Sucom terceiriza a guarda de arquivos

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SALVADOR A11 SALVADOR SÁBADO 28/8/2010 REGIÃO METROPOLITANA cuida dos documentos do Es- tado), Maria Tereza Matos, de- fende que a posse física dos documentos deve estar den- tro da administração pública. “Se fizermos uma leitura ri- gorosa da Resolução nº 6 do Conselho Nacional de Arqui- vos, nesse caso a recomen- dação não estaria sendo com- pletamente obedecida”, ava- liou a especialista. A resolução, em seu segun- do artigo, diz: “A guarda dos documentos públicos é ex- clusiva dos órgãos e entida- des do poder público”. Ela não tem força de lei, mas se baseia na Lei 8.159, da política na- cional de arquivos públicos, que afirma: “É dever do poder público a gestão documental e a de proteção especial a do- cumentos de arquivos”. O presidente da Associação de Arquivistas da Bahia, Ri- cardo Sodré Andrade, ressalta que, com a terceirização, a ad- ministração pública deixa de investir em sua infraestrutu- ra. “Cada órgão é responsável pela sua documentação. Ter- ceirizando, ele está remune- rando uma entidade privada e deixando de investir na me- lhora do órgão”, diz. Especialistas em moralida- de administrativa consulta- dos por A TARDE dizem que a presença dos funcionários da Sucom no local é suficiente para cumprir a legislação. Este também é o argumen- to da assessoria jurídica da Sucom. “Em nenhum mo- mento transferimos a guarda dos documentos a terceiros, apesar de eles chegarem a passar por outros funcioná- rios”, explicou Jonas Ferraz, assessor jurídico do órgão. Ele ressalta que o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) também contrata a mesma empresa para guardar os seus documentos. Sucom terceiriza a guarda de arquivos MÁFIA DA TRANSCON A terceirização feita pelo município não é considerada ilegal, mas sua eficácia divide opiniões Luciano da Matta / AG A TARDE. Entrada da empresa Multi Storage Armazéns que mantém contrato com a prefeitura no valor de R$ 13,5 mil mensais para guardar documentos Documentos já passaram por três locais diferentes A Multi Storage é o terceiro depósito do arquivo da Su- com, que deve ser mudado de local novamente no próximo ano. Antes, ele já passou pela sede do órgão no bairro dos Dois Leões, e por uma casa alugada no Costa Azul. Ele foi transferido dos Dois Leões para o Costa Azul por causa de uma reforma feita na unidade. Quando Kátia Carmelo passou pelo órgão, os documentos já eram guar- dados no Costa Azul – uma casa alugada da empresa Aton Engenharia. Na audiên- cia que participou na Câmara de Vereadores, o atual supe- rintendente da Sucom, Cláu- dio Silva, afirmou que a an- tiga casa não tinha condições de infraestrutura para guar- dar os documentos. Sua as- sessoria mostrou à reporta- gem fotos e vídeos do antigo depósito, com caixas amon- toadas e guardadas de forma improvisada. “No galpão não era o ideal, mas era o que ha- via condições de pagar na época”, justifica Carmelo. Segundo ela, o projeto era transferir os documentos de volta para a sede dos Dois Leões, que estava em refor- ma, mas isso ainda não foi feito. A assessoria jurídica da Sucom informou que está nos planos atuais de Cláudio Silva levar o arquivo de volta aos Dois Leões no próximo ano, onde deve funcionar tam- bém um centro de treina- mento dos funcionários e um centro de combate à poluição sonora. A Multi Storage informou que existe um sistema de de- tecção de intrusão ao depó- sito, controle de umidade e de temperatura, além de outros cuidados técnicos. Órgãos do Estado, como a Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) e a Conder também são clientes da empresa – as quais, segundo Maria Tereza Matos, do Arquivo Público, estariam sendo orientadas a guardar seus documentos na própria administração. O Conselho Nacional de Ar- quivos já debateu, em suas reuniões, a terceirização da guarda de documentos. Seus membros admitiram a prá- tica, mas o entendimento é de que “é mais caro terceirizar os serviços de arquivo do que dotá-los de infraestrutura adequada, equipamentos e pessoal qualificado”, afir- mou o conselheiro Pablo So- ledade, conforme reprodu- ção na ata da 49ª reunião, em dezembro de 2008. Cláudio Silva quer levar arquivos para Dois Leões Lúcio Távora / AG. A Tarde Transporte é feito pela empresa Quando um funcionário da Sucom necessita de acesso a algum documento, ele faz uma solicitação pelo siste- ma de informática da em- presa (só diretores e subdi- retores podem fazê-lo). De- pois disso, os funcionários da Sucom lotados na Multi Storage buscam no depósito o documento solicitado, com a ajuda de funcionário da empresa. O processo é la- crado e transportado pela empresa até a sede da Su- com, na Avenida Antonio Carlos Magalhães. O retorno do documento obedece a processo semelhante. Órgão mudou de sede sem arquivo A Sucom mudou de sede em abril deste ano, passando do Bonocô para a Av. ACM. A medida causou polêmica por causa do alto preço do aluguel, que sai por R$ 146 mil mensais. O órgão ocupa um conjunto de 50 salas no Edifício Thomé de Souza. Apesar da mudança, eles não previram um espaço para guardar os documentos. “É um dos metros quadrados mais caros da cidade, ima- gine se fôssemos alugar mais espaço só para colocar o arquivo”, explicou o asses- sor jurídico da Sucom, Jonas Ferraz. Contrato foi sem licitação A Multi Storage Armazéns foi contratada por dispensa de licitação, com base no Ar- tigo 24, inciso X, da Lei das Licitações. “É dispensável a licitação para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finali- dades precípuas da adminis- tração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem sua escolha”, diz o artigo no qual a Sucom se fundamentou. Um dos motivos pela escolha da em- presa, diz o órgão, é ser a mesma que guarda os docu- mentos do Tribunal de Con- tas dos Municípios (TCM). AGUIRRE PEIXOTO A Sucom (Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município) guarda os documentos de transcons em um depósito de uma empresa terceirizada de armazenamento de arquivos, o que gerou polêmica desde a revelação da suposta “Máfia da Transcon” pela ex-secre- tária de Planejamento, Kátia Carmelo. A terceirização não é considerada ilegal, mas sua eficácia divide opiniões. Os cerca de 700 mil pro- cessos do órgão estão depo- sitados, desde junho do ano passado, na empresa Multi Storage Armazéns, localizada no Portoseco Pirajá, sob um contrato que custa R$ 13,5 mil mensais. Junto a eles estão documentos de outros órgãos públicos, que também con- tratam o serviço, e de empre- sas privadas. Os papéis da Su- com são manuseados por três servidores do órgão, que fi- cam lotados na Multi Storage, mas também passam pelo pessoal da empresa. Carmelo foi a primeira a levantar suspeitas sobre a sis- temática, criticando o fato de haver pessoas de fora da Su- com em contato com os ar- quivos. No último dia 14, ela denunciou a A TARDE a exis- tência de uma suposta máfia para a concessão ilegal de Transcon a empreendimen- tos na orla de Salvador (prá- tica proibida pelo atual PD- DU), que, segundo ela, seria comandada pelo atual supe- rintendente da Sucom, Cláu- dio Silva. Ele nega envolvi- mento e diz que o licencia- mento é de responsabilidade da Secretaria de Desenvolvi- mento Urbano, Habitação e Meio Ambiente (Sedham). A diretora do Arquivo Pú- blico da Bahia (entidade que ENTENDA O CASO 1 Um suposto esquema na concessão e negociação de Transcon (Transferência do Direito de Construir) foi denunciado pela ex-secretária do Planejamento Kátia Carmelo ao A TARDE 2 Segundo ela, as transcons eram concedidas para terrenos na orla, o que é proibido pelo PDDU, e seus saldos não eram debitados após o uso 3 A Transcon é um crédito concedido a donos de terrenos desapropriados, que podem negociá-lo com empreendedores do mercado imobiliário que pretendem aumentar a área de seus projetos 4 A Transcon é negociada entre particulares, mas na orla deveria ser usada a outorga onerosa, instrumento que traz arrecadação para o município. O uso de Transcon teria causado uma perda de R$ 500 milhões aos cofres públicos, diz Carmelo 5 A Transcon é negociada entre particulares, mas Carmelo denuncia suposto esquema na prefeitura para forçar construtores a usarem Transcon, que seria comandado por Cláudio Silva, gestor da Sucom, Ricardo Araújo, secretário do prefeito, e o empresário Alcebíades Barata 6 Cláudio Silva nega envolvimento e diz que a Sedham é que é responsável pelo licenciamento. Ele acusa Carmelo de não dar baixa nos saldos das transcons Carmelo levanta suspeitas sobre a sistemática e critica o fato de haver gente de fora da Sucom em contato com os arquivos

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Participação em matéria que tratava sobre a terceirização da guarda de arquivo da Sucom. Publicado no jornal A Tarde, Salvador/BA.

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SALVADOR A11SALVADOR SÁBADO 28/8/2010 REGIÃO METROPOLITANA

cuida dos documentos do Es-tado), Maria Tereza Matos, de-fende que a posse física dosdocumentos deve estar den-tro da administração pública.“Se fizermos uma leitura ri-gorosa da Resolução nº 6 doConselho Nacional de Arqui-vos, nesse caso a recomen-dação não estaria sendo com-pletamente obedecida”, ava-liou a especialista.

A resolução, em seu segun-do artigo, diz: “A guarda dosdocumentos públicos é ex-clusiva dos órgãos e entida-des do poder público”. Ela nãotem força de lei, mas se baseiana Lei 8.159, da política na-cional de arquivos públicos,que afirma: “É dever do poderpúblico a gestão documentale a de proteção especial a do-cumentos de arquivos”.

O presidente da Associaçãode Arquivistas da Bahia, Ri-cardoSodréAndrade,ressaltaque, com a terceirização, a ad-ministração pública deixa deinvestir em sua infraestrutu-ra. “Cada órgão é responsávelpela sua documentação. Ter-ceirizando, ele está remune-rando uma entidade privadae deixando de investir na me-lhora do órgão”, diz.

Especialistas em moralida-de administrativa consulta-dos por A TARDE dizem que apresença dos funcionários daSucom no local é suficientepara cumprir a legislação.

Este também é o argumen-to da assessoria jurídica daSucom. “Em nenhum mo-mento transferimos a guardados documentos a terceiros,apesar de eles chegarem apassar por outros funcioná-rios”, explicou Jonas Ferraz,assessor jurídico do órgão. Eleressalta que o Tribunal deContas dos Municípios (TCM)também contrata a mesmaempresa para guardar os seusdocumentos.

Sucom terceiriza a guarda de arquivosMÁFIA DA TRANSCON A terceirização feita pelo município não é considerada ilegal, mas sua eficácia divide opiniões

Luciano da Matta / AG A TARDE.

Entrada da empresa Multi Storage Armazéns que mantém contrato com a prefeitura no valor de R$ 13,5 mil mensais para guardar documentos

Documentos já passaram por três locais diferentes

A Multi Storage é o terceirodepósito do arquivo da Su-com, que deve ser mudado delocal novamente no próximoano. Antes, ele já passou pelasede do órgão no bairro dosDois Leões, e por uma casaalugada no Costa Azul.

Ele foi transferido dos DoisLeões para o Costa Azul porcausa de uma reforma feitana unidade. Quando KátiaCarmelo passou pelo órgão,os documentos já eram guar-dados no Costa Azul – umacasa alugada da empresaAton Engenharia. Na audiên-cia que participou na Câmarade Vereadores, o atual supe-rintendente da Sucom, Cláu-dio Silva, afirmou que a an-tiga casa não tinha condiçõesde infraestrutura para guar-dar os documentos. Sua as-sessoria mostrou à reporta-gem fotos e vídeos do antigodepósito, com caixas amon-toadas e guardadas de formaimprovisada. “No galpão nãoera o ideal, mas era o que ha-via condições de pagar naépoca”, justifica Carmelo.

Segundo ela, o projeto eratransferir os documentos devolta para a sede dos Dois

Leões, que estava em refor-ma, mas isso ainda não foifeito. A assessoria jurídica daSucominformouqueestánosplanos atuais de Cláudio Silvalevar o arquivo de volta aosDois Leões no próximo ano,

onde deve funcionar tam-bém um centro de treina-mento dos funcionários e umcentro de combate à poluiçãosonora.

A Multi Storage informouque existe um sistema de de-tecção de intrusão ao depó-sito, controle de umidade e detemperatura, além de outroscuidados técnicos. Órgãos doEstado, como a Secretaria deDesenvolvimento Urbano(Sedur) e a Conder tambémsão clientes da empresa – asquais, segundo Maria TerezaMatos, do Arquivo Público,estariam sendo orientadas aguardar seus documentos naprópria administração.

O Conselho Nacional de Ar-quivos já debateu, em suasreuniões, a terceirização daguarda de documentos. Seusmembros admitiram a prá-tica, mas o entendimento é deque “é mais caro terceirizar osserviços de arquivo do quedotá-los de infraestruturaadequada, equipamentos epessoal qualificado”, afir-mou o conselheiro Pablo So-ledade, conforme reprodu-ção na ata da 49ª reunião, emdezembro de 2008.

Cláudio Silva quer levararquivos para Dois Leões

Lúcio Távora / AG. A Tarde

Transporte é feitopela empresa

Quando um funcionário daSucom necessita de acesso aalgum documento, ele fazuma solicitação pelo siste-ma de informática da em-presa (só diretores e subdi-retores podem fazê-lo). De-pois disso, os funcionáriosda Sucom lotados na MultiStorage buscam no depósitoo documento solicitado,com a ajuda de funcionárioda empresa. O processo é la-crado e transportado pelaempresa até a sede da Su-com, na Avenida AntonioCarlos Magalhães. O retornodo documento obedece aprocesso semelhante.

Órgão mudou desede sem arquivo

A Sucom mudou de sede emabril deste ano, passando doBonocô para a Av. ACM. Amedida causou polêmicapor causa do alto preço doaluguel, que sai por R$ 146mil mensais. O órgão ocupaum conjunto de 50 salas noEdifício Thomé de Souza.Apesar da mudança, eles nãopreviram um espaço paraguardar os documentos. “Éum dos metros quadradosmais caros da cidade, ima-gine se fôssemos alugarmais espaço só para colocaro arquivo”, explicou o asses-sor jurídico da Sucom, JonasFerraz.

Contrato foi semlicitação

A Multi Storage Armazénsfoi contratada por dispensade licitação, com base no Ar-tigo 24, inciso X, da Lei dasLicitações. “É dispensável alicitação para a compra oulocação de imóvel destinadoao atendimento das finali-dades precípuas da adminis-tração, cujas necessidadesde instalação e localizaçãocondicionem sua escolha”,diz o artigo no qual a Sucomse fundamentou. Um dosmotivos pela escolha da em-presa, diz o órgão, é ser amesma que guarda os docu-mentos do Tribunal de Con-tas dos Municípios (TCM).

AGUIRRE PEIXOTO

A Sucom (Superintendênciade Controle e Ordenamentodo Uso do Solo do Município)guarda os documentos detranscons em um depósito deuma empresa terceirizada dearmazenamento de arquivos,o que gerou polêmica desde arevelação da suposta “Máfiada Transcon” pela ex-secre-tária de Planejamento, KátiaCarmelo. A terceirização não

é considerada ilegal, mas suaeficácia divide opiniões.

Os cerca de 700 mil pro-cessos do órgão estão depo-sitados, desde junho do anopassado, na empresa MultiStorage Armazéns, localizadano Portoseco Pirajá, sob umcontrato que custa R$ 13,5 milmensais. Junto a eles estãodocumentosdeoutrosórgãospúblicos, que também con-tratam o serviço, e de empre-sas privadas. Os papéis da Su-

com são manuseados por trêsservidores do órgão, que fi-cam lotados na Multi Storage,mas também passam pelopessoal da empresa.

Carmelo foi a primeira alevantar suspeitas sobre a sis-temática, criticando o fato dehaver pessoas de fora da Su-com em contato com os ar-quivos. No último dia 14, eladenunciou a A TARDE a exis-tência de uma suposta máfiapara a concessão ilegal de

Transcon a empreendimen-tos na orla de Salvador (prá-tica proibida pelo atual PD-DU), que, segundo ela, seriacomandada pelo atual supe-rintendente da Sucom, Cláu-dio Silva. Ele nega envolvi-mento e diz que o licencia-mento é de responsabilidadeda Secretaria de Desenvolvi-mento Urbano, Habitação eMeio Ambiente (Sedham).

A diretora do Arquivo Pú-blico da Bahia (entidade que

ENTENDA O CASO

1Um suposto esquema naconcessão e negociação deTranscon (Transferênciado Direito de Construir)foi denunciado pelaex-secretária doPlanejamento KátiaCarmelo ao A TARDE

2Segundo ela, as transconseram concedidas paraterrenos na orla, o que éproibido pelo PDDU, eseus saldos não eramdebitados após o uso

3A Transcon é um créditoconcedido a donos deterrenos desapropriados,que podem negociá-lo comempreendedores domercado imobiliário quepretendem aumentar aárea de seus projetos

4A Transcon é negociadaentre particulares, mas naorla deveria ser usada aoutorga onerosa,instrumento que trazarrecadação para omunicípio. O uso deTranscon teria causadouma perda de R$ 500milhões aos cofrespúblicos, diz Carmelo

5A Transcon é negociadaentre particulares, masCarmelo denuncia supostoesquema na prefeiturapara forçar construtores ausarem Transcon, queseria comandado porCláudio Silva, gestor daSucom, Ricardo Araújo,secretário do prefeito, e oempresário AlcebíadesBarata

6Cláudio Silva negaenvolvimento e diz que aSedham é que éresponsável pelolicenciamento. Ele acusaCarmelo de não dar baixanos saldos das transcons

Carmelo levantasuspeitas sobrea sistemática ecritica o fato dehaver gente defora da Sucomem contato comos arquivos