadas pelo Centrão para as próximas semanas.

Guedes encontrou em Lira um aliado, assim como era Maia no início do governo. O novo presidente da Câmara reuniu-se quase duas vezes por semana com o ministro desde que assumiu o cargo. Foram oito encontros, entre conversas privadas, reuniões junto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), os atos de entrega das privatizações da Eletrobras e dos Correios e até uma entrevista “simbólica” dos dois juntos para uma rádio.

Se a relação continuará harmoniosa ou descambará para a troca de ofensas públicas, só o tempo e a efetividade das medidas propostas pelo ministro dirão. Mas o novo momento já mostra um Guedes mais amadurecido e que silenciou completamente sobre a aprovação, pela Câmara, de projeto que cria uma linha de crédito bilionária para as empresas de eventos, obriga uma renegociação das dívidas desse setor e concede até isenção de impostos por cinco anos para essas empresas.

O projeto foi aprovado sem previsão de como essas ações serão pagas, mas Lira decidiu pautá-lo pelo compromisso assumido com o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que brigou com o partido ao apoiar publicamente a eleição dele. O aval do presidente da Câmara levou a um apoio em massa dos partidos, diante do fechamento do comércio e serviços em várias cidades, e o governo fez vista grossa para não brigar com o aliado. A estratégia foi engolir calado e trabalhar para que o projeto fique esquecido nos escaninhos do Senado. Guedes, que outrora sairia atirando, consentiu calado.

Desde a autonomia do Banco Central e a rejeição das emendas à nova lei cambial, ambas no mesmo dia, outros oito projetos foram votados pela Câmara, mas a agenda de Lira migrou para a vacinação contra a covid-19 e a blindagem aos parlamentares (uma promessa implícita com sua

eleição). Na “live” do Valor, há duas semanas, ele reclamou que desanima a pouca importância que o mercado deu à aprovação da autonomia. “Como assim está precificado? A gente não pode estar matando um leão por semana”, protestou. Os temas caros a Guedes voltarão à baila agora, com a PEC para destravar o auxílio emergencial.

Raphael Di Cunto é repórter de Política em Brasília. Andrea Jubé volta a escrever no fim de março

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Coluna - Maria Clara R. M. do Prado

Saco de maldades parece não ter fundo

O governo federal tenta impor regras que limitam a liberdade de expressão a tudo que possa macular a sua imagem

Com a assunção de aliados aos cargos de presidentes da Câmara de Deputados e do Senado, o governo Bolsonaro tornou-se mais desenvolto no destemor às críticas e mais propenso a aperfeiçoar o saco de maldades, como diria Gustavo Franco, contra o bem-estar, a segurança e os direitos da sociedade brasileira.

Como se não bastassem o desdém pelos mortos da pandemia e a desorganização do Plano Nacional de Vacinação, os decretos a favor da venda e do porte de armas, a indiferença no trato com as questões ambientais, a insipiência das relações externas do país e, ainda, a intervenção na formação dos preços dos derivados de petróleo, o governo passou a escancarar seu lado mais autoritário com atos de censura a ideias, propostas, estudos e pesquisas que não estejam de acordo com aquilo que julga “conveniente” aos seus interesses.

O governo federal tenta impor regras que limitam a liberdade de expressão a tudo que possa macular a sua imagem

A interferência na Petrobras pode ser vista como um marco no aprofundamento de um processo em que o governante só enxerga aquilo que o espelho lhe mostra todos os dias pela manhã, com a ressalva do olho enviesado na direção das pesquisas de opinião relativas ao próximo pleito presidencial.

Em ambiente de “caça às bruxas”, estudiosos e pesquisadores ligados a universidades federais têm sido instados a manter a “boa conduta acadêmica”, abstendo-se de tecer considerações contra a atuação do presidente da República, como ocorreu recentemente com dois professores da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul (um deles epidemiologista) por iniciativa da Controladoria Geral da União (CGU).

Órgão do poder Executivo federal vinculado à Presidência da República, tem, curiosamente, sua função limitada à defesa do patrimônio público e à transparência na gestão do governo, através do controle, prevenção e combate à corrupção.

Há um mês, o Ministério da Educação enviou ofício às universidades públicas federais instruindo os gestores a tomarem providências para “prevenir e punir atos político partidários” em clara dissonância com o STF que já se manifestara contra atitudes que desrespeitam os preceitos fundamentais da Constituição brasileira quando o MEC, em 2019, censurou a participação de pais, estudantes e professores em protestos que buscaram defender a qualidade da educação no país.

O caso mais emblemático de censura dentro de um órgão público aconteceu na quinta-feira, quando o presidente do Ipea, Carlos Von Doellinger, enviou ofício ao corpo técnico com a ameaça de punição aos funcionários que divulgarem estudos e pesquisas antes da “conclusão e aprovação definitiva”. O texto foi entendido como uma tentativa de controlar o trabalho dos técnicos pela ótica política e é aqui que o diabo pode tomar várias formas.

Os documentos de pesquisa, análise e estudos de caso elaborados pelo Ipea já passam por rigoroso controle de qualidade do ponto de vista teórico científico. Sempre foi assim, desde que o órgão foi criado, em 1964, pelo então ministro do Planejamento, Roberto Campos, com o formato de um think tank para “ajudar o governo a pensar”, na definição do seu primeiro gestor, João Paulo dos Reis Velloso.

O rigor científico e a liberdade no campo dos estudos fizeram do Ipea um centro de excelência na esfera do poder Executivo federal, no mesmo nível do Banco Central, do BNDES e da Receita Federal. Por lá passaram (quando ainda era Inpes) servidores que se destacaram como economistas, alguns em posições no governo, como Pedro Malan, Regis Bonelli, Claudio de Moura Castro, Dorothea Werneck, Ricardo Paes de Barros e Edmar Bacha. O próprio Carlos Von Doellinger foi funcionário do instituto desde aquela época e destacou-se como economista na área internacional. Com certeza conhece a importância da autonomia de pensamento na qualidade científica.

O longo dos anos, o Ipea passou por altos e baixos. Vários programas governamentais basearam-se em estudos do órgão. Também detonou importantes discussões. Em março de 1972, um artigo publicado por Albert Fishlow (que foi pesquisador do Ipea por um tempo) na American Economic Review destacou o alto grau de concentração de renda no Brasil e a piora ocorrida entre 1960 e 1970, na primeira década do regime militar, sendo a maior parte explicada pela má distribuição da escolaridade no período. Carlos Geraldo Langoni rebateu o texto na ocasião, em defesa da reputação do governo militar.

Anos depois, em 1993, um estudo coordenado por Ana Maria Peliano no Ipea, chamado “Mapa da Fome”, identificou pela primeira vez que 32 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza. O trabalho teve tal impacto que ajudou a recolocar o Ipea no radar das grandes pesquisas, depois de ter sido esvaziado no governo Collor de Mello.

O grande equívoco que Von Doellinger cometeu no ofício aos funcionários, e que jamais poderia ter cometido em respeito à própria biografia, está no trecho em que diz serem estudos e pesquisas um “direito patrimonial do Ipea”. Não cabe direito patrimonial sobre ideias, análises, propostas, elucubrações ou pesquisas quando são originadas em um órgão público. São contribuições intelectuais sustentadas com verba da sociedade que ajudam no aprimoramento do debate público e, por isso mesmo, devem ser transparentes. Até mesmo para poderem ser contestadas.

Devagar, o governo federal tenta impor regras que limitam a liberdade de expressão a tudo o que possa macular sua imagem e reputação. Sabe-se que essa é uma conduta típica do autoritarismo com vistas à perpetuação no poder. Aconteceu na Alemanha e na Itália em período aterrorizante do século XX e repetiu-se mais recentemente em regimes autoritários, como aquele instalado na Venezuela pelo tenente-coronel Hugo Chávez, além de outros, como na Hungria de Viktor Orbán.

Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”. Escreve mensalmente às terças-feiras. [email protected]

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O Estado de S. Paulo

Municípios e Estados ignoram lei e dão reajustes

Segundo Economia, 54 municípios além de 6 Estados e o DF deram reajuste, bônus ou gratificação a seus servidores ou à cúpula do Executivo e Legislativo, mesmo proibidos por legislação que garantiu socorro federal em 2020 para enfrentar a pandemia

Adriana Fernandes

Levantamento do Ministério da Economia revelou que 54 municípios, 6 Estados e o DF autorizaram algum tipo de reajuste ou bônus a seus servidores ou à cúpula do Executivo e Legislativo, mesmo estando proibidos em lei.

O Ministério da Economia mapeou que 54 municípios, 6 Estados e o Distrito Federal autorizaram algum tipo de reajuste, bônus ou gratificação a seus servidores ou à cúpula do Executivo e Legislativo, mesmo estando impedidos pela lei que garantiu o socorro federal no ano passado para enfrentar a pandemia do novo coronavírus.

Ao todo, segundo o ministério, são 99 possíveis violações praticadas por governadores, prefeitos e assembleias, incluindo nomeações para novos cargos, que também contrariam as vedações incluídas na lei complementar 173. Em alguns municípios e Estados, há mais de uma violação.

Em nota técnica, a equipe do ministro, Paulo Guedes, pede à Advocacia-geral da União e à Controladoria-geral da União que verifiquem a fidedignidade das informações coletadas. O levantamento tem servido de base para defesa do governo nas ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei aprovada após uma queda de braço do ministro Paulo Guedes para garantir o congelamento e outras medidas de ajuste, como vedação a concursos, medidas consideradas contrapartidas ao aumento de gastos por conta da pandemia.

O governo já conseguiu uma primeira vitória com voto favorável do ministro-relator, Alexandre de Moraes, em julgamento que reúne ações que tramitam em conjunto contra a lei do ano passado, que prevê o congelamento não só dos salários, mas também de todos os gastos de pessoal. O julgamento pelo plenário virtual começou na sexta-feira e se estende até as 23h59m do próximo dia 12.

A contratação de pessoal só é permitida para repor cargos vagos até o fim de 2021. Também foram proibidas medidas que elevem a despesa obrigatória acima da inflação, exceto nos casos de aumento de gastos para ações diretamente ligadas ao combate dos efeitos da pandemia.

Mas Executivo e demais Poderes locais vêm arrumando um “jeitinho” para fugir do que determina a lei, como revelou reportagem do Estadão publicada em fevereiro. Agora, o ministério traça mapa atualizado que inclui também os municípios.

Para o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, o voto do ministro Alexandre de Moraes preserva a vedação a aumentos e progressões e, por isso, representa um marco importante no fortalecimento do controle das despesas obrigatórias promovido pela lei. “Este é o espírito dessa lei: neste momento em que os esforços e os recursos precisam estar direcionados para o enfrentamento à pandemia, não há espaço para aumentos salariais”, diz Funchal ao Estadão.

Segundo ele, diversas tentativas de aumentos salariais, burlando a legislação, vêm ocorrendo, trazendo risco de desidratação desse arcabouço legal e prejudicando a gestão pública: “O posicionamento do ministro Moraes significa um importante ganho institucional”.

Há casos desde reajuste de salários de prefeitos e vereadores, nomeação com menos de 180 dias para o término de mandato eletivo, alteração da estrutura administrativa de órgão (com criação de cargos), contratação temporária de servidores (não exclusivamente ligados à área da saúde), reajuste de salários dos servidores públicos como um todo, ou para categorias ou cargos específicos.

Também há revisão anual da remuneração dos servidores públicos (data-base) e incorporação de gratificação aos vencimentos de servidores públicos.

A pesquisa foi feita pela Coordenação-geral das Relações e Análise Financeira dos Estados e Municípios do Tesouro. Como exemplos, os técnicos citam a cidade de São Paulo, que aprovou, em dezembro de 2020, lei que elevou a remuneração do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais, a partir de 2022.

Na mesma linha, Manaus e o

Estado do Amazonas, aprovaram dispositivos legais que estabeleceram, respectivamente, o aumento da remuneração do prefeito e dos vereadores e a criação de cargos em comissão na Assembleia Legislativa.

“Quando os esforços e os recursos precisam estar direcionados para a pandemia, não há espaço para aumentos salariais.” Bruno Funchal - Secretário do Tesouro

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Congelamento de gastos garante nova rodada de auxílio, diz Guedes

A.F.

A economia de R$ 150 bilhões para União, Estados e municípios com o congelamento dos salários e gastos de pessoal desde o ano passado até dezembro de 2021, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, é responsável por garantir inclusive a retomada do auxílio emergencial aos mais vulneráveis em 2021, como prevê a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que já passou pelo Senado, na semana passada, e que tramita agora na Câmara.

Em maio do ano passado, o Congresso aprovou alívio de R$ 125 bilhões para Estados e municípios em função da pandemia de covid-19. Como contrapartida, a lei exigiu que prefeitos e governadores congelassem os salários do funcionalismo até o fim de 2021. Os parlamentares, porém, com o aval do presidente Jair Bolsonaro, livraram do congelamento policiais, médicos e professores. A pedido de Guedes, Bolsonaro voltou atrás e vetou esse item.

Na nota técnica, o Ministério da Economia diz que Estados e municípios encerraram o ano de 2020 com cerca de R$ 83 bilhões em caixa, o dobro em relação ao ano anterior e o maior valor da série histórica.

Agora, o governo tenta recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que esses reajustes e a criação de cargos que contrariam o que diz a lei sejam revogados por governadores e prefeitos.

As cidades de Curitiba, Salvador, Fortaleza e Campo Grande também elevaram a remuneração dos chefes do Poder Executivo local, enquanto Cuiabá, Fortaleza e Natal elevaram a remuneração dos integrantes do Poder Legislativo local.

Outros municípios que aprovaram ou discutem projetos para elevação da remuneração de cargos eletivos e secretários incluem Rodrigues Alves (AC), Serra Preta (BA), Caetité (BA), Morro do Chapéu (BA), Anguera (BA), Guarapari (ES), Cariacica (ES), Almirante Tamandaré (PR), Niterói (RJ), Belford Roxo (RJ), Mossoró (RN), Natal (RN), Joinville (SC) e Araguaína.

Leis aprovadas, ou projetos de leis em discussão tratando de reajustes a servidores públicos incluem Goiânia (GO), São Lourenço (MG), Salinas (MG), Divinópolis (MG), São Joaquim e Bicas (MG), Governador Valadares (MG), Belo Horizonte (MG), Picos (PI), Curitiba (PR), Niterói (RJ), Boa Vista (RR), Joinville (SC), Campo Alegre (SC), Caçador (SC), Itabaiana (SE), Palmas (TO), Araguaína (TO) e os Estados da Paraíba e de Santa Catarina.

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Bolsonaro defende a desidratação da PEC

Presidente não revela, mas bancada da bala quer tirar policiais de contingenciamento

Daniel Weterman Camila Turtelli Matheus de Souza /BRASÍLIA

O presidente Jair Bolsonaro negocia com deputados a desidratação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, que autoriza uma nova rodada de auxílio a vulneráveis, para liberar a possibilidade de progressão e promoção de servidores públicos em novas situações de crise. Também estão sendo negociadas outras mudanças no texto que foi aprovado pelo Senado na semana passada, como a retirada da necessidade de o governo apresentar um plano para redução de subsídios e isenções.

O congelamento desse tipo de benefício do funcionalismo é defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como uma das contrapartidas que precisam ser adotadas no chamado “protocolo de crise". A desidratação atende a uma demanda da bancada da bala na Câmara e favorece policiais, conforme apurou o Estadão/broadcast Político.

Ontem, Bolsonaro conversou com o relator da PEC na Câmara, Daniel Freitas (PSL-SC), e pediu a exclusão de três artigos, conforme ele próprio afirmou em entrevista no Palácio da Alvorada. O presidente não citou, porém, quais são os dispositivos que pretende excluir. Hoje, a Câmara fará uma reunião de líderes para discutir a medida.

“Falei com o relator, que ele é o soberano, que ele poderia correr o risco de não aprovar se não mexesse em três artigos. Eram cinco, passamos para três buscando a negociação”, afirmou Bolsonaro.

Deputados ligados à segurança pública querem retirar o trecho que suspende progressão e promoção funcional na carreira de agentes públicos, um dos gatilhos de contenção de gastos quando houver calamidade pública ou quando a despesa obrigatória superar 95% do total no governo federal. A bancada da bala quer ainda acrescentar um trecho na PEC livrando policiais do congelamento de reajuste salarial. As mudanças, porém, podem fazer o texto voltar ao Senado, atrasar a tramitação da PEC e a liberação do novo auxílio emergencial.

O presidente da bancada da bala, deputado Capitão Augusto (PL-SP), tenta apoio dos parlamentares

para uma emenda que tira os profissionais da segurança do congelamento salarial. O parlamentar comemorou as falas do presidente. “Se não viesse a ordem de lá, não sei como seria. Agora, não sei como ele vai fazer”, disse. “O que nos preocupa é o congelamento salarial, a contagem de tempo para vários fins e o congelamento de promoções.”

Na entrevista, Bolsonaro afirmou que a PEC deve ser votada pela Câmara amanhã. De acordo

com ele, ao votar a medida, os deputados federais darão o sinal verde para retomada do auxílio emergencial em cinco dias. A PEC autoriza o governo federal a abrir um crédito extraordinário de até R$ 44 bilhões para o auxílio. Em contrapartida, cria mecanismos de contenção de gastos para o futuro, como o congelamento de salários dos servidores.

Ruralistas. Outro item alvo de resistência – este dentro da bancada r uralis ta–éa extinção da Lei Kandir, que desonera produtos na exportação do agronegócio. O texto aprovado pelos senadores revoga o dispositivo da lei que gerou compensações bilionárias aos governos regionais pela desoneração do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) sobre exportações. A medida dá ao governo federal a segurança de que a disputa vai chegara um fim, depois de um acordo por meio do qual a

União se comprometeu a pagar R$ 65,6 bilhões aos entes federativos até 2037, o que gerou uma economia anual de R$ 4 bilhões.

O Palácio do Planalto também negocia para retirar a exigência do plano de redução dos subsídios federais previsto na PEC. Esse item determina que o presidente da República encaminhe ao Congresso Nacional um plano de redução de benefícios fiscais para cortar pelo menos 10% do montante em um ano e limitar esses incentivos a 2% do PIB em um prazo de oito anos. Atualmente, os chamados gastos tributários atingem 4,25% do PIB e totalizam R$ 307,8 bilhões, conforme projeção da Receita Federal.

A PEC aprovada no Senado preserva alguns benefícios do corte, entre eles o do Simples Nacional, campeão no ranking de incentivos, Zona Franca de Manaus, cesta básica e Prouni. Para cumprir o plano, então, o governo precisa focar a tesourada nas deduções do Imposto de Renda e em isenções de outros setores como a agricultura.

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Servidores da Receita Federal vão paralisar atividades hoje e amanhã

Manifestação é contra a desvinculação de recursos para o órgão, que foi aprovada na PEC do auxílio emergencial

Lorenna Rodrigues /

Servidores da Receita Federal de todo o País cruzarão os braços hoje e amanhã em protesto contra a desvinculação de recursos para o órgão, que foi aprovada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), a previsão é de grande adesão ao “apagão”, incluindo a cúpula do órgão, como superintendentes e delegados.

A paralisação dos próximos dois dias deve afetar o controle de alfândega em aeroportos e portos e o atendimento ao público em geral, em um momento em que está aberta a temporada de entrega do Imposto de Renda.

Na PEC emergencial, aprovada na semana passada no Senado, foi alterado artigo da Constituição que permitia a possibilidade de que a Receita Federal e administrações tributárias estaduais e municipais tenham despesas bancadas por fundos que recebem parte das multas arrecadadas por esses órgãos. Apesar de o Fisco não ter autonomia orçamentária, o entendimento dos auditores é que, sem uma fonte de recursos garantida, haverá um aperto ainda maior no orçamento do órgão.

“A aprovação no Senado Federal da PEC 186, com o jabuti que desvincula recursos para a administração tributária, foi um ato de agressão contra o Estado brasileiro e não ficará sem resposta. Em face de mais um, talvez o mais violento ataque à Receita Federal do Brasil, os auditores fiscais do País inteiro promoverão um apagão de dois dias em todos os departamentos do órgão, com direta repercussão em serviços estratégicos para a economia”, afirmou o sindicato, em nota.

Fechamentos. De acordo com a entidade, a desvinculação de recursos tem o potencial de reduzir pela metade a estrutura física da Receita Federal, com fechamento de delegacias e agências em todo País, prejudicando a fiscalização e o combate a crimes como sonegação, corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de drogas.

“A desvinculação de recursos ameaça não apenas a Receita Federal, que arrecada dois terços dos tributos do País, como também os Fiscos estaduais e municipais, na contramão do discurso de equilíbrio fiscal que supostamente se almejava com a PEC 186”, disse o presidente do Sindifisco, Kleber Cabral.

O sindicato afirma que a mobilização não será pontual e vai continuar “até que a Receita Federal seja respeitada e que as discussões em torno de tema tão sensível e impactante para o país não seja feita de forma subterrânea, como está acontecendo no Congresso”. A previsão é que o texto seja votado esta semana pela Câmara dos Deputados.

“A desvinculação de recursos ameaça não apenas a Receita Federal, que arrecada dois terços dos tributos do País, como também os Fiscos estaduais e municipais, na contramão do discurso de equilíbrio fiscal que supostamente se almejava com a PEC 186.” Kleber Cabral

PRESIDENTE DO SINDIFISCO

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Economistas já preveem inflação perto de 4,0%

E.R.

Os economistas do mercado financeiro elevaram pela 9.ª semana consecutiva a previsão para o IPCA – o índice oficial de preços – em 2021. O Relatório de Mercado Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, mostra que a projeção para o indicador este ano foi de alta de 3,87% para 3,98%. Há um mês, estava em 3,60%.

A projeção dos economistas para a inflação já está acima do centro da meta de 2021, de 3,75%, sendo que a margem de tolerância é de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%). Já a projeção para o índice em 2022 permaneceu em 3,50%. Quatro semanas atrás, estava em 3,49%.

Juros. Os economistas mantiveram suas projeções para a Selic (a taxa básica da economia) no fim de 2021, mas elevaram a aposta para 2022. Hoje, a Selic está em 2%, piso histórico. O relatório apontou que a mediana das previsões para a Selic neste ano permaneceu em 4% ao ano. Há um mês, estava em 3,50%.

Para os economistas, o processo de alta dos juros básicos da economia, fixados pelo BC para controlar a inflação, começará na semana que vem, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A expectativa dos analistas dos bancos é de que a taxa passe de 2% para 2,5% ao ano neste mês.

Em janeiro, ao manter a Selic em 2% ao ano, o Copom preparou o terreno para possível elevação dos juros em 2021. Isso porque deu fim ao chamado forward guidance (ou prescrição futura). Adotado em agosto de 2020, o forward guidance era uma indicação técnica do BC de que não pretendia elevar os juros se a inflação seguisse sob controle e o risco fiscal não se alterasse.

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‘Auxílio necessita de contrapartidas’

Especialistas da FGV defendem adoção de compensação de renda para mais vulneráveis, mas pedem cuidados com as contas públicas

Vinicius Neder

A gravidade da crise econômica causada pela covid-19 torna necessário que o governo federal adote alguma medida de compensação de renda, como a reedição do auxílio emergencial. Só que o cenário de piora nas perspectivas para a economia, com perda de fôlego na retomada, inflação mais pressionada e juros em alta, ao mesmo tempo que o rombo nas contas públicas só aumenta, exigiria ter contrapartidas em termos de contenção de gastos públicos com outros fins, disseram especialistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), em seminário online organizado em parceria com o ‘Estadão’.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre, vê um quadro de “pandemia meio fora de controle”, responsável por dar “fôlego curto” para a retomada da economia verificada no segundo semestre do ano passado – o IBRE/FGV já projeta, para este início de ano, retrações do Produto Interno Bruto (PIB, todo o valor gerado na economia em determinado período). Diante disso, a vacinação seria a melhor política econômica para garantir a retomada da economia, porém o ritmo de imunização está lento, afirmou a economista.

“Se não tivéssemos nova rodada de pandemia, poderíamos estar falando de revisões para cima no crescimento”, afirmou Silvia, durante o 1.º Seminário de Análise Conjuntural de 2021 do IBRE/FGV, realizado ontem.

Para descrever a gravidade do cenário atual, ela lembrou que esta é a primeira vez que a economia brasileira afundou numa crise sem ter se recuperado da anterior. Isso porque o lento crescimento econômico de 2017 a 2019 foi insuficiente para recuperar o tombo verificado na recessão de 2014 a 2016. Além disso, para piorar, o País entrou na crise da covid-19 com o mercado de trabalho frágil, marcado pela elevada informalidade. “A taxa de desemprego deve ficar mais em torno de 15,5% como média do ano em 2021, chegando até 16%.”

Por isso, para ela, seria possível o governo federal, de um lado, reeditar o auxílio emergencial para apoiar esses trabalhadores mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, sinalizar com contrapartidas em termos de corte de gastos com outros fins. Diante desse impacto heterogêneo no mercado de trabalho, os servidores públicos não perderam seus empregos nem tiveram

salários reduzidos, lembrou a pesquisadora.

Ou seja, o governo federal poderia ter insistido na redução de salários do funcionalismo como gatilho da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza a reedição do auxílio emergencial. A PEC foi aprovada na semana passada no Senado e, agora, será apreciada pela Câmara.

Contas. A incerteza em relação ao equilíbrio das contas públicas tem batido no mercado financeiro. Com o risco país e o dólar em alta, já há reflexos em termos de pressões inflacionárias. Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do IBRE/FGV, o ambiente econômico “está muito deteriorado” e, por isso, a taxa básica de juros (Selic, hoje em 2,0% ao ano, na mínima histórica) tem de ser ajustada para cima.

“Existe a possibilidade de uma alta (da Selic) produzir um efeito amenizador”, afirmou Senna, também durante o seminário, ressaltando que, em sua avaliação, uma alta da Selic no curto prazo não teria um impacto tão ruim sobre a atividade econômica.

Além disso, o ambiente piorou nos mercados internacionais. Segundo Senna, nas últimas semanas, as taxas dos títulos de dez anos da dívida pública dos Estados Unidos também subiram “de maneira expressiva”, “chacoalhando” as cotações de ações. Tudo por causa da expectativa de alta da inflação na economia americana, diante do efeito do pacote fiscal de US$ 1,9 trilhão sobre o crescimento. Os efeitos deverão ser sentidos no mundo todo, com elevação de juros em vários mercados, o que eleva a pressão por altas no Brasil também.

Para Senna, essa alta de juros nos títulos americanos tende a ser temporária, e não preocupa tanto. Já para Armando Castelar, coordenador da Economia Aplicada do IBRE/FGV, o quadro preocupa mais. O pesquisador chamou essa deterioração dos mercados externos como a “grande novidade recente” no cenário econômico.

Com o quadro mais difícil tanto no exterior quanto no Brasil, Castelar lembrou ainda que “pegou mal” a crise na Petrobrás – causada pela indicação, pelo governo, do general Joaquim Luna e Silva para substituir Roberto Castello Branco na presidência da petroleira, após o presidente Jair Bolsonaro criticar a política de preços de combustíveis da estatal. Segundo Castelar, a crise com a Petrobrás trouxe a ameaça de “populismo” para a política econômica.

Para o pesquisador do IBRE/FGV, existe o risco de a política monetária “entrar no radar do populismo”, apesar da aprovação recente de legislação que dá autonomia formal para o BC. Nas projeções de Castelar, a Selic chegará ao fim deste ano em 5,5%, mais do dobro do nível atual de 2,0%. O ciclo de alta de juros oferece um “enorme espaço” para ruídos políticos, criados por possíveis críticas de outros membros do governo, de fora do BC.

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Planalto indica 6 nomes para a Petrobrás

Denise Luna Fernanda Nunes Colaboraram Ernani Fagundes, Wagner Gomes e Fernanda Guimarães

Dos indicados, três são militares, entre eles o general Joaquim Silva e Luna, escolhido por Bolsonaro para ser o presidente da estatal no lugar de Roberto Castello Branco; em outro movimento, acionistas minoritários tentam ampliar sua participação no colegiado

Uma semana depois que quatro membros do Conselho de Administração da Petrobrás entregaram seus cargos, o governo federal divulgou ontem uma lista de nomes indicados para representá-lo no comando da estatal. A indicação contempla seis das oito vagas que a União tem direito por ser

acionista majoritária. O novo time será composto por três militares, entre eles o general Joaquim Silva e Luna, que deve ocupar também a presidência da petrolífera no lugar de Roberto Castello Branco.

As outras três indicações são de dois ex-funcionários Petrobrás com passagem pela iniciativa privada (Márcio Andrade Weber e Murilo Marroquim de Souza) e de uma executiva, Sonia Julia Sulzbeck Villalobos, que já atuou no conselho da estatal. O governo poderá ainda ocupar mais dois lugares. Os possíveis nomes, no entanto, não foram divulgados.

Em entrevista ao Estadão /Broadcast, Sonia sinalizou a intenção de defender a continuidade da Política de Paridade de Importação (PPI) adotada na gestão de Castello Branco.

Pelo PPI, os preços dos derivados de petróleo acompanham as variações da cotação do petróleo no mercado internacional e também do câmbio. Com isso, à medida que a commodity ganha força nas principais Bolsas globais de negociação, os preços dos combustíveis sobem no Brasil. Apenas neste ano, a gasolina ficou 54% mais cara nas refinarias da Petrobrás e o óleo diesel, 42% (mais informações nesta página).

“O primeiro desafio, a questão dos preços do petróleo, isso infelizmente só o tempo vai mostrar. Não há maneira de voltar a ganhar credibilidade a não ser num dia após outro, numa semana após a outra, em um mês após o outro, quando o mercado ficará mais confortável de que a paridade internacional está sendo respeitada. Não tem muito o que fazer”, afirmou ela.

As desavenças entre o presidente Jair Bolsonaro e Castello Branco se tornaram públicas exatamente por conta do PPI, após o anúncio do quarto reajuste dos combustíveis em 2021. Bolsonaro demitiu o executivo pelas redes sociais, no dia 19 do mês passado, e, desde então, os preços da gasolina e do diesel já foram revistos mais duas vezes. O episódio foi visto no mercado como interferência do governo na Petrobrás e levou a empresa a perder valor na Bolsa de Valores.

Professora do Insper e atual membro dos conselhos da Telefônica Brasil e da Latam, Sonia participou do colegiado da Petrobrás

no período de maio de 2018 a julho de 2020. Há mais de 30 anos ela atua no mercado acionário.

Além dela, o governo vai contar com dois militares que já tinham assento no conselho da petrolífera e, agora, vão ser reconduzidos: o almirante da Marinha Eduardo Bacellar Ferreira Leal, presidente do colegiado, e o engenheiro e oficial da reserva da Marinha Ruy Flaks Schneider.

Analistas receberam bem as indicações. “Mesmo a Sonia Julia, que não é do setor de petróleo, atua ativamente em outros conselhos de companhias. São nomes técnicos e pró-mercado. Isso

é muito importante, porque o conselho toma decisões-chave, como a venda das refinarias”, avaliou Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos.

O analista de ativos mobiliários do Bradesco BBI Vicente Falanga classificou as indicações como “tecnicamente sólidas”. “Temos de esperar e ver como essa nova gestão vai interagir com as mensagens vindas do governo federal”, afirmou Falanga, em relatório assinado junto com Ricardo França, analista de investimentos da Ágora.

Minoritários. Acionistas minoritários da petroleira estão se organizando para conseguir uma cadeira a mais no colegiado – hoje o grupo tem três representantes –, apurou o Estadão. A ideia seria aproveitar o momento de troca do grupo, ocasionada pela renúncia dos conselheiros indicados pelo governo, para tentar ganhar força dentro do colegiado.

O governo, por meio dos ministérios de Minas e Energia e de Economia, precisou correr para formar o grupo com seus indicados, visto que era preciso tornar os nomes públicos com um prazo de ao menos 30 dias antes da assembleia-geral dos acionistas que deliberará sobre o tema, e que está prevista para o dia 16 de abril. /

“São nomes pró-mercado. Isso é muito importante, porque o conselho toma decisões-chave.” Ilan Arbetmanv - ANALISTA DA ATIVA INVESTIMENTOS

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Empresa anuncia sexto reajuste de combustíveis do ano

Denise Luna Fernanda Nunes/ RIO

A Petrobrás anunciou ontem mais um reajuste de combustíveis em suas refinarias, o sexto no ano. A partir de hoje, a gasolina vai ficar 9,2% mais cara e o óleo diesel, 5,5%.

Com mais esse aumento, as altas acumuladas no ano são de 54% e 42%, respectivamente, segundo cálculo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo,

Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

O encarecimento dos combustíveis da Petrobrás levou os presidentes da empresa, Roberto Castello Branco, e da República, Jair Bolsonaro, a entrarem numa rota de colisão no último dia 19. Após o anúncio do quarto aumento do diesel no ano, Bolsonaro demitiu o executivo pelas redes sociais. Desde então, mais dois reajustes foram anunciados pela estatal, ainda sob a gestão de Castello Branco.

O litro da gasolina nas refinarias, a partir de hoje passa a ser de R$ 2,84, e o do diesel, R$ 2,86.

Ao reajustar os preços, a Petrobrás se alinha às cotações do petróleo no mercado internacional, que deram uma guinada na última semana, após a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) anunciar cortes na produção.

Com menos commodity disponível, a tendência, portanto, é de valorização. Por isso, o valor do barril nos contratos negociados em Bolsa para entrega em meses seguintes não param de subir. No ano, o óleo do tipo Brent, negociado em Londres, avançou 33% e, ontem foi vendido a US$ 68. Em 2020, nos piores momentos da crise causada pela pandemia, chegou a custar menos de US$ 30.

A política de Preços de Paridade de Importação (PPI), adotada pela Petrobrás em 2016, prevê reajustes no Brasil à medida que a cotação sobe no mercado internacional. Ao comunicar novo aumento a empresa reafirma o argumento de que precisa reajustar para acompanhar o mercado global e garantir a presença de outros fornecedores no mercado brasileiro.

A estatal pretende vender oito refinarias e concentrar sua atuação na Região Sudeste do País. Mas, para isso, precisa que outros investidores ocupem o espaço que pretende abandonar.

Se o PPI continuar sendo perseguido, é possível que nova alta ainda venha pela frente. O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, diz que, mesmo com esses aumentos, os preços no Brasil ainda estão inferiores aos do mercado internacional.

A visão do coordenador do Ineep, Rodrigo Leão, no entanto, é de que a Petrobrás tem acelerado radicalmente o reajuste dos preços dos derivados.

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Fachin anula condenações de Lula, que pode voltar a disputar eleições

Ministro decide que Justiça de Curitiba não tinha competência para julgar as ações da Operação Lava Jato contra o ex-presidente

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA / Colaboraram Paulo Roberto Netto, Pepita Ortega E Rayssa Motta

O relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, decidiu, sem avaliar a culpabilidade, anular todas as condenações impostas pela operação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que torna o petista novamente habilitado para disputar a eleição de 2022. Na decisão, Fachin determina o envio dos processos contra o ex-presidente à Justiça Federal do Distrito Federal, a quem caberá analisar as provas colhidas nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e das ações sobre a sede do Instituto Lula e doações recebidas pela entidade. Fachin concluiu que a Justiça Federal de Curitiba não tinha competência para cuidar das ações contra o petista porque esses processos não dizem respeito diretamente ao bilionário esquema de corrupção na Petrobrás. A liminar não se debruçou, portanto, sobre o mérito das acusações que levaram o ex-presidente a condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A Procuradoria-geral da República (PGR) informou que vai recorrer da decisão do ministro. Conforme apurou o Estadão, a medida é uma tentativa de reduzir danos diante da iminência de novas derrotas da Lava Jato no STF. A reviravolta nos casos de Lula provocou turbulência no mercado financeiro, uma vez que o ex-presidente é o nome mais forte, até agora, para enfrentar Jair Bolsonaro em 2022.

O relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, anulou ontem todas as condenações impostas pela operação ao expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que torna o petista novamente habilitado para disputar a eleição de 2022. A decisão provocou turbulência no mercado financeiro e redesenhou o cenário eleitoral, uma vez que Lula é o nome mais forte, até agora, para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro.

Fachin determinou o envio dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, a quem caberá analisar as provas colhidas contra Lula nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, das ações sobre a sede do Instituto Lula e doações recebidas pela entidade. O ministro não se debruçou, porém, sobre o mérito das provas coletadas contra o ex-presidente, que levaram a condenações pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na prática, o magistrado se limitou a examinar questões técnicas ao concluir que a Justiça Federal de Curitiba não tinha competência para cuidar das ações contra o petista porque esses processos não dizem respeito diretamente ao bilionário esquema de corrupção na Petrobrás.

Em uma decisão de 46 páginas, Fachin observou que outras ações já deixaram o seu gabinete e a Justiça de Curitiba pelo mesmo motivo. O habeas corpus de Lula analisado pelo ministro chegou ao STF em novembro do ano passado, levando quatro meses para ser examinado. Esse ponto já havia sido levantado pela defesa de Lula em outras ocasiões, mas esta foi a primeira vez que Fachin analisou exclusivamente o argumento.

“Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13.ª Vara Federal

de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, escreveu o relator da Lava Jato.

Segundo o Estadão apurou, a manobra do ministro contou com o apoio do presidente do Supremo, Luiz Fux, também mais alinhado à Lava Jato. Ao enviar para a Justiça Federal do Distrito Federal os casos de Lula, Fachin determinou que o juiz que assumir as ações deve decidir “acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”. Ou seja: o próprio relator da Lava Jato indicou que a Justiça Federal do DF pode confirmar decisões tomadas por Curitiba.

“Nesse momento, o jogo de tabuleiro voltou para a casa um, só que o juiz pode andar mais rápido, pode pular algumas casas e aproveitar atos praticados por Sérgio Moro”, comparou Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. Para Bottino, a decisão de Fachin esvazia as discussões sobre a parcialidade de Moro ao condenar Lula no caso do triplex. Integrantes da Segunda Turma do STF, no entanto, insistem para que o colegiado ainda julgue a conduta do ex-juiz da Lava Jato.

As condenações mais avançadas contra Lula eram as do caso do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, confirmadas respectivamente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).

As chances de Lula voltar a ficar inelegível nas próximas eleições são consideradas pequenas, porque dependem do ritmo dos trabalhos da Justiça Federal do DF e do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1). O TRF-1, no entanto, possui um perfil mais “garantista” (mais inclinado a ficar do lado do direito de investigados) que o TRF-4, considerado mais “punitivista” por especialistas e investigadores ouvidos pela reportagem. O prazo de prescrição também pode ajudar Lula a escapar novamente da inelegibilidade.

Como mostrou o Estadão na semana passada, Fachin lançou uma ofensiva para reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação.

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Caso pode ficar com juiz que anulou provas

Para um dos possíveis magistrados que vão julgar Lula, operação determinada por juiz incompetente provoca anulação de diligências

Breno Pires

Um juiz federal que já anulou provas da Operação Lava Jato em um recente caso pode herdar os processos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O titular da 12.ª Vara Federal do Distrito Federal, Marcus Vinícius Reis Bastos, é um dos quatro magistrados que podem ser sorteados para conduzir as ações que resultaram na condenação do petista, após o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin apontar incompetência da 13.ª Vara da Justiça Federal do Paraná.

Bastos anulou, há exatos dois meses, as provas obtidas na Operação Carbonara Chimica, a 63.ª fase da Lava Jato, deflagrada para apurar suspeita de propinas aos ex-ministros da Fazenda Antônio Palocci (governo Lula) e Guido Mantega (governos Lula e Dilma), em troca da edição de medidas provisórias favoráveis à Odebrecht.

À época, o juiz federal apontou que a operação foi determinada por juízo incompetente e, por isso, as provas deveriam ser anuladas. É um entendimento que, se repetido no caso Lula, também

pode invalidar as diligências realizadas nos inquéritos envolvendo o petista, por ordem do ex-juiz Sérgio Moro.

O juiz também já absolveu o ex-presidente Michel Temer, denunciado por suposta compra de silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Além de Reis Bastos, também podem ser sorteados a juíza substituta da 12.ª Vara, Pollyanna Kelly Medeiros, e os juízes federais Vallisney Oliveira, titular da 10.ª Vara Criminal da Justiça Federal do DF, e Ricardo Leite, substituto da 10.ª Vara.

Dentre os quatro, Vallisney Oliveira é considerado por criminalistas como o mais “linha dura”. No fim de janeiro, o magistrado condenou a mãe do exministro Geddel Vieira Lima a dez anos de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa, no processo que apurou a origem dos R$ 51 milhões encontrados em malas de dinheiro. Vallisney também é o juiz responsável pela Operação Zelotes, que tem Lula entre os réus. A operação apontou indícios irregularidades na compra de 36 caças Gripen.

O juiz Ricardo Leite conduz a ação penal da Operação Spoofing, que investigou os hackers que invadiram aparelhos celulares de integrantes da Lava Jato, expondo conversas que fragilizaram a Lava Jato. Criminalistas o consideram um juiz de perfil moderado.

A juíza Pollyanna Kelly Medeiros ficou marcada por uma atuação dura na Operação Panatenaico, que apurou corrupção nas obras do Estádio Mané Garrincha. É também a relatora da Operação Registro Espúrio, que investigou esquema de favorecimento a sindicatos no extinto Ministério do Trabalho – entre os réus está o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB.

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PGR vai recorrer; recurso será julgado pelo plenário do STF

Documento é elaborado por Lindôra Araújo; ações deverão ir para o Distrito Federal antes mesmo do julgamento, diz ministro

Paulo Roberto Netto / b.p. E

Gil Ferreira/Agencia CNJ

A Procuradoria-geral da República (PGR) informou ontem que vai recorrer da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro, relator dos casos da Lava Jato no Supremo, afirmou que vai encaminhar o recurso da PGR para apreciação do plenário. Assim, caberá ao colegiado de onze ministros – e não à Segunda Turma da Corte, que tem imposto sucessivas derrotas a Fachin – decidir sobre o futuro das ações.

O gabinete do ministro informou também que a decisão de remeter do Paraná ao Distrito Federal as ações penais de Lula deve ser cumprida mesmo antes do julgamento do recurso, que está em elaboração na PGR.

A assessoria de imprensa da Procuradoria-geral da República informou que o recurso será preparado pela subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo, braço direito do procuradorgeral Augusto Aras e responsável pelos processos da Lava Jato na Suprema Corte. O órgão não deu detalhes sobre quais pontos da decisão serão contestados.

Já a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal do Paraná, que apresentou as denúncias, se manifestou por meio de nota. “O núcleo da Lava Jato no Gaeco do Ministério Público Federal no Paraná não atua na instância junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), portanto segue trabalhando nos casos que competem ao grupo nos processos junto à Justiça Federal no Paraná.”

Procurado pela reportagem, o atual coordenador da Operação Lava Jato no Paraná, Alessandro Oliveira, disse que não irá comentar a decisão de Fachin. Questionado sobre o impacto da decisão, Oliveira disse avaliar como “grande”, mas que ainda seria preciso estudar a decisão. O ex-coordenador da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, disse a decisão de Fachin pode aumentar o risco de prescrição (mais informações nesta página).

Decisões. Além da Justiça Federal no Paraná, as sentenças foram confirmadas na segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4). A ação penal do triplex também foi validada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em janeiro de 2018.

Em abril daquele ano, Lula foi preso graças ao entendimento de então do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitia o início da pena logo após condenações em segunda instância. Foi solto em novembro de 2019, quando o Supremo reviu a jurisprudência sobre o tema.

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Decisão é precedente para mais anulações, avaliam juristas

Para o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão, é preciso aguardar como devem se comportar os outros ministros

Adriana Ferraz

Brasília. Simpatizantes do ex-presidente Lula se manifestam em frente ao STF depois da decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações do petista na Operação Lava Jato

A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular todas as condenações do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato por considerar a 13.ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos que envolvem o petista, pode abrir precedente para que outros investigados ou mesmo réus da operação façam o mesmo questionamento e também consigam anular decisões ou postergá-las. O entendimento é de especialistas em Direito Penal ouvidos pelo Estadão.

A decisão de Fachin, que é relator da Operação Lava Jato no Supremo, não levou em consideração as provas colhidas por investigadores da força-tarefa em Curitiba contra o ex-presidente, que resultaram em condenações pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ministro se limitou a analisar questões técnicas e processuais, ao concluir que a Justiça Federal em Curitiba não tem competência para cuidar das ações contra o petista.

Na avaliação do professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão, para que esses novos questionamentos ocorram é preciso aguardar outras decisões. Uma delas, segundo Falcão, diz respeito à posição da Procuradoria-geral da República (PGR). O procurador-geral da República, Augusto Aras, informou que vai recorrer. Com isso, o plenário do STF será convocado a referendar ou não a decisão de Fachin.

Ainda de acordo com Falcão, “Fachin defendeu um pênalti que alas do Supremo estavam prestes a chutar contra o ex-juiz Sérgio Moro” – a defesa de Lula acusa o ex-juiz de parcialidade na análise

dos casos envolvendo o ex-presidente e a condenação no processo do triplex no Guarujá (SP). “A decisão dele é neutra em relação a Moro. A incompetência, portanto, é da 13.ª Vara Federal, não dele.”

Competência. Para o advogado criminalista Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Fundação Getulio Vargas (FGVSP), Fachin seguiu o entendimento que o Supremo tem adotado desde 2015, no qual considera-se que a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba se dá apenas a fatos diretamente relacionados à Petrobrás.

“O que não é o caso do expresidente Lula. Assim, honrando seu papel de ministro, Fachin rendeu-se ao entendimento da Corte, ainda que discordando”, declarou Tangerino. Segundo ele, tal decisão pode, agora, ser usada por todos aqueles que foram processados em Curitiba por fatos não diretamente relacionados à Petrobrás. “Eles poderão pedir carona nessa decisão”, afirmou o professor.

Petrobrás. De acordo com a advogada e professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Helena Lobo da Costa, somente acusados e réus de investigações que tenham essa mesma característica observada nos processos de Lula – não ter ligação direta com contratos da Petrobrás – poderão utilizar a decisão de Fachin como precedente. “Mas ela não é vinculante, ou seja, cada um que se encaixar na tese terá de recorrer e tentar fazer valer no seu processo”, disse a professora.

Diretor da Faculdade de Direito da USP, o professor Floriano de Azevedo Marques considerou a decisão de Fachin “drástica” e importante, apesar de ocorrer a “destempo”. O professor destacou que, além de criar precedentes, ela poderá levar a prescrições em função dos processos revistos.

“Provavelmente, várias condutas estarão prescritas. Porque o recebimento da denúncia interrompe o lapso prescricional e, se o ato de recebimento foi anulado, não houve interrupção”, afirmou Azevedo Marques.

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Bolsonaro busca partido para ser ‘dono’

Presidente estaria ‘namorando’ o Partido da Mulher; na lista estão ainda Progressistas, Republicanos, PTB e PL, representantes do Centrão

Matheus De Souza, Cássia Miranda E Pedro Caramuru

Namoro. Bolsonaro articula ingresso em partido em que tenha controle, em primeiro passo para a campanha à reeleição

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem a apoiadores no Palácio do Alvorada que está “namorando” uma legenda da qual seria “o dono”. “Estou namorando outro partido, tá? Onde eu seria o dono dele como alternativa, se não sair o Aliança”, afirmou – referindo-se ao Aliança pelo Brasil, que naufragou ao não conseguir as 491 mil assinaturas necessárias para registro na Justiça Eleitoral.

Segundo o portal R7, um acordo já estaria fechado com o Partido da Mulher Brasileira, PMB, que mudaria de nome ao abrigálo. A atual presidente do PMB, Suêd Haidar, já teria concordado com a ideia de Bolsonaro ficar como presidente de fato ou de honra. Seria a 10.ª legenda a tê-lo entre seus filiados.

Esses seriam os primeiros passos na preparação do presidente para a campanha eleitoral de 2022 – a meta é dispor de uma legenda na qual ele teria o controle sobre quem se filia e sobre as chapas de candidatos que entrariam na disputa eleitoral do ano que vem. Procurada pelo Estadão, Suêd Haidar não retornou até a conclusão desta edição. “Ele quer entrar com capital de liderança para não ter de abrir mão de suas agendas. Ele não quer negociar”, observou, sobre o gesto presidencial, a pesquisadora Carolina Botelho, doutora em Ciência Política e integrante do Scnklab/mackenzie e do Doxa/iesp/uerj.

Previsão. Sem partido desde novembro de 2019, quando rompeu com o PSL, Bolsonaro já havia anunciado, em janeiro passado, que decidiria sua filiação até este mês. “Em março eu decido. Ou decola (o Aliança) ou vou ter de arranjar outro”, adiantou ele na ocasião. Desde então, partidos nanicos de centro se ofereceram para recebêlo. Bolsonaro já afirmou, em entrevista à Band TV, que estava “namorando o tal do Patriota” – mas o assunto não prosperou.

Além do presidente, o novo partido escolhido por Bolsonaro também deve abrigar seus aliados, entre eles, seus filhos políticos. Dois deles, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-rj) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-rj) migraram recentemente, mas o presidente da legenda, Marcos Pereira (SP), afirmou em entrevista ao Estadão que eles estão de passagem. Na ocasião, o dirigente deu a entender que não iria abrir mão do comando da sigla para Bolsonaro.

A lista de opções de novos partidos citada por interlocutores do presidente é formada ainda por Progressistas, Republicanos, PTB e PL, como representantes do Centrão, e pelo PSL, sigla pela qual Bolsonaro se elegeu em 2018.

Na avaliação da pesquisadora Carolina Botelho, os caminhos mais “racionais” que Bolsonaro poderia seguir mirando a reeleição passam pelo Republicanos, que já abriga seus filhos Flávio e Carlos. “É difícil medir quais são os passos do Bolsonaro. Se ele quiser seguir uma lógica mais política, em busca de convergir, ter apoio e verba, poderia até voltar para o PSL, onde ainda estão o filho Eduardo e outros apoiadores. Há ainda uma lógica financeira que faria sentido”, disse Carolina.

“Outro tipo de apoio que seria bom”, prossegue a pesquisadora, “seria se ele fosse para o Progressistas. Essa é uma escolha mais política e racional, para manter apoio no Congresso e se aproveitar do saldo que o partido teve nas eleições municipais de 2020. Republicanos também, onde eu acho que ele seria bem recebido pelos pastores, mas demanda negociação”. Ônus. O fato de Bolsonaro querer um partido do qual possa ser “dono” pode reduzir suas opções de filiação, segundo analistas. O Progressistas, comandado pelo senador Ciro Nogueira (PI), por exemplo, possui uma estrutura bem definida, o que poderia restringir a influência do presidente.

No Republicanos, Bolsonaro estaria ao lado dos filhos e fortaleceria o vínculo com a Igreja Universal do Reino de Deus. Mas o presidente da sigla, deputado Marcos Pereira (SP), já disse que não abre mão do controle da sigla

.No PTB, o presidente, Roberto Jefferson, seria “o ônus e o bônus”, na avaliação de Carolina, uma vez que Bolsonaro veria sua imagem associada ao pivô do mensalão e à corrupção. “Ficaria muito marcado”, afirmou a cientista política.

Com uma das maiores bancadas da Câmara, o PL exerce forte influência no Centrão. Comandado por Valdemar Costa Neto, o partido também é um dos mais implicados na Operação Lava Jato.

Quanto ao PSL, partido pelo qual foi eleito em 2018 e no ano seguinte rompeu, o presidente já sinalizou a possibilidade de retornar, mas a ala fiel ao presidente do partido, deputado Luciano Bivar (PE), resiste à nova filiação.

Em 2018, após receber Bolsonaro, o PSL deixou de ser “nanico” e se tornou uma potência partidária, elegendo 54 deputados – o que o credenciou a receber a segunda maior fatia de verbas públicas destinadas aos partidos políticos.

O presidente do Patriota, Adilson Barroso, disse até “orar” pela retomada das conversas pela filiação de Bolsonaro, interrompidas há três anos. “O nome Patriota foi ele (Bolsonaro) quem deu, antes o partido chamava Partido Ecológico Nacional (PEN).” Segundo o dirigente, se a união se concretizar, Bolsonaro terá o controle de filiações e das candidaturas de 2022.

Assinaturas. Em paralelo, a luta pela formalização do Aliança pelo Brasil não parou, mas deixar a legenda apta para concorrer em 2022 é uma possibilidade distante. O partido validou menos de 15% do total das assinaturas necessárias – 76.915 mil fichas. “Se ele conseguisse criar o partido, seria um bom cenário para imprimir o selo dele. Tem um grupo de eleitores que quer o Bolsonaro, independentemente de qualquer coisa, então os outros partidos ficariam na órbita dele e políticos poderiam inflar o Aliança automaticamente”, afirmou Carolina.

Segundo o vice-presidente do Aliança, o empresário Luís Felipe Belmonte, a sigla em formação já conseguiu coletar pelo menos a metade dos apoiamentos necessários para sair do papel, mas o número “não se reflete” na Justiça Eleitoral por causa da demora no processamento das fichas.

“A minha previsão é a de que até abril, no máximo maio, devemos estar com todas as fichas necessárias. Aí, em mais uns três ou quatro meses, a Justiça Eleitoral concluiria o registro do partido.”

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PT recebe com cautela decisão de Fachin

Estratégia é manter viagens de Haddad pelo País; partido quer julgamento de Moro

Pedro Venceslau Marcelo Godoy / Colaboraram Felipe Frazão e Camila Tortelli

O PT recebeu com cautela e reagiu de forma contida à decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou ontem todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Justiça Federal do Paraná no âmbito da Operação Lava Jato. O pedido de comemorar com cautela foi feito pelo próprio Lula, em conversas com líderes petistas.

Com a decisão, que ainda será avaliada pelo plenário do Supremo, Lula volta a ser elegível na disputa pelo Palácio do Planalto em 2022.

A decisão de Fachin não levou em questão as provas colhidas por investigadores da força-tarefa em Curitiba contra o expresidente, que resultaram em condenações pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ministro se limitou a analisar questões técnicas e processuais sobre a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgar o petista.

Líderes do PT cobraram que os ministros do STF julguem a suspeição de Moro, mesmo com a decisão de Fachin, que na prática tornou sem efeito o recurso da defesa de Lula. Pelo Twitter, o ex-prefeito Fernando Haddad disse que isso é “imperativo”.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que o principal mérito da decisão de Fachin é restabelecer os direitos políticos de Lula. “Foram retirados de forma errada. O processo

não poderia ocorrer na Vara de Curitiba e impedido Lula de ser candidato à Presidência’’, disse. “Esperamos que o processo de Moro possa ser levado adiante.”

Por enquanto, a ideia do partido é que Haddad continue viajando pelo Brasil para construir pontes com forças políticas do “campo progressista”. Depois de ir a Minas, onde se reuniu com o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), Haddad vai ao Rio na quinta-feira. O presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano (PT), quer reunir Haddad com os deputados Marcelo Freixo (PSOL) e Jandira Feghali (PCDOB).

Os petistas dizem que Lula deve evitar viagens em razão da pandemia, para não causar aglomerações. “Lula tem dito que pode ser candidato ou não. O partido vai continuar trabalhando o nome do Haddad. Se Lula decidir concorrer, será o candidato natural, e Haddad pode disputar o governo paulista ou Senado”, disse Alberto Cantalice, vice-presidente do PT.

Sindicato. Lula vai se manifestar hoje em uma entrevista coletiva na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde foi preso pela Lava Jato, em abril de 2018. O Estadão apurou que ele passou a tarde de ontem conversando com lideranças do partido e os advogados.

Para o setor jurídico do PT, a decisão de Fachin não resolve o problema, pois “preservou” Sergio Moro. “Recebemos a decisão com alegria, serenidade e cautela. Essa decisão não repara as injustiças”, disse o advogado Marco Aurélio Carvalho. Petistas acreditam, no entanto, que a decisão pode beneficiar outros réus, como o ex-ministro José Dirceu, também condenado pela Lava Jato em Curitiba.

Polarização. Lideranças de outros partidos de esquerda avaliaram que a decisão do STF vai gerar uma polarização “imediata” entre o ex-presidente e Bolsonaro, diminuindo o espaço do centro nas articulações para 2022. “Sem dúvida, pelo tamanho dele (a decisão) fortalece nosso campo da esquerda e recoloca Lula como nome central para 2022”, disse ao Estadão o governador do Maranhão, Flávio Dino.

Já o deputado federal Orlando Silva (SP), também do PCDOB, disse que decisão reforça a polarização e “cria dificuldades” para a construção de uma frente ampla antibolsonaro.

Para o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, a decisão de Fachin teve o objetivo de “salvar” a Operação Lava Jato. Sobre o impacto político, o dirigente Siqueira desconversou. “Não vamos examinar essa decisão de forma simplista. O PSB defende uma frente ampla.”

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Guinada governista gera nova crise no PSL

Pedro Venceslau

Rompido com o presidente Jair Bolsonaro desde 2019, o PSL mergulhou em uma nova crise interna no sábado passado, após deputados da sigla questionarem o presidente do partido, Luciano Bivar (PE), pelos acordos que colocaram os “dissidentes” bolsonaristas em postoschave na Câmara e isolaram ala que faz oposição.

Apesar de integrar a chamada ala “raiz” do PSL, Bivar foi acusado por correligionários de ter traído o grupo e feito um acordo com o governo para apoiar a eleição de Arthur Lira (Progressistas-al) à presidência da Câmara e entregar cargos em comissões ao grupo governista em troca de ocupar a

1.ª secretaria. O PSL deve emplacar as comissões de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, e de Agricultura – e ainda tenta a de Relações Exteriores.

A discussão começou em um grupo de Whatsapp. O principal foco de insatisfação foi a escolha, por Bivar, do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) como líder da bancada, o que deu a ele a prerrogativa de indicar os nomes da legenda para as comissões. Com esse movimento houve uma inversão do cenário e os deputados da ala “raiz” ficaram isolados.

“Infelizmente deixaram o PSL refém dos bandidos que quiseram roubar a legenda”, escreveu a ex-líder da bancada, a deputada Joice Hasselmann (SP), que saiu do grupo. Em resposta, Bivar disse que “a outra corrente (governista) é que aproveitou-se dos estilhaços que provocamos entre os nossos e formaram uma maioria na bancada”.

Outros deputados do PSL ouvidos pela reportagem reclamaram que Bivar se beneficiou com a guinada governista e travou as 20 representações que pediram expulsões de deputados bolsonaristas. Até o caso do deputado Daniel Silveira, considerado o mais emblemático, foi engavetado.

Procurado, Luciano Bivar não se manifestou.

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Entrevista - Paulo Chagas

‘Presidente precisa de uma dose de humildade e admitir que errou’

Ex-aliado, coronel critica negacionismo do governo em relação à pandemia e diz que Bolsonaro deve esquecer discurso radical

Idiana Tomazelli

Candidato ao governo do Distrito Federal pelo PRP em 2018, o general da reserva Paulo Chagas foi apoiador de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, mas hoje o considera um deslumbrado com o poder. “O caminho correto seria o presidente baixar a bola e entender qual é a missão dele”, disse. O general diz ainda que o “negacionismo” do governo em relação à pandemia agravou a situação e que é preciso “uma dose de humildade muito grande” para reconhecer o erro. “É um absurdo que o presidente venha ‘mimimizar’ um problema como esse”, disse.

• O sr. apoiou Bolsonaro, foi o candidato dele ao governo do DF, mas adotou uma postura mais crítica. O que mudou?

O que mudou foi o próprio presidente. Ou não mudou. Durante a campanha eu defendi a pessoa, até a maneira de ele ser, se comportar, as atitudes mais intempestivas. Dizia que fazia parte da imagem dele, mas como deputado. Quando for presidente vai mudar. Mas ninguém na volta dele conseguiu convencer. À medida que as coisas foram perdendo rumo, e a própria personalidade do presidente foi tomando conta dele, aí começou a crítica.

• Por que o sr. diz que Bolsonaro é um “narcisista deslumbrado” e um “trapalhão”? Deslumbrado com o poder, não tenho dúvida de que ele está, em que pese não ser só ele. Vemos os ministros da Suprema Corte também exacerbando o poder que têm, e o próprio Congresso. Os poderes estão se imbricando, um engole um pedacinho do outro. Está faltando harmonização. Mas quando falo do narcisista deslumbrado é porque ele, tanto quanto outros, está deslumbrado com o poder

que tem, com a popularidade que tem e nunca teve. É um deslumbramento que faz com que ele se comporte pensando que é mais do que é na verdade.

• Chegou-se a falar de impeachment. Seria o momento?

Se para cada problema a gente ficar com esse negócio de impeachment, o Brasil não sai do lugar. Já tivemos dois impeachments em curto espaço de tempo. Temos de serenar, amadurecer. O caminho correto seria o presidente baixar a bola e entender qual é a missão dele. (Bolsonaro) Tem uma compulsão a dizer impropérios. Fica sempre instigando, não para nunca a briga. Alguém tem que ter humildade para parar essa briga. Não vejo o impeachment como uma boa solução, porque vamos ter que parar o Brasil. Mas, dependendo do rumo que as coisas tomarem, é uma solução também.

• Qual é sua avaliação sobre o desempenho do governo na gestão da pandemia?

O erro começou logo no começo, o presidente não quis assumir a coordenação nacional da crise, traçar um plano e seguir esse planejamento. O presidente negou, (adotou) o negacionismo, “é uma gripezinha”, deixou passar, as coisas foram se agravando. Agora, a gente vê uma tentativa para assumir o controle, mas a impressão que tenho é que é tarde. Ele precisa de uma dose de humildade muito grande para admitir que se equivocou, que deveria ter feito e não fez. Estamos vendo hoje que de fato era grave, jamais foi uma gripezinha.

• No dia em que o País bateu recorde no número de óbitos, o presidente criticou as medidas restritivas e disse “chega de frescura, de mimimi”. O que o sr. achou? Acho um absurdo que o presidente venha “mimimizar” um problema como esse, que está mais do que caracterizado no mundo inteiro que é gravíssimo. Não é esse o papel dele, ele não tem que ter posição radical. Tem que ter posição conciliadora, posição científica, ouvir as pessoas que sabem, cientistas, médicos. Esse é um problema de saúde, e não político, nem econômico.

• Há desconforto dos militares com a permanência de Pazuello como ministro estando na ativa? Há sim. Ainda mais o Pazuello, que está no final da carreira, já atingiu o último posto. É um desconforto porque isso está ligado àquela tentativa do presidente de associar Forças Armadas ao governo dele, como se ele tivesse apoiado institucionalmente. As Forças Armadas, como instituição, fazem o que est na Constituição.

• A tentativa do presidente de atrelar seu governo às Forças Armadas traz desgaste?

Sim, para a imagem das Forças Armadas perante a sociedade. Se der certo, vira herói, se der errado, vira bandido. Nós não temos nada a ver com isso.

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Editorial - A macabra proeza de Bolsonaro

Bolsonaro está conseguindo fazer o que parecia impossível. Ao ignorar suas responsabilidades, está abrindo caminho para o retorno político de Lula.

Jair Bolsonaro está conseguindo fazer o que parecia impossível. Ao ignorar suas responsabilidades e debochar continuamente dos problemas do País e da saúde dos brasileiros, está abrindo caminho para o retorno político do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, seja por meio de algum preposto, seja pessoalmente, agora que o ministro Edson Fachin anulou todas as condenações do demiurgo de Garanhuns – e na hipótese de que o Supremo mantenha essa nefasta sentença. Bolsonaro, por palavras e omissões, ajudou a recriar o monstrengo que já atormentou em demasia este país.

O assunto é da maior gravidade, pois traz de volta ao cenário político um grande perigo para o País. Aquele que foi eleito por ser o mais antipetista dos candidatos não apenas descumpre suas promessas de campanha, como está produzindo a perfeita antítese das expectativas do seu eleitorado: o ressurgimento do fantasma do lulopetismo.

Não se trata de mera hipótese ou recurso retórico. Recente pesquisa de opinião feita pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) constatou que, nas atuais circunstâncias, o líder político com maior potencial de voto é o sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Nada mais nada menos que metade dos entrevistados revelou a possibilidade de votar em Lula.

É desolador constatar que o mais famoso ficha-suja do País, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, voltou a ser, para metade do eleitorado, uma opção possível de voto. Tal resultado não se refere obviamente a nenhum mérito do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, que, como se sabe, tem nos últimos tempos se dedicado especialmente às suas pendências com a Justiça penal.

A pesquisa revela o que o governo de Jair Bolsonaro tem sido capaz de despertar no ânimo dos brasileiros. Tal é o descalabro da atual administração federal que metade da população já não vê como impossível votar naquele cujo governo produziu os maiores escândalos de corrupção da história do País.

Pode parecer ironia, mas Jair Bolsonaro está fazendo com que parte considerável da população se esqueça dos males e prejuízos causados pelo mensalão e petrolão e já não exclua do horizonte o voto em Lula – ou no seu preposto. Aquele que prometeu eliminar o lulopetismo é quem está agora lhe dando uma inesperada e perigosa sobrevida.

Há quem pense que, por estar inelegível em razão da condenação criminal, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva não representaria perigo ao País. Não seria, assim, preciso preocupar-se com o líder petista. Nada mais distante da realidade. Mesmo quando esteve impedido de se eleger, Lula foi capaz de produzir sérios estragos por meio de seus testas de ferro. Basta pensar no governo de Dilma Rousseff e nas eleições de 2018. Fernando Haddad chegou ao segundo turno por obra e graça daquele que, na ocasião, estava na carceragem da Polícia Federal de Curitiba. Não há como amenizar a gravidade da situação criada pelo presidente Jair Bolsonaro. É um tremendo retrocesso para o País o fato de que parcela relevante da população, estupefata com os contínuos desastres produzidos pelo atual governo federal, volte a considerar o PT como um voto possível. É como se o despautério do tempo presente levasse a esquecer ou, ao menos, a relevar o aparelhamento político-ideológico da máquina estatal, os desvios da Petrobrás, a interferência na autonomia do Congresso, a omissão nas reformas, o abuso do poder político, os privilégios às corporações.

Em 2018, muitos eleitores votaram em Jair Bolsonaro convictos de que era a melhor opção para o País. Outros deram o seu voto ao ex-capitão do Exército pensando que era o único jeito de derrotar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Sabiam que, apesar de constar na cédula o nome de Fernando Haddad, o verdadeiro candidato do PT – quem iria de fato mandar caso a chapa fosse eleita – era Lula. Agora, há uma situação inteiramente inversa. Em vez de ser o ex-prefeito petista de São Paulo, é o próprio Bolsonaro que faz Lula sonhar em ter viabilidade política.

A situação esdrúxula expõe um novo engano. Quem continua apoiando Jair Bolsonaro achando que, assim, ao menos impede um mal maior – a volta do PT ao poder – pode, na verdade, estar contribuindo exatamente para aquilo que tanto rejeita. Não se vence a irresponsabilidade petista com outra irresponsabilidade.

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Editorial - Dólar alto, expectativas baixas

Pandemia solta, vacinação lenta, hospitais lotados, inflação pressionada, juros em alta no mercado americano, incerteza sobre os juros no Brasil, insegurança fiscal: há um vasto cardápio de motivos para explicar os temores do mercado. Denunciar a falta de rumo já se tornou lugar comum, entre economistas de renome, nas avaliações do governo federal. Nesse ambiente de muita névoa e muita dúvida, a semana começou com o dólar disparando nas primeiras negociações de ontem. A cotação cedeu com as vendas de exportadores, mas no meio da tarde estava acima de R$ 5,72, nível 11% superior ao do início do ano. Parece estranho, além de assustador, um dólar tão caro num país com superávit comercial, contas externas em ordem e robusto volume de reservas. Algo muito anormal deve estar ocorrendo.

A estranheza desaparece quando se vê o presidente da República demitir o presidente da maior estatal brasileira, uma grande empresa de petróleo, para dar satisfação a seus amigos caminhoneiros. Tudo parece mais claro – e até mais assustador – quando esse presidente se refere a seu indicado para a vaga como alguém disposto a atender às suas preferências. “Agora o general vai chegar na Petrobrás e fazer o trabalho que eu gostaria que fizesse, que o outro não fazia”, disse ele em seu pronunciamento semanal. Assim se trata uma grande empresa de capital aberto e com ações negociadas no exterior?

Sim, se a decisão depender do capitão Bolsonaro.

O dólar instável e muito mais caro do que seria, se houvesse no Brasil um governo central de padrões normais, tem sido, desde o ano passado, um importante combustível para a inflação. Mas esse governo, ou, mais propriamente, desgoverno, é um permanente fator de insegurança. Há motivos muito sérios para se restabelecer o auxílio emergencial, especialmente num quadro de alto desemprego, agravamento da pandemia e preços já muito altos para as famílias pobres. Mas ninguém pode dizer com alguma segurança como se arrumarão as contas públicas neste ano e no próximo.

A insegurança quanto a essas contas tende a dificultar o financiamento do Tesouro. Será inútil o Banco Central (BC) insistir em juros básicos de 2% ao ano se faltar, no mercado, confiança em relação ao controle das finanças federais. Se o pessimismo aumentar, a rolagem da dívida pública ficará mais difícil e mais cara, com perdas para o governo e para o setor privado.

A essas preocupações é preciso adicionar o temor da inflação. No mês passado, o Índice Geral de Preços (IGP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiu 2,71%, pouco menos que em janeiro (2,91%), mas a taxa ainda foi muito elevada. O indicador aumentou 5,69% no bimestre e 29,95% em 12 meses. Em fevereiro do ano passado, a variação mensal havia sido de 0,01%, com 6,40% de alta acumulada em 12 meses.

O Índice de Preços por Atacado, principal componente do IGP, subiu 3,40% em fevereiro e 41,77% em 12 meses. Perdeu um pouco de impulso, mas permanece ameaçador. Em sentido contrário, o Índice de Preços ao Consumidor aumentou 0,54% em fevereiro, o dobro da taxa de janeiro (0,27%), e acumulou variação de 5,41% em 13 meses. As sérias dificuldades da maior parte das famílias têm claramente impedido um repasse maior de aumentos do atacado ao varejo.

Alimentos e matérias-primas têm ficado mais caros fora e dentro do País. O dólar tem ampliado a alta dos preços no mercado interno, prejudicando as famílias e dificultando a recuperação da economia.

Como resultado de todo esse desarranjo, pioram as expectativas, como indica a pesquisa Focus, conduzida pelo BC. A inflação projetada para o ano subiu pela nona semana consecutiva e atingiu 3,98%, número bem superior ao centro da meta (3,75%) fixada para o Índice Nacional de Preços

ao Consumidor Amplo (IPCA). Em quatro semanas o crescimento estimado para o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 3,47% para 3,26%. A insegurança cresce, as expectativas pioram e o presidente ofende quem chora os mortos, tenta evitar o coronavírus e cobra alguma coordenação do poder federal. Para piorar o quadro ressurge o abantesma petista.

Incertezas crescem, governo se omite e pioram as projeções para a economia

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Editorial - Um governo de verdade

Governadores ocupam o vácuo administrativo gerado pela indiferença de Bolsonaro

A mobilização de quase todos os governadores do País para dar um caráter nacional às medidas de enfrentamento da pandemia de covid-19, anunciada no fim de semana passado, é consequência não somente da percepção da emergência sanitária, mas, sobretudo, da conclusão de que não temos governo federal – ao qual deveria caber a coordenação desses esforços.

Os governadores envolvidos representam mais de 95% da população nacional, o que é um indicativo da abrangência do movimento. Esses Estados já estavam tomando as medidas que julgavam adequadas ou possíveis, e há tempos deixaram de contar com a colaboração do Ministério da Saúde – comandado por um obediente servidor do presidente Jair Bolsonaro, hoje o mais feroz adversário dos governadores. A novidade é que agora os governadores pretendem adotar providências mais ou menos uniformes no País, como se tivessem sido formuladas e encaminhadas por um poder central.

Não se sabe se a iniciativa terá sucesso, mas é um claro sinal de que os gestores estaduais pretendem ocupar o vácuo administrativo gerado pela indiferença de Bolsonaro em relação à pandemia. Para imprimir uma marca institucional ainda mais forte ao projeto, os governadores buscaram – e aparentemente obtiveram – o envolvimento do comando do Congresso. A resposta foi inicialmente positiva, e já se fala na criação de um “gabinete de crise” – algo que deveria existir desde quando a pandemia tornou-se realidade, há mais de um ano.

Havia a expectativa de envolver também o intendente Eduardo Pazuello, mas apenas como coadjuvante, o que dá a dimensão do descrédito que o governo federal inspira naqueles que são obrigados a lidar com a dura realidade da pandemia.

Desde sempre, Bolsonaro – que estimula aglomerações, critica o uso de máscaras e ataca restrições adotadas por Estados e municípios – julga que seu papel na pandemia é apenas o de liberar verbas, e olhe lá. Por suas ordens diretas e explícitas, o Ministério da Saúde deixou de participar da corrida mundial por vacinas, e hoje o País só não enfrenta escassez maior de imunizantes porque o governo paulista se esforçou para produzir a Coronavac – que Bolsonaro tudo fez para desmoralizar, por razões eleitoreiras.

Ante o desastre econômico, social e humanitário resultante de sua condução errática e muitas vezes criminosa da crise e ante a queda acentuada de sua popularidade, Bolsonaro afinal parece ter decidido ao menos parar de sabotar a vacinação – defendida veementemente pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, como a única forma de acelerar a recuperação do País.

O governo informou, como se fosse um grande feito, que Bolsonaro acaba de negociar pessoalmente com a Pfizer o fornecimento de vacinas. A Pfizer, recorde-se, ofereceu imunizantes ao Brasil em agosto do ano passado, mas Bolsonaro rejeitou, de forma truculenta. Ou seja, o

presidente finalmente tomou uma decisão correta, mas insuficiente e claramente tardia, pois milhares de vidas poderiam ter sido poupadas.

Conscientes de que Bolsonaro não será o líder de que o País precisa, os governadores pretendem pelo menos reduzir os danos produzidos por sua irresponsabilidade. Querem diluir o ônus político das medidas restritivas contra a covid-19 transformando-as em ações coordenadas entre os diversos Estados.

Na prática, os governadores sabem que Bolsonaro continuará a prejudicar seus esforços, ao defender que não haja nenhuma forma de fechamento, explorando demagogicamente a aflição dos brasileiros que precisam voltar a trabalhar. Ontem, o presidente disse que não vai decretar lockdown e, qual um Brancaleone, ainda declarou: “O meu Exército não vai para a rua para obrigar o povo a ficar em casa”.

Não se sabe a que exército o presidente estava se referindo, pois o Exército brasileiro não tem dono. Mas Bolsonaro, que já disse que “eu sou a Constituição”, se considera senhor do Estado. Então, deixemos que Bolsonaro brinque de ser presidente de seu cercadinho de lunáticos, enquanto as forças políticas, judiciais e sociais responsáveis se unem para dar um mínimo de governança ao Estado real, que deve enfrentar problemas reais com soluções reais.

Governadores ocupam o vácuo administrativo gerado pela indiferença de Bolsonaro

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Opinião - O risco da volta de Lula às eleições

Aloísio de Toledo Cesar

Entre os petistas vem circulando uma frase proferida pelo ditador Getúlio Vargas ao ser deposto na qual profetizava sua volta ao poder. Realmente, no dia 1.º de novembro de 1945, ao ser deposto, ele embarcou no Santos-dumont num avião da FAB que o levaria a São Borja, sua terra.

Ao seu sobrinho Serafim Dornelles, que o acompanhava, ele ditou a seguinte profecia, relatada no livro de Lira Neto: “Deves ter ouvido dizer que a política se assemelha a um jogo de poder. Indiscutivelmente, em alguns pontos se assemelham. Por exemplo: eu sou uma pedra que foi movida da posição que ocupava. E eles pensam que vou permanecer onde me colocaram. É o grande erro deles. Não sabem que vamos começar um novo jogo – e com todas as pedras de volta ao tabuleiro”.

Tinha razão o renitente ditador, porque um novo jogo político começou e ele foi candidato à Presidência da República, concorrendo com o brigadeiro Eduardo Gomes, do grupo de militares que o alijara do poder. Venceu as eleições e o País só ficou livre dele com sua morte, por suicídio.

Entre os petistas a agitação é compreensível, porque seu líder máximo, Lula da Silva, está solto e deu a entender que se for para o bem do País fará o sacrifício de concorrer contra o presidente Jair Bolsonaro nas eleições do ano que vem. Veja-se que esse futuro assusta mais do que o bichopapão para criancinhas: de um lado, teremos o rei da incompetência e do desprezo pelos milhares de brasileiros mortos pela covid e, de outro, o rei da corrupção, que fez o Brasil figurar mundialmente como um dos mais corruptos países do mundo.

No que se refere especificamente ao ex-presidente Lula existem incertezas jurídicas, mas a Justiça – ora, a Justiça, pensarão os petistas – é algo que se pode superar ou anestesiar. Não conseguiu o filho do presidente Bolsonaro atenuar a força do processo das rachadinhas?

A rigor, durante longo período as decisões judiciais que envolviam os atos do ex-presidente Lula foram severas e sempre tendentes à condenação, razão pela qual ele se viu privado dos direitos políticos pelo prazo de oito anos e perdeu os imóveis no Guarujá e em Atibaia.

Já em liberdade, os brasileiros perceberam que ele era mais importante preso do que solto. Ainda hoje, podendo circular pelo País, Lula já não ocupa as primeiras páginas dos jornais e as notícias a respeito dele ganham pouco destaque.

Mas, curiosamente, em relação a ele vem ocorrendo nos tribunais superiores uma espécie de abrandamento, indicador de que talvez ele consiga livrar-se daquela parte das condenações que o impede de concorrer. Tome-se em conta também que ele possui no Supremo Tribunal Federal vários e agradecidos ministros, que são mais leais a ele do que ao Brasil.

Basta lembrar, por exemplo, que o ministro Gilmar Mende mudou suas convicções do dia para a noite e, num voto envergonhado, permitiu que Lula saísse da cadeia. Não se pode afastar a previsão de que coisas assim voltem a ocorrer e a permitir que o mais corrupto dos presidentes anule a condenação que o impede de disputar eleições pelo prazo de oito anos, prevista na Lei da Ficha Limpa e presente nas condenações de Lula.

A Lei da Ficha Limpa surgiu de um projeto de iniciativa popular, com apoio de quase 2 milhões de brasileiros, e tornou-se uma importante ferramenta à disposição dos eleitores no momento de escolher seus candidatos. Tanto é assim que “ficha limpa” e “ficha suja” se tornaram as expressões mais práticas para definir um bom e um mau político.

A lei proíbe por oito anos a candidatura de quem tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão definitiva (transitada em julgado) ou de órgão colegiado, mesmo que, nesse caso, ainda haja possibilidade de recursos.

De acordo com o texto, são inelegíveis os candidatos condenados em razão da prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; por crimes contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; e por crimes contra o meio ambiente e a saúde pública.

Também não estão aptos a concorrer a eleições candidatos que tenham cometido crimes eleitorais com previsão de pena privativa de liberdade; crimes de abuso de autoridade, quando houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins; crimes de racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; crimes contra a vida e a dignidade sexual; e crimes praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.

Enfim, a prevalecer o que dispõe a bem-vinda Lei da Ficha Limpa, o ex-presidente está fora da disputa, mas é claro que os petistas vão tentar modificar esse entendimento. O risco Bolsonaro-lula poderá assombrar-nos bastante no ano que vem.

Pela Lei da Ficha Limpa, ele está fora, mas o PT vai tentar modificar esse entendimento

Aloísio de Toledo Cesar- Desembargador aposentado do TJSP, foi secretário de justiça do Estado de São Paulo

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Opinião - O governo Biden e o Brasil

Rubens Barbosa

O tom das relações entre o Brasil e os EUA, no início do governo Biden, foi definido pelas recentes declarações das porta-vozes da Casa Branca e do Departamento de Estado de que “a prioridade é manter o diálogo e buscar oportunidades para trabalhar conjuntamente com o governo brasileiro nas questões em que haja interesse nacional comum, pois existe uma relação econômica estratégica entre os dois países e o governo Biden não se vai limitar a tratar de áreas em que haja discordância, seja em clima, direitos humanos, democracia ou outros”. A atitude do governo dos EUA pode ser explicada pela decisão da Casa Branca de adotar uma postura inicial firme e assertiva em termos de política interna (combate à pandemia, vacinação, imigração) e uma posição cautelosa em política externa (acordo nuclear com o Irã, China, Rússia) para não confrontar seus críticos republicanos.

Nessa primeira fase do relacionamento com o Brasil, Washington decidiu adotar uma atitude de não confrontação, até mesmo na resposta de Joe Biden a Jair Bolsonaro, e iniciar conversas sobre diversos temas das relações bilaterais. Não deixa de ser uma atitude pragmática de ambos os lados e, do ponto de vista do governo brasileiro, a percepção de algum avanço. O governo americano, no entanto, não está alheio às manifestações públicas de grupos de pressão pedindo medidas duras contra o Brasil. O documento assinado por ex-ministros e negociadores norte-americanos critica a política ambiental brasileira e pede medidas contra o Brasil caso não haja mudança nas políticas de proteção da Amazônia e de mudança de clima. O trabalho Recomendações sobre o Brasil ao Presidente Biden, encaminhado por professores norte-americanos, brasileiros e diversas ONGS, faz duros reparos à política ambiental, a direitos humanos, democracia e pede a suspensão da cooperação com o Brasil em diversas áreas, como defesa, comércio exterior, meio ambiente e outras.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado também enviou carta ao presidente Bolsonaro e ao ministro Ernesto Araújo pedindo explicações e retratação de declarações julgadas favoráveis à invasão do Congresso em Washington. Por fim, um grupo de deputados norte-americanos enviou correspondência ao Senado pedindo a suspensão de programas de cooperação na área de defesa por problemas com os quilombolas no Centro de Lançamento de Alcântara. O conteúdo dos documentos e dessas correspondências, combinado com o anúncio da política ambiental pelo presidente Biden, com referência específica à Amazônia, causou preocupação pelos eventuais impactos no Brasil.

Do lado do governo brasileiro houve três ações para tentar evitar medidas concretas contra o País: a carta de Bolsonaro a Biden em que manifesta a “disposição” de continuar “nossa parceria em prol do desenvolvimento sustentável e da proteção do meio ambiente, em especial a Amazônia, com base em nosso Diálogo Ambiental, recém-inaugurado”; o telefonema do ministro Araújo com o secretário de Estado Blinken; e a reunião telefônica entre o chanceler, o ministro do Meio Ambiente e John Kerry, responsável pelos EUA. O setor privado também se manifestou com nota da Câmara Americana de Comércio e da US Chamber sobre as perspectivas favoráveis do intercâmbio comercial.

Uma segunda fase dos entendimentos começa a esboçar-se com os convites para a participação do Brasil, em nível presidencial, das conferências sobre clima e sobre democracia (em que terá destaque a questão dos direitos humanos), em abril, além da Cúpula das Américas. Nesses encontros, os assuntos mais importantes no contexto das relações bilaterais e hemisféricas deverão ser tratados e, dependendo da posições defendidas por Bolsonaro, começarão a aparecer as diferenças de políticas entre Brasília e Washington, em especial em mudança de clima e preservação da Floresta Amazônica.

Na terceira fase de negociação bilateral, Washington deverá reagir à posição brasileira, em especial quanto ao pedido de recursos financeiros para controlar o desmatamento. No telefonema entre Kerry, Araújo e Salles houve concordância em iniciar encontros regulares para examinar formas de colaboração mútua para preservação da Floresta Amazônica. O problema reside no fato de Bolsonaro e Araújo desejarem acreditar que, a partir das políticas apoiadas por Donald Trump, o diálogo com os EUA evoluirá com Biden em “atmosfera de total confiança e entendimento recíproco” e “as boas relações começaram pela discussão sobre meio ambiente e mudança de clima”. E que a “parceria vai continuar”, como mencionado na carta a Biden, o que poderá não ocorrer, dependendo da reação do governo brasileiro (defensiva ou com ajuste na retórica e algumas medidas, com resultados positivos verificáveis) às propostas americanas.

Todd Stern, um dos negociadores dos EUA, antecipou a posição de Washington nos próximos meses. “Os EUA usarão toda a força da diplomacia para conseguir atingir a meta: parar o desmatamento”. E mais: “Sem a Amazônia intacta o Acordo de Paris é impossível”.

As relações com os EUA, que começaram tranquilas, terão muitos outros capítulos em 2021. Estamos só no início.

As relações com os EUA começaram de forma tranquila, mas estamos apenas no início

Rubens Barbosa -Presidente do IRICE

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Opinião - Por que retomar o auxílio emergencial

Antonio Corrêa de Lacerda

O agravamento da pandemia de covid-19, provocado por novas variantes do vírus, falhas de comportamento das pessoas e lentidão das medidas para atacá-la, como a testagem e vacinação em massa, segue tendo implicações gravíssimas para a sociedade brasileira. No entanto, seria imprudente e ineficaz “queimar etapas” e tentar restabelecer a normalidade das atividades, sob o argumento do impacto do efeito econômico. Não resolve negar a doença ou desrespeitar as recomendações dos cientistas.

Mas o que pode e deve ser feito, além da melhora na gestão do combate à pandemia, é a intensificação de medidas que venham a amenizar os impactos econômicos, políticos e sociais da pandemia. No ano que passou, por exemplo, o pagamento do auxílio emergencial foi determinante para evitar que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) fosse ainda mais intensa, assim como seus impactos, como o aumento do desemprego, quebra de empresas, etc.

Seria tergiversar sobre o problema apontando para uma possível melhora automática em 2021. Pelo contrário, sob este ponto de vista, 2020 é mais um ano que não terminou! Muitos dos efeitos do ano passado permanecem, apesar da mudança do calendário gregoriano.

Às debilidades estruturais brasileiras, como a extrema desigualdade, baixa renda e insuficiência de moradia e saneamento básico para parcela expressiva da população, somam-se outros aspectos conjunturais. A taxa de desocupação já atinge 14,1% relativamente à População Economicamente Ativa (PEA), número que cresce para 29%, o equivalente a 32,2 milhões, quando consideramos a taxa de subutilização da força de trabalho.

A atividade econômica geral segue fraca, com grande possibilidade de ocorrer uma queda do PIB nos dois primeiros trimestres do ano. Setores-chave para a recuperação, como a indústria,

continuam em leve recuperação comparativamente aos piores momentos, mas ainda longe de alavancar a retomada pra valer.

A produção industrial de 2020 registrou uma queda de 4,5%, e as maiores retrações foram observadas nos bens de consumo duráveis (-19,8%) e nos bens de capital (-9,8%). É o segundo ano seguido de queda, já que em 2019 o resultado tinha sido negativo em 1,1%. Em relação a 2013, ano anterior à forte crise do período 20142016, a queda acumulada é de 18,6%!

A fragilidade do quadro econômico e social brasileiro está a exigir um conjunto de medidas para enfrentar o problema social, mas também, e ao mesmo tempo, fomentar a atividade econômica. Isso implica uma nova rodada urgente de pagamento de uma renda básica. Torna-se também crucial a implementação de medidas de socorro aos pequenos negócios, que em geral têm menos resiliência do que as grandes empresas para sobreviver em um ambiente inóspito.

Especialmente nas grandes cidades, mas não apenas, a degradação é evidente. Há um claro aumento da população em situação de rua, assim como o fechamento de lojas, prestadores de serviços, bares e restaurantes e muitas outras atividades que não estão conseguindo fazer frente ao desafio da longa retração provocada pelas restrições da pandemia e pela crise econômica.

É urgente a adoção de uma renda básica para os mais necessitados. O ano de 2020 ainda não acabou

Iniciativas como o pagamento de renda básica, ampliação de crédito em condições favoráveis aos empreendedores e outras políticas a serem adotadas têm inegavelmente um impacto fiscal. No entanto, isso não pode servir de argumento para sua não realização. Além da situação política e socialmente insustentável, há também o impacto econômico decorrente. A inércia leva, inexoravelmente, a um agravamento da crise, com consequências diretas sobre a queda da atividade e, consequentemente, da arrecadação tributária. É o caso típico do “tiro que sai pela culatra”. Ao contrário do que poderia sugerir o senso comum, restringir gastos sociais também compromete o equilíbrio intertemporal das contas públicas!

Antonio Corrêa de Lacerda- professor-doutor, diretor da FEAPUCSP, presidente do conselho federal de economia (COFECON), publicou recentemente ‘o mito da austeridade’

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Coluna - Estadão

Alberto Bombig

Lula é desafio, mas não significa morte do centro

» CLICK. Tabata Amaral (PDT-SP) recebeu flores de João Campos (PSBPE) no Dia da Mulher: “Se há cumplicidade na luta pela igualdade, flores são bem-vindas”.

Ainda não baixou a nuvem de fumaça, chamas e destroços levantada pela bomba de Edson Fachin, porém, quem tenta enxergar além do cogumelo atômico avalia que não há motivo para pânico e derrotismo no centro do espectro político: 1) o Lula de 2021 não é o todopoderoso da primeira década deste século porque a canetada de Fachin não tem o poder de reverter imediatamente o estrago feito pela Lava Jato; 2) a volta do petista ao tabuleiro, por ora, não amarra corações e mentes insatisfeitos com a polarização nem apaga erros de Jair Bolsonaro.

» Vá... É consenso também que a retomada dos direitos políticos por Lula aumenta o desafio de João Doria, Luciano Huck, Ciro Gomes e tantos pré-candidatos a presidente em 2022.

» ...com... Segundo um aliado de Huck, é cedo para pessimismo e vaticínio: há uma avenida para quem conseguir dialogar com os desiludidos pela polarização.

» ...calma. Não é segredo que Lula terá dificuldades se quiser carregar consigo o eleitorado de centro: nos últimos anos, em busca da sobrevivência, o petista radicalizou à esquerda.

» Com... Em 2017, na defesa de Lula, o advogado José Roberto Batochio observou: “Atibaia não é Atalaia, e Guarujá não é Guaratuba”.

» ...delay. Como ficam em São Paulo, o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia não deviam ser julgados por Curitiba. Quatro anos depois, Fachin confirma a tese de Batochio. Ah, Atalaia e Guaratuba ficam no Paraná.

» Vento. Do deputado Paulo Eduardo Martins (PSCPR): “Não é possível vislumbrar futuro para um país que tenha a estabilidade jurídica de uma biruta de aeroporto. Saímos da operação Lava Jato e entramos na operação ‘Lava Lula’”.

» É pouco. Do advogado Marco Aurélio de Carvalho: “Aplausos para Fachin, bem-vindo aos bons. Mas está longe de ser solução. É preciso reconhecer a parcialidade de Sérgio Moro e pedir desculpas a Lula”.

» Xi... Também não vai ser moleza a caminhada de Lula na esquerda. “Penso ser legítima a candidatura do Lula, mas ele representará o passado do que fez. Com Ciro Gomes, queremos representar o futuro de um projeto”, diz Carlo Lupi, presidente do PDT.

» O pai... O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), tem reunião fechada hoje com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para tratar de vacina e insumos.

» ...tá on. Na semana passada, governadores pediram que ele ajudasse no combate à pandemia, diante das enormes dificuldades do Ministério da Saúde.

» Fardados. O próprio governo rachou com a PEC Emergencial. Metade quer fatiar o texto, outra não. A primeira é composta por Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem e Alexandre Rolando de Souza. A segunda, por Luiz Ramos e Paulo Guedes – com apoio de Lira, que está irredutível.

» Treze... Em meio à luta no combate à covid-19, o secretário do Desenvolvimento Regional de São Paulo, Marco Vinholi, coleciona “títulos de cidadão” de municípios.

» ...listas. O mais recente foi em Santo André, no ABC. Ao todo, mais de 30 cidades em todos os cantos do Estado, de Taubaté a Barretos.

Com Mariana Haubert E Marianna Holanda

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Coluna - Broadcast

Aline Bronzati, André Ítalo Rocha, Wilian Miron, Circe Bonatelli e Gabriel Baldocchi

Campanha ‘Fica, Brandão’ cresce no BB e no governo

Enquanto o nome do presidente da Caixa Seguridade, Eduardo Dacache, espera que o Palácio do Planalto bata o martelo para que o executivo assuma o comando do Banco do Brasil, cresce nos bastidores uma campanha para manter André Brandão na presidência da instituição. Os esforços foram retomados na sexta-feira e intensificados no fim de semana. Dentre os apoiadores, estariam o ministro da Economia, Paulo Guedes, funcionários do BB (incluindo vice-presidentes), além do próprio conselho de administração do banco. Como em toda troca de comando em empresa pública, há uma disputa política envolvida. O nome de Dacache seria visto com restrições no BB, por ele ser próximo de Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal.

» Pavio. Guimarães teria acendido o estopim da crise do Planalto com Brandão, ao manifestar a intenção de abrir 400 agências da Caixa, logo após o BB anunciar o plano de fechar 112. Além disso, as aberturas da Caixa seriam voltadas ao agronegócio, setor dominado pelo BB.

» No front. A campanha para manter Brandão no cargo é amparada pela sensação, crescente no governo, de que o trabalho de Rubem Novaes, o antecessor de Brandão, começa a dar resultado agora. Portanto, não seria o momento da nova mexida. A batalha acontece em duas frentes: demover Bolsonaro da demissão e convencer Brandão a ficar.

» Da casa. Corre por fora uma solução de continuidade, com a possibilidade de um dos vice-presidentes assumir a instituição. Entre eles Mauro Ribeiro Neto, vice-presidente corporativo, e Carlos Motta, vice-presidente de varejo. Procurado, o Banco do Brasil disse que a escolha do presidente da instituição cabe ao controlador, a União. A Caixa não respondeu.

» Nos cobres. Em recuperação judicial, a Renova Energia recebeu mais de 15 consultas de empresas e fundos

interessados em comprar sua participação de 51% na Brasil PCH e de 100% na Expra, avaliadas em R$ 1,2 bilhão. A venda é fundamental para o plano da empresa, que prevê levantar R$ 1,7 bilhão com esses e outros ativos ainda este ano.

» No mapa. Caso consiga se desfazer das participações, a Renova praticamente destravará sua recuperação, que tem dívidas de R$ 2,6 bilhões. A Brasil PCH tem 13 usinas em Minas, Goiás, Rio e Espírito Santo. Já a Expra abriga hidrelétricas que fazem parte do Complexo Serra da Prata, no Sul da Bahia.

» No ar. Os projetos de geração eólica da Renova também têm motivado consultas de eventuais compradores. Um deles pode ir a leilão no primeiro semestre. A empresa tem procurado marcar certames assim que recebe uma proposta firme.

» Seção tijolos. O ambiente de juros baixos tem mantido o mercado imobiliário firme, a despeito dos impactos provocados pela pandemia. A cidade de São Paulo registrou 13.483 operações de compra e venda de imóveis em janeiro de 2021, o que representa alta de 13,6% em comparação com janeiro de 2020. No entanto, houve queda de 4,4% em comparação com dezembro, mês tradicionalmente mais aquecido.

» Maravilhosa. A cidade do Rio de Janeiro, por sua vez, apresentou 4.086 operações de compra e venda em janeiro, alta de 10,5% ante o primeiro mês de 2020 e também queda de 10,6% em comparação com dezembro. Os dados são do Registro de Imóveis do Brasil, entidade que congrega associações estaduais que representam 3,2 mil cartórios de registros de imóveis no País.

» Digital. Embora ainda pouco utilizado para compras pela internet, o Pix tem sido uma das principais formas de pagamento dos usuários da Buser, plataforma que viabiliza viagens de ônibus em empresas de fretamento. O meio é usado em 20% dos pagamento recebidos pela companhia, que economizou em taxas bancárias R$ 50 mil por mês.

» Vende lenços. A vacina contra o covid-19 tem contribuído para movimentar os fornecedores da indústria farmacêutica. O grupo indiano ACG vendeu 67 milhões de toneladas de filmes plásticos usados no envase do imunizante que será produzido por Biomanguinho/fiocruz. A entidade tem parceria para fabricação da vacina da Astrazeneca/oxford.

» Efeito colateral. Com o pedido, o grupo espera que a fábrica de embalagens, em Cotia (SP), encerre o ano com crescimento de 20% na produção e 30 novos funcionários, além dos atuais 140. A unidade também atende a indústria alimentícia e outras demandas farmacêuticas.

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Coluna - Eliane Cantanhêde

Fachin bagunça o coreto

Tudo se encaminhava para a anulação das condenações de Lula, mas Fachin pegou um atalho. Lula e Bolsonaro agradecem.

Tudo já caminhava para a anulação das condenações e o resgate da elegibilidade do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva para 2022, mas o ministro Edson Fachin arranjou um atalho e chegou direto lá. E justamente no dia em que o presidente Jair Bolsonaro reclamou, enigmático, que “alguns estão se excedendo”. Ganha Lula, de volta ao palanque, ganha Bolsonaro, com o pretexto e o desvio do foco na pandemia, e ganha, enfim, a polarização que tantos prejuízos causa ao País.

“Eu quero paz, tranquilidade, democracia, respeito às instituições, mas... alguns estão se excedendo”, disse Bolsonaro depois de falar no “meu Exército” e horas antes da decisão monocrática de Fachin. Referia-se a outras questões, como lockdown e toque de recolher na pandemia, e a ameaça velada era a outros atores, como governadores e prefeitos. Mas a decisão de Fachin pode servir de pretexto...

Indiretamente, isso remete à “advertência” do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, na véspera de uma decisão do mesmo Supremo sobre a prisão do mesmo Lula. Mas com uma diferença: em 2018, Lula era forte e o objetivo era tirá-lo do páreo para a Presidência; para 2022, o Planalto considera Lula o melhor adversário para Bolsonaro.

Logo, se o Comando do Exército liberou seu comandante e sua conta no Twitter para tentar impedir a soltura e a candidatura de Lula há três anos, hoje, ao contrário, há uma dissimulada

comemoração no governo do capitão e dos generais. “O melhor oponente do presidente é o Lula! Sem estresse”, reagiu uma das chamadas “altas fontes” do governo ontem.

O processo em curso no Supremo começou com a liberação, para a defesa de Lula, dos diálogos dos procuradores da Lava Jato de Curitiba com o então juiz Sérgio Moro. Foi o start para, depois, declarar a suspeição de Moro e anular as condenações de Lula – primeiro pelo triplex do Guarujá, pelo qual ele foi preso, e depois pelo sítio de Atibaia, pelo qual foi condenado em duas instâncias. O gran finale seria a elegibilidade para 2022.

O preço, porém, sairia caríssimo: a anulação em cascata das condenações e prisões dos demais implicados e até dos R$ 4 bilhões devolvidos por corruptos de diversas estirpes aos cofres públicos. Fachin facilitou as coisas, logo ele que une duas personas aparentemente inconciliáveis: uma tem vínculo de alma com o ex-presidente Lula, outra tem sido voto certo pró-lava Jato. Assim, sua decisão beneficia Lula, mas tenta preservar a Lava Jato.

Após anos, Fachin decidiu que, como os processos de Lula não envolviam só a Petrobrás e não tinham a ver com Lava Jato, não eram de competência da 13.ª Vara de Curitiba e, sim, da Justiça Federal no DF. Pronto. Tudo que se refere a Lula volta à estaca zero, mas o STF não precisa, por “perda de objeto”, decretar a suspeição de Moro – que seria a morte da Lava Jato. A dúvida é se Gilmar Mendes vai deixar por isso mesmo.

Para além das formalidades e atalhos jurídicos – que ainda têm muito chão, já que a decisão de Fachin foi monocrática –, o efeito mais explosivo é político. Com Lula, a eleição de 2022 é uma. Sem ele, é outra. Se Bolsonaro é absurdo e perigoso na pandemia e em tudo, ainda conta com firmes seguidores e com a alta rejeição a Lula para repetir 2018: ruim comigo, pior com ele! Ontem, teve duas vitórias: a pandemia em segundo plano e as Bolsas em queda por ojeriza a Lula.

Resta saber, agora, se o PT e as esquerdas vão finalmente cobrir o inacreditável vácuo de oposição e se o tal centro, tão difuso, desconjuntado, tem como cavar algum espaço entre Lula e Bolsonaro. Fachin bagunçou o coreto eleitoral, bem na hora mais dramática da pandemia e do próprio Bolsonaro. Lula e Bolsonaro agradecem penhoradamente.

Lula de volta desvia o foco na pior hora da pandemia e do próprio Bolsonaro

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O Globo

Para destravar auxílio

Bolsonaro admite fatiar proposta para preservar policiais do ajuste fiscal

Julia Lindner, Geralda Doca e Manoel Ventura

Pressionado pela chamada bancada da bala, o presidente Jair Bolsonaro admitiu ontem a possibilidade de fatiar a proposta de emenda à Constituição (PEC) que destrava o pagamento do auxílio emergencial para preservar policiais e outros profissionais de segurança de medidas de ajuste fiscal previstas no projeto, como o congelamento de salários. Segundo Bolsonaro, a concessão é necessária para que a matéria não seja rejeitada na Câmara dos Deputados. A estratégia traçada com o relator do texto, deputado Daniel Freitas (PSL-SC), permitiria retirar pontos sensíveis sem forçar uma nova análise do Senado, onde a proposta foi aprovada semana

passada, o que atrasaria a liberação do benefício. Para analistas, as negociações correm o risco de abrir brechas para outras rodadas de flexibilização. - A PEC ideal é aquela que vai ser aprovada pela Câmara. E tinha problemas ali na Câmara. Eu sou presidente, não devo interferir. Mas conversei com o relator, com o (presidente da Câmara) Arthur Lira (PP-AL)... A bancada da segurança, que tem mais ou menos 50 parlamentares, queria mudanças. Da minha parte, falei com o relator que ele poderia correr o risco de não conseguir aprovar se não mexesse em três artigos - afirmou Bolsonaro, em entrevista na entrada do Palácio da Alvorada. Como O GLOBO revelou ontem, deputados bolsonaristas trabalharam ao longo de todo o fim de semana para relaxar efeitos fiscais da proposta e poupar policiais das mudanças. O texto, no entanto, não cita nenhuma categoria. Assim, alterar a redação para especificar que as medidas de ajuste não afetarão as forças de segurança faria com que o texto voltasse ao Senado. Para evitar esse atraso, o caminho articulado é tirar da proposta todas as citações a proibição de aumento de salários em momentos de crise. Na prática, isso reduziria o potencial de controle de gastos previstos na PEC. Além disso, deputados defendem excluir a determinação para reduzir o total dos benefícios fiscais, que deveriam ser cortados de cerca de 4% do PIB hoje para 2% em oito anos. Também está em estudo retirar a revogação da Lei Kandir, que compensa perdas para estados exportadores. A equipe econômica defende a aprovação do texto conforme aprovada pelo Senado.

Risco às reformas Ao comentar o plano, Bolsonaro citou que seriam suprimidos três artigos da proposta, sem citar quais. Segundo ele, seria criada uma PEC paralela - ou seja, uma nova proposta com trechos excluídos do texto principal. - Vale lembrar que essas emendas supressivas não voltam ao Senado. Essas três ficam de fora, e pode ser criada uma PEC paralela e tramitar normalmente como outra PEC qualquer - explicou. Nos bastidores, técnicos legislativos afirmam que essa proposta poderia conter as mudanças defendidas pela bancada da bala e poderia ser votada após a promulgação da proposta principal. O novo aceno de Bolsonaro a uma categoria de apoiadores indica que o governo fica mais suscetível a pressões que podem inviabilizar as reformas econômicas mais à frente, segundo analistas. - O grande problema dessas concessões, além de elas atrasarem a tramitação de outros pontos importantes, é que também fazem com que o governo fique cada vez mais vulnerável. Começa a ficar mais difícil fazer políticas que tenham efetividade dentro do governo, porque a gente sabe que, na primeira pressão, Bolsonaro cede e faz o que os grupos de interesse querem - afirma a professora de economia do Insper Juliana Inhasz. Para a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, a medida deve ter efeitos no mercado financeiro: - Se a gente já vê a Bolsa tropeçando aí pelos mais diversos fatores, esse tipo de atitude não ajuda,

deixa o mercado mais volátil e mostra que a agenda liberal do Bolsonaro está muito comprometida com atitudes bastantes populistas. A votação da proposta na Câmara está prevista para amanhã. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou a aliados no domingo que pode até aceitar um acordo pela alteração, desde que não haja uma desfiguração completa da proposta original. Apesar das declarações de Bolsonaro, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que vai trabalhar para manter o texto da PEC aprovado pelo Senado. Ele admitiu que várias corporações estão fazendo pressão junto aos deputados para ficarem de fora das amarras fiscais da proposta, como policiais, próximos a Bolsonaro, e auditores da Receita Federal, mas considerou esses movimentos legítimos. - Não podemos impedir que eles façam isso, mas eu vou trabalhar para manter o texto do Senado - comentou Barros, ao ser indagado sobre as declarações do presidente.

Novo cronograma Barros disse ainda que o assunto será discutido na reunião de líderes, marcada para hoje de manhã. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), também afirmou a estratégia é manter o texto do Senado: - Essa é a nossa luta. Por isso, vamos levar a proposta direto para o plenário da Câmara. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), lembrou que Bolsonaro está repetindo o que fez na reta final da reforma da Previdência, quando quis deixar de fora das mudanças os profissionais da área de segurança. - Isso é agir contra a responsabilidade fiscal. Criar exceções é perigoso, porque pode abrir a porteira para outras corporações. Se mudar na Câmara, vai mudar no Senado. Temos que ter juízo e aprovar o texto aprovado pelo Senado - disse o parlamentar, que presidiu a comissão especial da reforma da Previdência. Caso haja mudanças na Câmara e retorno do texto ao Senado, o cronograma de pagamento do auxílio emergencial deve mudar. Hoje, o plano é iniciar os repasses para beneficiários do Bolsa Família no dia 18 de março e pagar aos demais trabalhadores na última semana do mês. Com o eventual atraso, essa ordem seria invertida: o pagamento começaria no fim do mês para quem não faz parte do programa social, e os inscritos no Bolsa Família receberiam o auxílio a partir da segunda quinzena de abril.

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Valores serão de R$ 175, R$ 250 e R$ 375, diz Guedes

Quantia vai depender da situação da família. Mães solo receberão mais

ManoelVentura e Daniel Gullino

O ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou ontem os valores do auxílio emergencial que será pago este ano. De acordo com o ministro, a quantia vai depender da situação da família. Em média, o valor será de R$ 250. Mães solo receberão R$ 375; homens que moram sozinhos, R$ 175;

e casais, R$ 250. O ministro não esclareceu, porém, os casos de casais com filhos. - Esse é um valor médio (R$ 250), porque, se for uma família monoparental dirigida por uma mulher, são R$ 375. Se for um homem sozinho, são R$ 175. Se for um casal, os dois, aí já são R$ 250. Nós só fornecemos os parâmetros. A decisão da amplitude é do Ministério da Cidadania - disse Guedes, no Palácio do Planalto, sem entrar em maiores detalhes. O governo deve pagar pelo menos quatro parcelas. A expectativa é começar a transferência dos recursos ainda neste mês. Mas, para isso, é necessário que o Congresso aprove a proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que destrava o pagamento do benefício.

Detalhes em MP O Senado já aprovou a proposta, e a Câmara deve analisar o texto nesta semana. A proposta não estabelece um valor do pagamento, mas fixa um limite de R$ 44 bilhões para os gastos totais com o benefício. Os detalhes constarão de uma medida provisória (MP) a ser editada assim que a PEC for promulgada pelo Congresso. O Ministério da Cidadania publicará uma portaria no Diário Oficial da União com os detalhes do cronograma de pagamento. Nessa nova rodada, deverão ser mantidos os mesmos critérios de renda para acessar o auxílio, de meio salário mínimo por pessoa da família (R$ 550) e de até três salários mínimos (R$ 3,3 mil). Os dois requisitos serão aplicados de forma conjunta, ou seja, uma família de apenas três pessoas com renda de até três pisos não poderá ser beneficiada. Além disso, não terão direito ao auxílio pessoas que recebem algum tipo de benefício do governo, como aposentadoria, pensão, benefício de prestação continuada (BPC) e seguro-desemprego, além de trabalhadores com carteira assinada, servidores públicos e militares. No ano passado, o governo pagou cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300 a um custo de cerca de R$ 300 bilhões. O benefício foi pago entre maio e dezembro.

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Dólar fecha na maior cotação desde maio, a R$ 5,77

Decisão de Fachin de anular condenação de Lula leva nervosismo ao mercado, e moeda tem valorização de 1,70%, enquanto Ibovespa recua 3,98%. Analistas temem que Bolsonaro aumente intervenções na economia, de olho em 2022

João Sorima Neto

O risco político voltou ao radar dos investidores ontem e provocou mais um dia de nervosismo no mercado financeiro com a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, que anulou a condenação do ex-presidente Lula no âmbito da Lava-Jato, recolocando-o no jogo político. Analistas temem uma nova polarização entre Bolsonaro e Lula, além de um posicionamento mais intervencionista do presidente, o que pode comprometer o ajuste fiscal e as reformas que estão no Congresso. O resultado foi uma alta de 1,70% no dólar comercial, que encerrou a R$ 5,77, maior patamar do ano. É a maior cotação desde 15 de maio do ano passado, quando, no agravamento da pandemia,

atingiu R$ 5,83. Já a Bolsa caiu 3,98% aos 110.611 pontos. É a maior queda do Ibovespa desde 22 de fevereiro, quando o índice recuou 4,87% após Bolsonaro anunciar a troca do comando da Petrobras, também vista pelo mercado como intervencionista. Para o economista Sergio Vale, da MB Associados, confirmada a decisão de Fachin, é muito provável que Bolsonaro se torne mais intervencionista e estatizante até as eleições de 2022: - Se a decisão se confirmar e Lula sair candidato, a polarização estará instalada entre Bolsonaro e ele. A grande dificuldade será termos um Bolsonaro mais intervencionista, para tentar entregar resultados no ano que vem. Com isso, qualquer tipo de ajuste fiscal será esquecido. Não haverá espaço para acelerar as reformas estruturais no Congresso. juros futuros em alta Vale espera dois anos muito turbulentos: - Se de fato Lula confirmar sua candidatura, a taxa de câmbio vai saltar para R$ 6 ou até mais. Teremos desaceleração dos investimentos, e o crescimento econômico, este ano e no próximo, tende a desaparecer. Todas as principais ações do Ibovespa tiveram baixas expressivas. Os papéis ordinários da Petrobras (ON, com direito a voto) caíram 4,81%, enquanto os preferenciais (PN, sem voto) recuaram 5,76%. Os papéis PN do Itaú perderam 3,18%, e os PN do Bradesco, 3,55%. Já as ações ON da Vale caíram 0,54%. Segundo Pedro Galdi, analista da Mirae Asset Management no Brasil, a reação negativa do mercado esteve diretamente ligada à decisão de Fachin. Galdi avalia que essa ruptura com a Operação Lava-Jato, considerada decisiva contra a corrupção, afeta negativamente a imagem do país, já prejudicada pelas intervenções de Bolsonaro na Petrobras e no setor elétrico. - Pega muito mal para a imagem do país no exterior. A consequência é a perda de credibilidade. Mas a Procuradoria-Geral da República deve recorrer da decisão, que foi monocrática - disse Galdi. O Ibovespa já estava no negativo devido ao avanço do coronavírus no país. Segundo um analista de mercado, a decisão de Fachin pegou os investidores de surpresa. O que estava no radar era a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, e só em relação ao caso do tríplex do Guarujá, disse o analista, que não quis ser identificado. Os juros futuros já haviam aberto em alta, mas esta se acelerou. No fim do dia, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 subiu de 3,80% para 3,955%; a de 2023 foi de 5,41% para 5,72%; e a de 2025, de 6,95% para 7,31%.

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Com novo reajuste, gasolina sobe 54,3% no ano

Petrobras anuncia sexto aumento no preço do combustível na refinaria e o quinto para o diesel antes da troca no comando da petroleira. Governo indica três nomes para o conselho da estatal,

que deve passar a ter duas mulheres Bruno Rosa

A Petrobras anunciou ontem novo reajuste nos preços dos combustíveis na refinaria. A partir de hoje, o valor médio da gasolina sobe cerca de 9%, para R$ 2,84. É o sexto avanço no ano. Desde janeiro, o aumento chega a 54,3%. Movimento similar ocorreu no diesel, com alta de 5,5% anunciada ontem, para R$ 2,86, acumulando alta de 41,5% ao longo de cinco reajustes desde janeiro. Ainda não está claro qual será o impacto para o consumidor final, pois o preço cobrado nas bombas é influenciado por impostos, margem da Petrobras e dos revendedores. Além disso, em um cenário de crise, não se sabe se os postos terão espaço para repassar o reajuste integralmente.

Analistas veem defasagem O novo aumento foi anunciado em meio à saída de Roberto Castello Branco da presidência da estatal. O executivo segue no comando até o dia 20. Em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro criticou os reajustes em meio às pressões de caminhoneiros e nomeou o general Joaquim Silva e Luna para o comando da empresa. A medida foi vista por especialistas como um sinal de interferência, derrubou o valor das ações da empresa na Bolsa e fez parte dos integrantes do Conselho de Administração da estatal pedir para sair. Mas, segundo especialistas, apesar dos reajustes já anunciados, a tendência ainda é de aumento nos preços. Cristiano Costa, analista da consultoria J Global Energy, destaca que o petróleo era negociado ontem acima de US$ 70: - A demanda global está voltando. Os preços no Brasil ainda estão defasados. Segundo dados da Abicom, associação que reúne as importadoras de combustíveis, a diferença dos preços continua. Segundo Sergio Araujo, presidente da Abicom, a defasagem é de 2% (R$ 0,05 por litro) na gasolina e de 3% (R$ 0,10) no diesel. De acordo com a Petrobras, "o alinhamento dos preços ao mercado internacional é fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido, sem riscos de desabastecimento". Após a renúncia de quatro conselheiros indicados pelo governo, a União indicou ontem novos nomes para o conselho da estatal. Além de Joaquim Silva e Luna que já foi sugerido para o cargo de presidente da empresa e membro do conselho no lugar de Castello Branco, foram apontados Márcio Andrade Weber e Murilo Marroquim de Souza. Os dois atuam como consultores e já tiveram passagens na petroleira. Sonia Julia Sulzbeck Villalobos, conselheira da Telefônica, já foi integrante do conselho da estatal até a chegada de Castello Branco. Com a indicação, o conselho poderá ter duas mulheres, pois já contava com Rosangela Torres, indicada pelos empregados. O governo manteve Eduardo Bacellar como presidente do conselho e Ruy Schneider, que já tem um assento. Todos os nomes deverão ser aprovados em assembleia extraordinária ainda sem data marcada para ocorrer.

A União disse que pode realizar mais duas indicações ao conselho, em uma conta que considera a hipótese de Leonardo Antonelli não ter votos suficientes para a recondução ao cargo pelos minoritários.

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TCU: governo perde receita com tributação de megacampos

Auditoria indica que empresas não elevam a produção para pagar menos

Manoel Ventura

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que governo federal, estados e municípios estão perdendo receitas por causa das alíquotas de participações especiais em megacampos de petróleo. As participações especiais são cobranças extras feitas para campos de óleo e gás com alta produção no regime de concessão, que geraram arrecadação de R$ 17,9 bilhões em 2020. Além disso, técnicos do TCU identificaram que empresas não elevam a produção para pagar menos. A auditoria será analisada pelos ministros do TCU, que podem determinar ou sugerir mudanças ao governo. O Brasil tem dois regimes de exploração de petróleo: partilha, voltado para campos do pré-sal; e concessão, mais antigo, voltado para áreas fora da camada pré-sal. As participações especiais valem para campos no regime de concessão com alta produção de óleo e gás. Nesses casos, a auditoria do TCU obtida pelo GLOBO concluiu pela "inadequação" das alíquotas atuais de participação especial para apropriar ao Estado eventuais rendas extraordinárias decorrentes desses campos. As alíquotas vão de 10% a 40%. São cobradas de acordo com a produção trimestral e foram estabelecidas em decreto de 1998, que trouxe os critérios para a cobrança. Naquele ano, o país produzia cerca de 5 milhões de metros cúbicos de óleo por mês. Hoje, o Campo de Tupi, no litoral do Rio, produz sozinho 5,5 milhões de metros cúbicos por mês, dizem os técnicos. "Essa situação de progressão de alíquotas destoante da realidade dos campos gigantes faz com que o país deixe de arrecadar parcela relevante da renda extraordinária gerada por esses campos", diz o texto. Os técnicos do TCU criticam a regra que estabeleceu um limite fixo de produção para início do pagamento de participação especial. As análises indicaram que a produção de vários campos (em terra e mar) se mantinha constante por anos, de modo a ficar abaixo da linha de corte que aciona o gatilho para a cobrança de participação especial. "Esse limite fixo atua como estímulo regulatório perverso, induzindo as concessionárias dos campos a não investir em elevar sua produção caso esteja próxima à primeira faixa de produção que se passa a incidir a participação especial, de modo a se manter abaixo desse limite", diz o TCU. O governo deduz uma série de custos das petroleiras antes de cobrar a participação. O TCU avaliou que o mecanismo de apuração de gastos dedutíveis é "bastante complexo" e que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) não teria capacidade de fiscalização. Técnicos do TCU criticaram o valor do bônus cobrado nos leilões de campos do pré-sal,

considerados altos. Para a área técnica do TCU, o valor elevado pode comprometer a competitividade dos leilões sob o regime, reduzir o resultado ou fazer a licitação fracassar. O Ministério de Minas e Energia disse que não comentaria o relatório. A pasta ressaltou que busca previsibilidade, transparência, competitividade e atração de investimentos, para elevar arrecadação, geração de emprego e renda.

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Lula de volta ao páreo

Fachin anula condenações do ex-presidente

Carolina Brígido e Aguirre Talento

Relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin anulou ontem as condenações do ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba. A decisão, uma das mais importantes sobre a operação tomada em tribunais superiores, mexe também na disputa eleitoral com vistas a 2022 - com seus processos anulados, o petista recupera os direitos políticos e não está mais enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Ao deferir um pedido da defesa de Lula, Fachin entendeu que não foi provado vínculo entre as vantagens que teriam sido recebidas pelo ex-presidente e os desvios ocorridos na Petrobras e, portanto, o juízo de Curitiba, responsável por apurar os crimes que lesaram a estatal, não tinha competência para receber as acusações contra o ex-presidente. O ministro anulou as condenações e as denúncias apresentadas e determinou que os processos passem a correr na Justiça Federal do Distrito Federal. A decisão de Fachin não precisa ser submetida ao plenário, mas o procurador-geral da República, Augusto Aras, já determinou à sua equipe que prepare um recurso contra a decisão - que pode ser um pedido de reconsideração a Fachin ou de análise pelo colegiado. O assunto está sob responsabilidade da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, responsável pelos casos da Lava-Jato perante o STF. Em sua decisão, Fachin afirmou que a Justiça Federal do Distrito Federal deveria ter feito isso desde o início. Além de anular as condenações de Lula nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, ficam sem valor as denúncias oferecidas nas ações da sede do Instituto Lula e da que trata de doações da Odebrecht ao instituto. O ministro lembrou que em outras ações da Lava-Jato o STF já decidiu que a vara de Curitiba não tinha competência para receber as ações. Ele citou o inquérito contra a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, no caso Consist, e a ação conhecida como "quadrilhão do MDB" como exemplos. Os casos de Lula voltam agora à fase de investigação e serão distribuídos para um juiz da Justiça Federal do DF, que poderá "convalidar" as provas levantadas em Curitiba - ou seja, poderá aproveitar parte da investigação já feita (leia mais na página 6).

Casos semelhantes Nas ações penais envolvendo Lula, assim como em outros processos julgados pelo plenário e pela Segunda Turma, os supostos atos ilícitos não estavam relacionados apenas a Petrobras, mas também outros órgãos da administração pública. Fachin explicou que a Segunda Turma tem enviado à Justiça Federal do Distrito Federal casos semelhantes às investigações contra Lula. O

ministro tem um histórico de decisões a favor da Lava-Jato e de negar recursos da defesa do ex-presidente. Na decisão de ontem, ele afirmou que estava se baseando em jurisprudência da Corte e disse não olhar para coloração partidária. "As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Com as recentes decisões proferidas no âmbito do STF, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário". O ministro lembrou que casos sem ligação direta com a Petrobras foram distribuídos não apenas para outros juízes do país, mas também para outros ministros do STF, em caso de políticos com direito ao foro especial. "Friso, nesse passo, essa limitação que se torna relevante ao caso presente. Foi com essa perspectiva que, tendo recebido mais uma centena de inquéritos, determinei a redistribuição de mais de cinco dezenas a outros Ministros deste Tribunal, por livre distribuição", anotou o ministro. No caso de Lula, o Fachin considerou esse mesmo aspecto: "Restou demonstrado que as condutas atribuídas ao paciente não foram diretamente direcionadas a contratos específicos celebrados entre o Grupo OAS e a Petrobras S/A, constatação que, em cotejo com os já estudados precedentes do Plenário e da Segunda Turma do STF, permite a conclusão pela não configuração da conexão que autorizaria, no caso concreto, a modificação da competência jurisdicional". Fachin argumentou que este questionamento específico da defesa de Lula só tinha chegado neste recurso, protocolado em novembro do ano passado, para justificar porque só agora enfrentava esse tema. A defesa do ex-presidente avaliou que a decisão comprova uma tese defendida pelos advogados há cinco anos, mas não repara danos causados ao ex-presidente. Em nota assinado pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins, a defesa afirma que questiona a competência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba desde 2016, quando o ex-ministro Sergio Moro ainda era o juiz responsável pelos casos da Lava-Jato. Segundo os defensores, as "absurdas acusações" formuladas contra o ex-presidente pela força tarefa de Curitiba "jamais indicaram qualquer relação concreta com ilícitos ocorridos na Petrobras e que justificaram a fixação da competência da 13ª. Vara".

Danos irreparáveis "A decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos nessa longa batalha jurídica, na qual nunca tivemos que mudar nossos fundamentos para demonstrar a nulidade dos processos e a inocência do ex-presidente Lula e o lawfare que estava sendo praticado contra ele", diz a nota, citando o conceito de lawfare, quando há uma perseguição política de integrantes do Judiciário contra uma pessoa. Segundo os advogados, porém, a decisão não repara danos que foram causados a Lula, como os 580 dias de prisão e a perda de direitos políticos motivados por condenação em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá, no litoral de São Paulo. "A decisão, portanto, está em sintonia com tudo o que sustentamos há mais de cinco anos na

condução dos processos. Mas ela não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro", diz a nota.

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Gilmar Mendes quer julgar suspeição de Moro

Decisão de Fachin sobre processos de Lula derrubou também análise de possível parcialidade do ex-juiz. Surpreendido, ministro cogita ignorar decisão de colega e levar debate à Segunda Turma do Supremo

Carolina Brígido]

O ministro Gilmar Mendes afirmou a interlocutores sua intenção de passar por cima da decisão de Edson Fachin e levar em breve para julgamento na Segunda Turma a ação que questiona a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução de processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O movimento explicitaria uma disputa interna que há na Corte sobre a Operação Lava-Jato. Gilmar foi surpreendido ontem por Fachin - assim como os demais integrantes da Corte. A decisão não apenas anulou condenações de Lula, mas declarou que a ação sobre a suposta parcialidade de Moro não seria mais julgada. O ministro e seus aliados no Supremo consideram que o relator da Lava-Jato ignorou a Segunda Turma ao tomar sozinho uma decisão que esbarrou na que seria resolvida em colegiado - a análise do recurso já começou, e Gilmar está com o processo por ter pedido vistas.

Maior alcance Se Gilmar levar o plano adiante, a Segunda Turma vai decidir, primeiro, se continuará o julgamento sobre a suspeição de Moro ou se a decisão de Fachin impedirá que o caso continue tramitando. A colegas, Fachin revelou que a decisão que anula processos de Lula foi uma tentativa de salvar a Lava-Jato. Isso porque o ministro declarou somente que a 13ª Vara Federal de Curitiba, então comandada por Moro, não tinha atribuição de julgar os processos contra Lula. O julgamento do recurso que questiona a parcialidade de Moro teria um alcance muito maior. Se o ex-juiz fosse considerado parcial para conduzir os processos - o que provavelmente aconteceria na Segunda Turma -, todos os atos processuais contra Lula e contra outros investigados poderiam ser anulados. Seria como jogar pelo ralo todo o trabalho da Lava-Jato de Curitiba. Na turma, Fachin já tinha votado a favor de Moro. Gilmar tinha dado a entender que votaria contra o ex-juiz. Ou seja, os ministros estavam em times opostos. Enquanto o primeiro tentava salvar a Lava-Jato; o segundo tinha a intenção de dar um basta à "República de Curitiba", como costuma se referir aos investigadores da capital paranaense. Enquanto isso, há a expectativa de que a decisão de Fachin que salvou Lula - e, por tabela, Moro - seja levada a plenário. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já anunciou que recorrerá da decisão. Se Mendes levar o caso Moro antes para a turma, será também uma forma de se medir a temperatura do tribunal em torno da polêmica. A discussão na Segunda Turma sobre a validade ou não da decisão de Fachin de cancelar o julgamento sobre a suspeição de Moro dará o tom do

que pode acontecer em plenário. Na Segunda Turma, Cármen Lúcia concordou com Fachin e votou pela imparcialidade de Moro. Lewandowski concordou com Gilmar Mendes nas discussões e deu a entender que votaria também pela anulação dos processos que estavam nas mãos de Moro. A expectativa era de que Nunes Marques se somassem aos dois últimos, cravando a derrota de Moro. Na discussão em plenário, haveria outros seis ministros - portanto, a votação seria mais diluída do que na Segunda Turma. Fachin considera mais fácil manter sua decisão em plenário. Ontem mesmo, depois de ter divulgado a decisão que salvou Lula, Fachin conversou ao telefone com o presidente do tribunal, Luiz Fux, de quem recebeu apoio. Existem, porém, votos de ministros que nunca se manifestaram sobre o tema, porque são da Primeira Turma, como Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello. Este, afirmou que não se pode "execrar" Moro. Luís Roberto Barroso costuma defender a Lava-Jato. Já Dias Toffoli, que hoje é da Primeira Turma, costumava votar com Gilmar quando era da Segunda.

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Entenda os impactos da decisão de fachin

O que foi decidido? Em resposta a um recurso da defesa de Lula, que questionava a competência da Justiça Federal de Curitiba para avaliar casos envolvendo o ex-presidente, Fachin acatou o argumento de que não houve conexão direta entre desvios na Petrobras e o pagamento de supostas vantagens indevidas a Lula pela empreiteira OAS, por exemplo, nos processos referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia. Em outras palavras, Fachin firmou entendimento de que decisões proferidas por Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba referentes a quatro ações, incluindo os casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, devem perder a validade, por não se tratar do foro adequado. Em julho 2017, ao negar um recurso da defesa de Lula na primeira instância, o então juiz Sergio Moro já havia escrito que "este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".

Qual foi o argumento usado pela defesa de Lula? Os advogados do ex-presidente Lula citaram, em sua petição, um entendimento construído inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) numa questão de ordem de setembro de 2015, "segundo o qual a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância, em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional previstas no ordenamento jurídica", conforme relatou Fachin em sua decisão.

Por que só agora Fachin decidiu? Porque o pedido de habeas corpus foi feito pela defesa de Lula em novembro de 2020, segundo

informa Fachin logo no início de sua decisão. O ministro também explica que esta impetração foi "pela vez primeira assim apresentada" pelos advogados do ex-presidente. Fachin ainda faz a ressalva de que o pedido se refere a situações similares julgadas pelo STF em período recente, nos quais ele mesmo "restou vencido".

Em que pé ficam os processos contra Lula? Fachin determinou a nulidade "apenas dos atos decisórios" tomados nos processos envolvendo Lula - isso é, a apresentação e recebimento das denúncias e o julgamento propriamente dito. Em sua decisão, o ministro do STF escreveu que "o juízo competente (deve) decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios" - ou seja, a Justiça Federal do Distrito Federal, apontada como foro competente para os casos envolvendo Lula, terá que decidir se confirma a validade de outros atos no processo, incluindo os depoimentos tomados por Moro em Curitiba e também as provas obtidas por meio de buscas e quebras de sigilo autorizadas pelo então juiz. Um sorteio definirá o novo juiz do caso.

Lula volta a ser ficha limpa? Sim. Como os processos em que Lula havia sido condenado em segunda instância foram anulados, o ex-presidente volta a ter sua elegibilidade permitida pela Lei da Ficha Limpa. No entanto, caso uma nova denúncia seja apresentada contra o ex-presidente e julgada em primeira instância, e depois confirmada em segunda instância, antes do período de registro de candidaturas das eleições de 2022, Lula pode ficar inelegível novamente. Cabe recurso à decisão de Fachin? A Procuradoria-Geral da República já disse que vai recorrer da decisão. Esse recurso pode pedir ao próprio Fachin que modifique seu entendimento ou solicitar que o tema seja levado a julgamento dos demais ministros, seja na Segunda Turma do STF ou no plenário.

A decisão afeta outros casos da Lava-Jato? É possível que sim. Na semana passada, Fachin já havia decidido em outra ação, com base em razões semelhantes às levantadas pela defesa de Lula, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para analisar ilícitos envolvendo a Transpetro. A decisão ocorreu em recurso movido pela defesa dos empresários Germán Efromovich e José Efromovich, que respondem na Justiça pelo suposto pagamento de propina e lavagem de dinheiro envolvendo contratos do estaleiro Eisa com a empresa subsidiária da Petrobras. Fachin decidiu remeter o caso também à Justiça Federal do DF. A tendência é que outros casos com teor semelhante investigados pela Lava-Jato de Curitiba, que não envolvem diretamente desvios da Petrobras, sejam levados à Corte com pedidos de incompetência de foro.

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Deltan vê 'reais chances de prescrição' em processos

Ex-chefe da Lava-Jato em Curitiba afirma que provas contra ex-presidente são 'consistentes'

Cleide Carvalho e Gustavo Schmitte

Fora do comando da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba desde setembro, o procurador Deltan Dallagnol afirmou ontem que vê "reais chances de prescrição" nos processos que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STTF) Edson Fachin que anulou todas as condenações do petista na operação. "Processos envolvendo o ex-presidente serão retomados em breve, mas com reais chances de prescrição. Nada disso, contudo, apaga a consistência dos fatos e provas", disse. Acusações de corrupção prescrevem em 16 anos se a Justiça não aceitar denúncia apresentada pelo Ministério Público, segundo advogados consultados pelo GLOBO. Como Lula tem mais de 70 anos, esse prazo cai pela metade. As ações do sítio de Atibaia e do tríplex do Guarujá, sobre fatos ocorridos até 2014, prescreverão no ano que vem se eventual denúncia do MPF do Distrito Federal não for aceita. Nos casos de Lula, as acusações de lavagem de dinheiro prescreverão em 2024. Deltan Dallagnol afirmou ainda que provas levantadas contra Lula são "consistentes". Após comentar a decisão de Fachin, chamou a atenção para "retrocessos" no combate à corrupção.

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Sorteio definirá se Lula terá juiz 'linha-dura' ou 'garantista'

Magistrados da Justiça Federal do DF já deliberaram sobre Eduardo Cunha e Temer

Aguirre Talento

Será definido por sorteio qual juiz federal do Distrito Federal receberá as ações penais da Lava-Jato contra o ex-presidente Lula. A distribuição indicará se o petista será julgado por um magistrado com histórico "punitivista" ou por um de viés mais "garantista". O envio do caso para o DF - onde há duas varas especializadas em lavagem de dinheiro, a 10ª e a 12ª - foi determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin ao anular as condenações do petista. A 10ª Vara da Justiça Federal tem histórico mais linha-dura na análise de casos de corrupção. Atuam na repartição os juízes Vallisney de Oliveira, titular; e Ricardo Leite, substituto. O primeiro, inclusive, já tornou Lula réu em uma ação de corrupção passiva na Operação Zelotes e impôs duras condenações em outros processos dessa mesma operação. Vallisney também foi responsável por condenar o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) a uma pena de 24 anos de prisão.

Decisões duras Leite absolveu Lula em uma acusação de obstrução das investigações da Lava-Jato decorrente da delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral, mas proferiu outras decisões duras, como determinação da suspensão do funcionamento do Instituto Lula.

O juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara da Justiça Federal, é considerado de perfil mais garantista. Em outubro de 2019, ele absolveu o ex-presidente Michel Temer (MDB) da acusação de que atuou para obstruir as investigações da Lava-Jato, com base na gravação feita pelo empresário Joesley Batista: "A prova sobre a qual se fia a acusação é frágil e não suporta sequer o peso da justa causa para a inauguração da instrução criminal", registrou o juiz em sua sentença. A juíza substituta da 12ª Vara Federal, Pollyanna Kelly, tem um perfil rígido na aplicação da lei penal. Ela autorizou diversos mandados de prisão em investigações sobre desvios no Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Em novembro de 2018, a juíza aceitou denúncia movida pelo Ministério Público Federal sobre a existência de uma organização criminosa no Ministério do Trabalho, descoberta na Operação Registro Espúrio, e tornou réus o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) e outros 19 acusados de envolvimento no caso. Às varas do DF serão distribuídas quatro ações: tríplex do Guarujá, sítio de Atibaia, sede do Instituto Lula e doações ao Instituto Lula. A decisão de Fachin, entretanto, não deixou claro se os quatro processos deverão ficar com um mesmo juiz ou se eles serão distribuídos livremente para qualquer um dos quatro magistrados .

Destino imprevisível Em sua decisão, Fachin diz que os juízes poderão escolher reaproveitar atos processuais tomados pela 13ª Vara Federal de Curitiba ou reiniciar totalmente a instrução das ações penais. Com isso, é imprevisível o destino que os processos terão. As ações deverão ser enviadas nos próximos dias.

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Planalto vê clima de 'Fla-Flu' novamente para eleições de 2022

Polarização entre Bolsonaro e o PT dificulta o cenário para uma terceira via, como Doria, Huck, Ciro e Mandetta

Jussara Soares, Julia Lindner e Leandro Prazeres

A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegível novamente devolve o clima político mais acirrado para as eleições de 2022, avaliam integrantes do primeiro escalão do governo Jair Bolsonaro. Para auxiliares do Palácio do Planalto, o parecer de Fachin, embora criticado, restabelece a polarização, o que é favorável para a narrativa tanto de Bolsonaro quanto de Lula. "Decretaram um FLA x FLU monocraticamente", escreveu o ministro das Comunicações, Fábio Faria, no Twitter. A expressão, comparando ao clássico do futebol carioca, foi usada por outros integrantes do governo para definir o clima político. Para outros dois ministros ouvidos pelo GLOBO, a decisão de Fachin impôs uma derrota antecipada ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao ex-ministro Ciro Gomes (PDT), ao ex-ministro Sergio Moro, e ao apresentador Luciano Huck, apontados como uma terceira opção para 2022. Para aliados de Bolsonaro, a polarização com Lula diminuem as chances de uma candidatura ao

centro. Huck e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), que também tenta se cacifar, criticaram a volta de Lula ao páreo. Nas análises preliminares de interlocutores do governo, o presidente também tende a sair fortalecido, uma vez que a volta de Lula ao cenário político reforça o seu discurso antipetista, que o ajudou a se eleger ao Planalto em 2018. Após a decisão de Fachin, Bolsonaro, que vinha evitando a imprensa em meio ao recrudescimento da pandemia, deu declarações a emissoras de televisão ao chegar no Palácio da Alvorada. Ele disse acreditar que o povo brasileiro não quer ter Lula como candidato em 2022. Bolsonaro afirmou que podem até existir suposições sobre o caso envolvendo o sítio de Atibaia e o tríplex no Guarujá, mas que a gestão de Lula no comando do país foi "catastrófica". Bolsonaro insinuou que Fachin decidiu anular as condenações do ex-presidente por possuir "uma forte ligação com o PT". - Qualquer decisão dos 11 ministros (do STF) é possível prever o que eles pensam. O ministro Fachin sempre tinha uma forte ligação com o PT, então não nos estranha uma decisão nesse sentido. Foi uma decisão monocrática. Vai ter que passar pela turma ou pelo plenário para que tenha a devida eficácia - disse ele. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), expoente do Centrão, questionou se a decisão pretende beneficiar Lula ou o ex-juiz Sergio Moro. "Lula pode até merecer. Moro, jamais!", escreveu ele no Twitter, em referência indireta à possibilidade de o julgamento sobre suposta parcialidade de Moro não mais acontecer.

Críticas ao PT Bolsonaro disse que "todo mundo foi surpreendido pela decisão" e reforçou críticas ao PT: - Todo mundo foi surpreendido por isso daí, afinal de contas as bandalheiras que esse governo fez estão claras perante toda a sociedade. Você pode até supor, né, a questão do sítio em Atibaia e o apartamento (no Guarujá), mas você tem coisas como desvios no BNDES e desvios enormes na Petrobras. Foi uma gestão catastrófica do governo do PT. Em seguida, o presidente disse acreditar que o povo brasileiro não quer a candidatura de Lula. - A bolsa foi lá para baixo e o dólar foi para cima. Ou seja, todos nós sofremos com uma decisão como essa aí. Agora espero que a turma do STF reestabeleça o julgado - disse. Depois, em entrevista a um canal de TV, Bolsonaro disse que a decisão de Fachin pode levar descrédito ao Judiciário: - Não sei o que vai acontecer, mas será um descrédito para a Justiça e é muito ruim para o Brasil. Porque a partir do momento em que você diga que o Lula... que foi tudo anulado no tocante a ele... é sinal que não teve Petrolão, que não houve roubalheira em várias estatais e bancos estatais, apesar de delatores terem, em delações premiadas, terem devolvidos mais de R$ 2 bilhões para o Tesouro.

Questionado, Bolsonaro disse que não teme enfrentar Lula nas eleições presidenciais de 2022, mas voltou a defender a adoção do voto impresso em complemento ao voto eletrônico.

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Petistas acreditam que Lula será candidato à Presidência

Partidos de centro-esquerda acham difícil uma aliança no primeiro turno

Sergio Roxo e Paulo Capelli

Dirigentes e lideranças petistas acreditam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumirá o posto de candidato do partido à Presidência depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin anulou as condenações na Lava-Jato. Partidos de centro-esquerda elogiaram a decisão, mas acham difícil uma aliança. Aliados apostam, porém, que Lula não fará isso imediatamente, para manter o cenário eleitoral incerto para os adversários. A vaga de pré-candidato do PT vinha sendo ocupada pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que já declarou em entrevistas que se Lula se livrasse da inelegibilidade, ele é que deveria disputar o Planalto em 2022. O senador Jaques Wagner (PT-BA) diz que as "torcidas do Flamengo e do Corinthians" querem Lula na urna. - Eu quero que seja ele. Essa passou a ser uma decisão dele. Se quiser, não tem discussão no PT, ele será candidato. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, faz mistério sobre os planos de Lula , mas diz que o "resgate dos direitos políticos" dão a ele "outra dimensão no processo político". - Não discutimos 2022 hoje (ontem) com Lula. Agora é hora de comemoração. Lula sempre foi o nosso candidato, mas isso depende dele. Antes dessa decisão do STF, o que Lula falava era que queria viajar o Brasil. Sobre candidatura, não conversamos recentemente. Secretário nacional de comunicação do partido, o ex-deputado Jilmar Tatto acredita que Lula deve ser o candidato. - Vamos continuar correndo o Brasil apresentando o nosso plano de reconstrução, tanto com o Lula como com o Haddad. O Lula agora é elegível. Só não será candidato se não quiser - diz. Reservadamente, mais lideranças defenderam a candidatura de Lula. Além da decisão de Fachin, os dirigentes do PT se dizem animados com a pesquisa do Ipec, novo instituto da ex-diretora do Ibope Márcia Cavallari, divulgada no domingo pelo jornal "O Estado de S. Paulo", que mostrou o ex-presidente com potencial de voto melhor do que o de Jair Bolsonaro. De acordo com o instituto, Lula tem ainda a menor rejeição entre os nomes testados. Os petistas avaliam que, com a entrada de Lula na corrida presidencial, dois dos outros pré-candidatos de partidos de esquerda deixariam a disputa. Para eles, Guilherme Boulos (PSOL) e Flávio Dino (PCdoB) não enfrentariam o ex-presidente na urna. Dino, inclusive, já deu declarações nesse sentido. Na esquerda, sobraria como adversário o seu ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que tem adotado um tom duro de críticas a Lula e ao PT.

O ex-presidente já vinha planejando começar a viajar o país após se vacinar contra a Covid-19. Aos 75 anos, Lula faz parte do grupo de risco e contraiu a doença em dezembro, mas tem respeitado a quarentena. Pelo calendário divulgado pelo governo do estado, ele poderá receber a primeira dose da vacina a partir do dia 15. Paralelamente aos planos políticos, o PT deve insistir no julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro. - Essa decisão do Fachin não pode gerar impeditivo para processar Moro. Tem gente dizendo que Fachin tomou a decisão para minimizar efeito sobre a Lava-Jato e a figura do Moro. Ser considerado incompetente é uma coisa, imparcial é outra - afirma Gleisi.

Cautela na esquerda Enquanto o PDT afirma que manterá o plano original de lançar candidatura própria, o PSB reforça a necessidade de cautela, com análise de pesquisas eleitorais. No PSOL, políticos lembram que Lula ainda passará por novo julgamento e que não há como prever o resultado. Presidente nacional do PDT, Carlos Lupi afirma que a candidatura de Ciro Gomes está mantida: - Nada muda no primeiro turno. Teremos Lula e Ciro. No possível segundo turno contra Bolsonaro, estaremos juntos - disse Lupi. Presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira diz que é cedo para definir se o partido caminhará com Lula, com Ciro ou se lançará candidatura própria.

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Entrevista - Silvio Campos Neto

Tendência de turbulência até 2022

Ivan Martinez

A economia brasileira, atingida pela pandemia e pelo avanço lento na agenda de reformas, pode ficar mais desgastada caso haja acirramento da polarização entre Lula e Bolsonaro, diz Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências. Do ponto de vista econômico, quais são os efeitos da decisão do ministro Edson Fachin? Há preocupação com um sucesso eleitoral do ex-presidente Lula, dado que o grupo político que o apoia tem uma visão econômica bastante heterodoxa, crítica às reformas trabalhista e da Previdência, ao teto de gastos. O segundo foco de preocupação é com a polarização, que pode dificultar o surgimento de uma terceira via, que aos olhos do mercado seria uma saída mais interessante. Isso pode inviabilizar a aprovação de reformas como a tributária e a administrativa? São reformas complicadas, que envolvem engajamento do governo e convencimento da sociedade. Um próximo governo Bolsonaro teria as mesmas dificuldades políticas que vemos hoje, e um eventual governo Lula teria dificuldades porque é um grupo político que tem como base de

apoio, por exemplo, movimentos ligados ao funcionalismo público, resistentes a uma reforma administrativa. Na reforma tributária, há disputas entre setores da economia, entre regiões. A dificuldade maior é coordenar politicamente tudo isso. Em um cenário de polarização com Lula, Bolsonaro pode expandir o gasto público? Há duas possibilidades, a de ser mais populista e ter aumento de gastos no momento em que a pandemia ainda exige um suporte maior, mas também a de eventualmente tentar se diferenciar do que seria uma gestão petista. Qual o cenário econômico para os próximos dois anos? A tendência claramente é de turbulência. Temos ainda um ano difícil de pandemia pela frente. No ano que vem, o cenário é de preocupações eleitorais. Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências

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Entrevista - Christopher Garman

Maior risco a reformas vem da pandemia

Ivan Martínez-Vargas

O diretor-executivo da consultoria Eurasia Group para as Américas, Christopher Garman, não espera uma guinada populista de Bolsonaro na política econômica. Ele diz ainda que Lula pode se reaproximar do mercado. Do ponto de vista econômico, quais são os efeitos da decisão do ministro Edson Fachin? Para o mercado, a candidatura de Lula gera um ambiente mais polarizado, e Bolsonaro poderia dar uma guinada de política econômica em um sentido mais populista A segunda avaliação é que há risco de Lula e o PT voltarem ao poder em 2022. Essa combinação levou à queda da Bolsa e à alta do dólar. Apesar disso, não vejo o governo Bolsonaro reagindo de maneira populista, acho que o presidente deve inclusive ter gostado da decisão de Fachin porque ela acirra a polarização e reduz as chances de sucesso de uma campanha de centro nas eleições de 2022. Isso pode afetar a aprovação das reformas tributária e administrativa? O maior risco para essa agenda não está na possível candidatura de Lula, e sim no tamanho da crise sanitária provocada pela pandemia e na queda de popularidade de Bolsonaro. O mercado se preocupa com aumento de gasto do governo? A expansão do gasto social vai depender do quadro sanitário do país. O próprio ministro Paulo Guedes já abriu as portas para essa possibilidade. Não vejo aumento de gastos como fruto de crise política. Como avalia a reação do mercado à volta de Lula ao cenário político? A maior probabilidade da esquerda voltar ao poder é vista como um risco, mas Lula é visto como uma voz moderada dentro do PT, e era visto como um moderado na comparação com Dilma. Lula

pode, sim, fazer uma guinada de aproximação com o setor financeiro e com o mercado, mas isso é lá na frente. A reação inicial dos mercados é colocar mais risco no preço dos ativos, por enquanto.

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Editorial - Fachin devolve Lula ao jogo eleitoral em 2022

Decisão que invalidou condenações do ex-presidente por Moro redesenha também o futuro jurídico da Lava-Jato

O ministro do Supremo Edson Fachin redesenhou ontem não apenas o futuro jurídico da Operação Lava-Jato, mas provocou um abalo político que terá repercussões até 2022. Anulou as decisões do ex-juiz Sergio Moro em quatro processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde a aceitação da denúncia. Decidiu que Moro não tinha competência para julgá-lo nem condená-lo, pois seu escopo de ação estava limitado a suspeitas relacionadas à Petrobras. Despachou à Justiça de Brasília quatro processos que tramitaram em Curitiba e julgou não terem relação alguma com a estatal. Preservou apenas o trabalho de instrução realizado pela polícia e pelo Ministério Público. O novo juiz decidirá o que fazer. Pode nem sequer aceitar as denúncias. O primeiro efeito da decisão se dará no julgamento, na Segunda Turma, do pedido de suspeição de Moro pela defesa de Lula. Fachin deu por extintas as causas alegando parcialidade de Moro. O segundo efeito é que, se a decisão resistir ao recurso da Procuradoria-Geral da República, Lula recuperaria seus direitos políticos e poderia se candidatar em 2022. Não é difícil entender a intenção de Fachin, relator da Lava-Jato e ministro conhecido pela posição favorável à operação. A derrota prevista para o julgamento de Moro na Segunda Turma poderia ter consequências ainda mais nefastas. Primeiro, o processo inteiro contra Lula seria anulado (na decisão, Fachin não anulou as provas colhidas na fase de instrução). Segundo, uma decisão que referendasse promiscuidade entre Moro e os procuradores da Lava-Jato com base na troca de mensagens vazadas ilegalmente poderia ter repercussão em dezenas de outros processos e pôr a perder todo o trabalho da operação. Fachin procurou preservar o que era possível. Ainda que seja um golpe forte na Lava-Jato, a decisão poupa Moro de dores de cabeça futuras, com a repercussão de uma decisão desfavorável da Segunda Turma noutros processos. Nas últimas semanas, Moro vinha sofrendo seguidas derrotas no Supremo no embate para invalidar o uso das mensagens como prova. A decisão de Fachin poderá tornar irrelevante a questão. Em seu voto, Fachin lembra que que, em 2015, quando já se multiplicavam as denúncias sobre o esquema montado na Petrobras, o plenário do Supremo decidiu que o então relator da Lava-Jato, ministro Teori Zavascki, assim como Moro, só receberia casos que envolvessem a Petrobras. Processos que chegaram a ir para Curitiba já foram distribuídos à Justiça de outros estados (caso do que envolve a refinaria Abreu e Lima, retirado de Curitiba e enviado ao Recife). É possível que o plenário do Supremo tenha de referendar a decisão de Fachin, que extrapola o esperado no julgamento de embargos da defesa. Seria uma garantia de maior legitimidade. A principal consequência dela, porém, já está na mesa. A mera possibilidade de Lula se candidatar em 2022 fez derreter os mercados. Isso porque permitiria, em tese, que Jair Bolsonaro repetisse a polarização ideológica que o levou à vitória em 2018, contra o petista Fernando Haddad. Aumenta bastante o desafio para a oposição de centro. É cedo para especular sobre o destino das candidaturas, mas é inegável que Lula é o rival dos sonhos de Bolsonaro - e vice-versa.

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Governo precisa acelerar a compra de outras vacinas imediatamente

É inacreditável, mas o número de doses prometido para março será ainda menor do que o anunciado

Enquanto os sistemas de saúde implodem, sobrecarregados pela fúria do Sars-CoV-2 e de suas variantes, a vacinação não anda. Embora haja problemas logísticos, o grande obstáculo é a falta de vacinas. Apenas 4% dos brasileiros foram imunizados. Mantido o ritmo atual, nem daqui a um ano o país alcançará o patamar desejável. A situação é tão crítica que, em vez de o estoque aumentar, diminuiu. Para março, esperavam-se 46 milhões de doses, mas o governo avisou que só haverá 30 milhões. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não consegue honrar o cronograma que ele próprio anunciou. Entre os motivos, estão atrasos na chegada de insumos da China e de doses compradas na Índia. Os Estados Unidos estão vacinando 2 milhões por dia. Em quatro dias, imunizaram o mesmo que o Brasil em um mês e meio. Se houvesse vacinas suficientes, teríamos capacidade para imunizar pelo menos 1 milhão por dia. Quando se cobra de Bolsonaro uma solução, ele responde com grosserias: "Tem idiota que a gente vê nas mídias sociais, na imprensa, 'vai comprar vacina'. Só se for na casa da tua mãe (sic). Não tem para vender no mundo". Não é bem assim. Só agora, quando corpos se empilham, o governo corre atrás das vacinas de Pfizer, Janssen, Moderna ou Sputnik. Ontem, anunciou 14 milhões de doses da Pfizer até junho. Todas sempre estiveram no radar e foram descartadas. O governo alegou que os contratos eram desfavoráveis e que as farmacêuticas não se responsabilizavam por efeitos adversos. Bolsonaro dizia que vacinados poderiam "virar jacaré". Foi preciso o Congresso entrar no circuito para desatar os nós. O Brasil ficou desabastecido porque o governo não encomendou doses a tempo. Por omissão, viu-se refém de uma única opção - a produção, na Fiocruz, da vacina da AstraZeneca. Não contou com contratempos. Só ontem a Fiocruz anunciou que começaria a fabricação antes prevista para janeiro. Bolsonaro mandou uma comitiva a Israel para ver um spray nasal contra a Covid -19 em fase inicial de testes. O chanceler Ernesto Araújo e a comitiva fizeram um papelão: foram obrigados pelas leis locais a usar máscara, que aqui desprezam. Deveriam era ter se inspirado em Israel, cuja campanha é exemplar, para garantir vacinas suficientes a tempo. Não fosse a CoronaVac, achincalhada por Bolsonaro, teríamos só um quarto dos vacinados até agora. Diante da hesitação do Ministério da Saúde, governadores e prefeitos formam consórcios para comprar vacinas, com aval do Congresso e do Supremo. Não deixa de ser uma saída. Mas a iniciativa louvável não exime o governo federal de sua responsabilidade. Hoje estamos à mercê do vírus. Os mortos passam de 266 mil. Doentes morrem à espera de UTIs. Bolsonaro fala em preservar a economia, mas nunca fez nada para salvá-la. Sabotou as medidas de restrição e as vacinas. O país afunda, o PIB despenca, o desemprego explode, a renda evapora. Até quando? Chega de "mimimi", de "conversinha". O Ministério da Saúde precisa fechar acordos para garantir vacinas a todos os brasileiros. E já.

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Opinião - Vacina, altruísmo e cooperação

Gustavo Binenbojm

Milhões de pessoas têm doenças nos rins e sobrevivem de diálise, à espera de um transplante salvador. Como nascemos com dois rins e podemos viver bem com apenas um deles, a doação em vida é um ato altruísta possível. O problema é que nem sempre existe compatibilidade de quem quer doar com quem precisa receber. O resultado disso era um número ínfimo de transplantes, muito inferior ao de rins disponíveis para doação. Alvin Roth teve uma ideia: e se juntássemos pessoas que gostariam de doar um rim para beneficiar um irmão ou um filho, mas estão impedidos de fazê-lo por uma incompatibilidade? E se fosse possível formar pares compatíveis para doações cruzadas? Eu doo o meu rim para seu irmão, enquanto você doa o seu rim para meu filho, num jogo em que todos ganham. O que antes era um sonho individual irrealizável torna-se real pela via da cooperação coletiva. O programa de doações cruzadas nos Estados Unidos já chegou a realizar 70 transplantes simultâneos e hoje é copiado em todo o mundo. Milhares de pessoas se beneficiaram da genialidade de Al Roth, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, em 2012. Essa história tem muitos pontos em comum com nosso périplo pelas vacinas contra a Covid-19. A ciência fez sua parte em tempo recorde e com eficácia assombrosa. Nosso problema é maximizar o acesso de todos ao imunizante, numa corrida pela vida contra o relógio. Vacinar em massa e de forma expedita significa salvar vidas, evitar o colapso dos hospitais, destravar a roda da economia, voltar a gerar empregos e renda. Temos experiência e expertise para a tarefa, mas por que nos faltam as vacinas na velocidade desejada? Bem, uma resposta possível seria a do nosso presidente: "Bicho, a morte é parte da vida! Quem está nessa chuva é para se molhar! Deixem de mimimi!". Outra resposta, mais atraente para quem gosta da vida e a deseja para todos, é pensar: estamos no caminho certo? Como podemos corrigir rumos com brevidade? Certamente há um esforço enorme dos servidores públicos e profissionais privados da saúde, de que todos nos orgulhamos. Meu ponto é que o governo federal tem se revelado um paquiderme gerencial, vagaroso e ineficiente, nas negociações e aquisições de vacinas. Já há dezenas de imunizantes seguros e eficazes, mas nossos gestores exercem um monopólio nas compras, por enquanto centrado em apenas dois. O Congresso tomou a frente do problema, diante do clamor por soluções melhores, mais rápidas e efetivas. Há boas razões para defender a abertura das compras de vacinas pelo setor privado. A discussão fica pobre se nos mantivermos nos dois extremos aventados até aqui: proibição ou autorização condicionada à doação de todas as vacinas aos SUS. Ora, assim ficamos entre o monopólio da incompetência do governo e um altruísmo irrealista do mercado, que simplesmente não tem como acontecer. Algo parecido com apostar em doadores altruístas de rins que jamais poderiam beneficiar seus entes queridos, antes do sistema de doações cruzadas. Parecem razoáveis as propostas em discussão que estabelecem um cota significativa de imunizantes a ser doadas ao SUS - digamos, meio a meio -, em contrapartida à possibilidade de venda a clientes privados. As aquisições só seriam autorizadas a laboratórios distintos daqueles escolhidos pelo governo, de modo a evitar problemas de abastecimento do SUS e o cumprimento dos cronogramas de entrega. De outro lado, cada pessoa que pagasse pela vacina privada estaria naturalmente subsidiando alguém a receber a vacina doada ao SUS. Ademais, o ritmo de imunizações seria acelerado, em termos igualitários, ajudando a desonerar o sistema de saúde, a agilizar o alcance da imunidade de rebanho e a retomada da atividade econômica. A energia do

setor privado seria, assim, canalizada para nos fazer acordar deste pesadelo sem fim. Cooperar, civilizadamente, será nosso melhor despertar coletivo. Gustavo Binenbojm - professor titular da Faculdade de Direito da Uerj, dedica este artigo à memória de Aron Lewkowicz, avô de suas filhas, vítima da Covid-19

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Coluna - Míriam Leitão

As reviravoltas da terra redonda

O terremoto Fachin terá muitos efeitos secundários, mas começou mudando o dia de ontem. Havia amanhecido um tempo ruim para o presidente Bolsonaro, com o pacto entre governadores deixando claro que a sua inépcia agravava a tragédia da pandemia. No fim do dia, abrigado num guarda-chuva, Bolsonaro falou longamente sobre variados assuntos, reclamou até da alta do dólar provocada pela decisão que beneficiou o ex-presidente Lula. "A bolsa foi lá pra baixo, o dólar lá pra cima. Todos nós sofremos com uma decisão como essa". Nos dias anteriores, o dólar subiu e a bolsa despencou por causa dele, Bolsonaro. Um dos primeiros efeitos da decisão de Fachin de anular tudo o que foi decidido a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba sobre Lula é mudar o cenário para a eleição de 2022, com Lula elegível. Outra consequência é que réus como o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha podem vir a se beneficiar da reviravolta. Todos que não forem diretamente ligados à Petrobras podem questionar seus processos. Cabral foi condenado pela Calicute e julgado pela 7ª Vara, no Rio, mas um ministro do Supremo me disse que, a partir de agora, tudo tem chance de ser revisto. Bolsonaro voltou a ficar confortável para falar da "bandalheira" do PT. E afirmou que os desvios do BNDES haviam sido de "trilhão de real". Ele nunca conseguiu, nem mesmo trocando o presidente do banco, abrir a tal caixa-preta do BNDES, mas cria uma cifra imaginária e assim pode fugir de temas incômodos, como a mansão comprada pelo seu filho Flávio. Ontem mesmo, o procurador junto ao TCU, Lucas Furtado, iniciou um procedimento questionando o fato de o senador Flávio Bolsonaro ter casa e usar apartamento funcional. Isso seria, segundo o procurador de contas, "crime e ato de improbidade". Uma das questões incômodas para Bolsonaro era o fim da Lava-Jato. Afinal, ele surfou na onda anticorrupção, sem qualquer relação prévia com essa agenda. Foram as decisões de seu governo, primeiro minando o pacote anticrime, depois instalando um inimigo da Lava-Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), que levaram ao desmonte das Forças-Tarefas. Portanto, a conta estava com ele. Ontem, ele jogou o peso sobre o ministro que anulou as condenações de Lula. "Luis Fachin sempre teve forte ligação com o PT. Então não nos estranha uma decisão nesse sentido". Na verdade, Fachin tomou muitas decisões contrárias ao PT. Um ministro do Supremo, surpreso com a decisão de Fachin, me disse o seguinte. "Ele negou tudo o que Lula pediu e agora, de repente, dá tudo de uma vez só". Outro disse que era a "estratégia de desespero" do ministro, diante das várias derrotas recentes da sua relatoria. A decisão abala a confiança no próprio Supremo. Desde a primeira hora, a defesa do ex-presidente Lula arguiu a competência do tribunal de Curitiba, defendendo a tese de que Sergio Moro não era o juiz natural. Os fatos teriam ocorrido em São Paulo - Guarujá, Atibaia - e o acusado morava em Brasília, na época. Mas a competência da 13ª Vara foi confirmada inúmeras vezes, os processos

foram julgados também na 2ª Instância. Houve recursos até ao STJ. Agora, anos depois de tudo, de Lula ter ficado quase dois anos preso, o ministro decidiu que Curitiba não era o foro competente. Na política brasileira, que dá mais voltas que a Terra (redonda) em torno do Sol, o procurador Augusto Aras, mais precisamente a equipe da subprocuradora Lindora Araújo, a algoz da Lava-Jato, vai recorrer da decisão. Tudo o que ela não quer, evidentemente, é defender atos da Lava-Jato. O Brasil, este país que não é para amadores, viveu ontem vários dias num dia só. De manhã, governadores articulavam com os presidentes da Câmara e do Senado a criação de um comitê de crise para a tomada de decisões coordenadas. Eu falei com dois governadores que estavam tentando negociar a coalizão mais ampla possível. Isso deixa evidente a total incompetência do presidente da República, que sabota as medidas de proteção da saúde dos brasileiros. "Nós estamos vivendo uma catástrofe", desabafou um governador. Minutos depois, todas as atenções estavam voltadas para Lula e a disputa de 2022. Bolsonaro, que não sabe governar, voltou ao que se dedica desde o primeiro dia: a fazer campanha e contra o PT.

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Coluna - Carlos Andreazza

O mundo real se impõe (de novo)

Todo mundo viu o último chilique de Bolsonaro, na quinta-feira, 4 de março. Faz e avança - abrigando crimes de responsabilidade em seus pitis - porque nunca formalmente cobrado. Dirá um otimista - para quem o mito seria somente um fanfarrão - que ele estica a corda para logo soltá-la. Sim. Mas estará nosso tecido social - em tão esgarçada circunstância, sob a tensão de um espírito do tempo autoritário - com fibras para essa sucessão de estresses? O cético acrescentará que, uma vez relaxada, a corda nunca volta ao viço anterior; o fanfarrão - um populista autocrático cujos ataques influem - ganhando terreno, adiantando seus danieis-silveiras, sobre o chão da ordem política. Tem sido assim há dois anos. E o homem vai à vontade. No último dia 6, fez um ano desde que afirmou ter provas de que a eleição de 2018 fora fraudada. Um investimento, de natureza golpista, contra o sistema eleitoral. E também um teste da disposição de Supremo e Congresso à acomodação. Omissas as instituições, captou o recado: convite a que comparecesse a uma manifestação que alvejaria STF e Congresso. O faniquito da última quinta, como os outros, foi autorizado pela covardia institucional. Outros virão. Cada um com suas razões. A da semana passada, uma obviedade. Fôramos informados de que Flávio Bolsonaro -beneficiado por um financiamento que transformara banco em pai - havia comprado a mansão de R$ 6 milhões. O show do presidente pretendeu desconcentrar as atenções. Mas teve motivações adicionais. Todas derivadas de nova leva de imposições do mundo real sobre o discurso bolsonarista. (Há um ano, Bolsonaro projetava em 800 o número de brasileiros a morrer pela peste; e Guedes falava em domá-la com R$ 5 bilhões). Afinal, na mesma semana passada, o governo, sob pressão dos governadores, anunciou que compraria imunizantes de um laboratório que, havia meses, desqualificava. E desqualificava com embustes como o argumento de que haveria impeditivos legais para que assumisse as responsabilidades em caso de efeitos adversos da aplicação. Uma mentira. A mesmíssima cláusula não impedindo que se assinasse contrato com a AstraZeneca.

Esculhambou-se essa vacina também porque exigiria uma rede de frio mui complexa. Refiro-me ao imunizante da Pfizer; aquela farmacêutica que, em agosto de 2020, oferecia 70 milhões de doses ao Brasil - para entrega a partir de dezembro, com 1,5 milhão de doses já naquele mês e outro volume igual até fevereiro. Mas que foi difamada pelo governo. Governo que ora anuncia a compra de 100 milhões de doses produzidas pelo laboratório - a ser entregues, contudo, a partir do segundo trimestre de 2021. (Governo que, fosse por seu exclusivo esforço, só teria oferecido - até hoje - quatro milhões de doses à população.) Bolsonaro não quis ter vacinas já em dezembro, três milhões de ampolas até fevereiro. (Preferiu que o "meu Exército" - o dele - fabricasse milhões de cloroquinas com dinheiros do combate à pandemia.) O mesmo sujeito que agora grita - mandando o cidadão procurar vacina na casa da mãe - que "não tem pra vender no mundo". Tinha. Não quis. Mas o mundo real se impôs. (A mamãe Bolsonaro já foi vacinada.) Como se impôs quando teve de adquirir - depois de haver afirmado que não o faria - a vacina de Doria; sem a qual não haveria vacinação em curso neste país. (A mamãe Bolsonaro foi imunizada com a vachina.) O mundo real se impõe. E impôs a Bolsonaro mais um cavalo de pau; correndo para comprar vacinas - Covaxin e Sputnik (de lobby parlamentar espantoso) - ainda desprovidas de certificação pela Anvisa, outrora a condição fundamental, segundo o presidente, para que o povo não fosse cobaia e para que ele não fosse irresponsável com o dinheiro do povo, firmando contratos com laboratórios cujos imunizantes ainda não estivessem liberados pela agência. O que mudou? Bolsonaro nega - na prática - o discurso de Bolsonaro; o que castiga a base social extremista difusora de seu negacionismo. Foi também para agradar a esses que rebolou na quinta. O bolsonarismo depende de gerar inimigos. Já foi a vacinação em massa; a respeito do que se inventou uma obrigatoriedade que invadiria nossas casas para nos imunizar à força. Mas o mundo real se impôs. E o governo não apenas compra as vacinas malditas como passou a defender, ontem, Guedes por porta-voz, a vacinação em massa. A imposição do mundo real obriga Bolsonaro aos mimimis. Pura satisfação a seus reacionários, para cujo agrado, sempre que aperta, convoca outro velho inimigo imaginário: o lockdown. Que não existe no Brasil. Mas contra o que - a tirania de governadores que nos tomam o direito de ir e vir -lutam os patriotas defensores da liberdade. Batalha pela qual o presidente pode até colocar o "meu Exército" na rua - ameaçou. Aliás, um dos motivos para a pregação armamentista-miliciana de Bolsonaro: que o cidadão possa se proteger de medidas legais decretadas por governantes legitimamente eleitos, esses ditadores. "Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?" - perguntou o presidente em meio ao fricote.

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Coluna - Merval Pereira

A suprema guerra

O debate político desde a divulgação pelo "Intercept Brasil" das conversas entre os procuradores de Curitiba e deles com o então juiz Sergio Moro, fruto da invasão por hackers de aplicativos de mensagem de autoridades em Brasília, desenvolveu-se entre os favoráveis ou contrários à Operação Lava-Jato, no meio político e também no Supremo Tribunal Federal (STF). Embora as conversas não possam servir como prova, pois conseguidas de maneira ilegal, elas foram divulgadas amplamente, mesmo com a autorização do Supremo, e certamente

influenciaram a mudança do ambiente político. Essa guerra de narrativas encontrou na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sua representação nas pessoas dos ministros Gilmar Mendes, contrário, e Edson Fachin, favorável. O que aconteceu ontem foi apenas mais uma etapa dessa disputa, que pode ter hoje, na reunião da Segunda Turma, seu prosseguimento. O ministro Gilmar Mendes estaria disposto a levar para o plenário da Turma a questão da parcialidade de Sergio Moro e provavelmente ganharia, pois, com a chegada do ministro Nunes Marques, a maioria contra a Lava-Jato ficou fixada antes mesmo de qualquer julgamento. Daí o movimento brusco de Fachin de encaminhar os processos contra Lula para a Justiça Federal de Brasília, preservando os atos de investigação e acusação, mas anulando as decisões. Os movimentos de Gilmar Mendes e Edson Fachin têm pouco a ver com o ex-presidente, que acabou se beneficiando desse embate. Gilmar quer acabar com a Lava-Jato, que já apoiou enfaticamente, e Fachin quer preservá-la, mesmo abrindo mão dos processos contra Lula. Se a votação da parcialidade de Moro fosse referendada pela Segunda Turma, todos os processos da Lava-Jato estariam em xeque. Nada é mais importante do que analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos tempos no país para definirmos seu papel neste momento político. A suprema guerra se desenvolve às claras, nas reuniões plenárias, e sobretudo nos bastidores. Fachin tentou uma manobra, colocando no plenário virtual uma ação da defesa de Lula pela parcialidade de dois ministros do Tribunal Regional Federal (TRF-4) que avalizaram a condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia. Como as razões aventadas eram muito frágeis, provavelmente a defesa do ex-presidente perderia, o que levaria Fachin a argumentar que, como o TRF-4 havia julgado Lula, e inclusive aumentado sua pena, não poderiam ser anuladas as decisões de Moro. O risco era grande, e a defesa de Lula retirou o caso do plenário virtual "para aperfeiçoá-lo". O movimento de Fachin ontem talvez não impeça a decisão de Gilmar Mendes de levar à reunião de hoje a questão da parcialidade de Moro. Ele estaria disposto a arrostar a decisão de Fachin, e a disputa pode ter que ser resolvida pelo presidente Luiz Fux, adepto da Lava-Jato. A pressão política para que o ex-juiz Moro seja julgado é grande, mesmo com a decisão do relator da Lava-Jato de considerar extinta a causa, por falta de objeto. Fachin alegou na sua decisão que, embora a questão da competência já tivesse sido suscitada indiretamente, "esta é a a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal". Ele se refere à jurisprudência que teria sido alterada nos últimos meses, restringindo o alcance da competência da 13ª Vara Federal e enviando para varas de todo o país, e para Tribunais Eleitorais (TREs), os processos iniciados pela Lava-Jato, contra seu voto. Se a Justiça do DF confirmar as condenações e Lula for novamente condenado na segunda instância, voltaria a ser inelegível, mas isso dificilmente acontecerá, pois os crimes já devem estar prescritos, ou quase, e ninguém vai assumir o mesmo desgaste de conduzir essa batalha da Lava-Jato. Nada que saiu de Curitiba, fora os processos do Rio de Janeiro, avançou. Os processos que não tenham vínculos claros com a Petrobras serão anulados. E Lula provavelmente será o candidato do PT em 2022. A não ser que o inesperado volte a fazer uma surpresa, como sói acontecer no Brasil. Edson Fachin, que era ligado ao PT antes de ser indicado para o STF, beneficiou Lula, mas esse não

era seu objetivo principal. Gilmar, que estava rompido com Lula, que fora seu amigo, também ajudou a liberar o ex-presidente . A suprema guerra escreve política por linhas tortas.

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Folha de S.Paulo

Com Lula no páreo, mercado teme que Bolsonaro radicalize populismo

Investidor vê risco de governo elevar gastos para garantir popularidade após Fachin anular condenações de petista

Júlia Moura

Mais polarização política. Campanha eleitoral para presidente da República sendo antecipada para 2021. Populismo na economia elevando gastos públicos e a dívida do governo. O temor de que haverá a mistura desses riscos no curto prazo repercutiu com força no mercado financeiro nesta segunda-feira (8).

O estopim foi o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinar a anulação de todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato. Assim, Lula retoma o direito de se candidatar nas próximas eleições.

O atual presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Lula

Com a volta do petista à disputa pela presidência em 2022, o mercado teme uma guinada ainda maior do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao populismo e consequente abandono da agenda liberal e do compromisso com a saúde fiscal do país para angariar votos.

Caso Lula dispute a eleição, analistas veem grandes chances de um segundo turno entre o petista e Bolsonaro. Pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) divulgada nesta segunda pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra que apenas Lula supera Bolsonaro na intenção de voto em 2022.

“Isso acaba com a possibilidade de uma terceira via, que era o que o mercado esperava, alguém mais alinhado com as reformas. Como a esquerda não estava organizada, o mercado via espaço para isso", diz Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.

Com a pandemia, a saúde fiscal do Brasil se deteriorou pelo aumento de gastos e queda na arrecadação. Dado o cenário, participantes do mercado financeiro defendem a aprovação de reformas, como a administrativa e a fiscal, de modo a conter as despesas públicas.

“A polarização é ruim, leva Bolsonaro a abandonar o compromisso com a contas públicas para uma agenda mais populista, que dê mais retorno político”, afirma Cruz.

Com o auxílio emergencial em 2020, Bolsonaro viu sua popularidade crescer. Com a piora no número nos casos de coronavírus e medidas mais restritivas de isolamento, o governo irá promover uma nova rodada de auxílio emergencial neste ano.

O Senado aprovou na semana passada a PEC Emergencial, que estabelece um teto de R$ 44 bilhões para pagamento do benefício. Uma contrapartida para o novo gasto, porém, não foi definida.

Daniel Miraglia, economista-chefe do Grupo Integral, cita o temor do mercado que a agenda de privatizações e de ajuste fiscal se dissipe.

“Dada a situação fiscal do Brasil, o mercado não vê mais espaço para isso”, afirma Miraglia.

A decisão de Fachin pegou o mercado, em um pregão negativo, de surpresa. O Ibovespa chegou a cair 4,28%, mas fechou em queda de 3,98%, a 110.611,58 pontos, menor valor desde 1º de março.

As ações preferenciais (mais negociadas) da Petrobras recuaram 5,76%, a R$ 21,10 cada uma. As ordinárias cederam 4,80%, a R$ 21,00.

Segundo Rodrigo Friedrich,diretor de renda variável da Renova Invest, a decisão de Fachin também traz insegurança jurídica, além de mais instabilidade política e institucional ao Brasil. “É muito ruim para o mercado”.

O dólar ficou R$ 0,10 mais caro. A moeda fechou em alta de 1,67%, a R$ 5,7770, maior valor desde 15 de maio de 2020. O dólar turismo está a R$ 5,933.

“O receio do mercado é que o período eleitoral seja mais conturbado com uma possível candidatura de Lula, cuja visão pode ser contrária àquela da agenda de reformas atual, o que pode dificultar a trajetória fiscal, reduzir a confiança para investimentos a longo prazo e, por consequência, comprometer o crescimento econômico do país”, afirma Paloma Brum, economista da Toro Investimentos.

Alguns participantes do mercado também veem que, com a candidatura de Lula, Bolsonaro tem mais chances de se eleger, dada a aversão ao PT que o impulsionou em 2018.

“Estamos entre o fogo e o caldeirão. Dois populistas que prometem um monte de coisa para o povo. Ficamos com pouca ou nenhuma alternativa para o ano que vem. Para o mercado, é o pior cenário possível”, diz André Machado, sócio-fundador da escola de traders Projeto Os 10%.

O risco-país medido pelo CDS de cinco anos subiu 9,55% nesta segunda, próximo ao fechamento do mercado, indo a 215,258 pontos, maior nível desde novembro de 2020.

O CDS funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação às economias dos países, especialmente emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país; se ele cai, o recado é o inverso.

“Está bastante cedo [para falarmos de eleição], mas o mercado sempre se antecipa. Hoje também houve um certo efeito manada", afirma Murilo Breder, especialista em renda variável da Easynvest.

Segundo ele, não é uma questão de qual candidato é melhor ou pior e sim de perspectiva de mudança no cenário econômico. "O mercado financeiro sempre vai tentar ganhar dinheiro se ajustando ao cenário", diz Breder.

Além da incerteza quanto à agenda liberal do atual governo, o mercado se preocupa com a piora da pandemia no Brasil e a alta nos juros dos títulos do Tesouro americano, o que leva investimentos aos Estados Unidos, em detrimento de países emergentes.

"A queda de hoje é a antecipação da discussão de 2022 em um momento que o mercado está focado na pandemia. São duas discussões complexas juntas, por isso essa realização muito grande", diz Cruz, da RB Investimentos.

Os juros futuros também subiram na sessão, em reflexo de um aumento no risco fiscal e consequente elevação na Selic.

O juro para janeiro de 2025 foi de 6,95% para 7,27%. O juro para janeiro de 2031 foi de 8,22% para 8,45%.

Em Nova York, as ações do setor de tecnologia sofreram uma liquidação nesta segunda, num movimento que empurrou o índice Nasdaq para queda de 2,41% e o S&P 500 para um recuo de 0,54%.

Já o índice Dow Jones subiu 0,97% com a alta de papéis do setor financeiro e relacionados a restaurantes e viagens, que devem ter um bom desempenho quando a economia reabrir.

O mercado aguarda a aprovação do projeto de lei de alívio à Covid-19, de US$ 1,9 trilhão, que deve acontecer nesta semana.

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Governo 'falhou miseravelmente' em adquirir vacinas, afirma fundo gerido por Stuhlberger

Atraso na vacinação custa vidas e prejudica economia diz relatório do Verde, que elevou posições no câmbio

Júlia Moura

Em sua carta a cotistas referente ao mês de fevereiro, o fundo Verde, gerido por Luis Stuhlberger, critica a gestão do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) quanto à aquisição de vacinas contra a Covid-19.

"O governo falhou miseravelmente em adquirir as vacinas da Pfizer, Moderna, Johnson & Johnson, só agora, no auge da segunda onda, está buscando fechar as compras. Tal atraso em proteger a população aparece a olhos vistos, e tem consequências óbvias tanto em termos de vidas quanto em termos econômicos", diz a carta do Verde.

Como a Folha mostrou no domingo (7), o governo brasileiro rejeitou no ano passado proposta da farmacêutica Pfizer que previa 70 milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. Do total, 3 milhões estavam previstos até fevereiro, o equivalente a cerca de 20% das doses já distribuídas no país até agora.

"É inacreditavelmente mais barato comprar vacinas do que fazer mais gastos fiscais –que vem com endividamento, mais inflação, juros mais altos, etc.", continua o documento.

Segundo a carta, o fundo aumentou as posições em ativos de proteção, especialmente no câmbio. "A situação está mais complicada".

De acordo com o fundo, a desvalorização do real é "a métrica mais óbvia das consequências, em termos de empobrecimento do país", do atraso na vacinação, do aumento do risco fiscal e de aglomerações.

O dólar subia 10,2% em relação ao real em 2021, cotado a R$ 5,73, por volta de 14h desta segunda.

"Os outros ativos brasileiros também sentem os efeitos do aumento do prêmio de risco. Além disso, o ambiente global passou a combinar retomada cíclica com aumento das taxas longas de juros".

Em 2021, o risco-país medido pelo CDS de cinco anos subia 38,8%, para 199,8 pontos, maior patamar desde novembro de 2020.

O CDS funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação às economias dos países, especialmente emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país; se ele cai, o recado é o inverso.

Com a piora no número nos casos de coronavírus e medidas mais restritivas de isolamento, o governo irá promover uma nova rodada de auxílio emergencial.

O ministro Paulo Guedes (Economia) disse nesta segunda-feira (8) que as parcelas do benefício irão variar de R$ 175 a R$ 375, com média de R$ 250.

Bolsonaro já havia dito que a previsão era pagar R$ 250 durante quatro meses a partir de março. No ano passado, quando o benefício teve início, o governo pagou cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300.

O Senado aprovou na semana passada a PEC Emergencial, que estabelece um teto de R$ 44 bilhões para pagamento do benefício. Uma contrapartida para o novo gasto, porém, não foi definida.

"O Congresso Nacional parece acreditar que pode expandir o gasto sem limites num país de dívida/PIB de 90%. As discussões recentes sobre novo auxílio emergencial e abertura de espaços no teto para Bolsa Família representam um potencial tiro mortal no arcabouço fiscal brasileiro, que trouxe inúmeros benefícios, especialmente ao possibilitar que o país tenha uma taxa de juro mais civilizada", afirma o Verde.

Na discussão da PEC Emergencial, investidores temiam que o Bolsa Família fosse retirado do teto de gatos pelo projeto, o que não aconteceu, representando um alívio fiscal ao mercado.

Em fevereiro, o fundo teve perda de 0,24%, que atribuiu a perdas em ações brasileiras e em aplicações em juro real em fevereiro. Os ganhos vieram de aplicações em taxas de juros de longo prazo na Europa e nos EUA, de ações internacionais e do dólar.

Em janeiro e fevereiro, o fundo acumulou ganho de 0,43%.

O Verde é um dos maiores e mais longevos fundos multimercado no Brasil. Ele combina ações brasileiras e internacionais, renda fixa e moedas. Desde 1997, acumula um ganho de 18.681,83%.

"Escolhas têm consequências. Essa máxima simples, mas tão ignorada em nosso país, explica bem os acontecimentos recentes no Brasil e seus impactos nos mercados", diz o relatório de gestão do mês passado.

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Governo prepara mais prazo para linhas de crédito da pandemia e novo programa

Medidas atendem pleito de empresários, que argumentam que retomada não ocorreu e que Covid se agravou

Fábio Pupo Bernardo Caram

Os pedidos da iniciativa privada e o avanço da pandemia fizeram o governo começar a planejar um novo fôlego para empresários por meio do crédito. Além do aumento do prazo de pagamento das linhas de financiamento criadas durante a pandemia, um novo programa está sendo debatido.

As discussões mais avançadas são voltadas ao Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), criado em maio. Os empresários que captaram recursos por meio da linha tinham originalmente uma carência de até oito meses para começar a devolver os recursos.

Como o programa só foi regulamentado em junho, a carência dos primeiros empréstimos começa a vencer agora (entre fevereiro e março). Com o avanço da pandemia e novas medidas de restrição que devem afetar o faturamento, os empresários pedem mais tempo.

A CNC (Confederação Nacional do Comércio, setor que está entre os mais afetados pelos efeitos da Covid) divulgou carta aberta ao ministro Paulo Guedes (Economia) pedindo a prorrogação, dizendo que as empresas ainda não conseguiram se recuperar das consequências da pandemia.

A retomada não ocorreu conforme o previsto e con nuamos experimentando as consequências e o agravamento da situação, com o retorno de medidas que incluem o fechamento de estabelecimentos", afirma o texto da CNC.

Alexandre Sampaio, diretor da CNC, diz que é urgente uma saída. "Estamos vendo o desastre que tem sido a política de vacinação, com as cidades fechando, e isso está jogando o comércio numa situação de inadimplência. Sabemos que ele [Guedes] está trabalhando numa saída, mas o tempo urge", disse.

A equipe econômica está estudando as alternativas e questões jurídicas para a prorrogação, mas já há o entendimento que é possível e desejável um aumento da carência do Pronampe por ao menos mais quatro meses —o que resultaria em um prazo total de 12 meses para que o início dos pagamentos.

A pasta afirma que as carências foram pensadas considerando um horizonte de retomada da atividade no começo de 2021, cenário alterado pelo recrudescimento da pandemia.

O Pronampe, destinado a micro e pequenas empresas, liberou R$ 37,5 bilhões em crédito contratado no ano passado.

Os demais programas de crédito possuem prazos maiores e, em alguns caso, é interpretado que as regras permitem renegociar as condições diretamente com os bancos. Mas, mesmo assim, a equipe econômica já cogita flexibilizações também nesses casos, dada a continuidade da pandemia.

A equipe de Guedes considera que o enfrentamento da pandemia neste ano tem como vantagem o fato de as medidas estarem prontas, e que alterações pontuais podem dar fôlego à economia sem demora sobre formulação de novas iniciativas.

Há um complicador para conceder o prazo maior nas linhas de crédito. Como as empresas já contrataram as condições junto aos bancos, adiar a carência faria com que eles perdessem parte da rentabilidade da operação ou que as empresas tenham que pagar parcelas maiores depois.

A CNC pede também que o custo não aumente para elas após a prorrogação da carência, e o governo ainda avalia a questão. Uma solução para o problema tende a avançar somente após a aprovação definitiva no Congresso da PEC Emergencial, que libera gastos públicos em caso de decretação de calamidade pública, e do Orçamento de 2021 —ainda estacionado no Congresso.

Ao todo, os programas de crédito criados na pandemia liberaram R$ 148 bilhões em créditos contratados. O principal deles foi o PEAC (Programa Emergencial de Acesso ao Crédito), voltado também a grandes empresas, com R$ 92 bilhões em operações contratadas.

Outros programas foram o Pese (Programa Emergencial de Suporte a Empregos, coordenado pelo Banco Central), o PEAC Maquininhas, o Fampe (Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas) e o BNDES Giro (do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

O governo também prevê novos programas de crédito para 2021. Neste ano, técnicos discutem um meio de os empréstimos dependerem menos de recursos públicos e terem uma parcela maior do risco assumido pelos próprios bancos.

Os números ainda estão sendo estudados, mas já se falou internamente que as garantias podem ser baixadas para patamares próximos a 30% do valor de cada operação em ao menos parte das linhas. No ano passado, em parte dos programas o Tesouro arcava com todo o risco da operação.

A pasta ainda faz as contas sobre fatores que influenciam a definição das taxas de juros dos financiamentos. No programa voltado a pequenas empresas, a avaliação é que a rodada deste ano deve ter juros mais altos, próximos a 6% ao ano, contra 3,25% ao ano do Pronampe em 2020.

Mesmo com a perspectiva de liberação de novos gastos públicos neste ano para combater as consequências econômicas da pandemia de Covid-19, a equipe econômica planeja amenizar o impacto das medidas nas contas públicas.

A equipe econômica desenha iniciativas em 2021 com uma engenharia financeira que reduza ou até mesmo descarte a necessidade de recursos do Tesouro Nacional dependendo do caso. Além do redesenho das medidas de crédito, também estão nessa lógica a limitação nas parcelas de auxílio emergencial e o uso de recursos do seguro-desemprego para o programa de manutenção de empregos.

As medidas devem passar por avaliação do Congresso. No ano passado, após pressão de parlamentares e bancos, o governo acabou cedendo e flexibilizando alguns pontos das linhas de crédito, como uma ampliação da garantia com recursos públicos. Neste ano, para evitar mudanças, a equipe econômica tenta fechar acordos políticos antes da apresentação da medida.

Em outra estratégia para dar um alívio às empresas, segue no radar do governo, ainda sem definição, a possibilidade de adiar por alguns meses o pagamento de impostos federais, assim como em 2020.

Técnicos afirmam que o ministério monitora os resultados da arrecadação de tributos e a inadimplência para avaliar a necessidade de adotar a medida.

Medidas anticrise já tomadas pelo governo em 2021

Flexibilização para obtenção de crédito, suspendendo proibição de empresas com pendências com o poder público de contratarem empréstimos.

Renegociação de tributos federais vencidos de março a dezembro de 2020 e não pagos em razão da pandemia.

Medidas em estudo em 2021

Liberação de saques do FGTS

Antecipação de pagamentos do 13º do INSS

Auxílio emergencial para vulneráveis

Mudanças em programas de crédito, além de novo programa

Flexibilizações em regras trabalhistas para empresas (como adiamento do pagamento do FGTS por até 4 meses, antecipação de férias, flexibilização para decretar férias coletivas e antecipação de feriados, flexibilização de regras para alterar regime de trabalho para home office)

Nova edição do programa de manutenção de emprego e renda

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Brecha na PEC Emergencial pode deixar incentivos tributários intocados

Trecho que prevê redução de benefícios não obriga governo a adotar medida nem traz sanções em caso de descumprimento

Bernardo Caram Danielle Brant Renato Machado

Uma brecha na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial pode tornar sem efeito o trecho que prevê cortes de benefícios tributários, deixando intocados os incentivos existentes hoje na legislação.

Aprovada na última semana pelo Senado, a medida deve ser colocada em votação na Câmara até esta quarta-feira (10), segundo cronograma do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

O texto determina que o presidente da República encaminhe ao Congresso, em até seis meses após a promulgação da PEC, um plano agressivo de redução de benefícios tributários.

A única obrigação do governo, porém, é que a proposta seja elaborada e entregue ao Legislativo. Não há determinação de que esses benefícios sejam de fato cortados. O dispositivo também não traz nenhuma sanção caso o plano não seja aprovado pelos deputados e senadores ou as reduções de incentivos não se concretizem.

A proposta original apresentada pelo governo em 2019 definia que, a partir de 2026, a criação e a renovação de incentivos fiscais ficariam proibidas caso o total de gastos tributários estivesse acima de 2% do PIB (Produto Interno Bruto).

O texto aprovado pelo Senado na última semana alterou essa regra. Ele determina que o presidente envie propostas que tenham o objetivo de reduzir os benefícios tributários federais em 10% ao ano, de modo que o montante dessa conta não ultrapasse 2% do PIB no prazo de oito anos.

“A obrigação imposta pela PEC se esgota com o envio ao Congresso do plano de redução de renúncias, atendidas as metas especificadas. A efetiva redução das renúncias depende da aprovação das medidas propostas, ou de outras no mesmo sentido, o que dependerá, naturalmente, de juízo político”, disse o consultor de Orçamentos do Senado Vinicius Amaral.

Responsável pela elaboração da medida, o relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), não respondeu aos contatos da reportagem. O Ministério da Economia informou que não se manifesta sobre atos não publicados.

Os parâmetros estabelecidos na PEC são considerados duros. Para efetivar os cortes propostos, o governo teria que reduzir à metade os incentivos existentes hoje, que estão pouco acima de 4% do PIB.

O problema, segundo técnicos, é que a PEC traz exceções que correspondem a aproximadamente 2% do PIB. Seriam poupados o Simples Nacional, entidades sem fins lucrativos, incentivos a produtores de Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a Zona Franca de Manaus, itens da cesta básica e bolsas de estudo.

Portanto, para conseguir reduzir essa conta ao limite de 2% do PIB, o governo teria que cortar a outra metade dos benefícios. Nessa lista estão, por exemplo, as isenções e deduções do Imposto de Renda, incentivos a medicamentos, isenção tributária da poupança e benefícios ao setor de informática.

“Dadas as renúncias já excluídas do plano, é muito provável que o governo irá propor redução ou eliminação de benefícios como isenções e deduções do Imposto de Renda, como as de despesas com saúde e educação. Essas serão certamente medidas impopulares, cuja aprovação se torna mais improvável à medida que se aproximem as eleições”, disse o consultor.

Amaral ainda aponta que a atual redação da PEC, que será analisada pela Câmara nesta semana, exclui dos cortes a isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos. Isso porque a Receita Federal não considera esse benefício em seu demonstrativo de gastos tributários.

A PEC Emergencial foi negociada pelo governo como uma espécie de contrapartida à nova rodada do auxílio emergencial. O texto libera a assistência e traz medidas de ajuste fiscal que poderão ser adotadas no futuro, especialmente corte de gastos com a folha de salário dos servidores.

Na Câmara, deputados tentam excluir dos efeitos de ajuste policiais e outros profissionais da área de segurança.

Nesta segunda, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que a bancada da segurança pública, com cerca de 50 parlamentares, quer mudanças no texto da proposta. O presidente disse que conversou com o relator do texto e que há risco de a PEC não ser aprovada se artigos do texto não forem alterados.

O deputado Capitão Augusto (PL-SP), da frente parlamentar de segurança pública, apresentou emenda aditiva para retirar polícias federais, civis, militares, bombeiros e agentes penais de todos os entes federados das medidas de ajuste fiscal previstas na PEC, como proibição de aumento ou realização de concurso público por estados e municípios endividados.

Na avaliação do parlamentar, a emenda só anda se conseguir apoio de Bolsonaro. “Estamos tentando pressionar o Bolsonaro a aceitar isso aí. O caminho mais fácil é o Bolsonaro, que a gente atinge pelas associações e pelo comando das polícias”, afirma.

A tentativa conta com respaldo de bolsonaristas ligados à segurança pública, como o líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo (GO). No entanto, a avaliação de líderes partidários é de que qualquer precedente pode abrir caminho para uma desidratação grande do texto.

Um líder de partido do centro afirma que, se excluir policiais dos efeitos da PEC, outras categorias farão pressão para saírem, como profissionais de saúde e professores. A articulação que está ocorrendo na Câmara é no sentido de manter acordo sobre o texto que saiu do Senado, sem qualquer modificação que possa atrasar a tramitação da proposta.

Na sexta-feira (5), o relator do texto, Daniel Freitas (PSL-SC), sinalizou que não faria alterações na proposição para evitar que a votação se alongue e comprometa o pagamento do auxílio emergencial ainda em março.

O governo e a equipe econômica escaparam com relativo sucesso das pressões para retirar dos gatilhos as remunerações de policiais, de profissionais de segurança, defensores públicos, entre outras categorias.

Por outro lado, outros setores da administração conseguiram uma espécie de blindagem, garantindo a possibilidade de que receitas sejam vinculadas a suas áreas, como as Forças Armadas e suas atividades de “interesse à defesa nacional”. Fundos ligados à Polícia Federal também receberam o mesmo tratamento.

O texto aprovado no Senado se mostrou desidratado em relação à proposta inicial, mas manteve as medidas de austeridade previstas por Guedes para casos de estados e municípios em situação de insolvência fiscal. O relator Márcio Bittar (MDB-AC) precisou recuar na iniciativa de desvincular gastos mínimos com saúde e educação.

Por outro lado, em uma vitória do governo, o texto do relator incluiu uma trava limite de R$ 44 bilhões para gastos com o auxílio em 2021.

A oposição na Câmara também apresentou emendas para retirar justamente o limite de R$ 44 bilhões para as despesas com o auxílio emergencial. O PSB, por exemplo, defende que o benefício seja ampliado para R$ 600 —o Ministério da Economia trabalha com uma faixa que vai de R$ 150 a R$ 375.

“O que nós queremos é um auxílio como era no início da pandemia, de R$ 600. E, para isso, não pode ter o limite, como no texto aprovado no Senado”, afirmou o líder do PSB na Câmara, Danilo Cabral (PE). “Não é com R$ 250 que a gente vai garantir dignidade para as pessoas.”

PRINCIPAIS GASTOS TRIBUTÁRIOS DO GOVERNO FEDERAL*

Simples Nacional R$ 87,2 bilhões

Rendimentos isentos do Imposto de Renda R$ 32,1 bilhões

Agricultura e agroindústria R$ 30,2 bilhões

Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio R$ 24,7 bilhões

Entidades sem fins lucrativos R$ 24,3 bilhões

Deduções do Imposto de Renda R$ 20,1 bilhões

Benefícios do Trabalhador R$ 12,5 bilhões

Desoneração da folha de salários R$ 9,6 bilhões

Medicamentos e equipamentos médicos R$ 9,4 bilhões

Poupança e Letra Imobiliária Garantida R$ 8,3 bilhões

Setor automotivo R$ 7,2 bilhões

Desenvolvimento regional R$ 6,6 bilhões

Informática e automação R$ 6,2 bilhões

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Força Sindical completa 30 anos em cenário de alta do desemprego e queda de filiados

Central foi homenageada em vídeos publicados por Lula e FHC

Catia Seabra Fernanda Brigatti

Segunda maior central sindical do país, a Força Sindical chega aos 30 anos nesta segunda (8) em meio ao encolhimento do poder dos sindicatos e ao avanço no desemprego –13,4 milhões de brasileiros começaram 2021 desocupados, segundo dados do IBGE (Instituto Brasilerio de Geografia e Estatística).

Em 2019, a central sindical chegou a colocar à venda o prédio que abriga sua sede, no bairro Liberdade, na região central da capital paulista. Outros importantes sindicatos, como o dos metalúrgicos e comerciários, precisaram fazer o mesmo.

A reforma trabalhista trouxe um baque duplo à capacidade de manutenção das entidades sindicais. O primeiro, no financiamento, ao acabar com o imposto sindical, que transferia cifras milionárias descontadas das folhas salariais, independentemente de os trabalhadores serem ou não filiados.

Em 2017, a Força recebeu quase R$ 51 milhões. No ano seguinte à reforma, as contribuições caíram a R$ 4,7 milhões.

Além do financiamento, a reforma reduziu a participação dos sindicatos em negociações e demissões. A mudança na regra abriu espaço para os acordos individuais, nos quais patrões e empregados podem discutir caso a caso como serão pagos banco de horas e benefícios.

As demissões, que antes precisavam passar pelas entidades, passaram a ser feitas diretamente nas empresas, sem a necessidade de homologação do sindicato.

Segundo o IBGE, entre 2017, ano da reforma, e 2019, o número de brasileiros sindicalizados caiu de 13,5 milhões para 10 milhões.

Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gravaram mensagens aos filiados da Força Sindical em homenagem ao trigésimo aniversário da central, celebrado nesta segunda-feira (8).

Na mensagem, Lula recomendou que o presidente da central, Miguel Torres, não tenha problema em radicalizar na defesa dos trabalhadores. "Se a gente não radicalizar, eles vão tirar todos os direitos dos trabalhadores como Temer e Bolsonaro já tiraram", afirmou o petista.

Lula disse ainda que a classe trabalhadora está sofrendo a maior crise de sua história. "É o maior desemprego da história do Brasil, é queda da massa salarial, é incerteza e muitos trabalhadores trabalhando de forma totalmente insegura”.

FHC lembrou, por sua vez, seu apoio ao nascimento da Força Sindical, criada com intuito de deter a hegemonia da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o fortalecimento de outros movimentos à esquerda. Seu embrião foi o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Foi um progresso muito grande. Porque, assim, não fica na mão de um grupo só”, disse o tucano.

Para FHC, esta é uma data a ser comemorada:

"Quero felicitar não só pela vigência desse movimento, que hoje é vitorioso, como também todos os movimentos dos trabalhadores e assalariados. Porque, se não se defenderem, quem vai defender? Quem tem dinheiro? Não.”

Nas redes sociais, Torres agradeceu aos trabahadores "pelo esforço de, mesmo neste período muito difícil de crise e de pandemia, tocarem em frente as lutas de resistência em defesa dos direitos, dos empregos e da renda".

"Sigamos juntos nas ações por mais vacinas e rapidez na vacinação contra a Covid-19, pelo auxílio emergencial de R$ 600 mensais para quem precisa, até o fim da pandemia, pelas populações socialmente mais vulneráveis e por um Brasil melhor para todos: sem fome, sem pobreza, sem miséria e sem exclusão social".

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Agricultura brasileira dribla todas as expectativas de produção e exportação

Previsões tinham estimativas equivocadas sobre a participação brasileira no mercado internacional

A agropecuária brasileira deu um baile em quem se arriscou a fazer qualquer previsão sobre o que seria a década passada. O setor mostrou um dinamismo bastante inesperado.

Os erros nas previsões de produção levaram também a estimativas equivocadas na participação brasileira no mercado internacional.

Não se imaginava que as exportações do setor atingiriam um patamar perto de US$ 1 trilhão nos últimos dez anos.

Os erros começaram no início dos anos 2000, quando o agronegócio ainda era dependente do mercado externo e pouco produtivo. O Brasil terminou os anos 1990 com uma produção de grãos de apenas 83 milhões de toneladas.

Com base nesse ritmo fraco, o Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) estimou, em 2002, que o Brasil produziria apenas 48 milhões de toneladas de milho em 2011 e que as exportações

Os números ficaram bem acima. A produção foi de 73 milhões, e as exportações somaram 10 milhões de toneladas.

As previsões continuaram subavaliadas na década passada, tanto pelo Usda como pelo Ministério da Agricultura. Este previu, em 2011, que a produção nacional do cereal seria de 66 milhões de toneladas em 2020 e que as exportações atingiriam apenas 14 milhões.

O Usda estimou vendas externas ainda menores: 8,5 milhões. Os números finais indicaram uma safra de 103 milhões de toneladas e exportações de 34,4 milhões.

A soja também surpreendeu a quem fez previsões. Em 2011, o Ministério da Agricultura estimava uma safra de 86,5 milhões em 2020/21. Já o Usda previa 94 milhões.

Os números ficaram bem distantes, uma vez que a safra deste ano deverá render um volume superior a 130 milhões. As exportações, previstas à época em 49,5 milhões, ficam em 83 milhões.

As disparidades nos números ocorreram devido a um avanço inesperado da soja e do milho no país, produtos que representam 89% da produção nacional.

As previsões indicavam, há dez anos, que a área ocupada pela soja seria de 30 milhões de hectares. Está em 38 milhões. Já a de milho seria de 13,4 milhões, mas já atingiu 19 milhões.

As avaliações de produção não contemplavam, ainda, a importância que o Brasil assumiria no cenário mundial, nem tampouco previa-se uma China com tanto apetite no mercado internacional, e dando preferência ao Brasil.

A demanda externa elevou os preços das commodities para um patamar superior ao da média histórica, incentivando o plantio e permitindo ao produtor a busca por novas tecnologias. O resultado são recordes de produção.

Em 2011, o Ministério da Agricultura esperava uma produção de 176 milhões de toneladas de grãos em 2020/21. Quando fechados, os números deverão indicar 260 milhões.

A demanda por carnes também colocou o Brasil em vantagem no mercado externo, embora o aumento esperado no volume de produção na década passada, de 6,5 milhões de toneladas, não tenha se confirmado.

Melhora da renda e urbanização, principalmente em países da Ásia, abriram as portas para as proteínas brasileiras.

Além disso, vários continentes foram acometidos por doenças. Os países atingidos foram obrigados a reduzir a produção. Não afetado, o Brasil se destacou como fornecedor mundial.

O coronavírus vai trazer uma nova realidade ao mercado internacional de grãos e de proteínas. As barreiras comerciais vão ficar ainda mais acirradas, e o Brasil, por ora, não tem muito a oferecer devido à desorganização interna no trato com essa doença.

Os números do fim desta década também já estão no mercado e indicam novos crescimentos da produção nacional.

As previsões apontam que os preços dos alimentos deverão continuar aquecidos nos próximos anos, o que garante renda para o produtor. A safra de grãos 2029/30 dos cinco principais produtos (arroz, feijão, milho, soja e trigo) deverá somar 318 milhões de toneladas, 27% acima da de 2019/20.

Os dados são do Ministério da Agricultura, que prevê o avanço da área plantada em 17% no período, atingindo 76 milhões de hectares.

O Usda estima que o Brasil vá produzir 137 milhões de toneladas de milho na safra 2029/30 e que a produção de soja atinja 158 milhões. As exportações ficariam em 47 milhões e 97 milhões, respectivamente.

Os números estão dados, mas as novas estimativas de safra estariam novamente defasadas?

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Brasil perde ao menos um profissional de saúde a cada 19 horas para a Covid

Dado é do Ministério da Saúde; para conselhos de classe, óbitos são mais que o dobro

Raquel Lopes

A enfermeira Cristiane Lamarão, 43, está exausta. Na linha de frente de um pronto-socorro e de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em Porto Velho, Rondônia, a profissional tem encarado a morte pela Covid diariamente.

A perda mais dura foi a de seu marido, o também enfermeiro Raimundo Lamarão, 51, que morreu em agosto infectado pelo vírus. Agora viúva, ela não tem como quem dividir os cuidados com os filhos de 17, 15 e cinco anos.

A história de Cristiane e Raimundo tornou-se comum aos profissionais de saúde do país, há mais de um ano nas trincheiras de uma guerra na qual já se contam quase 270 mil mortos. “Vi colegas morrendo. Chego a intubar até quatro pacientes num plantão. Perdi meu marido, estou com depressão”, enumera.

Dados do Ministério da Saúde apontam que pelo menos 484.081 desses profissionais haviam tido infecção pelo novo coronavírus confirmada até o dia 1° de março. Deles, 470 morreram. É 1,3 morte por dia, ou uma a cada 19 horas —e isso antes da semana mais mortífera da doença no Brasil.

O levantamento do Ministério da Saúde usa de duas bases de dados: SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), que se abastece da declaração de óbito, e o Sivep-Gripe (Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe), no qual o campo de ocupação não é de preenchimento obrigatório. Os dados de 2020 ainda podem sofrer alterações.

Levantamentos do CFM (Conselho Federal de Medicina) e do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), porém, indicam que os dados do Ministério Saúde podem estar subnotificados. Eles apontam a morte de 551 médicos e 646 enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem Ou seja: uma morte a cada sete horas e meia.

A pasta estima de que existam no país 6.649.307 trabalhadores que atuem no segmento da saúde. A taxa de infecção desses profissionais é de 7,3%, contra 5% da população em geral.

Entretanto, a taxa de letalidade (quantidade de pessoas que morrem em relação à quantidade de casos confirmados da doença) é menor.

Enquanto na população em geral esse índice ficam em 2,4%, entre os profissionais da saúde ele fica em 0,1%, se consideradosos dados do ministério, ou 0,3%, segundo os conselhos de classe.

Esses últimos números, porém, podem não retratar a realidade.

Fátima Marinho, médica epidemiologista e especialista sênior da Vital Strategies, ressalta que os dados devem ser analisados com cautela, porque a testagem entre os profissionais de saúde é maior, o que possibilita o tratamento mais ágil e reduz a letalidade.

“A letalidade na população está muito alta porque há poucos testes. Identificamos poucos casos leves e assintomáticos. Já a morte pela Covid é melhor diagnosticada. Com isso, a letalidade aumenta artificialmente. Na verdade esperamos uma letalidade de no máximo 1%."

Dados da Anistia Internacional mostram que 17 mil profissionais morreram em 2020 no mundo por causa da pandemia. Entretanto, a instituição deixou de comparar dados dos países porque cada um usa uma metodologia diferente. No Brasil, a instituição utiliza a base de dados do Cofen e do CFM.

Apesar de não separar mais as mortes por país, levantamento da Anistia Internacional publicado em setembro de 2020, quando o mundo havia registrado a morte de pelo menos 7.000 profissionais de saúde, mostrava o Brasil com 634 óbitos, a Índia com 537 mortes; África do Sul, 240; Estados Unidos, 1.077 e México, 1.320.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, diz que a morte de profissionais de saúde tem relação com a política adotada pelo poder público, na qual falta coordenação.

“A falta de enfrentamento unificado da pandemia, a má aplicação do orçamento da saúde destinado ao combate da Covid-19 e a falta de exemplo de autoridades brasileiras diante de inúmeras recomendações de segurança e proteção foram fatores determinantes para as mortes dos profissionais de saúde e demais pessoas vítimas da doença”, diz.

Viviane Camargo, coordenadora da Câmara Técnica de Atenção à Saúde do Cofen, considera o número de óbitos alto e diz que o Brasil lidera ess ranking. Ela atribui os números, além de à exposição direta ao vírus, a problemas com a infraestrutura para enfrentá-lo. O Cofen já recebeu mais de 9.000 denúncias de irregularidades.

Vice-presidente do CFM, Donizetti Dimer Giamberardino Filho afirma que os profissionais de saúde estão exaustos fisicamente e psicologicamente. Muitos estão tirando licença por problemas de saúde.

O Brasil enfrenta o seu pior momento desde o início da epidemia de Covid-19, com hospitais públicos e privados por todo o país registrando altas taxas de ocupação de UTIs e com recordes sucessivos de mortes pela doença registradas em 24 horas.

A situação se agravou com a falta de leitos, equipamentos de proteção, respiradores e medicamentos para intubação. “A adversidade faz com que o profissional corra mais risco. Quando há mais infraestrutura o problema é reduzido", diz Giamberdino Filho.

A pandemia afeta ainda qas famílias desses profissionais, alerta o psiquiatra e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Miguel Roberto Jorge.

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Fachin anula condenações de Lula, e petista fica apto a disputar eleição de 2022

Após ser condenado nos casos do sítio de Atibaia e do tríplex de Guarujá, ex-presidente deixa de ser ficha-suja; recurso da PGR irá ao plenário do Supremo

Matheus Teixeira Marcelo Rocha

O ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou nesta segunda-feira (8) a anulação de todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato.

Lula, 75, tinha sido condenado em duas ações penais, por corrupção e lavagem de dinheiro, nos casos do tríplex de Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP).

O ministro do STF entendeu que as decisões não poderiam ter sido tomadas pela vara responsável pela operação e determinou que os casos sejam reiniciados pela Justiça Federal do Distrito Federal.

Assim, as condenações que retiravam os direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele pode se candidatar nas próximas eleições, em 2022. Lula estava enquadrado na Lei da Ficha Limpa, já que ambas as condenações pela Lava Jato haviam sido confirmadas em segunda instância.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) já decidiu recorrer contra o habeas corpus de Fachin. A informação foi confirmada por assessores do procurador-geral Augusto Aras.

Ainda não há data para o julgamento do caso pelo conjunto de ministros do Supremo. O gabinete de Fachin afirmou que levará a discussão sobre o tema ao plenário da corte, e não à Segunda Turma, responsável pela maioria dos recursos da Lava Jato.

A decisão de Fachin provocou alvoroço nos meios jurídico e político, ao impor uma derrota histórica à Lava Jato e embaralhar as discussões sobre as eleições de 2022.

O presidente Jair Bolsonaro disse que Fachin, indicado para o Supremo pela ex-presidente Dilma Rousseff, "'sempre teve uma forte ligação com o PT" e que o "povo brasileiro" não quer Lula candidato.

No Supremo, a avaliação interna é que o despacho de Fachin também tem como objetivo evitar uma anulação em massa de processos da Lava Jato no Supremo. Isso porque essa decisão pode esvaziar a discussão sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para ter condenado o petista no caso do tríplex de Guarujá.

O ministro Gilmar Mendes, que pediu vista nesse processo relacionado a Moro, já havia avisado que levaria a discussão à Segunda Turma ainda neste semestre. A expectativa de advogados era que uma declaração de suspeição de Moro poderia ser usada por outros condenados por ele no âmbito da operação.

Agora, esse debate perde força e as sentenças proferidas por Moro que não envolveram Lula têm mais chances de serem mantidas.

Mesmo os ministros do Supremo que apoiam a Lava Jato acreditam que a anulação dos processos de Lula por não serem atribuição da 13ª Vara Federal de Curitiba, e não pela suspeição de Moro, pode ter efeito positivo para que não haja um efeito dominó que afete outros processos da operação.

Ministros que costumam criticar a Lava Jato, no entanto, já afirmaram sob reserva que pretendem manter o debate sobre a suspeição de Sergio Moro no caso de Lula. A outra corrente da corte irá sustentar que o habeas corpus da defesa do petista sobre o tema perdeu o objeto, uma vez que a sentença do processo já foi anulada.

Na decisão desta segunda, Fachin argumentou que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras e, por isso, a Justiça Federal de Curitiba não deveria ser a responsável pelo caso.

Fachin disse que a questão da competência da 13ª Vara Federal do Paraná já havia sido levantada indiretamente pela defesa, mas que esta foi a primeira vez que a defesa apresentou um pedido que “reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo STF”.

Entenda a decisão de Fachin e seus impactos sobre condenações e candidatura de Lula

“Como corolário de tal conclusão, nos termos do art. 567 do Código de Processo Penal, devem ser declarados nulos todos os atos decisórios, inclusive o recebimento da denúncia, determinando-se a remessa dos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal, considerada a narrativa da prática delitiva no exercício do mandato de presidente da República”, afirmou.

O ministro disse que o Ministério Público Federal afirmou que Lula exercia “figura central” em grupo criminoso com ampla atuação em diversos órgãos da administração pública, “sendo a Petrobras apenas um deles”.

“O caso, portanto, não se amolda ao que veio sendo construído e já decidido no âmbito do plenário e da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal a respeito da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, delimitada, como visto, exclusivamente aos ilícitos praticados em detrimento da Petrobras S/A”, disse.

Na decisão, o ministro fez um histórico da jurisprudência do Supremo acerca dos limites da competência da Lava Jato de Curitiba. Segundo ele, inicialmente foram retirados todos os os casos que não se relacionavam com os desvios praticados contra a Petrobras.

“Em seguida, passou a distribuir por todo território nacional as investigações que tiveram início com as delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F. Finalmente, mais recentemente, os casos envolvendo a Transpetro (subsidiária da própria Petrobras) também foram retirados da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba”, afirmou.

O ministro lembrou que o primeiro julgamento que limitou a competência da Lava Jato de Curitiba tratou do caso do ex-ministro Paulo Bernardo, que foi retirado da alçada do então juiz do caso Sergio Moro.

Fachin sustentou que o MPF já sabia que as prática imputadas a Lula iam além da Petrobras quando ofereceu a denúncia e que o órgão poderia, com o avançar das investigações, ter suscitado a mudança de competência para processar o caso.

"Ocorre que a conduta atribuída ao ora paciente, qual seja, viabilizar nomeação e manutenção de agentes que aderiram aos propósitos ilícitos do grupo criminoso em cargos estratégicos na

estrutura do governo federal, não era restrita à Petrobras S/A, mas a extensa gama de órgãos públicos em que era possível o alcance dos objetivos políticos e financeiros espúrios".

AS CONDENAÇÕES DE LULA

Lula foi preso após o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) confirmar condenação do então juiz Sergio Moro contra o petista no caso do triplex do Guarujá.

Moro o condenou 9 anos e seis meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva e o tribunal de segunda instância aumentou a pena para 12 anos de prisão.

Na época, vigorava a jurisprudência do STF que determinava a prisão de réus após decisão de segunda instância, o que viabilizou a prisão de Lula.

Mais de um ano e meio depois, o Supremo derrubou esse entendimento e voltou a definir que o cumprimento de pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado do processo, ou seja, após se esgotarem todos os recursos até o STF.

LoadingNesse meio tempo, enquanto estava preso, Lula foi condenado em outra ação, sob acusação de ter recebido R$ 1 milhão em propina referente à reforma de um sítio em Atibaia que estava no nome de Fernando Bittar, filho do ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar.

Na ocasião, Moro já estava no governo federal como ministro da Justiça e a sentença de 12 anos e 11 meses de prisão foi proferida por Gabriela Hardt, juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba

Já era praticamente dado como certa a anulação da condenação do caso do triplex, responsável por gerar a inelegibilidade que tirou Lula das eleições de 2018. O ex-presidente ficou preso por um ano e sete meses, entre 2018 e 2019, e não pôde disputar a última eleição presidencial, barrado pela Lei da Ficha Limpa.

Após o vazamento de mensagens hackeadas da Lava Jato, ganhou força a tese de que Moro deveria ser declarado suspeito nos processos de Lula, o que levaria à invalidação de sua decisão sobre o caso.

A defesa de Lula já vinha tentando anular as condenações por meio de um pedido de habeas corpus no qual questionava a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro.

No processo de Atibaia, no entanto, Moro atuou como juiz na fase inicial do processo e deixou a magistratura antes de dar uma sentença para condenar ou inocentar Lula. Assim, mesmo que o Supremo declarasse a suspeição de Moro, o petista seguiria inelegível por conta do caso de Atibaia, em que também houve confirmação em segunda instância.

Agora, porém, como ambos os processos foram anulados, Lula retoma seus direitos políticos.

Em uma das ações penais, a Lava Jato afirmou que Lula teria recebido da Odebrecht vantagens indevidas consistentes “em um imóvel para a instalação do Instituto Lula”, à época avaliado em R$ 12,4 milhões; bem como no “apartamento nº 121 do Residencial Hill House”, em São Bernardo do Campo (SP), avaliado em R$ 504 mil.

“Não há, contudo, o apontamento de qualquer ato praticado pelo paciente no contexto das específicas contratações realizadas pelo Grupo Odebrecht com a Petrobras S/A, o que afasta, por igual, a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba ao processo e julgamento das acusações”, disse o relator da Lava Jato no Supremo.

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Decisão jurídica de Fachin é simples, mas resta saber por que foi tomada agora

Anulação não realiza juízo sobre Lula, Moro ou a presença ou ausência de provas no processo

Rubens Glezer

Professor da FGV Direito SP e coordenador do Supremo em Pauta

Por mais complexa que seja a elegibilidade de Lula sob a perspectiva política, a decisão que anulou as condenações do petista na Operação Lava Jato é bastante simples do ponto de vista jurídico.

Essa ambiguidade é central para entender a perplexidade que ela promove. Ela não realiza nenhum juízo sobre Lula ser culpado ou inocente, sobre a imparcialidade ou parcialidade de Sergio Moro ou sobre a presença ou ausência de provas no processo. Trata-se de algo muito mais objetivo. O argumento é que Lula só poderia ser julgado pela Lava Jato de Curitiba se suas ações tivessem alguma relação direta com o que era investigado pela Lava Jato.

Esse é um pilar essencial do Estado democrático de Direito: ninguém pode escolher o juiz que lhe julgará e nenhum juiz pode escolher quem quer julgar. Na linguagem jurídica, essa orientação é chamada de “princípio do juiz natural”. É um mecanismo para coibir tanto a corrupção de juízes quanto a perseguição por parte dos magistrados. Como regra, as ações são julgadas por processos aleatórios de sorteio e distribuição.

Esse processo de distribuição pode ser ignorado no caso de ações judiciais profundamente conectadas entre si. Seria o caso de um juiz que pode reunir sob seu julgamento as ações de diferentes condôminos contra um determinado ato de um mesmo condomínio. É o caso de um juiz que pode reunir sob si todos os casos que envolvam a corrupção realizada de forma sistemática, por uma série de agentes, em uma determinada estatal.

Era exatamente esse o caso da Lava jato de Curitiba. Após um processo inicial de indefinição, estabilizou-se que a Lava Jato investigava o esquema de corrupção envolvendo construtoras e a Petrobras.

Foi em 2015 que o ministro Teori Zavascki, inegável aliado da operação, determinou que a força-tarefa de Curitiba não poderia investigar a corrupção da Eletronuclear, por respeito ao princípio do juiz natural. Na época, a medida foi chamada de “fatiamento” da Lava Jato, mas era uma organização muito simples de limites que qualquer investigação tem que obedecer. Desde então foi fixado claramente que a Lava Jato de Curitiba não poderia investigar e nem julgar fatos ou pessoas que não tivessem um vínculo direto claramente demonstrado de envolvimento com a corrupção da Petrobras para favorecimento de determinadas empreiteiras em contratos de obra pública.

É por esse motivo que a decisão é simples do ponto de vista jurídico. Foi aplicada uma orientação de 2015. Sem a demonstração ou indício de conexão clara e direta de Lula com a corrupção da Petrobras, ele não poderia ter sido processado e julgado por Curitiba. No entanto, a perplexidade, tanto para defensores quanto críticos da medida, resta em compreender por que essa decisão foi tomada agora.

De um lado, se a nulidade do processo é tão simples e evidente, como justificar que Lula tenha sido impedido de participar das eleições de 2018 por um processo claramente viciado? De outro,

se a nulidade é realmente tão simples e evidente, como explicar que a investigação, processamento e condenação de Lula tenham sido chancelados por diversas esferas do Judiciário? Há insatisfação tanto à esquerda quanto à direita.

Não é possível entender as decisões envolvendo Lula sem contextualizar o impacto da Lava Jato no Judiciário como um todo. Desde 2015, o destino do Supremo Tribunal Federal esteve entrelaçado com os rumos da operação e, desse modo, com o da prisão e liberdade de Lula. Foram anos em que o próprio STF endossou teses inusitadas e heterodoxas, na maioria das vezes para reforçar as ações da operação.

Durante esse período, a Operação Lava Jato tomou uma série de decisões arriscadas da perspectiva jurídica. Medidas que demandavam longos argumentos jurídicos para defender que era possível realizar ações que até então não eram consideradas juridicamente possíveis. Uma boa parcela do Judiciário, e o próprio STF, embarcou na mesma toada. O desejo de protagonizar o combate à corrupção se demonstrou mais forte do que o respeito a limites do devido processo legal e a algumas garantias básicas.

Foi nesse momento que o Supremo Tribunal Federal criou, por exemplo, a possibilidade de suspensão cautelar de mandato de representantes eleitos, condições inusitadas de prisão de parlamentares, impedir a realização de entrevistas, proibir a indicação de ministros de Estado.

Porém, com o enfraquecimento da operação, ficou cada vez mais difícil editar ou mesmo manter esse tipo de decisão. Uma série de ações da Lava Jato passaram a ser anuladas pela aplicação simples da legislação processual, sem contorcionismos argumentativos. Os propalados golpes contra a Lava Jato pareciam muito mais um retorno a um estado de previsibilidade.

A anulação das condenações de Lula parece encerrar esse grande ciclo de imprevisibilidade e decisões inusitadas movidas pela agenda da moralização da política ou combate à corrupção. Retomar o processo em outros termos, com o desfecho que for, daria a oportunidade de que o país inicie um processo de fazer as pazes com o devido processo legal, de recuperar o pacto civilizatório de exercer o poder de punição dentro dos limites da racionalidade e fora das ânsias do desejo. No entanto, nada disso pode prosperar se não conseguirmos entender por que essa decisão só foi tomada agora.

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Lava Jato evita embate após decisão pró-Lula, e defesa de procuradores diz que atos estão preservados

PGR vai recorrer após Fachin declarar incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar processos envolvendo petista

Fábio Zanini Katna Baran Vinicius Sassine

A PGR (Procuradoria-Geral da República) vai recorrer contra o habeas corpus concedido pelo ministro Edson Fachin, que declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro processos envolvendo o ex-presidente Lula.

Mas, diferentemente do que já ocorreu em ocasiões anteriores, a Lava Jato evitou embate público e, em vez de ataques à decisão de Fachin, buscou apenas defender os atos da força-tarefa.

Em um breve comunicado enviado pela assessoria do órgão, os procuradores da Lava Jato disseram que, como não atuam junto ao Supremo, seguem “trabalhando nos casos que competem ao grupo nos processos junto à Justiça Federal do Paraná”.

No mesmo sentido seguiu um comunicado da 13ª Vara Federal de Curitiba, na qual hoje o juiz Luiz Antônio Bonat é responsável pelos processos da Lava Jato. A juíza Gabriela Hardt, que condenou Lula no caso do sítio de Atibaia, atua como auxiliar nas ações.

Via assessoria, o órgão informou apenas que cumprirá a decisão, remetendo os autos ao juízo indicado, ou seja, para a Justiça Federal de Brasília.

O advogado Marcelo Knopfelmacher, que defende os procuradores da Lava Jato na Operação Spoofing e em ações de que são alvo no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), afirmou que a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, "preserva os atos de investigação e acusação da operação".

"A decisão do ministro Fachin preserva os atos de investigação e acusação da Operação Lava Jato. Apenas reconhece que para os casos em questão (sitio, triplex e Instituto Lula), a competência não é da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba", afirma.

Segundo ele, a decisão de Fachin significa que o risco de suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está eliminado.

"Com essa decisão também fica definitivamente afastada a questão relativa à suposta suspeição do então juiz Sergio Moro, a partir de diálogos sem nenhuma autenticidade aferida", declarou.

Moro não havia comentado a decisão até a conclusão deste texto. Sua assessoria disse que ele não estava em Curitiba, mas não informou sua localização.

Pelo Twitter, o procurador Deltan Dallagnol, que esteve à frente da força-tarefa da Lava Jato até setembro passado, afirmou que os processos envolvendo Lula correm “reais chances” de prescrição após a decisão de Fachin.

O procurador ponderou que os tribunais, incluindo o STF, já haviam decidido várias vezes sobre a competência do juízo de Curitiba. Mas destacou que houve uma expansão gradativa do entendimento do STF para que casos da Lava Jato fossem distribuídos pelo país.

“Partindo do pressuposto que endosso de que o Min. Fachin sempre teve uma atuação correta e firme, inclusive na Operação Lava Jato, concluímos que ele, apesar de entender de forma diferente, aplicou o entendimento estabelecido pela maioria da 2ª Turma do STF”, disse, exemplificando com o caso de corrupção na Transpetro, que na última quinta-feira (4) também foi encaminhado à Justiça Federal de Brasília.

“Esse é mais um caso derrubado num sistema de justiça que rediscute e redecide o mesmo dezenas de vezes e favorece a anulação dos processos criminais. Tribunais têm papel essencial em nossa democracia e devem ser respeitados, mas sistema de justiça precisa de aperfeiçoamentos”, defendeu na publicação.

Deltan também disse que é preciso “abrir os olhos” para retrocessos que estão acontecendo no combate à corrupção no Brasil, citando como exemplo a possibilidade de prisão a partir de condenação em segunda instância.

Na PGR, segundo as discussões iniciais, o caso caberia a uma análise de turma no STF, composta por só parte dos ministros. Mas Fachin já indicou que levará ao plenário.

Os detalhes do recurso ainda são analisados por Augusto Aras e equipe. Uma parte expressiva do gabinete dele tem o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu como uma espécie de "juiz universal", se arvorando por competências que não se resumiam à vara onde atuava antes de servir ao governo de Jair Bolsonaro como ministro da Justiça e Segurança Pública.

Na cúpula da PGR, o entendimento inicial é que um recurso contra o habeas corpus é necessário, apesar dessa percepção crítica em relação à atuação de Moro --a crítica se estende às próprias forças-tarefas montadas, como a Lava-Jato, alvos de crítica e desmonte por parte de Aras.

A contestação da decisão monocrática de Fachin seria coerente com a linha de recursos da PGR propostos para preservar o que já foi feito em investigações, segundo auxiliares de Aras.

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Ataques de Bolsonaro a Lula com fala sobre 'bandalheira' reforçam polarização prevista para 2022

Assessores palacianos preveem enfrentamento eleitoral e apostam no antipetismo e em destaque de casos de corrupção de gestões petistas

Ricardo Della Coletta Daniel Carvalho

Após o reestabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente Jair Bolsonaro disse que o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), é ligado ao PT, falou em “bandalheira” dos governos petistas e afirmou que os brasileiros não querem a volta do ex-mandatário ao poder.

As declarações do presidente foram na linha do que assessores palacianos preveem num eventual enfrentamento eleitoral entre Bolsonaro e Lula em 2022: a aposta no antipetismo e na polarização com a esquerda, com destaque para os casos de corrupção que marcaram as administrações petistas.

"As bandalheiras que esse governo [do PT] fez estão claras perante toda a sociedade. Você pode até supor a questão do sítio em Atibaia, do apartamento, mas tem coisa dentro do BNDES que o desvio chegou na casa de meio trilhão de reais, com obras fora do Brasil", afirmou Bolsonaro ao chegar no Palácio da Alvorada.

As falas foram transmitidas pela rede CNN Brasil.

"Os roubos, desvios na Petrobras foram enormes, na ordem de R$ 2 bilhões que o pessoal na delação premiada devolveu. Então foi uma administração realmente catastrófica do PT no governo”, acrescentou.

"Eu acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 2022, muito menos pensar numa possível eleição dele".

Ele ressaltou ainda a reação negativa do mercado, com queda da bolsa e alta do dólar, e disse que todos sofrem com a decisão judicial.

O mandatário também investiu contra Fachin, que expediu a decisão que anulou as condenações de Lula.

"O ministro Fachin sempre teve uma forte ligação com o PT, então não nos estranha uma decisão nesse sentido. Obviamente é uma decisão monocrática, mas vai ter quer passar pela turma, não sei, ou plenário [do STF] para que tenha a devida eficácia", declarou.

Ele defendeu que os demais ministros da corte revertam a decisão que reabilitou os direitos de Lula. O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro foi ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo Bolsonaro, mas pediu demissão no ano passado acusando o presidente de tentativa de interferência na Polícia Federal.

Fachin foi indicado para o Supremo pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015.

Nesta segunda, o ministro concedeu habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro processos que envolvem Lula —o do triplex, o do sítio de Atibaia, o de compra de um terreno para o do ex-presidente e o de doações para o mesmo instituto.

Lula está, portanto, com os direitos políticos recuperados e pode se candidatar a presidente em 2022.

Na decisão desta segunda, Fachin argumentou que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras e, por isso, a Justiça Federal de Curitiba não deveria ser a responsável pelo caso.

Na prática, ele devolveu os processos envolvendo à estaca zero.

Auxiliares de Bolsonaro destacam reservadamente que a decisão de Fachin —se mantida até o final do próximo ano— estabelece as bases de um processo eleitoral altamente polarizado entre Lula e Bolsonaro.

Conselheiros palacianos opinam que esse cenário tende a sufocar qualquer candidato de centro.

Também dizem que fere de morte a montagem de uma “frente ampla” contra o bolsonarismo.

Alguns aliados avaliam como positivo esse quadro: um postulante de centro no segundo turno poderia reunir apoios de diferentes segmentos, desde da direita desiludida com o estilo radical do mandatário quanto a esquerda.

Mas outros conselheiros pontuam que recolocação de Lula no tabuleiro eleitoral pode deixar Bolsonaro numa situação incômoda.

Se por um lado permitiria ao presidente reeditar um discurso calcado no antipetismo e no medo da volta da esquerda, Lula é visto como um adversário bem mais competitivo do que o ex-candidato a presidente pelo PT em 2018, Fernando Haddad.

Bolsonaro derrotou Haddad em segundo turno, com 55,13% dos votos contra 44,87%.

Além do mais, um Lula bem posicionado nas pesquisas de opinião de primeiro turno poderia atrair para sua coligação partidos de centro que hoje orbitam o Palácio do Planalto.

Por último a rejeição afetaria os dois postulantes. Lula tem o flanco exposto do antipetismo, mas Bolsonaro já não será um candidato de primeira jornada e terá o desgaste de quatro anos no poder, com uma pandemia que paralisou o país e deixou milhares de mortos.

Em outra entrevista concedida nesta segunda, para a Rede Bandeirantes, Bolsonaro deu nova ênfase a escândalos de corrupção da era petista.

“É muito ruim para o Brasil porque, a partir do momento que você diga que o Lula, [que] foi tudo anulado no tocante a ele, é sinal de que não houve petrolão, não houve roubalheira em várias estatais, em bancos oficiais como o BNDES, não houve nada isso”, disse o presidente.

“O governo do Lula funcionava, diferentemente do meu, na base da compra. Era uma festa. Você lembra, naquele tempo dele era muito comum, de acordo com o que estava sendo votado [no Congresso], uns partidos perderem ministérios, outros ganharem. Assim como bancos oficiais, assim como estatais, diretorias das mesmas. Essa fase de governar que ele fazia lá atrás, coisa que nós não fazemos aqui”, concluiu.

Questionado, Bolsonaro disse que “não tem problema” enfrentar Lula, mas voltou a bater na tecla na necessidade do voto impresso —uma bandeira do bolsonarismo, que ecoa teorias, sem provas, de fraude na urna eletrônica.

“Não tem problema. Gostaria de enfrentar qualquer um, se eu vier candidato, com um sistema eleitoral que pudesse ser auditado, no caso aí um voto impresso ao lado da urna eletrônica, e não apenas este voto eletrônico que está aí, porque muita gente, cada vez mais, reclama dele. E nós queremos umas eleições onde não deixe dúvidas. A preocupação nossa é enorme no tocante a isso aí.”

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No Congresso, centro avalia que decisão sobre Lula enfraquece frente ampla para 2022

Congressistas consideram que retomada de polarização beneficia tanto Lula como Bolsonaro

Danielle Brant Renato Machado Gustavo Uribe

A decisão do ministro Edson Fachin (Supremo Tribunal Federal) de anular os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e restaurar seus direitos políticos foi recebida com preocupação por líderes de partidos de centro.

A avaliação tanto de deputados como de senadores é de que uma candidatura do petista enfraquece a formação de uma frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para as eleições presidenciais de 2022.

O diagnóstico é de que uma disputa entre Lula e Bolsonaro tende a retomar a polarização política de 2018, deixando pouco espaço para o fortalecimento de uma terceira via.

Nesta segunda-feira (8), Fachin concedeu habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro processos que envolvem Lula –o do tríplex, o do sítio de Atibaia, o de compra de um terreno para o Instituto Lula e o de doações para o mesmo instituto.

O ex-presidente está, portanto, com os direitos políticos recuperados e pode se candidatar a presidente em 2022. Segundo líderes petistas, Lula ainda não tomou uma decisão formal, mas já demonstrou disposição em tentar retornar ao comando do Palácio do Planalto.

Defensor da frente ampla para 2022, o ex-presidente da Câmara dos Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) observa que Lula e Bolsonaro são posições fortes na política nacional e que caberá aos partidos de centro contruir um projeto.

“O que cabe agora para aqueles que se opõem ao PT e ao Bolsonaro que consigam construir um projeto de centro viável e que tenha chance de fazer o debate e o enfrentamento político com as duas posições mais fortes da política nacional", disse.

O líder do MDB no Senado Federal, Eduardo Braga (MDB-AM), acredita que ainda deve haver novos desdobramentos na tramitação do processo na justiça federal no Distrito Federal, por isso ainda é cedo para tratar da candidatura de Lula.

No entanto, Braga acredita que participação do petista não necessariamente fará solapar uma frente contra Bolsonaro, uma vez que ele duvida da possibilidade de haver a formação de uma grande aliança política já no primeiro turno da eleição de 2022.

"Só podemos falar em frente ampla contra Bolsonaro no segundo turno [das eleições]. No primeiro turno, é impossível se falar em frente ampla", completou.

Para o líder do PSB na Câmara dos Deputados, Danilo Cabral (PE), a decisão transforma Lula no candidato natural do PT e, assim, cabe aos partidos de centro articular um projeto alternativo.

“O PSB, através do seu processo de autorreforma, está formulando uma proposta para colocar em discussão junto à sociedade e pode, após concluído esse debate, apresentar uma alternativa própria para a disputa eleitoral", disse.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) criticou a decisão de Fachin e disse que não tem dúvidas de que " há motivos para a cassação dos direitos políticos" de Lula. Ele descarta qualquer hipótese de estar lado a lado de Lula nas próximas eleições, mesmo que seja para derrotar Bolsonaro.

"Eu não tenho nenhuma dúvida [de que a participação de Lula atrapalha uma frente ampla]. Onde Lula estiver eu quero estar longe", afirmou.

Se o centro lamentou, congressistas de partidos de esquerda comemoraram a decisão de Fachin. A deputada federal Talíria Petrone (RJ), líder do PSOL na Câmara dos Deputados, afirmou que a decisão faz justiça.

“É a retomada do curso normal do devido processo legal que foi rompido através de uma manipulação jurídico-midiática, que, do nosso ponto de vista, consolidou um golpe institucional e abriu caminho para o bolsonarismo”, afirmou.

“Não à toa, [o ex-ministro Sergio] Moro, o rei da Lava Jato, virou ministro do [presidente Jair] Bolsonaro. Então para nós o correto é isso, os direitos políticos de Lula foram corretamente retomados, e isso inclusive já deveria ter ocorrido em 2018”.

A deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ) parabenizou Fachin por tomar a “decisão correta, mesmo que tardia”. “Essa posição já era defendida por vários juristas e desembargadores. Lula foi preso injustamente e agora retoma direitos políticos. Que venha a suspeição de Moro”, escreveu em uma rede social.

Em caráter reservado, deputados bolsonaristas também avaliaram a decisão como favorável a Bolsonaro em um cenário de polarização política. Para eles, na conjuntura atual, seria melhor para o atual presidente enfrentar um nome com uma rejeição elevada como a dele.

Os aliados de Bolsonaro, contudo, observam que, apesar de o presidente ter um desempenho melhor em um cenário de polarização, é preciso avaliar se o atual desgaste de imagem causado pelo aumento de mortes com a pandemia do coronavírus pode fazer com que a sua rejeição supere a de Lula.

A decisão de Fachin causou insatisfação ainda a partidos que tradicionalmente defendem a Operação Lava Jato. Para o líder do Cidadania na Câmara dos Deputados, Alex Manente (SP), a decisão foi lamentável e representou um retrocesso no combate à corrupção e impunidade”.

“A Lava Jato contribuiu de maneira decisiva para que o Brasil avançasse no combate à corrupção dos poderosos, e essa é uma decisão que nós temos que lamentar, esperando que o Ministério Público recorra e que a turma no Supremo possa reverter essa decisão", disse.

Para Igor Timo (MG), líder do Podemos na Câmara dos Deputados, a decisão causa perplexidade”, depois de “mais de 400 recursos apresentados pela defesa do ex-presidente serem negados".

"E também após trânsito em julgado na primeira e segunda instância e também no STJ", acrescentou.

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Direita faz trégua e promove até panelaço unificado contra decisão do STF pró-Lula

Fábio Zanini

O retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao cenário político colocou do mesmo lado, ainda que momentaneamente, os dois lados da direita.

A reação ao choque com a decisão do ministro Edson Fachin teve o condão de deixar em segundo plano dois anos de ressentimentos e acusações entre bolsonaristas e antibolsonaristas.

Foi possível ver, por exemplo, o influenciador Leandro Ruschel, em geral alinhado ao presidente, concordando com a bolsonarista dissidente Janaina Paschoal.

“Ora, só depois de quatro anos foi possível notar a alegada incompetência? Independentemente de questões políticas, se essa decisão for mantida pelo pleno [do STF], será difícil crer na Justiça”, escreveu Janaina, apoiada em seu comentário por Ruschel.

Até no uso das exclamações os gritos das duas direitas foram ouvidos em uníssono na tarde desta segunda-feira (8).

“Revoltante!! Fachin anula condenações de Lula e torna o ex-presidiário elegível para 2022”, escreveu o deputado federal bolsonarista Bibo Nunes (PSL-RS).

“O país tem que parar!!!”, bradou o deputado estadual Artur do Val (Patriota-SP), ligado ao ex-bolsonarista MBL (Movimento Brasil Livre).

Ele conclamou um panelaço contra a decisão de Fachin às 20h30. Apoiadores do presidente fizeram o mesmo.

Fundador do Partido Novo e hoje um opositor incisivo do presidente Bolsonaro, João Amoêdo, chamou de “absurda” a decisão do ministro. “A impunidade vai avançando”, escreveu.

Na mesma linha, Bernardo Kuster, editor do jornal olavista Brasil Sem Medo, afirmou: “Próximo ato de ofíciodo STF: empossar Lula presidente eterno do Brasil”.

A coincidência de pontos de vista não é de se estranhar. Um dos motores da candidatura presidencial de Bolsonaro em 2018 foi o antipetismo. O desgaste de Lula e de seu partido foi alcançado em grande parte em razão da Operação Lava Jato, que elegeu o ex-presidente como alvo preferencial.

Com o enfraquecimento político do principal representante da esquerda, a direita inevitavelmente olhou para dentro, e começou a disputar espaço, num processo autofágico que levou à abertura de uma fenda separada pelo presidente da República.

A volta da ameaça petista deve gerar uma certa reaglutinação, embora não haja cola que refaça a unidade que se quebrou desde 2019.

Nas primeiras reações da direita à ressurreição de Lula, o que se pôde perceber foram diferenças de tom. Bolsonaristas se comportaram de forma mais exaltada, flertando até com rupturas institucionais, como no caso do ex-deputado federal Roberto Jefferson (RJ), presidente nacional do PTB.

Em um tuíte, ele fez menção a uma ação das Forças Armadas após a decisão do ministro. “O poder não é a toga, é o fuzil. Já é hora de ele afirmar seu poder moderador e garantidor da democracia, da lei e da ordem”, declarou.

Outro a pedir uma ação firme contra o STF foi o comentarista bolsonarista Rodrigo Constantino. “Enquanto tivermos respeito por gente como esses ministros do Supremo, tentando debater juridicamente suas decisões políticas seremos parte do problema, não da solução”, afirmou.

Em grupos de WhatsApp da direita, a reação mesclou indignação com conformismo.

Um card que circulou entre apoiadores do presidente dizia: “Falta pouco para o STF concluir que fomos nós que roubamos o Lula”.

“Já está tudo arquitetado, as urnas eletrônicas já têm o ganhador. Agora espero que todos entendam que somente uma intervenção militar salva o povo brasileiro. Chegou o momento”, afirmou um defensor de Bolsonaro.

A primeira reação à decisão do STF não significa que a direita vai caminhar unificada em defesa da reeleição de Bolsonaro em 2022 –certamente não no primeiro turno.

A grande questão é o quanto ela vai se unir no segundo turno caso do outro lado esteja a figura de Lula e a perspectiva real da volta da esquerda ao poder no Brasil.

O exemplo da Argentina, em que o kirchnerismo retornou após o fracasso de um presidente de direita, assusta a direita brasileira. Como mostrou a reação emotiva à decisão de Fachin, uma parte deve voltar para o ninho do capitão.

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Decisão pró-Lula é recebida com indignação por bolsonaristas e frustra críticos da polarização

Eventual candidatura do petista reembaralha cenário de 2022; apoiadores de Bolsonaro criticam impunidade, mas silenciam sobre eleição

Joelmir Tavares

A decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), que anulou processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e devolveu a ele os direitos políticos foi recebida com indignação, frustração e empolgação em diferentes correntes do universo político.

As primeiras reações à decisão, expressas por autoridades, parlamentares e dirigentes partidários em redes sociais e entrevistas, convergiram ao menos em um ponto: a eventual entrada do petista no xadrez eleitoral da corrida ao Planalto em 2022 embaralha todos os cenários calculados até agora.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que hoje é favorecido pela fragmentação na esquerda e na direita —ambas em busca de competidores fortes para enfrentar o postulante à reeleição—, pode ganhar um adversário de peso caso Lula, que governou o país de 2003 e 2010, decida concorrer.

Uma das hipóteses discutidas é a de que uma repetição da polarização com o PT, ocorrido no segundo turno de 2018, abra caminho para a recondução do atual mandatário. Por essa leitura, o antipetismo pode falar mais alto novamente e dar a Bolsonaro um segundo mandato.

Outros líderes políticos apostam que a reprise do embate interessa às duas forças antagônicas, já que poderia representar uma espécie de revanche, sem a interferência de adversários que se apresentem como opções mais moderadas ou conciliadoras.

Bolsonaristas que simpatizam com a agenda do combate à corrupção, um dos pilares da vitória do atual presidente em 2018, lamentaram a decisão de Fachin. Em um primeiro momento, porém, muitos deles evitaram fazer relação direta entre a recuperação dos direitos políticos de Lula e a eleição.

Comentários de membros da tropa de choque do presidente no Congresso seguiram um tom sóbrio, girando em torno de temas como corrupção, impunidade e ativismo do STF, sem mencionar os efeitos no pleito de 2022. Influenciadores digitais conservadores, em sua maioria, também se limitaram a informar detalhes jurídicos, defenderam a Lava Jato e atacaram o PT.

"Com a decisão, o ex-presidiário recupera os direitos políticos e volta a ser elegível", escreveu a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro no Congresso. "O ex-presidente agora torna-se elegível de acordo com a Lei da Ficha Limpa. Onde iremos parar?", reagiu Chris Tonietto (PSL-RJ).

O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, chamou a decisão de Fachin de insanidade, golpe e abuso de autoridade. Para o aliado de Bolsonaro, o ministro do STF, "numa canetada só, acabou com todo o trabalho da Lava Jato".

"Essa é a prioridade do Brasil, inocentar Lula? Acusam Bolsonaro de não fazer nada para combater a pandemia, mas o que mais estão preocupados é com a situação política de Lula? Faltam palavras para classificar o sentimento diante de tamanho absurdo", afirmou Jefferson.

O site Crítica Nacional, alinhado ao presidente, afirmou que "a volta de Lula ao cenário político serve de coroamento do quadro de delinquência institucional que tomou conta do país em período recente".

O texto apontou haver um "completo estrangulamento do ordenamento jurídico nacional" e afirmou que o quadro de insegurança jurídica, que já "engessou e imobilizou o governo federal" no contexto da pandemia, agora se encontra "materializado na volta do chefe petista ao cenário político-eleitoral".

Líder do Novo na Câmara, o deputado federal Vinicius Poit (SP) qualificou a decisão de Fachin como absurda e "piada com os brasileiros". E criticou: "Impunidade reinando".

Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-aliada de Bolsonaro, afirmou que ele comemora a medida favorável ao petista porque "conseguiu ter Lula como adversário em 2022 e assim ter alguma chance". A deputada se referiu ao ex-presidente como meliante e "assaltante do país".

No campo que se coloca no centro do espectro político e vem trabalhando pela construção de alternativas ao bolsonarismo e ao petismo, Fachin despertou desânimo. Opositores de Bolsonaro que navegam em faixas moderadas da direita disseram que a chama da polarização vivida em 2018 poderá ser reacesa.

"Lula elegível. Bolsonaro acaba de ser reeleito. Desolador", afirmou o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP). "A única chance de Bolsonaro em 2022 é Lula, e a única chance de Lula é Bolsonaro. Um só tem chances de vencer se for para o segundo turno com alguém de rejeição semelhante. Brasil segue afundando em qualquer um dos cenários."

Pré-candidato do DEM a presidente, o ex-ministro da Saúde (gestão Bolsonaro) Luiz Henrique Mandetta foi na mesma toada: "Os extremos comemoram, pois se nutrem um do outro. A ruptura da liga social brasileira avança. Mais que nunca, o povo de bem terá que apontar o caminho para pacificar este país".

O apresentador e presidenciável Luciano Huck, tido em alas de centro como um nome que poderia encarnar a figura da terceira via, disse que é preciso "respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente".

Sem especificar se tratava do cenário eleitoral, o comunicador da TV Globo, que não tem filiação partidária nem oficializou sua entrada na vida pública, concluiu: "Mas uma coisa é fato: figurinha repetida não completa álbum".

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que vem trabalhando pela construção de uma candidatura presidencial de oposição ao bolsonarismo e ao petismo, adotou o silêncio e, até o início da noite desta segunda-feira (8), não havia comentado o episódio.

Presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo disse, por meio de nota, que a decisão "abre espaço para a contraposição direta, no Brasil, dos candidatos que têm representado os extremos, à direita ou à esquerda, Bolsonaro e Lula".

"Mas também é uma oportunidade para candidaturas de centro, ponderados, se apresentarem melhor. A maioria dos brasileiros está cansada de gritaria, de grupos inconciliáveis, de crise. Quer é superar a pandemia e olhar para frente", afirmou Araújo.

O PSDB —que também abriga o presidenciável Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul— fez manifestações em redes sociais nas quais sugeriu que a decisão deixa Bolsonaro e Lula felizes.

O perfil do PSDB no Twitter afirmou que "existe caminho fora dos extremos", que "o Brasil merece mais trabalho e menos gritaria". O discurso propagado pela direção tucana foi o de que "o Brasil pode ter a chance de, democraticamente, se livrar do lulismo e do bolsonarismo em 2022. Basta votar diferente".

O presidenciável Ciro Gomes (PDT), nome da esquerda que quer buscar apoios no centro e tem pontuado seu distanciamento da ala lulista do PT, evitou comentar reflexos no jogo eleitoral, mas postou em uma rede social uma compilação de falas suas com críticas à Lava Jato.

"Sobre a decisão do ministro Fachin, veja o que sempre tentei avisar ao Brasil", escreveu.

Há alguns dias, em entrevista à Folha, Ciro afirmou que "Lula foi vítima de julgamentos muito suspeitos por parte do então juiz Sergio Moro".

Na esquerda que mantém interlocução com Lula, a medida judicial foi recebida com empolgação e interpretada como sinal automático da candidatura. À Folha Guilherme Boulos (PSOL) disse que a decisão "vem com três anos de atraso, mas desmonta a farsa que elegeu Bolsonaro".

O ex-candidato a prefeito de São Paulo, cotado para disputar a Presidência em 2022, afirmou não ver a entrada de Lula na disputa como empecilho para a união da esquerda, pela qual ele vem trabalhando, com o ojetivo de evitar um novo triunfo de Bolsonaro.

"Continuo trabalhando para uma mesa de unidade, uma mesa de salvação nacional, para que a esquerda chegue de forma unitária em 2022 e derrote Bolsonaro", disse, rechaçando a tese de que a decisão possa reforçar a reeleição do presidente. "Não dá força para Bolsonaro, mas para a democracia brasileira."

Presidente do PCO e entusiasta de uma candidatura lulista, Rui Costa Pimenta foi às redes sociais comemorar. "Mas é preciso acompanhar cuidadosamente o jogo da burguesia. [...] A decisão foi tomada para preservar os crimes da Lava Jato e dos golpistas, incluindo as mazelas do próprio STF", afirmou.

"Lula candidato já e às ruas!", exortou Pimenta.

Em 2018, Lula teve a candidatura barrada pela Justiça Eleitoral e foi substituído pelo então candidato a vice na chapa, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que no mês passado, diante da indefinição do futuro do ex-presidente, foi lançado pelo PT como pré-candidato.

Lula, porém, deu sinais de que não descarta tentar um retorno ao Planalto. Nas últimas semanas, ele afirmou estar "à disposição" para enfrentar o atual chefe do Executivo e falou que poderia colocar seu nome nas urnas caso houvesse "uma razão maior".

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Bolsonaro adota 'Plano Vacina' para tentar estancar perda de popularidade

Com a escalada de mortes e a tímida evolução na imunização, auxiliares do governo defendem uma estratégia de reação para o que classificam como pior momento do governo

Daniel Carvalho Gustavo Uribe Renato Machado

Com a adoção de uma retórica pró-vacina, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deu início a ofensiva política para tentar estancar perda de popularidade causada pela aumento do número de mortes e pela tímida evolução na imunização da população contra o coronavírus.

A tentativa de reação do presidente a um desgaste de imagem foi apelidado no Palácio do Planalto de Plano Vacina. Ela envolve tanto publicações nas redes sociais para mostrar o esforço da gestão federal na compra de imunizantes quanto a gravação de vídeos sobre investimentos feitos no setor da saúde.

Segundo relatos feitos à Folha, o Ministério da Saúde repassou ao Palácio do Planalto uma prestação de contas do que foi feito até o momento no combate à doença. A proposta é que as medidas sejam exploradas na tentativa de rebater a crítica de que o presidente tem falhado no combate à doença.

O plano prevê ainda que Bolsonaro reduza as frentes de tensão criadas por ele desde o início da pandemia, o que, na avaliação de assessores presidenciais, diminuiu o apoio a ele nas redes sociais e impactou em sua aprovação em pesquisas de opinião.

Apesar de não ter abandonado a defesa de medicamentos sem eficácia e as críticas a prefeitos e governadores pelas medidas restritivas, o presidente incorporou um personagem que tem a vacina como prioridade, deixando para trás a campanha anti-imunização que protagonizava até recentemente.

A estratégia, que começou a ser delineada na semana passada, foi explicitada nesta segunda-feira (8). Na tentativa de rebater desgaste causado pela recusa no ano passado de vacinas da Pfizer pela gestão federal, o Palácio do Planalto entrou em contato com a farmacêutica.

Segundo assessores presidenciais, integrantes da Casa Civil procuraram executivos da empresa na última sexta-feira (5). E pediram uma videoconferência com o presidente, que foi realizada nesta segunda com a participação do CEO mundial da farmacêutica, Albert Bourla.

"Quero apenas agradecer a gentileza deste encontro. Reconhecemos a Pfizer como uma grande empresa mundial, com grande espaço no Brasil também", disse Bolsonaro. "E em havendo, repito, possibilidades, nós gostaríamos de fechar contratos com os senhores até pela agressividade que o vírus tem se apresentado no Brasil", concluiu, em gravação divulgada em suas redes sociais.

Aos jornalistas, coube ao ministro da Economia, Paulo Guedes, inaugurar o novo posicionamento pró-vacina do governo. "Acho que a vacinação em massa agora é a primeira prioridade do governo", afirmou após reunião com a Pfizer.

A mudança de postura ocorre após o bunker digital do Palácio do Planalto ter identificado uma diminuição de engajamento de internautas bolsonaristas em defesa da postura anti-vacina do presidente. Segundo relato feito à Folha, a diminuição se acentuou na semana passada.

O receio se potencializou após pesquisas de opinião, promovidas por instituições financeiras, apontarem queda nos índices de popularidade do presidente por causa da piora da pandemia do coronavírus. Uma delas inclusive, segundo relato feito à Folha, foi entregue na semana passada a assessores palacianos.

O cenário negativo levou o Palácio do Planalto a montar uma estratégia de reação que, na avaliação de aliados do presidente, se tornou ainda mais necessária com a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin que permite ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato em 2022.

A postura pró-vacina do presidente, no entanto, não tem convencido nem mesmo deputados da base aliada. Eles lembram que Bolsonaro já moderou o discurso em outras ocasiões, mas, na sequência, voltou a adotar retórica agressiva, recorrente em sua trajetória política.

"Não é possível saber se é uma mudança que vai durar ou se é apenas conjuntural. Mas não há como negar a importância de o presidente ter promovido uma reunião com a Pfizer", disse o governador do Piauí, Welligton Dias (PT), representante do Fórum dos Governadores do Brasil.

Para fazer um contraponto a Bolsonaro, os presidentes da Câmara e do Senado têm sido pressionados por governadores e parlamentares a criarem uma espécie de frente paralela de enfrentamento à pandemia do coronavírus.

A ideia é que eles atuem como intermediadores na relação entre os governos federal e estaduais. Um dos formatos discutidos seria a criação de um gabinete de crise, sob a liderança do Congresso, mas com a participação de membros do Ministério da Saúde e do próprio ministro, Eduardo Pazuello.

Em reunião de líderes de bancadas nesta segunda, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, foi duramente cobrado para aderir ao pacto nacional proposto pelos governadores. A cobrança partiu de senadores da oposição e também mais próximos do governo.

O líder da maioria, Renan Calheiros (MDB-AL), foi um dos parlamentares que trouxe a questão à tona durante a reunião. Afirmou que o Senado deveria atuar em duas frentes, com a instalação da CPI da Covid-19 e também com a adesão ao pacto proposto pelos governadores.

"O Senado Federal não pode se omitir no momento mais grave da nação. Não pode faltar aos cidadãos. É imperiosa e inadiável a abertura da CPI da Covid, sob uma ótica técnica e despolitizada. Todos os critérios exigidos estão sendo atendidos. Não instalar a CPI é enfraquecer o Senado", afirmou.

Pacheco e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, se reuniram na tarde desta segunda e discutiram o pacto propostos pelos governadores. Lira manteve diálogo com os chefes dos Executivos estaduais ao longo do fim de semana.

"Nós estamos alinhando ações efetivas para poder acompanhar o trabalho necessário ao enfrentamento da pandemia. Além das proposições legislativas, estamos discutindo ações efetivas para contribuir com o Executivo", informou por meio de nota.

Para não criar mais zonas de tensão, o presidente desistiu, pelo menos no curto prazo, de fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, o que era aguardado desde o início da semana passada. A ideia era que ele criticasse as medidas restritivas na gravação.

Para não deixar de falar com seu eleitorado mais radical, no entanto, o presidente manteve discurso populista na interação com seus apoiadores na porta do Palácio da Alvorada. Ele disse que não usará o que chamou de "meu Exército" para executar lockdowns ou outras medidas restritivas.

"Vou só dar um recado aqui: alguns querem que eu decrete lockdown. Não vou decretar. E pode ter certeza de uma coisa: o meu Exército não vai para a rua para obrigar o povo a ficar em casa. O meu Exército, que é o Exército de vocês. Então, fiquem tranquilos no tocante a isso daí", disse.

Mais cedo, em suas redes sociais, o presidente publicou um vídeo em que um homem discute com policiais militares que o abordaram para que cumprisse decreto de restrição de circulação em um município que não é identificado na postagem.

De acordo com auxiliares, não está na programação do presidente nenhuma viagem como as que ele tem feito semanalmente provocando aglomerações de pessoas sem máscaras em localidades

que, muitas vezes, não têm estrutura de saúde adequada para atendimentos de pacientes graves de Covid-19.

Porém, para celebrar o Dia Internacional da Mulher, Bolsonaro reuniu cerca de 20 funcionárias do Palácio do Planalto para um almoço.

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Editorial - Reviravolta

Incertezas criadas com anulação de ações contra Lula requerem resposta do STF

Ao anular com uma canetada todas as ações movidas pela Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Curitiba, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, tomou sozinho uma decisão de enorme impacto.

O despacho desta segunda (8) determina que os processos sejam encaminhados à Justiça Federal do Distrito Federal, para que as acusações do Ministério Público Federal sejam reexaminadas e o líder petista tenha novo julgamento.

A anulação das sentenças que condenaram Lula nos casos do tríplex de Guarujá e do sítio de Atibaia restitui por ora seus direitos políticos e abre caminho para que ele volte a disputar eleições, embaralhando as cartas da sucessão do presidente Jair Bolsonaro.

Fachin tomou a drástica medida ao examinar um recurso apresentado pela defesa do ex-presidente no fim do ano passado, em que os advogados questionaram mais uma vez a competência da Justiça Federal do Paraná para julgar Lula.

Ao longo dos anos, o STF estabeleceu o entendimento de que somente processos relacionados ao esquema de corrupção descoberto pela Lava Jato na Petrobras tramitariam em Curitiba, sendo transferidas a outras jurisdições as demais ramificações.

A corte ainda não havia tratado do problema no caso específico de Lula, em que as conexões com os desvios na estatal não são incontestes. Ao fazê-lo, Fachin entendeu que as ações movidas contra o ex-presidente estavam no lugar errado e remeteu tudo para Brasília.

Embora os questionamentos do líder petista à competência de Curitiba tenham sido recorrentes nos últimos anos, o ministro argumentou que somente agora a consolidação da jurisprudência do tribunal tornava viável seu exame.

A decisão não tem relação com os questionamentos feitos pela defesa de Lula à isenção do ex-juiz Sergio Moro, assunto de um habeas corpus que agora Fachin mandou arquivar. Existe a hipótese de que ele tenha procurado conter danos, impedindo o efeito cascata que uma reprovação a Moro poderia gerar.

Mas é possível que os advogados do ex-presidente insistam para que a corte examine os métodos heterodoxos do ex-juiz, com o objetivo de anular também as investigações que, sob sua supervisão, reuniram as provas anexadas às denúncias do Ministério Público, o que criaria tumulto em toda parte.

Os demais ministros do STF ainda terão chance de opinar sobre a decisão de Fachin no plenário, quando for recebido o recurso anunciado pela Procuradoria-Geral da República contra a medida.

Caberá ao colegiado encontrar rapidamente o equilíbrio necessário para a preservação da ordem jurídica e da credibilidade do tribunal.

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Editorial - Vexame em Israel

Comitiva que gasta verba pública em busca de spray deveria aprender sobre vacina

Na sequência de descalabros da gestão da pandemia de Covid-19 pelo governo Jair Bolsonaro, a viagem de uma comitiva a Israel em busca de um spray nasal que está em fase inicial de testes seria apenas ridícula se não consumisse dinheiro público já escasso.

Comandado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o grupo oficial de dez integrantes desembarcou naquele país no sábado (6) com objetivo principal de assinar um memorando para trazer tal droga ao Brasil —conforme declarado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que faz parte da trupe.

Ocorre que o remédio, chamado EXO-CD24 e dado como possivelmente “milagroso” pelo chanceler, ainda está na chamada fase 1 de pesquisa clínica. Não se sabe se a droga, que é usada contra o câncer de ovário, é segura e eficaz para pacientes de Covid-19.

A previsão é que a etapa inicial dos experimentos com o spray em Israel —com apenas 30 pessoas— seja concluída em 25 de março. Tudo correndo bem, o desempenho da droga contra o coronavírus será então testada nas etapas seguintes com amostras maiores.

Não tem cabimento, portanto, uma viagem oficial por um produto cuja pesquisa clínica está apenas começando. Para uma ideia, somente em drogas aplicadas por inalação contra a Covid-19 há 35 experimentos em humanos no mundo. A pesquisa de Israel está entre as mais incipientes delas.

O vexame da incursão em Israel é maior por se tratar do país recordista mundial em vacinação na crise sanitária. Mais da metade da população israelense já foi imunizada, ante menos de 5% no Brasil.

Lá, os membros da comitiva foram instados a fazer distanciamento social e a usar máscaras faciais —práticas que renegam aqui.

Na charlatanice bolsonarista, o spray passou a ocupar parte do espaço cedido pela cloroquina, antimalárico com o qual se despendeu energia e recursos públicos humanos e orçamentários.

Fez-se tudo isso mesmo diante de centenas de pesquisas concluídas em todo o mundo que constataram a ineficácia do medicamento.

Enquanto isso o governo de Jair Bolsonaro fracassa miseravelmente em providenciar o único instrumento capaz de conduzir à superação da pandemia —a vacina. Ao menos esse ensinamento deveria ser absorvido em Israel, se os enviados mostrassem alguma disposição para o aprendizado.

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Opinião - Políticas públicas de empoderamento

Programas devem visar as mulheres, cada vez mais provedoras do lar

Bia Doria

A pandemia de Covid-19 escancarou a situação de vulnerabilidade de uma grande parte da população brasileira, aumentando também a visibilidade da participação da mulher como provedora de renda do lar.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o percentual de domicílios brasileiros comandados por mulheres passou de 25%, em 1995, para 45% em 2018, último dado, embora hoje deva ultrapassar os 50% devido a pandemia.

A maior concentração de provedora mulher encontra-se nas camadas mais pobres, com maior grau nas que têm menos escolaridade, mais jovens, separadas e negras —situação essa que a força ao mercado de trabalho e a responder pela manutenção da família. Aqui, o conceito de chefia usado é o que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) chama de pessoa de referência: o integrante da família considerado responsável pela casa.

Sabemos que, por se tratar de um fenômeno social complexo, a pobreza não se restringe necessariamente aos níveis de renda e à falta de determinados bens materiais. O governo de São Paulo, por meio do Fundo Social e de várias secretarias, vem desenvolvendo políticas públicas dirigidas à mulher visando amenizar a sua carga de trabalho, aumentar sua geração de renda e, consequentemente, da sua família.

Um dos programas do Fundo Social é a Praça da Cidadania, que tem por objetivo promover espaços destinados à proteção e inclusão social, ao aperfeiçoamento profissional e à participação comunitária de pessoas em situação de vulnerabilidade social, com soluções integradas focadas em educação, economia, esporte, lazer, cultura e ecologia.

Nos cursos de qualificação, cerca de 85% dos participantes são mulheres. Os cursos são ministrados em parceria com o Centro Paula Souza e voltados ao mercado de trabalho e incentivo ao empreendedorismo local.

Atualmente estão em funcionamento as Praças da Cidadania de Santo André, Guarulhos e Paraisópolis, e estão em desenvolvimento as praças de São Miguel Paulista, Cubatão e Heliópolis. A meta até dezembro de 2022 é somar 20 unidades no total. Esse programa é uma parceria entre o governo do Estado, municípios, empresas e entidades sociais locais. Além dos cursos, as Praças da Cidadania contam com serviços de assistência às pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Outros programas desenvolvidos pelo Fundo Social são a São Paulo Mais Humana, plataforma digital e aplicativo que conecta pessoas e empresas que desejam contribuir com causas sociais, seja por meio de voluntariado ou doações, de acordo com as necessidades das entidades localizadas no seu entorno; a Proteção Alimentar, com distribuição de cestas básicas a todos os municípios do estado (foram distribuídas 583.664 cestas em 2020); a distribuição de kits de higiene (670.094 unidades em 2020) e o programa Inverno Solidário (451.506 cobertores arrecadados em 2020, ante os 54 mil no ano anterior), a maior arrecadação de todos os tempos. Todos esses programas são, em sua maioria, desenvolvidos pensando na mulher, que há muito deixou de ser o sexo frágil.

Bia Doria-Primeira-dama do estado de São Paulo e presidente do Conselho do Fundo Social de São Paulo

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Opinião - Ninguém quer o segundo turno dos pesadelos, mas caminhamos para ele mesmo assim

Joel Pinheiro da Fonseca

Estamos tão viciados na dicotomia Bolsonaro-PT que não largamos dela

Em breve descobriremos se a decisão do ministro Fachin de anular quatro processos contra Lula por um erro de jurisdição (que já tinha sido discutido no passado) veio a favor ou contra Lula, a favor ou contra Moro, para salvar ou matar a Lava Jato.

Tudo está em aberto, a depender da velocidade do tribunal do Distrito Federal e da segunda instância. Se os julgamentos demorarem, a vitória é de Lula, que concorrerá em 2022. Se forem rápidos, Lula voltará a ser ficha-suja, dessa vez sem a esperança de uma reversão graças à suspeição de Sergio Moro. Uma decisão judicial deveria ser completamente alheia à política. Mas a instabilidade, arbitrariedade e casuísmo das decisões no Brasil obrigam que a gente as interprete apenas dessa maneira.

Seja como for, essa reviravolta monocrática, ainda que coloque tudo de volta no mesmo lugar, reacendeu nos corações e mentes aquela suspeita chata, que buscamos afastar e que, como uma mosca, se recusa a ir embora: a de que, em 2022, ficaremos entre Bolsonaro e PT.

Os males de Bolsonaro dispensam apresentação. Estamos há dois anos sob o governo mais inepto que este país já viu, com um presidente que é fonte constante de instabilidade e ataques às instituições. Educação, saúde pública e meio ambiente jogados ao fogo; o Brasil, um pária internacional; o debate público envenenado por mentiras numa escala inédita; perseguição à imprensa; a tal agenda de reformas já com o pé na cova.

Lula, por sua vez, traz um PT não só sem a famosa “autocrítica”, mas empedernido em seus piores crimes. Pelo discurso partidário, não houve mensalão nem corrupção na Petrobras ou junto às empreiteiras. Foi tudo uma criação da mídia e da direita e chegou a hora da desforra. Nas propostas, é populismo na veia: da economia ao controle da mídia.

É quase impensável Bolsonaro não ir pro segundo turno. Vivemos o pior momento da pandemia em que, sem figura de linguagem, Bolsonaro matou ao menos dezenas de milhares de pessoas. Se os seus 30% não o abandonaram até agora, é preciso muita fé para imaginar que o abandonarão depois. A chance de impedir o Bolsonaro-PT, portanto, está em alguém superar o candidato do PT no primeiro turno.

Pelo que as pesquisas mostram, há uma chance. Se o voto da esquerda for fragmentado e o centro se unificar em um candidato (que concentre os votos hoje pulverizados entre Moro, Doria, Mandetta, Huck) há um caminho para alguém de fora da polarização ir para o segundo turno. Outro caminho é Ciro conseguir alguns votos do centro e conquistar parte da esquerda que iria para o candidato do PT. Só não é provável.

Se Lula for candidato, fica ainda mais difícil. Lula concentra os votos que estariam dispersos na esquerda. Isso mata a chance de um nome de centro-esquerda como Ciro. Bolsonaro também se fortalece com Lula candidato, o que dificultará a vida dos demais nomes de centro.

O nome que poderia mais naturalmente se colocar ao mesmo tempo contra Lula e Bolsonaro e ainda reivindicar o legado da Lava Jato —hoje enterrada por uma combinação dos três Poderes— é Sergio Moro, mas ele parece determinado a se omitir do debate político.

PT e Bolsonaro, se acontecer, não será uma escolha difícil. Cada um de nós já sabe muito bem como votaria. Mas colocar-nos nessa escolha já é uma derrota. Estamos tão viciados na dicotomia e tão descrentes de qualquer terceira via que não largamos dela. Guiamos para o precipício, vemos o precipício na nossa frente, mas não mudamos a rota.

Joel Pinheiro da Fonseca -Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Coluna - Hélio Schwartsman

Fachin tenta salvar a Lava Jato

A corrupção mostrada pela operação precisa ser julgada pelo processo legal

Ao anular processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e devolver-lhe os direitos políticos, o ministro do STF Edson Fachin tenta salvar o que for possível da Lava Jato. É um caso clássico de entregar os anéis para não perder os dedos.

Se a decisão de Fachin se mantiver, não há mais razão para o Supremo julgar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro em relação a Lula. Evita-se assim que se abram comportas que poderiam levar à anulação de várias condenações de vários réus. A decisão permite até que os casos do tríplex no Guarujá e do sítio em Atibaia sejam julgados de novo, mas agora pela Justiça Federal de Brasília.

Objetivamente, o que Fachin fez foi acatar pedido da defesa para considerar a Justiça Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos de Lula. Esse sempre foi o melhor argumento jurídico do ex-presidente.

O deslocamento de processos que corriam em São Paulo para as mãos de Moro sempre me pareceu forçado.

O problema é que a Justiça, em várias instâncias, já negara solicitações semelhantes da defesa. Aceitar a argumentação agora, após anos de tramitação e na iminência do que se afigurava como derrota certa para a ala lava-jatista do STF, soa como casuísmo.

Entendo a preocupação de Fachin em evitar que a Lava Jato desmorone numa reação em cadeia de anulações. O Brasil sofreria mais um vexame internacional se solicitasse às autoridades suíças que restituíssem o dinheiro desviado a seus ilegítimos donos. Receio, porém, que a opção de Fachin por evitar que enfrentemos as questões difíceis não seja uma boa estratégia.

Se Moro foi parcial em relação a Lula, esse não é um problema que devamos varrer para debaixo do tapete. Fazê-lo só aumenta o descrédito no Judiciário. Os casos de corrupção levantados pela Lava Jato são reais, mas precisam ser julgados segundo as regras do devido processo legal previstas na legislação.

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Coluna - Alvaro Costa e Silva

Bolsonarização do país avança como a Covid

Instituições se deixam contaminar por políticas favoráveis ao presidente

Não é só a Covid. A bolsonarização também avança no país. Segue o último boletim com os sintomas da doença:

Na compra da mansão de R$ 6 milhões no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, rolou um ménage à trois: a juíza que ajudou a fazer um parecer a favor do senador Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas, no Superior Tribunal de Justiça, é namorada do ex-dono do imóvel negociado com o filho 01. No Rio, o Ministério Público dissolveu o grupo que investigava Flávio e o vereador Carlos Bolsonaro em esquemas de corrupção. Em outra mudança, a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, bolsonarista de vestir a camisa, foi transferida para o inquérito sobre lavagem de dinheiro que envolve o senador.

A segunda turma do STF rejeitou por três votos a dois a denúncia contra o presidente da Câmara, Arthur Lira, pela prática de crime de organização criminosa. A decisão —que beneficiou três outros parlamentares do centrão— contou com o voto decisivo do ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello.

O governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, vetou o projeto de lei que autorizava a compra de vacinas fora do Plano Nacional de Imunização. Castro tem se destacado na função de valet de chambre de Bolsonaro.

Principal fabricante de hidroxicloroquina no Brasil, a Apsen Farmacêutica assinou em 2020 contratos de empréstimos com o BNDES no total de R$ 153 milhões, valor sete vezes maior que o crédito liberado para a empresa nos 16 anos anteriores. O presidente da Apsen, Renato Spallici, comemorou um faturamento recorde de quase R$ 1 bilhão durante a pandemia. Spallici é apoiador de primeira hora de Bolsonaro, que propagandeou o medicamento sem eficácia contra a Covid até para as emas do Palácio da Alvorada.

Quanto renderá —e para quem— o spray nasal miraculoso de Israel?

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Coluna - Painel

Camila Mattoso

Advogados e magistrados dizem que decisão de Fachin praticamente garante Lula em 2022

Eles apontam duas razões: chance de prescrição dos crimes e o tempo para eventual nova condenação

Integrantes do mundo jurídico afirmam que a decisão de Edson Fachin, se mantida, praticamente garante a chance de Lula poder disputar a eleição de 2022.

Advogados e magistrados apontam duas razões: a chance de prescrição de quase todos os crimes dos quais ele é acusado e o tempo que levaria para eventual nova condenação em segunda instância.

O prognóstico depende do plenário do STF, que vai julgar o ato de Fachin. Se a maioria referendar, eles dizem, o petista estará na eleição.

Todos os fatos apontados contra Lula até 2012 devem prescrever, segundo advogados. Além disso, eles afirmam que a Justiça do DF teria que funcionar como nunca antes na história do país para conseguir impedir o petista de concorrer.

TRF-2 vê decisão de Fachin como oportunidade de doleiros escaparem de Bretas

Investigação é desdobramento da investigação sobre Sérgio Cabral e mira doleiros que atuavam com Dario Messer

No TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), segunda instância dos processos da Lava Jato do Rio de Janeiro, a decisão do ministro Edson Fachin é vista como uma oportunidade para os advogados dos doleiros alvos da operação Câmbio, Desligo.

A investigação é desdobramento da investigação sobre Sérgio Cabral e mira doleiros de diversos estados que atuavam com Dario Messer, o "doleiros dos doleiros".

No Tribunal, a análise feita é que cada caso poderá seguir para a Justiça Federal do estado onde o operador financeiro atuava e sair das mãos do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio.

Bolsonaro faz insinuações de cunho obsceno sobre Eduardo Leite, governador do RS

Presidente disse que governadores usaram dinheiro do governo federal para colocar contas do estado em dia

O presidente Jair Bolsonaro voltou à carga contra os governadores e disse que muitos utilizaram dinheiro destinado pelo governo federal à saúde para colocar contas do estado em dia.

Em entrevista ao programa do Datena, o presidente citou Eduardo Leite (PSDB-RS) e fez insinuações de cunho obsceno sobre o tucano.

"Onde o governador do Rio Grande do Sul, que fala muito manso, muito educadamente, uma pessoa até simpática, mas é um péssimo administrador. Onde ele enfiou essa grana? Eu não vou responder pra ele, mas eu acho que eu sei onde ele colocou essa grana toda aí, não colocou na saúde", disse Bolsonaro no programa.

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Coluna - Painel S.A

Joana Cunha

Anulação de condenações de Lula turva cenário do empresariado

Representantes do setor privado falam em turbulência e imprevisibilidade

A anulação das condenações de Lula nesta segunda (8) turvou a visão do empresariado. Para o sócio de uma grande empresa financeira, é uma encruzilhada. A avaliação é que Bolsonaro joga contra a PEC Emergencial, demora para encarar a solução da vacina e vai repetir cenas como a ação na Petrobras. Enquanto isso, Lula deve começar a costurar o retorno político, cenário que o mercado receia.

Laércio Cosentino, fundador da Totvs, fala em imprevisibilidade em relação ao judiciário e descrédito internacional. “Sem defender um partido ou outro, vejo que o Brasil está sofrendo e vai

sofrer mais. Tudo que acontece no mundo depende de estabilidade. O Brasil está fugindo desse princípio básico”, diz.

José Ricardo Roriz, da Abiplast (setor de plásticos), vê o caso de Lula com cautela. “Espero que não seja um retrocesso em tudo que foi feito pela Lava Jato nem que isso seja mais motivo de grande turbulência no cenário que já está muito confuso”, diz.

Petroleira BP vai manter 25 mil funcionários em home office parcial após pandemia

Profissionais vão trabalhar de casa duas vezes por semana quando restrições diminuírem

A petroleira BP decidiu que 25 mil funcionários vão seguir trabalhando de casa quando as restrições impostas pela Covid-19 forem retiradas. O home office vai continuar dois dias por semana, e não mais de segunda a sexta.

Em comunicado aos funcionários, a companhia disse que tanto o trabalho remoto como o presencial trazem vantagens e, por isso, optou pelo modelo híbrido. A empresa terminou 2019 com 70 mil funcionários em cerca de 80 países. Em 2020, anunciou planos de reduzir o quadro.

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Correio Braziliense

Auxílio será, em média, de R$ 250

Ministro Paulo Guedes explica que benefício a ser pago para uma família monoparental dirigida por mulher receberá R$ 375, mas, se for um homem sozinho, terá direito a R$ 175. Valor intermediário será concedido a casais

O ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou ontem que os valores da nova rodada de auxílio emergencial irão de R$ 175 a R$ 375, sendo, em média, de R$ 250. Em entrevista no Palácio do Planalto, depois que participou da reunião em que o governo federal firmou a intenção de comprar as vacinas desenvolvidas pela Pfizer, em parceria com a BioNTech, Guedes salientou, porém, que a definição de valores ficará fica a cargo do Ministério da Cidadania. “R$ 250 é o valor médio. Se for uma família monoparental, dirigida por mulher, é de R$ 375. Se for um homem sozinho, é de R$ 175. Se for o casal, R$ 250. Isso é com o Ministério da Cidadania. Só fornecemos parâmetros básicos, mas amplitude é com a Cidadania”, disse. A PEC Emergencial, que autoriza a retomada do pagamento do benefício durante o período da pandemia do novo coronavírus, foi aprovada pelo Senado na semana passada, e não determina os valores e nem a duração do benefício. O texto, porém, aguarda o sinal verde da Câmara dos Deputados que, de acordo com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deve ser aprovado amanhã. “Se quisermos reduzir a pobreza e a miséria no Brasil, você tem que dar o dinheiro direto para os mais desfavorecidos, para os mais pobres, que é o que a gente fez, que é a filosofia lá atrás do Bolsa Escola, do Bolsa Família. O auxílio emergencial acabou seguindo também uma linha semelhante, que é botar o dinheiro onde está o mais pobre, não nos intermediários”, acrescentou Guedes.

Apesar de flexibilizar regras fiscais para permitir a retomada do programa, a volta do auxílio não vai precisar ser submetida a limitações previstas no teto de gastos. O limite foi definido depois que parlamentares fizeram uma tentativa de estender ao Bolsa Família a possibilidade de extrapolar o teto, proposta que, segundo Lira, não passará. A PEC Emergencial tem um valor fixado em R$ 44 bilhões, fora do teto de gastos, para custear a retomada do benefício, mas não estima quanto o pagamento das parcelas custará. O texto ainda prevê protocolos para contenção de despesas públicas e uma série de medidas que podem ser adotadas em caso de descumprimento do teto de gastos –– que limita o aumento das despesas da União à inflação do ano anterior. Impacto menor

Para o diretor-executivo da Instituição Financeira Independente (IFA) do Senado, Felipe Salto, a retomada do pagamento terá um impacto menor na economia, pois tem investimento mais baixo. “Esse limite de R$ 44 bilhões representa algo entre 0,5% e 0,6% do PIB. Em relação ao peso que o auxílio exerceu na economia, em 2020, será bem menor, porque naquele período o gasto se aproximou de R$ 300 bilhões (algo como 4% do PIB)”, explicou. Salto, porém, salientou que “a medida será muito importante para guarnecer as famílias mais pobres, afetadas diretamente pelo desemprego e pela impossibilidade de obter renda, mesmo no mercado informal” — acrescentando que “tudo depende, em primeiro lugar, da ampla vacinação da população”. Salto avalia que a esperança para um bom momento econômico no país só poderá ser vislumbrado a partir do segundo semestre deste ano e que o primeiro, portanto, “será ruim”. Apesar do texto da PEC não trazer detalhes sobre o pagamento, explicou que é provável que menos pessoas sejam beneficiadas pelo auxílio. “No Relatório de Acompanhamento Fiscal de fevereiro, mostramos que um benefício de R$ 250, ao mês, por quatro meses, para 45 milhões de pessoas, fazendo o cálculo líquido para os beneficiários que hoje recebem o Bolsa Família, resultaria em gasto de R$ 34,2 bilhões. Nos mesmos moldes, permitiria bancar cinco meses de auxílio”, explicou.

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Medidas erradas e desapreço pelo Fisco

"O grande erro da gestão Bolsonaro foi não tratar a crise da covid-19 como algo seriíssimo e emergencial, que exige tratamento de 'economia de guerra', concentrando suas ações no binômio vacina-auxílio emergencial"

Por volta de 1994, os mercados financeiros cobravam do governo um ajuste fiscal relevante, para que a equipe da vez não se arriscasse, à época, a enfrentar um novo e fracassado congelamento de preços. Como dizer não ao todo poderoso mercado? Dizia-se, ali, que o alto grau de vinculação de receitas era uma das causas básicas do desajuste fiscal. Acreditando que algo palatável, simples e relevante teria de ser feito, e já fora do governo, propus ao ministro Fernando Henrique Cardoso uma PEC de três parágrafos que criasse um fundo destinado a receber 20% de todos os tributos, a ser chamado de Fundo Social de Emergência (FSE), depois rebatizado de Desvinculação de Receitas da União (DRU), recursos esses que seriam, depois, reorientados para o que fosse mais importante em cada momento, inclusive não gastar. Dessa forma, far-se-ia uma flexibilização

proporcional do Orçamento, mas numa escala politicamente viável. Ainda que tenha dado certo o plano de combate à inflação baseado no FSE/DRU, entre outras medidas continua presente, até hoje, um desagradável temor de retrocesso nos mercados, pela permanente e forte desconfiança em relação à nossa classe política, talvez indevida. Por isso, continuaram pressionando o governo por mais ajuste fiscal, e ainda hoje fazem ouvidos moucos para a nova visão que, desde a crise de 2008, se espalha desde os países mais desenvolvidos de que não se deve mais combater inflação com tanta contenção monetária, ou seja, pode haver maior tolerância com deficits públicos elevados. Foi nesse clima que estourou a covid-19 e aumentaram ainda mais os temores dos mercados com o deficit público, por conta dos elevados gastos que os governos teriam de fazer para combater a crise sanitária diretamente e transferir renda para os segmentos mais frágeis. O grande erro da gestão Bolsonaro foi não tratar a crise da covid-19 como algo seriíssimo e emergencial, que exige tratamento de “economia de guerra”, concentrando suas ações no binômio vacina-auxílio emergencial. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tinha iniciado o atual mandato com um ambicioso e, no geral, inadequado programa de reformas estruturais, que pretendia aprovar em tempo recorde, diante de um Congresso cético e sob forte pressão dos segmentos afetados. Só se salvou a reforma da Previdência porque já havia um razoável consenso quanto à sua imperiosa necessidade e porque, na verdade, quem tracionou a aprovação de mais uma reforma parcial foram as lideranças políticas que atuavam no Congresso. Mais recentemente, Guedes parece ter condicionado sua presença no governo à submissão e aprovação simultânea, no Congresso, de uma versão desidratada das reformas que queria aprovar desde o início, aproveitando a então iminente saída de Rodrigo Maia da presidência da Câmara, um obstáculo visível aos seus desvarios. Deve ter alegado, na linha do pensamento financeiro, que há uma pesada cobrança por um forte ajuste fiscal para acomodar os gastos adicionais, mesmo diante da atual emergência, algo hoje totalmente desnecessário na visão que se torna cada vez mais aceita no mundo. (Para uma melhor explicação disso, sugiro assistir ao evento do próximo dia 12, às 11h, clicando em https://youtu.be/tXHg7tRLX2c, no Fórum Nacional, que hoje presido). Pois bem, pasmem. Guedes incluiu na proposta de PEC, que acaba de ser aprovada com ajustes no Senado, a desvinculação de 100% das receitas vinculadas (lá atrás, lembrem-se, em contexto completamente diferente, eu havia proposto 20%), incluindo em seu pacote um verdadeiro tiro no pé: a extinção da possibilidade de vincular quaisquer tributos à realização de atividades da administração tributária, algo que remonta à Carta de 1988 (art.167, inciso IV), que havia retirado essa possibilidade do conjunto total de proibições de vinculações, juntamente com os gastos mínimos em educação e saúde. (A propósito, dá para entender a compressão do setor de saúde, como Guedes quis, no auge da pandemia?). Na verdade, sem eliminar o ônus imposto pelo ministro sobre a administração tributária, o Senado, sob óbvias pressões dos demais interessados, preservou os quinhões dos seguintes fundos: Fundo Nacional de Segurança Pública, Penitenciário Nacional, Nacional Antidrogas, Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, para a Polícia Federal, para a Defesa da Economia Cafeeira, entre outros. E como fica quem tem de arrecadar toneladas de tributos para fechar o buraco financeiro público? Na verdade, pela PEC aprovada no Senado, foi-se para o lixo o Fundaf, o fundo da Receita Federal basicamente composto de multas tributárias, e que se destina a garantir recursos mínimos para aquisição de equipamentos e manutenção de sistemas informatizados, desenvolvimento e aperfeiçoamento das atividades de fiscalização dos tributos federais e, especialmente, intensificar a repressão às infrações aduaneira e tributárias, entre outros objetivos relevantes. Se a Câmara mantiver esse desatino, só dá para dizer: haja desapreço por uma das instituições públicas mais sérias, capazes e relevantes do país!

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PEC caminha para desidratação

O presidente Jair Bolsonaro expôs uma negociação para desidratar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial na Câmara dos Deputados e dar origem a uma proposta paralela, com dispositivos retirados do texto principal. A PEC destrava uma nova rodada do auxílio emergencial, mas é alvo de tentativas de mudança das bancadas da bala e ruralista, aliadas do Palácio do Planalto. O presidente recebeu, ontem, o relator da PEC, deputado Daniel Freitas (PSL-SC). De acordo com Bolsonaro, três dispositivos poderão ser retirados e dar origem a uma PEC paralela. “Falei com o relator, que ele é o soberano, que ele poderia correr o risco de não aprovar se não mexesse em três artigos. Eram cinco, passamos para três buscando a negociação”, afirmou o presidente em entrevista no Palácio da Alvorada. Deputados ligados à segurança pública atuam para livrar categorias como policiais civis e militares do congelamento de salários previsto na PEC como gatilho para contenção de gastos, em caso de emergência fiscal. Outro item alvo de resistência — este dentro da bancada ruralista — é a extinção da Lei Kandir, que desonera produtos na exportação do agronegócio. As mudanças, porém, podem fazer com que o texto tenha de voltar para análise do Senado, atrasando a tramitação e a liberação do benefício aos necessitados. O assunto será discutido com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reforçou Bolsonaro. O presidente da bancada da bala, deputado Capitão Augusto (PL-SP), tenta apoio dos parlamentares para uma emenda que tira os profissionais da segurança do congelamento salarial. O parlamentar comemorou as declarações do presidente. “Se não viesse a ordem de lá, não sei como seria. Agora, não sei como ele vai fazer. O que nos preocupa é o congelamento salarial, a contagem de tempo para vários fins e o congelamento de promoções”, salientou. Na entrevista, Bolsonaro afirmou que a PEC deve ser votada pela Câmara amanhã. Conforme disse, ao votar a medida, os deputados federais darão o sinal verde para retomada do auxílio emergencial em cinco dias. A PEC autoriza o governo federal a abrir um crédito extraordinário de até R$ 44 bilhões para o auxílio. Em contrapartida, cria mecanismos de contenção de gastos para o futuro.

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Petrobras autoriza 6º reajuste da gasolina

A Petrobras não está dando trégua ao bolso dos consumidores. A empresa anunciou, nesta nesta segunda-feira (08/03), mais um aumento nos preços dos combustíveis. O reajuste da gasolina será de 8,8% e o do diesel, de 5,5%. A nova tabela entra em vigor a partir de hoje.

É o sexto aumento da gasolina neste ano e o quinto do diesel em 2021. Os preços da gasolina nas refinarias da Petrobras acumulam alta de 53% e o do diesel, de 40%. A correção das tabelas dos combustíveis acontece antes de Roberto Castello Branco deixar a presidência da Petrobras. Ele foi demitido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Segundo o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do Distrito Federal (Sindicombustíveis-DF), Paulo Tavares, é possível que, em alguns postos da capital

do país, a gasolina passe dos R$ 6 nas bombas. Tudo dependerá do repasse das distribuidoras aos postos.

“É possível que o litro da gasolina chegue, sim, aos R$ 6, em alguns postos. Depende do quanto as distribuidoras vão repassar aos postos, se todo o aumento anunciando pela Petrobras ou mais. Temos que lembrar que a gasolina comum contém 27% de etanol, que também aumentou. Amanhã (hoje) saberemos os preços das distribuidoras”, frisa Tavares. “É preciso dizer, no entanto, que o preço é livre, e que cada revendedor decide seu preço. O sindicato não determina nem propõe margem ou preço de bomba.”

De acordo com a Petrobras, o litro da gasolina nas refinarias passará a custar, em média, R$ 2,84, ou R$ 0,23 a mais do que o valor vigente até esta segunda. O diesel será vendido por R$ 2,86 por litro, com alta de R$ 0,15 por litro. O reajuste reflete o aumento da cotação do petróleo no mercado internacional e a disparada do dólar. “Os preços praticados pela Petrobras, e suas variações para mais ou para menos, associadas ao mercado internacional e à taxa de câmbio, têm influência limitada sobre os preços percebidos pelos consumidores finais”, ressalta a empresa em nota.

Para a petroleira, “é fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido, sem riscos de desabastecimento, pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às regiões brasileiras”. É essa política de preços que está no alvo de Bolsonaro. Na tentativa de mudá-la, ele indicou o general Joaquim Luna e Silva para o lugar de Castello Branco, cujo mandato vai até 20 de março.

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Seis indicações para a Petrobras

A Petrobras recebeu seis indicações para membros do Conselho de Administração. O Ministério das Minas e Energia pediu as reconduções do almirante Eduardo Ferreira, atual presidente do colegiado, e de Ruy Schneider. Indicou, ainda, o general Joaquim Silva e Luna, nome proposto pelo Planalto para ocupar a presidência da estatal, o engenheiro civil Márcio Weber e o geólogo Murilo de Souza. O Ministério da Economia, por sua vez, propôs Sonia Villalobos, membro dos Conselhos de Administração da Telefônica Brasil e Latam.

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Caminho aberto para disputar as eleições

Ministro Edson Fachin, do STF, anula condenações de Lula sob o argumento de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tem competência para julgar três ações da Lava-Jato contra o petista. Magistrado determina a remessa dos autos à Justiça Federal do DF. PGR vai recorrer

Luiz Carlos Azedo

Em meio a chuvas e trovadas da tarde de ontem, em Brasília, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão monocrática, anunciou a anulação de todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva relacionadas à Operação Lava-Jato, pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), da qual foi titular o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. A decisão caiu como um raio nos meios políticos, pois o petista recuperou os direitos políticos e poderá ser o candidato nas eleições de 2022. É uma reviravolta no cenário eleitoral.

A determinação de Fachin, que surpreendeu os demais ministros da Corte, ainda atinge outros casos ligados a Lula, como os habeas corpus que questionavam a suspeição de Moro e de procuradores da força-tarefa do Paraná.

O habeas corpus julgado pelo magistrado havia sido impetrado em novembro passado, alicerçado na interpretação majoritária do Supremo Tribunal federal (STF) que desmembrou a Lava-Jato, com base no conceito de “juiz natural”. Fachin, que tinha sido contra os desmembramentos, considerou esse entendimento majoritário pacificado na Corte e declarou a incompetência da Justiça Federal do Paraná nos casos do triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e das doações ao Instituto Lula.

Segundo nota do gabinete do ministro Fachin, “foram declaradas nulas todas as decisões proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba e determinada a remessa dos respectivos autos para a Seção Judiciária do Distrito Federal”. O magistrado também surpreendeu o mundo jurídico ao extinguir 14 processos que tramitavam no Supremo e descartar o julgamento da suspeição de Moro, que estava sendo pleiteada pela defesa de Lula junto ao ministro Gilmar Mendes. Anulada as decisões do então juiz, na interpretação de Fachin, os demais processos perderam o objeto.

A polêmica decisão pode ser levada à Segunda Turma, embora haja entendimento de que somente o plenário tem condições de reformar sentença de um ministro.

Fachin estribou sua decisão no “entendimento majoritário” que esvaziou a competência da Justiça Federal do Paraná, quando Moro ainda era o titular, para processos não ligados diretamente aos desvios da Petrobras. É o caso dos relacionados às delações da Odebrecht, da OAS e da J&F. Na própria sentença, o magistrado vacinou-se contra acusações de favorecer o petista: “As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos (...). No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”. Ele alegou que a Segunda Turma do Supremo já vem transferindo processos para a Justiça Federal do Distrito Federal em circunstâncias semelhantes às de Lula.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou que vai recorrer da decisão. O recurso deve ficar a cargo da subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo. Defesa Em nota, a defesa de Lula afirmou que lutou, “durante mais de cinco anos”, em todas as instâncias do Judiciário, para que fosse reconhecida a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, o que foi admitido agora por Fachin. “Isso porque as absurdas acusações formuladas contra o ex-presidente pela ‘força-tarefa’ de Curitiba jamais indicaram qualquer relação concreta com ilícitos ocorridos na Petrobras e que justificaram a fixação da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4.130”, frisou o comunicado, assinado pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins.

Os defensores enfatizaram, na nota, que “nessa longa trajetória, a despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados”. “Sempre provamos que todas essas condutas faziam parte de um conluio entre o então juiz Sergio Moro e membros da ‘força tarefa’ de Curitiba, como foi reafirmado pelo material que tivemos acesso também com autorização do Supremo Tribunal Federal e que foi por nós levado aos autos da Reclamação nº 43.007/PR”, emendou.

Os advogados ressaltaram, no entanto, que a decisão de Fachin “não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da ‘Lava Jato’ ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado democrático de direito”.

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Lula livre para 2022

Como dizia o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin surpreendeu o mundo político e até seus colegas de Corte ao anular todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa “interpretação técnica” do princípio do “juiz natural”. Tomou por base a jurisprudência do próprio Supremo, contra a qual se opusera quando a maioria dos ministros decidiu desmembrar os processos da Odebrecht e JBS do caso da Petrobras, remetendo-os para Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, decisão que esvaziou a força-tarefa de Curitiba e sua própria relatoria no escândalo da Lava-Jato.

A decisão foi cirúrgica: acabou com a inelegibilidade de Lula e frustrou as expectativas de punição do ex-ministro Sergio Moro e dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, cuja suspeição foi arguida pela defesa de Lula. No mundo jurídico e nos meios políticos, a aposta era de que somente a condenação de Lula no processo do triplex de Guarujá seria anulada, por suspeição de Moro, enquanto a condenação no caso do sítio de Atibaia seria mantida, no aguardado julgamento da suspeição pela Segunda Turma do Supremo. Presidente dessa Turma, desculpem-me o trocadilho, o ministro Gilmar Mendes ficou com o voto na mão.

Para o presidente Jair Bolsonaro, seus aliados e boa parte da oposição não petista, a anulação do processo do triplex de Guarujá e a suspeição dos protagonistas da Lava-Jato seriam o cenário ideal: Lula fora da eleição e Moro desmoralizado. Fachin pôs tudo de pernas para o ar, porque liberou Lula para concorrer à Presidência da República e manteve o ex-ministro Sergio Moro no jogo de 2022, protegendo ainda os procuradores da Lava-Jato, a investigação da qual é o relator no Supremo e que estava à beira da extinção. Outros réus poderiam pedir anulação de seus respectivos processos, pois é disso que se trata, principalmente para os advogados que atuam na Lava-Jato e sempre questionaram os métodos heterodoxos de Moro e dos procuradores de Curitiba. Na prática, a decisão de Fachin pode garantir a presença de Lula na eleição porque uma condenação em segunda instância, no Tribunal Regional Federal, uma Corte garantista, leva, em média, seis anos; além disso, como Lula tem mais de 70 anos, o caso já estará prescrito, pois os fatos ocorreram há quase 10 anos, e a prescrição cai de 16 para oito anos. Tensão institucional No plano imediato, o principal foco de tensão é dentro do Supremo, que voltará a se dividir profundamente. Em recente decisão sobre os processos criminais, a Corte estabeleceu que nenhuma decisão monocrática pode ser reformada por outro ministro ou pelas Turmas, no caso dos processos criminais, somente pelo plenário da Corte. O Ministério Público Federal (MPF) já anunciou que recorrerá da decisão, e não será surpresa se a defesa de Lula insistir na suspeição de Moro e dos procuradores, sendo acolhida pelo ministro Gilmar Mendes, na reunião de hoje da Segunda Turma.

O segundo foco é o Congresso, principalmente a Câmara, cujo presidente, Arthur Lira, lidera as articulações para acabar com a Lava-Jato. O Centrão e maioria das bancadas do PT e do PSDB apostavam na suspeição de Moro. O terceiro, o Palácio do Planalto, muito mais interessado no fim da Lava-Jato e na inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A retórica de Bolsonaro sobre a decisão mira o desgaste do Supremo junto aos militares e uma parte da opinião pública. A candidatura de Lula já está precificada. No esquema binário da narrativa bolsonarista, a esquerda é o inimigo principal. O fantasma de Lula assombra os eleitores que elegeram Bolsonaro e dele estavam se afastando, por causa de seus desatinos na pandemia e outras questões nas quais confronta os grandes consensos. Com Lula livre, o discurso golpista de Bolsonaro ganha uma dimensão eleitoral antecipada, com sua cantilena contra a urna eletrônica. Ou seja, quer ganhar no voto ou no grito.

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Bolsonaro dispara contra petista

O presidente Jair Bolsonaro comentou a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula. “Qualquer decisão dos 11 ministros é possível se prever o que eles pensam, do que botam no papel. O ministro Fachin, ele tinha uma forte ligação com o PT, então não estranha uma decisão nesse sentido. Mas, obviamente, é uma decisão monocrática, vai ter de passar pela turma ou pelo plenário para que tenha a devida eficácia”, disse.

Bolsonaro atacou o petista, ao afirmar que “afinal de contas, as bandalheiras que esse governo fez estão claras perante toda a sociedade (...)”. “Você pode ver a própria Petrobras, as refinarias que não foram construídas e aquelas compras desastrosas, como a de Pasadena. O prejuízo ficou na ordem de R$ 230 bilhões para a Petrobras”, destacou. “Não pode, em hipótese alguma, um homem só ser o senhor do destino de um julgamento como esse. Então, não sou jurista, mas eu acho que nem é questão de turma, é questão de plenário decidir isso daí.”

O chefe do Executivo comentou a possibilidade de o petista concorrer à presidência no ano que vem. “Eu acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 22, muito menos pensar numa possível eleição dele”, frisou. “Você pode ver: a Bolsa já foi lá para baixo, o dólar foi lá para cima. Todos nós sofremos com uma decisão como essa daí. Agora, a gente espera que a turma do Supremo restabeleça aí os julgados.”

Nos bastidores do Palácio do Planalto, porém, a anulação da condenação de Lula já estava precificada, pois Bolsonaro trabalha com um cenário de radicalização política e polarização eleitoral com os petistas, fosse Fernando Haddad, seu adversário em 2018, ou Lula. A decisão retroalimenta sua narrativa, inclusive contra o Supremo Tribunal Federal (STF). (LCA, com Agência Estado)

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Bolsa despenca; dólar sobe

Nada pior, aos olhos do mercado, do que a possibilidade de uma candidatura de Lula em 2022, livre de empecilhos na Justiça. Assim, a anulação pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), das condenações do ex-presidente nos processos relacionados à Lava-Jato no Paraná lançou o Ibovespa em espiral de mínimas, ontem, abaixo dos 111 mil pontos. Ao fim, mostrava queda de 3,98%, a 110.611,58 pontos, com mínima a 110.267,80 (-4,28%) e máxima a 115.202,23, da abertura. Em porcentual, foi a maior queda desde os 4,87% do último dia 22, quando o índice reagia à mudança na Petrobras e, agora, mantém-se pouco acima do nível de encerramento de 1º de março (110.334,83 pontos). O dólar à vista encerrou em alta de 1,77%, em R$ 5,7783, no maior nível desde o encerramento de 15 de maio de 2020 (R$ 5,83). No mercado futuro, o dólar para abril subiu 3,26%, cotado em R$ 5,8820.

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Dallagnol alerta para prescrição

Ex-coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato, no Ministério Público Federal, em Curitiba, Deltan Dallagnol criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu perfil em rede social, ele afirmou que “esse é mais um dos casos derrubados recentemente num sistema de Justiça que rediscute e redecide a mesma questão dezenas de vezes nas Cortes e que favorece a anulação dos processos criminais”.

O procurador lembrou que “a tramitação desses casos em Curitiba foi decidida várias vezes pelos tribunais, inclusive pelo próprio Supremo”. “Ou seja, a condução desses casos em Curitiba pela Operação Lava Jato seguiu as regras do jogo então existentes. O que mudou para que viesse essa decisão contrária às anteriores? Houve uma mudança das regras do jogo no STF, que expandiu gradativamente seu entendimento de que os casos de Curitiba deveriam ser redistribuídos pelo país, conforme explicitado na decisão do ministro Fachin.”

Dallagnol afirmou que, “de fato, a Suprema Corte expandiu o entendimento de que os casos não relacionados diretamente à Petrobras deveriam sair de Curitiba” e enfatizou processos envolvendo políticos do MDB em corrupção na Transpetro. Na semana passada, o relator da Lava-Jato havia retirado processo da 13ª Vara Federal.

O ex-coordenador da Lava-Jato afirmou que as investigações e processos envolvendo o ex-presidente serão retomados em Brasília, “mas com reais chances de prescrição dos crimes pelo decurso do tempo”. O juiz da 13ª Vara Federal, Luiz Antônio Bonat, informou que vai enviar os casos para a Justiça do Distrito Federal. Ainda segundo Dallagnol, a decisão de Fachin não apaga dos processos as provas levantadas pela Lava-Jato contra Lula. Conforme ressaltou, é preciso atenção para o “amplo retrocesso” vivido no Brasil, no combate à corrupção. “Para além da anulação dos casos na Operação Lava Jato, é preciso abrir os olhos para os amplos retrocessos que estão acontecendo no combate à corrupção — e aqui não trato mais de um ou outro caso concreto.”

O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro não havia se pronunciado até o fechamento desta edição.

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"Meu Exército" não obrigará lockdown

O presidente Jair Bolsonaro criticou, ontem, as novas medidas de isolamento nos estados e municípios para conter o avanço do novo coronavírus e descartou a possibilidade de decretar um lockdown nacional. “Alguns querem que eu decrete lockdown. Não vou decretar e pode ter certeza de uma coisa: o meu Exército não vai para a rua pra obrigar o povo a ficar em casa”, disse, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada. Ontem, pela primeira vez, ficaram abaixo de mil as mortes pela covid-19 em 24 horas: 987, ainda assim o maior número de óbitos na medição de domingo para segunda-feira. As vidas perdidas chegaram a 266.398, de acordo com os dados coletados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que são replicados pelo Ministério da Saúde. “Eu quero paz, tranquilidade, democracia, respeito às instituições, mas alguns estão se excedendo”, disse Bolsonaro aos apoiadores, em tom ameaçador aos governadores. “O povo vai

se conscientizar do que precisa ser feito. Na hora certa, tudo vai acontecer”, completou, enigmático. O presidente citou o auxílio emergencial, pago a trabalhadores informais e desempregados por causa do fechamento de negócios durante a pandemia do novo coronavírus, como o “maior projeto social do mundo”. O governo se prepara para lançar uma nova rodada do benefício em 2021 e, ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que serão pagamentos de R$ 250, em média. “Parece que está voltando a onda de lockdown”, disse Bolsonaro, pressionado pelo avanço da doença e pela falta de vacinas para a população. “Vamos ver até onde o Brasil aguenta esse estado de coisas”. Mais uma vez, ele evitou se responsabilizar pelo quadro da covid-19 no país. “Não cobre de mim. Se eu fosse o dono de tudo aqui, seria o que chamam de ditador”.

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Entrevista - Flávia Arruda

Teremos orçamento em abril

Primeira mulher a presidir a Comissão no Congresso afirma que vacina é prioridade. Ela também tenta recursos para combater feminicídio

Fernanda Strickland

Primeira mulher a presidir a Comissão Mista de Orçamento no Congresso Nacional, a deputada Flávia Arruda (PL-DF) enfrenta o desafio do tempo. Tem 50 dias para fazer o que, em condições normais, o parlamento realiza em oito meses. Ela acredita que a proposta encaminhada pelo Executivo seja aprovada até o fim do mês. “No início de abril, teremos o orçamento votado”, garante Arruda. Em relação às prioridades do orçamento, a parlamentar tem convicções: e a vacina ocupa o primeiro lugar. “É preciso a união de todos. Não tem que ter uma disputa de quem conseguiu ou de quem é a vacina”. Igualmente atenta à violência contra a mulher, Flávia Arruda está empenhada, junto com a bancada feminina, a criar uma rubrica específica contra o feminicídio e outras formas de agressão. Leia os principais trechos da entrevista ao CB.Poder. Quanto tempo mais vamos esperar pelo Orçamento da União de 2021? A Comissão de Orçamento era para ter sido instalada em março de 2020. Mas, por conta da pandemia, nenhuma comissão foi instalada e ela foi ficando como todas as outras comissões. No final do ano, por volta de setembro, começou-se a discutir a instalação da Comissão Mista de Orçamento. Aí teve uma disputa de poder entre Arthur Lira e Rodrigo Maia, que culminou nesse atraso. Como presidente, recebi um cronograma muito curto. Estou fazendo em 50 dias o que seria feito em oito meses. É um prazo muito apertado de um orçamento difícil, mas vou cumprir todos os prazos. A previsão é de que a gente vote o orçamento até o dia 25 na comissão para, no dia seguinte ou dois dias depois no máximo, levar a plenário. No início de abril, teremos o orçamento votado. Como está a questão das vacinas na Comissão de Orçamento? O Congresso saiu na frente. No ano passado, aprovamos R$ 20 bilhões para a compra de vacinas. O Congresso já fez essa ação e já separou esse recurso, que está disponível. Uma parte já foi utilizada, mas muito pequena. O que falta agora é coordenação, um diálogo para que essas vacinas realmente cheguem. Então tem recurso para a vacina. Mas além desse recurso, a gente precisa de uma ação orçamentária específica para a covid. Com o fim da PEC Emergencial, abriu-se um vácuo de necessidade para que os recursos específicos à covid cheguem aos estados e municípios. Então, criamos uma ação orçamentária que possibilitou emendas individuais para o

enfrentamento da covid-19, inclusive para compra de vacinas. A ação somou, na semana passada, R$ 2 bilhões. A vacina vem em primeiro lugar? Estou cuidando da presidência do orçamento do país, mas não adianta a gente falar de números, dados, INPC, PIB, quando o nosso maior inimigo é a pandemia. Devemos focar na vacina. Primeiro vacinar, garantir recursos que possam ser totalmente necessários e que atinjam toda a população do Brasil. Fazer esse diálogo é nosso papel no Parlamento, já que não temos o poder do Executivo de ir lá e comprar. Mas podemos flexibilizar algumas leis e permitir que estados e municípios comprem as vacinas. Algum estado pode se recusar a entregar a vacina para o Ministério da Saúde por exemplo? A lei ainda não ficou tão clara em relação a isso, mas isso será um caminho natural. Porque na medida em que estados e municípios possam procurar vacinas fora do que está concentrado no governo federal, isso não é disputa de poder, e ninguém tem que pensar quem comprou ou quem é o dono. A briga agora é guerra contra o vírus, e aí não tem que entrar política nisso, nem vaidade pessoal, precisamos enfrentar a pandemia e vacinar essas pessoas. E quem conseguir comprar a vacina, que vacine a população. É disso que a gente precisa. O que pode ser feito para acelerar a vacinação? Primeiro, planejamento. Porque, como já falei, recurso não falta. E é preciso a união de todos. Não tem que ter uma disputa de quem conseguiu ou de quem é a vacina. É preciso diálogo para que governo federal e governos locais comprem o mais rápido possível e o planejamento saia dentro dos próximos meses. Quem sabe no meio do ano a gente consegue vacinar uma grande parte da população. Esse é o ideal, e é para isso que estamos lutando lá dentro. O papel do parlamento é destinar o orçamento, e isso nós já fizemos. Além disso, estamos trabalhando para fazer pontes, tanto do governo federal quanto de governos locais, cobrando e fiscalizando a compra dessas vacinas. O governo entrou tarde na guerra mundial pelas vacinas? Eu acho que sim. Mas não estou fazendo juízo de valores. Não temos que achar culpados. Temos que nos ater aos fatos e focar na solução. Temos um país continental, e a necessidade de o processo ser rápido. Temos que chegar até o grupo de 50 anos o mais rápido possível. A senhora é a primeira deputada a presidir a Comissão Mista do Orçamento. Como se sente neste Dia Internacional da Mulher? Infelizmente, a gente começa mais um ano do Dia Internacional da Mulher com números muito tristes. A gente tem dados alarmantes e, durante a pandemia, esses dados ficaram um pouco subnotificados, porque muitas mulheres estavam ali presas dentro de casa com os próprios agressores. Então, muitas não conseguiam sequer denunciar. Eu costumo tratar isso sempre na Comissão no Combate à Violência contra a Mulher, onde coordeno os dados. Sem dados, a gente não sabe com o que está lidando. Essa base de dados, a denúncia das mulheres, é muito importante para saber quem é o inimigo, traçar o perfil do criminoso. O que precisa ser melhorado? Infelizmente, muitas mulheres ainda estão sendo mortas pelo simples fato de serem mulheres. Muitas mulheres não conseguem sair dessa situação por dificuldade. E é disso que tratamos na comissão. Criar protocolos de atendimentos, gerar uma rede de apoio a essas mulheres e cobrar eficiência nas políticas públicas. A lei Maria da Penha é a lei mais moderna e mais respeitada mundialmente. Mas tem falhas. Temos que fortalecer as políticas públicas de enfrentamento. Essa cultura machista, arraigada na sociedade tem que acabar. A mulher não é posse de ninguém.

Como combater isso no Congresso? Como presidente da CMO, estou tentando criar uma ação orçamentária específica para segurança pública junto com a bancada feminina. Não posso ser a primeira mulher a presidir a Comissão de Orçamento na Câmara dos Deputados e não deixar uma marca para nós, mulheres. *Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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Editorial- Danos da covid-19 a nossas crianças

A pandemia do novo coronavírus provocou uma reviravolta no planeta. Apenas no Brasil, já infectou mais de 10 milhões de pessoas e matou acima de 260 mil. Sem contar os estragos na economia, com o fechamento de milhares de empresas, o desemprego em alta, a queda recorde de 4,1% no Produto Interno Bruto (PIB, o total das riquezas produzidas no país)... Mas há outros tipos de sequelas, que, mesmo quando essa tragédia chegar ao fim ou for controlada pela vacinação em massa, ainda levará muito tempo para que especialistas consigam mensurar. Um deles diz respeito aos danos que o isolamento social impôs e continua impingindo à saúde física, mental e comportamental de milhões de indivíduos mundo afora. Em especial, à de crianças e de adolescentes. Em meados do ano passado, uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) constatou que a pandemia do novo coronavírus causava ansiedade em mais da metade da população adulta do estado de São Paulo. Já neste ano, dados iniciais de um levantamento global sobre os efeitos da covid-19, conduzido pela Universidade Estadual de Ohio, apontavam o Brasil como líder em ansiedade e depressão, na comparação com outros 10 países. Mais recentemente, um estudo da Faculdade de Medicina da UFMG revelou que crianças e adolescentes que estão fora da escola há praticamente um ano foram os mais impactados pela covid-19. Esse público, observou a coordenadora do levantamento, a professora Débora Miranda, do Departamento de Pediatria, apresentou sintomas como ansiedade, depressão e problemas de aprendizado. Em entrevista ao portal G1 Minas, ela se mostrou impressionada com a situação. “A gente nunca espera que a criança regrida no desenvolvimento. O que a gente espera, na pediatria, é que o desenvolvimento seja uma constante. Mas a gente tem visto, durante a pandemia, a criança regredindo, perdendo habilidades que já tinha adquirido”, declarou. Na Alemanha, no mês passado, relatou o portal Deustche Welle, pediatras afirmaram que as restrições impostas pelo governo para conter a disseminação do coronavírus estavam provocando um aumento de problemas de saúde e distúrbios comportamentais em crianças e adolescentes. Logo depois do alerta, a chanceler Angela Merkel reconheceu, em seu podcast semanal, ser “amargo” para quem é dessa faixa etária abrir mão de coisas tão importantes nessa fase da vida. “Estamos investindo tudo para que creches e escolas sejam reabertas em primeiro lugar, a fim de devolver às crianças um pouco de seu quotidiano usual e desafogar as famílias”, prometeu. Segundo o DW, médicos alemães teriam sido os primeiros a chamar a atenção para os transtornos. E cita o caso do pediatra Axel Gerschlauer, que contou ter recebido no consultório, em Bonn, três jovens com graves automutilações no antebraço, nas últimas semanas antes do Natal. Era algo, explicou, que normalmente só acontecia a cada três ou seis meses. “Percebi que havia algo de muito errado”, disse ao portal. Gerschlauer, que também é porta-voz da Associação Federal de Pediatras da região da Renânia do Norte, calcula que a Alemanha terá de investir muito para recuperar centenas de milhares de meninas e meninos. “Será uma tarefa gigantesca”,

declarou. No Brasil, o alerta da UFMG também deveria ser levado a sério pelos governantes. Antes que seja tarde.

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Coluna - Mercado S/A

Amauri Segalla

"O governo não comprou as vacinas a tempo, preferindo esperar para ver. O resultado é trágico para o país inteiro"

Bolsonaro perde o apoio do empresariado As críticas ao governo Bolsonaro vêm ganhando intensidade entre o empresariado. Além da ausência de reformas, algo que incomoda praticamente todo o setor produtivo, a falta de uma coordenação nacional em prol da vacina acabou por minar a confiança na capacidade do Planalto de gerenciar a crise do coronavírus. Está mais do que evidente, diante do colapso provocado pelo descontrole da pandemia, que o governo errou feio ao não priorizar a imunização da população. A gradual retomada das atividades econômicas nos Estados Unidos e no Reino Unido, que aceleraram seus programas de vacinação, escancarou ainda mais os equívocos cometidos pelo presidente brasileiro. Poucas nações têm expertise e estrutura suficientes para imunizar em massa –– o Brasil certamente é um deles. No entanto, isso não tem sido feito, e por uma simples razão: o governo não comprou as vacinas a tempo, preferindo esperar para ver. O resultado é trágico para o país inteiro.

Bolsa brasileira tem muito a avançar O início de 2021 tem sido marcado pelo recorde de aberturas de capital na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Com os 15 IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) realizados nos dois primeiros meses do ano, o número de empresas que negociam papéis no mercado brasileiro chegou a 430. É um avanço, mas ainda modesto perto do potencial brasileiro. Somadas, as bolsas de Nova York e a eletrônica Nasdaq contabilizam 6 mil companhias de quase todos os setores e tamanhos. 32% foi quanto cresceram as exportações de veículos em fevereiro na comparação com janeiro, segundo números da Anfavea, a associação dos fabricantes. Mesmo assim, o resultado representa uma queda de 12,2% na comparação com o mesmo mês de 2020. Gasolina sobe, mas Petrobras cai O descompasso entre o aumento do preço dos combustíveis e o desempenho das ações da Petrobras mostra que há algo errado com a credibilidade da empresa. Ontem, a petrolífera anunciou que o preço do litro da gasolina passará de R$ 2,60 para R$ 2,84, uma alta de 9,2%. Já o litro do diesel subirá de R$ 2,71 para R$ 2,86, ou 5,5% a mais. Desde o início do ano, a gasolina acumula valorização de 54% nas refinarias, enquanto o diesel avançou 41,6%. Já as ações da Petrobras caíram cerca de 40% no ano.

Burger King erra feio no Dia da Mulher A turma do marketing precisa ficar mais atenta aos novos tempos. Ontem, Dia Internacional da Mulher, o Burger King britânico publicou um tuíte desastroso: “As mulheres pertencem à cozinha”,

afirmava o texto. A ideia era incentivá-las a ingressar na carreira de chefs, já que apenas 20% desses postos são ocupados por mulheres. A estratégia, claro, não funcionou, e a rede foi acusada de reforçar estereótipos. Apesar das tentativas de explicação, o estrago já estava feito. Rapidinhas » 'O aumento da demanda pelo aluguel de computadores, tablets e desktops gerado pelo home office levou a mineira Microcity ao melhor ano de sua história. Em 2020, o faturamento chegou a R$ 140 milhões, um acréscimo de 26% sobre o período anterior. A empresa conta, atualmente, com 200 mil máquinas alocadas de fabricantes como Apple, Dell, HP, Lenovo e Microsoft.

» 'A Disney irá redesenhar a sua operação física. Em 2021, pelo menos 60 lojas, do total de 200, serão fechadas nos Estados Unidos e no Canadá. Cortes em pontos de venda na Europa, onde a empresa mantém 60 unidades, também estão previstos. A ideia é focar no varejo eletrônico. O Brasil não possui unidades da Disney Store. » 'Os eventos virtuais vieram para ficar. Segundo pesquisa realizada pelo LinkedIn, 83% das empresas do ramo pretendem continuar organizando eventos remotos nos próximos 12 meses. O estudo também mostrou que, para 90% dos consultados, os webinars trouxeram oportunidades inexistentes no formato presencial. » 'As consultorias Teva Índices e Easynvest realizaram uma pesquisa nos diversos conselhos de administração do país para identificar aqueles com a maior presença feminina. A campeã foi o brechó Enjoei, com 60% de participação de mulheres (três entre cinco membros), à frente do banco BMG, com 50% (metade dos oito).

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Coluna - Brasília-DF

Denise Rothenburg

Militares pressionam para sair da PEC Emergencial Integrantes das Forças Armadas e de segurança em geral estão em pleno movimento na Câmara dos Deputados para que sejam uma exceção à regra de suspensão dos reajustes, benefícios e vantagens prevista para todos os servidores públicos no texto da PEC Emergencial. Se depender do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a viagem desses militares será perdida. É que, diante das dificuldades fiscais do país, no momento em que abrir exceção para uma determinada categoria, o efeito será semelhante a um estouro da boiada, ou seja, nada ficará de pé. Lira já foi avisado: se os militares saírem da PEC, a próxima categoria será a dos professores e as carreiras típicas de estado. Se é para fazer um sacrifício, que sejam todos incluídos.

O “x” que eles querem Políticos enroscados na Lava-Jato passaram o dia torcendo para que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal mantenha o julgamento do habeas corpus em que a defesa de Lula pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. É que, se Moro for considerado suspeito, há o risco de cair tudo. Caso contrário, vai se estreitar a perspectiva de sucesso da turma que ainda deve explicações sobre o dinheiro desviado da Petrobras. De Eduardo Cunha a Sergio Cabral, todos querem a cabeça do ex-juiz. PT ganha fôlego...

Se antes da decisão do ministro Edson Fachin os petistas já estavam convictos de que o partido deveria ter um candidato a presidente da República, agora, com Lula livre para se jogar na disputa, é que todas as conversas com outros partidos vão colocar essa candidatura como inegociável. ...mas tem problemas A euforia, porém, não é compartilhada pelos outros partidos de esquerda. O PDT de Ciro Gomes, o PSol de Guilherme Boulos, o PSB do governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, passaram o dia em declarações para alertar que a decisão não inocentou o ex-presidente. "Começou o Termidor à brasileira. Desmoralizaram o Robespierre de Curitiba” Do ex-deputado Paulo Delgado, comparando a decisão de Fachin que anulou as condenações de Lula com a morte do líder da Revolução Francesa. Curtidas Covid é o que preocupa/ Governadores fecham um documento conjunto para apresentar ao Congresso, a fim de que pedir que os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, ajudem no diálogo com o governo federal sobre a necessidade de restringir a circulação de pessoas até que a taxa de transmissão caia. Esse papel caberia ao Ministério da Saúde, que, segundo os governadores, está de mãos atadas por causa da posição do presidente Jair Bolsonaro, que abomina o fechamento de atividades em função da pandemia. Ciro na área/ Cauteloso ao falar sobre a volta de Lula ao grid de largada de pré-candidatos para 2022, o pedetista faz questão de dizer com todas as letras que a decisão de Fachin não inocenta Lula e que o caminho até 2022 ainda é longo: “Vacina é o que interessa, o resto a gente discute em outra hora”.

A visão de Huck/ O empresário Luciano Huck (foto), integrante da paleta de opções para 2022, também comentou a decisão nas redes sociais: “No Brasil, o futuro é duvidoso e o passado é incerto. Na democracia, a Corte Suprema tem a última palavra na Justiça. É respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente. Mas uma coisa é fato: figurinha repetida não completa álbum”, escreveu. Parou tudo/ Os profissionais da política nem piscaram com a decisão do STF. Sabem que, enquanto esse imbróglio jurídico da decisão de Edson Fachin não for decidido, o tabuleiro de 2022 continuará bagunçado. Diante da pandemia, ganhará pontos quem estiver dedicado a cuidar do tema da saúde, deixando a guerra eleitoral de lado.

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