STJ Resp 409303 - Terreno de Marinha - Taxa de Ocupação

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 409.303 - RS (2002/0011624-1) RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO RECORRENTE : PHILIP CHARLES HOPKINS RABELO E OUTRO ADVOGADO : LUIZ CARLOS BUCHAIN RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS EMENTA ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. 1. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União, com base em legislação específica, podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial própria. 2. Cobrança de taxa de ocupação pela União. 3. Ação de nulidade da exigência do pagamento da taxa sob alegação dos autores de serem proprietários do bem imóvel, em face de doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul. 4. Reconhecimento pelo acórdão de que os bens estão situados em faixa considerada de terreno de marinha. 5. Impossibilidade, em face do posicionamento do acórdão, de ser revertido esse convencimento. Matéria de prova. 6. Em nosso direito positivo, diferentemente do sistema alemão, a transcrição do título no registro de imóvel tem presunção "juris tantum". 7. É sem qualquer validade título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha. 8. Taxa de ocupação devida. 9. Recurso especial improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros. Brasília (DF), 27 de agosto de 2002(Data do Julgamento). MINISTRO FRANCISCO FALCÃO Presidente MINISTRO JOSÉ DELGADO Relator Documento: 369309 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 14/10/2002 Página 1 de 11

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RECURSO ESPECIAL Nº 409.303 - RS (2002/0011624-1)

RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADORECORRENTE : PHILIP CHARLES HOPKINS RABELO E OUTROADVOGADO : LUIZ CARLOS BUCHAIN RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO.1. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União, com base em legislação específica, só podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial própria.2. Cobrança de taxa de ocupação pela União.3. Ação de nulidade da exigência do pagamento da taxa sob alegação dos autores de serem proprietários do bem imóvel, em face de doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul.4. Reconhecimento pelo acórdão de que os bens estão situados em faixa considerada de terreno de marinha.5. Impossibilidade, em face do posicionamento do acórdão, de ser revertido esse convencimento. Matéria de prova.6. Em nosso direito positivo, diferentemente do sistema alemão, a transcrição do título no registro de imóvel tem presunção "juris tantum".7. É sem qualquer validade título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha.8. Taxa de ocupação devida.9. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.Brasília (DF), 27 de agosto de 2002(Data do Julgamento).

MINISTRO FRANCISCO FALCÃO Presidente

MINISTRO JOSÉ DELGADO Relator

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RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: PHILIP CHARLES HOPKINS RABELO e

OUTRO insurgem-se, via recurso especial (fls. 304/319), ao abrigo da alínea "a", do inc. III,

do art. 105, da Constituição Federal, contra acórdão (fls. 286/290) proferido pela 3ª Turma

do TRF/4ª Região, assim ementado (fls. 290):

"ADMINISTRATIVO. CIVIL. TERRENOS DE MARINHA. NULIDADE DO REGISTRO. TAXA DE OCUPAÇÃO. ARTIGO 198 DO DECRETO-LEI Nº 9.760/46.1. A existência de título de propriedade transcrito em favor da autora não elide o domínio da União sobre as áreas de marinha, já que se trata de bens públicos que, salvo previsão legal, não podem ser trespassados ao patrimônio particular.2. Hipótese em que restou demonstrada a irregularidade do registro apresentado pela autora, uma vez que o respectivo título tem por origem doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul, que tomou como limite da área doada, a própria faixa de marinha.3. Apelação improvida."

Embargos de declaração foram manejados, tendo sido rejeitados sob os argumentos

deduzidos na seguinte ementa (fls. 301):

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. PREQUESTIONAMENTO.Não é omisso o acórdão que decide a lide fundamentadamente. O juiz não está obrigado ao exame acadêmico dos dispositivos que considerou inaplicáveis ao caso."

Tratam os presentes autos de Ação Anulatória de Débito Fiscal proposta pelos ora

recorrentes em face da União Federal e do Município de Torres/RS objetivando a

desconstituição de lançamento de cobrança de taxas de ocupação sobre imóveis de sua

propriedade, relativas aos anos de 1986, 1987 e 1989, localizados naquele Município.

O r. juízo monocrático julgou improcedente o pedido ao fundamento de que os

terrenos em questão não são de propriedade dos autores, mas sim da União, já que se

localizam na faixa territorial destinada à defesa nacional. O início da cadeia dominial,

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portanto, está viciado, considerando-se todas as transferências feitas a partir de então nulas

de pleno direito. E, como a ocupação dos bens da União não pode ser gratuita, é legítima a

cobrança da exação objeto destes autos.

Irresignados, apelaram os autores, tendo o eg. Tribunal a quo negado provimento à

apelação à luz dos seguintes argumentos:

a) a existência de título de propriedade transcrito em favor dos autores não elide o

domínio da União sobre as áreas de marinha, já que se tratam de bens públicos que, salvo

previsão legal, não podem ser trespassados ao patrimônio particular;

b) restou demonstrada a irregularidade do registro apresentado pelos autores, uma

vez que o referido título tem por origem doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul,

que tomou como limite da área doada a própria faixa de marinha. Assim, padece o mesmo

de nulidade absoluta por haver incluído bens da União, a teor do art. 198, do DL 9.760/46;

c) é devida a taxa de ocupação de terras públicas prevista nos arts. 127 a 133, do DL

9.760/46.

Neste momento, em sede de recurso especial, sustentam os recorrentes violação dos

seguintes preceitos legais:

- do Código Civil:

. art. 530, I ("Adquire-se a propriedade imóvel: I – pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel");. art. 678 ("Dá-se a enfiteuse, aforamento, ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou foro anual, certo e invariável" );. art. 856, I ("O registro de imóvel compreende: I – a transcrição dos títulos de transmissão da propriedade");. art. 859 ("Presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu").

- da Lei 6.015/73:

. art. 1º, IV ("Os serviços concernentes aos registros públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta lei. § 1º - Os registros referidos neste artigo são os seguintes: IV – o registro de imóveis ");. art. 167, I ("No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I – o

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registro ");. art. 214 ("As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no independentemente de ação direta");. art. 243 ("A matrícula do imóvel promovida pelo titular do domínio direto aproveita ao titular do domínio útil, e vice-versa ");. art. 250, I ("Far-se-á o cancelamento: I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado ");. art. 252 ("O registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido ");. art. 258 ("O foreiro poderá, nos termos da lei, averbar a renúncia de seu direito, sem dependência do consentimento do senhorio direto").

Alegam, em síntese, que:

a) os efeitos decorrentes da transcrição do título aquisitivo de sua propriedade lhe

conferem direito absoluto ao exercício das prerrogativas desta, afastando quaisquer

pretensões da recorrida para o lançamento e exação de 'taxa de ocupação' de terreno de

marinha, pois seu pressuposto é a existência de propriedade da União, a qual, in casu , não

se verifica;

b) ainda que por hipótese fosse admitida irregularidade no registro imobiliário

baseado no respectivo título de transmissão de propriedade, é inadmissível seu

cancelamento ou anulação por via administrativa, ou seja, sem a respectiva sentença

judicial transitada em julgado a que alude o disposto no art. 250, I, da Lei de Registros

Públicos;

c) não se trata de enfiteuse, legalmente constituída, pois se tivessem sido observados

os requisitos e pressupostos legais, deveria a mesma estar averbada à margem da matrícula

do imóvel, como determina a LRP;

d) não há nenhuma nulidade no processo de registro e, via de conseqüência, é válido

e eficaz perante terceiros enquanto não anulado por sentença judicial. Ainda que a sentença

recorrida afirme a propriedade da União sobre os terrenos de marinha, é preciso

desconstituir o título por sentença judicial, nos termos do disposto no art. 214, da LRP.

Antes disso, permanecerá válido e eficaz o título de propriedade dos recorrentes;

e) é improcedente a justificação da exação em tela como "taxa de ocupação" por

falta de fato gerador, ou seja, a existência de serviço público específico e divisível ou

justificativa para exercício do poder de polícia. De outra forma, preço público pressupõe o

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fornecimento de bens ou serviços pelo Estado como se particular fosse, sendo faculdade do

tomador sua utilização mediante pagamento do respectivo preço, inexistindo, no caso em

tela, a prestação de qualquer serviço pela recorrida;

f) a Súmula 545/STF corrobora a tese dos recorrentes, pois concebe em seu bojo a

distinção entre taxas e preços, a saber: "Preços de serviços públicos e taxas não se

confundem, porque estas, diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança

condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu".

Contra-razões ofertadas ao especial (fls. 334/336), defendendo-se a manutenção de

decisão acerca de matéria completamente alheia ao caso vertente nos autos

(constitucionalidade da majoração das alíquotas do FINSOCIAL das empresas prestadoras

de serviços).

Recurso extraordinário às fls. 321/329, tendo sido contra-arrazoado às fls. 337/340.

Conferido crivo positivo ao processamento de ambos os apelos (fls. 342/343),

ascenderam os autos a esta Corte.

É o relatório.

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ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO.1. Os terrenos de marinha, discriminados pelo Serviço de Patrimônio da União, com base em legislação específica, só podem ser descaracterizados pelo particular por meio de ação judicial própria.2. Cobrança de taxa de ocupação pela União.3. Ação de nulidade da exigência do pagamento da taxa sob alegação dos autores de serem proprietários do bem imóvel, em face de doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul.4. Reconhecimento pelo acórdão de que os bens estão situados em faixa considerada de terreno de marinha.5. Impossibilidade, em face do posicionamento do acórdão, de ser revertido esse convencimento. Matéria de prova.6. Em nosso direito positivo, diferentemente do sistema alemão, a transcrição do título no registro de imóvel tem presunção "juris tantum".7. É sem qualquer validade título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha.8. Taxa de ocupação devida.9. Recurso especial improvido.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR): A lide está concentrada nos

seguintes fatos:

a) a União Federal e a Prefeitura Municipal de Torres/RS constituíram

lançamento para a cobrança de taxa de ocupação relativa a imóveis ditos de

propriedade dos recorrentes;

b) a União contesta os títulos de propriedade, por os terrenos serem de

marinha, pelo que são nulos de pleno direito;

c) os ora recorrentes pretendem, via ação ordinária que deu origem ao

presente recurso especial, anular os lançamentos fiscais;

d) o acórdão objurgado, confirmando a sentença, manteve a improcedência

do pedido.

O decisum colegiado tomou como base para confirmar a improcedência do pedido

os seguintes fundamentos (fls. 286/288):

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"Dispõe o Decreto-Lei nº 9.760/46, "verbis":Art. 1º - Incluem-se entre os bens imóveis da União:a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;b) os terrenos marginais dos rios navegáveis em Territórios

Federais, se, por qualquer título legítimo, não pertencerem a particular;c) os terrenos marginais de rios e as ilhas nestes situadas,

na faixa da fronteira do território nacional e nas zonas onde se faça sentir a influência das marés;

d) as ilhas situadas nos mares territoriais ou não, se por qualquer título legítimo não pertencerem aos Estados, Municípios ou particulares;

e) a porção de terras devolutas que for indispensável para a defesa da fronteira, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais;

f ) as terras devolutas situadas nos Territórios Federais;g) as estradas de ferro, instalações portuárias, telégrafos,

telefones, fábricas, oficinas e fazendas nacionais."Art. 2º "São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831:a) os situados no continente, na costa marítima e nas

margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano."Válida, portanto, a discriminação ofertada pelo DL 9.760/46 em face das constituições posteriores, inclusive com a atual, pois não conflita com o artigo 26 da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre o domínio hídrico dos Estados-Membros, pois neste há ressalva quanto ao que, por algum título, não estivesse comprendido no domínio da União, nestes termos:

Art. 26 – Incluem-se entre os bens dos Estados:I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, nesse caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;II – as áreas nas ilhas oceânicas e costeiras, que estivessem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;III – as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;IV – as terras devolutas não compreendidas entre as da União."

O art. 3º, do mesmo diploma legal, trata dos terrenos acrescidos de marinha, que seguem a mesma sorte:

"São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas,

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em seguimento aos terrenos de marinha".O ponto nodal da lide está, portanto, em se definir se os títulos de propriedade do autor podem ser opostos à propriedade legal da União quanto aos terrenos de marinha.Penso que a existência de título de propriedade transcrito em favor da autora não elide o domínio da União sobre as áreas de marinha, já que se trata de bens públicos que, salvo previsão legal, não podem ser trespassados ao patrimônio particular.Além disso, restou demonstrada a irregularidade do registro apresentado pela autora, uma vez que o referido título tem por origem doação feita pelo Estado do Rio Grande do Sul, que tomou como limite da área doada, a própria faixa de marinha.Desta forma, certo é que o registro padece de nulidade absoluta por ter incluído bens da União. A propósito, dispõe o art. 198 do Decreto-lei 9.760/46, que:

"A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sobre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originais em títulos por ela outorgados na forma do presente Decreto-lei."

Quanto aos vícios do processo demarcatório, o autor está a confundir discriminação de terras públicas para o qual é prevista uma fase judicial quando existirem títulos translativos de propriedade com o processo administrativo de demarcação da linha de preamar média de 1831. O último está previsto nos artigos 9 e 14 do DL 9.760/46, nestes termos:

"Art. 9º - É da competência do Serviço do Patrimônio da União (SPU) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.""Art. 14 – Da decisão proferida pelo diretor do SPU será dado conhecimento aos interessados que, no prazo improrrogável de 20 (vinte) dias, contados de sua ciência, poderão interpor recurso para o CTU."

A discriminação prevista no artigo 24 é para as terras devolutas e não para os terrenos de marinha.Quanto à necessidade de intimação para o processo administrativo demarcatório está a mesma prejudicada pela data em que ocorreu. Iniciados os trabalhos em 08.09.1948, concluídos em 16.08.1950, e homologados em 19.06.1951 (fls. 171 e seguintes), quando a doação ao Município de Torres ocorreu somente em 27.12.1950, transcrito o título em 16.01.51. E, mesmo que assim não fosse, os autores não eram donos das terras ao tempo da demarcação. Destarte, não poderiam ser intimados pois a Prefeitura transferiu as terras à Cia Predial e Agrícola S/A em 02.03.51 e o loteamento das mesmas ocorreu em 18.07.51.Diante de tais considerações, forçoso é o reconhecimento de que é devida a taxa de ocupação de terras públicas prevista nos arts. 127 e 133 do Decreto-Lei nº 9.760/46.Com efeito, a taxa de ocupação não se constitui em tributo. Trata-se de remuneração pelo uso da coisa pública, amoldando-se ao conceito de preço público, razão pela qual não há que se falar em bitributação, poder de

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polícia e violação ao princípio da legalidade.Descabidas as alegações relativas à enfiteuse pois em nenhum momento a União alegou a cobrança de foro e sim de taxa de ocupação.Nestes termos, voto no sentido de negar provimento à apelação."

Os recorrentes não apresentam argumentos jurídicos com força de desconstituir esse

acórdão.

É correta a afirmação do aresto de que os títulos de propriedade de bens imóveis,

mesmo registrados, não têm caráter absoluto, pois não afastam o domínio da União sobre

terrenos reconhecidos de marinha, uma vez que tais são bens públicos que, salvo previsão

legal específica, não podem ser transferidos para o particular sob qualquer título.

Na hipótese, os terrenos são reconhecidos, pelo acórdão, como estando situados na

faixa considerada de marinha.

Essa caracterização dos imóveis está assentada nos autos com base em elementos de

prova que, em face da Súmula nº 07/STJ, não pode ser revista em sede de recurso especial.

Os títulos de propriedade dos recorrentes foram firmados pelo Estado do Rio Grande

do Sul. Não se sobrepõem, juridicamente, ao domínio da União sobre os mesmos, em face

de determinação legal.

Irregulares, pois, não produzindo efeitos, os registros determinadores de

transferência das referidas propriedades. Eles são inexistentes para o mundo jurídico em

face do que dispõe o art. 198, do DL 9.760/46.

Outrossim, o processo discriminatório não se confunde com o de demarcação da

linha de preamar média de 1831. O ato realizado pelo Serviço de Patrimônio da União,

reconhecendo os bens situados em terrenos de marinha, não foi impugnado, pelo que as

suas conclusões produzem todos os efeitos jurídicos dele decorrentes.

Não se pode deixar de compreender que "os terrenos de marinha ganharam a

valorização constitucional não para que depois fossem privatizados, esquecendo-se sua

conotação de "bens de uso comum do povo" , conforme doutrina Paulo Affonso Leme

Machado, in "Direto Ambiental Brasileiro", pg. 119.

O Tribunal Federal de Recursos, conforme acórdão publicado na RF 238/128,

manifestou entendimento de que "... a aquisição do imóvel pela transcrição do título de

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transferência no Registro de Imóveis, de que trata o art. 530, I, do Código Civil, e seu

regulamento, concernido à propriedade privada, não interfere com a transferência da

propriedade dos terrenos de marinha, integrantes do domínio da União, disciplinada por

legislação especial" .

Há, também, de se seguir a orientação de que, em nosso direito positivo, "em

relação ao registro imobiliário, ao contrário do direito germânico, de presunção juris et de

jure para o título registrado, seguiu o sistema da simples publicidade, adotando, assim, a

presunção juris tantum da propriedade em favor daquele em cujo nome estiver transcrito o

título, portanto, de natureza causal, ou seja, desde que o título registrado seja legítimo"

(Antônio Viceconte, parecer in ADCOAS, pg. 61, Boletim de 10.01.90).

A presunção "juris tantum" do registro significa que ele, por si só, não tem

expressão jurídica de validade. Esta só será alcançada se o título transcrito for legítimo.

A doutrina afirma, também, que não compete à União efetuar a prova documental de

sua propriedade relativa aos terrenos de marinha. É da obrigação do proprietário, em caso

de litígio, fazer a demonstração de que seu título tem origem legítima e não titulariza

terreno de marinha.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0011624-1 RESP 409303 / RS

Números Origem: 8800056407 8856407 9604259806

PAUTA: 20/08/2002 JULGADO: 27/08/2002

RelatorExmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. GILDA PEREIRA DE CARVALHO

SecretáriaBela MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : PHILIP CHARLES HOPKINS RABELO E OUTROADVOGADO : LUIZ CARLOS BUCHAINRECORRIDO : FAZENDA NACIONALPROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS

ASSUNTO: Ação Anulatória - Débito Fiscal

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 27 de agosto de 2002

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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