STJ REsp 1148631

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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 1.148.631 - DF (2009/0132727-6) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO MARCO BUZZI RECORRENTE : EUFRÁSIO JUSTINO DE ARAÚJO ADVOGADO : NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS - DEFENSORA PÚBLICA E OUTROS RECORRIDO : CÁTIA BARCELOS DE ABREU ADVOGADO : ALEXANDRE DE ALMEIDA SANTOS EMENTA RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ANTERIORIDADE NA AQUISIÇÃO DOS DIREITOS POSSESSÓRIOS, PRECEDÊNCIA NO USO E OCUPAÇÃO DO BEM, PROVIDÊNCIAS CONSISTENTES NA LIMPEZA E MANUTENÇÃO DA COISA POSSUÍDA - CONSTITUIÇÃO DE DIREITO POSSESSÓRIO - RECONHECIMENTO DA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. 1. Discussão voltada a definir o conceito de 'melhor posse', à luz do Código Civil de 2002. 2. Questão a ser dirimida mediante investigação voltada à comprovação, pelo autor da demanda, do disposto no art. 927, do Código de Processo Civil e dos requisitos alusivos: I – ao efetivo exercício de sua posse; II – a turbação ou esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; V – a perda da posse, na ação de reintegração. Ultrapassada a primeira exigência para procedência da ação de reintegração de posse, qual seja, a demonstração, pelo autor, de sua posse e o esbulho cometido pela parte demandada, remanesce a análise dos demais elementos do art. 927, do CPC, revelando-se correta e em harmonia com o princípio da segurança jurídica a orientação adotada pelas instâncias ordinárias no sentido de, diante de documentos com força equivalente, optar por aquele mais antigo, desde que corroborado pelo efetivo exercício da relação material (possessória) com a coisa, objeto do bem da vida. 3. Não que se falar na utilização de parâmetros estabelecidos no artigo 507, e seu parágrafo único, do Código Civil anterior, não repetido no estatuto atual, nem tampouco ignorar a força do comando constitucional da função social do uso da terra (propriedade/posse), em virtude do que se espera sejam aos imóveis dada a destinação que mais legitima a sua ocupação. É preciso que o Poder Judiciário, quando no exercício da função jurisdicional - na construção da norma jurídica concreta - se valha de critérios seguros, objetivos e, fundamentalmente, agregadores dos diversos requisitos deduzidos na lei, no afã de bem avaliar a providência acerca da eventual manutenção Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Página 1 de 35

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Acórdão do Superior Tribunal de Justiça (Brasil) acerca do critério da melhor posse, no que respeita aos parágrafos quarto e quinto do art. 1.228, do Código Civil.

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    RECURSO ESPECIAL N 1.148.631 - DF (2009/0132727-6)

    RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMOR.P/ACRDO : MINISTRO MARCO BUZZIRECORRENTE : EUFRSIO JUSTINO DE ARAJO ADVOGADO : NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS -

    DEFENSORA PBLICA E OUTROSRECORRIDO : CTIA BARCELOS DE ABREU ADVOGADO : ALEXANDRE DE ALMEIDA SANTOS

    EMENTARECURSO ESPECIAL - AO DE REINTEGRAO DE

    POSSE ANTERIORIDADE NA AQUISIO DOS DIREITOS POSSESSRIOS, PRECEDNCIA NO USO E OCUPAO DO BEM, PROVIDNCIAS CONSISTENTES NA LIMPEZA E MANUTENO DA COISA POSSUDA - CONSTITUIO DE DIREITO POSSESSRIO - RECONHECIMENTO DA IMPROCEDNCIA DA AO PELAS INSTNCIAS ORDINRIAS.

    1. Discusso voltada a definir o conceito de 'melhor posse', luz do Cdigo Civil de 2002.

    2. Questo a ser dirimida mediante investigao voltada comprovao, pelo autor da demanda, do disposto no art. 927, do Cdigo de Processo Civil e dos requisitos alusivos: I ao efetivo exerccio de sua posse; II a turbao ou esbulho praticado pelo ru; III a data da turbao ou do esbulho; IV a continuao da posse, embora turbada, na ao de manuteno; V a perda da posse, na ao de reintegrao.

    Ultrapassada a primeira exigncia para procedncia da ao de reintegrao de posse, qual seja, a demonstrao, pelo autor, de sua posse e o esbulho cometido pela parte demandada, remanesce a anlise dos demais elementos do art. 927, do CPC, revelando-se correta e em harmonia com o princpio da segurana jurdica a orientao adotada pelas instncias ordinrias no sentido de, diante de documentos com fora equivalente, optar por aquele mais antigo, desde que corroborado pelo efetivo exerccio da relao material (possessria) com a coisa, objeto do bem da vida.

    3. No h que se falar na utilizao de parmetros estabelecidos no artigo 507, e seu pargrafo nico, do Cdigo Civil anterior, no repetido no estatuto atual, nem tampouco ignorar a fora do comando constitucional da funo social do uso da terra (propriedade/posse), em virtude do que se espera sejam aos imveis dada a destinao que mais legitima a sua ocupao.

    preciso que o Poder Judicirio, quando no exerccio da funo jurisdicional - na construo da norma jurdica concreta - se valha de critrios seguros, objetivos e, fundamentalmente, agregadores dos diversos requisitos deduzidos na lei, no af de bem avaliar a providncia acerca da eventual manuteno

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    ou reintegrao do sujeito na posse da terra. Dessa forma, a teor do art. 927, inciso I, do CPC, ao autor

    da ao possessria cumpre provar sua posse. E esta, sem dvida, pode ser comprovada com base no justo ttulo, conforme ainda determina o pargrafo nico, do art. 1.201, do Cdigo Civil.

    preciso compreender justo ttulo segundo os princpios da socialidade, da eticidade e da operabilidade, diretrizes estabelecidas pelo Novo Cdigo Civil. Assim, perfilhando-se entendimento da doutrina contempornea, justo ttulo no pode ser considerado, preponderamente, sinnimo de instrumento, mas de causa hbil para constituio da posse.

    Na concepo acerca da 'melhor posse', a anlise do parmetro alusivo a funo social do uso da terra h de ser conjungado a outros critrios hermenuticos, tendo como norte o justo ttulo, a teor do pargrafo nico, do art. 1.201, do Cdigo Civil, sem olvidar as balizas traadas pela aluso s circunstncias referidas no art. 1202 do Cdigo Civil.

    A funo social da posse deve complementar o exame da 'melhor posse' para fins de utilizao dos interditos possessrios. Quer dizer, alia-se a outros elementos, tais como a antiguidade e a qualidade do ttulo, no podendo ser analisada dissociada de tais critrios, estabelecidos pelo legislador de 2002, a teor do art. 1.201, pargrafo nico, do Cdigo Civil, conferindo-se, inclusive, ao portador do justo ttulo a presuno de boa-f.

    importante deixar assente que a prpria funo social da posse, como valor e critrio jurdico-normativo, no tem carter absoluto, sob pena deste Tribunal, caso coteje de modo preponderante apenas um dos fatores ou requisitos integrados no instituto jurdico, gerar insegurana jurdica no trato de tema por demais relevante, em que o legislador ordinrio e o prprio constituinte no pretenderam regrar com clusulas amplamente abertas.

    4. preciso considerar o critrio da funo social da posse, complementado a outros parmetros, como a antiguidade e a qualidade do ttulo, a existncia real da relao material com a coisa, sua intensidade, tendo como norte hermenutico a definio do art. 1.201, pargrafo nico, do Cdigo Civil.

    5. No caso em foco, o exame do vetor alusivo funo social da posse, como critrio jurdico-normativo nico, no teria isoladamente influncia suficiente para alterar o resultado do processo, a ponto de beneficiar qualquer litigante, porquanto, os elementos existentes e, sobretudo, a equivalncia de foras dos documentos apresentados, tornam dispensveis consideraes segmentadas, no conjunturais, em relao quele elemento.

    Merece ser mantida inclume a concluso das instncias ordinrias, que valoraram adequadamente os requisitos do art.

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    927 do CPC e concluram por negar ao recorrente a melhor posse, com base nos argumentos da antiguidade do ttulo e da efetiva relao material com a coisa possuda.

    6. Alm disso, observando-se a ordem de alienao do imvel objeto do presente litgio, verifica-se, em princpio, a correo na cadeia de transferncia dominial do bem, at aquisio da posse pela ora recorrida.

    Sem dvida, essas circunstncias, vistas em conjunto, relevam o inexorvel reconhecimento do melhor ttulo da recorrida, aliada sua antiguidade, porquanto adquiriu os direitos possessrios objeto de discusso, em 06/09/1997, antes, portanto, do ora recorrente.

    Finalmente, certo que os documentos acostados pela recorrida mereceram, aos olhos das instncias ordinrias, melhor f a consubstanciar a existncia de justo ttulo e, por conseguinte, reputar como no cumpridos os requisitos do art. 927, do Cdigo de Processo Civil por parte do demandante.

    7. Recurso especial improvido.

    ACRDO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que so partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justia, prosseguindo no julgamento, aps o voto-vista do Ministro Marco Buzzi, negando provimento ao recurso, divergindo do Relator, e os votos do Ministros Raul Arajo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, acompanhando a divergnia, , por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Marco Buzzi, que lavrar o acrdo.

    Votaram com o Sr. Ministro Marco Buzzi os Srs. Ministros Raul Arajo Filho, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.

    Braslia (DF), 15 de agosto de 2013 (Data do Julgamento)

    MINISTRO RAUL ARAJO Presidente

    MINISTRO MARCO BUZZI Relator

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    RECURSO ESPECIAL N 1.148.631 - DF (2009/0132727-6)

    RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMORECORRENTE : EUFRSIO JUSTINO DE ARAJO ADVOGADO : NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS -

    DEFENSORA PBLICA E OUTROSRECORRIDO : CTIA BARCELOS DE ABREU ADVOGADO : ALEXANDRE DE ALMEIDA SANTOS

    VOTO VENCIDO

    O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMO:

    1. Eufrsio Justino de Arajo ajuizou ao de reintegrao de posse em

    face de Katia Barcelos de Abreu, tendo como objeto o imvel localizado no Ncleo Rural

    Rajadinha II, Parano/DF. Segundo o autor, em 6/1/2005, adquiriu - pela quantia de R$

    1.500,00 (um mil e quinhentos reais) - os direitos possessrios sobre o imvel em

    questo, tendo limpado, cercado, construdo cisterna e um barraco, onde deixou cama,

    fogo e vrios objetos. Sustenta que, em maro de 2007, teve seu lote invadido por

    terceiros, a mando da recorrida, os quais atearam fogo e derrubaram a cerca, resultando

    em ocorrncia policial, requerendo, por isso, a reintegrao de posse e a condenao por

    danos materiais no importe de R$ 3.500,00 (trs mil e quinhentos reais).

    O magistrado de piso julgou improcedente o pedido levando em conta que

    "tanto o autor quanto a r sustentam 'posse' na existncia de domnio, e que a segunda

    est na lide na defesa dos interesses da comunidade de chacareiros do Ncleo Rural

    Rajadinha II, deve a contenda ser resolvida com fundamento no melhor ttulo, o que no

    caso dos autos quer dizer que posse melhor a mais antiga" (fls. 254-257).

    Interposta apelao, o Tribunal de Justia de origem negou provimento ao

    recurso, nos termos da seguinte ementa:

    PROCESSUAL CIVIL. Civil. AO DE REINTEGRAO DE POSSE. MELHOR POSSE. PROVA. Na ao de reintegrao de posse, o que se discute quem tem a melhor posse da rea litigiosa. Comprovada que a posse mais antiga sobre o imvel em litgio da r, no h como conceder a reintegrao do imvel ao autor. Sentena mantida. Recurso desprovido.(fls. 280-286)

    Irresignado, interpe recurso especial com fulcro na alnea "a" do permissivo

    constitucional, por violao ao art. 927 do CPC.

    Aduz que desde 6/1/2005, quando adquiriu os direitos possessrios sobre o

    imvel vindicado, vem limpando, cercando, construindo e plantando, tudo em

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    consonncia com o princpio da funo social da propriedade.

    Afirma que o Juzo de origem se valeu da aplicao do art. 507, pargrafo

    nico, do CC/1916 como critrio para definio da melhor posse, mas que tal

    interpretao est superada com o advento do novo Cdigo Civil, que no repetiu a

    norma do referido dispositivo.

    Expe que o novo CC/2002 trouxe um sistema aberto, estabelecendo

    clusulas gerais, com base nos princpios da socialidade, eticidade e operabilidade,

    devendo o intrprete, ainda, submeter-se aos princpios da CF/88.

    Diante disso, alude que "o principal critrio abalizador da definio de

    melhor posse haver de ser, indubitavelmente, a utilizao scio-econmica do bem

    litigioso, substituindo o critrio puramente objetivo do pargrafo nico do antigo art. 507

    pelos critrios scio-polticos e econmicos ancorados na funo social da propriedade

    que, em ltima anlise, reside na prpria posse".

    o relatrio.

    Decido.

    2. Cinge-se a controvrsia em se saber, com o advento do novo Cdigo

    Civil, qual o critrio a ser adotado para definio da "melhor posse", haja vista que o

    antigo art. 507 do CC/1916 no foi reproduzido, nem mesmo com redao diversa, no

    Cdigo vigente de 2002.

    O magistrado de piso, como o Tribunal de origem, perfilharam o

    entendimento de que, diante do vcuo normativo, para fins de reintegrao, a melhor

    posse aquela baseada no ttulo mais antigo, haja vista que ambos litigantes

    apresentaram documentos de fora equivalente (instrumento particular de compromisso

    de compra e venda) em relao ao terreno em litgio.

    Realmente, restou assentado no acrdo de origem que:

    Os requisitos das aes possessrias esto elencados no art. 927 do Cdigo de Processo Civil, de onde se extrai a necessidade de comprovao da posse, a turbao ou o esbulho praticado pelo ru, a data da turbao ou do esbulho e, por fim, a continuao da posse, embora turbada, na ao de manuteno; perda da posse, na ao de reintegrao.In casu , o autor juntou aos autos cpia de instrumento particular de compromisso de compra e venda, onde figurava como compromissrio comprador e, como compromissrios vendedores, Jos Pereira dos Santos e Antnia Pereira dos da Silva. Do citado documento infere-se que o autor adquiriu a posse do imvel em 06/01/2005.Por outro passo, a r apresentou, igualmente, instrumento particular, no qual figura como promissria compradora, e como promissria vendedora a Sra. Terezinha Teixeira Costa, mediante o qual alega ter adquirido a posse do mesmo imvel em 06 de setembro de 1997.

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    Neste caso, o pargrafo nico do art. 507 do Cdigo Civil nos d a definio do que seria melhor posse, oferecendo subsdios para que questes como a que ora se analisa seja solucionada de forma justa, conforme se v: Entende-se melhor a posse que se fundar em justo ttulo; na falta de ttulo, ou sendo os ttulos iguais, a mais antiga (...).Dessa forma, evidenciado que a posse detida pela r melhor, porquanto mais antiga e por no est maculada pelos vcios inerentes clandestinidade ou violncia, passa a deter a condio de legtima possuidora, merecendo a proteo legal. Nesse sentido, j se pronunciou este egrgio Tribunal, conforme se v dos arestos abaixo transcritos:

    CIVIL - PROCESSO CIVIL - REINTEGRAO DE POSSE - DISPUTA BASEADA EM CONTRATO DE CESSO - PREVALNCIA DO MAIS ANTIGO - IMPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Disputada a posse com base em ttulos iguais, no caso, contratos de cesso de direitos, h de prevalecer o mais antigo (CC/1916, art. 507). 2. Apelo improvido. Unnime.(19990710100399APC, Relator ESTEVAM MAIA, 4 Turma Cvel, julgado em 08/08/2007, DJ 16/08/2007 p. 108)

    PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAO DE POSSE. RELAO MATERIAL COM A COISA. RU QUE VEM EDIFICAR BARRACO NO LOTE. DETENTOR DE INSTRUMENTO CONTRATUAL DE CESSO DE POSSE MAIS ANTIGO QUE O DO AUTOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. Exsurgindo que o ru, de fato, ocupou o lote, ali erigindo um barraco, e sendo ainda detentor de um instrumento contratual de cesso de posse anterior ao do autor, no h como prover o inconformismo deste. 2. Recurso desprovido.(20040610062116APC, Relator SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 6 Turma Cvel, julgado em 17/01/2007, DJ 17/04/2007 p. 132)

    Assim, a meu sentir, a r. sentena recorrida, porque bem fundamentada, no merece reparos.Pelo exposto, nego provimento ao apelo.(fls. 284-286)

    Estabelecia o Cdigo Civil de 1916, expressamente:

    Art. 507. Na posse de menos de ano e dia, nenhum possuidor ser manutenido, ou reintegrado judicialmente, seno contra os que no tiverem melhor posse.

    Pargrafo nico. Entende-se melhor a posse que se fundar em justo ttulo; na falta de ttulo, ou sendo os ttulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Mas, se todas forem duvidosas, ser seqestrada a coisa, enquanto se no apurar a quem toque.

    2.1. A doutrina clssica salientava que, dentro do direito de invocar os

    interditos, as aes possessrias poderiam ser de fora nova ou de fora velha, de

    acordo com o prazo de ano e dia (como hoje ainda ), mas com a ressalva da questo da Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 6 de 35

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    melhor posse.

    Nesse contexto, asseverava que:

    Caso, porm, haja vrias pessoas na posse da coisa, todas arvorando-se em legtimas possuidoras, o Cdigo, no artigo 507, traa as normas para a deciso. Dever ser mantido provisoriamente aquele que tiver melhor posse.[...]Se forem vrios os possuidores na posse atual da coisa, deve-se decidir a liminar em favor daquele que tiver melhor posse. Para isso, dever ser observado o valor do ttulo. Ter melhor posse aquele que tiver justo ttulo. Se nenhum tiver ttulo, ou se os ttulos por eles apresentados forem todos considerados justos, valiosos, ter preferncia na obteno da liminar o possuidor que tiver a posse mais antiga. Se com base nesses elementos no for possvel se decidir em favor de quem deve ser deferida a posse provisria, por ocorrer dvida no esprito do julgador, a coisa dever ser seqestrada, prosseguindo-se a ao possessria at que, a final, com as provas produzidas, ficar decidido em definitivo a quem legitimamente pertence a posse.Procedida a justificao e resolvida a questo da liminar, a ao possessria ter propriamente incio e, para a sua deciso em definitivo, devero ser observadas as mesmas regras do artigo 507 e seu pargrafo nico, com exceo da medida de seqestro, que s se operar em se tratando da fase da medida liminar. Pode, ainda, acontecer que, nessa deciso definitiva da ao, no tendo os contenedores quaisquer ttulos, ou sendo seus ttulos iguais em valor, a deciso final dever calcar-se, ento, na antiguidade da posse.O art. 507, como se observa, cogita to-somente da posse nova, isto , daquela de menos de ano e dia.(LEVENHAGEN, Antnio Jos de Sousa. Cdigo civil: direito das coisas. So Paulo: Atlas, 1981, p. 72-73)

    2.2. Deveras, Miguel Reale trouxe, no tocante ao novo Cdigo Civil, as

    diretrizes da "socialidade", trazendo cunho de humanizao do Direito e de vivncia

    social, da "eticidade", na busca de soluo mais justa e equitativa, e da "operabilidade",

    alcanando o Direito em sua concretude. Quanto posse, j reconhecia que:

    Em virtude do princpio da socialidade, surgiu tambm um novo conceito de posse, a posse-trabalho, ou posse pro labore , em virtude da qual o prazo de usucapio de um imvel reduzido, conforme o caso, se os possuidores nele houverem estabelecido a sua morada, ou realizado investimentos de interesse social e econmico. Por outro lado, foi revisto e atualizado o antigo conceito de posse, em consonncia com os fins sociais da propriedade.[...]Mais do que nunca se impe, por conseguinte, a disciplina da propriedade em razo de sua j apontada 'funo social', o que, como explico na Exposio de Motivos, repercute em vrios preceitos, no tocante, por exemplo, posse, cuja apreciao deixa de ser feita segundo os critrios formalistas da tradio romanista, a qual no distingue a posse simples, ou improdutiva, da posse acompanhada de obras e servios realizados nos bens possudos, o que exige seja dada a ateno devida aos valores do trabalho. Esse novo conceito de posse , fora de dvida, uma das contribuies originais do

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    Direito ptrio, j consagrado em nossa legislao agrria sob a denominao usual, embora imprpria, de posse pro labore . [...]De igual modo urgente encontrar uma soluo jurdica para reiterados dramas scio-econmicos conseqentes de conflitos entre os proprietrios de terras, vencedores em aes reivindicatrias aps dezenas de anos de demanda, e aqueles que, de boa-f, nelas edificaram, entrementes, sua morada realizaram benfeitorias de irrecusvel alcance social.(REALE, Miguel. O projeto de cdigo civil: situao aps a aprovao pelo Senado Federal. So Paulo: Saraiva, 1999, p.7 e 33)

    Em relao posse, o Cdigo Civil atual, em seu art. 1.196, adotando a

    teoria objetivista de Ihering, enuncia: "considera-se possuidor todo aquele que tem de

    fato o exerccio, pleno ou no, de algum dos poderes inerentes propriedade"; isto ,

    segundo a lei, para se ter posse basta o exerccio de um dos atributos do domnio.

    E, assim como dantes, o novo Cdigo (art. 1210, caput ) manteve a

    faculdade de o possuidor invocar interditos possessrios (interdito proibitrio,

    manuteno de posse e reintegrao de posse) para proteo de sua posse ad interdicta ,

    podendo a ao ser de fora nova (possibilidade de concesso de liminar initio litis) ou de

    fora velha (nos trilhos do procedimento ordinrio), nos termos do art. 924 do CPC.

    3. Diante disso que o autor, ora recorrente, afirmando esbulho em sua

    posse dentro do prazo de ano e dia, ajuizou ao de reintegrao asseverando ser a sua

    posse melhor que a da r.

    3.1. O CJF editou o Enunciado n. 239, da III Jornada de Direito Civil,

    dispondo que: "Na falta de demonstrao inequvoca de posse que atenda funo

    social, deve-se utilizar a noo de 'melhor posse', com base nos critrios previstos no

    pargrafo nico do art. 507 do CC/1916".

    Com efeito, Slvio Venosa, ao tratar do pargrafo nico do antigo art. 507,

    ressalta que os "aspectos circunstancias no so mais enunciados no atual Cdigo Civil.

    No caso concreto, caber ao juiz avaliar a melhor posse, e esse enunciado do

    ordenamento passado pode servir de ponto de partida" (in Cdigo civil comentado: direito

    das coisas, posse, direitos reais, propriedade, artigos 1.196 a 1.368, volume XII.

    Coordenador lvaro Villaa Azevedo. So Paulo: Atlas, 2003, p.65).

    Nessa ordem de ideias, entendo que para a definio do que seja "melhor

    posse" necessrio seja levado em conta o atendimento de sua funo social, tendo

    como escopo a atual codificao e seu esprito de clusulas gerais e conceitos

    indeterminados, em alinhamento com a Carta da Repblica, que trouxe como pilar a

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    dignidade da pessoa humana, assegurando a tutela moradia, ao trabalho, ao

    aproveitamento do solo e ao mnimo existencial; sendo a posse, por isso, uma extenso

    dos bens da personalidade.

    Deveras, luz do texto constitucional e da inteligncia do novo Cdigo Civil,

    a funo social base normativa para a soluo dos conflitos atinentes posse,

    dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princpios da igualdade e

    dignidade da pessoa humana.

    De fato, trata-se de princpio implcito no CC/2002, advindo da interpretao

    dos arts. 1.228, 4 e 5, e pargrafo nico dos arts. 1.238 e 1.242, alm de que, tendo

    a propriedade uma funo social reconhecida pela Constituio Federal, deve-se conferir

    o mesmo entendimento em relao posse, uma vez que por meio desta que a funo

    social daquela se cumpre.

    Enfim, "a funo social se dirige no s propriedade, aos contratos e

    famlia, mas reconstruo de qualquer direito subjetivo, incluindo-se a a posse, como

    fato social, de enorme repercusso para a edificao da cidadania e das necessidade

    bsicas do ser humano" (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos

    reais . 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 38).

    Nessa toada, assenta a doutrina que:

    Evidentemente que a funo social da posse no se evidencia apenas em torno dos conflitos envolvendo a situao proprietria. A funo social da posse, como princpio constitucional positivado e com aplicao cogente s relaes interprivadas, deve ser a base normativa para a soluo dos conflitos entre possuidores que detenham ou no 'justo ttulo', o que relativiza a formalidade ainda exigida atravs do art. 507 do Cdigo Civil. Assim sendo, o julgador no deve restringir-se apenas ao exame formal de eventual ttulo nos conflitos possessrios, mas adentrar no contedo da posse, ou seja, perquerir sobre a exteriorizao de sua funo social.[...]Atravs destes efeitos, salientamos que a funo social da posse no determina apenas a juridicizao de um fato social - do fato da posse em si -, tampouco um efeito da posse, mas exigncia de sistematizao das situaes patrimoniais de acordo com a nova ordem constitucional, no mbito de uma Constituio normativa que pretende seja real e efetiva, muito menos condicionada aos fatores do poder e a um destino de simples folha de papel a que alude Lassale, do que em condicionar e realizar sua fora no sentido do bem comum, tendo por base o princpio da igualdade e dignidade da pessoa humana"(ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira de. Da funo social da posse e sua conseqncia frente situao proprietria. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 210 e 221)

    Com efeito, a posse deve ser analisada de forma autnoma e independente

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    em relao propriedade, como fenmeno de relevante densidade social, em que se

    verifica o poder ftico de ingerncia socioeconmica sobre determinado bem da vida e de

    acordo com os valores sociais nela impregnados, devendo expressar o aproveitamento

    concreto e efetivo do bem para o alcance de interesse existencial, tendo como vetor de

    ponderao a dignidade da pessoa humana, sendo o acesso posse um instrumento de

    reduo de desigualdades sociais e justia distributiva.

    3.2. Nessa seara, a concepo acerca da "melhor posse" no mais se funda

    apenas no justo ttulo, mas sim na da posse que esteja cumprindo adequadamente sua

    funo social.

    Conforme enfatiza Bezerra de Melo, verbis:

    A posse no pode ser vista apenas como uma mera visualizao do domnio, ou seja, tem a posse uma valorao econmica e social prpria.[...]A densidade axiolgica da posse, mormente em uma sociedade que oscila entre a pobreza e a misria e que adota como modelo tradicional para a aquisio de bens a compra e venda e o direito hereditrio, a posse deve ser respeitada pelos operadores do direito como uma situao jurdica eficaz a permitir o acesso utilizao dos bens de raiz, fato visceralmente ligado dignidade da pessoa humana (art. 1, III, da CRFB) e ao direito constitucionalmente assegurado moradia (art. 6 da CRFB). Importa, por assim dizer, que ao lado do direito de propriedade, se reconhea a importncia social e econmica do instituto.O novo Cdigo Civil, respeitando o dispositivo constitucional que determina de forma enftica que se cumpra a funo social da propriedade (art. 5, XXIII), traz importante previso legal do que estamos a dizer no art. 1.228, 4, pois prev a privao do direito de propriedade se em contraposio a este houver considervel nmero de pessoas exercendo posse por mais de cinco anos de forma ininterrupta e sem oposio, dando relevo na parte final que as pessoas devero ter 'realizado, em conjunto ou separadamente, obras e servios considerados pelo juiz de relevante interesse social e econmico.' Confira-se, sobremais, em lei especial, o art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).[...] as principais conseqncias da anlise constitucional do referido princpio que resumidamente passam a ser descritas:1) elevao da dignidade da pessoa humana a um plano concreto como um instrumento efetivo para atender s exigncias de moradia, de aproveitamento do solo e os programas de erradicao da pobreza;2) reforo ao entendimento de que a posse um direito autnomo e independente da propriedade e, portanto, no pode funcionar apenas como um mecanismo de defesa contra eventuais agresses, mas sim um instrumento positivo de afirmao da cidadania;3) desnecessidade de formalismo para a prova da posse, como exigia o revogado - a bom tempo - artigo 507 do Cdigo Civil que estabelecia ser melhor a posse que se fundasse em justo ttulo. Com efeito, a bem da verdade, a melhor posse aquela que cumpre a sua inexorvel funo social,[...];4) relativizao da teoria objetiva de Ihering tendo em vista que pela funo social da posse a causa da aquisio j no se reveste da mesma

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    importncia de tempos passados. De fato, o que ganha mais relevo o modo como se utiliza a posse (posse para fins de moradia, posse produtiva) e no a efetiva causa de aquisio do bem que embasa a concepo da posse como exteriorizao da propriedade. [...] 'a considerao, portanto, da atualidade na posse, do tempo, da necessidade de aproveitamento do bem, antes questes secundrias em relao ao ttulo, passam a ser questes principais e determinantes da posse';5) possvel diminuio das nocivas prticas de arrebatao de terras por meios escusos, inclusive violentos, pois a atividade dos grileiros, segundo a autora perderia o alcance, pois nada adiantaria a formalizao do ttulo se no embate entre formalidade do ttulo e a funcionalidade do direito, este ltimo deveria preponderar;6) o sepultamento definitivo da exceptio proprietatis nas lides possessrias, fato que com o novo Cdigo Civil j se operou a teor do que prescreve o artigo 1.210.(MELO, Marco Aurlio Bezerra de. Direito das coisas. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumenjuris, 2011, p. 23-24)

    De fato, a construo do conceito de melhor posse deve levar em conta o

    direito social primrio moradia e o acesso aos bens vitais mnimos, aptos a conferir

    dignidade pessoa humana em um plano substancial (art. 1, III, CF), sempre em

    resguardo pessoa e entidade familiar.

    A propsito, salienta Gustavo Tepedino que:

    A omisso na legislao atual no se mostra despropositada, j que os critrios indicados pelo Cdigo Civil de 1916 se apresentavam insuficientes para solucionar os conflitos possessrios. Alm de aferir quem possui ttulo hbil para transferir a propriedade, o intrprete dever verificar o atendimento pelo possuidor da funo social da posse, consubstanciada na utilizao racional e adequada do solo, no direito ao trabalho e moradia, que correspondem, em ltima anlise, concretizao da clusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, assegurada em sede constitucional. Na perspectiva civil-constitucional, a posse com justo ttulo nem sempre ser a melhor posse. Comea a ser superada a envelhecida formulao de Jhering sobre a posse, concebida como a guarda avanada da propriedade, 'com a sustentao segundo a qual o largo alcance da funo social no congruente com o deferimento da proteo possessria ao titular do domnio cuja propriedade no cumpra integralmente sua funo social'. Assim, o justo ttulo passa a ser critrio subsidirio na soluo de conflitos possessrios, na ausncia de prova da posse e de sua funo social. E o mesmo se pode afirmar para os critrios da antiguidade e atualidade da posse.(TEPEDINO, Gustavo. Comentrio ao cdigo civil: direito das coisas. Coordenador Antonio Junqueira de Azevedo. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 151-152)

    Verifica-se que a funo social advm de limitaes e finalidades

    decorrentes do interesse pblico, conferindo o mesmo conceito dinmico posse e

    propriedade, como forma de uma reao anti-individualista.

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    Com efeito, a tessitura da funo social, independentemente se na

    propriedade ou na posse, est na atividade exercida pelo titular da relao sobre a coisa

    sua disposio. Ela "no transige, no compactua com a inrcia do titular. H que

    desenvolver uma conduta que atende ao mesmo tempo destinao econmica e

    destinao social do bem" (TORRES, Marcos Alcino de Azevedo. A propriedade e a

    posse: um confronto em torno da funo social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.

    308).

    Nesse sentido, so os precedentes do STJ que tratam do conceito de

    funo social da propriedade:

    ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAO PARA FINS DE REFORMA AGRRIA. SUSPENSO DO PROCESSO EXPROPRIATRIO. MEDIDA CAUTELAR PELO JUIZ SINGULAR. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE FUNO SOCIAL QUE NO SE RESUME PRODUTIVIDADE DO IMVEL. DESCUMPRIMENTO DA FUNO SOCIAL NO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. MATRIA PROBATRIA. SMULA 7/STJ.[...]3. Nos moldes em que foi consagrado como um Direito Fundamental, o direito de propriedade tem uma finalidade especfica, no sentido de que no representa um fim em si mesmo, mas sim um meio destinado a proteger o indivduo e sua famlia contra as necessidades materiais. Enquanto adstrita a essa finalidade, a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre a sua funo individual.4. Em situao diferente, porm, encontra-se a propriedade de bens que, pela sua importncia no campo da ordem econmica, no fica adstrita finalidade de prover o sustento do indivduo e o de sua famlia. Tal propriedade representada basicamente pelos bens de produo, bem como, por aquilo que exceda o suficiente para o cumprimento da funo individual.5. Sobre essa propriedade recai o influxo de outros interesses - que no os meramente individuais do proprietrio - que a condicionam ao cumprimento de uma funo social.6. O cumprimento da funo social exige do proprietrio uma postura ativa. A funo social torna a propriedade em um poder-dever. Para estar em conformidade com o Direito, em estado de licitude, o proprietrio tem a obrigao de explorar a sua propriedade. o que se observa, por exemplo, no art. 185, II, da CF.7. Todavia, a funo social da propriedade no se resume explorao econmica do bem. A conduta ativa do proprietrio deve operar-se de maneira racional, sustentvel, em respeito aos ditames da justia social, e como instrumento para a realizao do fim de assegurar a todos uma existncia digna.8. H, conforme se observa, uma ntida distino entre a propriedade que realiza uma funo individual e aquela condicionada pela funo social. Enquanto a primeira exige que o proprietrio no a utilize em prejuzo de outrem (sob pena de sofrer restries decorrentes do poder de polcia), a segunda, de modo inverso, impe a explorao do bem em benefcio de terceiros.9. Assim, nos termos dos arts. 186 da CF, e 9 da Lei n. 8.629/1993, a

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    funo social s estar sendo cumprida quando o proprietrio promover a explorao racional e adequada de sua terra e, simultaneamente, respeitar a legislao trabalhista e ambiental, alm de favorecer o bem-estar dos trabalhadores.10. No caso concreto, a situao ftica fixada pela instncia ordinria a de que no houve comprovao do descumprimento da funo social da propriedade. Com efeito, no h como aferir se a propriedade - apesar de produtiva do ponto de vista econmico, este alis, o nico fato incontroverso - deixou de atender funo social por desrespeito aos requisitos constantes no art. 9 da Lei n. 8.629/93.11. Analisar a existncia desses fatos, conforme narrado pelo agravante, implica revolvimento de matria probatria, o que vedado a esta Corte Superior em razo do bice imposto pela Smula 7/STJ.Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 1138517/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 01/09/2011)

    TRIBUTRIO. ITR. INCIDNCIA SOBRE IMVEL. INVASO DO MOVIMENTO "SEM TERRA". PERDA DO DOMNIO E DOS DIREITOS INERENTES PROPRIEDADE. IMPOSSIBILIDADE DA SUBSISTNCIA DA EXAO TRIBUTRIA. PRINCPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL NO PROVIDO.[...]5. Com a invaso do movimento "sem terra", o direito da recorrida ficou tolhido de praticamente todos seus elementos: no h mais posse, possibilidade de uso ou fruio do bem; consequentemente, no havendo a explorao do imvel, no h, a partir dele, qualquer tipo de gerao de renda ou de benefcios para a proprietria.6. Ocorre que a funo social da propriedade se caracteriza pelo fato do proprietrio condicionar o uso e a explorao do imvel no s de acordo com os seus interesses particulares e egosticos, mas pressupe o condicionamento do direito de propriedade satisfao de objetivos para com a sociedade, tais como a obteno de um grau de produtividade, o respeito ao meio ambiente, o pagamento de impostos etc.[...]9. Recurso especial no provido.(REsp 1144982/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 15/10/2009)

    3.3. Na hiptese, como visto, o Juzo de origem entendeu que a "melhor

    posse" a da r, ora recorrida, porquanto mais antiga, valendo-se da aplicao do art.

    507, pargrafo nico, do CC/1916 - tendo em vista a omisso normativa do novo Cdigo

    Civil -, deixando de adentrar no contedo da posse, isto , na exteriorizao da funo

    social dada posse do imvel em testilha.

    Assim, diante da limitao de atuao do Superior Tribunal de Justia no

    tocante a questes ftico-probatrias, devero os autos retornar origem para que seja

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    analisada a "melhor posse" do caso em concreto na perspectiva de sua funo social.

    4. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para anular a

    sentena e o acrdo recorridos, de modo a que o Juzo de origem analise a "melhor

    posse" do caso em concreto luz de sua funo social.

    como voto.

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    CERTIDO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

    Nmero Registro: 2009/0132727-6 PROCESSO ELETRNICO REsp 1.148.631 / DF

    Nmeros Origem: 20070810043068 430682007

    PAUTA: 06/06/2013 JULGADO: 06/06/2013

    RelatorExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMO

    Presidente da SessoExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMO

    Subprocurador-Geral da RepblicaExmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARES

    SecretriaBela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

    AUTUAO

    RECORRENTE : EUFRSIO JUSTINO DE ARAJOADVOGADO : NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS - DEFENSORA

    PBLICA E OUTROSRECORRIDO : CTIA BARCELOS DE ABREUADVOGADO : ALEXANDRE DE ALMEIDA SANTOS

    ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Posse

    CERTIDO

    Certifico que a egrgia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:

    Aps o voto do relator, dando provimento ao recurso, PEDIU VISTA antecipada o Ministro Marco Buzzi.

    Aguardam os Srs. Ministros Raul Arajo Filho, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.

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    RECURSO ESPECIAL N 1.148.631 - DF (2009/0132727-6)

    EMENTA

    RECURSO ESPECIAL - AO DE REINTEGRAO DE POSSE ANTERIORIDADE NA AQUISIO DOS DIREITOS POSSESSRIOS, PRECEDNCIA NO USO E OCUPAO DO BEM, PROVIDNCIAS CONSISTENTES NA LIMPEZA E MANUTENO DA COISA POSSUDA - CONSTITUIO DE DIREITO POSSESSRIO - RECONHECIMENTO DA IMPROCEDNCIA DA AO PELAS INSTNCIAS ORDINRIAS.

    1. Discusso voltada a definir o conceito de 'melhor posse', luz do Cdigo Civil de 2002.

    2. Questo a ser dirimida mediante investigao voltada comprovao, pelo autor da demanda, do disposto no art. 927, do Cdigo de Processo Civil e dos requisitos alusivos: I ao efetivo exerccio de sua posse; II a turbao ou esbulho praticado pelo ru; III a data da turbao ou do esbulho; IV a continuao da posse, embora turbada, na ao de manuteno; V a perda da posse, na ao de reintegrao.

    Ultrapassada a primeira exigncia para procedncia da ao de reintegrao de posse, qual seja, a demonstrao, pelo autor, de sua posse e o esbulho cometido pela parte demandada, remanesce a anlise dos demais elementos do art. 927, do CPC, revelando-se correta e em harmonia com o princpio da segurana jurdica a orientao adotada pelas instncias ordinrias no sentido de, diante de documentos com fora equivalente, optar por aquele mais antigo, desde que corroborado pelo efetivo exerccio da relao material (possessria) com a coisa, objeto do bem da vida.

    3. No h que se falar na utilizao de parmetros estabelecidos no artigo 507, e seu pargrafo nico, do Cdigo Civil anterior, no repetido no estatuto atual, nem tampouco ignorar a fora do comando constitucional da funo social do uso da terra (propriedade/posse), em virtude do que se espera sejam aos imveis dada a destinao que mais legitima a sua ocupao.

    preciso que o Poder Judicirio, quando no exerccio da funo jurisdicional - na construo da norma jurdica concreta - se valha de critrios seguros, objetivos e, fundamentalmente, agregadores dos diversos requisitos deduzidos na lei, no af de bem avaliar a providncia acerca da eventual manuteno ou reintegrao do sujeito na posse da terra.

    Dessa forma, a teor do art. 927, inciso I, do CPC, ao autor da ao possessria cumpre provar sua posse. E esta, sem dvida, pode ser comprovada com base no justo ttulo, conforme ainda determina o pargrafo nico, do art. 1.201, do

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    Cdigo Civil. preciso compreender justo ttulo segundo os princpios da

    socialidade, da eticidade e da operabilidade, diretrizes estabelecidas pelo Novo Cdigo Civil. Assim, perfilhando-se entendimento da doutrina contempornea, justo ttulo no pode ser considerado, preponderamente, sinnimo de instrumento, mas de causa hbil para constituio da posse.

    Na concepo acerca da 'melhor posse', a anlise do parmetro alusivo a funo social do uso da terra h de ser conjungado a outros critrios hermenuticos, tendo como norte o justo ttulo, a teor do pargrafo nico, do art. 1.201, do Cdigo Civil, sem olvidar as balizas traadas pela aluso s circunstncias referidas no art. 1202 do Cdigo Civil.

    A funo social da posse deve complementar o exame da 'melhor posse' para fins de utilizao dos interditos possessrios. Quer dizer, alia-se a outros elementos, tais como a antiguidade e a qualidade do ttulo, no podendo ser analisada dissociada de tais critrios, estabelecidos pelo legislador de 2002, a teor do art. 1.201, pargrafo nico, do Cdigo Civil, conferindo-se, inclusive, ao portador do justo ttulo a presuno de boa-f.

    importante deixar assente que a prpria funo social da posse, como valor e critrio jurdico-normativo, no tem carter absoluto, sob pena deste Tribunal, caso coteje de modo preponderante apenas um dos fatores ou requisitos integrados no instituto jurdico, gerar insegurana jurdica no trato de tema por demais relevante, em que o legislador ordinrio e o prprio constituinte no pretenderam regrar com clusulas amplamente abertas.

    4. preciso considerar o critrio da funo social da posse, complementado a outros parmetros, como a antiguidade e a qualidade do ttulo, a existncia real da relao material com a coisa, sua intensidade, tendo como norte hermenutico a definio do art. 1.201, pargrafo nico, do Cdigo Civil.

    5. No caso em foco, o exame do vetor alusivo funo social da posse, como critrio jurdico-normativo nico, no teria isoladamente influncia suficiente para alterar o resultado do processo, a ponto de beneficiar qualquer litigante, porquanto, os elementos existentes e, sobretudo, a equivalncia de foras dos documentos apresentados, tornam dispensveis consideraes segmentadas, no conjunturais, em relao quele elemento.

    Merece ser mantida inclume a concluso das instncias ordinrias, que valoraram adequadamente os requisitos do art. 927 do CPC e concluram por negar ao recorrente a melhor posse, com base nos argumentos da antiguidade do ttulo e da efetiva relao material com a coisa possuda.

    6. Alm disso, observando-se a ordem de alienao do imvel objeto do presente litgio, verifica-se, em princpio, a

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  • Superior Tribunal de Justia

    correo na cadeia de transferncia dominial do bem, at aquisio da posse pela ora recorrida.

    Sem dvida, essas circunstncias, vistas em conjunto, relevam o inexorvel reconhecimento do melhor ttulo da recorrida, aliada sua antiguidade, porquanto adquiriu os direitos possessrios objeto de discusso, em 06/09/1997, antes, portanto, do ora recorrente.

    Finalmente, certo que os documentos acostados pela recorrida mereceram, aos olhos das instncias ordinrias, melhor f a consubstanciar a existncia de justo ttulo e, por conseguinte, reputar como no cumpridos os requisitos do art. 927, do Cdigo de Processo Civil por parte do demandante.

    7. Recurso especial improvido..

    VOTO-VISTA VENCEDOR

    O EXMO. SR. MINISTRO MARCO BUZZI:

    Cuida-se de recurso especial, interposto por Eufrsio Justino de Arajo,

    fundamentado na alnea "a", do permissivo constitucional, no intuito de reformar o

    acrdo proferido pelo egrgio Tribunal de Justia do Distrito Federal e dos

    Territrios, o qual confirmou sentena de improcedncia da ao de reintegrao de

    posse movida pelo ora recorrente em face de Ctia Barcelos de Abreu, com pedido

    liminar, que restou indeferido, tendo por objeto imvel localizado na Chcara 02-A,

    da DF 130, Km 12, Chcara Campo de Mangaba, Ncleo Rural Rajadinha II,

    Parano/DF, com extenso de 1.120 m.

    Na petio inicial o autor alegou, em seu favor, a aquisio ocorrida em

    06/01/2005, dos direitos possessrios, pagando, na oportunidade, o importe de R$

    1.500,00 (hum mil e quinhentos reais). Assentou, nesse contexto, a realizao de

    obras no local, tais como a construo de cisterna e de um barraco, onde deixou

    diversos materiais de sua propriedade.

    Contudo, segundo apontou, em maro de 2007, terceiros, por ordem de

    Ctia Barcelos de Abreu, invadiram o imvel, destruindo a construo nele

    implementada. Para tanto, a ento mandante, alegando ser proprietria do terreno,

    aduziu ter adquirido os direitos possessrios do imvel em 06/09/1997.

    O pedido de reintegrao de posse, em primeiro grau, foi rejeitado.

    O magistrado de piso, ao prolatar a sentena, assim fundamentou, verbis :

    tanto o autor quanto a r sustentam 'posse' na existncia de domnio, e

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    que a segunda est na lide na defesa dos interesses da comunidade de chacareiros do Ncleo Rural Rajadinha II, deve a contenda ser resolvida com fundamento no melhor ttulo, o que no caso dos autos quer dizer que posse melhor a mais antiga. (fl.256, e-STJ)

    Irresignado, o recorrente interps recurso de apelao. Aportando os

    autos ao eg. Tribunal de Justia do Distrito Federal e Territrios, a colenda Turma

    Julgadora, por unanimidade de votos, entendeu por bem negar provimento ao

    apelo. O aresto restou assim ementado:

    PROCESSUAL CIVIL. Civil. AO DE REINTEGRAO DE POSSE. MELHOR POSSE. PROVA. Na ao de reintegrao de posse, o que se discute quem tem a melhor posse da rea litigiosa. Comprovada que a posse mais antiga sobre o imvel em litgio da r, no h como conceder a reintegrao do imvel ao autor. Sentena mantida. Recurso desprovido. (fls. 280-286)

    Da o presente recurso especial, interposto por Eufrsio Justino de

    Arajo, apontando como violado o art. 927 do Cdigo de Processo Civil.

    Sustenta, em resumo: a) desde a aquisio do direitos possessrios,

    ocorrida em 06/01/2005, realiza aes no intuito de conservar o bem imvel objeto

    de litgio; b) inaplicvel o artigo 507, pargrafo nico, do CC/1916, para se definir a

    melhor posse; c) o princpio da funo social da propriedade, no atual Cdigo Civil,

    deve ser o norteador para a conceituao da melhor posse.

    O eminente Relator, Ministro Luis Felipe Salomo, entendeu por bem

    conferir provimento ao presente recurso especial para "anular a sentena e o

    acrdo recorridos, de modo a que o juzo de origem analise a 'melhor posse' do

    caso em concreto luz de sua funo social."

    De sua percuciente fundamentao, destacam-se os seguintes excertos:

    a) "entendo que para a definio do que seja 'melhor posse' necessrio

    seja levada em conta o atendimento de sua funo social, tendo como escopo a

    atual codificao e seu esprito de clusulas gerais e conceitos indeterminados, em

    alinhamento com a Carta da Repblica, que trouxe como pilar a dignidade da

    pessoa humana, assegurando a tutela moradia, ao trabalho, ao aproveitamento do

    solo e ao mnimo existencial, sendo a posse, por isso, uma extenso dos bens da

    propriedade.";

    b) "trata-se de princpio implcito no CC/2002, advindo da interpretao

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  • Superior Tribunal de Justia

    dos arts. 1228, 4 e 5, e pargrafo nico dos arts. 1238 e 1242, alm de que,

    tendo a propriedade uma funo social reconhecida pela Constituio Federal,

    deve-se conferir o mesmo entendimento em relao posse, uma vez que por

    meio desta que a funo social daquela se cumpre.";

    c) "Nessa seara, a concepo acerca da 'melhor posse' no mais se

    funda apenas no justo ttulo, mas sim na da posse que esteja cumprindo

    adequadamente sua funo social.";

    d) "De fato, a construo do conceito de melhor posse deve levar em

    conta o direito social primrio moradia e o acesso aos bens vitais mnimos, aptos

    a conferir dignidade pessoa humana em um plano substancial (art. 1, III, CF),

    sempre em resguardo pessoa e a entidade familiar.";

    E, finalizou, o e. Relator:

    "Assim, diante da limitao de atuao do Superior Tribunal de Justia no

    tocante as questes ftico-probatrias, devero os autos retornar origem para que

    seja analisada a 'melhor posse' do caso em concreto na perspectiva de sua funo

    social."

    Para melhor exame do tema, formulei o pedido de vista.

    o relatrio.

    Ouso divergir do e. relator.

    1. Dos debates iniciados na sesso de julgamento de 06/06/2013,

    suscitou-se dvidas quanto existncia e/ou natureza dos ttulos de posse da

    presente controvrsia. Na verdade, ao contrrio do que afirmado pela r. sentena,

    tanto o autor quanto a r, discutem a posse com base em compromisso particular

    de compra e venda. O recorrente apresentou seu instrumento s fls. 20/23 e o da

    recorrida foi juntado s fls. 97/101, salientando-se, por oportuno, que no instrumento

    particular da recorrida menciona-se a existncia de escritura pblica dominial

    antecedente do bem imvel, conforme possvel inferir das fls. 92/95.

    2. importante deixar assente a compreenso de que a ao de

    reintegrao de posse limita-se apurao da melhor posse, no implicando, dessa

    forma, em qualquer considerao acerca do domnio, cuja via processual adequada

    a petitria. (ut REsp 1025921/RO, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 27/04/2010)

    Assim, cuidando-se de conflito possessrio, no cabe a discusso acerca da

    titularidade dominial. Se de natureza possessria o pleito, cabe indagar apenas

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  • Superior Tribunal de Justia

    quem o possuidor, analisados os requisitos do artigo 927 do CPC.

    preciso distinguir, ainda, entre o jus possidendi decorrente da

    transmisso hereditria, da compra e venda e o jus possessionis , direito oriundo da

    posse e independentemente da preexistncia de uma relao jurdica. Nesse

    contexto, h de prevalecer o ltimo, no mbito puramente possessrio, no se

    imiscuindo, como visto, com o juzo petitrio.

    Nessa ordem de ideias, estabelece o art. 927 do Cdigo de Processo

    Civil, incumbir ao autor da ao possessria a comprovao da existncia dos

    seguintes requisitos, verbis :

    I - a sua posse; II - a turbao ou esbulho praticado pelo ru; III - a data da turbao ou do esbulho; IV - a continuao da posse, embora turbada, na ao de manuteno; a perda da posse, na ao de reintegrao.

    Sendo assim, inequvoca a primeira exigncia para procedncia da ao

    de reintegrao de posse, qual seja, a demonstrao, pelo autor, de sua posse e o

    esbulho cometido pela parte demandada.

    Em acrscimo, no se pode perder de vista que posse o exerccio do

    poder de fato sobre o bem (Adroaldo Furtado Fabrcio. in Comentrios ao Cdigo de

    Processo Civil, vol. VIII, Tomo III, ed. Forense, 1980, p. 457), tendo em vista a

    utilizao econmica desta. (Caio Mrio, da Silva Pereira. in Instituies de Direito

    Civil, vol. IV, ed. Forense, 1970, p. 24)

    Com efeito, para fins de cumprimento do art. 927, do CPC, a orientao,

    adotada pelas instncias ordinrias, no sentido de, diante de documentos com fora

    equivalente - instrumento particular de compromisso de compra e venda -, optar por

    aquele mais antigo, aliando este fator a outros requisitos, como o efetivo exerccio

    da relao material (possessria) com a coisa e, pois, a exteriorizao concreta,

    induvidosa, dessa fruio, data venia do e. Relator, revela-se correta a dico

    realizada pela jurisdio ordinria e est em harmonia com o princpio da segurana

    jurdica, sem que tenha ocorrido desprezo a outros elementos que o legislador quis

    dar ao instituto ora em foco.

    Evidentemente, no se est aqui a defender o ressurgimento de

    dispositivo legal do Cdigo anterior - artigo 507 e seu pargrafo nico - e tampouco

    se desconhece a fora da funo social da posse, objetivo a ser buscado por todos,

    onde se espera que imveis sejam de logo edificados e explorados cumprindo-se,

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 1 de 35

  • Superior Tribunal de Justia

    ento, o mandamento constitucional da finalidade social.

    Todavia, preciso estabelecer e exigir do Poder Judicirio, quando no

    exerccio da funo jurisdicional - na construo da norma jurdica concreta - a

    fixao nela (na norma jurdica concreta) de critrios seguros, objetivos e,

    fundamentalmente, agregadores dos demais elementos reputados, pela norma

    legal, necessariamente integrados para ensejar a constatao, o reconhecimento e

    a declarao, pela jurisdio, do instituto jurdico defendido pela parte, como no

    caso, para fins de avaliao do cabimento, ou no, da proteo possessria

    reclamada pelo autor da ao.

    Dessa forma, a teor do art. 927, inciso I, do CPC, ao autor da ao

    possessria cumpre provar sua posse. E esta, sem dvida, pode ser comprovada

    com base no justo ttulo, conforme ainda determina o pargrafo nico, do art. 1.201,

    do Cdigo Civil.

    E aqui, cabe um esclarecimento: no se trata de estabelecer justo ttulo

    com base em fundamento segundo o qual ele "deve ser formalizado, devidamente

    registrado, hbil ou idneo aquisio da propriedade". (in DINIZ, Maria Helena.

    Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. 24 Ed. Reformulada. So

    Paulo: Saraiva, 2009, v. 4). De igual modo, no se est afirmando que "para ser

    considerado justo ttulo, deve-se revestir de formalidades externas e estar registrado

    no cartrio de registro de imveis. (in GONALVES, Carlos Roberto. Direito Civil

    Brasileiro. Direito das Coisas. 4 Ed. So Paulo: Saraiva, 2009, v. 5)

    Trata-se, na verdade, de compreender o justo ttulo conforme os

    princpios da socialidade, da eticidade e da operabilidade, diretrizes estabelecidas

    pelo Novo Cdigo Civil.

    Nesse contexto, destaca-se que o princpio da socialidade, como valor

    jurdico-normativo previsto no Cdigo Civil de 2002, alterou a compreenso

    individualista do Cdigo anterior, com o claro desiderato de estabelecer, nas

    relaes privadas, o devido alcance social com a prevalncia dos valores

    fundamentais da pessoa humana.

    Todavia, com preciso, adverte Rogrigo Mazzei que a socialidade no

    veio surgir em detrimento do direito individual. E prossegue sustentando que o

    princpio da socialidade e o individualismo ho sempre de ser confrontados em

    ngulos mais extensos impondo a relao concreta e dinmica dos valores coletivos

    com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilgios e

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 2 de 35

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    exclusivismos, numa ordem global de comum participao. (Direito de Superfcie.

    Editora JusPodium. Salvador: 2013, p. 139/140)

    Com esse norte de ideias, perfilhando-se entendimento da doutrina

    contempornea, cumpre registrar que justo ttulo no sinnimo de instrumento.

    Mas sim de causa hbil para constituio da posse. Registra-se, nesse sentido, a

    lio de Cezar Fiza:

    Ttulo se emprega, no caso, como sinnimo de ato jurdico. Ainda assim, teria compreenso muito ampla, porque nem todo ato jurdico serve de causa posse. Ttulo, a que se referem os cdigos, corresponde aos atos jurdicos cuja funo econmica consiste em justificar a transferncia do domnio; numa palavra, os atos translativos.(Novo Direito Civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.722).

    Em melhores palavras, na viso deste signatrio, diversamente da

    compreenso do e. Relator, na concepo acerca da 'melhor posse', a avaliao da

    funo social da posse deve ser agregada a outros critrios hermenuticos, tendo

    como norte, sem dvida, o justo ttulo, a teor do pargrafo nico, do art. 1.201, do

    Cdigo Civil, o qual arrola elemento que, concorrente com outros mais, a lei vigente

    ainda possibilita agregar quando do exame de hipteses como esta ora sub judice.

    A funo social da posse deve complementar o exame da melhor posse

    para fins de utilizao dos interditos possessrios. Quer dizer, alia-se a outros

    elementos, tais como a antiguidade e a qualidade do ttulo. Ela no pode ser

    analisada, data venia, dissociada de tais critrios estabelecidos pelo prprio

    legislador de 2002, a teor do art. 1.201, pargrafo nico, do Cdigo Civil,

    conferindo-se, inclusive, ao portador do justo ttulo, a presuno de boa-f.

    Ademais, o justo ttulo no foi abandonado pelo legislador ordinrio. Pelo

    contrrio, o Cdigo Civil de 2002, conferiu-lhe maior abrangncia, ao dispor, no art.

    1.201, verbis :

    Art. 1.201. de boa-f a posse, se o possuidor ignora o vcio, ou o obstculo que impede a aquisio da coisa.Pargrafo nico. O possuidor com justo ttulo tem por si a presuno de boa-f, salvo prova em contrrio, ou quando a lei expressamente no admite esta presuno.

    Com efeito, partindo-se dessa compreenso, importante deixar assente

    que a prpria funo social da posse, como valor e critrio jurdico-normativo, no

    tem carter absoluto, sob pena deste Tribunal, caso valorize de modo

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 3 de 35

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    preponderante apenas um dos fatores ou requisitos integrados no instituto jurdico,

    gerar insegurana jurdica ante o tema em julgamento, dos mais relevantes. Alis,

    firme a orientao do col. Supremo Tribunal Federal no sentido de que, na ordem

    jurdica ptria, no h direitos absolutos. (ut MS 23452/SP, Rel. Min. Celso de Mello,

    DJ de 12/05/2000)

    E, portanto, o cumprimento da funo social da posse deve ser cotejado

    junto a outros critrios e elementos legais, a teor dos artigos 927, do Cdigo de

    Processo Civil e 1.201, pargrafo nico, do Cdigo Civil.

    Nessa ordem de ideias, na definio de melhor posse preciso, sem

    dvida, considerar sua funo social.

    Registra-se que, sob esta esteira entende-se a terra como um meio de

    produo disposio do homem, onde esta se encontra com a funo social.

    Assim, estando disposio do homem, a terra deve satisfazer suas reais

    necessidades, garantindo sua subsistncia e tambm das geraes futuras.

    Nessa perspectiva, a doutrina especializada, sustenta que o uso da terra

    est intrinsecamente ligado a quem nela trabalha. Diz-se ento que a terra

    pertencente quele que nela produz, assistindo ao produtor rural o direito de

    permanecer nesta enquanto produz alimentos para a prpria subsistncia. (Barros,

    Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrrio. Ed. Livraria do Advogado: Porto

    Alegre. 2009, p. 175)

    Mas no s.

    E esse ponto central da divergncia deste signatrio em relao ao e.

    Relator.

    preciso considerar a funo social da posse, aliada, complementada,

    agregada, a outros critrios, como a antiguidade e a qualidade do ttulo, a

    existncia real da relao material com a coisa, sua concretude, pois, e intensidade,

    tendo como norte hermenutico a definio do art. 1.201, pargrafo nico, do

    Cdigo Civil.

    Em resumo, na hiptese em foco, o exame da funo social da

    posse, como critrio jurdico-normativo, isolado, por si s, no teria o poder

    de influnciar no resultado do processo, a ponto de beneficiar nem o

    recorrente, nem a recorrida, como que ditando, por si s, a sorte do

    julgamento porquanto, a par dos elementos existentes e, sobretudo, pela

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 4 de 35

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    equivalncia de foras dos documentos apresentados, torna-se dispensvel

    investigao isolada acerca do cumprimento da funo social do uso da terra.

    E por mais razes essa concluso cabida.

    A uma, porque o recorrente apresentou, como fundamentado da ao de

    reintegrao de posse, instrumento particular de compromisso de compra e venda;

    e a recorrida, em sua defesa, sustentou, tambm, a existncia de promessa de

    compra e venda; assim, outra alternativa no teriam as instncias ordinrias, a no

    ser, como fizeram, avaliar a presena dos requisitos do art. 927, do CPC, com base

    em tais fundamentos, por fora do princpio "da mihi factum, dabo tibi jus".

    A duas, conforme possvel inferir da deciso interlocutria que indeferiu

    o pedido liminar de reintegrao de posse, "(...) ainda pairam dvidas sobre a posse

    que o Autor alega haver exercido sobre o imvel litigado. Isso porque o nico

    documento produzido com a inteno de comprovar o seu exerccio se trata de uma

    conta de fornecimento de energia que sequer descreve, com exatido, o endereo

    do imvel litigado." (fl. 130, e-STJ)

    A trs, no impressiona, no caso dos autos, data venia do e. Relator, o

    argumento de respeito ao valor social intrnseco da moradia. Isso porque, o

    recorrente afirma, categoricamente, em suas razes iniciais, que:

    "(...) E, apesar de no residir no local, ia l pelo menos dois finais de semana por ms, capinando-o e mantendo-o limpo" (fl. 4, e-STJ).

    Ora, esse reconhecimento demonstra o carter pouco denso, tnue ou

    mesmo transitrio que o autor conferiu sua posse, afastando-se, por

    conseguinte, do valor intangvel da moradia, como direito fundamental social, a que

    alude nosso texto constitucional, em seu art. 6, caput.

    A corroborar esse entendimento, registra-se a sempre valiosa opinio de

    Rudolff Von Jhering, em sua obra Teoria Simplificada da Posse, que sustenta:

    A razo legislativa da proteo possessria - Se causa estranheza o Direito Romano negar a proteo possessria ao colono ou ao inquilino, no causar menos estranheza reconhec-la no possuidor injusto. Por que razo? Savigny, cuja opinio pode considerar-se hoje como dominante nocampo cientfico, responde: no interesse da manuteno da paz e da ordem pblica.

    E acrescenta:

    Somente de uma maneira se pode explicar satisfatoriamente o aspecto da

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 5 de 35

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    proteo possessria do Direito Romano: dizendo que ela foi instituda com o fim de aliviar e facilitar a proteo da propriedade. Podemos, pois, designar o possuidor como proprietrio presuntivo e compreender-se perfeitamente, por um lado, a razo por que o Direito Romano declarou essa presuno de propriedade prima facie como diz o direito ingls, suficiente contra o ru somente quando se trata de repelir os ataques propriedade, e, por outro lado, tanto quanto a coisa se ache em mos de terceiro e o ru, tendo em seu favor a presuno de propriedade, exija que tal presuno no se possa destruir seno pela propriedade.Teoria Simplificada da Posse. So Paulo. Russel Editores: 1 Ed. 2005, p. 31.

    Nesse sentido, Pontes de Miranda, em seu famoso Tratado, ensina:

    Rigorosamente a posse o estado de fato de quem se acha na possibilidade de exercer poder como o que exerceria quem fosse proprietrio ou tivesse, sem ser proprietrio, poder que si incluso no direito de propriedade (usus, fructus, abusus). A relao inter-humana com excluso de qualquer outra pessoa, portanto, a relao entre o possuidor e o alter; a comunidade. (Tratado de Direito Privado. Borsoi. So Paulo: Tomo 10, p. 71)

    Nessa linha de pensamento, na ao de reintegrao de posse cabe ao

    possuidor esbulhado, a fim de ser restitudo na posse da coisa (art. 1210, do

    CC/2002, correspondente ao art. 499, do CC/1916), a prova dos requisitos previstos

    no art. 927, do CPC.

    Assim, como explica Arnaldo Rizzardo:

    A proteo no caso de esbulho vem garantida nos dispositivos antes citados art. 926 do Cdigo de Processo Civil e art. 1.210 do Cdigo Civil (art. 499 do Cdigo Civil revogado) (...) Trs pressupostos sobressaem: a) dever o possuidor esbulhado ter exercido uma posse anterior; b) a ocorrncia de esbulho da posse que algum provoca; c) a perda da posse em razo do esbulho. Pratica esbulho quem priva outrem da posse, de modo violento ou clandestino, ou com abuso de confiana. E para conseguir a reintegrao, exige-se que o autor prove os seguintes requisitos: a) a prova da posse que exerceu sobre a coisa; b) a existncia de esbulho; c) a perda da posse; d) a data em que ocorreu o esbulho, a fim de postular a reintegrao liminar, data em que deve ser de menos de ano e dia. Direitos das Coisas. Forense: Rio de Janeiro: 3 ed., 2007, p. 105.

    Portanto, examinando-se as particularidades do caso em foco, as

    instncias ordinrias, no exame dos ttulos apresentados pelo recorrente e pela

    recorrida, para fins de cumprimento do art. 927, do CPC, optaram, de forma

    legtima, pelo critrio da antiguidade do ttulo, conferindo-se recorrida a melhor

    posse.Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 6 de 35

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    Ainda que fosse, como de fato , desnecessrio e inadequado dar

    primazia ou privilgio a funo social da posse, no caso sub judice, foi dado pelas

    instncias ordinrias, a esse elemento integrativo, ainda que indiretamente, o devido

    aporte e considerao, da porque, merece ser mantida inclume a concluso das

    instncias ordinrias, que valoraram adequadamente os requisitos elencados no art.

    927 do CPC e concluram por negar ao recorrente o ttulo de melhor posse, com

    base no argumento da antiguidade dos ttulos. Retira-se, por oportuno, trecho

    especfico do v. acrdo recorrido:

    Dessa forma, evidenciado que a posse detida pela r melhor, porquanto mais antiga e por no estar maculada pelos vcios inerentes clandestinidade ou violncia, passa a deter a condio de legtima possuidora, merecendo a proteo legal. (fl. 285, e-STJ)

    E a teor dessa compreenso, que ora adoto, as instncias ordinrias so

    soberanas nessa avaliao - pela possibilidade de examinar o contedo probatrio

    - admitindo-se como critrio, em face de documentos com fora equivalente, a

    antiguidade do ttulo, sem se falar em ressurgimento de dispositivo legal no

    repetido no Cdigo Civil de 2002 e, tampouco, em violao ao princpio da funo

    social da posse.

    Ademais, considerando-se a opo das instncias ordinrias pelo critrio

    da antiguidade da posse e do ttulo, para fixao da melhor posse, mister tecer

    algumas consideraes acerca da origem de tais instrumentos.

    Adianta-se, desde logo, que a anlise de tal questo prescinde de

    reexame de prova, motivo pelo qual no incide, na espcie, a Smula 7 do STJ,

    constituindo-se, dessa forma, mera redefinio do enquadramento jurdico dos fatos

    expressamente mencionados no acrdo hostilizado, procedimento sobejamente

    admitido no mbito desta Corte. Nesse sentido, registra-se:

    AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DOIS RECURSOS. ANLISE EM SEPARADO. PRIMEIRO RECURSO. MORA DESCARACTERIZADA. INCLUSO DO NOME DO DEVEDOR NOS REGISTROS DE RGOS DE PROTEO AO CRDITO. IMPOSSIBILIDADE. SEGUNDO RECURSO. REVISO DE PROVAS. DESNECESSIDADE. REVALORAO JURDICA DOS FATOSDESCRITOS NA ORIGEM. POSSIBILIDADE. 1. (...)2. A matria submetida anlise no encontra limite no verbete sumular n 7/STJ, pois o Tribunal a quo descreveu suficientemente as particularidades da espcie dos autos. Em casos deste jaez, inexiste a reapreciao do contexto probatrio da demanda, mas to somente a

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 7 de 35

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    revalorao jurdica dos elementos fticos delineados pela Corte recorrida.3. Agravos regimentais a que se nega provimento.AgRg no AREsp 3255/RS, Rel. Min. Raul Arajo, DJe de 31/08/2012.

    ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. QUESTO DE FATO INCONTROVERSA. REVALORAO JURDICA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. EMBARGOS REJEITADOS.1. Nos termos do art. 535 do CPC, os embargos de declarao so cabveis para integrar o julgado que se apresentar omisso, contraditrio ou obscuro, bem como para sanar possvel erro material existente na deciso, o que no ocorre no caso concreto.2. "A simples revalorao dos critrios jurdicos utilizados pelo Tribunal de origem na apreciao dos fatos incontroversos no encontra bice na Smula 7/STJ. Precedentes do STJ" (AgRg no AREsp 19.719/SP, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 30/9/11).3. Embargos de declarao rejeitados.EDcl no AgRg no AREsp 29046/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 15/04/2013.

    Com efeito, por um lado, no instrumento particular de compromisso de

    compra e venda do recorrente, celebrado em 06/01/2005, constou, como promitente

    vendedor, o Sr. Jos Pereira dos Santos e a Sra. Antnia Pereira da Silva,

    inexistindo, no que interessa, qualquer referncia existncia de escritura pblica

    do imvel. (fls. 20/23, e-STJ), ou mesmo transferncia a outro ttulo aquisitivo da

    posse anterior.

    E, por outro lado, o instrumento particular de promessa de compra e

    venda dos direitos possessrios da recorrida, juntado s fls. 97/101, faz expressa

    referncia existncia de escritura pblica de compra e venda antecedente,

    quitada e lavrada em 23 de maio de 1979. (fl. 92, e-STJ)

    Alm disso, observando-se a ordem de alienao do imvel objeto do

    presente litgio, verifica-se, em princpio, a correo na cadeia de transferncia

    dominial do bem, at aquisio da posse pela ora recorrida.

    Sem dvida, essas circunstncias, vistas em conjunto, relevam, na

    compreenso deste signatrio, o inexorvel reconhecimento do melhor ttulo da

    recorrida, aliada sua antiguidade, porquanto adquiriu os direitos possessrios

    objeto de discusso, em 06/09/1997, antes, portanto, do ora recorrente.

    Finalmente, embora a questo dominial no importe para fins

    possessrios, certo que os documentos acostados pela recorrida mereceram, aos

    olhos das instncias ordinrias, melhor f a consubstanciar a existncia de justo

    ttulo uma vez que se originam e foram firmados, em encadeamento dominial Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 8 de 35

  • Superior Tribunal de Justia

    devidamente registrado, fugindo a essa regra e prtica exclusivamente o documento

    de aquisio lavrado a bem da ora requerida e vendedora, todavia, ainda assim,

    atrelado ao ltimo titular do histrico dos registros imobilirios do bem, o que, por

    conseguinte, faz por reputar como no atendidos, pelo autor, os requisitos do art.

    927, do Cdigo de Processo Civil.

    3. Do exposto, ouso divergir do eminente relator, negando provimento ao

    recurso especial.

    como voto.

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 2 9 de 35

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    RECURSO ESPECIAL N 1.148.631 - DF (2009/0132727-6)

    VOTO-VOGAL

    EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAJO (PRESIDENTE): Srs.

    Ministros, entendo que a Constituio Federal, conquanto tenha consagrado o princpio da

    funo social da propriedade, no eliminou o direito de propriedade, que est no art. 5, XXII, da

    Constituio, que diz que garantido o direito de propriedade. O inciso XXIII diz que a

    propriedade atender a sua funo social. Do mesmo modo, tambm no art. 170 tem-se a funo

    social da propriedade e tambm o princpio da propriedade privada.

    No entanto, por mais que se considere a propriedade sob o mbito de sua

    funo social, sempre o ncleo essencial mnimo inerente quele direito de propriedade clssico

    ser mantido, porque a Constituio assegura o direito de propriedade.

    Ento, quando examinamos um caso de posse, e importante verificar a

    funo social da propriedade, importante tambm verificar, paralelamente, como disse o Sr.

    Ministro Marco Buzzi, outros requisitos, como o justo ttulo, que no um documento escrito,

    necessariamente formalizado, mas um conjunto de circunstncias que aquele que discute a posse

    em uma ao possessria apresenta para o julgador, que avalia quem apresentou as melhores

    circunstncias diante de seus olhos.

    Temos aqui um caso em que as partes trazem documentos particulares: um

    documento particular de 1997, amparado em documento pblico, porque se reporta a ttulos de

    domnio devidamente registrados, com uma venda realizada pelo preo de quase R$9.000,00

    (nove mil reais); e outro documento, de janeiro de 2005, singelo, sem qualquer referncia

    comprovao mnima de uma posse por parte dos vendedores, dos transmitentes, com um valor

    do mesmo imvel, vendido, agora, em 2005, por apenas R$1.500,00 (hum mil e quinhentos

    reais), quer dizer, um valor praticamente simblico para uma rea de mais de mil metros

    quadrados no Distrito Federal, o que no assim to comum. Talvez o adquirente tenha agido

    realmente de boa-f, mas tem-se que verificar em que condies atuaram os transmitentes

    transmitindo esse tipo de posse, de uma forma aparentemente to precria. A precariedade um

    dos vcios que contamina a posse.

    Ento, esses justos ttulos, que ambos procuraram apresentar para as instncias

    ordinrias, foram avaliados em confronto tambm com outros requisitos, mas, sobretudo, esses

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 3 0 de 35

  • Superior Tribunal de Justia

    ttulos foram o que mais de mais importante tiveram para apresentar. E as instncias ordinrias

    entenderam que o melhor justo ttulo era aparentemente o da promovida e, assim, deram pela

    improcedncia da ao.

    Acho que, como diz o Sr. Ministro Marco Buzzi em seu voto, nas

    circunstncias do caso, as instncias ordinrias avaliaram muito bem a situao. Talvez, noutras

    circunstncias se pudesse dar uma prevalncia para a funo social, mas neste caso, em que a

    funo social no se mostra to relevante, pois no se falava em moradia, no havia plantaes

    importantes, a no ser um terreno capinado, a construo de uma cisterna e de uma pequena casa

    para colocao de mantimentos, no havia uma relevncia to grande para a invocao da funo

    social. Entendeu-se que deveriam ser avaliados outros elementos, que apontavam para uma

    melhor posse. Foi o que as instncias ordinrias entenderam.

    No caso, a situao foi bem solucionada nas instncias ordinrias, por isso,

    com a devida vnia do eminente Relator, que apresenta, como sempre, um voto primoroso,

    acompanho a divergncia inaugurada pelo voto do Sr. Ministro Marco Buzzi.

    Nego provimento ao recurso especial.

    Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 3 1 de 35

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    RECURSO ESPECIAL N 1.148.631 - DF (2009/0132727-6)

    VOTO

    MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, cumprimento

    os Colegas pelos magnficos votos e pelo debate instigante e peo vnia ao

    eminente Relator para aderir divergncia pelos motivos constantes no minucioso

    voto do Sr. Ministro Marco Buzzi e pelos motivos agora expostos por V. Exa.

    Entendo que a funo social da sociedade est prevista na

    Constituio e tem como pressuposto seja reconhecido o prprio direito de

    propriedade. Tendo em mira a funo social da propriedade, est previsto o

    usucapio de pequenos imveis urbanos e rurais em prazos bastante inferiores ao

    usucapio ordinrio, do Cdigo Civil, exatamente para privilegiar situaes de

    moradia e de subsistncia. Nestes dispositivos constitucionais, sem dvida, a

    prevalncia do aspecto social, mas sempre havendo a proteo ao direito de

    propriedade pelo prazo mnimo necessrio para o usucapio. necessrio cumprir

    o prazo do usucapio especial, constitucional, para, mesmo em face de haver

    contingncias sociais, se destituir o proprietrio da propriedade ou da posse

    exercida com base no domnio, sem prvia indenizao prevista em lei e na

    Constituio.

    relevante tambm a funo social da propriedade na medida em que

    h impostos muito mais caros para coibir propriedades que no exeram a sua

    funo social. H diversas restries de ordem administrativa, outras relacionadas

    ao direito ambiental ou ao direito de vizinhana, muitas limitaes que tm em mira

    tambm esse princpio da funo social da propriedade.

    Penso, todavia, que no se pode levar ao extremo o princpio da

    funo social da propriedade a ponto de desconsiderar o ncleo mnimo do direito

    de propriedade, do qual no se pode separar a noo de que haja algum ttulo

    invocado pelas partes que deva ser avaliado pelo juiz ao decidir a reintegrao de

    posse.

    Portanto, penso que esses critrios do Cdigo Civil revogado, que no

    so reproduzidos literalmente pelo Cdigo Civil novo, devem, sim, ser levados em

    considerao pelo juiz ao apreciar a ao possessria. A necessidade de valorao

    do "ttulo" invocado pelas partes se extrai tambm do sistema do Cdigo atual e

    inerente ao prprio conceito de propriedade e posse. Tambm a noo de tempo

    relevante no Cdigo Civil novo e tambm no sistema constitucional. A antiguidade

    de um direito ou de um bem valorizada pelo sistema jurdico, seja no mbito Documento: 1241481 - Inteiro Teor do Acrdo - Site certificado - DJe: 04/04/2014 Pgina 3 2 de 35

  • Superior Tribunal de Justia

    pblico seja no privado.

    Considero, portanto, que as caractersticas do ttulo invocado pelas

    partes e antiguidade devem ser analisados pelo juiz ao decidir qual a melhor posse.

    Assim, com a devida vnia do Sr. Ministro Relator, adiro divergncia

    e nego provimento ao recurso especial.

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    RECURSO ESPECIAL N 1.148.631 - DF (2009/0132727-6) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMORECORRENTE : EUFRSIO JUSTINO DE ARAJO ADVOGADO : NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS -

    DEFENSORA PBLICA E OUTROSRECORRIDO : CTIA BARCELOS DE ABREU ADVOGADO : ALEXANDRE DE ALMEIDA SANTOS

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Sr. Presidente,

    inicialmente, cumprimento o Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMO e o Sr. Ministro MARCO

    BUZZI pela qualidade dos votos, em uma questo relevante e de grande repercusso.

    Entendo que, em situaes da espcie, o instituto da funo social da posse

    deve ser utilizado, ainda que de maneira prevalente, em harmonia com os demais institutos

    e com os elementos de instruo do processo. Lamentavelmente, esse processo, como foi

    acentuado, no consubstancia recurso apto a permitir a devoluo s instncias ordinrias

    para reexame da matria sob o enfoque sugerido pelo relator, porque me parece que no

    h prequestionamento, o assunto no foi debatido, no h embargos de declarao.

    Ento, nessas condies, peo vnia ao Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMO

    - espero que esse assunto retorne discusso para que nela nos aprofundemos - para

    acompanhar a divergncia.

    NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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    CERTIDO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

    Nmero Registro: 2009/0132727-6 PROCESSO ELETRNICO REsp 1.148.631 / DF

    Nmeros Origem: 20070810043068 430682007

    PAUTA: 15/08/2013 JULGADO: 15/08/2013

    RelatorExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMO

    Relator para AcrdoExmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

    Presidente da SessoExmo. Sr. Ministro RAUL ARAJO

    Subprocurador-Geral da RepblicaExmo. Sr. Dr. ANTNIO CARLOS PESSOA LINS

    SecretriaBela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

    AUTUAO

    RECORRENTE : EUFRSIO JUSTINO DE ARAJOADVOGADO : NILMA GERVASIO AZEVEDO SOUZA FERREIRA SANTOS - DEFENSORA

    PBLICA E OUTROSRECORRIDO : CTIA BARCELOS DE ABREUADVOGADO : ALEXANDRE DE ALMEIDA SANTOS

    ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Posse

    CERTIDO

    Certifico que a egrgia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epgrafe na sesso realizada nesta data, proferiu a seguinte deciso:

    Prosseguindo no julgamento, aps o voto-vista do Ministro Marco Buzzi, negando provimento ao recurso, divergindo do Relator, e os votos do Ministros Raul Arajo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, acompanhando a divergnia, a Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Ministro Marco Buzzi, que lavrar o acrdo.

    Votaram com o Sr. Ministro Marco Buzzi os Srs. Ministros Raul Arajo Filho, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.

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